Editorial J - número 9 - novembro/dezembro de 2012

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NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012. NÚMERO 9. FAMECOS PUCRS www.pucrs.br/famecos/editorialj Odon Ferreira é um dos carregadores que começa o dia transportando produtos /9 Relatos de jovem reservista israelense e de mulher palestina expõem drama dos povos /3 Freteiros abrem Mercado Público Visões do conflito na Palestina Casas sem banheiro Em Porto Alegre, pelo menos 474 moradias não têm banheiro, aponta Censo de 2010, feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 216 casas não há nem vaso sanitário, revela reportagem de Débora Fogliatto que ganhou o terceiro lugar na categoria Acadêmico do 29º Prêmio Direitos Humanos. /Central Transexuais seguem discriminados /10 Direito ao trabalho é negado Dirceu Chirivino e Ricardo Chaves são guardiãos do passado nos jornais CP e ZH /4 e 5 Memória sem recurso do Google XXIX PRÊMIO DIREITOS HUMANOS DE JORNALISMO Janaína Marques (4º) Gabriela Cavalheiro (4º) Douglas Roehrs (4º)

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Edição impressa do Editorial J, o laboratório curricular de jornalismo da Famecos/PUCRS.

Transcript of Editorial J - número 9 - novembro/dezembro de 2012

NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012. NÚMERO 9. FAMECOS PUCRS

www.pucrs.br/famecos/editorialj

Odon Ferreira é um dos carregadores que começa o dia transportando produtos /9

Relatos de jovem reservista israelense e de mulher palestina expõem drama dos povos /3

Freteiros abrem Mercado Público

Visões do conflito naPalestina

Casas sem banheiro

Em Porto Alegre,

pelo menos 474

moradias não têm

banheiro, aponta

Censo de 2010, feito pelo Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE). Em 216 casas não há nem vaso

sanitário, revela reportagem de Débora

Fogliatto que ganhou o terceiro lugar

na categoria Acadêmico do 29º Prêmio

Direitos Humanos. /Central

Transexuais seguemdiscriminados /10

Direito ao trabalho énegado

Dirceu Chirivino e Ricardo Chaves são guardiãos do passado nos jornais CP e ZH /4 e 5

Memória sem recursodo Google

XXIXPRÊMIO DIREITOS

HUMANOS DEJORNALISMO

Janaína Marques (4º)

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(4º)

Douglas Roehrs (4º)

NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2012 / PÁGINA 2

papo de redação

humorLaboratório convergente da Famecoswww.pucrs.br/famecos/editorialjexpediente editorial J

Jornal mensal da Faculdade de Comunicação Social (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) – Avenida Ipiranga, 6681 – Porto Alegre (RS)

Reitor: Ir. Joaquim ClotetVice-reitor: Ir. Evilázio TeixeiraPró-reitora de Graduação: Solange Medina Ketzer

FAMECOSDiretora: Mágda Rodrigues da CunhaCoordenador do curso de Jornalismo: Vitor NecchiCoordenador do Espaço Experiência: Fábian Chelkanoff ThierCoordenador do Editorial J: Fabio CanattaCoordenadora de produção: Ivone CassolProjeto gráfico: Luiz Adolfo Souza

Professores responsáveis: André Pase, Caroline de Mello, Fabio Canatta, Flávia Quadros, Geórgia Santos, Ivone Cassol, Marcelo Träsel, Marco Villalobos, Sérgio Stosch, Rogério Fraga e Vitor Necchi.

EQUIPE DE ALUNOSEditores: Ana Maria Müller, Caio Venâncio, Cândida Schaedler, Daniele Souza, Eduardo Bertuol e Pedro Henrique Tavares.Repórteres: Anna Karolina Santa Helena, Airan Coimbra da Costa, Bárbara Moreira, Bárbara Souza, Bibiana Borba, Bruna Suptitz, Bruno Andreoni, Caroline Ferraz, Caroline Medeiros, Claiton B. da Silva, Constance Laux, Débora Fogliatto, Douglas Roehrs, Eduardo Schiefelbein, Evelyn Centeno, Flavio Schirmer, Gabriela Brasil, Gabriela Cavalheiro, Gabriel Galli Arevalo, Gabrielle Toldo,

Guilherme Barcellos, Guilherme Jaeger, Guilherme Testa, Gustavo Frota, Ingrid Flores, Isabele Sonda, Janaína Marques, Jéssica Schneider, João Pedro Arroque Lopes, Júlia Finamor Magalhães, Júlia Lewgoy Martini, Juliana de Gonzalez, Kamyla Jardim, Karine Flores, Katherine D’ávila, Laís Escher, Laura Martins, Lucas de Oliveira, Lucas Etchenique, Luiza Lorentz, Marcel Klein, Mariana Gonzalez, Mariana Moraes, Maria Carolina Santos, Matheus de Jesus, Mônica Nascimento, Patrícia de La Jardim, Pedro de Fraga, Rafael Ribeiro, Rafaela Masoni, Raquel Saliba, Regina Martins Albrecht, Roberta Fofonka, Ricardo Miorelli, Sabrina Simões, Teresa Tôrres, Thamys Trindade, Thiago Netto, Vitória Di Giorgio e Vithoria Vaz.

Impressão: Apoio Zero Hora Editora Jornalística

Mais uma vez Direitos HumanosTexto: Eduardo Bertuol (7º semestre) Fotos: Douglas Roehrs (4º semestre)

Anderson Lim

a (8º semestre)

Um ano depois, o estágio Editorial J recebe outra vez o Prêmio

Direitos Humanos de Jornalismo, na categoria Acadêmico. Nesta 29ª edição, o documentário Anjos sem asas obteve o primeiro lugar, um reconhecimento ao trabalho dos estagiários que reuniram depoimentos históricos de militares que se negaram a cumprir a ordem de bombardear Porto Alegre, em 1961, por ocasião do episódio da Legalidade.

Produzida pela estudante Débora Fogliatto, a reportagem que mostra a precária infraestrutura sanitária de moradias das vilas Jardim dos Coqueiros e Ocupação Hospital, nas zonas Norte e Leste de Porto Alegre, foi distinguida com o

1º lugar: Felipe Martini, Lúcia Vieira e Dimitria Prochnow

terceiro lugar. A reportagem apresenta a realidade constrangedora da Capital,

onde há famílias cujas casas não têm ou contam com banheiros improvisados,

sem as mínimas condições higiênicas, como se pode ver nas páginas 6 e 7 desta edição e também no site do Editorial J.

Além das produções do estágio, mais duas reportagens do curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicação Social (Famecos) da PUCRS foram premiadas. Gerson Doval Raugust ficou na segunda colocação da categoria Acadêmico com o texto Índio quer mais que apito. A matéria mostra que os índios que escolhem morar em áreas urbanas sofrem os mesmos problemas das regiões de periferia, como falta de moradia, deficiência

no atendimento à saúde, carência de estrutura escolar e dificuldade para obtenção de ganhos para o sustento. Apesar dos órgãos específicos que tratam dos assuntos indígenas, a realidade não se altera e eles permanecem sem perspectiva.

A formanda Sâmela Lauz é outra premiada, dividindo o terceiro lugar da categoria Acadêmico com Débora Fogliatto, com a reportagem Filhos do Pelletier. Esse

texto, mais o produzido por Gerson Raugust serão publicados na edição de dezembro de 2012 da revista Experiência, produzida pelos alunos da disciplina Redação e Produção de Revista.

+Documentário pode ser acessado:

Alunos e professores premiados receberam diplomas e troféu em cerimônia realizada em 10 de dezembro, na Ordem dos Advogados (OAB-RS)

Texto: Pedro Henrique Tavares (7° semestre)Ilustração: Ciro Mota (4º semestre)Foto: Gabriela Cavalheiro (4º semestre)

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conflito

Faixa de Gaza, uma região presa à violência

“D esculpe-me pelo atraso na resposta, fiquei sem energia

elétrica.” Com esta justificativa, a palestina Fidaa Zanin termina de responder o primeiro e-mail enviado pela reportagem do Editorial J, durante os ataques que sacudiram a Faixa de Gaza, em meados do mês de novembro.

Fidaa acrescenta que, enquanto escrevia, duas crianças acabavam de ser mortas. Parece fácil para a ativista descrever algo tão brutal com tanta facilidade. Entretanto, a naturalidade em lidar com o assunto faz parte de uma rotina de mortes que já dura décadas.

Os mísseis israelenses, que tiraram a luz e a vida de centenas de palestinos – na primeira metade do mês de novembro, mais de 175 foram mortos, de acordo com números do Ministério da Saúde da Faixa de Gaza – também ditam hábitos sociais, políticos e econômicos do povo de Fidaa. “Mesmo antes do início da

Influênciado Hamas

Partido político e braço armado dos palestinos, o Hamas é uma liderança do povo que luta por seu território. Apesar de ser considerada uma organização terrorista por grandes potências, principalmente os Estados Unidos, o grupo é visto como um verdadeiro defensor da causa, como explica Fidaa Zanin. “O Hamas não é culpado, Israel começou tudo isto, e temos o direito de resistir”, defende.

Contudo, o soldado Blanc mostra-se mais cauteloso quanto à questão dos grupos armados. Ele argumenta que existe extremismo dos dois lados. “Eu não apoio o extremismo religioso em nenhum dos lados”, completa.

operação Pilar de Defesa (nome dado pelo governo de Israel às ações de novembro) nós estávamos sitiados. Isso significa que Israel está controlando tudo na nossa vida”, relata.

Diferentemente do controle que tem sobre o território palestino, Israel não conseguiu impedir um jovem militar de realizar seu protesto. Natan Blanc, 19 anos,é soldado das Forças de Defesa do país. Recentemente, ele se recusou a tomar parte nos ataques patrocinados pelo governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Chegou a ser preso por isso.

Corajoso, Blanc declarou o que poucos israelenses pensam ou o que muitos têm medo de dizer. Para ele, um estado palestino seria possível. “Eu acho que um estado palestino é a única solução imediata”, relatou em entrevista ao Editorial J.

O reservista também se diz contra o nacionalismo, e acredita não ser capaz de apoiar nenhuma causa ufanista. O jovem faz parte de um grupo de resistência conhecido como refuseniks (aqueles que se recusam). Criado em 1982, quando pilotos da Força aérea israelense se recusaram a bombardear civis durante conflito com o Líbano, o coletivo ficou conhecido pelos combatentes que se recusam a integrar as tropas nacionais.

Casos como este surgem como um fio de esperança para palestinos como Fidaa. Apesar da

alta mortandade de civis inocentes, o desertor conta que a compaixão existe dentro das tropas israelenses. “Muitos jovens entram no exército com o objeto de tentar mudá-lo, melhorando o tratamento para com os palestinos”, conta.

Para que a luz finalmente volte aos palestinos, a paz precisa ser estabelecida. No entanto, Fidaa Zanin e Natan Blanc concordam que, no momento, isso é uma utopia. “A única solução é que devolvam a nossa terra. Precisamos do estado palestino. No entanto, sabemos que os lados querem acabar com o conflito, mas não conhecemos as condições”, reclama Fidaa.

“De maneira geral, eu sou muito pessimista quanto ao futuro deste conflito. Não acho que esteja perto de terminar. Não porque não possa ser resolvido, mas porque existem muitas pessoas, dos dois lados, que não querem que o mesmo seja resolvido”, pontua Blanc.

Imagem exibida no Fórum Palestina Livre, realizado no mês de novembro, em Porto Alegre

A té o fim dos anos 1980, antes da consolidação do computador,

da internet e da telefonia móvel, o jornalismo era praticado no modo analógico, sem as facilidades atuais para se produzir uma reportagem. A agenda de telefones e a rede de contatos de um repórter eram as ferramentas de trabalho. Sem a internet, os arquivos das redações eram a fonte de pesquisa mais acessível para a pauta. Hoje, estes acervos contam com menos da metade dos profissionais que há poucas décadas. Agora, ser arquivista é raro quanto escrever uma matéria como esta sem consultar o Google.

Dirceu Chirivino foi contratado para implantar

e organizar o arquivo fotográfico do Correio do Povo, em 1965. O local guarda 33 milhões de negativos e milhares de fotos em papel, acompanhadas de textos sobre o assunto.

O arquivamento digital começou há 15 anos. A atual equipe de trabalho é formada por Chirivino e mais duas pessoas, mas já teve dez. Ele afirma que o Google acabou parcialmente com a sua função. “É como trocar um Fusca por uma Lamborghini”, compara. Antes, o jornalista ia ao acervo de jornais e solicitava uma pesquisa. Agora, basta colocar as palavras-chaves em um buscador e todo o conteúdo sobre o assunto aparece na tela do computador.

Para a coordenadora do núcleo de Web da Prefeitura

de Porto Alegre, Jandira Feijó, não há como comparar a produção de uma matéria com e sem as ferramentas digitais de hoje.

Ela foi repórter no Jornal do Comércio e em Zero Hora. “Era tudo muito amador. Realmente, não sei como fazíamos”, diz. Jandira pensa que as facilidades diminuíram o ‘olho no olho’, essencial para o bom jornalismo. Porém, ela destaca que as redações estão em um período de transição, buscando equalizar as novas mídias com a velha prática de ter o repórter na rua. “Tudo é muito líquido e rápido”, reflete.

A coluna Há um século no Correio do Povo é preparada por Dirceu Chirivino e um colega. Nela, é reproduzido de forma resumida o

noticiário da edição de cem anos atrás. Para fazê-la, Chirivino conta com a coleção de jornais da empresa. As fotos são do próprio acervo que ele ajudou a organizar. Para checar as informações, Chirivino consulta o livro Datas rio-grandenses, de Sebastião Leão, e também o Google e a Wikipedia. “É indispensável confrontar as fontes”, diz. “Eu uso o Google para não errar.”

Chirivino e Jandira exerceram jornalismo em uma época sem vantagens digitais. Quando recebiam uma pauta, tudo o que havia em suas mesas de trabalho era uma máquina de escrever, papel e caneta. Tinham o desafio de encontrar uma fonte que não carregava telefone celular no bolso e encontrar material de

pesquisa numa era pré-internet.

A rotina do repórter foi alterada pela tecnologia. Antes, dependendo da pauta, o jornalista passava horas pesquisando um assunto em jornais, revistas e bibliotecas, o que podia significar deslocar-se do local de trabalho; precisava fazer diversas ligações para encontrar a fonte ideal e ganhar sua confiança; e necessitava da orientação de colegas mais experientes para desenvolver reportagens.

Hoje, é possível fazer isto sem sair da cadeira, através da internet. No entanto, Jandira e Chirivino concordam que a receita para se fazer uma boa matéria ainda é a mesma: pesquisa, observação e fontes adequadas.

Texto: Igor Grossmann (6º semestre)Foto: Caroline Corso (7º sem)

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memórias

Jornalismosem Google

Antes e mesmo após a internet, o arquivista de jornal é um garimpeiro de raridades, como Dirceu Chirivino, do Correio do Povo. Fotógrafo com registro importantes da história recente do país, Ricardo Chaves (Kadão) também cuida e alimenta as memórias que frequentam sua coluna Almanaque Gaúcho, espaço diário de Zero Hora

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Desde 1965, Dirceu Chirivino cuida dos arquivos de fotos e jornais do Correio do Povo, cujas gavetas guardam fatos importantes e imagens raras

Fotógrafo das emoções renovadas

Companhiainseparávelda bolsa

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Kadão prefere publicar fatos ocorridos no passado mais recente

F atos do passado são relembrados diariamente nas últimas páginas do jornal

Zero Hora. São histórias resgatadas do esquecimento que motivam diferentes emoções nos leitores. Sensibilizados, eles ligam para o colunista responsável pelo espaço, muitas vezes, apenas para compartilhar o sentimento despertado pelo fato recuperado. Desta maneira, o editor Ricardo Chaves resume o que é a coluna Almanaque Gaúcho e a importância desta para os leitores.

Há dois anos como titular da coluna, Chaves, fotógrafo mais conhecido pelo apelido Kadão, não imaginava um dia substituir o jornalista Olyr Zavaschi, editor do Almanaque que morreu em 2010. Além disso, como colega e amigo, o fotógrafo ajudava Olyr a produzir a coluna quando tinha uma fotografia antiga de algum lugar e precisava da imagem atual do local. Kadão contribuía para produzir o antes e depois para seu colega.

O fotógrafo considera que isso o ajudou a qualificá-lo para o atual cargo que ele não pensava exercer, pois sempre trabalhou com imagem. Após algum tempo na função, ele percebeu ser capaz de produzir a página. O que ajudou bastante foi o seu interesse por história e a autonomia que sempre teve ao produzir suas fotografias para o Almanaque. No espaço, o ex-editor de fotografia do jornal por quase 20 anos aborda diversos assuntos, desde a origem e os encontros de famílias até a passagem do diretor de cinema Orson Welles por Porto Alegre em 1942. Nada passa impune pelo editor que admite escolher os assuntos mais a partir das suas ideias do que observando o calendário.

Para levar ao leitor acontecimentos importantes das últimas décadas, Ricardo Chaves gosta de pesquisar

assuntos no vasto arquivo da Revista do Globo, que circulou no Estado entre janeiro de 1929 até fevereiro de 1967. Além disso, garimpa publicações no Museu de Comunicação Hipólito José da Costa, no arquivo de Zero Hora e do extinto jornal Última Hora. Apesar da variedade de fontes que possui e do seu arquivo pessoal, ele usa também o acervo de colegas de profissão e de filhos de fotógrafos que já faleceram.

Kadão considera desgastante contar uma história, um fato por dia, mas revela que se diverte muito fazendo a coluna. Um hábito que absorveu depois que assumiu o Almanaque Gaúcho foi o de ler revistas antigas, assim está sempre buscando material com potencial para usar. Outro lado bom e lúdico é poder brincar com as palavras do texto, mas ele sente falta de trabalhar como editor de fotografia, selecionando os fatos do dia.

Após uma década de afinidade entre o público da coluna e seu editor Olyr Zavaski, Kadão temia encontrar dificuldades. Hoje, acredita que conseguiu imprimir seu estilo pessoal à coluna. Passou a abordar assuntos de passado mais recente, não além de 1930, explicando que fez isso por que acredita que escrever sobre fatos mais atuais gera maior identificação com as pessoas. Além disso, por ser fotógrafo e ter relações com muitas pessoas que guardam fotos antigas, o atual editor tem mais facilidade para publicar imagens que comparam épocas, que mostram a evolução e as transformações de ruas e cidades, por exemplo.

Questionado a respeito do atual momento do fotojornalismo, o ex-editor de ZH destaca que para ser repórter fotográfico hoje o profissional precisa ser multimídia. Ele acha que “está saindo uma boa safra de jovens fotojornalistas neste começo de século”.

Texto: João Pedro Arroque Lopes (4º semestre)Foto: Daniele Souza (4º sem)

Dos 20 anos na função de editor, a única coisa que não gostava era de ser chefe. “Não adianta entender as prioridades do chefe e negligenciar a sua turma”, desabafa. Quanto às suas inspirações fotográficas, reconhece a influência de Cartier-Bresson, considerado um fotógrafo de referência. Após conhecer Bresson, Kadão mudou a concepção que tinha a respeito da fotografia que ele achava, até então, fácil de ser feita, e acabou percebendo a técnica que tem por trás do ato de fotografar.

A parceria com a máquina fotográfica o levou a trabalhar em diversos veículos. De 1972 a 1974, atuou na sucursal de Porto Alegre do Jornal do Brasil, depois ficou algum tempo na sucursal da revista Veja como freelancer e como contratado, no Rio de Janeiro, no início dos anos 80. Em 1984, se mudou para IstoÉ. Após sua experiência em semanários, Kadão foi trabalhar nos jornais O Estado de São Paulo e, em seguida, em Zero Hora, em 1991, onde passou a ocupar o cargo de editor de fotografia.

Com 43 anos do

jornalismo, Kadão tem muitas histórias para contar. Entre as fotografias memoráveis, lembra o flagrante de um homem surrupiando dinheiro da bolsa de uma mulher no Centro de Porto Alegre e o retrato que comprovou que o ex-presidente paraguaio Alfredo Strossner havia se exilado no Brasil. Para obter a foto, ficou uma manhã inteira na frente de uma casa em Brasília, quando comprovou a presença do ex-ditador no Brasil.

Em sua trajetória como repórter fotográfico, Kadão é autor de capas históricas de revistas, como a edição de 1979 de Veja que cobriu a volta de Leonel Brizola do exílio. Em 1981, registrou a primeira capa com foto do atentado ao Riocentro, no Rio de Janeiro. Mesmo com este currículo, o editor lamenta não ter fotografado o compositor Lupicínio Rodrigues, que era amigo do seu pai e a quem tinha acesso. O erro virou um trauma para Kadão que somente percebeu a importância do compositor e o que havia desperdiçado quando Lupicínio morreu, em 1974.

Um fotógrafo jamais se separa da bolsa onde carrega câmera e lentes, mesmo quando ela pesa mais de 10 quilos.

Ricardo Chaves levou isso tão a sério ao longo de 40 anos profissão que carregava a dita também nas folgas de final de semana, nos horários de lazer e até mesmo quando o programa era fazer compras no supermercado. Acreditava que sempre deveria estar pronto para sacar a câmera, caso algo acontecesse.

Apenas nos últimos dois anos, após deixar a editoria de fotografia, ele conseguiu “esquecer” a bolsa e equipamentos em casa.

Texto: Débora Fogliatto (6º semestre)

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saneamento

A vida sem banheiroEm Porto Alegre, 474 famílias vivem sem local adequado para tomar banho e não têm vaso sanitário

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Em Porto Alegre, há pelo menos 474 casas sem banheiro. É isso que indica o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no Censo de 2010, que define banheiro como “o cômodo que dispõe

de chuveiro ou banheira e vaso sanitário”. Destas, 216 casas não contam sequer com vaso sanitário ou qualquer buraco que possa receber dejetos dentro de um local cercado por quatro paredes.

Em todo o Brasil, quase 200 mil famílias vivem nessa situação, conforme o IBGE. Dentre as capitais, outras 13 têm a condição ainda mais precária do que a gaúcha: em Manaus (AM), o número é de 2.479, e em São Luiz (MA), 2.238 residências sem condições sanitárias mínimas. Vitória (ES) e Florianópolis (SC) apresentam os melhores números, com 55 e 60 casas sem banheiro, respectivamente. Mas a dimensão do

problema não pode ser representada apenas com números. A falta de saneamento interfere na higiene e na qualidade de vida dos cidadãos.

Estas são as condições de vida de parte dos moradores da Vila Jardim dos Coqueiros e da Ocupação Hospital, respectivamente nas zonas Norte e Leste da Capital, onde a deficiência na rede de esgotos é um dos problemas enfrentados na rotina de incertezas.

Na casa de Alessandra Monteiro há um banheiro: um cubículo de 1,5m², onde ficam um chuveiro e um vaso sanitário. Apesar de ser utilizado pelos 14 moradores da casa, não cabem duas pessoas no cômodo ao mesmo tempo. Quando alguém toma banho, o vaso fica encharcado, pois não há espaço para box de chuveiro. O cômodo é separado da sala/cozinha por um lençol que serve de cortina, o que não evita que a água também escorra e molhe o restante da residência. Além de Alessandra e seus dez filhos, sua irmã e dois irmãos usam o mesmo banheiro. As crianças, cujas idades variam entre um e 17 anos, moram com ela. As mais velhas frequentam a Escola

Estadual de Ensino Fundamental Helena Schneider, mas os menores não vão à creche. Assim, os maiores se revezam estudando alguns de manhã, outros de tarde, para que sempre alguém esteja em casa e cuide dos pequenos. Katlin e Mara, de 15 e 14 anos, respectivamente, cursam o Ensino Fundamental e ainda não sabem o que farão ao concluir a escola. O Ensino Médio não parece ser uma opção para as meninas, que pensam em fazer curso de manicure.

Para Alessandra, é difícil encontrar emprego, já que ela precisa ficar em casa com os filhos. Luan, seu irmão, tenta ajudar a prover a família, mas encontra muitos obstáculos. Na enchente que atingiu a comunidade, em setembro, ele perdeu seus documentos, além da família ter “perdido tudo”, nas palavras dele, com os alagamentos. O cartão Bolsa Família, do qual são beneficiários, também foi com a água da chuva e do esgoto que invadiu a casa, o que tornou a situação ainda mais complicada. Apesar da precariedade, a família raramente desanima. “A gente é sempre alto astral, mas às vezes ficamos abalados”, lamenta Luan,

Lixo e esgoto a céu aberto dividem espaço com precárias moradias do Jardim dos Coqueiros, onde o “banheiro” pode ser um cubículo com buraco no chão

Janaína Marques (4º semestre)

XXIXPRÊMIO DIREITOS

HUMANOS DEJORNALISMO

NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2012 | PÁGINA 7

lembrando a queda de luz que atinge a comunidade quando chove, inutilizando os poucos alimentos da geladeira.

Vizinha da família, a menina Kimberli, seis anos, interrompeu a história que contava com entusiasmo e ficou cabisbaixa ao lembrar os efeitos da última chuva forte. “Minha casa alagou e minha mãe perdeu os meus brinquedos. Agora, eu só tenho umas folhinhas para brincar”, lamenta, enquanto cuida sozinha do irmão de um ano, deitado na cama na casa da tia deles. Apesar de vestir uma blusa curta e uma bermuda, a menina estava com calor dentro de casa, por isso havia saído para caminhar por uma ruela próxima. Quando recebeu atenção da reportagem, Kimberli logo se empolgou e contou que gostaria de ir à escola, além de fazer questão de mostrar, orgulhosa, o irmão que ela mesma colocou para dormir.

Cercados pelo arroio Passo das Pedras, as chuvas afetam muito os moradores da área de risco da Vila Jardim dos Coqueiros, cujos primeiros habitantes chegaram há 20 anos. Chamado de “valão”, o arroio, que dá nome ao bairro onde se localiza a vila, é formado por um esgoto cloacal extenso, que começa no Morro Santana e termina no rio Gravataí. O terreno ao redor do valão pertence à Prefeitura - mais especificamente, ao Departamento Municipal de Habitação (Demhab). Em torno de 15% das famílias da vila vivem nessa área, calcula o Demhab.

Para chegar até a margem, é necessário passar pelo chão coberto por lixo. Há tanto entulho que, em alguns lugares, é impossível ver a terra onde se pisa. Para os moradores, viver cercados por detritos não chega a ser um problema. Muitos deles têm empregos relacionados à reciclagem, realizada na vila. Enquanto os pais trabalham, as crianças brincam com naturalidade em meio a pilhas de entulho, restos de madeira e dejetos em geral, incluindo sapatos usados, pedaços de pano, comidas apodrecidas, brinquedos quebrados, nuvens de moscas e, ocasionalmente, ratazanas. A garotada não tem medo de cair no esgoto e, quando necessário, entra nele para “cortar caminho”. Para quem cresceu no Jardim dos Coqueiros, nada é mais comum do que a sujeira.

Devido ao acúmulo de lixo, o arroio transborda quando chove e invade as casas do seu entorno. Em setembro, uma enchente afetou 200 famílias que moram nas cercanias do arroio. As doações recebidas pela Defesa Civil e pelo Demhab não foram o suficiente para atender às necessidades. Hugo Mellnig, agente comunitário e integrante da Associação Comunitária Jardim dos Coqueiros, não culpa os órgãos públicos pela falta de recursos: “Nenhuma cidade está preparada para inundações”.

Mas a vida na Vila dos Coqueiros não se resume a desastres. Água encanada e esgoto já são realidade há dez anos, apesar da lei municipal que proíbe o investimento em áreas de risco. Para Hugo, não houve desperdício de dinheiro aplicado nas instalações. “O que foi investido em saneamento é economizado em saúde. Com melhores condições, as pessoas adoecem menos e têm mais capacidade para trabalhar e estudar”, argumenta.

Esta conquista, porém, não é suficiente para o entorno do arroio na vila Jardim dos Coqueiros ser considerado um lugar apropriado para moradia. Há alguns meses, um incêndio provocado por curto-circuito atingiu dez casas, queimando parcialmente algumas e destruindo outras. Na ocasião, o Demhab providenciou casas novas para a maior parte das famílias atingidas pelo fogo. De acordo com Hugo, as que moram próximas ao arroio, no entanto, não foram beneficiadas, devido à possibilidade de alagamento assim que comece a chover. A prefeitura confirma que o departamento não pode instalar casas em áreas de risco, justamente para não contribuir com situação que possa gerar insegurança ou insalubridade aos habitantes.

O cheiro do esgoto se mistura ao de excremento dos cavalos e impregna toda a área, mas os moradores não parecem sentir. Recentemente, uma força-tarefa organizada pela população despoluiu o valão e arredores, o que colabora para que, no futuro, não transborde com tanta facilidade. Além disso, conforme a prefeitura, o Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) realiza manutenção periódica do curso d’água.

Jucelaine Mendes de Jesus teve parte de sua casa atingida

Madeira velha sustenta o que seria o vaso sanitário na vila Ocupação Hospital

Na mesma peça da moradia estão vaso sanitário, tanque de lavar roupas e depósito

no incêndio e reclama por não ter recebido ajuda na reconstrução. Foi necessário improvisar para reerguer a moradia de duas peças, sem banheiro. “Quando eu preciso fazer xixi, é só pegar um balde”, explica com naturalidade. A casa divide espaço no terreno com a de sua mãe, e para tomar banho, Jucelaine vai até onde mora a prima, também na área de risco da vila. Logo que ela se mudou, há sete anos, dividia com os três familiares apenas uma peça. Agora, tem sala/cozinha e um quarto com duas camas na pequena estrutura de madeira mal pintada de azul, cujo interior se pode ver de fora através de frestas nas paredes.

O local foi bastante afetado pela enchente de setembro, mas quando a Defesa Civil ofereceu duas cestas básicas aos moradores da área, Jucelaine disse que havia gente

precisando mais do que ela e se negou a ficar com parte dos mantimentos. O olhar triste da moça que segura a filha de três anos nos braços não esconde seu maior sonho: “Quero sair logo desse inferno”, confessa.

A prefeitura desenvolve um plano de reassentamento para os habitantes da vila, a partir de recursos do programa Minha Casa, Minha Vida. Estava previsto que os moradores da área de risco passariam a morar em apartamentos construídos na Avenida Manoel Elias, na Zona Norte. Depois da obra concluída, porém, outras pessoas ocuparam o local. Por enquanto, os habitantes da vila Jardim dos Coqueiros não têm para onde ir. Por

isso, permanecem nas casas de madeira sem banheiro, nas ruas sem asfalto, nas suas vidas cercadas pelo esgoto. Apesar dos problemas, a alegria não abandonou seus moradores, que deixam os rádios ligados no último volume tocando pagode e se encontram nas ruelas para escapar do calor de dentro das suas casas. Adalibi dos Santos, morador há 15 anos, garante que nada mudou e duvida que isso ocorra. Quando chover,

vai alagar novamente. E os habitantes reconstruirão suas casas e tentarão recuperar seus pertences, enquanto esperam por uma chance de escapar da vida junto ao valão.

+Leia mais sobre a matéria:

Guilherme Testa (4º)

Guilherme Testa (4º)

pôquer

NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2012 | PÁGINA 8

Mãosde áses

O jogo se tornou uma prazerosa fonte de renda para universitário que passou a frequentar salas virtuais e reais em vários países. Mesmo assim, ele não tem intenção de ser jogador profissional

Texto: Marcos Escobar Belo (2º semestre) e Matheus Riskalla (2º semestre) Fotos: Guilherme Testa (4º semestre)

Cartas, emoção e dinheiro rápido. Essa combinação atrai milhares

de jogadores de pôquer para as mesas, em torno de 2 milhões no Brasil, segundo o site iG. Entre eles está Bernardo Dias, 23 anos, estudante de Publicidade e Propaganda na PUCRS, que teve seu interesse despertado pelo jogo aos 17 anos, no momento em que se mudava de Salvador para Porto Alegre.

Tudo começou como passatempo, jogando centavos de dólar na sala on-line Everest Poker (http://www.everestpoker.com/pt). As premiações, para os três primeiros colocados, eram de dois a cinco centavos de dólar, respectivamente. À medida que adquiria mais experiência e dinheiro, passou a jogar por valores mais altos. Aos 20 anos, o hobby virou profissão.

Nessa época, ainda no primeiro semestre de curso, trancou a faculdade e passou oito meses em Londres conhecendo a capital inglesa e se aprimorando no pôquer. Começou a investir em livros teóricos sobre o gênero, como Harrington no Hold’em, de Dan Harrington; Todas as mãos reveladas, de Gus Hansen, e Power Hold’em, de Daniel Negreanu. Em 2010, após a passagem pela capital inglesa, Bernardo teve seus melhores momentos nas mesas on-line. Com os resultados obtidos, viajou

pelo mundo em pacotes pago por uma das maiores empresas do ramo, a PokerStars (www.pokerstars.com/br), disputando torneios presenciais em cidades como Punta del Este, Bahamas, Londres, Deauville, Las Vegas e São Paulo.

A maior conquista de Bernardo Dias foi a quarta colocação em Sunday Million, torneio on-line semanal com US$ um milhão na premiação total, que lhe rendeu prêmio de US$ 80 mil. Outro destaque foi o sétimo lugar no torneio de Poker Latino Americano (LAPT) de Punta del Este, em 2010, com prêmio de US$ 31 mil.

Be Dias, como é conhecido no mundo virtual, relata que ganha em torno de US$ 5 mil mensais, fazendo a média anual. Ele confessa que por quatro meses seu saldo já foi negativo, mas prefere não detalhar como isso aconteceu. Contradizendo quem afirma que o pôquer depende de sorte, ele acredita que “o jogo é de probabilidade. É cientificamente comprovado que a habilidade prevalece sobre a sorte.” Para Bernardo, o jogo, como qualquer investimento, requer estudos e probabilidades a favor para obter resultados positivos.

Assim como outras competições esportivas, o pôquer também tem seus ídolos. No Texas Hold’em, modalidade de duas cartas na mão, muito popular atualmente, Bernardo

destaca três jogadores como suas principais inspirações: Tom Dwan, Viktor Blom, mais conhecido como Isildur1, e Daniel Negreanu, de quem já teve a chance de ser adversário. “Admiro a frieza do Dwan, o desapego ao dinheiro do Isildur e a leitura dos oponentes do Negreanu”, resume. Além destes, Bernardo reconhece a influencia de jogadores brasileiros como André Akkari, Thiago Decano e João Mathias.

Apesar dos resultados alcançados, o universitário não pretende ter o jogo como único objetivo de vida: “Eu sou muito grato ao pôquer, mas não pretendo ser jogador profissional a vida inteira. Quero montar minha agência de publicidade. Posso conciliar

as duas coisas”, acredita projetando seu futuro. Tendo em vista essa meta, o baiano residente no Sul do país retomou seus estudos universitários após dois anos parado.

O jogo entrou na vida de Bernardo Dias como passatempo. No futuro, ele quer se dedicar à publicidade. Por isso voltou a estudar.

mercado público

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Desfile de cargas ao amanhecerAinda na madrugada, trabalhadores abastecem as bancas carregando mercadorias dos caminhões para os pontos de venda

Quando o sol aponta no lado oposto ao Lago Guaíba, Odon Ferreira já

cumpriu quase metade da sua jornada de trabalho. Com 50 anos, os cabelos longos presos em um rabo de cavalo, ele sai de casa às 4h30min. Como mora no Centro Histórico de Porto Alegre, vai a pé até o Mercado Público, onde, de segunda a sábado, faz carreto das mercadorias que abastecem as bancas do local.

Como Odon, vários trabalhadores ganham a vida fazendo frete de produtos para comerciantes do Mercado Público. Quando um dos quatro portões principais se abre, às 5h, pelo menos uma dezena de carrinhos com carnes e frios começa a percorrer os corredores em direção às bancas. O movimento na Avenida Borges de Medeiros segue até as 10h – horário limite para os caminhões saírem do entorno.

Os homens que madrugam explicam que carne e peixe são as mercadorias que carregam todos os dias. Frutas, verduras, erva-mate e outros produtos menores têm dia certo para chegar. O trabalho dos freteiros é informal. Eles realizam as tarefas sem carteira assinada e ganham cerca de R$ 7 por viagem feita. Odon, que tem seu cartão de visita em mãos para entregar a quem passa, garante que faz, no mínimo, oito carretos por dia.

Entre os freteiros, “Sangue”

é figura conhecida. Às 5h30min, distribui sorrisos a quem encontra no caminho. O apelido que Marcelo Santana ganhou de um jornalista do Diário Gaúcho faz referência à marca de sangue que invade a roupa branca quando ele e os colegas carregam peças de carne nos ombros. Aos 44 anos, Santana conta, orgulhoso, que há mais de 30 está na profissão. “Comecei com nove anos, como meu pai, que também era carregador. Ele se aposentou trabalhando nisso, e eu também vou”, diz, arrastando o carrinho para não perder tempo.

Desde os 11 anos levando mercadoria de um lado para outro, André Luiz da Silva Perez está há 22 na profissão. Também foi o pai que o trouxe para o Mercado Público ainda criança. Natural de Santa Maria, os dois se mudaram para Porto Alegre depois da morte da mãe de André. Vieram “tentar a sorte” na cidade grande, como fez Odon, que chegou em 1992. Após 17 anos puxando carrinho, somente em 2009 Odon foi visitar a família em São Borja, sua terra natal. “Alguns parentes já tinham até falecido e eu não sabia. Não quero mais ficar tanto tempo assim longe”, revela.

Para receber as mercadorias dos carregadores, Alceu Inácio Berté chega cedo ao Mercado Público. Antes das 6h, ele varre a tenda onde trabalha enquanto espera os freteiros. O sol nasce e se põe no horizonte e nem sempre ele

A origem do comércio de mercadorias de forma organizada se encontra na ruptura do homem com a forma de produção exclusiva de subsistência. Este momento coincide com o início da Revolução Industrial e a urbanização de grandes centros, entre o final do século 18 e começo do século 19 na Europa. Os registros mais antigos falam da higienização de locais com grande circulação de pessoas feita nos Mercados Públicos de Amiens, na França, e Florença, na Itália, no ano de 1822.

No Brasil, o modelo europeu de organização do comércio chegou em meados do século 19. O Mercado Público de Porto Alegre, como se conhece hoje, foi inaugurado em 1869. Antes disso havia, no mesmo local, um centro popular de compras.

Modelo de comércio surgiu no século 19

Texto: Bruna Suptitz (6º semestre) Fotos: Douglas Roehrs (4º semestre)

Mercado Público de Porto Alegre abre de segunda a sexta, das 7h30min às 20h, e aos sábados, das 7h30min às 18h30min.

Freteiros e caminhões precisam liberar área próxima ao Mercado até 10h

vê a claridade do dia. A rotina de 14h por dia ele cumpre há 23 anos. Como gerente da banca, fica até 19 ou 20h, de segunda a sexta. A exceção é no sábado, quando o Mercado fecha às 18h30min.

Cortar o pão ao meio, passar manteiga, colocar uma fatia de queijo e outra de presunto. É isso que João Antônio Doebber faz antes das 6h. O café da manhã que prepara é a primeira refeição dos mais de 40 funcionários de duas bancas, a que ele trabalha e mais uma. “No fim do ano, chego a preparar mais de 60 sanduíches”, conta Doebber, porque com aumento do serviço, crescem os funcionários. Doebber saiu de Giruá há 17 anos porque “lá não tinha mais trabalho”.

Com o sol invadindo a área central, os portões do Mercado se abrem. Até o fim do dia, os 110 comerciantes atenderão a pelo menos 100 mil clientes.

Texto: Gerson Raugust (7º semestre) Fotos: Gabriela Cavalheiro (4º semestre)

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cidadania

Travestis e transexuais lutam por empregosMesmo com formação e qualificação, preconceito impede inserção destes profissionais no mercado de trabalho

Estigma impede avanços

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Aos 23 anos, Priscila Fróes tem dúvida sobre o seu futuro profissional. A menos de um ano para se formar, a estudante de licenciatura em Artes Visuais de uma universidade privada ainda não sabe

qual caminho seguir. Ela se divide entre lecionar em escolas ou se dedicar a aulas particulares, que considera mais rentável. Priscila está consciente de que suas dificuldades no início da carreira são maiores do que a de seus colegas. Ela faz parte de uma nova geração de transexuais que não quer ter no concurso público sua única possibilidade de trabalho formal.

Apesar de não haver um levantamento oficial, a população de travestis e transexuais no Estado é superior a 5 mil pessoas, conforme estimativa da Igualdade RS. A ONG atua na luta por direitos, visibilidade e respeito à diversidade sexual e tem em seu cadastro profissionais da saúde, comunicação, direito e contabilidade, entre outras. Entretanto, a presidente da entidade, Marcelly Malta, desconhece que um dos cadastrados trabalhe na iniciativa privada. Ela acrescenta que essa realidade não se restringe ao Estado. No encontro nacional realizado em janeiro em Porto Alegre, apenas uma participante tinha situação diferenciada: uma enfermeira que trabalha em um hospital particular em Pernambuco.

A própria Marcelly não conseguiu fugir à regra. Aposentada desde 2011, ela é técnica em enfermagem e trabalhou por 31 anos em um posto de saúde na Vila Cruzeiro do Sul, dentro da Fundação de Assistência Socioeducativo (Fase). O serviço público foi sua única alternativa. Porém, isso não significou tranquilidade no exercício da função. Conta que sua dedicação tinha que ser maior do que a dos colegas. “Foi muito difícil. Sempre tem que mostrar o melhor, não para competir, mas para mostrar que tu tens competência e merece estar ali.” Ela completa: “As pessoas têm muito preconceito, não aceitam que uma travesti seja colega, até mesmo as mulheres nos discriminam”.

Do esforço veio o reconhecimento. Após 15 anos atuando na enfermaria, foi transferida para a área administrativa, onde era responsável pelos procedimentos e controle dos atendimentos até a sua aposentadoria. Seu desempenho rendeu homenagens, como medalhas e certificados pelo serviço prestado. Atualmente, além do trabalho na Igualdade RS, Marcelly preside o Conselho Municipal dos Direitos Humanos e é vice-presidente do Comitê Estadual Contra a Tortura.

A experiência junto aos movimentos sociais faz com que a técnica de enfermagem não acredite na mudança imediata do quadro. Para ela, travestis e transexuais só estarão inseridas no mercado de trabalho em um futuro muito distante. Muitas já desistiram de procurar emprego. Marcelly argumenta que as transformações dependem dos empresários. “A gente precisa ser muito persistente. O mercado de trabalho só vai mudar depois que a sociedade mudar. É preciso ser pioneiro, dar o primeiro passo e abrir portas”, sustenta.

Marcelly fala que a história da maioria das travestis e transexuais é semelhante. A família não aceita a escolha e as expulsa de casa ainda muito jovens. Como não conseguem completar os estudos e tampouco arranjam trabalho, acabam se prostituindo. A situação é agravada no Interior, principalmente em cidades menores. A alternativa é sair à noite, andar pelos guetos e frequentar a casa uma das outras. Poucas conseguem escapar deste destino, mas esbarram na dificuldade em conseguir outra forma de sustento.

Joice Silva conseguiu. Natural de Santa Cruz do Sul, antes de se transformar trabalhou em duas indústrias de fumo na cidade. Na segunda, foi demitida por

ser homossexual. Isso aconteceu há cerca de 30 anos e a solução foi se mudar para Porto Alegre. Na Capital, fez curso para cabeleireira e atuou na área da beleza por 25 anos até se aposentar. Neste período nunca teve sua carteira profissional assinada. Nos encontros nacionais foram apresentadas estimativas de que apenas 2% das travestis e transexuais não atuam como profissionais do sexo. Esse contingente divide-se entre o funcionalismo público, área da beleza como autônomas ou profissionais liberais.

Atualmente, Joice é militante da Igualdade. Ela relata que ouve de muitas o desejo de deixar a prostituição. “As meninas querem deixar de ser profissionais do sexo e

arranjar emprego formal, mas não têm oportunidade. Você preenche um currículo e, ao chegar à empresa, se eles identificam que é travesti, barram na frente, ali na mesma hora”, denuncia.

Ela reclama que é difícil ter acesso a uma disputa por vagas em decorrência do estigma. “As pessoas acham que somos somente profissionais do sexo, hoje é preciso ter outra visão. Existem pessoas capacitadas, com potencial para se desenvolver em qualquer área, só precisamos de uma chance, que é algo que a gente não tem”, completa. A crítica ao estereótipo é endossada por Marcelly. “Parece que a sociedade sempre nos vê como prostitutas, a questão da sexualidade acima de tudo, sempre”.

Joice Silva é uma profissional bem sucedidas, mesmo sem carteira profissional assinada

Diversidade chega à sala de aula

Os desafios de Priscila

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A professora Marina Reidel concorda com Joice e Marcelly: “O problema é o estigma de que tu tens que estar na (Avenida) Farrapos se prostituindo, se estás em outros lugares causa estranhamento. Quando descobrem que sou transexual e professora, cai o mundo”. Ela acrescenta que as pessoas ficam impressionadas porque acham que “a gente é objeto sexual o tempo inteiro e está ali só para isso. Quando comento que faço mestrado, aí sim é o fim do mundo para muita gente”.

Marina é professora da rede pública estadual com

carga de 30 horas, sendo 10 horas ministrando aula de educação artística em uma escola de Ensino Fundamental de Porto Alegre e as outras 20 horas na Secretaria de Educação com treinamento sobre Direitos Humanos aos professores do Estado. Também leciona em uma fundação de Montenegro, sua terra natal, para jovens e adultos. Além disso, ela é a primeira transexual do estado a iniciar mestrado.

Seu objeto de estudo é exatamente os professores transexuais, suas histórias e a organização da vida profissional. Até o final do primeiro semestre de 2012,

Marina havia localizado 55 professores no Brasil, sendo 12 no Rio Grande do Sul. As experiências se assemelham, como agressões enquanto estudante, olhar atravessado de diretores e colegas e o positivo na relação com os alunos.

A realidade de Marina não é muito diferente. Após rápida passagem pela sala de professores, onde parecia invisível ao olhar dos colegas, tem dificuldade para percorrer o curto percurso até a sala de aula. Os alunos a abordam o tempo inteiro com abraços, beijos, acenos e sorrisos. No quadro, seu nome estava escrito em letras garrafais, com o ponto da

letra “i” substituído por um grande coração.

A professora conta que, há dois anos, foi conselheira de uma turma do último ano. Os alunos escolheram o parque Beto Carreiro World, em Santa Catarina, como destino da viagem de formatura. Foram diversas reuniões com os pais para a organização, sem nenhum tipo de problema. Porém, ela lembra do questionamento dos colegas sobre a aceitação dos pais ao fato de seus filhos viajarem com uma transexual. “Os colegas perguntavam, será que os pais vão deixar? Como se questionassem se

permitiriam que os filhos viajassem comigo. Duas mães me acompanharam e fomos com 15 alunos e não teve nenhum problema.

A experiência e visibilidade conquistadas por Marina fazem dela uma referência. A professora é procurada por diversas transexuais que veem nela uma inspiração para retomada dos estudos ou para pedir alguma ajuda ou orientação, como fez Priscila Fróes. Ela procurava um lugar para realizar o estágio obrigatório de seu curso no Ensino Fundamental. Marina auxiliou-a e conseguiu que fosse feito na escola em que leciona.

Até falar com Marina, Priscila enfrentou diversas dificuldades. Mesmo sem repetir a trajetória tradicional das transexuais, não teve facilidades. Seus pais nunca aceitaram a situação, embora não a tenham expulso de casa. Apenas neste ano pode levar suas roupas para casa. Até então tinha algumas peças, o guarda-roupa ficava na casa da madrinha que servia como um vestiário. Somente seus primos a chamam de Priscila, os outros parentes pelo nome de batismo.

Na escola, vivia dois ambientes distintos. Com os colegas de turma, não tinha problemas de relacionamento, entretanto sofria perseguições dos outros alunos. “Ou me odiavam ou me amavam. Na minha turma não tinha tanto problema. No começo eu era amiga só das gurias, mas comecei a jogar RPG e os guris começaram a me aceitar e me tratar como menina. Para mim isso foi fundamental. Hoje tenho mais amigos homens do que mulheres. Foi muito bom eles terem me aceitado, mas sofri bastante na escola. Teve quem me jogou pedra, fui humilhada publicamente. O pai de um aluno parou o carro para que o filho e os amigos pudessem me ofender”, lembra.

Ela denuncia que a escola

sempre se omitiu quanto à questão. “Quando assumi na escola que seria Priscila, a orientadora me botou na frente de um espelho e perguntou, de forma agressiva, o que eu via ali. Nunca parou para conversar ou perguntar como me sentia. A escola nunca teve um programa que trabalha a diversidade. Isso não existe em escolas particulares, pelo menos na minha época, é um tabu para eles”, reclama.

Mesma assim, planejava realizar seu estágio na antiga escola. Conseguiu fazer no local as observações da parte preparatória. Porém, quando chegou o período de ministrar as aulas, aconteceu uma mudança na direção e ela foi barrada. A supervisora informou que era política interna e que mesmo antes não eram realizados estágios. “Eu não quis questionar, mas sei de colegas meus que fizeram estágio lá. Isso me machucou. Foi quando eu conheci a Marina”, relata.

Priscila teve uma experiência anterior também com alguns dissabores. Conseguiu um estágio na Casa de Cultura Mario Quintana, período em que iniciou sua transformação. O processo já levava nove meses quando houve uma cerimônia no local. “No evento, uma funcionária falou para

que tivesse cuidado com a minha postura, pois eu representava o governo do Estado. Eu me senti como se estivesse vestida de palhaço. Aquilo me fez voltar a vestir roupas de menino, só retomei as mudanças depois que ela saiu da Casa”, conta.

Determinada a não aceitar o concurso público como única alternativa profissional, conseguiu o emprego em um Call Center, onde trabalhou por dois anos. Ela comenta que esse tipo de empresa não se opõe à contratação de travestis e transexuais. Entretanto, não se passa da área de atendimento. “Eu tentei uma vez ser supervisora e, óbvio, não fui aprovada”, comenta.

Atualmente faz estágio obrigatório no Ensino Médio em uma escola estadual. Para isso, utilizou a estratégia de somente revelar que é transexual após tudo acertado para iniciar as atividades, se houvesse a negativa seria por preconceito. Acredita que a situação poderia ser mais fácil com a alteração de registro civil. Para ter maior chance de êxito, o ideal seria a realização da cirurgia para mudança de sexo, o que, para ela, é um procedimento de custo muito alto e que pelo SUS a espera é longa. Mesmo assim Priscila não desiste de seus objetivos e acredita que

Contrato de trabalho, entre as aspirações de Priscila

a qualificação irá ajudá-la na iniciativa privada. Além da faculdade, realiza cursos, fala inglês e se programa

para iniciar aulas de alemão. Sabe que as dificuldades serão grandes, mas não se arrepende de suas escolhas.

Texto: Cândida Schaedler (2º semestre) Foto: Fernando Pires/Divulgação

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cena aberta

Sem glamour e pouco aplausoArtistas de teatro convivem com baixa remuneração e falta de reconhecimento em Porto Alegre

Subir ao palco, encenar uma peça teatral e ser aplaudido. A cena é de glamour,

mas para se tornar ator é necessária muita força de vontade e persistência. Pouco reconhecimento, baixo salário e dupla jornada são realidade para muitos atores, que buscam se firmar em cenário competitivo e desvalorizado.

Fábio Cunha, secretário-geral do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversão do Rio Grande do Sul (Sated/RS) e fundador do grupo Falos e Stercus, junto com outros colegas, diz que o início da carreira foi muito difícil, sobretudo quando soube que ia ser pai. “Foi aí que o peso da sobrevivência falou mais alto, porque eu precisaria ter mais dinheiro do que o teatro me dava”, revela.

Ao assumiu o filho, Cunha procurou um emprego convencional. Quando preparava seu currículo, o artista percebeu que não tinha formação adequada para exercer outra atividade, pois investiu muito na carreira de ator. “Chorei por dois dias. Queria muito ter meu filho, mas não podia colocar no mundo uma pessoa que ia passar fome junto comigo”, afirma.

Cunha financiou uma moto e, por três anos, entregou

documentos e apólices de seguros de uma empresa a outra. Ele trabalhava até 20 horas por dia porque, além de motoboy, à noite era garçom em uma pizzaria. “Cheguei a pensar que nunca mais faria o que gosto, já que não tinha mais tempo para investir no teatro”, recorda.

No final de 2008, recebeu um convite para integrar a equipe do Sindicato dos Artistas e atuou, primeiramente, como delegado sindical e depois como conselheiro fiscal. Um ano depois, sua vida já havia melhorado. “Eu tinha uma frase no meu MSN que era ‘matando dragões’, porque para mim nem eram mais leões. Até o dia em que tirei essa frase.”

O Sated levou Cunha para o lado das questões políticas e trabalhistas, áreas que ele jamais pensou. Hoje, ele consegue viver de teatro porque fundos de apoio à cultura foram criados, como o de Apoio à Produção Artística e Cultural de Porto Alegre (Fumproarte) e o de Apoio à Cultura (FAC).

Cunha diz que o Sated luta para que a verba do Fumproarte aumente, “pois o programa possibilita que outros artistas não precisem buscar dinheiro de outras formas, como eu já fazia”. Ele salienta que não é indigno ser motoboy, mas é importante

fazer o que se gosta.Há muito glamour e

purpurina em torno do teatro, mas são ilusões, alerta o secretário-geral do Sated. “Às vezes, tu estás em uma reunião com o secretário de Cultura e ele te parabeniza, mas aí tu lembras que faltam R$ 200 para pagar o aluguel no outro dia”, diz. No entanto, um ator necessita de maior planejamento financeiro e administrativo, porque não tem dia fixo para ser remunerado. Nesse sentido, entrar para o Sated auxiliou muito Cunha a lidar com suas finanças.

Luciano Fernandes, primeiro delegado do Sated/RS e presidente da Casa do Artista, dirigia o táxi do pai no verão para complementar a renda no início da carreira. Também já produziu cursos para ginetes e atuou em diversas áreas que não envolviam arte e teatro, até conseguir se firmar e trabalhar somente no que gosta.

Além de formação como ator, Fernandes já tem mais de 15 cursos de informática e estudou Engenharia Elétrica por dois anos e meio na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), sem nunca ter concluído o curso. Entretanto, aproveita o conhecimento em informática fazendo a manutenção do site do Sated.

Ator do grupo de Luciano Alabarse, Fernando Zugno conta que se interessou por teatro ao encenar peças na escola, pois aquilo já o tocava de algum modo. Quando tinha 14 anos, houve um projeto dentro do colégio Farroupilha para apresentar peças em comunidades carentes. “Desde aquele momento, descobri que queria fazer isso a vida inteira, independente de exercer outras funções em paralelo”, comenta.

Zugno também é formado em Jornalismo pela PUCRS, mas nunca trabalhou diretamente com a profissão, embora aproveite muito do curso como freelancer do Teatro Opinião e como um dos organizadores do Festival Porto Alegre em Cena. O artista argumenta que com a popularização das redes sociais e de ferramentas que podem ser usadas como protesto, restou muito pouco a dizer no teatro e na arte. “Quando tu tens tudo muito liberal, não tens mais nada para contestar”, afirma. Zugno também comenta que é mais fácil criticar algo pelo Twitter ou Facebook, por exemplo, do que elaborar uma peça fazendo o mesmo de forma poética.

Na opinião de Zé Victor Castiel, ator consagrado também em telenovelas e no cinema, para se tornar conhecido é preciso investir em si mesmo e na divulgação de seu trabalho. Castiel é formado em Direito pela PUCRS e fez o curso porque queria adquirir mais cultura, o que, em sua concepção, poderia ajudá-lo como ator, e porque começou a interessar-se por arte numa época em que o teatro era marginalizado.

Com estilo despojado e cabelos na altura do ombro, o presidente do Sated/RS, Vinicius Cáurio, reclama da falta de investimento do governo em cultura: “Porto Alegre mata muitos artistas, pois eles vivem de migalhas aqui”. O presidente adverte, no entanto, que é ilusório pensar que a dificuldade de ser ator existe só na Capital, porque a frequência ao teatro no Brasil inteiro não passa de 3% do total de habitantes.

Cáurio explica que, na década de 90, a prefeitura de Porto Alegre investiu muito em cultura, o que causou uma demanda maior de artistas. Porém, nos anos 2000, o governo resolveu “puxar o freio”, cortando investimentos. Enfatiza ainda que, embora muitos queiram seguir a carreira de ator, a maioria não está preparada nem aguenta a pressão pelo sucesso.

Concorrência das redes sociais

Apresentação ao ar livre do grupo Falos e Stercus