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ANO 17 - Nº 203 - OUTUBRO/2009 - ISSN 1676-3661 EDITORIAL: SOBRE A PENA DE MORTE ................ 1 O CRIME DE ESTUPRO E A LEI Nº 12.015/09: UM DEBATE DESENFOCADO .................................... 2 Vinicius de Toledo Piza Peluso POLÍCIA FEDERAL E A SÚMULA VINCULANTE Nº 14 DO STF ............... 4 Carlos Eduardo Machado e Diogo Tebet LEI, COTIDIANO E CIDADE. POLÍCIA CIVIL E PRÁTICAS POLICIAIS NA SÃO PAULO REPUBLICANA (1889-1930) .. 6 Thaís Battibugli PRESCRIÇÃO PENAL: NOVA LEI, VELHAS INIQUIDADES ........................ 7 César Peres A (IN)EXISTÊNCIA DE PODER GERAL DE CAUTELA NO PROCESSO PENAL .. 8 Aury Lopes Jr. USO INDEVIDO DE INFORMAÇÃO PRIVILEGIADA: A (RE)DESCOBERTA DE UM NOVO CRIME .......................... 9 Daniel Del Cid SÚMULA: A MULTA ALTERNATIVA E A TRANSAÇÃO PENAL ......................... 10 Matheus Silveira Pupo PROBLEMAS DECORRENTES DA REFORMA PROCESSUAL DE 2008: CITAÇÃO DO ACUSADO, NOMEAÇÃO DE DEFENSOR E SUA CONSTITUIÇÃO APUD ACTA ............ 12 José Barcelos de Souza A CONDENAÇÃO PELO ARTIGO 28 DA LEI DE DROGAS NÃO GERA REINCIDÊNCIA E OUTROS EFEITOS SECUNDÁRIOS ................................... 14 Carlos Eduardo Afonso Rodrigues O CAOS PENITENCIÁRIO... SERIA MESMO UM CAOS? ........................... 15 Alvino Augusto de Sá O PRINCÍPIO DA NE REFORMATIO IN PEJUS INDIRETA NAS DECISÕES DO TRIBUNAL DO JÚRI ........................... 16 Galvão Rabelo COM A PALAVRA, O ESTUDANTE: A INIMPUTABILIDADE DO INDÍGENA E O PROJETO DE LEI 216/2008 ...... 18 Tédney Moreira da Silva CADERNO DE JURISPRUDÊNCIA O DIREITO POR QUEM O FAZ DIREITO PENAL HUMANO E O PRINCÍPIO DA RACIONALIDADE REPUBLICANA ............................... 1305 EMENTAS Supremo Tribunal Federal .................. 1306 Superior Tribunal de Justiça ................ 1307 Tribunais Regionais Federais .............. 1308 Tribunais de Justiça ............................ 1310 O caso Motta Coqueiro, réu executado em 1855, tem sido considerado o último grande caso com pena de morte no Brasil. Descoberto o erro judi- ciário, nosso imperador ficou muito preocupado, tendo comutado sistematicamente todas as deci- sões posteriores que chegaram a seu exame. É ver- dade, também, que o escravo Pilar foi executado depois no Estado de Alagoas, em 1876, o que bem mostra dualidades desde sempre existentes no Bra- sil. Oficialmente abolida após a Proclamação da República, a pena capital nunca mais foi executa- da em civis. Posteriormente, a Ditadura de 64 a reviveu com a famigerada Lei de Segurança Nacional de 29/9/1969, embora não tenha sido oficialmente apli- cada. No entanto, como se sabe, nessa época muitos fo- ram mortos nos cárceres, sem o devido processo legal, ten- do ainda o regime militar deixado um passivo de 426 desaparecidos. O que isso tem a ver com os dias que correm? Do Século XVIII até o fi- nal da Segunda Grande Guerra, começam a florescer no mundo as cha- madas sociedades disciplinares. Trata-se de um pe- ríodo em que a sociedade vê no enclausuramento, com sua partição de espaço prisões, manicômios, hospitais, escolas etc., a operação fundamental para concluir o processo de controle social. Na pós-mo- dernidade, no entanto, as sociedades disciplina- res cedem espaço para as chamadas sociedades de controle. Estas são marcadas pela interpenetração de espaços, por uma pretensa ausência de limites definidos (a rede) e pela instauração de um tempo contínuo no qual os cidadãos não conseguem ter- minar coisa alguma, porquanto enredados numa espécie de dívida impagável com um período con- tínuo e sucessivo em que os eventos se sucedem e nos escapam. Trata-se da modernidade líquida aludida por Zygmunt Bauman. O mundo dual da pós-modernidade convive com a sociedade de controle, mas continua a punir com a pena de morte. Os Estados Unidos, a China, Cuba e muitos países da África, Ásia e Oriente Médio, ainda têm a pena de morte como carro-chefe do sistema punitivo. Entre nós, em- bora não prevista em lei, salvo para casos de guerra declarada (art. 5º, XLVI, “a” da Consti- tuição Federal), a pena de morte na prática per- EDITORIAL: SOBRE A PENA DE MORTE siste. Não são poucas as execuções policiais nos grandes centros urbanos, ou homicídios pratica- dos em cárceres por internos que se prevalecem da ausência do Estado. De tempos em tempos surgem notícias da retomada das atividades de alguns esquadrões da morte O fato é que cida- dãos se tornam vítimas de um processo social que não distancia muito o Brasil dos países que têm oficialmente a pena capital. O 12º Congresso da ONU sobre Prevenção ao Crime e Justiça Criminal será realizado no Bra- sil, em Salvador, no próximo ano. O IBCCRIM, na retomada do quanto já manifestado em seu pri- meiro Boletim, quando tra- tou exatamente do cruento tema, pretende mobilizar operadores do direito, so- ciedade civil, organizações não governamentais, uni- versidades e entidades de direitos humanos, para uma grande campanha contra a pena de morte, campanha já desencadeada internacionalmente pelo Instituto de Direito Penal Europeu e Internacional da Universidad de Castilla-La Mancha. Será constituída uma rede para discutir o sistema punitivo da nossa socie- dade pós-moderna, de tal modo que possibilite grande empenho das nações na busca de alter- nativas a este tipo bárbaro de punição. Se não for possível uma imediata abolição da pena de mor- te, que se consiga, ao menos, um compromisso diplomático dos países que a aplicam, com uma moratória imediata e sua proibição taxativa para mulheres, menores de idade e incapacitados. É fundamental discutir um amplo temário que abranja o uso letal da forças de segurança em execuções extrajudiciais; a relação existente en- tre as religiões e a pena capital; seu pretenso efei- to dissuasório; as experiências de abolição; o crescimento da criminalidade violenta. O IBCCRIM, no próximo mês, iniciará uma série de discussões acerca do tema. Serão realiza- dos seminários preparatórios do Congresso da ONU de 2010, bem como um Painel Especial so- bre o assunto para o Seminário Anual do Instituto do próximo ano. Também serão confeccionadas publicações específicas sobre o tema para lembrar- mos que — paradoxalmente — a pena de morte ainda está muito viva entre nós. Oficialmente abolida após a Proclamação da República, a pena capital nunca mais foi executada em civis. Posteriormente, a Ditadura de 64 a reviveu com a famigerada Lei de Segurança Nacional de 29/9/1969, embora não tenha sido oficialmente aplicada. SOBRE A PENA DE MORTE

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  • ANO 17 - Nº 203 - OUTUBRO/2009 - ISSN 1676-3661

    • EDITORIAL:• SOBRE A PENA DE MORTE ................ 1• O CRIME DE ESTUPRO E A

    LEI Nº 12.015/09: UM DEBATEDESENFOCADO .................................... 2Vinicius de Toledo Piza Peluso

    • POLÍCIA FEDERAL E A SÚMULAVINCULANTE Nº 14 DO STF ............... 4Carlos Eduardo Machado e Diogo Tebet

    • LEI, COTIDIANO E CIDADE. POLÍCIACIVIL E PRÁTICAS POLICIAIS NA SÃOPAULO REPUBLICANA (1889-1930) .. 6Thaís Battibugli

    • PRESCRIÇÃO PENAL: NOVA LEI,VELHAS INIQUIDADES ........................ 7César Peres

    • A (IN)EXISTÊNCIA DE PODER GERALDE CAUTELA NO PROCESSO PENAL .. 8Aury Lopes Jr.

    • USO INDEVIDO DE INFORMAÇÃOPRIVILEGIADA: A (RE)DESCOBERTADE UM NOVO CRIME .......................... 9Daniel Del Cid

    • SÚMULA: A MULTA ALTERNATIVA E ATRANSAÇÃO PENAL ......................... 10Matheus Silveira Pupo

    • PROBLEMAS DECORRENTES DAREFORMA PROCESSUAL DE 2008:CITAÇÃO DO ACUSADO,NOMEAÇÃO DE DEFENSOR E SUACONSTITUIÇÃO APUD ACTA ............ 12José Barcelos de Souza

    • A CONDENAÇÃO PELO ARTIGO 28 DALEI DE DROGAS NÃO GERAREINCIDÊNCIA E OUTROS EFEITOSSECUNDÁRIOS ................................... 14Carlos Eduardo Afonso Rodrigues

    • O CAOS PENITENCIÁRIO... SERIAMESMO UM CAOS? ........................... 15Alvino Augusto de Sá

    • O PRINCÍPIO DA NE REFORMATIO INPEJUS INDIRETA NAS DECISÕES DOTRIBUNAL DO JÚRI ........................... 16Galvão Rabelo

    • COM A PALAVRA, O ESTUDANTE:A INIMPUTABILIDADE DO INDÍGENAE O PROJETO DE LEI 216/2008 ...... 18Tédney Moreira da Silva

    CADERNO DE JURISPRUDÊNCIA

    O DIREITO POR QUEM O FAZ

    • DIREITO PENAL HUMANO E OPRINCÍPIO DA RACIONALIDADEREPUBLICANA ............................... 1305

    EMENTAS

    • Supremo Tribunal Federal .................. 1306• Superior Tribunal de Justiça ................ 1307• Tribunais Regionais Federais .............. 1308• Tribunais de Justiça ............................ 1310

    O caso Motta Coqueiro, réu executado em 1855,tem sido considerado o último grande caso compena de morte no Brasil. Descoberto o erro judi-ciário, nosso imperador ficou muito preocupado,tendo comutado sistematicamente todas as deci-sões posteriores que chegaram a seu exame. É ver-dade, também, que o escravo Pilar foi executadodepois no Estado de Alagoas, em 1876, o que bemmostra dualidades desde sempre existentes no Bra-sil. Oficialmente abolida após a Proclamação daRepública, a pena capital nunca mais foi executa-da em civis. Posteriormente, a Ditadura de 64 areviveu com a famigeradaLei de Segurança Nacionalde 29/9/1969, embora nãotenha sido oficialmente apli-cada. No entanto, como sesabe, nessa época muitos fo-ram mortos nos cárceres, semo devido processo legal, ten-do ainda o regime militardeixado um passivo de 426desaparecidos.

    O que isso tem a ver comos dias que correm?

    Do Século XVIII até o fi-nal da Segunda GrandeGuerra, começam a florescer no mundo as cha-madas sociedades disciplinares. Trata-se de um pe-ríodo em que a sociedade vê no enclausuramento,com sua partição de espaço prisões, manicômios,hospitais, escolas etc., a operação fundamental paraconcluir o processo de controle social. Na pós-mo-dernidade, no entanto, as sociedades disciplina-res cedem espaço para as chamadas sociedades decontrole. Estas são marcadas pela interpenetraçãode espaços, por uma pretensa ausência de limitesdefinidos (a rede) e pela instauração de um tempocontínuo no qual os cidadãos não conseguem ter-minar coisa alguma, porquanto enredados numaespécie de dívida impagável com um período con-tínuo e sucessivo em que os eventos se sucedem enos escapam. Trata-se da modernidade líquidaaludida por Zygmunt Bauman.

    O mundo dual da pós-modernidade convivecom a sociedade de controle, mas continua apunir com a pena de morte. Os Estados Unidos,a China, Cuba e muitos países da África, Ásia eOriente Médio, ainda têm a pena de morte comocarro-chefe do sistema punitivo. Entre nós, em-bora não prevista em lei, salvo para casos deguerra declarada (art. 5º, XLVI, “a” da Consti-tuição Federal), a pena de morte na prática per-

    EDITORIAL:SOBRE A PENA DE MORTE

    siste. Não são poucas as execuções policiais nosgrandes centros urbanos, ou homicídios pratica-dos em cárceres por internos que se prevalecemda ausência do Estado. De tempos em tempossurgem notícias da retomada das atividades dealguns esquadrões da morte O fato é que cida-dãos se tornam vítimas de um processo social quenão distancia muito o Brasil dos países que têmoficialmente a pena capital.

    O 12º Congresso da ONU sobre Prevenção aoCrime e Justiça Criminal será realizado no Bra-sil, em Salvador, no próximo ano. O IBCCRIM,

    na retomada do quanto jámanifestado em seu pri-meiro Boletim, quando tra-tou exatamente do cruentotema, pretende mobilizaroperadores do direito, so-ciedade civil, organizaçõesnão governamentais, uni-versidades e entidades dedireitos humanos, parauma grande campanhacontra a pena de morte,campanha já desencadeadainternacionalmente peloInstituto de Direito Penal

    Europeu e Internacional da Universidad deCastilla-La Mancha. Será constituída uma redepara discutir o sistema punitivo da nossa socie-dade pós-moderna, de tal modo que possibilitegrande empenho das nações na busca de alter-nativas a este tipo bárbaro de punição. Se não forpossível uma imediata abolição da pena de mor-te, que se consiga, ao menos, um compromissodiplomático dos países que a aplicam, com umamoratória imediata e sua proibição taxativa paramulheres, menores de idade e incapacitados. Éfundamental discutir um amplo temário queabranja o uso letal da forças de segurança emexecuções extrajudiciais; a relação existente en-tre as religiões e a pena capital; seu pretenso efei-to dissuasório; as experiências de abolição; ocrescimento da criminalidade violenta.

    O IBCCRIM, no próximo mês, iniciará umasérie de discussões acerca do tema. Serão realiza-dos seminários preparatórios do Congresso daONU de 2010, bem como um Painel Especial so-bre o assunto para o Seminário Anual do Institutodo próximo ano. Também serão confeccionadaspublicações específicas sobre o tema para lembrar-mos que — paradoxalmente — a pena de morteainda está muito viva entre nós.

    Oficialmente abolida apósa Proclamação da República,

    a pena capital nunca maisfoi executada em civis.

    Posteriormente, a Ditadura de64 a reviveu com a famigeradaLei de Segurança Nacional de

    29/9/1969, embora não tenhasido oficialmente aplicada.

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    O CRIME DE ESTUPRO E A LEI Nº 12.015/09: UM DEBATE DESENFOCADOVinicius de Toledo Piza Peluso

    A recente Lei nº 12.015/09 modificouprofunda e sensivelmente os crimes defini-dos no Título VI do Código Penal e, em es-pecial, o crime de estupro, ao revogar ex-pressamente o art. 214, que tratava do cri-me de atentado violento ao pudor, englo-bando seu conteúdo típico no art. 213 que,agora, define o novo crime de estupro, coma seguinte redação: “Constranger alguém,mediante violência ou grave ameaça, a terconjunção carnal ou a praticar ou permitir quecom ele se pratique outro ato libidinoso”.

    Diante de tal novidade legislativa, inú-meros comentários e interpretações torna-ram-se públicos e, como não podia deixarde ser, apresentando significativas diver-gências.

    Dentre tais divergências, a que vemsuscitando maior atenção é se o novo art.213 do CP é um tipo penal misto alterna-tivo ou cumulativo.

    Os que defendem tratar-se de tipo penalmisto alternativo afirmam que o mesmoapresenta várias condutas – no caso, duas(constranger à conjunção carnal e constran-ger a outros atos libidinosos) – e que a prá-tica de uma ou outra conduta será suficien-te para a caracterização do delito, mas que,entretanto, a prática de ambas as condutasdescritas no tipo, em um mesmo contextofático, caracteriza o crime único(1).

    Já os que sustentam tratar-se de tipo pe-nal misto cumulativo também asseveramque o novo art. 213 do CP possui duas con-dutas, que, por sua vez, caracterizam cri-mes distintos e autônomos; assim, aindaque em um mesmo contexto fático, cadaviolação conforma a aplicação de uma pena,gerando o concurso de crimes(2).

    A discussão parte da premissa de que onovo tipo penal é um tipo misto, ou seja,estaríamos diante de um tipo que apresen-ta uma pluralidade de condutas, ora alter-nativas, ora cumulativas.

    Todavia, após uma análise mais detidasobre a recente redação do art. 213 do CP,s.m.j., chega-se à conclusão de que tal con-trovérsia está desenfocada.

    Inicialmente é preciso internalizar quea modificação introduzida pela Lei nº12.015/09 criou um novo e inédito crime,totalmente diverso das anteriores figuras tí-picas dos crimes de estupro e atentado vio-lento ao pudor, ainda que aproveitandoparte de seus elementos constitutivos; por-tanto, na apreciação dessa nova figura pe-nal, é preciso soltar as amarras das antigasdefinições típicas que, inegavelmente, en-contram-se enraizadas em nossa cultura ju-rídico-penal.

    Propõem-se, assim, uma nova leitura do

    tipo penal do art. 213 do CP.Da observação dos elementos objetivos

    do tipo(3), verifica-se que o mesmo apre-senta um único verbo nuclear de ação,qual seja, “constranger”, que significaobrigar, forçar, coagir, compelir a fazer ounão fazer algo. O núcleo é a ação, repre-sentada por um verbo, “que puede venirdeterminada por circunstancias de la másdiversa índole, como sua relación conpersonas o cosas, su vin-culación con el tiempo yel espacio, la forma ymodo de su ejecución, ysus nexos con otrasacciones” (4).

    Por sua vez, o verbonuclear “constranger”está ligado à forma deexecução “medianteviolência ou grave amea-ça” e é completado peloseu objeto, qual seja,“alguém” que venha ater conjunção carnal ouvenha a praticar ou per-mitir que com ele sepratique outro ato libi-dinoso.

    Diante de tais ele-mentos objetivos, pode-se afirmar que o novoart. 213 do CP descrevee estabelece uma únicaação ou conduta do su-jeito ativo, ainda quemediante uma pluralidade de movimentos.Há somente a conduta do agente de cons-tranger alguém, mediante violência ou gra-ve ameaça, e tal conduta de constrangimen-to tem como objeto material uma pessoa(alguém), que, por sua vez, deve ter con-junção carnal ou praticar ou permitir quecom ela se pratique outro ato libidinoso.

    Assim, quem deve ter conjunção car-nal ou praticar ou permitir que com ele sepratique outro ato libidinoso é o “al-guém”, objeto material da conduta, que,no caso, se confunde com o próprio sujei-to passivo. Portanto, após o constrangi-mento a que foi submetido, este “alguém”deve praticar os atos libidinosos (posturaativa) ou deixar que com ele se pratique(postura passiva); e, nesses termos, sequeré necessário que a prática, ou a sua acei-tação, esteja diretamente relacionada como sujeito ativo, pois tais atos podem serconcretizados com terceiros.

    Anteriormente, o art. 213 do CP definiacomo estupro o ato de constranger mulherà conjunção carnal, mediante violência ou

    grave ameaça, daí se afirmava corretamen-te tratar-se de crime de mão própria; mas,agora, a nova redação foi sensivelmente mo-dificada ao prever a conduta de constran-ger alguém a ter conjunção carnal, indican-do que a conjunção carnal não precisa serefetivada com o próprio agente, como ocor-ria na anterior redação.

    Pode-se concluir que a única conduta doagente é a de constranger alguém para a

    prática ativa ou pas-siva de atos com finslibidinosos, esse é ofator final que dá sen-tido aos atos do sujei-to ativo e que os abar-ca em um sentidounitário, para os efei-tos da proibição (fa-tor normativo), dadopelo tipo penal(5).

    Aliás, é de vitalimportância observarque o constrangi-mento é dirigido aque a vítima pratiqueou deixe que com elase pratique atos libi-dinosos, sejam elesde qualquer espécie,seja através de con-junção carnal, sejaatravés de coito anal,seja através de felaçãoetc., já que tais mo-dalidades nada mais

    são do que espécies do gênero ato libidino-so, e, tanto isso é verdade, que o tipo penalem questão é explícito ao mencionar con-junção carnal ou outro ato libidinoso, a con-firmar, pois, tal afirmação.

    Ademais, se a expressão “conjunçãocarnal” for mentalmente excluída do tipopenal, não há qualquer modificação típi-ca, a demonstrar que não se trata de ver-dadeira elementar do tipo ou descrição deoutra conduta, mas, apenas, significar aexpressão da técnica legislativa de exem-plificação dos atos libidinosos, como ocor-re em outros tipos penais.

    E nem poderia ser de outra maneira,pois a alteração legislativa teve como fi-nalidade tutelar penalmente a dignidadee a liberdade sexual de todos os indiví-duos, sejam eles do sexo masculino ou fe-minino, ante a inexistência de hierarquiavalorativa entre a dignidade e a liberdadesexual da mulher ou do homem, nos ter-mos do art. 5º, caput, e inciso I, da CF.

    Uma não vale mais que a outra, poisambas possuem exatamente o mesmo di-

    Inicialmente é precisointernalizar que a modificação

    introduzida pela Leinº 12.015/09 criou um novo e

    inédito crime, totalmentediverso das anteriores figurastípicas dos crimes de estupro e

    atentado violento ao pudor,ainda que aproveitando parte

    de seus elementosconstitutivos; portanto, na

    apreciação dessa nova figurapenal, é preciso soltar as

    amarras das antigas definiçõestípicas que, inegavelmente,encontram-se enraizadas emnossa cultura jurídico-penal.

  • BOLETIM IBCCRIM - ANO 17 - Nº 203 - OUTUBRO - 2009 3

    (FUNDADO EM 14.10.92)

    DIRETORIA DA GESTÃO 2009/2010

    DIRETORIA EXECUTIVA

    PRESIDENTE: Sérgio Mazina Martins

    1º VICE-PRESIDENTE: Carlos Vico Mañas

    2ª VICE-PRESIDENTE: Marta Cristina Cury SaadGimenes

    1ª SECRETÁRIA: Juliana Garcia Belloque

    2º SECRETÁRIO: Cristiano Avila Maronna

    1º TESOUREIRO: Édson Luís Baldan

    2º TESOUREIRO: Ivan Martins Motta

    CONSELHO CONSULTIVO:Carina Quito,Carlos Alberto Pires Mendes,Marco Antonio Rodrigues Nahum,Sérgio Salomão Shecaira eTheodomiro Dias Neto

    COORDENADORES-CHEFES:BIBLIOTECA: Ivan Luís Marques da SilvaBOLETIM: Andre Pires de Andrade Kehdi

    CURSOS: André Adriano Nascimento SilvaESTUDOS E PROJETOS LEGISLATIVOS:Gustavo Octaviano Diniz Junqueira

    INICIAÇÃO CIENTÍFICA: Camila Akemi PerrusoINTERNET: Luciano Anderson de SouzaMONOGRAFIAS: Fernando SallaNÚCLEO DE PESQUISAS: Maria Amélia deAlmeida TellesPÓS-GRADUAÇÃO: Helena Regina Lobo da CostaRELAÇÕES INTERNACIONAIS: Marcos AlexandreCoelho ZilliRepresentante do IBCCRIMjunto ao Olapoc: Renata Flores TybiriçáREVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS CRIMINAIS:Ana Elisa Liberatore S. Bechara

    COMISSÕES:Presidentes:CÓDIGO PENAL: Mariângela Gama de MagalhãesGomesDEFESA DOS DIREITOS E GARANTIASFUNDAMENTAIS: Rafael S. Lira

    DIREITO PENAL ECONÔMCO: LudmilaVasconcelos Leite GrochHISTÓRIA: Ana Elisa Liberatore S. Bechara

    INFÂNCIA E JUVENTUDE: Luis Fernando C. deBarros VidalJUSTIÇA E SEGURANÇA: Renato Campos Pintode VittoMEIO AMBIENTE: Adilson Paulo Prudente doAmaralMESAS DE ESTUDOS E DEBATES: Paulo Sérgiode Oliveira

    NÚCLEO DE JURISPRUDÊNCIA: GuilhermeMadeira DezemPOLÍTICA NACIONAL DE DROGAS: Maurides deMelo RibeiroSEMINÁRIO INTERNACIONAL: Carlos Vico MañasSISTEMA PRISIONAL: Alessandra Teixeira

    BOLETIM IBCCRIM - ANO 17 - Nº 203 - OUTUBRO - 2009 3

    reito de proteção penal e sofrem o mesmodano decorrente das condutas sexuais crimi-nosas, através da prática forçada de todo equalquer ato libidinoso, cuja conjunção car-nal é espécie; e, portanto, nem se alegue quea dignidade sexual feminina seria mais valio-sa do que a masculina – o que aparentemen-te está por trás da fundamentação dos quedefendem a existência de duas condutas típi-cas –, ante a real possibilidade de a mulherengravidar como resultado de um crime se-xual, até porque tal situação já foi penal e di-ferentemente protegida com a causa de au-mento de pena do novo art. 234-A, III, do CP.

    Assim, diante de tal igualdade, patente queo novo crime de estupro não faz mais a antigadesvaloração diferenciada entre conjunção car-nal e os demais atos libidinosos, tratando-os emtipos autônomos. Agora, todo e qualquer cons-trangimento à prática ativa ou passiva de atolibidinoso contra homem ou mulher tem amesma desaprovação penal no art. 213 do CP.

    Está-se diante de uma nova figura típica quenão se confunde com os antigos crimes de es-tupro e atentado violento ao pudor. E mais, está-se diante de um tipo penal com uma única con-duta e não diante de um tipo misto (alternati-vo ou cumulativo), pois, como visto, não hádescrição de uma conduta constrangedora paraa prática de conjunção carnal e outra para aprática de atos libidinosos, mas unicamente háa descrição da conduta constrangedora para a

    prática de todo e qualquer ato libidinoso; con-sequentemente, a prática de vários atos libidi-nosos (p. ex. conjunção carnal + coito anal) emum mesmo contexto fático importa na práticade apenas um crime, por corresponder aos exa-tos termos da única conduta descrita no tipo.

    NOTASNOTASNOTASNOTASNOTAS

    (1) cf. NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes Contra a Dignida-de Sexual. Comentários à Lei nº 12.015, de 07 de agostode 2009. São Paulo: RT, 2009.

    (2) cf: GRECO FILHO, Vicente. Uma interpretação de duvidosadignidade. São Paulo, 2009. Disponível em: . Acesso em:10.09.2009.

    (3) Consideram-se elementos objetivos do tipo tudo o que esti-ver situado fora da esfera anímica do autor, já que o con-ceito “objetivo” do tipo não pode ficar circunscrito somen-te ao mundo dos fenômenos externos por se achar mistu-rado com fatores subjetivos e valorações normativas (v.JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de Derecho Penal –Parte General, trad. José Luis Manzanares Samaniego,4ª ed. Granada: Editorial Comares, p. 246-247).

    (4) JESCHECK, Hans-Heinrich. Op. cit.(5) cf. ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henri-

    que. Manual de Direito Penal Brasileiro – Parte Geral. SãoPaulo: RT, 1997. p. 723-724.

    Vinicius de Toledo Piza PelusoJuiz de Direito/SP; professor de Direito Penal

    da Universidade Católica de Santos e da Escola Paulistada Magistratura; mestrando em Direito Penal na PUC/SP;

    membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais(IBCCRIM); membro da Associação Internacional

    de Direito Penal (AIDP)

    PROFESSOR RENATO SILVEIRA CONQUISTA TITULARIDADEEM DIREITO PENAL NA USPO IBCCRIM felicita seu associado e colaborador, o professor Renato de Mello Jorge Silveiraque, em 25 de agosto de 2009, conquistou a titularidade da cadeira de Direito Penal na Faculdadede Direito do Largo de São Francisco (Universidade de São Paulo - USP).Renato Silveira é especialista em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (2000) e pelaUniversidade de Coimbra (2000), doutor pela USP (2001), pós-doutor pela Universidade deCastilla-La Mancha (2003) e pela Universidade de Salamanca (2006) e livre-docente pela USP (2007),concursado do Largo de São Francisco desde 2003 em regime de dedicação exclusiva.A banca examinadora do concurso que outorgou a titularidade a Renato Silveira foi composta porMiguel Reale Júnior (Presidente - USP), Sérgio Salomão Shecaira (USP), Oswaldo Henrique Duek Marques (PUC-SP),Luis Arroyo Zapatero (Universidade de Castilla-La Mancha) e Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (UFPR).

    MARIA AMÉLIA DE ALMEIDA TELES, COORDENADORA DO NÚCLEO DEPESQUISAS DO IBCCRIM, RECEBEU TÍTULO DE CIDADÃ PAULISTANAEm 28 de setembro de 2009, Maria Amélia de Almeida Teles recebeu, em sessão solene,a medalha “Anchieta” e um diploma de “Gratidão da Cidade de São Paulo”. Autora de inúmeros artigossobre o tema, Amelinha é militante feminista histórica, diretora da União de Mulheres de São Paulo,coordenadora-chefe do Núcleo de Pesquisas do IBCCRIM, coordenadora do projeto:“Promotoras Legais Populares” e do Centro de Orientação e Formação de Mulheres.Na década de 60, Amelinha foi presa política juntamente com seu companheiro, irmã e filhos.A militância feminista começou, assim, no presídio, na atuação junto com mulheres militantes,ex-presas políticas ou não, que falavam em feminismo, sexualidade e igualdade de direitos,assuntos que fizeram e fazem parte de seu trabalho político.

  • BOLETIM IBCCRIM - ANO 17 - Nº 203 - OUTUBRO - 20094

    POLÍCIA FEDERAL E A SÚMULA VINCULANTE Nº14 DO STFCarlos Eduardo Machado e Diogo Tebet

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    STF

    Em 20 de fevereiro do presente ano foiexpedida, pela Corregedoria-Geral da Po-lícia Federal, a Orientação Normativa nº27, com o objetivo de servir de guia aos“dirigentes, corregedores regionais, chefes dedelegacias e demais autoridades policiais”de como proceder em relação aos pedidosde vista e extração de cópias dos autos deinquérito policial formulados por advoga-dos, “considerando (...) o procedimento re-lativo ao pedido de vista de inquéritos poli-ciais previsto no Estatuto da Advocacia e daOrdem dos Advogados do Brasil (Lei 8.906,de 04 de julho de 1994) e a atual jurispru-dência do STF e do STJ”.

    Analisando o teor dos oito incisos doreferido ato normativo, patente é a viola-ção justamente aos dispositivos que enun-cia observar, quais sejam, o próprio Esta-tuto da OAB, a jurisprudência vinculantedo Supremo Tribunal Federal e a Consti-tuição Federal.

    Os incisos I e III demandam a apresen-tação de procuração para o exercício do“direito de consultar o inquérito policial emcartório”. Ao estabelecerem a procuraçãocomo requisito para vista dos autos, osdispositivos exigem condição que o art. 7º,XIV da Lei nº 8.906/94 expressamentedispensa, sendo patente, portanto, a ile-galidade daquela exigência(1).

    Na mesma linha de desrespeito às prer-rogativas profissionais dos advogados, bemcomo ao exercício do direito constitucionalda ampla defesa, os incisos II, III, IV e V daorientação normativa afrontam flagrante-mente o enunciado da Súmula Vinculantenº 14 do Supremo Tribunal Federal, ao dis-porem sobre as medidas a serem adotadaspela autoridade policial para assegurar o si-gilo da investigação criminal.

    Preveem os referidos dispositivos que aoescrivão do feito será determinado o desen-tranhamento de despacho e de documen-tos que façam menção a diligências aindanão cumpridas ou em andamento (II), sen-do tais elementos colocados em autos apar-tados, e somente incorporados depois de fi-nalizadas as diligências (V). Os advogados,mesmo com procuração, terão acesso so-mente aos dados e documentos já produ-zidos relativos a seus clientes (III), nãosendo concedido acesso a diligências emcurso, nem a informações que digam res-peito exclusivamente a terceiros, investiga-dos ou não (IV).

    Tais dispositivos configuram verdadeirateratologia jurídica, sendo absolutamenteinconcebíveis dentro de um Estado Demo-crático de Direito, cujo texto constitucionalassegura o princípio da ampla defesa, da

    publicidade dos atos da Administração Pú-blica, do postulado do reconhecimento daAdvocacia como função essencial à Justiçae a disposição legal das formas dos procedi-mentos de investigação criminal no Códi-go de Processo Penal.

    A previsão de desentranhamento dedespacho e de documentos que façammenção a diligências ainda não cumpri-das ou em andamento e sua transposiçãoa “autos apartados”, fere evidentemente odisposto no art. 9º do Código de ProcessoPenal, que expressamente dispõe que “to-das as peças do inquérito policial serão, numsó processado, reduzidas a escrito ou dati-lografadas (...)”.

    A prevalecer a regra da orientação poli-cial se estará diante de um procedimentoamorfo, sem previsão legal, com autosprincipais e subsidiários, autos de “dili-gências cumpridas” e “diligências a cum-prir”, autos “do passado” e “do futuro”,autos para o “advogado ver” e autos da“investigação em curso”. Na prática, ca-berá à autoridade policial a livre escolhados elementos que deseja disponibilizarpara a vista do defensor e os que desejasonegar, não se sabendo ao certo quais di-ligências estão ainda pendentes de cum-primento, pois haverá inquérito “A” (comvista franqueada a defesa) e o inquérito“B” (com diligências a cumprir, o qual adefesa sequer terá acesso).

    Apesar do ato normativo não apresen-tar os motivos de tal disposição (limitan-do-se a enunciar a garantia do sigilo dainvestigação, sigilo esse que não pode seroposto ao defensor), vislumbra-se a ideiade que caso o investigado tenha ciência dediligências futuras, poderá vir a compro-meter seus resultados.

    Não se discute que a efetivação de al-guns atos investigatórios, por sua próprianatureza, dependem da ignorância do in-vestigado acerca de sua existência e anda-mento, sendo imperioso destacar as me-didas cautelares de busca e apreensão e in-terceptação telefônica. Mas tais diligên-cias somente poderão ser alcançadas atra-vés de medidas cautelares já processadasem autos apartados, dispensando-se, por-tanto, para garantia de seu sigilo e inte-gral cumprimento, qualquer orientaçãonormativa da Corregedoria-Geral da Po-lícia Federal.

    A disposição de que advogados, mesmocom procuração, terão acesso somente aosdados e documentos já produzidos relati-vos a seus clientes, não sendo concedidoacesso a diligências em curso, nem a infor-mações que digam respeito exclusivamen-

    te a terceiros, viola frontalmente o princí-pio da ampla defesa (art. 5º, LV, CF), da pu-blicidade (art. 37, caput, CF) e o próprioenunciado da Súmula Vinculante nº 14 doSupremo Tribunal Federal.

    Ultrapassando antiga discussão acerca doreconhecimento ou não da ampla defesa emsede pré-processual, o verbete do PretórioExcelso expressamente enunciou que:”Édireito do defensor, no interesse do representa-do, ter acesso amplo aos elementos de pro-va que, já documentados em procedimentoinvestigatório realizado por órgão com com-petência de polícia judiciária, digam respei-to ao exercício do direito de defesa”.

    O ato normativo opera uma inegável eindevida restrição de acesso aos elementosde prova pelo advogado que, de acordo como texto sumular, deverá ser amplo a elemen-tos que digam respeito ao exercício de de-fesa.

    Acesso amplo só pode ser entendidocomo alcance a todos os elementos produ-zidos no âmbito da investigação criminal.E diante do conjunto probatório coligido,somente o defensor poderá afirmar e clas-sificar quais elementos serão necessáriosou não, e quais serão utilizados para o de-sempenho e exercício do direito de defesade seu constituinte. Por esse motivo cons-titui prerrogativa do advogado o amplo eirrestrito acesso aos autos da investigaçãocriminal, independentemente da existênciade elementos concernentes a terceiros.

    Os incisos VII e VIII (pedidos de extra-ção de cópias à autoridade deprecante, emcaso de precatória, e à autoridade judiciáriaem caso de segredo de justiça) configuramverdadeiro embaraço ao desempenho daampla defesa. Criam obstáculos burocráti-cos à atuação do advogado de forma a des-necessariamente (ou intencionalmente) di-ficultar-lhe o acesso às informações, buscan-do em verdade reduzir ou até mesmo in-viabilizar a efetividade de sua atuação pro-fissional.

    Além de todas essas violações apontadas,há de ser feita menção à manifesta incons-titucionalidade formal da referida orienta-ção normativa, visto que estabelece dispo-sições afetas à lei processual penal que, deacordo com a Constituição Federal em seuart. 22, I, somente poderá ser procedidamediante lei federal.

    A orientação normativa configura ver-dadeira tentativa de burla e, portanto, des-respeito ao enunciado da Súmula Vincu-lante nº 14 do Supremo Tribunal Federal.Formulada a partir de maldosa e tenden-ciosa interpretação literal das expressõesutilizadas no texto sumular (tais como

  • BOLETIM IBCCRIM - ANO 17 - Nº 203 - OUTUBRO - 2009 5

    COORDENADORIAS REGIONAIS:Coordenadora-Chefe: Juliana GarciaBelloqueCoordenadores-Regionais:1ª REGIÃO (AP, MA e PA):João Guilherme Lages Mendes2ª REGIÃO (AC, AM e RR):Telma de Vercosa Roessing3ª REGIÃO (PI, CE e RN):Patrícia de Sá Leitão e Leão4ª REGIÃO (PB, PE e AL):Oswaldo Trigueiro Filho5ª REGIÃO (BA e SE):Wellington Cesar Lima e Silva6ª REGIÃO (RJ e ES):Márcio Gaspar Barandier7ª REGIÃO (DF, GO e TO):Pierpaolo Bottini8ª REGIÃO (MG):Felipe Martins Pinto9ª REGIÃO (MT, MS e RO):Francisco Afonso Jawsnicker10ª REGIÃO (SP):João Daniel Rassi11ª REGIÃO (PR):Jacinto Nelson de Miranda Coutinho12ª REGIÃO (RS e SC):Rafael Braude Canterji

    BOLETIM IBCCRIM- ISSN 1676-3661 -

    COORDENADOR-CHEFE:Andre Pires de Andrade KehdiCOORDENADORES ADJUNTOS:Cecília Tripodi, Eduardo Augusto Paglionee Renato Stanziola Vieira“A relação completa dos colaboradores doBoletim do IBCCRIM encontra-se em nossosite.”DIAGRAMAÇÃO, COMPOSIÇÃO,MONTAGEM E FOTOLITO:Ameruso Artes GráficasTel./Fax (11) 2215-3596E-mail: [email protected]ÃO: Ativa/M - Tel. (11) 3340-3344“O Boletim do IBCCRIM circula exclusivamen-te entre os associados e membros de entida-des conveniadas.”“As opiniões expressas nos artigos publica-dos responsabilizam apenas seus autores enão representam, necessariamente, a opiniãodeste Instituto.”TIRAGEM: 11.000 exemplaresCORRESPONDÊNCIA IBCCRIMRua Onze de Agosto, 52 - 2º andarCEP 01018-010 - S. Paulo - SPTel.: (11) 3105-4607 (tronco-chave)

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    BOLETIM IBCCRIM - ANO 17 - Nº 203 - OUTUBRO - 2009 5

    “no interesse do representado”, “elementos deprova já documentados” e “digam respeito aoexercício do direito de defesa”), a Corregedo-ria-Geral da Polícia Federal buscou deturparseu sentido e criar inaceitáveis barreiras eobstáculos ao exercício da ampla defesa e dasprerrogativas do advogado.

    De maneira primária, tenta aproveitar-se dotexto da súmula editada para escancaradamen-te contrariar todo o comando nela contido. Batemais forte diante da ordem de não bater. Afron-ta mais uma vez o Pretório Excelso, tal qualno episódio do abusivo uso de algemas que re-sultou na edição do enunciado da Súmula Vin-culante nº 11 do Supremo Tribunal Federal.Essa malfadada orientação normativa configu-ra eloquente prova da pertinência da iniciati-va do Conselho Federal da Ordem dos Advo-gados do Brasil, requerente da edição da sú-mula, bem como da necessidade de luta coti-diana por sua efetividade, pois afinal a menta-lidade policial – e sua visão torta das garantiasindividuais – continua a mesma.

    Nesse ponto, vale lembra as palavras doministro Celso de Mello em seu voto pela apro-vação do verbete:”Ninguém ignora, exceto oscultores e executores do arbítrio, do abuso de po-der e dos excessos funcionais, que o processo penalqualifica-se como instrumento de salvaguarda dasliberdades individuais. Daí porque se impõe, àsautoridades públicas, neste País, notadamenteàquelas que intervêm no procedimento deinvestigação penal ou nos processos penais, odever de respeitar, de observar e de não trans-gredir limitações que o ordenamento norma-tivo faz incidir sobre o poder do Estado. (...)O fascínio do mistério e o culto ao segredo

    não devem estimular, no âmbito de uma socie-dade livre, práticas estatais cuja realização, no-tadamente na esfera penal, culmine em ofen-sa aos direitos básicos daquele que é submeti-do, pelos órgãos e agentes do Poder, a atos depersecução criminal (...)” (voto do min. Celsode Mello, PSV 1/DF, aprovação da Súmula Vin-culante nº 14, Plenário 02.02.2009, DJ27.03.2009, DJe 59/2009).

    Diante da absoluta incompatibilidade da re-ferida orientação normativa com os princípiosconstitucionais e infraconstitucionais citados, ea evidente afronta ao enunciado vinculante doSupremo Tribunal Federal, se faz necessária fir-me atuação de todos os advogados e, especial-mente, do Conselho Federal da Ordem dos Ad-vogados do Brasil – órgão requerente da pro-posta resultante na Súmula Vinculante nº 14 –no sentido da imediata revogação do ato da Cor-regedoria-Geral da Polícia Federal.

    NOTANOTANOTANOTANOTA

    (1) art. 7º: “São direitos do advogado: (...) XIV - examinar,em qualquer repartição policial, mesmo sem procura-ção, autos de inquérito, findos ou em andamento, aindaque conclusos à autoridade, podendo copiar peças e to-mar apontamentos”.

    Carlos Eduardo MachadoMestre em Criminologia e Justiça Criminal pela

    London School of Economics. Membro da ComissãoPermanente de Direito Penal do IAB. Advogado criminal

    Diogo TebetMestre em Ciências Penais pela Universidade

    Cândido Mendes/RJ. Membro da ComissãoPermanente de Direito Penal do IAB. Advogado criminal

    V SIMPÓSIO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS DE BROTAS TEM DATA MARCADA!Nos dias 27 e 28 de novembro (sexta-feira e sábado) o IBCCRIM promoverá o V Simpósio de CiênciasCriminais de Brotas. Aguardem mais informações!

    NOVOS VÍDEOS NA TV IBCCRIMNovas produções de vídeo foram disponibilizadas na TV IBCCRIM. São entrevistas e cursos, produzidos egravados pelo Instituto, transmitidos com exclusividade para o associado do IBCCRIM.Ao acessar o Portal (www.ibccrim.org.br), você verá, no lado direito da tela do seu computador, o ícone TVIBCCRIM. A partir daí, clique em Sala dos Professores e assista a mais nova entrevista da série, realizadacom a professora Vera Malaguti Batista, secretária geral do Instituto Carioca de Criminologia (ICC), mestreem História Social (UFF) e doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ. Ela esteveem São Paulo por ocasião de sua aula no Curso de Pós-graduação em Criminologia do IBCCRIM.Também cursos e eventos, realizados recentemente pelo IBCCRIM foram hospedados no link Eventos daTV IBCCRIM. Assista a Justiça de Transição: Reparações às Vítimas das Violações dos Direitos Humanoscometidas pelos Regimes Militares do Cone Sul, com a participação da professora norte americana KathrynSikkink, Repressão Penal da Greve. Uma experiência antidemocrática, com Christiano Fragoso e JoséHenrique Torres, A ONU e a Política de Drogas com Luciana Boiteux e Cristiano Avila Maronna eDrogas: Segurança, Violência e Direitos Humanos com o professor norte americano Ethan Nadelmann.Acesse: www.ibccrim.org.br/tvibccrim/ e adicione este link à sua lista de favoritos!

  • BOLETIM IBCCRIM - ANO 17 - Nº 203 - OUTUBRO - 20096

    LEI, COTIDIANO E CIDADE. POLÍCIA CIVIL EPRÁTICAS POLICIAIS NA SÃO PAULO REPUBLICANA (1889-1930)(1)Thaís Battibugli

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    Já não era sem tempo ver publicada a tesede doutorado de Luís Antônio Francisco deSouza, defendida, em 1998, no programa depós-graduação em Sociologia da Faculdadede Filosofia, Letras e Ciências Humanas daUniversidade de São Paulo. O livro é versãoatualizada e revisada da tese e é leitura obri-gatória para iniciantes e iniciados nos dile-mas da segurança pública brasileira.

    O que primeiro chama a atenção na obraé a extensa quantidade de inquéritos e pro-cessos-crime analisados, 742 ao todo, paradesnudar as diversas representações de jus-tiça presentes no sistema policial paulista.

    O autor busca compreender o emaranha-do processo de formação da Polícia Civil esuas tortuosas práticas de investigação, quemesclavam desde a racionalidade técnico-científica de uma incipiente profissionaliza-ção e o respeito ao devido processo legal, comcondutas inquisitoriais violentas que obje-tivavam não mais que a formação da culpado suspeito através do inquérito policial.Dessa forma, a modernização da estruturapolicial do período não foi suficiente paracoibir condutas arbitrárias tradicionalmen-te enraizadas no cotidiano policial, situaçãoque persiste na atualidade.

    A obra está dividida em quinze capítulossubdivididos em três grandes temáticas, cadaqual com cinco capítulos. A primeira trata dalei e da ordem na sociedade republicana. Nessemomento, é feita revisão bibliográfica sobre otema polícia e sobre a Primeira República demodo a situar o leitor no contexto histórico dasociedade brasileira marcada pela exclusão epela estigmatização social, em que a políciaera responsável por cercear liberdades de in-desejáveis sociais como vadios, mendigos,ébrios, prostitutas, turbulentos, grevistas eanarquistas. A legislação constitucional e pe-nal, bem como o sistema de administração dajustiça e a função da polícia nesse conjunto,também passam pelo crivo do autor.

    A segunda temática envolve a Polícia Ci-vil e o policiamento cotidiano, em específi-co. Demonstra o vasto campo de atuação dapolícia, desde a investigação e fiscalizaçãomunicipal à coleta de impostos e aplicaçãode multas. Trabalha o processo de profissio-nalização que culminou na formação dapolícia especializada em determinadas in-vestigações, perícias, diligências, identifica-ção criminal para a constituição do inqué-rito policial. Verifica, entretanto, junto aosprocedimentos técnico-científicos, a perpe-tuação de subcultura policial ligada a práti-cas arbitrárias e violentas.

    Aborda, ainda, as animosidades existentes

    entre a Polícia Civil e a Força Pública, pois,em certos casos, o destacamento da Força Pú-blica, que deveria estar à disposição do delega-do, resistia em acatar suas ordens, por exem-plo. Nesse contexto, a falta de ações coordena-das e conjuntas entre as instituições fragilizavao sistema de segurança pública como um todo.

    Além disso, mostra como certas artima-nhas do inquérito dificultavam a formaçãode provas ou mesmo livravam policiais acu-sados de cometer crimes, pois era comum nasdelegacias intimar soldados e policiais paradeporem como testemunhas de defesa, quan-do o acusado era policial, ou como teste-munhas de acusação, quando o acusado eraum cidadão comum.

    A terceira temática trabalha a tarefa deinvestigação para a realização do inquéritosobre os crimes que mais incomodavam asociedade da época: homicídios, crimes se-xuais, furto, roubo e vadiagem, para demons-trar como, em muitos casos, a técnica erasubstituída por ações inquisitoriais queprefiguravam a culpa do indivíduo e deixa-vam para trás o devido processo legal.

    Dessa forma, havia uma verdadeira judi-catura policial nas delegacias da Polícia Civil,devido à existência de um funil entre o núme-ro de inquéritos abertos, de denúncias acolhi-das pelo Ministério Público e de sentenças pro-feridas pelo juiz, segundo o autor. Esse papelextralegal da polícia tinha por função resolverum caso através da violência, da corrupção, dafabricação de provas, por exemplo.

    É interessante notar a confluência de va-lores entre a sociedade republicana urbana ea polícia, ambas queriam ver a cidade prote-gida contra focos de desordem. Como a Po-lícia Civil era a principal instituição do apa-rato repressivo, passou a ser remodelada,reaparelhada e profissionalizada, tendo seuspoderes de atuação ampliados para ser efeti-vo instrumento de controle social e moraldentro da expansão e da riqueza urbana. Aolidar com os indesejáveis não precisaria ne-cessariamente ter de abrir mão dos tradicio-nais ilegalismos, já que o sistema de vigilân-cia e de punição implantado pela polícia es-tava essencialmente voltado para as cama-das mais baixas da população.

    A profissionalização da Polícia Civil foimarcada por inconsistências, pois mesmo aexigência de bacharelado em direito para ocargo de delegado poderia ser quebrada coma existência do cargo de subdelegado leigo,nomeado por motivos políticos e que esta-vam quase sempre atrelados aos interessesde políticos locais.

    Os inquéritos policiais da época revelam

    que as pessoas não eram consideradas porta-doras de direitos fundamentais. A defesaapresentada pelo indivíduo era negligencia-da, provas e testemunhos eram configuradosde forma a dar coerência e embasamento le-gal a uma possível condenação judicial. Comono inquérito não havia o contraditório, osuspeito poderia ser envolvido no caso semmesmo ter prestado declarações. Nos casosde vadiagem, furtos e roubos o inquérito to-mava ares de instância julgadora e punitiva.

    Nesse ponto, compreende-se melhor aconvivência pacífica entre a busca pelo apri-moramento das técnicas investigativas e aprática de arrancar a confissão. Assim, a exis-tência desse descompasso entre a formalida-de dos procedimentos legais e a prática poli-cial cotidiana precisa ser analisada ao mes-mo tempo pelas peculiaridades institucionaisda polícia e também pelas particularidadesda sociedade na qual está inserida, pois asociedade brasileira tende a tolerar abusos.Portanto, a instituição policial foi e ainda é,em muitos momentos, reflexo das limitaçõesdemocráticas e instrumento da violência ile-gítima do Estado contra a população, osconhecidos suspeitos em potencial.

    Como bem conclui Luís Antônio Fran-cisco de Souza, “Na Primeira República, por-tanto, as autoridades policiais não resolviamcrimes, ou desmascaravam criminosos; não in-quiriam para encontrar a verdade, tendiam afazer o suspeito cair numa armadilha. A polí-cia não investigava, fabricava confissões; nãopromovia justiça, justiçava. Os frequentadoreshabituais das delegacias de polícia eram, emsua grande maioria, pessoas que não dispunhamde meios para fazer as pesadas rodas da justiçagirarem. O baixo acesso à justiça dos tribunaise dos juízes togados corria de par com o usodiscricionário do inquérito policial. A políciaera a justiça possível para parcelas considerá-veis da população, seus maiores clientes, tam-bém suas maiores vítimas” (p. 455).

    Esta obra, portanto, interessa não somenteaos que trabalham especificamente com a Pri-meira República, mas também a todos os quedesejam ver nosso sistema policial e de justiçareformados em suas práticas cotidianas.

    NOTASNOTASNOTASNOTASNOTAS

    (1) SOUZA, Luís Antonio Francisco de. Lei, Cotidiano eCidade. Polícia Civil e Práticas Policiais na São Paulorepublicana (1889-1930). São Paulo: IBCCRIM, 2009(Monografia, 53).

    Thaís BattibugliDoutora em Ciência Política (USP). Mestre em

    História Social (USP). Professora do CentroUniversitário Padre Anchieta (UniAnchieta - Jundiaí)

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    PRESCRIÇÃO PENAL: NOVA LEI, VELHAS INIQUIDADESCésar Peres

    Segundo parte da doutrina(1), a Lei11.596/07 teria introduzido importantemodificação no regime das causas interrup-tivas da prescrição penal. Isto porque, aoalterar o inciso IV do art. 117 do CP, pas-sando a afirmar que o curso da prescriçãointerromper-se-á “pela publicação da senten-ça ou acórdão condenatórios recorríveis”, es-taria a lei criando um novo marco a partirdo qual deveria o prazo prescricional ter asua contagem interrompida: a publicaçãodo acórdão recorrível confirmatório de umacondenação.

    Com a vênia de quem assim pense, ou-samos divergir.

    É que não se pode confundir o que sejaum “acórdão condenatório” - como quer alei - com um acórdão meramente confirma-tório da condenação. Sim, porque neste acondenação se opera na sentença, enquan-to naquele ocorre, no juízo a quo, a absolvi-ção do réu, o qual passa à condição de con-denado somente a partir do julgamento em2º Grau.

    Ademais, a exegese aqui combatida esta-ria criando inaceitável desestímulo ao exer-cício da garantia inserta no princípio do Du-plo Grau de Jurisdição, porque, sob tal óti-ca, a interposição de apelo exclusivo da de-fesa importar-lhe-ia num prejuízo, na me-dida em que redundaria na interrupção daprescrição intercorrente e da pretensão exe-cutória por ocasião da publicação do acór-dão, se confirmatório da condenação, emdissonância com a alínea h do item 2 do art.8º da Convenção Americana de Direitos Hu-manos - Pacto de San José da Costa Rica(2).

    Por outro lado, como mostram SalvadorNeto e Souza(3), a opção pela conjunção“ou” entre as expressões “sentença” e “acór-dão” está a indicar, claramente, uma situa-ção de alternativa: ou a sentença, ou acór-dão. Nunca ambos.

    Ainda neste diapasão, importa lembrarque, quando quis o legislador adicionarnovo marco interruptivo da prescrição de-pois da sentença, fê-lo de forma taxativa,como no caso do acórdão confirmatório dapronúncia, haja vista a redação do inciso IIIdo art. 117 do CP, o qual dispõe interrom-per-se a prescrição “pela decisão confirma-tória da pronúncia”.

    Noutro giro, e como é cediço, num Es-tado Constitucional Democrático e Huma-nitário de Direito(4), a lei penal, quandodesfavorável ao réu, bem como qualquerdisposição que imponha limite a direitofundamental, deve ser interpretada restriti-vamente(5), não se permitindo quaisqueranalogias em desfavor do cidadão(6).

    Nesse passo, ainda que se concordasse,

    tão-somente para argumentar, com a ideiaaqui guerreada - e se afirmasse ser o acór-dão meramente confirmatório da condena-ção mais uma causa interruptiva da pres-crição -, mesmo em caso que tal, esta inter-pretação somente poderia ser aplicada paraaqueles fatos ocorridos depois da alteraçãolegislativa em comento, por tratar-se aquide mudança em sedede direito material, emfranco prejuízo à defe-sa, sob pena de afron-ta ao princípio da An-terioridade da Lei Pe-nal e seus desdobra-mentos.

    Em suma, a únicaalteração introduzidapela nova Lei foi nosentido de deixar cla-ra a circunstância deque, depois dela, oprazo prescricional –em princípio, até mes-mo para os delitos co-metidos antes de seu advento - interrom-per-se-á com a publicação da sentença e nãomais na data do julgamento, como queriamalguns julgados. Esta última interpretação(interrupção na data do julgamento) pode-rá ainda ser aplicada também aos delitospretéritos à mudança legal se, em razão des-sa forma de hermenêutica, exclusivamen-te, se possa verificar a extinção da punibili-dade pela prescrição da pretensão punitivaintercorrente (e, segundo entendemos ecomo sustentaremos adiante, também, pelaprescrição da pretensão executória) em re-lação a tais fatos, a teor do parágrafo únicodo art. 2º do CP(7), por ser, neste caso, talinteligência mais favorável ao réu.

    No ponto, cumpre seja posta a lume adiscutível constitucionalidade da previsãolegal segundo a qual o prazo prescricionalse interrompe em momento diverso daque-le que determina o reinício da sua conta-gem (112, I, do CP). Com efeito, diante docomando constitucional que determina te-rem todos direito a um julgamento numtempo razoável (art. 5º, LXXVIII da CF)(8) – inclusive dos recursos, obviamente –,não se pode aceitar o hiato temporal em queo prazo da prescrição da pretensão execu-tória (segundo Bitencourt(9), também da in-tercorrente) permanece congelado - entre adata da publicação da sentença e o trânsitoem julgado dela para a acusação.

    Finalmente, registre-se que já haviaquem pensasse ser o acórdão meramenteconfirmatório da condenação também cau-sa interruptiva da prescrição - antes mes-

    mo da alteração legislativa em apreço. Talposição foi esposada no julgamento do agra-vo em execução n. 70019182252, ao qual aQuinta Câmara Criminal do TJRS negouprovimento, acolhendo o voto do relator(10),por entender – sob “pena de irracionalida-de” (!), ser possível alterar-se o marco inter-ruptivo da prescrição – em desfavor do réu

    – em função da sim-ples interposição derecurso exclusivo dasua defesa (!!), desdeque a este fosse dadoprovimento para re-duzir a pena, porquea partir daí poderia aacusação manejar re-cursos aos tribunaissuperiores.

    O julgamento emquestão ocorreu emmaio de 2007, portan-to - gize-se -, época emque o art. 112, I, doCP previa como sen-

    do o termo inicial da prescrição após sen-tença condenatória irrecorrível o “(...) dia emque transita em julgado a sentença condena-tória, para a acusação (...)”.

    Veja-se que o decisum, ao tratar as expres-sões “sentença” e “acórdão” como se fossema mesma coisa - com a vênia de seus cultosprolatores -, desconsiderou a literalidade dalei, em prejuízo do réu, malferindo, além doprincípio constitucional da Taxatividade(11),o próprio Código Penal.

    Não por outra razão, o equívoco foi, emboa hora, corrigido pela Quinta Turma doSTJ, no HC n. 84232, rel. min. ArnaldoEsteves de Lima, julgado em 29/09/08, noqual a ordem foi concedida para determi-nar a extinção da punibilidade pela ocorrên-cia da prescrição da pretensão executória,assim: “Todavia, ao contrário do que entendea Corte a quo, o fato de o apelo defensivo tersido provido para reduzir a pena aplicada nasentença não enseja a postergação do termoinicial do prazo prescricional da pretensão exe-cutória, haja vista a literalidade do art. 112, I,do Código Penal (...)”.

    A discussão envolvendo o julgado em telaainda se mostra oportuna porque, como seviu, a regra revogada, em qualquer das po-sições que se adote, por mais benéfica ao réu(na maioria dos casos), ainda deverá ser lar-gamente utilizada.

    E talvez não haja nenhum mal em seinterpretar, além da Constituição Federal,também o Código Penal, em sua literali-dade, quando servir como garantia do ci-dadão...

    A discussão envolvendo ojulgado em tela ainda semostra oportuna porque,

    como se viu, a regrarevogada, em qualquer

    das posições que se adote,por mais benéfica ao réu(na maioria dos casos),

    ainda deverá serlargamente utilizada.

  • BOLETIM IBCCRIM - ANO 17 - Nº 203 - OUTUBRO - 20098

    NOTASNOTASNOTASNOTASNOTAS

    (1) BARBAGALO, Fernando Brandini. A interrupção daprescrição penal pela publicação de acórdão con-denatório recorrível. Boletim IBCCRIM, São Paulo,ano 15, p. 16, abr. 2008.

    (2) Sobre os direitos inerentes a todas as pessoas acu-sadas de um delito: Artigo 8º - “Garantias judiciais..........(10) o direito de recorrer da sentença a juizou tribunal superior”.

    (3) SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo; SOUZA, Lu-ciano Anderson de. Novo marco de interrupção daprescrição penal: uma necessária leitura garantis-ta. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n. 189, p.4-5, ago. 2008: “E assim é que o sentido da norma,aliando duas hipóteses (sentença e acórdão con-denatórios recorríveis) pela conjunção alternativaou, aponta que tal se concretizará em situaçõesúnicas que se excluem (em um caso ou outro). Docontrário, a dicção legal deveria utilizar-se de con-junção aditiva ou frisar as hipóteses com uma ex-pressão, e.g., bem como. Poderia, ainda, estipular

    um novo inciso no artigo, com claro significado deenumeração, o que tampouco foi feito”.

    (4) GOMES, Luiz Flávio. Lei 11.464/07: Liberdade pro-visória e progressão de regime nos crimes hedion-dos. Disponível em: http://www.lfg.blog.br.03 abril.2007. Acessado em 17/09/2009.

    (5) CALDEIRA, Felipe Machado. A conformação doEstatuto de Roma com a constituição de 1988: aimprescritibilidade e os princípios do estado demo-crático de direito e da segurança e da estabilidadedas relações jurídicas. Boletim IBCCRIM, São Pau-lo, ano 17, n. 198, p. 2, maio 2009.

    (6) MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicaçãodo Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 263,apud CALDEIRA, obra citada.

    (7) Art. 2º -....... “Parágrafo único - A lei posterior, quede qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aosfatos anteriores, ainda que decididos por sentençacondenatória transitada em julgado.

    (8) “a todos, no âmbito judicial e administrativo, sãoassegurados a razoável duração do processo e osmeios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

    (9) BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direitopenal: parte geral, volume 1. São Paulo: Saraiva,2007, pg. 723: “Nesses termos, percebe-se, po-dem correr paralelamente dois prazos prescricio-nais: o da intercorrente, enquanto não transitar de-finitivamente em julgado; e o da executória, enquan-to não foi iniciado o cumprimento da condenação,pois ambos iniciam na mesma data, qual seja o trân-sito em julgado para a acusação”.

    (10) Des. Amilton Bueno de Carvalho.(11) MAURACH, Reinhart. Tratado de Derecho Penal.

    Barcelona: Ariel, 1962. pg. 43. Segundo o autor ci-tado, o princípio da Anterioridade da Lei Penal temquatro desdobramentos, a saber: a) nullum crimen,nulla poena sine lege praevia; b) nullum crimen, nullapoena sine lege scripta; c) nullum crimen, nullapoena sine lege stricta; e d) nullum crimen, nullapoena sine lege certa.

    César PeresAdvogado em Porto Alegre.

    Professor de direito penal na ULBRAPRES

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    É cada dia mais recorrente depararmo-nos com decisões que, revogando uma pri-são preventiva, impõem “condições” ao im-putado, tais como, entrega de passaporte,restrição de locomoção, dever de informarviagens etc. No mais das vezes, tais medidasvêm decretadas a título de “poder geral decautela”, invocando o art. 798 do CPC. Masserá que isso é legal? Para além das boas in-tenções dos juízes (e quem nos protege dabondade dos bons?), será que o processo penalbrasileiro comporta tais medidas restritivasde direitos fundamentais por analogia?

    No processo civil, explica Calamandrei(1),é reconhecido o poder geral de cautela (poterecautelare generale), confiado aos juízes, emvirtude do qual eles podem, sempre, ondese manifeste a possibilidade de um dano quederiva do atraso de um procedimento prin-cipal, providenciar de modo preventivo a eli-minar o perigo, utilizar a forma e o meio queconsiderem oportuno e apropriado ao caso.Significa dizer que o juiz cível possui am-plo poder de lançar mão de medidas decunho acautelatório, mesmo sendo atípicasas medidas, para efetivar a tutela cautelar.Tanto que o processo civil, além das medi-das de antecipação da tutela, consagra umrol de medidas cautelares nominadas e aaceitação das medidas inominadas, em nomedo poder geral de cautela que confere o art.798 do CPC.

    Mas isso só é possível no processo civil.Novamente a fenomenologia do proces-

    so penal cobra respeito a sua diferença, im-pedindo a inadequada importação das cate-gorias do processo civil.

    No processo penal não existem medidascautelares inominadas e tampouco possuio juiz criminal um poder geral de cautela .

    No processo penal, forma é garantia.

    Logo, não há espaço para “poderes gerais”,pois todo poder é estritamente vinculado alimites e à forma legal. O processo penal éum instrumento limitador do poder puni-tivo estatal, de modo que ele somente podeser exercido e legitimado a partir do estritorespeito às regras dodevido processo. E, nes-se contexto, o Princípioda Legalidade é fun-dante de todas as ativi-dades desenvolvidas,posto que o due processof law estrutura-se apartir da legalidade eemana daí seu poder.

    A forma processualé, ao mesmo tempo, li-mite de poder e garan-tia para o réu. É cru-cial para compreensãodo tema o conceito defattispecie giuridicaprocessuale , isto é, oconceito de tipicidadeprocessual e de tipoprocessual, pois forma é garantia. Isso mos-tra, novamente, a insustentabilidade deuma teoria unitária, infelizmente tão ar-raigada na doutrina e jurisprudência bra-sileiras, pois não existe conceito similar noprocesso civil.

    Como todas as medidas cautelares (pes-soais ou patrimoniais) implicam severas res-trições na esfera dos direitos fundamentaisdo imputado, também exigem estrita obser-vância do princípio da legalidade e da tipi-cidade do ato processual por consequência.Não há a menor possibilidade de tolerar-serestrição de direitos fundamentais a partirde analogias, menos ainda com o processo

    civil, como é a construção dos tais “poderesgerais de cautela”.

    Assevera-se, novamente, que toda e qual-quer limitação de direitos fundamentais doréu somente está legitimada quando hou-ver estrita legalidade. Recordemos Juarez

    Tavares quandoensina que nessaquestão entre liber-dade individual epoder de interven-ção do Estado não sepode esquecer que a“garantia e o exercícioda liberdade indivi-dual não necessitamde qualquer legitima-ção, em face de suaevidência”, e, noutradimensão,”o que ne-cessita de legitimaçãoé o poder de punir doEstado, e esta legiti-mação não pode re-sultar de que ao Esta-do se lhe reserve o di-

    reito de intervenção”.Com isso, destacamos: o que necessita

    ser legitimado e justificado é o poder depunir, é a intervenção estatal e não a liber-dade individual. Daí porque, não se podeadmitir uma ampliação, por analogia e im-portação de categorias do processo civil (!),do poder punitivo estatal. O exercício dopoder punitivo é vinculado e legalmente de-limitado, sob pena de ter-se como abusivo eilegítimo.

    Toda e qualquer medida cautelar noprocesso penal somente pode ser utiliza-da quando prevista em lei (legalidade es-trita) e observados seus requisitos legais

    A (IN)EXISTÊNCIA DE PODER GERAL DE CAUTELA NO PROCESSO PENALAury Lopes Jr.

    O processo penal é uminstrumento limitador do poderpunitivo estatal, de modo queele somente pode ser exercidoe legitimado a partir do estritorespeito às regras do devido

    processo. E, nesse contexto, oPrincípio da Legalidade é

    fundante de todas as atividadesdesenvolvidas, posto que o dueprocess of law estrutura-se apartir da legalidade e emana

    daí seu poder.

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  • BOLETIM IBCCRIM - ANO 17 - Nº 203 - OUTUBRO - 2009 9

    Com a proteção da Ordem econômica ea regulamentação dos negócios, viu-se anecessidade de uma fiscalização interna nomercado financeiro de modo a proteger osegredo e prestigiar a publicação harmo-niosamente, sem interferir um na esfera deoutro, fomentando, assim, o risco do negó-cio dentro do mercado de capitais. Partiu-se então a criminalizar a conduta daqueleque faz uso de informação privilegiada.

    Em apertada síntese, o tipo delituoso tempor objetividade jurídica o regular dos mer-cados de valores mobiliários em bolsas devalores, de mercadorias e de futuros, nomercado de balcão ou no mercado de bal-cão organizado, que não pode ser ilaqueadona fé publica que merece(1).

    A razão de ser se insere no âmbito nor-mativo do tipo penal pelos delineamentoséticos basilares no funcionamento de ummercado de valores que instituem confian-ça ao investidor e assegure uma igualdadede condições.

    Se pensarmos, uma oferta pública, estra-tegicamente, de aquisições de ações requerque seu lançamento seja preparado em se-gredo, pois de outra forma o preço das açõesda empresa que vá ser adquirida será su-pervalorizado.

    Uma oferta pública ou uma fusão deempresas produz a valorização espetaculardas cotas das ações, pois com o conhecimen-to que “aquela pessoa” (detentor da infor-mação) detém, se adianta (dolosamente) ecompra as ações da empresa que vai ser ad-quirida, seguramente quando as informa-ções da operação tornam-se públicas, ascotas das ações serão elevadas (valorizadas),o que fará que venha a auferir vantagem(indevida).

    Por essa razão, o mercado de valores deveharmonizar o segredo com a máxima infor-mação pública, ou abraçando esta mesmaideia, Jacobo López Barja de Quiroga aduzque “por tal razón, el mercado de valores hayque conjugar el secreto com la máximainformactión pública. Cuanto más y mejorinformado se encuentre el inversor, menosâmbito existirá para lãs informacionesconfidenciales, y, ahí, em esse pequeño espacio– temporal y espacial - , es em el que debeexigirse totalmente la regla del secreto”(2).

    O insider trading consiste na utilizaçãode informações relevantes sobre valoresmobiliários, por parte de pessoas que, porforça de sua atividade profissional, estão“por dentro” dos negócios da emissora, paratransacionar com valores mobiliários antes

    que tais informações sejam de conhecimen-to do público. Assim agindo, o insider com-pra ou vende valores mobiliários a preçosque ainda não estão refletindo o impactode determinadas informações, que são deseu conhecimento exclusivo(3).

    De se notar que não é a divulgação an-tecipada de qualquer informação que atin-ge o bem jurídico, mas sim, aquela que te-nha o condão de interferir efetivamente nobom andamento das negociações do mer-cado, sob pena de se ferir o princípio da le-sividade. Se a conduta não for capaz de pro-piciar vantagem ao agente ou a terceira pes-soa, significa que a informação não era osuficiente importante(4) .

    O delito protege um bem jurídico com-plexo e poliédrico que não se esgota na igual-dade dos investidores. A percepção de que obem jurídico protegido pela norma incrimi-nadora do abuso de informação é uma rea-lidade polifacetada ou poliédrica impõe-se em resultado da que julgamos ser, emprincípio, a atitude analítica mais curial.

    O problema é equacionado se pensarmossob qual ótica está direcionada a proteçãodo bem jurídico. Mesmo sendo um bemjurídico difuso, sob a ótica do mercado decapitais e seus investidores, poderíamos

    USO INDEVIDO DE INFORMAÇÃO PRIVILEGIADA:A (RE)DESCOBERTA DE UM NOVO CRIMEDaniel Del Cid

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    no caso concreto.Dessarte, são absolutamente ilegais as

    medidas ‘acessórias’ aplicadas no momen-to da concessão de liberdade provisória,como por exemplo: restrição de passapor-te, obrigação de apresentação periódica,restrições para viagens, dever de permane-cer ou não ausentar-se da comarca etc.

    Da mesma forma, v.g., o art. 310 do CPPprevê a concessão de liberdade provisóriamediante termo de comparecimento a to-dos os atos do processo. Nada mais. Even-tuais acréscimos, impostos a título de po-der geral de cautela ou cautelar inomina-da, são absolutamente ilegais.

    Em suma: toda e qualquer restrição dedireitos fundamentais deve estar estrita-mente vinculada ao modelo legal (tipo pro-cessual), não se admitindo analogias ou in-terpretação extensiva.

    Não há, no processo penal, poder geral decautela ou medidas cautelares inominadas ouatípicas.

    Somente se admite a aplicação das me-didas cautelares previstas no Código de Pro-cesso Penal, com estrita observância dos re-quisitos legais.

    Portanto, ainda que a pobreza morfo-

    lógica do atual sistema cautelar brasileiroseja censurável e até sir va de abrigomotivacional para os juízes e tribunaisinvocarem o ‘poder geral de cautela’, aprática é flagrantemente ilegal e insusten-tável à luz do Princípio da Legalidade edo devido processo penal. Seria o mesmoque aplicar pena privativa de liberdade oucriminalizar condutas por analogia, algoimpensável, por evidente.

    Esclareça-se que nossa crítica ao podergeral de cautela não se esvaziará com mu-danças legislativas, pois elas apenas am-pliarão o leque de medidas cautelares,sem jamais poder contemplar uma “cláu-sula geral”, deixando ao livre arbítrio dojuiz criar outras medidas além daquelasprevistas em lei. Nesta linha, os Projetosde Lei 4208-C e o PL 156/2009 (Antepro-jeto de CPP) instituem um modelopolimorfo, em que o juiz poderá dispor deum leque de medidas substitutivas da pri-são cautelar. Mas, sublinhe-se, igualmen-te estará atrelado ao rol de medidas pre-vistas em lei, não podendo “criar” outrasmedidas além daquelas previstas no orde-namento.

    Em suma, as medidas cautelares pessoais

    são excepcionais e situacionais, além, é cla-ro, de provisórias ou temporárias (curtaduração). Uma vez desaparecido o suportefático legitimador (fumus commissi delicti oupericulum libertatis, conforme o caso), a pri-são cautelar deve ser pura e simplesmenterevogada, sem qualquer outra restrição quevá além daquelas expressamente consagra-das na legislação processual penal.

    NOTASNOTASNOTASNOTASNOTAS

    (1) CALAMANDREI, Piero. Introduzione allo StudioSistematico dei Provedimenti Cautelari. Pádova,1936, p. 47.

    (2) Sobre esse tema e também uma análise crítica dasmedidas cautelares pessoais, recomendamos a lei-tura de nossa obra “Direito Processual Penal e suaConformidade Constitucional”, volumes 1 e 2, publi-cado pela editora Lumen Juris.

    (3) Conceito que foi bem tratado por Giovanni Conso,ao longo da obra Il Concetto e le Specie D’Invalidità– Introduzione alla teoria dei vizi degli ati processalipenali. Milão, Dott. A. Giuffrè, 1972.

    (4) TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto Penal. 3ª edi-ção. Belo Horizonte, Del Rey, 2003, p. 162.

    Aury Lopes Jr.Doutor em Direito Processual Penal.

    Professor nos cursos de Mestrado e Doutorado emCiências Criminais da PUCRS. Advogado Criminalista

  • BOLETIM IBCCRIM - ANO 17 - Nº 203 - OUTUBRO - 200910

    “Os crimes que têm cominada pena demulta alternativa também devem ser

    considerados de menor potencial ofensivo e,portanto, passíveis de transação penal”

    (artigo 76, caput, da Lei n° 9.099/95).

    JustificativaCom o advento da Lei n° 9.099, de 26 de

    setembro de 1995, foi inaugurada uma novafase do Direito Penal pátrio com a criaçãoda figura de crimes de menor potencialofensivo, atendendo, assim, aos anseios dasociedade, que clamava pelo fim dos encar-ceramentos por curto período de tempo,sabidamente nefastos, em prol de soluçõesnão estigmatizantes para as lides criminaisde pequena importância.

    Destaca-se que uma das mais relevantesinovações trazidas por este novel sistema foia transação penal, a qual consiste, nas pa-lavras de Damásio Evangelista de Jesus, em“ato jurídico que extingue obrigações atravésde concessões recíprocas das partes interessa-das ( ). Não se trata de um negócio en-tre o Ministério Público e a defesa: cuida-se

    de um instituto que permite ao juiz, de ime-diato, aplicar uma pena alternativa ao autu-ado, justa para acusação e defesa, encerrandoo procedimento” (1).

    Inicialmente, consoante a original reda-ção do artigo 61 de tal Estatuto, eram con-siderados delitos passíveis de tal benefícioaqueles que tinham pena máxima não su-perior a um ano, salvo nos casos em queexistisse procedimento especial.

    No entanto, com a promulgação da Lein° 10.259/01, que criou os Juizados Espe-ciais no âmbito federal, estabeleceu-se, apósgrande celeuma doutrinária e jurispruden-cial, novo marco para a aplicação do ritopenal sumaríssimo, com sua extensão aoscrimes com pena máxima cominada nãosuperior a dois anos, cumulado ou não commulta.

    Naquela época, era discutido se a men-cionada modificação valia apenas para osdelitos de competência daquela JustiçaEspecializada ou, caso contrário, se eraaplicável indiscriminadamente a todos oscrimes.

    Esta última orientação, salienta-se, foi aque se consolidou, pois não poderiam as re-gras sobre competência material impor tra-tamento mais benéfico a alguns agentes emdetrimento de outros, mesmo tendo eles pra-ticado delitos semelhantes; exemplo dissoseria o crime de desacato (artigo 331 do Có-digo Penal): caso fosse praticado contra fun-cionário público federal seria passível detransação penal, enquanto que, sendo o de-sacatado servidor público estadual ou mu-nicipal, o delinquente não poderia usufruirda transação penal.

    A Lei nº 11.313/06 pôs fim a qualquerdiscussão que porventura ainda existisse so-bre esse tema, alterando a redação do artigo61 da Lei dos Juizados Especiais, consoanteaquele entendimento que se havia firmado.

    Entretanto, existem alguns tipos penaisque, apesar de terem em seu preceito secun-dário pena máxima cominada superior aolimite estabelecido no aludido dispositivo,também devem ser considerados de menorpotencial ofensivo e, portanto, passíveis detransação penal, desde que, obviamente, es-

    SÚMULA: A MULTA ALTERNATIVA E A TRANSAÇÃO PENAL*Matheus Silveira Pupo

    pensar e concluir que o ressarcimento doprejuízo causado, antes do recebimento dadenúncia, impede o início de uma ação pe-nal (tratamento dado ao estelionato)(6). Ago-ra, se pensarmos que a proteção dos bensjurídicos esteja voltada sob a ótica dos ne-gociadores que protagonizaram a aquisiçãoou fusão da empresas, veja que, embora sen-do difuso, a proteção da tutela penal volta-se à confiabilidade, idoneidade que a em-presa representa diante do mercado.

    Embora o prejuízo possa ser ressarcidoaos investidores que apostaram no negócio,o mesmo fato não acontece aos negociado-res, que não poderiam prever suposta trai-ção no mercado, por quem fora contratadojustamente para se ter confiança. Se o riscoé inerente ao negócio, e a aposta (estraté-gia) é voltada a esse fim, um segredo usadoindevidamente prejudica todo o marketinge planejamento estratégico de um negócio.Neste mercado só participa quem aceita asregras do jogo.

    Não se teve notícia, no Brasil, denenhum julgamento de uso de informaçãoprivilegiada até o presente momento(7), oque dificulta uma análise empírica do tipopenal. Por outro lado, a própria CVM apon-ta critérios mínimos para a existência deindícios(8) e direcionando suas formas deconsumação(9). Certamente haverá espaçopara futuras discussões processuais como oexaurimento da instância administrativa,competência, consumação etc.

    NOTASNOTASNOTASNOTASNOTAS

    (1) PAULA, Áureo Natal de. Crimes contra o SistemaFinanceiro Nacional e o Mercado de Capitais. Co-mentários a lei 7492/86 e os artigos incluídos pelaLei 10.303/01 à Lei 6.385/76. Doutrina e Jurispru-dência 4ª ed. Curitiba: Juruá, 2009. p. 35.

    (2) QUIROGA, Jacobo López Barja de. El abuso deinformacion privilegiada. In: Curso de Derecho Pe-nal Económico. Enriqui Bacigalupo (coord.), 2ª ed.,Madrid: Marcial Pons, 2005. p. 336.

    (3) Porém, a Instrução da CVM n. 31/1984 ampliou oelenco dos insiders, e presentemente, a InstruçãoCVM n. 358/2002, em seu artigo 13 dispõe que podeser considerado insiders: a companhia; seus acio-nistas controladores, diretos ou indiretos, diretores,membros do conselho de administração, do conse-lho fiscal, ou de qualquer órgão com funções técni-cas ou consultivas, criadas por disposição estatutá-ria, bem como quem quer que, em virtude de seucargo, função ou posição na companhia, sua con-troladora, controlada ou coligada, tenha conhecimen-to da informação relativa ao ato ou fato relevante.

    (4) Nesse sentido conferir: CARVALHOSA, Modesto;EIZIRIK, Nelson. A nova lei das S/A. São Paulo: Sa-raiva, 2002., p. 548.

    (5) COSTA, José de Faria. O crime de abuso de infor-mação privilegiada (insider trading). A informaçãoenquanto problema jurídico-penal.Coimbra:Coimbra,2006., p. 37.

    (6) Conferir julgado do STJ, no HC 85524, rel. min. Ar-naldo Esteves Lima.

    (7) Em 04 de maio de 2009, foi oferecida, e recebidaposteriormente, a primeira denúncia de uso de infor-mação privilegiada (Procedimento Investigatório n.1.34.001.003927/2007-32). O juiz federal substitutoMárcio Rached Millani, da 6ª Vara Federal Criminalem São Paulo, recebeu a denúncia contra dois ex-executivos da Sadia e um do banco ABN-Amro. Elesforam acusados de usar informações privilegiadas,obtidas em São Paulo, na bolsa de valores de NovaYork, relativas à oferta da Sadia pelo controle acioná-rio da concorrente Perdigão, em julho de 2006. O

    processo está sob segredo de justiça sob o n.2009.61.81.005123-4, e que devera ser o primeirocaso paradigma que mostrará a orientação que ostribunais deverão adotar para a tipificação deste crime.

    (8) Procedimento Administrativo Sancionador 004/2007:“O uso de informação privilegiada, caracterizado comoprática não eqüitativa é aquele de que resulta, diretaou indiretamente, efetiva ou potencialmente, em umtratamento para qualquer das partes em negociaçãocom valores mobiliários, que a coloque em uma in-devida posição de desequilíbrio ou desigualdade emface dos demais participantes da operação. Multas eabsolvição são deveres do administrador do Clubeempregar na defesa dos interesses dos condôminosa diligência que todo homem ativo e probo costumaempregar na administração de seus próprios negóci-os. Transgressão ao dever de diligência. Multas”.

    (9) PAS: RJ2003/5627: “Configura uso indevido de in-formação privilegiada a aquisição de ações por mem-bro do Conselho de Administração antes da divulga-ção pela companhia de decisão do Conselho queaprovou a aquisição das próprias ações - Incidênciado disposto no artigo 13, § 3º, Inciso II, da InstruçãoCVM nº 358/02.” PAS: 0006/2003: “A caracteriza-ção do uso indevido de informação privilegiada acer-ca de uma determinada companhia pressupõe quetal informação seja relevante, o que pode ser medi-do pela oscilação de preço dos valores mobiliáriosde sua emissão. As companhias e instituições finan-ceiras que atuam no mercado de capitais devem ze-lar pela existência de procedimentos eficazes nocontrole e uso de informações que possam ser con-sideradas privilegiadas, inclusive abstendo-se denegociar valores mobiliários que possam colocá-lasem situações de potencial conflito de interesses”.

    Daniel Del CidPós-graduado em direito processual penal pela

    Escola Paulista da Magistratura; Pós-graduado emDireito Penal Econômico Europeu (IBCCRIM-Coimbra);

    Pós-graduado em direito penal econômico pelaFundação Getúlio Vargas. Advogado CriminalistaUS

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  • BOLETIM IBCCRIM - ANO 17 - Nº 203 - OUTUBRO - 2009 11

    tejam presentes os demais requisitos legais(artigo 76, § 3º, da Lei n.º 9.099/1995).

    Trata-se das infrações que têm antevistaa multa como sanção alternativa, ou seja,pode o julgador fixá-la isoladamente, nãoporque o quantum de prisão imposto é ir-risório (artigo 60, § 2º, do Código Penal),mas devido à própria cominação legal. Po-dem-se citar, como grandes exemplos des-sas infrações, o furto privilegiado (artigo 155,§ 2º), a apropriação indébita privilegiada(artigo 170) e o estelionato privilegiado (ar-tigo 177, § 1º).

    Frise-se: é notório que a quantidade ea modalidade de pena antevista no tipoestão intrinsecamente ligados ao grau dereprovação atribuído à correspondente con-duta, sendo que, quanto maior for este, terámais intensidade e gravidade a reprimendaestipulada.

    Por ser assim, entendeu-se que, comoconsequência da prática daquelas condutas,o infrator poderia ficar somente à mercê deuma reprimenda exclusivamente patrimo-nial, a qual obviamente é mais branda quequalquer castigo corporal.

    Aliás, isto “é o que se tira do art. 32 do CódigoPenal, onde as penas privativas de liberdade,restritivas de direito e de multa são capituladasna ordem decrescente de gravidade” (2).

    Pois bem, como se estabeleceu para estescrimes a possibilidade da aplicação isoladada multa, significa dizer que lhes foi atri-buído um desvalor muito menor do queaquele conferido aos tipos penais em queexiste a cominação exclusiva de privação daliberdade, não importando a respectiva du-ração; afinal, a pena pecuniária, como des-tacado alhures, é muito mais branda quequalquer outra sanção penal.

    Com base nesta premissa, é evidente queos delitos, com multa prevista como sançãoalternativa, também deverão ser considera-dos de menor potencial ofensivo, porque sãoclaramente “menos graves” do que aquelesque têm apenas o encarceramento estipula-do como sanção aplicável.

    Ademais, destaca-se, um dos requisitospara que o autor do fato faça jus à transaçãopenal é “não indicarem os antecedentes, a con-duta social e a personalidade do agente, bemcomo os motivos e as circunstâncias, ser neces-sária e suficiente a adoção da medida” (artigo76, § 2º, inciso III, da Lei n° 9.099/95); em

    outras palavras, as circunstâncias previstasno caput do artigo 59 do Código Penal te-rão que ser favoráveis a ele. Da mesma ma-neira, para que o delinquente que cometadelitos em que a multa seja prevista comosanção alternativa rece-ba tal reprimenda, tam-bém terão que estar pre-sentes todas aquelas cir-cunstâncias favoráveis.

    Por ser assim, é in-questionável que a in-terpretação proposta é aque melhor se afeiçoaaos princípios da equi-dade, da razoabilidadee, até mesmo, da propor-cionalidade, todos pre-conizados na Constitui-ção Federal, porque es-tende o alcance da tran-sação penal aos infrato-res que, mesmo tendo praticado crimescom menor grau de reprovação, viam-seprivados de tal benefício, evitando, assim, aaplicação de um tratamento obviamentecontraditório e desigual entre estas pessoas.

    Tal afirmação, ressalta-se, é ainda maisinquestionável se for observada a hipótesedo crime de frustração de direitos assegu-rados por lei trabalhista (artigo 203, caput,do Código Penal), cujo agente, em princí-pio, terá direito à transação penal, tendo emvista que para este delito é cominada san-ção de 1 (um) a 2 (dois) anos de detençãoe multa. Porém, caso ele não cumpra os re-quisitos para gozar de tal benevolência, ounão a aceite, além de também não poder ounão querer usufruir da suspensão condicio-nal do processo (artigo 89, caput, da Lei n°9.099/95), se condenado, ficará sujeito, namelhor das hipóteses, a uma pena de multasubstitutiva (artigo 44, § 2º, primeira parte,da Lei Penal), além da multa já cominadano tipo (conforme o artigo 58, parágrafoúnico do mesmo Estatuto), ou seja, o agen-te ficará à mercê de duas sanções patrimo-niais.

    Por outro lado, o agente, que pratica aconduta prevista no artigo 155, § 2º, do Có-digo Penal, e que, por isso, não pode bene-ficiar-se da transação penal; todavia, se re-ceber a mais branda sanção possível para essedelito, ficaria sujeito apenas e tão-somente

    a uma multa.Ora, com base nestas hipóteses, é ainda

    mais evidente o absurdo lógico de não seconceder a transação penal nos crimes compena pecuniária fixada como sanção alter-

    nativa, pois, como sepercebe, a estes cri-mes pode ser impos-ta punição maisbranda do que adestinada aos cri-mes de menor po-tencial ofensivo.

    E não só. Obser-ve-se, também, que,segundo o § 4º doartigo 76 da Lei dosJuizados Especiais,caso o agente aceitea proposta do Mi-nistério Público,ser-lhe-á aplicada

    imediatamente uma “pena restritiva de di-reitos ou multa”.

    Sendo assim, ganha ainda mais força atese acima levantada. Afinal, com base emtal dispositivo, o autor de crimes de menorpotencial ofensivo, que aceite o aludido be-nefício, poderá sofrer uma reprimenda atéde maior impacto do que a da sanção apli-cável aos praticantes dos crimes sob análise.

    Destarte, fica ainda mais evidente queas infrações, nas quais há cominação demulta alternativa, equivalem, em últimaanálise, aos crimes de menor potencial ofen-sivo, podendo, pois, igualmente permitirtransação penal.

    * Trabalho apresentado no Concurso deSúmulas do 14º Seminário Internacional doInstituto Brasileiro de Ciências Criminais- IBCCRIM (2º lugar).

    NOTASNOTASNOTASNOTASNOTAS

    (1) DE JESUS, Damásio Evangelista. Lei dos JuizadosEspeciais Anotada. 9ª edição. Editora Saraiva, 2004,página 66.

    (2) Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus n °83.962-6-RJ, 2ª Turma, relator ministro Cezar Pelu-zo, votação unânime, julgado em 07 de agosto de2007; em www.stf.gov.br, pesquisado em 15 de ju-nho de 2008.

    Matheus Silveira PupoAdvogado

    26 A 28 DE OUTUBRO DE 2009 - VI JORNADA LIA PIRES – PORTO ALEGRE/RSEm 2009, a Jornada Lia Pires, encontro já conhecido como referência jurídica no País, ocorrerá entre os dias 26 e 28 de outubro, na PUC/RSe contará com o apoio do IBCCRIM. O evento trará debates e exposições dos mais atuais temas em torno da matéria criminal,Direito Penal e Processual Penal. Aguarde: em breve mais informações no Portal IBCCRIM.

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    Damásio Evangelista de JesusDamásio Evangelista de JesusDamásio Evangelista de JesusDamásio Evangelista de JesusDamásio Evangelista de Jesus,em “ato jurídico que extingue

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    partes interessadas (AurélioAurélioAurélioAurélioAurélio).

  • BOLETIM IBCCRIM - ANO 17 - Nº 203 - OUTUBRO - 200912

    Leis modificativas de Código me tra-zem às vezes a imagem de modificações econsertos domésticos, por profissionaisque, ao repararem alguma coisa danifica-da, ou executarem alguma modificação,produzem outros estragos. Foi o que fez olegislador, em mais de um aspecto, tra-zendo confusões enormes quanto à fina-lidade da citação e à nomeação de defen-sor para o réu que não o tiver.

    Corre perigo, em verdade, de ser afron-tado o mais abrangente princípio do Di-reito Processual Penal, o da amplitude dadefesa e do contraditório, por isso mesmoprincípio da maior importância, visto queos ditames do processo podem reduzir-sea uma única regra essencial, qual seja ade que ninguém pode ser condenado semser ouvido e sem o direito de defender-se(1), e, juntamente com ele, do mesmomodo correndo risco de ofensa, suas duasmais significativas expressões, que são aindispensabilidade da citação e a conhe-cida regra do art. 261 do Código de Pro-cesso Penal, segundo a qual “Nenhumacusado, ainda que ausente ou foragido, seráprocessado ou julgado sem defensor”, regrajurídica esta cuja transgressão constituinulidade absoluta, prevista que está noart. 564, III, c, do mesmo Código.

    Claro que essa antiga e tradicional regracontinua induvidosa no caso de citaçãopessoal nos procedimentos ordinário e su-mário, pois, oferecida a denúncia ou quei-xa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente,recebê-la-á e ordenará a citação do acusado“para responder à acusação, por escrito, noprazo de 10 (dez) dias” (art. 396, caput). Issofeito, aplica-se o disposto no § 2º do art. 396-A, que dispõe: “Não apresentada a respostano prazo legal, ou se o acusado, citado, nãoconstituir defensor, o juiz nomeará defensorpara oferecê-la, concedendo-lhe vista dos au-tos por 10 (dez) dia”.

    Assim, naqueles procedimentos, ao réupessoalmente citado será dado logo de-fensor, se ele não o tiver, isso já para o ofe-recimento de resposta à acusação, compa-recendo ou não o réu.

    O problema poderá surgir se, citadopor edital, não comparecer o réu.

    É que o parágrafo único do art. 396,com nova redação dada ao projeto, dispõeque “No caso de citação por edital, o prazopara a defesa começará a fluir a partir docomparecimento pessoal do acusado ou dodefensor constituído”.

    Quer dizer, nesse caso de citação poredital, o prazo para a defesa não começa-

    rá a fluir se o acusado não comparecernem constituir defensor. Ainda que seme-lhante situação dure por muitos anos.Comparecendo, em qualquer tempo, éque o processo terá andamento, na confor-midade das regras dos arts. 394 e seguintesdo Código, como esclarece o art. 363, § 4º.

    E já que, por ser revel o réu citado poredital, não correrá o prazo para defesa, alei manda também, art. 366, que ficarãosuspensos o processo e o curso do prazoprescricional, permitindo, entretanto, queo juiz determine a produção antecipadadas provas consideradas urgentes.

    Então, poderá o juiz ser levado a racio-cinar que, suspenso o processo, não há no-mear defensor, não só por falta de objeto,já que o prazo para defesa ainda não co-meçou a fluir, como também porque a prá-tica de qualquer ato processual estaria sus-pensa, à exceção de produção antecipadade prova que vier a ser determinada. De-mais disso, o até então vigente parágrafodo art. 366, que mandava fosse dado de-fensor ao acusado, foi expressamente revo-gado pela reforma de 2008, o que reforça-ria o suposto entendimento de que aindaseria prematura a nomeação de defensor.Haveria, ainda, um outro argumento acorroborar aquele raciocínio: foi vetadotambém o 3o parágrafo do art. 363 do pro-jeto, que dispunha o seguinte sobre a an-tecipação de provas: “As provas referidas noinciso II do § 2o deste artigo serão produzidascom a prévia intimação do Ministério Pú-blico, do querelante e do defensor público oudativo, na falta do primeiro, designado parao ato”.

    Então, até parece que tudo se fez decaso pensado, sem receio de inconstitucio-nalidade, só para evitar o atropelamento doprocedimento com a apresentação de umadefesa antes da hora, quando não para re-forçar o propósito do legislador de que nãotenha andamento o processo sem o com-parecimento do acusado ou de defensorconstituído, ou seja, para dar mais força aseu intento de deixar paralisada a marchade processo em caso de revelia.

    Mas não é bem assim. Não obstante arevogação do parágrafo que mandava fos-se dado defensor ao acusado, a regra queestabelecia deverá, sob pena de nulidadedo ato, continuar sendo adotada, não por-que ela incida, como se vigente fosse o tex-to revogado, mas por força do que dispõe acabeça do art. 263, verbis: “Se o acusado nãoo tiver, ser-lhe-á nomeado defensor pelo juiz,ressalvado o seu direito de, a todo tempo, no-

    mear outro de sua confiança, ou a si mesmodefender-se, caso tenha habilitação”, regrajurídica que, ainda bem, não foi revogadapela reforma.

    Nada importa, para a nomeação de de-fensor, ainda que só para o efeito do ato,esteja suspenso o andamento do processo.Está suspenso sim, exceto, porém, para ofim de antecipação de prova. E nem porisso a prova deixará de ter sido produzidaregularmente, desde que presente o órgãodo Ministério Público e o defensor no-meado (já que o réu não constituiu advo-gado), tal como determinava o parágrafodo citado art. 366, agora revogado, e o pa-rágrafo 3º do art. 363 do projeto, que foivetado, tudo certamente mais por equívo-co que por uma real necessidade técnica.

    Entretanto, se em con