EDITORIAL PRESENÇA Queluz de Baixo para perceber se ainda estava vivo, entrei no seu quarto e...

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Título original: La Dieta della Longevità Autor: Valter Longo Copyright © 2016 Antonio Vallardi Editore, Milano Tradução © Editorial Presença, Lisboa, 2017 Tradução: Maria das Mercês Peixoto Revisão: Ana Salvador/Editorial Presença Capa: Sofia Ramos/Editorial Presença Imagem da capa: Shutterstock Composição: Maria João Gomes Impressão e acabamento: Multitipo – Artes Gráficas, Lda. Depósito legal nº 422391/17 1ª edição, Lisboa, abril, 2017 Reservados todos os direitos para a língua portuguesa (exceto Brasil) à EDITORIAL PRESENÇA Estrada das Palmeiras, 59 Queluz de Baixo 2730-132 Barcarena [email protected] www.presenca.pt

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Título original: La Dieta della LongevitàAutor: Valter LongoCopyright © 2016 Antonio Vallardi Editore, MilanoTradução © Editorial Presença, Lisboa, 2017Tradução: Maria das Mercês PeixotoRevisão: Ana Salvador/Editorial PresençaCapa: Sofia Ramos/Editorial PresençaImagem da capa: ShutterstockComposição: Maria João Gomes Impressão e acabamento: Multitipo – Artes Gráficas, Lda.Depósito legal nº 422391/171ª edição, Lisboa, abril, 2017

Reservados todos os direitos para a língua portuguesa (exceto Brasil) àEDITORIAL PRESENÇAEstrada das Palmeiras, 59Queluz de Baixo2730-132 [email protected]

À minha mãe Angelina, ao meu pai Carmelo,ao meu irmão Claudio e à minha irmã Patrizia.

A quem busca problemas por resolver,conhecimento e esperança.

Nota:Fez-se todo o possível para garantir que as informações

contidas neste livro, mesmo aquelas cujo conteúdo é de divulgação, fossem exatas e atualizadas no momento da publicação. O autor e os editores não podem ser responsa-bilizados por eventuais erros ou omissões, ou pelo eventual uso inadequado e compreensão errada das informações fornecidas neste livro, ou por qualquer dano ou lesão ao nível da saúde, das finanças ou de outro tipo, sofridos por qualquer indivíduo ou grupo que considere ter agido com base nas informações inseridas nesta obra. Nenhuma sugestão ou opinião aqui fornecidas pretendem substituir o parecer médico. Se o leitor está preocupado com o seu estado de saúde deve recorrer a uma consulta médica profissional. Todas as opções e decisões terapêuticas devem ser tomadas com a ajuda do seu médico assistente, que dispõe dos conhecimentos e das competências necessárias para esse fim, incluindo as informações fundamentais relativas a cada paciente. Este livro procura divulgar e prestar esclarecimentos sobre os assuntos que aborda e em caso algum deve ser utilizado como referência para modificar por iniciativa própria a terapêutica prescrita pelo médico.

As informações sobre medicamentos e/ou componentes afins, sobre o seu uso e sobre a sua segurança estão em contí-nua evolução, sujeitas a avaliação e devem ser tidas em conta em função de cada paciente e de cada situação clínica.

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Índice

INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 13

A Fundação Create Cures ................................................................................ 15

1. A FONTE DE CARUSO ........................................................................................... 19

Regresso a Molochio ........................................................................................... 19

Da tradição à ciência ........................................................................................... 21

Da cozinha da Ligúria à «Chicago Pizza» ................................................ 23

A dieta do Exército Americano ..................................................................... 25

Criatividade, ciência e Tex Mex, uma cozinhamuito pouco saudável .................................................................................. 28

2. ENVELHECIMENTO, LONGEVIDADE PROGRAMADA E

«jUVENTOLOGIA» ................................................................................................. 34

Por que razão envelhecemos? ....................................................................... 34

Longevidade programada e «juventologia» .......................................... 38

A descoberta dos genes e dos processos do envelhecimento ..... 39

A relação nutrientes/genes/envelhecimento/doenças ...................... 46

Do envelhecimento aos desafios da medicina ...................................... 48

O USC Longevity Institute e o IFOM .......................................................... 49

3. OS 5 PILARES DA LONGEVIDADE .................................................................. 51

A revolução da longevidade ............................................................................ 51

A quem dar ouvidos? ......................................................................................... 52

Os 5 Pilares da Longevidade sã .................................................................... 57

Aplicação do sistema dos 5 Pilares .............................................................. 61

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4. A DIETA DA LONGEVIDADE ............................................................................. 63

Somos o que comemos .................................................................................... 63

Proteínas, carboidratos, gorduras e micronutrientes ......................... 64

Centenários de 50 anos ou quinquagenários de 100 anos:a dieta pró-juventude ................................................................................... 68

Antes morrer jovem, mas saciado e feliz? ............................................... 69

Restrição calórica: ratos, macacos e humanos ....................................... 71

A Dieta da Longevidade ................................................................................... 73

Os 5 Pilares na base da Dieta da Longevidade ..................................... 80

A Dieta da Longevidade em síntese ........................................................... 96

5. EXERCÍCIO FÍSICO, LONGEVIDADE E SAÚDE ......................................... 98

Aprender a lição com os centenários e com os automóveis .......... 98

Otimizar o exercício físico para a longevidade .................................... 100

Duração, intensidade e eficácia do exercício físico ........................... 102

Consumo de proteínas e exercício com pesos .................................... 104

Resumo ................................................................................................................... 105

6. DIETA QUE SIMULA O jEjUM (DSj) PERIÓDICA,

GESTÃO DO PESO E LONGEVIDADE EM BOA SAÚDE .................... 106

Restrição calórica, jejum e Dieta que Simula o jejum ..................... 106

Os efeitos da Dieta que Simula o jejum no homem:um ensaio clínico em 100 indivíduos ................................................... 110

Dieta que Simula o jejum: a cura «a partir de dentro» ..................... 113

Dieta que Simula o jejum versus medicamentos e terapias com as células estaminais ........................................................ 115

A Dieta que Simula o jejum (DSj) .............................................................. 118

7. ALIMENTAÇÃO E DIETA QUE SIMULA O jEjUM NA PREVENÇÃO E TERAPIA DOS TUMORES ............................................................................. 125

O escudo mágico ................................................................................................ 125

Os ativistas pelos direitos dos animais ..................................................... 128

A terapia contra o cancro (nos ratos) ...................................................... 130

jejum e Dieta que Simula o jejum na terapia oncológica aplicada ao homem ............................................................. 133

Estudos clínicos ................................................................................................... 137

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Dieta que Simula o jejum e terapia oncológica.Diretrizes para os oncologistas e os pacientes oncológicos ... 139

Resumo: alimentação e Dieta que Simula o jejumna prevenção dos tumores ........................................................................ 141

8. ALIMENTAÇÃO E DIETA QUE SIMULA O jEjUM NA PREVENÇÃO E TERAPIA DA DIABETES ................................................................................ 144

A diabetes tipo II ................................................................................................ 144

Alimentação, controlo do peso e prevenção da diabetes ............... 147

Modificar a alimentação para prevenir e fazer regredira diabetes ......................................................................................................... 147

Dieta e diabetes ................................................................................................... 153

Dieta que Simula o jejum e terapia da diabetes ................................ 154

Reprogramação e regeneração do metabolismo para a terapia da diabetes ....................................................................................... 155

Um caso positivo, mas preocupante ......................................................... 158

Curar a obesidade ............................................................................................. 160

9. ALIMENTAÇÃO E DIETA QUE SIMULA O jEjUM NA PREVENÇÃO E TERAPIA DAS DOENÇAS CARDIOVASCULARES ............................ 163

A prevenção das doenças cardiovasculares nos macacos ............. 163

Dieta, prevenção e terapia das alterações cardiovasculares no homem ................................................................... 165

Estratégias alimentares para a terapia das cardiopatiascoronárias ........................................................................................................ 168

Nutrição e terapia das patologias cardiovasculares ......................... 170

A Dieta que Simula o jejum periódica na prevenção eterapia das doenças cardiovasculares ................................................ 172

Resumo: Dieta que Simula o jejum e doençascardiovasculares, resultados dos ensaios clínicos,prevenção e terapêutica ............................................................................ 173

10. ALIMENTAÇÃO E DIETA QUE SIMULA O jEjUM NA PREVENÇÂO

E TERAPIA DE ALZHEIMER E DE OUTRAS DOENÇAS

NEURODEGENERATIVAS ................................................................................ 177

A doença de Alzheimer ................................................................................... 178

A prevenção de Alzheimer nos ratos ........................................................ 179

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Prevenção da doença de Alzheimer no homem através daalimentação ..................................................................................................... 182

A Dieta da Longevidade com abundância de azeite ......................... 183

O café ...................................................................................................................... 184

O uso dietético do óleo de coco ................................................................ 184

Gorduras más e doença de Alzheimer ..................................................... 185

Nutrição adequada ........................................................................................... 186

Peso e perímetro abdominal adequados à idade .............................. 186

A alimentação no tratamento de Alzheimer ......................................... 187

Atividade física e leitura ................................................................................. 189

Resumo: prevenção e terapia das doenças neurodegenerativas .. 190

11. ALIMENTAÇÃO E DIETA QUE SIMULA O jEjUM NA PREVENÇÃO E TERAPIA DAS DOENÇAS INFLAMATÓRIAS E AUTOIMUNES ........ 192

Alimentação e doenças autoimunes ........................................................ 194

À mesa com os nossos antepassados ...................................................... 195

Alimentos a evitar ............................................................................................... 197

Terapia das doenças autoimunes e «rejuvenescimento apartir de dentro» .......................................................................................... 198

Esclerose múltipla ............................................................................................. 199

Doença de Crohn e colite ............................................................................. 203

Artrite reumatoide ............................................................................................ 206

Resumo .................................................................................................................. 208

12. COMO MANTER-SE jOVEM .......................................................................... 209

Dieta da Longevidade ....................................................................................... 211

A longa vida da mente .................................................................................... 214

PROGRAMA ALIMENTAR BISSEMANAL ........................................................ 217

FONTES DE VITAMINAS, MINERAISE OUTROS MICRONUTRIENTES ................................................................. 251

AGRADECIMENTOS ................................................................................................. 267

NOTAS ........................................................................................................................ 271

CRÉDITOS ............................................................................................................... 279

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1A fonte de Caruso

Regresso a Molochio

Subindo para o norte desde a extremidade meridional da Calábria, a ponta da bota, numa hora de automóvel chega-se a Gioia Tauro e a uma das zonas mais pobres, mas mais belas e intactas, da Europa. Daí sobe-se para a montanha por mais uns 30 quilómetros, até à localidade de Molochio, nome que muito provavelmente deriva da palavra malocchio*. Aí, na praça principal, há uma fonte onde se bebe água gelada que, através do subsolo, chega diretamente das montanhas do Aspromonte.

Em 1972, com 5 anos, passei seis meses em Molochio com a minha mãe Angelina, regressada à terra para dar assistência ao pai, gravemente doente.

Recordo-me de que a dada altura, enquanto todos o chama-vam para perceber se ainda estava vivo, entrei no seu quarto e disse: «Não veem que está morto?» Tinha partido na sequência de uma inflamação não particularmente grave e portanto curá-vel, mas que infelizmente fora descurada durante muito tempo. Eu gostava muito do meu avô e estava terrivelmente triste; mas havia decidido que tinha de tomar conta da situação e não cho-rar, para dar a saber a todos que o avô Alfonso estava morto.

* Mau-olhado (NT).

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Só quinze anos mais tarde me daria conta de quão profunda era a marca deixada por aquela vivência: a ponto de alimentar em mim a paixão de fazer viver quem quer que fosse, mesmo os estranhos, o mais longamente e o mais saudavelmente possível.

A uma centena de metros da casa do avô vivia Salvatore Caruso, que tinha ultrapassado a idade dele e me vira crescer. Quarenta anos depois, Salvatore e eu iríamos aparecer jun-tos no número da prestigiada revista científica americana Cell Metabolism, em que se publicavam os resultados de uma inves-tigação minha: a uma alimentação com baixo teor de proteínas semelhante à praticada pelos centenários de Molochio corres-ponde uma menor incidência de tumores e, em geral, uma vida mais longa. Na capa, o retrato de Salvatore tendo ao fundo as oliveiras calabresas da variedade ottobratico. Provavelmente também o Presidente Obama soube de Salvatore e da sua ali-mentação «low protein» quando aquela fotografia foi recupera-da pelo Washington Post e pelos média de todo o mundo.

Quarenta e dois anos depois da morte do meu avô, Salvatore era o homem mais velho de Itália e um dos quatro centenários que fazem da terra dos meus pais e dos meus avós um dos lugares com a mais alta taxa de centenários no mundo (4 em 2000 habitantes, o triplo da taxa de Okinawa, considerada a mais alta no mundo para uma área de grandes dimensões). Salvatore Caruso, que morreu em 2015 com 110 anos, tinha começado a beber da fonte na praça de Molochio pouco de-pois de nascer, em 1905. Dada a longevidade do ancião mais idoso de Itália, sempre pensei que aquela fonte era o que de mais semelhante havia com a fonte da juventude que nenhum de nós poderia alcançar.

Sempre me angustiou pensar que provavelmente teriam bastado uma informação correta e os tratamentos adequados para não privar o meu avô de várias décadas de vida, durante as quais a minha mãe e toda a restante família teriam podido gozar ainda da sua companhia.

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1.1 A fonte na praça de Molochio.

Num documentário realizado pela televisão franco-alemã ARTE dedicado às minhas investigações no Equador e na Calábria, Sylvie Gilman e Thierry de Lestrade compararam-me ao Alquimista de Paulo Coelho, descrevendo-me como o rapaz que, tendo partido de uma pequena vila europeia, percorreu o mundo em busca da fonte da juventude, acabando por encon-trá-la precisamente na pequena vila de onde são originários os seus pais e onde, em menino e rapaz, passava as férias de verão.

Da tradição à ciência

Por força ou por destino, a minha vida tem sido sempre mui-to interessante do ponto de vista da relação nutrição/saúde: a partir do estilo alimentar altamente saudável de Molochio, passando por aquele relativamente salutar da Ligúria, onde cresci, prosseguindo em negativo para Chicago e Dallas, para

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finalmente regressar aos alimentos saudáveis na meca da nu-trição para a longevidade: Los Angeles. Esta viagem e os ali-mentos com ela relacionados, que abarcam toda a gama da alimentação desde o péssimo ao ótimo, foram determinantes para a formulação das minhas hipóteses sobre a relação en-tre alimentação, doenças e longevidade e para me fazer com-preender muito cedo que, para viver longamente e em boa saúde, temos de aprender em igual medida com as populações longevas e com a ciência, com as suas pesquisas no campo epi-demiológico e clínico.

Quase todas as manhãs, durante os verões passados em Molochio nos anos 70, revezávamo-nos eu, o meu irmão Claudio e a minha irmã Patrizia para irmos à padaria comprar o pão, ain-da quente do forno. Era o melhor pão que eu já comi, de trigo integral, muito escuro. Ano após ano tornou-se cada vez mais branco, e infelizmente hoje não é diferente do pão que se en-contra em qualquer parte.

Pelo menos dia sim dia não, ao almoço ou ao jantar, comía-mos pasta e vaianeia, isto é, uma porção relativamente pequena de massa acompanhada por uma grande quantidade de ver-duras, em especial feijão-verde. Um outro prato que comíamos de modo frequente era o bacalhau seco acompanhado com le-gumes. Havia depois as azeitonas pretas, o azeite e grandes quantidades de tomate, pepino e pimentos verdes. Só aos do-mingos é que o prato forte era macarrão feito em casa com molho de tomate e, sim, almôndegas de carne, mas no máxi-mo duas por pessoa. Bebíamos geralmente água (da nascente, vinda das montanhas próximas), o vinho local, chá, café e leite de amêndoa. O leite do pequeno-almoço era muitas vezes de cabra e fora das refeições dificilmente nos era permitido comer algo que não fosse amendoins, amêndoas, avelãs e nozes, uvas passas ou frescas e maçarocas de milho assadas. jantava-se geralmente às oito da noite e a partir daí não se comia mais nada até à manhã seguinte.

Os doces que acompanhavam a celebração das festas religiosas eram feitos de frutos secos ou de casca rija, e em vez de gelados preferíamos os sorvetes que íamos saborear a

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Taurianova, uma localidade a nove quilómetros de distância. Eram uns sorvetes de morango, feitos com fruta fresca, que para mim continuam a ser o melhor doce do mundo, apesar de conterem muito açúcar.

Hoje não só o pão, como também o conduto dos habitan-tes de Molochio mudou drasticamente. Em vez de feijão-verde come-se muito mais massa e carne, as azeitonas e a fruta seca foram substituídas pelos doces e a água e o leite de amêndoa pelas bebidas ricas em frutose. Ainda se encontra a maior parte dos pratos de outrora, mas as pessoas adotaram um estilo ali-mentar mais europeu do norte, em que estão presentes maiores quantidades de queijo, carne e açúcares simples. Em peque-nos andávamos por Molochio exclusivamente a pé; o automó-vel usava-se apenas para ir a outras localidades ou às cidades. Hoje já quase completamente se perdeu o hábito de caminhar, e ao percorrer a pé o trajeto do Mosteiro até ao centro da vila — somente 800 metros — é provável que alguém pare o carro e ofereça boleia. No que respeita à alimentação e atividade físi-ca, nos Estados Unidos aconteceram praticamente as mesmas coisas, só que muito mais cedo que em Itália: quando me mudei para lá, em 1984, já eram facto consumado.

Da cozinha da Ligúria à «Chicago Pizza»

Quando eu tinha 12 anos fechava-me no meu quarto, punha o som do amplificador no máximo e tocava por cima dos álbuns dos Dire Straits, de jimi Hendrix e dos Pink Floyd, sonhando partir para os Estados Unidos e tornar-me uma rockstar. Um so-nho que, para felicidade dos vizinhos da minha casa, se transfor-mou em realidade quando, em 1984, deixei Génova por Chicago e entrei em contacto com músicos de blues de fama mundial e com um estilo alimentar dos menos salutares do mundo. Aquilo que se comia em Génova ainda era muito saudável, se bem que inferior ao de Molochio. Diversamente de outras regiões italia-nas famosas pela carne, como a Toscana, ou pela riqueza e o aveludado dos condimentos, como o Lácio e a Emília-Romanha,

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a cultura gastronómica da Ligúria, tal como a da Calábria, tem como base os hidratos de carbono e as verduras: os seus pratos tradicionais são o minestrone, as trofie al pesto ou a farinata, feita de grão-de-bico e azeite. Segundo a lenda, a farinata fora inventada durante uma tempestade, quando a bordo de um dos navios da poderosa Reppublica Marinara genovesa, que trans-portava uma carga de prisioneiros de Pisa (na época Génova e Pisa rivalizavam pelo domínio do Mediterrâneo e sitiavam-se e conquistavam-se mutuamente), a farinha de grão-de-bico tinha transbordado dos sacos e misturara-se com a água do mar. Para a recuperar, os genoveses puseram a secar ao sol a mistura que daí resultara e chamaram-lhe «o ouro de Pisa», fazendo pouco dos pisanos derrotados.

Passando aos doces, entre os mais comuns na Ligúria con-tam-se os biscoitos do Lagaccio, cuja primeira descrição re-monta a 1593, preparados com farinha de Manitoba e pouco açúcar. Tradicionalmente grandes mas também muito leves, não chegam a 70 calorias por biscoito e são um dos doces me-nos calóricos que há. Além disso, em Génova consomem-se fre-quentemente diversos tipos de pescado, desde as anchovas ao bacalhau e ao mexilhão; isto, juntamente com o grão-de-bico e o azeite, tem parte relevante na Dieta da Longevidade que é o assunto deste livro.

Quando, pelo contrário, cheguei à Little Italy da localidade de Melrose Park, um subúrbio de Chicago, entrei pela primeira vez em contacto com aquela que considero a «dieta do enfar-te». Eu tinha 16 anos, da minha bagagem sobressaía o estojo da guitarra elétrica e não faltava um amplificador portátil. O meu inglês era de tal modo escasso que no passaporte me puseram o carimbo «No English».

A atmosfera e o ambiente musical de Chicago eram esplên-didos, mas fazia muito frio. Depois das aulas de guitarra, que frequentei durante alguns meses e eram dadas por um famoso músico be-bop, Stewart Pierce, estava pronto para me estrear na cena musical da cidade. Aos fins de semana escapava-me da casa da tia que me hospedava e tomava o «L» — o metro de su-perfície — para chegar ao centro e em particular à Rush Street,

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onde pedia aos músicos se podia juntar-me ao grupo e tocar com eles. Em geral permitiam-me, e assim acabava por tocar toda a noite e regressava a casa só na manhã seguinte, com a minha tia a esperar-me furiosa.

Nesses tempos sentia-me músico; não sabia nada de ali-mentação e envelhecimento, mas comecei a pensar que havia algo de errado na maneira como se comia na windy city, porque muitos familiares meus, 100% calabreses, morriam na sequên-cia de patologias cardiovasculares que na Itália do sul eram re-lativamente pouco numerosas, e muito menos na minha vasta família. Eis o que comiam: bacon, salsichas e ovos ao pequeno--almoço; às refeições principais, massas e pão à vontade, várias carnes de diversos tipos quase todos os dias e frequentemente duas vezes ao dia, de preferência ao peixe; a isto juntavam-se grandes quantidades de queijo e leite, e doces ricos em açúca-res e gorduras. Em casa como na escola, muitos destes alimen-tos eram fritos. As bebidas eram habitualmente gasosas e com alto conteúdo de frutose, em alternativa bebiam-se sumos de fruta, também estes ricos em frutose. Na «Chicago Pizza» havia mais queijo que conduto… Não admira que a maior parte da população acima — mas também abaixo — dos 30 anos fosse obesa ou com excesso de peso.

Eu próprio, depois de ter vivido três anos em Chicago co-mendo aquilo que todos comiam, aumentei uns bons quilos e cheguei a 1,88 m de altura, isto é, mais 20 cm que o meu pai e mais 10 cm que o meu irmão. Uma das razões era porque aquele tipo de alimentação era rica em proteínas, mas também em hormonas esteroides.

A dieta do Exército Americano

Ao fim de três anos de alimentação «estilo Chicago» nun-ca teria imaginado poder comer ainda mais, aliás muito mais, e de engordar mais quilos, muitos quilos. Não era cidadão americano e portanto não podia usufruir de nenhum subsí-dio económico, e assim tive de encontrar uma maneira de

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poder continuar os estudos; inscrever-me no Exército era o único processo de que dispunha para pagar as propinas da faculdade.

Quando cheguei, aos 19 anos, ao Centro de Treino de re-crutas de Fort Knox, no Kentucky, pensava que isso não devia ser assim muito mau; todos aqueles filmes e aquelas histórias sobre o treino no Exército Americano eram certamente exage-ros. Teria simplesmente de me submeter a um treino duro, mas razoável.

Mas afinal não. Puseram-me num batalhão de soldados que eram treinados juntamente com os marines, e para os quais o treino particularmente duro era um motivo de orgulho. Dormíamos três a quatro horas por noite, fazíamos continua-mente flexões e outros exercícios e comíamos imenso.

Isto, aliado a um discreto número de experiências aos li-mites da resistência humana, tornou os meus dois verões em Fort Knox, decorridos fazendo coisas que nunca imaginaria fazer, num dos períodos mais difíceis mas ao mesmo tempo mais profícuos. Para um pacifista como eu, apaixonado por música e ciência, a formação no Exército forneceu os instru-mentos necessários para aprender a como fazer as coisas sem perder tempo, sempre no nível máximo e reduzindo ao míni-mo ou eliminando completamente os erros. Tínhamos de dar o impossível, sempre. Se éramos capazes de executar 50 flexões sobre os braços, era-nos dito que não deveríamos ter proble-mas em fazer 100; se corríamos 3200 metros em 12 minutos, gritavam-nos que podíamos cobrir a mesma distância em 10 (e por fim consegui, corri os meus 3200 metros em 10 minutos: nada mal!).

Mas passemos à alimentação do Exército. Naturalmente, a base era constituída por carne e hidratos de carbono. Pelo con-trário a cola e as outras bebidas gasosas não eram permitidas, a não ser que conseguíssemos 200 pontos combinando cor-rida, flexões sobre os braços e exercícios para os abdominais, ou seja, uma série de 70 flexões e uma de 60 abdominais em menos de 2 minutos cada uma, mais os 3200 metros em menos de 10 minutos e 30 segundos.