Educacao adultos

103
Cadernos de Formação EDUCAÇÃO DE ADULTOS DEPARTAMENTO DA EDUCAÇÃO BÁSICA NÚCLEO DE EDUCAÇÃO RECORRENTE E EXTRA-ESCOLAR

Transcript of Educacao adultos

Page 1: Educacao adultos

Cadernos de Formação

EDUCAÇÃO DE

ADULTOS

DEPARTAMENTO DA EDUCAÇÃO BÁSICA

NÚCLEO DE EDUCAÇÃO RECORRENTE E EXTRA-ESCOLAR

Page 2: Educacao adultos

2

FICHA TÉCNICA

Departamento da Educação Básica

Núcleo de Educação Recorrente e Extra-Escolar

Colecção - Cadernos de Formação n.° 3

Título – Educação de Adultos

Impressão - IMPRESSE 4

Agosto de 1997 – 3.ª Edição

Organização: Lys Samartino

Maria de Carvalho Torres

ISBN 972-742-022-2

Depósito Legal n.° 115101/97

Tiragem - 2000 exemplares

Page 3: Educacao adultos

3

SUMÁRIO

Introdução ..............................................

Estilos de aprendizagem na

Educação de Adultos......................................

Jonathan SMITH

O educando adulto .......................................

Johan NORBECK

O que sente o estudante adulto ..........................

Jennifer ROGERS

Histórias de Vida .......................................

António NÓVOA

A abordagem biográfica enquanto opção metodológica PIERRE DOMINICÉ

Os adultos e o processo de ensino

- Aprendizagem das línguas estrangeiras:

Critérios para uma implementação actualizada ............

José Orlando STRECHT RIBEIRO

Para uma educação socializadora dos adultos .............

CONSELHO DA EUROPA, Relatório da responsabilidade

de G. Bogard

Bibliografia ............................................

6

7

30

50

58

70

79

93

102

Page 4: Educacao adultos

4

“A arte de ensinar adultos é uma arte flexível e bastante

diferenciada cujos princípios podem ser aplicados e adaptados a

uma extensa variedade de situações de ensino."

Jennifer Rogers

"A nova ética da educação tende a fazer do indivíduo o

senhor e o autor do seu próprio progresso cultural."

Edgar Fauré

Page 5: Educacao adultos

5

INTRODUÇÃO

A Educação Recorrente de Adultos constitui uma estratégia para

a Educação Permanente e pode ser definida como "uma estratégia

global de educação aplicada a todo o ensino pós-obrigatório, cuja

característica essencial consiste em distribuir a educação ao longo

de toda a vida do indivíduo, baseando-se para tal nos princípios ou

critérios de alternância, de recorrência, de capitalização do saber

e de flexibilidade".

O critério ou princípio da recorrência reporta-se à

possibilidade de cada qual retomar estudos de carácter sistemático

em qualquer momento da sua vida. O critério ou princípio da

alternância corresponde à ocorrência alternada entre situações

estruturadas de aprendizagem e outras actividades sociais. Com a

capitalização do saber são "valorizados os saberes adquiridos pelos

indivíduos não apenas, nem sobretudo, pela via da escolarização. O

princípio da flexibilidade corresponde ao facto de a Educação

Recorrente tomar "por fundamento uma adaptação real e altamente

flexível do sistema educativo as especificidades daqueles a quem se

destine."

Acreditando que "a arte de ensinar adultos é uma arte flexível

e bastante diferenciada cujos princípios podem ser aplicados e

adaptados a uma extensa variedade de situações de ensino; sabendo

que a Educação de Adultos assume particular relevância numa Europa e

num Mundo em evolução, em que se exige da população adulta uma

participação social cada vez mais activa e em que as mudanças

decorrentes da evolução cientifica e tecnológica determinam a

constante necessidade de novas atitudes e de novos conhecimentos e

competências e, ainda, que "a nova ética da educação tende a fazer

do indivíduo o senhor e o autor do seu próprio progresso cultural",

a preocupação prioritária na selecção dos textos aqui apresentados

foi a de contribuir para o enriquecimento da prática pedagógica dos

Page 6: Educacao adultos

6

formadores numa perspectiva de autoformação e de heteroformação e,

consequentemente, para a dinâmica da formação contínua.

ESTILOS DE APRENDIZAGEM,

NA EDUCAÇÃO DE ADULTOS

Jonathan Smith

1. INTRDDUÇÃO

"A maioria dos educadores e dos cientistas do

comportamento sabem que o ensino é mais eficaz,

quando tem em conta as diferenças individuais no

que os alunos já conhecem. Muitos deles, porém, só

agora começam a reconhecer que à também importante

saber como é que os alunos aprendem."

(Messick, 1978)

Assim começa o livro de Samual Messick, acerca da

individualidade na aprendizagem. Publicado, há 12 anos, contém 21

capítulos, que passam em revista vários aspectos das diferenças

individuais na maneira de aprender. Todavia, não é claro que, nos

anos decorridos, desde aquela data, tenha acontecido muita coisa que

tornasse, hoje, menos relevante a citação introdutória a este

artigo. É um facto que, no domínio da educação de adultos, poucos

são os professores e educadores, mesmo entre os que ensinam

Psicologia, que reivindicariam grande familiaridade com a literatura

sobre diferenças individuais nos estilos de aprendizagem dos alunos.

De entre aqueles que podem confessar algum conhecimento desta área,

só uma pequeníssima minoria - presumo eu - é que fez algumas

diligências sistemáticas e planeadas, no sentido de ter em conta

essas diferenças, nos seus planos e métodos de ensino.

No entanto, a maioria de nós estará familiarizada com a

existência de preferências diferentes entre os alunos, no que

respeita aos métodos e as técnicas de ensino e aprendizagem, Para

alunos, as generalizações e os conceitos teóricos só adquirem vida,

quando se lhes proporcionam exemplos concretos e específicos; para

outros, o particular e o específico só ganham significado, quando

Page 7: Educacao adultos

7

inseridos num quadro conceptual mais amplo. Enquanto certos alunos

apreciam a oportunidade de participar em discussões, e até de

começar a assumir responsabilidade pelas decisões, respeitantes às

actividades de aprendizagem e ao planeamento do curso, outros

queixam-se e ficam ressentidos se o professor permite aos alunos

"tomarem demasiado a palavra", ou se, na sua perspectiva, ele não

proporciona suficiente estruturação e controlo. Como diz Smith

(1982):

"Embora as preferências e disposições individuais

sejam, de há muito, evidentes, um volume crescente de

investigações vai emergindo, poucas dúvidas deixando de

que existe una base sólida para tomar a sério o que

acabou por designar-se como estilos de aprendizagem

[...] As pessoas tem estilos identificáveis de

aprendizagem, com importantes implicações para o

planeamento, o ensino e a aprendizagem do programa".

O presente artigo passará em revista um certo número de

dimensões dos estilos de aprendizagem, fixando a atenção,

particularmente, em três, e considerará as suas implicações e

utilidade para os educadores de adultos.

2. DIMENSÕES DOS ESTILOS DE APRENDIZAGEM

Smith (1982) define os estilos de aprendizagem como sendo "o

modo característico de as pessoas processarem a informação e de

sentirem e se comportarem nas situações de aprendizagem e face às

mesmas". Esta definição tem o mérito de nos recordar que as próprias

diferenças individuais diferem, em termos do domínio de actividade

humana a que pertencem.

Enquanto alguns estilos de aprendizagem se referem,

primariamente, aos processos cognitivos (embora possam também estar

correlacionados com diversos comportamentos afectivos e sociais,

como no caso da dependência/independência do campo), outros dizem

respeito, mais explicitamente, ao modo de se relacionar com o

professor, como acontece com a preferência pela auto-direcção e

autonomia (embora, mais uma vez, esses factores possam estar

Page 8: Educacao adultos

8

correlacionados com variáveis cognitivos particulares). É evidente

que, na prática, lidamos com dimensões relativamente "holísticas",

interessantes e importantes, na justa medida em que não se referem

apenas a uma área do funcionamento do aluno, tendo, pelo contrário,

implicações, ao nível de variados domínios: cognitivo, social e

comportamental. Para efeitos de análise, porém, examinarei,

primeiro, os factores cognitivos e, seguidamente, os

afectivo/sociais.

3. FACTORES COGNITIVOS

Estilo cognitivo versus "personalidade" e "inteligência". O

estilo cognitivo refere-se a hábitos generalizados de processos a

informação, ao modo característico e coerente de prestar atenção e

de perceber os estímulos e de "organizar conceptualmente o ambiente"

(Squires, 1981). Foi identificada uma quantidade de estilos

cognitivos, por exemplo, Messeck (1978) descreve dezanove e Squires

(1981) regista 12. Não há, hoje, critério definitivo para determinar

quando é que uma dada dimensão das diferenças individuais deve ser

considerada estilo cognitivo, ou quando haja de ser,

preferentemente, encarada, por um lado, como traço de personalidade,

ou como dimensão da Inteligência, por outro lado. Por exemplo, a

reflexão-impulsividade - dimensão descrita por J. Kagan (Kagan e

Kogan, 1970) - refere-se a transacção entre velocidade e rigor,

sendo os impulsivos mais rápidos em formular hipóteses e encontrar

soluções, ainda que, possivelmente, a expensas do rigor. Um tal

viés, no estilo de comportamento, parece aplicar-se aos indivíduos a

um nível suficientemente abstracto e generalizado, para ser

considerado, com bastante legitimidade, mais um traço de

personalidade que um mero hábito cognitivo embora seja, em regra,

designado como estilo "cognitivo".

Por outro lado, o bem conhecido modelo tridimensional do

funcionamento intelectual de Guilford (Guilford, 1967; Chilford e

Hoepfner, 1971), descrito em termos de cinco "operações" diferentes

(avaliação, pensamento convergente, pensamento divergente, memória e

cognição), de 4 tipos de conteúdos (figurativo, simbólico, semântico

e comportamental) e de 6 tipos de produtos (unidades, classes,

Page 9: Educacao adultos

9

relações, sistemas, transformações e implicações), gera 120 aptidões

intelectuais (como pretende Guilford), cada uma das quais poderia,

com alguma razão, ser considerada como uma forma de estilo

cognitivo. Quem fosse dotado, em termos de "pensar de maneira

convergente acerca das relações simbólicas", digamos assim, teria um

estilo diferente de algum que apresentasse um bom nível na

"avaliação de sistemas semânticos". É certo que se diz, às vezes,

que o conceito de estilo cognitivo é preferível ao de aptidão

intelectual, na medida em que apresenta dimensões bipolares, ao

longo das quais é possível situar os indivíduos, em termos de serem

"diferentes" e não "melhores ou piores" uns que outros (Tennant,

1988; Witkin, et. al., 1977). No entanto, parece que o esquema de

Guilford oferece, em teoria, pelo menos, a possibilidade de traçar

um perfil de aptidões, indicando aspectos diferenciais fortes e

fracos, e que tal perfil poderia, com muita propriedade, ser

encarado como representação dos estilos cognitivos dos indivíduos.

Deve, porém, notar-se que o modelo de Guilford não foi associado a

outras variáveis sociais, de personalidade e educacionais, de forma

que se parecesse com outros estilos cognitivos.

Alguns estilos cognitivos mais conhecidos. Segue-se uma lista

se leccionada de alguns estilos cognitivos. Para uma visão mais

alargada e posteriores referencias, ver Messick (1978, 1986),

Squires (1981) e Kyllonen e Shute (1989). Mencionaremos, brevemente,

9 estilos e discutiremos, depois, 2 deles com mais pormenor.

a) Dependência-independência do campo. Os indivíduos

independentes do campo conseguem discriminar e lidar com figuras e

formas, sem serem, relativamente, influenciados pelo meio ou pelo

contexto. As pessoas dependentes do campo tomam mais em conta o

contexto, ao responderem as figuras. Mais adiante, consideraremos,

com mais pormenor, a dependência-independência do campo.

b) Estilos de conceptualização são aqueles que se referem ao

fundamento a partir do qual crianças e adultos categorizam os itens

e os agrupam sob etiquetas conceptuais. "Relatório final",

"analítico-descritivo" e "categórico-inferential" são 3 estilos de

Page 10: Educacao adultos

10

conceptualização identificados, por exemplo, por Wallach e Kogan

(1965).

c) Âmbito da categorização refere-se à preferência por

categorias amplas, abrangentes, por oposição as que são estreitas e

exclusivas.

d) Simplicidade-complexidade cognitiva diz respeito ao nível

global de diferenciação, articulação e integração do sistema

conceptual dos indivíduos, sendo congnitivamente complexa a pessoa,

que é de nível elevado, nos três processos.

e) Niveladores versus diferenciadores. Os niveladores tendem a

confundir e a amalgamar os objectos e os acontecimentos, na memória,

atenuando as suas diferenças. Os diferenciadores são muito mais

sensíveis às diferenças, podendo exagerar pequenas discrepâncias.

f) Reflexão e impulsividade. Como já foi mencionado, os

sujeitos reflexivos tendem a ponderar as possibilidades, antes de

decidirem, ao passo que os impulsivos são mais inclinados a dar a

primeira resposta, que lhes ocorre, apesar de, muitas vezes,

incorrecta.

g) Preferências por modalidades sensoriais. Sugerem-se três

modos sensoriais de compreensão: o cinestético/motor ou activo; o

visuo-espacial ou icónico; o auditivo-verbal ou simbólico. Cada um

deles representa uma maneira diferente de pensar acerca do mundo e

de lhe responder.

h) Convergência versus divergência. Trata-se de uma variante

da distinção de inteligência versus criatividade. Os indivíduos

convergentes orientam-se, no sentido de uma mica resposta correcta,

sendo, por exemplo, mais inclinados a escolher Ciências ou

Matemática, como áreas de especialização, enquanto as pessoas

divergentes sentem-se melhor, quando se trata de produzir um certo

número de respostas novas, sendo mais orientadas para as Artes.

Page 11: Educacao adultos

11

i) O esquema bidimensional dos estilos de aprendizagem de Kolb

e Fry põe em contraste convergência/divergência (em sentido

diferente do que foi referido em h) e assimilação/acomodação. Vamos

examiná-lo, um pouco mais adiante.

4. DEPENDÊNCIA-INDEPENDÊNCIA DO CAMPO

Esta dimensão do funcionamento cognitivo está associada às

primeiras investigações realizadas por Herman Witkin, ao longo de

três décadas. Os estudos originais de Witkin (1950) diziam respeito

ao efeito do contexto sobre os juízos preceptivos. Pedia-se aos

sujeitos que ajustassem o ângulo de um bastão, de modo que ficasse

na vertical. O bastão estava inserido numa moldura quadrada, podendo

ambos (bastão e moldura) ser rodados, independentemente, no sentido

dos ponteiros do relógio, ou na direcção contrária. As pessoas

independentes do campo conseguem manter o bastão na vertical, com

relativa independência do ângulo da moldura. As pessoas dependentes

do campo, por sua vez, são influenciadas pela posição da moldura,

pelo "campo". Verificou-se que os sujeitos muito dependentes do

campo alinhavam o bastão pelo ângulo da moldura, mesmo quando esta

apresentava deformações da ordem dos 30 graus.

Noutra versão do teste, o objecto da percepção é o corpo do

sujeito. Este senta-se numa cadeira, no interior de uma pequena

sala. Tanto a cadeira como a sala podem, independentemente, mudar de

posição, mais uma vez, no sentido dos ponteiros do relógio, ou no

sentido contrário. A tarefa consiste também em ajustar o corpo, de

modo a mantê-lo em posição vertical. As pessoas independentes do

campo conseguem manter-se, em posição vertical, independentemente da

posição da sala, enquanto as dependentes do campo recorrem à

verificação do angulo da sala, que as rodeia, como guia para os seus

juízos.

Subsequentemente, Witkin elaborou o "Teste das figuras

embutidas" - um teste do tipo de papel e lápis, para avaliar a

dependência do campo. Ele exige ao sujeito que localize uma figura

simples (figura a), mostrada previamente, numa estrutura mais

complexa (figura b), da qual é parte. Mais uma vez, se verificaram

diferenças individuais estáveis: certas pessoas encontram rápida e

Page 12: Educacao adultos

12

facilmente a figura embutida (independentes do campo, ao passo que

outras não são capazes de a achar, nos 3 minutos que, para isso,

lhes são concedidos (dependentes do campo).

Figura (a) Figura (b)

Witkin pretende que existem correlações entre as três tarefas:

a pessoa que roda muito o bastão, em conformidade com a moldura

deformada, tem probabilidades de ser o indivíduo que roda o corpo,

em conformidade com a deformação da sala e ainda de levar mais tempo

a encontrar a figura simples no interior da estrutura complexa. Os

três testes medem um factor comum: a capacidade para distinguir a

figura do contexto:

"O denominador comum subjacente às diferenças

individuais na performance, em todas estas tarefas, é a

capacidade das pessoas para lidarem com uma parte do

campo, independentemente do mesmo, enquanto todo, ou seja,

a capacidade para distinguir itens de um contexto

organizado, traduzindo isto na linguagem diária - a

capacidade de análise do indivíduo."

(Witkin, 1978)

A pessoa independente do campo percebe este, de forma

analítica. Consegue captar partes ou segmentos do todo, com

distracção mínima provocada pelo campo circundante. Por outro lado,

o indivíduo dependente do campo percebe-o, de forma mais global: é a

totalidade, e não as partes do campo, que é objecto da sua atenção.

Page 13: Educacao adultos

13

Embora a dependência-independência do campo esteja

correlacionada com medidas da inteligência geral (por exemplo, Linn

e Kyllonen, 1981), parece que não pode ser considerada apenas uma

componente da inteligência. Justifica-se tal posição, graças à

quantidade de dados que Witkin e colaboradores recolheram, os quais

apresentam numerosas correlações entre a dependência-independência

do campo e outras variáveis sociais e de personalidade. Por exemplo,

as pessoas dependentes do campo são mais influenciadas por um quadro

de referência social, ao formarem as suas atitudes, gastam mais

tempo a olhar para a face daqueles com quem interagem e conseguem

também recordar-se melhor dessa face do que as independentes do

campo. Em geral, "apresentam uma imagem global de habilidades sociais

altamente desenvolvidas" (Witkin, 1978). Como veremos, adiante, Witkin

mostrou também como alguns destes factores sociais se reflectem nas

preferências educacionais e na interacção professor-aluno.

As implicações da dependência-independência do campo para a

educação. Witkin et al. (1977) extraíram as implicações da noção de

dependência do campo para a prática educativa, enquanto Tennant (1988)

elaborou uma tabela, a partir da sua análise.

TABELA I – IMPLICAÇÕES EDUCATIVAS DOS ESTILOS COGNITIVOS (SEGUNDO

TENNANT, 1988)

DEPENDENTE DO CAMPO INDEPENDENTE DO CAMPO

Como aprendem os alunos

1. Efeito do reforço

2. Utilização de media

dores, na aprendizagem

3. Aprendizagem de

conceitos

4. Aprendizagem de

material social

Como ensinam os professores

1. Métodos

2. Técnica

- Reforço externo mais

saliente

- Depende da estruturação

fornecida externamente

- Centração em indícios

salientes

- Mais eficaz, na

aprendizagem de material

social

- Prefere métodos de

discussão e de interacção

- Evita feedback negativo

Motivação intrínseca mais

saliente

Deseja estruturar material

ambíguo

Deseja escolher uma amostra

de todo o leque de indícios.

Precisa de ajuda na

aprendizagem de material

social

Prefere exposições e

situações cognitivas

impessoais.

Sublinha a necessidade de

corrigir os erros, se neces-

Page 14: Educacao adultos

14

3. Ambiente de ensino

Educação e planeamento da

carreira

1. Interesses

educacionais e

profissionais

2. Fazer escolhas e

mudanças

- Prefere a participação, um

ambiente terno e pessoal

- Prefere domínios

interpessoais, de contacto

com as pessoas, por

exemplo, ensino,

enfermagem, aconselhamento

- Menos decidido e empenhado

nas escolhas; mais

provável virar-se para

domínios pessoais e

sociais

sário, mediante feedback

negativo

Mais eficaz na organização e

orientação do ensino

Prefere domínios impessoais,

analíticos, por exemplo,

ciências físicas, actividades

técnicas

Preocupado com planear a

profissão e a especialização;

mais provável afastar-se dos

domínios pessoais e sociais.

Como indica a tabela, há indicações claras da existência de

métodos e de preferências diferentes de aprendizagem, por parte dos

dependentes e independentes do campo, que ultrapassam a pura

dimensão "cognitiva" e se referem, directamente, a aspectos da

relação professor-aluno e, em particular, à questão da autonomia e

"auto-direcção", enquanto abordagem à aprendizagem, que

analisaremos mais adiante. Na medida em que as pretensões de Witkin

são correctas, estamos, sem dúvida, perante uma dimensão das

diferenças individuais, que pode ser considerada, com razão, como

uma componente da personalidade, afectando uma larga gama de

comportamentos, numa igualmente vasta gama de contextos.

Até que ponto é desejável equiparar professores e alunos, no

que concerne aos estilos cognitivos? Witkin (1978) pretende que a

equiparação de professores e alunos, no que aos estilos diz

respeito, conduzirá a resultados mais positivos:

"Os professores avaliaram melhor o intelecto dos

alunos, que se pareciam com os seus, do ponto de vista

do estilo cognitivo e [...] de modo semelhante, os

alunos perspectivaram, de modo mais favorável, a

competência cognitiva e as características pessoais dos

professores parecidos com eles, no estilo cognitivo"

(1978, p. 63)

Page 15: Educacao adultos

15

Deve, porém, notar-se que nem todos os comentadores estão de

acordo em que tal equiparação constitua sempre a melhor política.

Wapner (1978), por exemplo, pergunta:

"O ambiente é óptimo, se se conforma com as

expectativas do aluno? [...] Um forte argumento, no

sentido oposto, é o de que a contradição e os obstáculos

são condições necessárias para o desenvolvimento

individual e a criatividade. Talvez que o facto de se

colocar a pessoa dependente do campo, num ambiente não

estruturado e focado nela própria, contribua para

aumentar a sua criatividade" (1978, pp. 77-78).

Como afirma Candy (1987),

"Tal situação pode comparar-se àquela, em que se

ensinam as pessoas a jogar ténis: se elas já possuem um

arremesso [com a palma da mão virada para a frente]

forte, é improvável que jogar para o fortalecer conduza a

melhorias no arremesso [com as costas da mão viradas para

a frente. E, se nunca se lhes chamasse a atenção para

este último, isso constituiria una dupla desvantagem, na

medida em que poderiam sobressair em algo de que,

presentemente, não tem consciência" (p. 165).

Não há nenhuma generalização óbvia a fazer, no que concerne à

vantagem de equiparar os estilos dos alunos e do professor, Até que

ponto é "bom" para os alunos ser-lhes exigido empenhamento num estilo

cognitivo, que não lhes é familiar, dependerá da situação educativa e

do contexto da aprendizagem. Talvez a solução "utópica" preconizada

por Chickering (1978) nos forneça, pelo menos, uma orientação para

tentar elaborar uma estratégia, se não for possível encontrá-la.

Recomenda ele:

"Utilizar professores, que consigam distinguir

entre o aluno dependente e o independente do campo e

variar o seu comportamento de docente, em consequência.

Eles podem proporcionar suficiente calor e estrutura

Page 16: Educacao adultos

16

bastante para o aluno dependente do campo poder fazer a

experiência das relações humanas, tão importantes para

ele, tendo também a vantagem de poder beneficiar de

sugestões autorizadas [...] Ao depararem com um aluno

independente do campo, tais professores podem temperar as

suas orientações directivas, moderar a dimensão

interpessoal e fazer perguntas difíceis, que desafiem os

interesses e habilidades analíticas de que o mesmo aluno

é portador. É possível encontrar tais professores, mas

eles são raros (1976, pp. 87-88)

5. MODELO DA APRENDIZAGEM EXPERIENCIAL DE KOLB

Uma das perspectivas da aprendizagem mais influentes das

últimas décadas foi a de Kolb (1976, 1981, 1984). Baseada na

psicologia do trabalho e das organizações (Kolb, Rubin e

McIntyre, 1971), advoga uma abordagem experiencial, mediante a

interacção entre a experiência concreta e a conceptualização

abstracta. A aprendizagem é vista, na sequência do modelo da

investigação-acção de Kurt Lewin, como sendo um processo cíclico,

constituído por quatro fases (ver figura c). O início da

aprendizagem implica empenhamento numa experiência concreta (EC),

ao qual se segue a observação e reflexão (OR) sobre essa

experiência.

A observação deve, então, ser integrada num conjunto de conceitos

e generalizações abstractas (CA), o qual , por sua vez, necessita

de ser testado, através da experimentação activa (EA).

FIGURA C. Modelo de aprendizagem experiencial de Kolb

EC

EXPERIENCIA CONCRETA

EA OR

EXPERIMENTAÇÃO ACTIVA OBSERVAÇÃO REFLEXIVA

CA

CONCEITOS E GENERALIZAÇÕES ABSTRACTOS

Page 17: Educacao adultos

17

Os quatro tipos de aptidões são considerados necessários,

para que a aprendizagem seja eficaz, embora se pense que a

maioria das pessoas é mais forte numa ou duas do que nas outras,

em virtude das diferenças, ao nível da sua experiência anterior

ou da escolaridade.

Os quatro estádios de aprendizagem são encarados como

constituindo duas dimensões: a dimensão concreto-abstracta e a

dimensão activo-reflexiva. Com a ajuda do questionário auto-

administrado de Kolb - o "Inventário dos estilos de aprendizagem"

(Kolb, 1976) - pode situar-se o aluno numa dada posição, no

espaço bidimensional. O inventário consiste em 9 conjuntos de

quatro palavras, pedindo-se aos alunos que ordenem as palavras de

cada conjunto, atribuindo um 4 à palavra que melhor caracteriza o

seu estilo de aprendizagem, e cotando daí para baixo, até ao 1, a

palavra que menos o caracteriza. As palavras estão intimamente

relacionadas com a definição dos quatro estádios, dada por Kolb,

por exemplo, "discriminador", "empenhado", "prático",

"abstracto", "activo", etc.

Os quatro quadrantes criados pelas duas dimensões, como se vê

na figura d, vêm a definir quatro estilos distintos de

aprendizagem: acomodante, divergente, assimilante e convergente.

Concreto

• Comércio

• História

ACOMODANTE DIVERGENTE

• Psicologia

Activo Reflexivo

• Enfermagem

• Economia

CONVERGENTE ASSIMILANTE

• Física

Abstracto

Page 18: Educacao adultos

18

FIGURA d. Os quatro principais estilos de aprendizagem. Mostra

também alguns escores médios de estilos de

aprendizagem de alunos de grupos disciplinares

diferentes (segundo Kolb, 1984).

Descrevem-se, a seguir, as características dos quatro estilos

de aprendizagem:

1. CONVERGENTE.

Confia, primariamente, nas capacidades dominantes de aprendizagem

da conceptualização abstracta e da experimentação activa; é capaz

de pegar numa ideia abstracta e aplicá-la a problemas

específicos; obtém bons resultados, quando há apenas uma resposta

certa; pouco emotivo, prefere lidar com coisas, e não com

pessoas.

2. DIVERGENTE.

Utiliza a experiência concreta com a observação reflexiva; tem

boa imaginação e consciência do significado e dos valores; boa

capacidade para ver as coisas de uma quantidade de perspectivas

diferentes, estando à vontade, em situações que apelam para a

criação de ideias e implicações alternativas; mais orientado para

as pessoas; vastos interesses culturais.

3. ASSIMILANTE

Combina a conceptualização abstracta com a observação reflexiva;

bom em raciocínio indutivo e na criação de modelos teóricos; mais

interessado com ideias do que com pessoas; pouco interessado na

aplicação prática das teorias; preocupado, porém, em que elas

sejam logicamente sólidas e precisas.

4. ACOMODANTE,

Utiliza a experiência concreta e a experimentação activa; apto a

fazer coisas e a executar planos; mais inclinado a assumir

Page 19: Educacao adultos

19

riscos; capaz de se adaptar, rapidamente, a circunstâncias

mutáveis; solucionador intuitivo de problemas; se a teoria se não

coaduna com o factos, é mais propenso a abandonar a teoria;

confia nos outros, no que respeita à informação, mas pode parecer

impaciente e "insistente".

Os estilos de aprendizagem de Kolb foram relacionados com uma

grande variedade de outras medidas. A figura d mostra a distribuição

dos estilos de aprendizagem, através de uma gama de especialidades

curriculares. Plovnick (1974) encontrou mesmo relações

significativas entre os escores no IEA e as escolhas específicas

feitas por um grupo de estudantes de Medicina: os acomodantes

escolhiam a Medicina e os cuidados familiares; os assimiladores a

medicina académica; os divergentes, a Psiquiatria; os convergentes,

as especialidades médicas. Kolb mostrou também como o ajustamento

dos estilos de aprendizagem as exigências de uma particular

disciplina conduz a diferenças nas notas dos alunos. Assim, por

exemplo, os alunos acomodantes de engenharia mecânica obtinham

melhores notas que os mesmos estudantes de engenharia mecânica com

diferentes estilos de aprendizagem. A "congruência" do estilo de

aprendizagem com as normas das disciplina conduziu a que os

estudantes percebessem caro mais leves as dificuldades do curso,

comparativamente a situação em que o estilo não era congruente.

Fry (1978) elaborou a noção de ambiente de aprendizagem, para

mostrar como diferentes modalidades de aprendizagem podem ser

apropriadas, em diferentes contextos de aprendizagem, sugerindo que

qualquer ambiente de aprendizagem tem um certo grau de complexidade,

ao nível de cada uma das quatro dimensões: afectiva, perceptiva,

simbólica e comportamental. Num ambiente afectivo, é mais

proeminente a expressão dos sentimentos dos alunos e os seus

valores, podendo as actividades de aprendizagem variar, mais

frequentemente, em relação às normas anteriores. Em ambientes

perceptivamente complexos, os alunos são estimulados a identificar

relações entre conceitos e a ver a matéria, de perspectivas

diferentes. Dá-se mais ênfase à maneira de resolver os problemas que

aos resultados.

Page 20: Educacao adultos

20

Os ambientes altamente simbólicos colocam problemas, quando

- como é habitual - há uma resposta certa ou "a melhor" solução.

O professor é o representante aceite do corpo de conhecimentos, o

perito no assunto e o garante das normas; o ambiente

comportamentalmente complexo dá ênfase à resolução de problemas

práticos; os estudos de caso e as simulações são actividades de

aprendizagem prováveis, sendo a realização das tarefas uma

prioridade. Cada uma das quatro dimensões ambientais se orienta

para um dos quatro modos de aprendizagem de Kolb (enquanto

opostos aos seus estilos de aprendizagem). Desta forma, um

ambiente afectivo põe em relevo o experienciar de acontecimentos

concretos; um ambiente simbólico coloca o acento na

conceptualização abstracta; o ambiente perceptivo sublinha a

observação e a apreciação, ao passo que o ambiente comportamental

dá ênfase à acção.

Fry (1978) mostrou como é possível avaliar os ambientes de

aprendizagem, em termos destas dimensões. Muitos cursos, ou

talvez a maioria, revelarão combinações destes tipos de ambiente.

Embora seja necessária mais investigação, que relacione os

ambientes com o estilo de aprendizagem, esta abordagem é

promissora.

O modelo de Kolb teve influência, não só na educação, mas

também nos círculos de gestão. Juch (1983) refere, por exemplo,

que a formulação original por Kolb dos estádios de aprendizagem,

quando apresentada aos gestores.

"era invariavelmente apreciada como sendo ‘muito

interessante e útil [...] Era aceitável, porque

parecia neutra, não fazendo juízos de valor a respeito

do nível de aprendizagem de cada um [...], nem a

respeito do melhor estilo, nem sugerindo que o

comportamento que cada um devia mudar. De facto, o

teste e o modelo suscitaram sempre substanciais

discussões com e entre os participantes em cursos,

seminários, etc." (Juch, 1983)

Page 21: Educacao adultos

21

Ao mesmo tempo, Juch considerou a linguagem e a

conceptualização de Kolb demasiado limitadas e académicas para o seu

trabalho de formação de gestores, redefinindo os quatro estádios, do

modo seguinte:

SENTIR, implicando habilidades sensoriais de ver, ouvir e

perceber;

PENSAR, implicando habilidades cognitivas de teorizar e

conceptualizar;

COMUNICAR, implicando habilidades relacionais, em termos de

apresentação e planeamento;

FAZER, implicando habilidades operacionais de comportar-se e

praticar.

Pretende o autor que estes estádios proporcionam um sistema

mais acessível aos participantes em cursos de formação em gestão.

Honey e Mumford (1986) referem dificuldades semelhantes na

utilização do esquema original e do inventário de Kolb com gestores:

verificaram que a descrição dos estilos, por parte de Kolb, nem

sempre tinha significado para os gestores com quem trabalhavam; de

modo semelhante, as 36 palavras do IEA não conseguiam descrever

muitas actividades de gestão, que lhes diziam respeito.

Embora aceitando a ideia de um processo de aprendizagem em

quatro estádios, Honey e Mumford reviram a descrição dos quatro

estilos de aprendizagem, de maneira que fizessem referencia mais

reconhecível ao comportamento de gestão, e elaboraram um

"Questionário de estilos de aprendizagem" (QEA), com 80 itens,

destinado a avaliar os méritos relativos de quatro estilos de

aprendizagem diferentes:

1. Activista: "Os activistas entregam-se completamente e sem

reservas a novas experiências [...]; comprazem-se com o

aqui e agora [...]; aventuram-se, por caminhos que os anjos

receiam trilhar [...]; recreiam-se, nas crises de curta

Page 22: Educacao adultos

22

duração, a atear o fogo do combate [...]; tendem a

progredir face ao desafio de novas experiências".

2. Reflexivo: "Os reflexivos gostam de retirar-se para

ponderar as experiências [...]; recolhem dados [...] e

preferem ruminá-los completamente [...]; tendem a adiar

conclusões definitivas [...], a ser cautelosos, a não

deixar pedra que não levantem [...]; escutam os outros

[...], antes de exprimirem a própria opinião".

3. Teórico: "Os teóricos adaptam e integram observações em

complexas teorias [...]; tendem a ser perfeccionistas

[...]; gostam de analisar e sintetizar [...]; são

perspicazes na formulação de pressupostos e princípios

básicos [...]; tendem a ser imparciais, analíticos [...];

preferem maximizar as certezas e não se sentem à vontade,

face a juízos subjectivos".

4. Pragmático: "Os pragmáticos são inclinados a experimentar

as ideias [...], a ver se elas funcionam, na prática [...],

aproveitam a primeira oportunidade para fazer aplicações

[...]; gostam de fazer coisas e agem rapidamente e com

confiança [...]; essencialmente práticos, pessoas com os

pés na terra [...], a sua filosofia é; ‘Há sempre uma via

melhor’ e ‘se funciona, é porque é bom’ (Honey e Mumford,

10-14).

Como pode ver-se, a dívida a Kolb é considerável, embora, em

muitos aspectos, os estilos de Honey e Mumford apresentem maior

semelhança com os quatro estádios de aprendizagem do ciclo de

aprendizagem de Kolb do que propriamente com os seus quatro estilos

de aprendizagem. Deste modo, o activista parece operar, ao nível do

estádio da experiência concreta; o reflexivo, da observação

reflexiva; o teórico, da conceptualização abstracta; o pragmático,

da experimentação activa.

Page 23: Educacao adultos

23

Honey e Mumford sugerem uma gama de actividades de

aprendizagem adaptadas a cada estilo de aprendizagem. Por exemplo,

que:

Os activistas aprendem melhor, quando em presença de novas

experiências/problemas, a partir das quais possam instruir-se;

quando podem ocupar-se com actividades relacionadas com o

"aqui-e-agora"; quando existe um certo grau de excitação e de

drama, etc.

Os reflexivos aprendem melhor, quando se lhes permite

observar/pensar/ruminar as actividades; quando se lhes pede

que produzam relatórios maduramente pensados, que cheguem a

uma decisão, dentro dos limites de tempo por eles

estabelecidos, sem ser pressionados; quando os ajudam a trocar

impressões com outras pessoas, sem perigo, isto é, no contexto

de uma experiência estruturada de aprendizagem.

Os teóricos aprendem melhor, quando o que se lhes oferece é

parte de um sistema ou teoria; quando tem a possibilidade de

questionar e pôr à prova a metodologia e os pressupostos

subjacentes a qualquer coisa; quando se lhes proporcionam

ideias e conceitos interessantes, mesmo que não sejam

relevantes, no imediato.

Os pragmáticos aprendem melhor, quando há ligação óbvia entre

o que se ensina e os problemas do emprego; quando se lhes

indicam técnicas para fazer as coisas com evidentes vantagens

práticas; e quando expostos a um modelo que podem emular.

O seu Manual de estilos de aprendizagem (1996) contém outras

sugestões de actividades de aprendizagem apropriadas a estilos

particulares.

Apresentamos a descrição destas duas versões, baseadas na

formação para a gestão, do sistema de Kolb, não só para indicar a

influência geral do seu pensamento, mas também porque a formação

para a gestão tem de ser "pragmática" e susceptível de gerar

Page 24: Educacao adultos

24

resultados, da forma nem sempre requerida aos educadores, aos

docentes de instituições escolares particulares, que podem, às

vezes, permitir-se continuar "teóricos", sem prestar suficiente

atenção à aplicabilidade das suas ideias. Assim, embora o esquema de

Honey e Mumford não tenha recebido o mesmo grau de confirmação

científica que o de Kolb, é dotado de um potente apelo "prima facie"

e, no que concerne ao autor destas linhas, diz, certamente, mais à

sua própria experiência, tanto da sua aprendizagem como da dos seus

educandos. A descrição das actividades de aprendizagem, em

particular, fornece material fértil de negociação com os problemas

dos educandos, relativos à metodologia a utilizar no curso e a

selecção de tarefas apropriadas de ensino e aprendizagem.

6. FACTORES AFECTIVO/SOCIAIS

É claro que a cognição e a motivação interagem, sendo que,

como nós indicámos, alguns dos chamados estilos "cognitivos" têm

claras implicações motivacionais e afectivas. Não obstante, dois

factores afectivo-sociais receberam, por direito próprio, alguma

atenção:

a) A preferência pela aprendizagem auto-dirigida, por oposição

à preferência pela orientação e estruturação, da parte de um

instrutor. Examinaremos, mais adiante, e mais em pormenor, esta

dimensão da aprendizagem.

b) Motivação e expectativa. Os educandos levarão para o curso

diferentes motivações, que afectarão a sua abordagem à aprendizagem

e o tipo de actividades didácticas mais apropriadas para eles. Podem

variar, por exemplo, simplesmente quando ao grau de energia e de

entusiasmo, que trazem para as tarefas de aprendizagem. De modo

semelhante, o que aprenderam a esperar deles mesmos, tendo em conta

a sua competência e rendimento - o seu nível de aspiração - afectará

a atitude com que abordam as tarefas de aprendizagem. Os psicólogos

sociais mostraram, com clareza, o poder das expectativas dos outros

sobre o comportamento e a experiência dos indivíduos. Uma maneira

como tais expectativas podem operar é através do mecanismo da

Page 25: Educacao adultos

25

interiorização, que leva as pessoas a esperar delas próprias certos

comportamentos.

Foi elaborado um certo número de questionários e inventários

para avaliar algumas destas diferenças na motivação e nas

expectativas, entre educandos. Smith (1982), por exemplo, descreve

uma quantidade de tais inventários de estilos de aprendizagem: o

Productivity enviromental preference survey produz uma medição do

comportamento "motivado-não motivado" e da "persistência"; o

Canfield learning styles inventory mede as expectativas , em termos

do "nível de performance antecipada”, o Lafferty life styles

inventory inclui uma avaliação do "estilo de rendimento" , que

representa a preocupação dominante por "completar a tarefa" e a

"tendência para obter grande recompensa pelo próprio rendimento"

(Smith, p. 69).

A distinção entre motivação intrínseca e extrínseca emerge, no

esquema de Entwistle (1981) que, na sequência de Biggs (1978),

identifica três tipos de motivação pela aprendizagem: significação,

quando o educando procura compreender, pessoalmente (esta

aprendizagem é considerada intrinsecamente motivada); reprodução, em

que se procura memorizar, suficientemente, o material, com vista à

subsequente reprodução (diz-se motivada extrinsecamente, por receio

do fracasso); realização, quando o que se busca são classificações

elevadas (é também extrinsecamente motivada, mas há esperanças de

êxito).

Pode esperar-se que os educandos difiram, em termos do

modo como são predominantemente motivados, sendo possível que

o mesmo educando manifeste motivações diferentes, em ocasiões

e contextos diferentes.

7. APRENDIZAGEM AUTO-DIRIGIDA

"A aprendizagem auto-dirigida é um daqueles

conceitos fundamentais, em educação de adultos, que

robustece a sua identidade, enquanto domínio

distinto de prática e investigação" (Temant, 1988,

p. 7).

Page 26: Educacao adultos

26

"O desenvolvimento das capacidades de

aprendizagem auto-dirigida é talvez o objectivo

mais frequentemente articulado por educadores e

formadores de adultos" (Brookfield, 1986, p. 40).

"Algo de dramático acontece ao seu conceito

de si, quando o indivíduo se define como adulto

[...]; o seu conceito de si torna-se o de una

personalidade auto-dirigida [...]; de facto, o

momento em que uma pessoa se torna adulto é aquele

em que se percebe a si mesma como auto-dirigida"

(Knowles, 1970).

O adulto, enquanto indivíduo capaz, de alguma maneira, de

dirigir a própria aprendizagem, é uma noção cara ao coração dos

educadores de adultos, como sugerem as citações precedentes. Candy

(1987) pretende ter encontrado, pelo menos 30 expressões diferentes,

relativas ao mesmo domínio geral, incluindo, autodidaxia,

aprendizagem autónoma, aprendizagem independente, instrução

controlada pelo educando, aprendizagem não formal, aprendizagem

aberta, aprendizagem participativa, aprendizagem auto-dirigida,

auto-educação, aprendizagem auto-organizada, aprendizagem auto-

planeada, aprendizagem auto-responsável, auto-estudo e auto-ensino.

As definições da auto-direcção variam, em torno de alguns

temas centrais: Knowles (1975) fala de um processo, em que os

indivíduos tomam a iniciativa, no que respeita ao planeamento das

experiências de aprendizagem, ao diagnóstico das necessidades, à

localização dos recursos e à avaliação da aprendizagem, Tough (1966)

define o auto-ensino como a assumpção, por parte do educando, da

responsabilidade no planeamento e direcção do curso da aprendizagem,

Moore (1980) define o educando autónomo como sendo aquele que

identifica as necessidades de aprendizagem, gera objectivos da mesma

e elabora os critérios de avaliação.

Há um certo número de ambiguidades e polémicas, em torno da

noção de auto-direcção na aprendizagem, Por exemplo, em que medida é

o conceito prescritivo e não descritivo? A citação de Knowles, acima

referida, parece mesmo chegar a definir adultez, em termos de auto-

direcção - posição que tornaria problemático que qualquer pessoa

cronologicamente adulta se não considerasse como uma "personalidade

Page 27: Educacao adultos

27

auto-dirigida". Outra dificuldade potencial da noção é o seu viés

típico da classe média. A maioria das investigações empíricas sobre

a auto-direcção na aprendizagem baseando-se, por exemplo, em

instrumentos de avaliação tais como o Self directed learning

readiness scale (Guglielmino e Guglielmino, 1982), utilizaram como

amostras indivíduos da classe média e culturalmente favorecidos. A

existência ou a desiderabilidade da auto-direcção, em alunos

desfavorecidos, parece muito menos bem estabelecida.

Porém, com vista a consideração mais pormenorizada destes

problemas, reenviamos o leitor para outras fontes (por exemplo,

Brookfield, 1986; Candy, 1987; Tennant, 1988). A nossa preocupação,

de momento, é a realidade das diferenças individuais entre

educandos, no que concerne à sua preferência pela aprendizagem auto

ou hetero-dirigida e as correspondentes diferenças nos estilos de

aprendizagem. Por digno ou desejável que seja o nosso empenhamento,

enquanto educadores, pelo objectivo da auto-directividade dos

educandos, o facto é que estes, regularmente, reclamam e preferem a

orientação dos seus educadores. O próprio Carl Rogers, que devotou a

vida inteira a promover a auto-direcção e a auto-actualização, em

todas as áreas da vida, observou que só a terra ou a quarta parte

dos educandos são indivíduos auto-dirigidos, sendo a maioria

pessoas, que "fazem o que se supõe que eles façam" (Rogers, 1969,

citado por Candy, 1987).

Smith recorda-nos de que "as pressões actuais, no sentido da

chamada aprendizagem auto-dirigida, são bem intencionadas e

potencialmente úteis, mas igualmente simplistas". Ele observa que:

1. "A interdependência, ou até mesmo a dependência, podem ser

tão funcionais como a independência e a autonomia;

2. diferentes maneiras de aprender requerem graus diferentes de

autonomia;

3. há perigos potenciais em confrontar os educandos com a

responsabilidade de exercer mais autonomia do que a

experiência ou a formação os prepararam para exercer"

(p.65).

Page 28: Educacao adultos

28

Um estudo anterior da autoria de Wispe (1951) tem hoje, a

mesma relevância que então, para os educandos adultos. Wispe

distinguiu os educandos, que desejavam "mais permissividade",

daqueles que queriam "mais orientação". Alguns membros de cada grupo

eram, então, colocados na situação de aprendizagem oposta, isto é,

alguns dos que "desejavam mais permissividade" eram postos numa

situação de ensino estruturado, enquanto a outros dos que "queriam

mais orientação" se lhes dava mais liberdade. As respostas a um

questionário revelaram que os educandos, que "desejavam mais

orientação", se queixavam de que os professores "nunca davam

lições", estavam "mal preparados" e "nem conseguiam sequer responder

a uma pergunta de forma directa". Os que "desejavam maior

permissividade", por sua vez, afirmavam que os professores "davam

demasiadas lições" e “desencorajavam pontos de vista diferentes dos

seus". É interessante que Wispe sugere, também, que, enquanto a

frustração, em ambos os grupos, era muito intensa, isso verificava-

se, principalmente, no grupo dos que "desejavam mais orientação",

que era o que tinha mais baixa opinião dos professores, como se a

necessidade de orientação, quando contrariada, gerasse mais

frustração que a necessidade de permissividade e autonomia.

A este propósito, Candy (1987) faz a salutar advertência de

que é bem possível que os educandos autónomos cheguem,

intencionalmente, à "suspensão estratégica" da sua independência, a

fim de serem ensinados, quando reconhecem que não estão equipados

com a suficiente informação para fazer escolhas fundamentadas, no

que concerne ao conteúdo ou aos métodos de ensino.

8. CONCLUSÕES

Considerámos os estilos de aprendizagem sob duas rubricas

gerais - "cognitiva" e "afectivo-social" - ao mesmo tempo que

sublinhávamos que não podiam fazer-se distinções rigorosas e fáceis

entre eles, dado que certos estilos chamados "cognitivos", como a

dependência/independência do campo, são descritos em termos com

claras implicações afectivo/sociais. Os independentes do campo, por

exemplo, são caracterizados pela sua preferência pela autonomia e

auto-direcção.

Page 29: Educacao adultos

29

Passámos em revista três aspectos dos estilos de aprendizagem,

com mais pormenor: a dependência/independência do campo, o modelo de

aprendizagem de Kolb e a preferência pela auto ou hetero-direcção da

aprendizagem.

Que implicações tem estas ideias para o ensino dos adultos? A

cada professor competirá decidir que importância tem estas

distinções para sua prática diária de ensino. A eles caberá,

igualmente, determinar que atenção dar a cada uma das diferenças

individuais, que reconhecem nos seus educandos. No mínimo, parece

importante reconhecer que os educandos não constituem um grupo

homogéneo, em que todos aprendem da mesma maneira (e ainda menos

necessariamente, da maneira preferida pelo professor!). Talvez que

uma das sugestões mais construtivas seja a de Tennant (1988), que

recomenda se partilhem com os educandos as informações sobre estilos

de aprendizagem:

"Idealmente, os estilos de aprendizagem devem

estar na agenda de qualquer grupo de aprendizagem

com adultos, não enquanto instrumento do educador

de adultos, mas enquanto assunto de discussão e de

mútua reflexão" (p.100).

Por outras palavras, os modelos de estilos de aprendizagem

podem ser apresentados e discutidos com os grupos de educandos,

tanto para eles avaliarem o "ajuste" de um modelo dado com a sua

experiência de aprendizagem, como com o intuito de negociar certas

implicações, que possam existir para a prática do ensino e o

planeamento das actividades de aprendizagem. Isso pode ou não

incluir que se encorajem os indivíduos a expandir o seu repertório

de estilos de aprendizagem.

JONATHAN SMITH

Center for Extra-Mural Studies

Universidade de Londres, Revista

Portuguesa de Pedagogia*, Ano XXIV, 1990

* (Tradução do Doutor António Simões)

Page 30: Educacao adultos

30

O EDUCANDO ADULTO

ALGUMAS RAZÕES DE FRACASSOS EM EDUCAÇÃO DE ADULTOS

Johan Norbeck

Para a educação de adultos é importante conhecer bem o adulto.

Para ilustrar esta afirmação, gostaria de descrever, antes de mais,

algumas das causas principais do fracasso de programas de educação

de adultos. Evidentemente que há razões pelas quais os programas

fracassam. Poder-se-ia fazer um catálogo completo dessas razões, mas

aqui eu só tenciono falar de três que, infelizmente, se verificam

sistemáticamente em muitos países. Conhecê-las é absolutamente

elementar se queremos ter êxito na educação de adultos.

A primeira causa é: tratamos os adultos como crianças. Os

educadores manipulam-nos como se fossem crianças. Falam-lhes como se

falassem a crianças. Os adultos são colocados em escolas, salas de

aula e carteiras feitas para crianças.

Há muitas razões que explicam este comportamento. A maior

parte das pessoas associam a palavra educação com a instrução

tradicional para crianças. Este tem sido o tipo de educação mais

comum em todos os países da Europa e, consequentemente, a palavra

educação tem tido o mesmo significado em países onde a influência

europeia foi grande. Por isso, é muitas vezes considerado evidente

que, se os adultos querem receber instrução; eles terão de se

sujeitar ao mesmo processo que as crianças e os jovens.

Uma outra razão é que os professores de crianças e

adolescentes são a maior parte dos agentes utilizados na educação de

adultos. E estes professores tem também a tendência de pensar que

"educação é educação" e que, desde que são professores, sabem o que

é a educação. Além disto, acontece com os professores o que acontece

com os outros profissionais, isto é, uma espécie de mal-estar

profissional. Mesmo aqueles professores que foram consciencializados

de que os adultos devem ser tratados duma maneira diferente das

crianças, têm muitas vezes dificuldades de adaptação.

Page 31: Educacao adultos

31

Uma terceira razão é o facto de, na maior parte dos países, as

escolas construídas para crianças, parecerem ao educador o lugar

mais natural e apto para a educação de adultos. Assim, neste

contexto, a conjuntura física contribui para vários efeitos

psicológicos infelizes, tanto para o professor como para o próprio

adulto.

A segunda causa é a seguinte: Os adultos não sentem

necessidade de educação. Não estão motivados para ela. Ou então não

estão motivados para o tipo de educação que lhes é dada (ou

imposta).

Demasiadas vezes, os políticos e os educadores que vêem a

necessidade da educação de adultos, começam a planeá-la sem sequer

consultarem o adulto que a vai receber. Às vezes os adultos são mais

vítimas do que participantes dos programas de educação de adultos.

Pode parecer estranho às pessoas que não estão dentro do assunto

ouvir dizer que muitos adultos não ficam muito entusiasmados com a

ideia de aprenderem novos métodos para melhorarem as suas

actividades quotidianas e, muito menos, de aprenderem coisas

abstractas como ler, escrever e contar. Em contraste, os educadores

pensam que é evidente que os adultos querem estas e outras coisas.

Por vezes os programas foram executados sem se ter considerado

a motivação. Noutros casos os adultos foram levados a tomar parte.

Em ambos os casos, o número de desistentes é normalmente oscilante e

os que continuam, duma maneira geral, esquecem tudo tão depressa

como aprenderem.

A terceira causa está intimamente ligada à primeira: não

conhecemos os adultos. Não conhecemos as suas idades, profissões,

origens culturais, experiência, condições sócio-económicas,

condições físicas, etc. De novo, tudo isto é um erro muito grande,

fruto da nossa tendência natural para confundir estudantes adultos

com crianças. Com as crianças, temos o hábito de pensar que as suas

idades são mais ou menos iguais, que as suas profissões são

inexistentes, que a sua experiência quase nula e que as suas

condições físicas são boas. Quanto à sua origem cultural e às

condições sócio-económicas, há muito que se diga da maneira como nos

esquecemos delas, muitas vezes com consequências terríveis.

Page 32: Educacao adultos

32

Esta questão de não se conhecer o adulto, tem muito a ver com

a manutenção da sua motivação durante o decurso do programa. Ela vai

afectar o modo como nós tentamos comunicar-lhe as coisas. Vai

afectar o material e o conteúdo das disciplinas que estão a ser

estudadas.

Deixem-me contar-vos um exemplo célebre de como um programa de

educação de adultos pode ser um falhanço total e drástico, quando os

educadores não conhecem os seus alunos adultos.

Havia um distrito de um país do Terceiro Mundo, nos Trópicos,

onde grassava uma epidemia de malária. A maior parte dos adultos

desse distrito não sabiam ler. As autoridades queriam ensinar-lhes a

utilizarem os medicamentos preventivos contra a malária, isto é, o

simples uso de comprimidos de quinino. Uma vez que os adultos não

sabiam ler, os educadores encarregados da campanha reuniram as

pessoas que podiam andar de aldeia em aldeia e puseram-nas a fazer

demonstrações e a distribuir os remédios, ao mesmo tempo que

colocavam cartazes impressos em troncos de árvores e paredes de

palhotas. O cartaz continha três imagens simples, alinhadas, um

pouco como uma mini-banda desenhada. As três imagens mostravam uma

cara de mulher, igual a cara de qualquer mulher dessas aldeias. A

mulher na primeira imagem tinha uma expressão de abatimento, de

infelicidade, de sofrimento. A imagem do meio mostrava a mulher a

tomar um comprimido igual aos comprimidos de quinino. A terceira

imagem mostrava a mulher com uma expressão saudável, feliz e

sorridente.

Vários meses depois, no fim da campanha, uma equipa foi

visitar novamente as aldeias para averiguar os resultados. Para sua

surpresa, descobriram que a situação estava quase pior do que antes.

Ninguém tomava os comprimidos. Nem sequer queriam ouvir falar deles.

Finalmente descobriu-se a razão deste fracasso. Já disse que a

primeira imagem mostrava a mulher doente e que a última mostrava a

mulher feliz. Mas foi a minha origem cultural que me fez decidir

qual devia ser a primeira imagem e qual a última. Na cultura deles,

ao contrário, começam a olhar para uma série de imagens da direita

para a esquerda. E os horríveis efeitos de tomarem os comprimidos

contra a malária estavam efectivamente inculcados no seu espírito.

Page 33: Educacao adultos

33

É claro que na maior parte dos casos, a causa e o efeito serão

muito mais complexos, mas este exemplo mostra a grande importância

de conhecermos muito bem os estudantes adultos.

QUEM É O ADULTO?

Isto leva-nos naturalmente à pergunta: Quem é o adulto? Antes

de tudo, encaremos a pergunta de maneira mais abstracta. A quem nos

estamos realmente a referir quando falamos de um adulto? Como

definimos o adulto? Não meditemos muito sobre esta questão.

Argumentos sobre definições deste género podem arrastar-se

indefinidamente e, neste caso, não existe nenhuma definição com a

qual estejam todos de acordo. É o mesmo que acontece com o conceito

de educação de adultos. E, naturalmente, enquanto não concordarmos

exactamente com o que é o adulto, também não podemos concordar com

nenhuma definição de educação de adultos.

Se, mesmo assim, tentarmos definir quem é o adulto, fazemo-lo

com fins práticos. Se concordarmos que a educação de adultos é algo

de diferente dos outros tipos de educação, a palavra adulto deve ter

um significado especial.

Os factores incluídos em várias tentativas de definição

deveriam talvez ser aqueles que têm um efeito real na maneira como

programamos a nossa educação. Vejamos alguns destes factores.

A idade. É fácil para muitas instituições estabelecer limites

de idade, mostrando assim quem consideram adulto. Para poderem

entrar numa determinada instituição de educação de adultos, as

pessoas têm de ter 18 anos. Para poderem obter uma bolsa para um

determinado programa de educação de adultos têm de ter mais de 16

anos.

Do nosso ponto de vista, a idade, pura e simples, tem pouco

interesse. Indivíduos diferentes e com a mesma idade têm diferentes

níveis de desenvolvimento.

Um outro aspecto da idade ao qual se fazem frequentar alusões

é o facto de alguém "ter mais que a idade para entrar no sistema

escolar obrigatório ou no sistema escolar normal, "Isto também não

nos diz muito sobre a maneira de programarmos a nossa educação.

Diz mais sobre a rigidez e as convenções de uma sociedade.

Page 34: Educacao adultos

34

O facto de uma pessoa ter já ultrapassado a adolescência, deve

ser significativo para a nossa definição. É um conceito básico para

indicar que uma pessoa ultrapassou já certas fases do seu

desenvolvimento e que atingiu uma certa maturidade. Também nos diz

algo sobre responsabilidades sociais em potência.

Também conseguimos saber mais sobre as responsabilidades

sociais em potência quando incluímos algo sobre a "idade social". O

adulto é aquele que tem direito a voto, a casar, a empregar-se, a

ter carta de condução, ou é aquele que pode ser condenado à prisão?

O problema é que nestes diversos aspectos, olha-se para o adulto como

tendo idades muito diferentes. Num certo país, por exemplo, é-se

considerado suficientemente maduro aos 16 anos para se possuir carta

de condução, aos 18 anos para se casar e aos 20 anos para se votar.

Para atingirmos o nosso propósito é mais interessante

considerarmos as responsabilidades sociais reais do que as potenciais.

Será uma pessoa responsável por si própria, por uma família ou por um

certo trabalho? Estes factores é que vão influenciar definitivamente o

nosso programa educacional.

A experiência da vida tem aqui o seu lugar. Em alguns casos, só

o adulto, com um ou mais anos de trabalho a tempo inteiro (ou outro

trabalho, tratando-se, por exemplo, de donas de casa), é que serão

admitidos em programas de educação de adultos. Isto é, exige-se uma

certa experiência de uma responsabilidade social. A experiência de

trabalho é algo que influencia definitivamente o conteúdo e métodos da

educação de adultos.

Resumamos então aqueles factores que dizem algo importante sobre

os adultos para os quais programamos a educação de adultos: o adulto é

aquele que já ultrapassou a adolescência. Ele é responsável por si

próprio (e por outros) e tem experiência de trabalho a tempo inteiro.

Esta é uma definição que pode ser útil quando se programa a educação

de adultos.

Duma maneira geral, os estudos universitários não têm sido

incluídos no campo da educação de adultos. Isto acontece precisamente,

porque tradicionalmente os estudantes universitários vinham

directamente de outras escolas e, por isso, sem experiência de

trabalho. Actualmente isto está a mudar em muitos países. Alguns

Page 35: Educacao adultos

35

países, não admitem estudantes nas suas universidades que não tenham

um ano de experiência de trabalho. Noutros países, os estudantes pagam

os seus estudos trabalhando a tempo parcial. Outros países, ainda,

admitem nas suas universidades estudantes que não fizeram os estudos

secundários, mas que, em vez desses, têm quatro ou cinco anos de

experiência de trabalho. Todos estes diferentes elementos exigem uma

mudança nos conteúdos e métodos de educação universitária, e

qualquer dia unificarão a educação universitária e a educação de

adultos.

* * *

Antes de continuar a ler, considere a seguinte questão:

Quais serão as características físicas, psicológicas e sociais

dos adultos em comparação com as das crianças (ou as de adultos mais

velhos em comparação com as de adultos mais jovens)?

ALGUMAS CARACTERÍSTICAS FÍSICAS, PSICOLÓGICAS E SOCIAIS

DO ADULTO; RELEVANTES PARA AS FORMAS E MÉTODOS

DE EDUCAÇÃO DE ADULTOS

Alterações de audição

É preciso estarmos atentos a quaisquer sinais de dificuldade

de audição tais como, a não captação de fragmentos de informação, o

olhar intrigado, o debruçar para a frente, o colocar da mão por trás

da orelha, etc.

Alterações de visão

Também precisamos de estar atentos a quaisquer sinais de

dificuldade de visão, tais como, estrabismo, o debruçar para a

frente ou falhas de informação.

Alterações do tempo de reacção

Na medida em que envelhecemos, as nossas reacções e respostas

às coisas vão-se tornando cada vez mais lentas. Os orientadores

professores dos adultos devem estar conscientes deste facto.

Page 36: Educacao adultos

36

Não pensem, contudo, que todos aqueles que participam em

educação de adultos têm dificuldades de visão, audição ou reacção.

Estas características são muito individuais. Há adultos de 60 anos

que não manifestam alterações palpáveis nestes campos. Mas, como

educadores de adultos, devemos estar atentos e observarmos estas

coisas.

Alterações da capacidade de aprendizagem

Muitos adultos com quem contactámos estão seriamente

convencidos de que os adultos não têm capacidade para estudar. Eles

foram educados no sentido tradicional de que a educação é para as

crianças. Disseram-me que este ponto de vista é muito comum neste

país.

É muito importante que o educador de adultos esteja bem

preparado para responder a pergunta: um adulto pode aprender?

Para além de todas as provas práticas, existem hoje em dia

provas científicas suficientes para respondermos com um "sim"

convincente.

O adulto pode aprender e aprender bem. Muitos investigadores,

depois de terem analisado os resultados de vários factores tais como

memória, compreensão do significado verbal, raciocínio indutivo,

etc., chegaram as seguintes conclusões: a capacidade de educação não

diminui até aos 55/65 anos. Depois disso, ela diminui muito devagar,

(1)1

A maior parte das pessoas mais idosas dificilmente acreditam

nisto. Tomam como exemplo a memória e sentem que ela se deteriora

com a idade. A investigação não concorda com isto.

Há indicações de que uma certa memória se começa a deteriorar

devagar por volta dos 20 anos. Trata-se da memória mecânica, ou do

tipo de memória que se usa para coisas que estão fora do nosso campo

de experiência (caracteres chineses). Uma outra espécie de memória,

a memória do contexto, que aprende coisas relacionadas com aquilo

1 ERASMIE, T., Vuxenpsykologi och Vuxenpedagogik (Stockolm, 1976), p. 125.

Page 37: Educacao adultos

37

que já se sabe, parece ficar mais eficaz por volta dos 25 anos e

mantém-se a este nível para além dos 60 anos. (2)2

Nem mesmo a aptidão para fixar números parece diminuir

substancialmente com a idade, embora haja uma alteração na memória

de que a maior parte das pessoas se queixam. A memória imediata

revela um certo declínio vagaroso. (3)3

A nossa velocidade de reacção diminui à medida que avançamos

em idade e isto afecta tanto os nossos movimentos como os nossos

raciocínios. Isto significa que uma idade mais avançada reduz um

pouco a quantidade, mas não a qualidade. Dando-lhe um pouco mais de

tempo, ele aprende e produz intelectualmente tão bem ou melhor que

um jovem, (4)4

Assim como a nossa capacidade de aprendizagem, a nossa

inteligência, medida em testes de inteligência, também se mantém

inalterada até idades muito avançadas. No entanto, a nossa

capacidade de aprendizagem e a nossa inteligência podem variar por

outros motivos, que não a idade, tais como a doença. Interessantes

investigações mostram que elas variam com a prática. Isto quer dizer

que é de grande importância a medida em que utilizamos realmente o

nosso cérebro para esforços intelectuais. (5)5

Muitos adultos são inclinados a admitir que a sua memória e

capacidade de aprendizagem não são as mesmas que já foram. No

entanto, poucos dizem que são menos inteligentes que as pessoas mais

novas. O que eles não sabem é que podem aumentar a sua inteligência

participando, por exemplo, em educação de adultos. Muitos

investigadores concordam agora que indivíduos diferentes têm

diferentes potenciais hereditários de capacidade intelectual. Isto

é, o quadro genético de uma pessoa decide, por exemplo, até que

ponto ela pode vir a ser inteligente (medida em testes de Q.I.).

Vários factores do seu meio ambiente decidirão se esta pessoa

utilizará completamente o seu potencial ou não. Um factor do

2 Cf. STEPHENS, M.D. e RODERICK, G.W., Teaching techniques in Adult Education (London, 1974), pp. 30-31, 3 BROMLEY, D.B., The psychology of human ageing (Penguin, 1974), pp. 184-186. 4 (4) PEERS, R., Adult Education (London, 1972), p, 200 e BROMLEY, D., op. cit. pp. 163, 174, 182-183, 5 ERASMIE, T., op. cit., p. 130.

Page 38: Educacao adultos

38

ambiente que vai decidir sobre isto, é o tipo de educação que esta

pessoa recebe. Um outro factor é o ambiente familiar. Um terceiro é

o trabalho que consegue arranjar. Um quarto é o tipo de interesses

que ela procura, etc. Duma maneira geral, em que medida utiliza e

exercita ela o seu cérebro?

Para melhor compreender isto, podemos usar um exemplo

hipotético: Imaginemos duas pessoas A e B. Suponhamos que conhecemos

as inteligências potenciais que os seus quadros genéticos lhes dão.

Em circunstâncias ambientais óptimas A podia atingir um Q.I. 115 e B

um Q.I. 110. Num diagrama vamos mostrar o que na realidade acontece

aos seus respectivos graus de inteligência durante parte das suas

vidas adultas.

Embora A tenha um potencial intelectual superior a B, aos 20

anos, atinge um nível de Q.I. inferior, Porque? Porque ele nunca se

interessou pelos estudos e não utilizou muito o seu cérebro em

esforços intelectuais, B gosta muito de ler e tem um trabalho que o

mantém intelectualmente ocupado. Cerca .dos 30 anos. A interessa-se

pelos estudos, participa em programas de educação de adultos e

também consegue um emprego que lhe dá mais estímulo intelectual. O

exercício intelectual que tudo isto lhe proporciona faz com que o

seu Q.I. atinja e ultrapasse gradualmente o Q.I. de B.

Q.I

130 -

120 -

110 - B

A

100 -

90 –

20 30 40 50 60 70 IDADE

Page 39: Educacao adultos

39

Nenhum deles utiliza as suas capacidades intelectuais

completamente. Provavelmente poucas pessoas o farão. E penso que

esta é a informação mais útil neste contexto. Muitas pessoas

certamente que não estão cientes do facto de que podem na realidade

aumentar a sua inteligência - ou que, estudando, podem aumentar a

sua capacidade de estudo. Pode interessar-lhes saber isto.

Alterações de perspectiva

O adulto é responsável pela sua própria manutenção e muitas

vezes também pela duma família. Este facto pô-lo em contacto com uma

situação normal de trabalho e com todas as exigências quotidianas

inerentes.

Isto deu-lhe uma perspectiva da vida e da instrução muito

diferente da criança. Esta perspectiva tem significados diferentes

em diferentes situações de aprendizagem. Em alguns casos, é-lhe mais

fácil ver a relação entre elementos de informação e colocá-los num

conjunto coerente. Noutros casos, ser-lhe-á mais fácil resolver

tarefas abstractas desde que, no seu espírito as possa ligar a

experiências concretas.

A sua perspectiva também o faz ver o objectivo real dos seus

estudos. Enquanto que a criança encontra a sua motivação para

aprender nos louvores do professor, o adulto vê como os seus estudos

o podem beneficiar na sua vida quotidiana. Isto aumenta a sua

motivação. As dificuldades no processo de aprendizagem podem ser

mais facilmente ultrapassadas, as coisas custosas podem ser levadas

para um plano mais agradável e dificilmente haverá frustação.

Verificaremos também que a sua maturidade e perspectiva o tornarão

disciplinado e lhe darão um melhor poder de concentração.

Todas estas coisas, motivação, pouca frustração, disciplina e

concentração, tornar-se-ão, por outro lado, em formidáveis,

opositores se a educação que se lhe oferece for tal que seja

impossível ao adulto relacioná-la com a sua própria vida e se não

tiver para ele um objectivo real. Nessa altura, ele desiste pura e

simplesmente e ninguém o pode impedir como a uma criança.

Page 40: Educacao adultos

40

Alteração dos papéis

O papel do adulto influencia directamente certas coisas que

afectam a sua participação na educação de adultos.

Em todas as sociedades, esperam-se certas coisas dos adultos.

Em muitos países do mundo, verificou-se que, atitudes de amigos e

familiares desencorajaram alguns adultos de participar em educação,

tais como: "a escola é só para crianças!" ou "não tem nada mais

importante que fazer?" ou "as mulheres devem estar em casa a cuidar

da família!"

No parágrafo sobre Alterarão da capacidade de aprendizagem, eu

disse que muitos adultos pensam que não são capazes de aprender ou

pelo menos de aprender tão bem como os jovens. Uma forte razão para

esta convicção é o facto de que normalmente eles estão cansados

quando tentam aprender algo de novo. Esta fadiga afecta a sua

capacidade de aprendizagem e deve ser tomada em consideração. A

fadiga é consequência do papel do adulto como trabalhador diário.

Infelizmente, o único tempo disponível que o adulto tem para

participar em educação de adultos é à noite, depois de um longo dia

de trabalho. O seu cansaço não só contribui para a sua convicção de

que não consegue aprender, mas também, muitas vezes, leva-o a não

aparecer às aulas. Especialmente se o adulto é uma dona de casa cujo

trabalho muitas vezes se prolonga e que por isso a impede de

comparecer.

O adulto é muito susceptível a sentimentos de inferioridade

social. Se ele for membro de um grupo de estudos onde ele sente que

é o que veste mais pobremente e o que tem uma linguagem mais pobre,

etc., ele desistirá com toda a certeza.

Mesmo no início, focámos também o perigo de se utilizar, na

educação de adultos, escolas, mesas e materiais feitos para

crianças. O adulto deve sentir-se seguro do seu papel como adulto.

O papel do adulto tem muitos sub-papéis, tais como, por

exemplo, participar em actividades de tempo livre, reuniões do

clube, reuniões no café com os amigos, etc. Estas actividades serão

sérias rivais dos programas de educação de adultos.

Finalmente, o adulto pode adquirir hábitos bastante rígidos.

Quanto mais velho ele for, mais rígidos são esses hábitos. Os papéis

Page 41: Educacao adultos

41

sociais que o adulto desempenha estão associados com certas ideias e

atitudes que dificilmente se conseguirão mudar, o que pode ser um

obstáculo ao processo educativo.

Temos estado a considerar características gerais dos adultos

que são importantes para as formas e métodos da educação de adultos.

Mas o importante para nós não são apenas estas características

gerais. Raramente contactamos com adultos individualmente. Encontrá-

los-emos normalmente em grupos de vários tipos: classes nocturnas,

círculos de estudo, conferências, grupos de demonstração "in loco",

etc. Em que consiste um grupo de adultos? Costuma ser diferente de

um grupo de crianças? Em caso afirmativo, criará isto problemas

particulares aos agentes da educação de adultos e aos próprios

adultos?

Um grupo de adultos

O facto que mais salta aos olhos é a diferença de idades.

As habilitações escolares de cada um podem diferir muito.

A origem social e cultural também pode ser muito diferente,

muitas vezes mais do que numa turma de crianças que normalmente são

recrutadas duma certa e limitada área.

A experiência de vida pode variar muito (casado - não casado,

com filhos - sem filhos, operário fabril - dona de casa, etc.)

Os seus diferentes papéis como adultos podem exigir de cada um

coisas muito diferentes. Alguns chegam sempre muito cansados, alguns

estão todo o tempo preocupados com os filhos, outros nunca conseguem

chegar a horas as aulas, etc.

Duma maneira geral, isto mostra que as diferenças são

normalmente maiores num grupo de adultos do que num grupo de

crianças.

A posição do professor é também diferente numa turma de

adultos. Muitas vezes ele é mais novo do que alguns participantes.

Pode acontecer que ele tenha menos experiência de vida do que alguns

adultos. Ele não é o seu mestre. Ele não lhes pode dar ordens: ele

não pode repreendê-los nem evitar que eles desistam.

Page 42: Educacao adultos

42

* * *

Antes de continuar a ler, considere a seguinte questão:

O que é que as características do adulto significam para o

educador de adultos? O que é que elas exigem de nós? Examine cada

uma das características em si, assim como em relação as outras.

COMO OS ADULTOS APRENDEM MELHOR

Debrucemo-nos sobre as características dos adultos pela ordem

em que as mencionámos e tentemos encontrar quais as exigências que

elas nos impõem.

Alterações na audição

Já referimos que é necessário tentar soluções,

diplomaticamente se algum membro do grupo tem dificuldades de

audição.

Mesmo jovens adultos podem ter graves problemas se, por

exemplo, trabalharem há vários anos numa fábrica barulhenta. Se

tiverem conhecimento de problemas ou se tiverem adultos idosos na

vossa aula, pensem no seguinte:

- falem alto;

- falem claramente e não muito depressa;

- deixem que a vossa cara, e especialmente a boca, seja vista

e bem iluminada;

- se conseguirem arranjar uma boa desculpa para mudarem a

disposição dos lugares, vejam se conseguem pôr aqueles que

têm dificuldades de audição mais perto do professor.

Page 43: Educacao adultos

43

Alterações na visão

- não utilizem material impresso com letras muito pequenas;

- utilizem meios visuais. Letras e algarismos suficientemente

grandes que possam ser vistos do fundo da sala;

- verifiquem se a sala está bem iluminada.

Tenham cuidado com a audição e com a visão para que ninguém se

sinta marginalizado como se fosse um deficiente.

Alterações no tempo de reacção

Não apressem o adulto. Ele está habituado a levar o seu tempo.

É necessário darmos as pessoas mais velhas um pouco mais de tempo

para atingirem os mesmos resultados que as mais novas.

Alterações na capacidade de aprendizagem

Como vimos, as alterações que existem não são muito

significativas. Há uma série de coisas de que nós nos devíamos

lembrar. Dissemos que a memória mecânica e a memória imediata tendem

a declinar com a idade. Isto quer dizer que devemos repetir mais

vezes as que tem pouca conexão com a experiência dos adultos.

Devemos também repeti-las durante um período um pouco mais longo do

que na educação de crianças.

O principal, contudo, é utilizarmos o máximo possível a

memória do contexto. Devemos sempre tentar relacionar as coisas com

a experiência do adulto.

Os educadores de adultos devem fazer acreditar ao adulto que

ele pode aprender. Devem imbui-lo de auto-confiança.

Ora muitos adultos tem preconceitos contra a sua própria capacidade.

Como é que isto teve origem? Basta recuarmos uns 100 anos para

percebermos que a saúde e a higiene das pessoas não era como é hoje.

As condições de trabalho, igualmente. A média de duração da vida era

Page 44: Educacao adultos

44

de cerca de 10 a 20 anos mais curta. Naturalmente que os sintomas de

envelhecimento apareciam mais cedo. Se as pessoas estão doentes,

cansadas e gastas, a sua capacidade de aprendizagem é relativamente

baixa. Um adulto de 65 anos, hoje em dia, pode muito bem ter a

capacidade de aprendizagem que teria tido aos 45 anos, há cem anos.

Mas o preconceito cola-se-nos. Como educadores de adultos, devemos

primeiro libertar-nos desta noção e depois convencermos os adultos.

Quando o adulto participa pela primeira vez numa aula, pode

muitas vezes aumentar o seu preconceito. Tal como ele esperava,

aprender e muito difícil. Ele compara-se a alguns colegas mais novos

e verifica que eles trabalham e assimilam mais depressa. O educador

de adultos deve então adverti-lo do facto de que a aprendizagem tem

também de ser feita com exercício, hábito e técnicas. Leva tempo,

por exemplo, habituarem-se a ficar sentados durante horas se, no seu

trabalho, estão habituados a estar activos com o corpo. Estudar e

aprender tem as suas técnicas tal como qualquer outro trabalho. O

adulto de quem estamos a falar compara-se a um adulto mais novo que

tem uma experiência escolar mais recente. Nós podemos dizer ao

adulto que com treino ele pode firmemente aumentar a sua capacidade

de aprendizagem.

É importante, então, que mantenhamos a nossa promessa e o

ajudemos realmente a conseguir o treino necessário. Este é um dos

nossos principais deveres. Muitos professores de adultos esquecem

isto ou então não estão conscientes desta necessidade. Por isso,

eles apenas dão o conteúdo da disciplina. Assim as capacidades de

estudo dos adultos ficam desaproveitadas.

O conteúdo da disciplina e as qualidades de estudo devem andar

de mãos dadas. Isto é particularmente importante com estudantes

adultos uma vez que eles estão habituados a estar activos e a tomar

conta de si próprios. É uma questão de lhes dar cada vez mais

instrumentos para conduzirem estudos efectivos. Instrumentos, tais

como: como fazer perguntas, como encontrar e utilizar várias fontes

de informação, como ser crítico, como dar estrutura a uma massa de

informações, como fazer planos para o futuro, como tomar notas. Dar-

lhes estes meios é a melhor maneira de edificar a sua auto-

confiança.

Page 45: Educacao adultos

45

As técnicas adquiridas por eles torná-los-ão mais auto-

confiantes. Eles começarão a tomar parte mais activa no planeamento

dos seus próprios estudos. E a sua capacidade de aprendizagem

melhorará.

Alterações de perspectiva

Já realcei que a perspectiva sobre a vida dos adultos pode

trazer vantagens reais á sua situação de alunos. A sua atitude em

relação aos estudos é diferente do da criança. O adulto pode ver o

valor daquilo que está a fazer numa perspectiva a longo prazo.

Ele pode colocar aquilo que está a aprender num contexto da

vida real. Por isso, a sua ambição é maior e ele assume uma

responsabilidade pessoal para com os seus estudos. Tudo isto

facilita a tarefa do educador.

Mas eu também disse que isto só é assim desde que o conteúdo e

os métodos aplicados estejam de acordo com os desejos do adulto. Se

o adulto pensar que os estudos não o ajudarão a atingir os seus

objectivos reais, ele perderá inteiramente a sua motivação e não

mais persistirá.

Para nós isto significa que é inútil tentar impor coisas aos

alunos adultos. Antes de tentarmos ensinar, devemos certificar-nos

de que o adulto compreende o que lhe vamos dar e de que maneira isso

vai beneficiá-lo. Isto não é a mesma coisa que dizer que apenas lhe

podemos dar aquilo que ele pede. Muitas vezes ele pode não

compreender de que maneira um novo campo de aprendizagem pode ter

interesse no futuro. É nossa obrigação explicá-lo e fazer com que o

adulto se aperceba do seu valor. Se falharmos nisto, o programa

falhará.

Tudo isto mostra claramente a importância de conhecer o

adulto, o seu "background", o seu mundo e o seu quadro de

referências. De outro modo como podemos nós dar o conteúdo correcto

ao programa e como podemos falar-lhe de maneira que ele compreenda?

O adulto apreenderá melhor se durante o programa nós

relacionarmos o que ele está a estudar com a sua perspectiva.

Dissemos já que ele pode, em alguns casos, resolver problemas

abstractos melhor do que a criança, porque ele pode ligar certas

Page 46: Educacao adultos

46

coisas à sua experiência concreta. É importante, então, que nós o

ajudemos a fazer essa ligação. De vez em quando nós devemos mostrar

a aplicação prática de certas coisas, as associações pessoais do

adulto em conexão com a informação fornecida, a sua experiência de

outras, etc. Uma das coisas mais importantes é que nós não devemos

dar-lhe coisas como se o tomássemos por um ignorante. Num grupo de

adultos há sempre muita experiência e conhecimento.

Utilize isso primeiro! Comente-o. Discuta-o. Depois complete o

quadro com o seu próprio conhecimento.

Já disse que é importante não impor coisas aos adultos.

Isto não é apenas importante para o conteúdo das disciplinas,

mas também para o exercício de técnicas de estudo e métodos.

Infelizmente, os educadores de adultos esquecem-no muitas

vezes. Parece que consideram as perspectivas dos métodos que usam

como sua área exclusiva. Mas, de novo, uma falta de compreensão aqui

pode muitas vezes dar origem a conflitos entre os adultos e o

professor. Pode parecer paradoxal, mas o adulto que não quer ser

tratado como uma criança, acredita mesmo assim que a educação da

criança é a "verdadeira" educarão. A sua perspectiva sobre outras

coisas pode ser ampla, mas a sua perspectiva sobe a educação é

normalmente muito limitada. Ele pensa que a educação significa estar

sentado atrás de uma carteira e concentrar-se na recepção do

conteúdo da disciplina transmitida pelo professor. Mas se continuam

com este tipo infantil de educação durante algum tempo, ele sentir-

se-á frustrado, enquanto que se se introduzir trabalho de grupo,

exercícios das técnicas de estudo, etc., a primeira vista, isto pode

parecer-lhe desvios desnecessários que o impedem de atingir

directamente o seu objectivo. Será precisa muita explicação,

discussão e prática antes que ele compreenda o seu valor. Eu disse

no capítulo sobre Capacidade de Aprendizagem que o estudo e o

exercício das capacidades devem andar de mãos dadas com ambas estas

coisas. Expliquem-lhes desde o início a vossa opinião sobre quais os

métodos a usar num determinado curso. Expliquem-lhes porquê.

Encorajem os participantes a verificarem durante o curso se vocês

estão realmente a seguir a vossa filosofia da pedagogia, e se o

grupo está realmente a atingir os objectivos estabelecidos desde o

Page 47: Educacao adultos

47

princípio. Encorajem-nos a tomar parte activa na programação do

curso.

Alterações nos papéis

Como já antes frisei várias vezes, a coisa mais importante é

reconhecer o adulto como adulto e tratá-lo como tal. Já mencionei

claramente que devemos evitar, na medida do possível, a utilização

de escolas, mesas e materiais, etc., destinados a crianças. Disse

que devemos respeitar o adulto, fazer uso da sua experiência e faze-

lo participar na programação dos seus próprios estudos. Devemos

torná-lo confiante no desempenho do seu papel de adulto. O

comportamento do professor é muito importante. Nós devemos promover

um sentimento de interacção entre iguais. Nós devemos mostrar

claramente que o consideramos como um especialista no seu campo e

que nós somos apenas especialistas em educação. Esta atitude vai

também fazer diminuir a competição social dentro de uma turma ou de

um círculo de estudo. Devemos evitar que aquele que tem os fatos ou

a linguagem mais pobres desista por motivos de tensão social.

Nós devemos ter cuidado em não mostrar respeito apenas pelas

contribuições de um ou dois membros do grupo, mas pelas de todos.

Todos os membros do grupo devem ser consciencializados de que podem

realmente dar contribuições válidas. Esta é uma tarefa difícil para

o educador. Como é que se poderá fazer sentir a um estudante que a

sua contribuição não é um desperdício de tempo, quando você mesmo

pensa que realmente essa contribuição é bastante má? É evidente que

não deve fingir. O que é importante é a maneira como se recebe a

contribuição e a maneira como se lhe responde. Nunca as ignore, por

muito insignificante que seja o seu conteúdo. Nunca é

insignificante, porque algum fez o melhor que pode para dizer alguma

coisa. Noa lhe de uma resposta desdenhosa ou dura. Em vez disso use

frases Como estas: "Pode ser que tenha razão, mas vamos ouvir mais

opiniões sobre este assunto"; ou "obrigado pela sua contribuição. Há

alguém que concorde ou discorde?"

Page 48: Educacao adultos

48

Outra dificuldade neste contexto é fazer com que o estudante

se sinta suficientemente confiante para fazer perguntas. Muitos

estudantes hesitam em fazer perguntas, com medo que o professor ou

os outros pensem que eles são estúpidos. O professor deve fazer

sentir aos estudantes que as perguntas são desejadas e bem-vindas.

Quando fazem perguntas, o professor deve tranquilizá-los com

comentários deste tipo: "Tenho a impressão de que não expliquei bem

este ponto"; ou "há muita gente que tem problemas com isso."

Como disse, a educação tem que competir com muitas das outras

actividades dos adultos, tais como, vida de família, trabalho

doméstico, actividades sociais, desportos, etc. Também tem que

desafiar o cansaço do adulto depois de um dia de trabalho. Apenas há

duas coisas que podemos fazer para combater isto: uma é ter a

certeza de que o adulto vê os benefícios do curso, isto é, ele deve

ser capaz de ver e apreciar o real objectivo (e deve haver um

objectivo real).

A outra coisa é a variedade. Devemos fazer com que o nosso

curso seja particularmente estimulante e atraente. Um dos melhores

meios para se captar a atenção é a variedade. Não faça apenas

reuniões ou debates. Introduza nova informação por vários meios:

cartazes, imagens, mapas, rádio, filmes, diapositivos, etc. Não

utilize apenas o quadro preto, mas também o quadro de feltro e

também o quadro tipo "flipboard". Faça visitas de estudo, estudos

"in loco". Convide conferencistas de fora. E incite o adulto a

ajudar a contribuir para todas estas coisas.

A atitude negativa para com a educação que o adulto encontra

muitas vezes no seu ambiente mais próximo é um desafio especial para

o educador de adultos. É muito difícil dar um conselho geral sobre a

maneira de atacar esta questão. Claro que se pode sempre dizer que a

melhor resposta é um antigo aluno bem sucedido. Isto é, um aluno que

regressa de um dos vossos programas e que é capaz de provar que

tirou benefícios dos seus estudos. (A pior coisa seria um antigo

aluno que regressasse com conhecimentos que não lhe foram úteis).

Mas como conseguir que este primeiro estudante venha para o seu

curso? Uma maneira é contactar agentes especiais tais como o médico

ou o padre, os quais têm a aceitação das pessoas para recomendarem a

educação, na sua conversa habitual, contando às pessoas o modo como

Page 49: Educacao adultos

49

certas regiões se desenvolveram devido a ela. Se estes agentes tem a

confiança dos adultos, podem ajudar a quebrar barreiras e a mudar

atitudes. As campanhas de educação devem ser feitas através daqueles

que tem a confiança das pessoas.

O adulto tem muita responsabilidade tanto no seu trabalho como

na sua família, mas, especialmente no campo, ele não está muito

habituado à formalidade. Realmente, a formalidade da educação faz

muitas vezes com que ele se afaste. Um agricultor, por exemplo,

vindo directamente da vida que escolheu, já que é dono de si

próprio, para uma espécie de procedimento formal onde é registado,

interrogado, forçado a ter um horário, etc., pode ficar embaraçado e

assustado no princípio. A fim de convencermos adultos desconfiados,

em particular em relação à educação, nós devemos utilizar uma

aproximação suave, aumentando o grau de formalidade na medida em que

aumenta a motivação para a aprendizagem. Às vezes podemos começar

com actividades informais, tais como a projecção de um filme, uma

exposição, uma conferência. Depois, quando a motivação aumenta,

podemos introduzir discussões em grupo ,círculos de estudo e, uma

vez atingida uma forte motivação, estudos orientados pelo professor.

Johan NORBECK

Formas e Métodos de Educação de Adultos,

2ª Edição, Universidade do Minho, Projecto

de Educação de Adultos, Braga, 1981.

Page 50: Educacao adultos

50

O QUE SENTE O ESTUDANTE ADULTO

Jennifer Rogers

INQUIETAÇÃO

Nos meus primeiros tempos de professora, fui muito

insensatamente encarregada das inscrições nocturnas na escola em que

trabalhava. Uma das minhas primeiras clientes queria matricular-se

no curso de Italiano para principiantes. Perguntei-lhe, como me

tinha sido dito, se ela sabia alguma coisa de Italiano. Confiou-me

alegremente que esse seria o seu terceiro ano na classe de

principiantes. Gostava bastante do professor, mas não era só isso.

Não se sentia ainda suficientemente confiante do seu Italiano para

entrar no segundo ano. Tinha receio de achar que era demasiado

difícil, de parecer estúpida, e era por isso que preferia o conforto

e a familiaridade da classe de principiantes.

Foi o meu primeiro encontro com uma das mais surpreendentes

características do estudante adultos o seu medo de parecer ridículo,

ou de se expor a um fracasso. Este tipo de inquietação não se limita

aos alunos das classes "recreativas", nem se limita sequer aos de

cultura pobre e pouco sofisticada. Pelo contrário, parece aplicar-se

a toda a gama de estudantes adultos. De dúzias de escritos que

recolhi sobre este assunto, vindos de professores e alunos, escolhi

os que a seguir transcrevo, não por qualquer originalidade ou

excentricidade particulares, mas porque parecem apresentar o tipo de

inquietações que preocupam os estudantes adultos.

Durante meses antes do início deste curso de formação,

costumava sonhar que iria parecer estúpido ou que iria dar a

entender que não era capaz de dar conta do recado. Estava espantado

comigo próprio - um antigo aluno de Cambridge - tão preocupado por

ir "outra vez para a escola", mas pensava para mim: bem, mais três

meses, dois meses, um mês e estará tudo acabado.

Page 51: Educacao adultos

51

Disseram-nos que íamos ter uma "discussão livre" e que se

esperava que todos falassem. Isso não punha problemas para aqueles

que tinham deixado de estudar há menos tempo, mas eu, que apenas uma

semana antes era uma simples dona de casa, decidi que ninguém me

arrastaria para a discussão. Sabia que diria alguns disparates.

O ponto culminante do drama é sairmos de nós próprios e era

isto que eu queria conseguir, mas a consciência de mim próprio que eu

esperava perder quando entrasse na primeira aula era a mais

intransponível barreira para essa fuga! Sempre que chegava à minha

vez sentia vómitos, embora tentasse desesperadamente ocultar os meus

nervos. Todos os que frequentavam o curso eram meus colegas e eu não

queria que eles vissem que eu tinha medo. Além disso, como nunca

tinha representado, sabia que as minhas actuações seriam más e não

queria fazer nada mal feito, especialmente em frente de pessoas que

me conheciam como uma pessoa eficiente noutros aspectos.

Inscrevi-me este ano em culinária - mas apenas nas

demonstrações. Não quero fazer nada eu própria. Fiquei farta o ano

passado - fiz centenas de erros que eram tema de riso para toda a

gente, o que não era nada agradável para mim.

Todos sabemos as dificuldades de conseguir dos alunos

composições escritas. Creio que a razão é o facto de um aluno, que

sabe que nos impressionou bem nas aulas, ter receio de que o

"conheçamos" se escrever algo no papel.

Há muitas vezes nos meus alunos um profundo sentido de inaptidão,

embora muitos deles sejam homens e mulheres profissionalmente bem

sucedidos: Associam sempre trabalho escrito a testes, notas e exames,

e portanto à um fracasso potencial.

Lembra-te que muito dos rapazes que vem frequentar o curso de

delegados sindicais deixaram de estudar aos catorze anos.

Aterrorizam-se com a ideia de "escrever"; por isso temos que resolver

tudo pela "discussão" e estabelecer uma atmosfera em que eles se

sintam livres para dizer o que quiserem sem receio de se sentirem

tolos. O problema é que é quase impossível descobrir se aprenderam

alguma coisa ou não, portanto no campo da educação o seu amor-próprio

é muito sensível.

Page 52: Educacao adultos

52

As investigações têm mesmo mostrado provas físicas deste tipo

de medo e inquietação nos alunos adultos. Uma experiência mostrou

que se se fizerem testes de sangue em adultos, antes, durante e

depois de um momento de aprendizagem, há uma subida no nível do

ácido gordo do sangue à medida que a aprendizagem prossegue, uma

subida que se torna mais notória e que persiste tanto mais quanto

mais velho for o aluno. A quantidade de ácido gordo existente no

sangue é um bom padrão de medida da tensão emocional, e uma elevada

quantidade desse ácido pode só por si evitar que a pessoa aprenda

convenientemente. Assim, a inquietação do adulto que tem receio de

parecer ridículo, pode ser a causa de um rendimento pobre e pode

confirmar os piores receios do aluno. Pode ser particularmente

notável no caso do ensino de uma arte como a tecelagem ou o bordado,

pois a atrapalhação ou o tremor dos dedos, bem como as inaptidões

que causam, serão evidentes. Professores experientes em assuntos que

exigem maior participação do cérebro estão igualmente familiarizados

com manifestações como o corar, os olhares preocupados e as vozes

hesitantes dos alunos que não confiam nas suas próprias capacidades

e decisões.

Evidentemente que há excepções. Os estudantes mais jovens,

especialmente aqueles que acabaram de deixar a escola ou a

faculdade, podem não experimentar preocupações porque se sentem num

ambiente familiar. Uma jovem, que se tinha formado em sociologia

apenas alguns meses antes, descreveu as suas experiências numa aula

de literatura e filosofia de uma maneira decidida e confiante:

Eu estava realmente ansiosa por frequentar as aulas e aprender

um assunto novo. Não me sentia nada nervosa pois já tinha assistido

a muitas aulas e sentia-me capaz de aprender qualquer coisa que o

professor me pudesse apresentar.

Este tipo de aluno não espera encontrar um trabalho difícil e

considera evidentemente a educação como uma experiência aprazível e

estimulante. A juventude e a vitalidade estão do seu lado e, já com

um grau universitário, sente que não há razão para se preocupar na

sua aula de filosofia, porque é uma mera continuação informal de um

processo no qual já tinha sido posta à prova.

Page 53: Educacao adultos

53

Há muitos outros estudantes que noa sofrem de sentimentos de

nervos e tensão - por exemplo, as mulheres que vão à mesma aula de

corte e costura, com a mesma professora durante muitos anos (sabe-se

que alguns cursos tem durado dezasseis anos); as pessoas que vão a

cursos onde há uma sequência no ensino mas não necessariamente uma

exigência de aprendizagem (conferências públicas de uma hora,

seguidas de cinco ou dez minutos de discussão seriam um exemplo

extremo). Qualquer curso onde não haja testes de qualquer espécie

tem alunos descontraídos; mas frequentemente nesses casos, embora

não haja inquietação, também não há aprendizagem porque não existe o

desejo de mudança quer por parte dos alunos quer por parte do

professor.

É evidente que, pelo menos na educação adulta voluntária, a

inquietação não será a emoção predominante no espírito dos alunos,

senão nem sequer se inscreviam. O interesse e a curiosidade serão

muito mais fortes na maioria dos alunos. Devemos também lembrar-nos

de que os nervos podem ser facilmente suavizados e que embora seja

na realidade desejável manter sempre uma atmosfera activa, a tensão

extrema dos alunos não costuma ser o maior problema depois das

primeiras aulas. Num grupo bem integrado o papel do professor na

redução da inquietação torna-se menos importante à medida que os

alunos descobrem que o trabalho está nas suas mãos.

No entanto, as investigações feitas e a observação comum

mostram que está sempre presente uma tensão enquanto os adultos

aprendem e que é provável que essa tensão aumente e se torne

desvantagem quanto mais velho for o aluno e maior a pressão exercida

sobre ele. É compreensível que homens e mulheres em cursos de

aperfeiçoamento técnico industrial se devam preocupar com o seu

rendimento, pois muito frequentemente os seus empregos ou promoções

dependem desse rendimento, quer seja uma reactualização para os de

meia-idade, quer um treino inicial destinado aos membros mais novos.

Teoria pessoal

Saber por que os alunos que vão voluntariamente às aulas se

sentem inquietos é mais difícil, especialmente porque os inquéritos

feitos mostram que a maior clientela para a educação superior sai

Page 54: Educacao adultos

54

precisamente daquela parte da população educacional mais

"experiente" e que portanto seria menos de esperar que se

atemorizasse com o regresso às aulas. Talvez as preocupações de

muitos adultos no seu regresso às aulas estejam ligadas à ideia

muito enraizada de que a educação é um processo que só diz respeito

às crianças. Alguns educadores de adultos têm desenvolvido

recentemente esperançosos conceitos de "aprendizagem permanente" ou

"educação continuada", em que uma educação básica mais extensa viria

a representar um papel mais importante ao longo de toda a vida, mas

isso ainda está longe de ser uma ideia geralmente aceite.

Presentemente parece ser quase com uma negação deliberada do seu

estado adulto que um aluno, já ultrapassada a sua infância, se

submete a uma educação suplementar.

Os adultos são, afinal, pessoas que adquiriram o seu estado de

maturidade aos seus próprios olhos e aos das outras pessoas como

maridos, esposas, pais, amigos, patrões e empregados. Talvez este

estado, e o amor-próprio dele decorrente, seja menos forte do que

parece, e seja facilmente ameaçado quando o adulto é obrigado a

recuar para o que pode parecer a posição subordinada de aluno.

Alguns psicólogos, procurando uma base teórica mais aceitável

para esta inquietação, encontraram-na na chamada "Teoria pessoal"

(Self Theory), e apontaram qual o conflito potencial envolvido

quando um adulto entra numa aula (principalmente, talvez, em

assuntos académicos ou quaisquer assuntos em que estejam envolvidos

valores).

(1) O conflito, segundo os partidários da "Teoria pessoal" está em

que todo o adulto já possui certas ideias bem desenvolvidas e

definidas acerca de si próprio que acompanham o seu sistema de

ideias e crenças. Admitir que necessita de aprender algo de novo é

admitir que há algo errado no seu sistema presente. Muitas pessoas,

embora compreendem debilmente a sua necessidade de novos

conhecimentos, podem sentir-se tão ameaçados pelo desafio às suas

antigas crenças que são incapazes de aprender. Por exemplo, uma

Page 55: Educacao adultos

55

jovem mãe poderá compreender que necessita aprender mais acerca do

desenvolvimento do seu filho e inscrever-se-á num curso de

psicologia infantil. Uma vez lá, pode rejeitar ou recusar

compreender tudo o que o professor e o resto da classe dizem, e com

que não concorda, pois isso seria equivalente a admitir que a sua

maneira actual de cuidar do filho era errada e que tinha sido de

qualquer modo uma "má" mãe.

Esta pode ser a razão porque os estudantes adultos se refugiam

muitas vezes no inconsciente subterfúgio de que o que estão a

aprender se destina a outrem. Lembro-me de um curso de

aperfeiçoamento organizado por todo o pessoal de uma escola onde eu

estava a ensinar, ao qual todos foram forçados, talvez desajeitada e

insensatamente, a assistir. Era um curso pequeno, estimulante e bem

planeado, de conferências e discussões, dado por um professor

experiente mas já reformado. Todos assistimos com vivos sinais de

descontente relutância. Embora a maior parte apreciasse aquelas

horas e aprendesse alguma coisa, teria sido impossível encontrar um

que quisesse admitir que as lições se destinavam a nós. Não,

destinavam-se a professores "inexperientes", "muito novos" ou em

"part-time".

(1) C. Rogers, On Becoming a Person, Houghton Mifflin, 1961; A. Maslow,

Towards a Psychology of Being, Van Nostrand, 1962.

Termos admitido que necessitávamos de instruções teria sido um

profundo golpe nas nossas ideias de professores já profissionalmente

competentes. O elemento desconhecido aqui é se nos teríamos

aprendido mais se o curso nos tivesse sido apresentado com mais

tacto, como uma ocasião em que pudéssemos discutir problemas comuns

(o que teria maior valor), e não como alguma coisa que nos fez

sentir deficientes em determinado aspecto (como talvez o fossemos).

Assim, havia, todas as semanas, uma ou duas pessoas que decidiam

Page 56: Educacao adultos

56

fechar os olhos durante toda a sessão de noventa minutos, que

preparavam lições e escreviam cartas, e outras que simplesmente se

desculpavam no último minuto perante o professor para não assistirem

à conferência.

As lições para professores devem ser cursos devidamente

planeados para ajudar os alunos a preservar pelo menos parte da

"imagem de si próprios". O valor da experiência prévia dos alunos

deve ser generosamente tomado em consideração e utilizado como base

para construir uma maior experiência e adquirir mais conhecimentos.

Isto será particularmente importante nos cursos de actualização

industrial ou profissional, em que actuam elementos de

obrigatoriedade.

Os sentimentos dos alunos adultos diferem muito de um

indivíduo para outro, bem como de uma situação para outra. As

mulheres, no primeiro ano de um curso de aperfeiçoamento de

professores, sentir-se-ão provavelmente mais tímidas e mais

inquietas do que um grupo de directores experientes num pequeno

curso de gestão. Os adultos analfabetos, que frequentemente

atravessam cidades e estados para terem a certeza de encontrar uma

classe em que não sejam reconhecidos, terão mais necessidade de

coragem e apoio do que um grupo de adultos de todas as idades e

níveis de inteligência que entram num instituto uma vez por semana

para a descontracção e o prazer criador de uma aula de carpintaria.

Seja porém qual for a situação, é provável que haja uma tensão

se houver uma aprendizagem real, e visto que a aprendizagem se faz

melhor numa atmosfera calma, despreocupada e amigável, o professor

deve agir positivamente de modo a garantir que essa atmosfera seja

estabelecida logo desde o início e mantida durante todo o curso.

O papel do professor

A amizade é importante, mas constitui apenas parte do caminho

em direcção à redução das inquietações do aluno adulto. É ainda mais

importante assegurar-se de que os alunos são imediatamente

recompensados quando fazem alguma coisa bem feita, assegurar-se de

que todos estão a tomar parte na discussão e dar a cada um tarefas

que eles possam realizar. Numa discussão, por exemplo, "conseguir

Page 57: Educacao adultos

57

alguma coisa certa" pode ser simplesmente obter comentários

favoráveis de outros alunos e do professor - "Sim, é uma ideia

interessante", ou "Como a Sra. Smith disse a semana passada", ou

"Lembre-se que o argumento do Sr. Jones foi ...". Estes pequenos e

aparentemente insignificantes indícios de interesse e respeito podem

ser modos importantes de diminuir a tensão e a inquietação dos

adultos. Inicialmente devem vir do professor, mas é notável que nas

classes de adultos mais produtivas e agradáveis, o papel de conceder

este tipo de recompensa é frequentemente assumido por outros alunos.

Por vezes serão necessárias maneiras mais directas de reduzir

a inquietação individual e os bons professores prestarão constante

assistência individual aqueles que admitam necessitar dela.

Evidentemente que há limites de tempo e de energia para este auxílio

intensivo que o professor pode realmente dar. Nem todo ele pode ser

dado na aula, pois os outros alunos sofreriam com isso. O auxílio

que pode ser devidamente oferecido fora do tempo da aula será, por

exemplo, a marcação de trabalho extra, a correcção de uma composição

previamente escrita, voltar atrás depois de uma aula para explicar

um princípio básico que alguns alunos não compreenderam, preparar

folhas de exercícios individuais para alguns alunos elaborarem nos

momentos livres, ou emprestar livros e revistas. A forma de auxílio

não interessa talvez tanto como a disposição do professor de o

oferecer e de o satisfazer quando lhe for pedido.

Jennifer ROGERS

Edição Patrocinada pela Direção-Geral

de Educação Permanente

Ensino de Adultos, Colecção Formação Humana,

Editorial Pórtico, Lisboa, 1974.

Page 58: Educacao adultos

58

HISTÓRIAS DE VIDA

António Nóvoa

1. CONTRIBUTO PARA UMA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

DAS CRIANÇAS E DA FORMAÇÃO DOS ADULTOS

"Cria teus filhos em bons costumes e disciplina:

porque a cera mole ligeiramente recebe figura: e depois

que endurece sempre lhe dura: e da tenra vergôntea farás a

volta que quiseres."

Cartilha do século XVI

De uma forma geral, pode dizer-se que nas sociedades ocidentais

toda a formação tem estado impregnada do modelo escolar, construído

durante a Época Moderna e consolidado a partir da revolução burguesa

dos finais do século XVIII.

Independentemente de todas as transformações no modo como as

sociedades foram concebendo (e organizando) ao longo dos séculos as

práticas da formação, um pressuposto manteve-se inalterável: educar é

preparar no presente para agir no futuro. O tempo da formação hic et

nunc surge, portanto, dissociado do tempo da acção.

Esta clivagem provoca, inevitavelmente, uma outra: a separação

entre os espaços da formação e os espaços da acção. Dois tempos, dois

espaços, mas também duas lógicas distingas: de um lado, as situações

de formação normalmente organizadas segundo uma lógica dos conteúdos

a transmitir e das disciplinas a ensinar; do outro lado, as situações

de trabalho organizadas segundo uma lógica dos problemas a resolver e

dos projectos a realizar. Pelo meio, a questão sempre presente da

(im)possibilidade de transferir entre as duas situações em que medida

(e de que modo) as atitudes, as capacidades e os conhecimentos

adquiridos durante a formação podem ser "mobilizados" numa situação

real de trabalho?

Apesar das importantes mudanças pedagógicas ocorridas no

último século, o modelo escolar manteve-se incólume praticamente

até aos nossos dias, não sendo abusivo afirmar que grande parte

Page 59: Educacao adultos

59

dos educadores actuais considera ainda que o seu trabalho consiste

em ... moldar a cera mole!

Todavia, é possível detectar nas últimas décadas três grandes

movimentos de contestação ao paradigma escolar: o primeiro,

conhecido por Educação Nova, irrompe do interior do sistema

educativo e atinge o auge no decurso dos anos vinte; o segundo, é

uma tentativa de resposta à crise social dos anos sessenta, tendo-

se exprimido através das perspectivas da Educação Permanente;

finalmente o terceiro, de contornos ainda mal definidos,

manifesta-se hoje em dia através da procura de uma nova

epistemologia da formação, tendo como expressões visíveis, por

exemplo, as experiências em torno das histórias de vida e do

método (auto)biográfico.

O MOVIMENTO DA EDUCACAÇÃO NOVA (ANOS VINTE)

E A DECADÊNCIA DO MODELO ESCOLAR

"A Escola deve, pois, ser uma ambiência organizada

adrede a criar, estimular, desenvolver essas qualidades

activas, esses movimentos de acção, de trabalho da

criança.

Mas toda a planta carece de ser cultivada com esmero

e, antes de ser lançada em plena natureza e entregue a

si própria, precisa de tutores para que os vendavais da

vida não quebrem o seu tenro caule."

Adolfo Lima (1924)

O Movimento da Educação Nova, cuja génese remonta aos finais

do século XIX - justamente considerado o "século da escola" – é o

primeiro grande movimento a pretender por em causa o modelo escolar.

Tendo atingido a sua maior expressão no período pós – 1ª Grande

Guerra, o Movimento da Educação Nova proclamou o fim da "escola

antiga" e a criação de uma "escola nova", cadinho da humanidade nova

e redentora da espécie". (6)

6 Escola Nova (Coimbra), Ano I, 25 de Julho de 1924

Page 60: Educacao adultos

60

É verdade que a Educação Nova provocou uma autêntica revolução

pedagógica no interior do sistema educativo. A defesa da autonomia

dos educandos e dos métodos activos, o estimulo à espontaneidade e à

criatividade, a valorização da aprendizagem e do "aprender a

aprender" em detrimento do ensino, a procura de uma ligação entre a

escola e a vida, a tentativa de construção de uma "escola do

trabalho" como crítica à “escola do alfabeto", o realce dado ao

"aprender fazendo" o incentivo à participação activa dos formandos

no seu próprio processo de aprendizagem, a luta por um ensino

centrado nos interesses dos educandos, o esforço em prol da educação

integral, são apenas alguns dos princípios herdados do Movimento da

Educação Nova que, hoje em dia, ninguém ousa contestar (saber até

que ponto eles são efectivamente aplicados, tanto na educação das

crianças como na formação dos adultos, é uma questão completamente

diferente!).

Seria, no entanto profundamente errado interpretar a revolução

pedagógica operada pela Educação Nova como uma contestação efectiva

aos fundamentos do modelo escolar. A este título, a citação de

Adolfo Lima (um dos mais radicais pedagogos deste período), que

encima este capítulo é bem elucidativa; aliás, este mesmo autor, num

dos mais brilhantes textos da pedagogia portuguesa, não hesita em

afirmar que:

"Para que o professor, o corpo docente, cumpra com a sua

missão e se lhe possa exigir toda a responsabilidade da

educação que dá aos seus alunos, é indispensável, por ser da

mais elementar justiça, que a criança lhe seja entregue por

completo, sem intermitência, só tirando-a da sua influência e

acção quando ele a der por pronta"(7).

Assumindo o paradoxo da afirmação, poderemos dizer que os

homens da Educação Nova levaram até às últimas consequências a

lógica do modelo escolar; quantas vezes foi repetida em Portugal a

célebre tese de John Dewey segundo a qual a escola devia assumir-se

como uma "mini-sociedade", como um "laboratório sociológico", como

7 Adolfo LIMA, Educação e Ensino - Educação integral, Lisboa, Guimarães & Ca. Editores, 1914, p.135.

Page 61: Educacao adultos

61

uma "estufa", reflectindo e reproduzindo em ponto pequeno todos os

aspectos da vida social?

De facto, a Educação Nova, pese embora a importante herança

pedagógica que nos legou, não pôs em causa os dois "pilares" do

modelo escolar: a existência de um tempo para aprender e de um tempo

para fazer; o encerramento das práticas educativas em espaços

próprios e específicos, em instituições especializadas.

Mas, ao aprofundar as contradições do paradigma escolar, a

Educação Nova constituiu o "canto do cisne" de uma certa forma

social de conceber a educação e abriu as portas a uma nova maneira

de entender a formação.

A EDUCAÇÃO PERMANENTE (ANOS SETENTA): RUPTURA COM O

MODELO ESCOLAR, MAS NÃO COM UMA LÓGICA ESCOLARIZADA

"Mais do que de instituições especializadas, a

educação permanente resultará do facto que os

indivíduos viverão constantemente em situações

educativas. A separação entre trabalhar e aprender

torna-se então impossível; continuamos a aprender

para fazer o que desejamos fazer e continuamos a

trabalhar de forma inovadora devido à descoberta

de um conjunto de novas possibilidades."

André Gorz (1977)

A expansão económica e a revolução tecnológica do pós-

Guerra vão provocar mudanças decisivas ao nível da educação

das crianças e da formação dos adultos. O modelo escolar,

adequado a sociedades relativamente estáveis, mostra-se

totalmente incapaz de dar resposta aos desafios educativos

dos anos cinquenta e sessenta. Face às rápidas mutações

tecnológicas e à desactualização constante dos

conhecimentos, de pouco servia fornecer aos indivíduos hoje

uma "sólida base de conhecimentos" cuja utilidade seria nula

amanhã.

Page 62: Educacao adultos

62

Doravante, o sucesso educativo passa pela capacidade de

formar indivíduos capazes de se reciclarem permanentemente,

aptos a adquirirem novas atitudes e capacidades, capazes de

responderem eficazmente aos apelos constantes de mudança.

Trata-se de uma exigência que não tem origem numa reflexão

pedagógica ou filosófica, mas antes numa inelutável evolução

sócio-económica. Assiste-se, então, a uma verdadeira

"explosão" da formação profissional (contínua) que invade

todos os domínios da vida social e económica.

Em sintonia com esta transformação, verifica-se a publicação

de uma série de trabalhos (importantes na medida em que revelam uma

alteração significativa na visão socialmente dominante de encarar o

adulto) que sustentam o "inacabamento do homem", entre os quais é

justo salientar o ensaio de Georges Lapassade (1963), intitulado "A

entrada na vida".

"O homem moderno aparece cada vez mais, em todos os planos da

sua existência, como um ser inacabado. O inacabamento da formação

tornou-se uma necessidade, num mundo marcado pela transformação

permanente das técnicas, o que implica uma educação igualmente

permanente" (8).

Na esteira destas reflexões, o conhecido Relatório Faure

(1972), que se pode considerar o Manifesto da Educação Permanente,

sustenta que a educação para formar um homem completo, cujo advento

se torna mais necessário à medida que coacções sempre mais duras

separam e atomizam cada ser, terá de ser global e permanente: já não

se trata de adquirir, de maneira exacta conhecimentos definitivos,

mas de se preparar para elaborar, ao longo de toda a vida, um saber

em constante evolução e ... de aprender a ser.

E o Relatório continua afirmando que a partir de agora a

educação não se define mais em relação a um conteúdo determinado que

se trata de assimilar, mas concebe-se, na verdade, como um processo

de ser que, através da diversidade das suas experiências, aprende a

exprimir-se, a comunicar, a interrogar o mundo e a tornar-se sempre

mais ele próprio. A ideia de que o homem é um ser inacabado e não

pode realizar-se senão à custa de uma aprendizagem constante tem

sólidos fundamentos, não só na economia e na filosofia, mas também

8 Georges LAPASSADE, A entrada na vida, Lisboa, Edições 70, 1975, p.16.

Page 63: Educacao adultos

63

na evidência trazida pela investigação psicológica. Sendo assim, a

educação tem lugar em todas as idades da vida e na multiplicidade

das situações e das circunstâncias da existência. Retoma a

verdadeira natureza, que é ser global e permanente, e ultrapassa os

limites das instituições, dos programas e dos métodos que lhe

impuseram ao longo dos séculos (9).

A Educação Permanente vem, portanto, pugnar por um

investimento educativo dos diferentes espaços sociais, pondo em

causa o encerramento da educação em instituições especializadas, e

defender uma visão do adulto como "um ser em mudança", retirando à

infância e à juventude o privilégio das preocupações educativas. O

modelo escolar era seriamente posto em causa... pelo menos no plano

dos princípios.

Em plena crise económica de meados da década de setenta, o

Manifesto de Cuernavaca proclamava, à boa maneira illichiana, uma

"sociedade sem escola" ou, melhor dizendo, a "descolarização da

sociedade", afirmando que:

"Qualquer pessoa, independentemente da sua idade, tem o

direito de decidir o que quer aprender, como, quando e onde.

Nenhuma instituição pode monopolizar o saber ou sancionar a

sua difusão. Aprender, viver e trabalhar têm que ser uma e

mesma coisa. Vivendo aprendemos. Aprender é uma função da

vida; o homem aprende constantemente ao longo da sua vida"

(10).

No entanto, como acusariam os homens de Cuernavaca, os seus

argumentos em favor de uma descolarização da sociedade foram

utilizados para justificar uma estratégia global da escolarização

permanente: "a institucionalização da formação contínua está em vias

de transformar a sociedade numa imensa sala de aula de dimensões

planetárias" (11). Mais recentemente, Jacky Bellerot veio "pôr a nu"

a sociedade pedagógica dos nossos dias (que se situa nos antípodas

da cidade educativa sonhada por vários utopistas ...), contestando a 9 Edgar FAURE (coord.) Aprender a Ser, Lisboa, Livraria Bertrand, 3ª edição, 1981

10 Manifesto de Cuernavaca, in H. DAUBER e E. VERNE, L'école à perpétuité, Paris, Seuil, 1977, p.26.

11 Ibidem, p. 54.

Page 64: Educacao adultos

64

generalização de um comportamento pedagógico ao conjunto das

práticas sociais: "Depois do sono, a pedagogia é a actividade mais

importante dos franceses; mais importante até do que a produção de

bens e de serviços." (12)

Será que estaremos hoje em dia, após os séculos da escola

(séc. XIX) e da criança (séc. XX), no limiar do século dos pedagogos

(séc. XXI)?

Na verdade, a grande força da Educação Permanente tem-se

revelado, simultaneamente, a sua grande fragilidade. Ao exigir

"menos escola", nem por isso a Educação Permanente deixou de

provocar "mais escolarização", pois ao intervir em todas as idades

da vida e em todos os espaço sociais ela estendeu-se a zonas da

sociedade ate ai imunes à acção pedagógica tradicional; e fê-lo,

veiculando frequentemente uma concepção escolarizante da formação. É

verdade que as perspectivas da Educação Permanente podem contribuir

para uma autonomização progressiva das pessoas e para o investimento

educativo dos espaços de vida e de trabalho. Mas, para que tal

desiderato seja atingido de forma criativa e estimulante é

necessário inverter uma certa lógica de raciocínio.

Tomemos como exemplo as instituições da Saúde. Devemos

formular as questões que nos permitirão definir uma estratégia de

formação adequada, do seguinte modo: Que potencialidades formadoras

se podem desencadear no seio de um espaço hospitalar? Ou, como é que

uma consulta se pode transformar num tempo de aprendizagem e de

formação? Ou ...

Trata-se, sempre, de inscrever a pedagogia numa prática

profissional que não é escolar e numa relação que não é pedagógica,

no sentido estrito do termo. A medicina e a enfermagem não são

pedagogia e os profissionais da saúde não são pedagogos: é esta

consciência que lhes permitirá não "derrapar" para um discurso

pedagogizante, que tenderia a acentuar os aspectos normativos e

normalizadores do modelo escolar e a desvalorizar os saberes e as

práticas das diversas pessoas e comunidades (13).

É importante que haja formação para a primeira e para a

terceira idade, para os pais e para os filhos, para se desinibir e

12 Jacky BEILLEROT, La Société pédagogique, Paris, P.U.F., 1982, pp. 24.37. 13 Cf. o número da revista Pratiques de formation (Analyses), intitulado "Imaginaire et éducation II". Universidade de Paris VIII, n° 9, Abril de 1985.

Page 65: Educacao adultos

65

para saber comunicar, para aprender a ouvir e a falar, para

controlar o corpo e para dominar a mente, para se preparar para

noivo e para ultrapassar o divórcio, para nascer e para morrer, etc.

Mas, no dia em que alguém não se sinta capaz de dançar por não ter

seguido o Curso A ou B ou em que alguém se sinta "mau" pai por não

ter seguido a Acção de Formação X ou Y, então estaremos a assistir a

uma desqualificação dos saberes e das capacidades de cada um,

obtendo um efeito contrário ao pretendido pela Educação Permanente.

De facto, com o advento das perspectives da Educação

Permanente produziu-se uma ruptura fundamental com o modelo escolar,

mas continuou-se a agir segundo uma lógica escolarizante, ainda que

não confinada a tempos próprios e a espaços específicos. A questão

central continuou a ser formar (Como? Quando? Onde?) e não formar-se

(O que é que é formador na vida de cada um?); continuou a reflectir-

se (e a trabalhar-se) fundamentalmente em torno da uma formação

institucionalizada.

Inventaram-se, então, as mais sofisticadas técnicas de

formação, conceberam-se instrumentos de formação tecnologicamente

muito avançados, elaboraram-se estratégias de formação inovadoras

que procuram integrar as teses da Educação Permanente, construíram-

se locais e centros de formação modelares, desenvolveram-se novas

estratégias pedagógicas preocupadas com uma definição rigorosa dos

objectivos educacionais e com uma avaliação adequada dos resultados

da formação etc. Tudo isto deu um contributo decisivo ao domínio da

formação de adultos, conseguindo a realização de avanços importantes

no decurso da última década. Mas, faltou uma interrogação

epistemológica sobre o processo de formação. É esta preocupação que

tem estado presente nos trabalhos inovadores de vários autores que

nos últimos anos, têm procurado construir uma nova epistemologia da

formação. Dentre estes trabalhos é justo destacar os que se tem

dedicado à utilização das histórias de vida ou do método

(auto)biográfico no domínio da formação de adultos.

Page 66: Educacao adultos

66

AS HISTÓRIAS DE VIDA E A PROCURA DE

UMA NOVA EPISTEMOLOGIA DA FORMAÇÃO

"Formar-se não é instruir-se; é antes de mais,

reflectir, pensar numa experiência vivida (...)

Formar-se é aprender a construir uma distância face

à sua própria experiência de vida, é aprender a

contá-la através de palavras, é ser capaz de a

conceptualizar.

Formar é aprender a destrinçar, dentro de nós, o

que diz respeito ao imaginário e o que diz respeito

ao real, o que é da ordem do vivido e o que é da

ordem do concebido (ou a conceber), o que é do

domínio do pretendido, isto é do projecto, etc."

Remy Hess (1985)

A interrogação epistemológica que atravessa hoje em dia

alguns círculos da formação de adultos tem origem numa

crítica a uma "visão desenvolvimentista" da educação e na

procura de uma concepção da formação que permite ao indivíduo

"pensar-se na acção". Como diz Matthias Finger, o "modelo do

desenvolvimento", no qual se baseiam a ciência e a educação

modernas, não só impede a compreensão do processo de formação

dos adultos, como oculta a questão fulcral de toda a formação, isto

é a questão do sentido (14).

A dificuldade de elaborar uma teoria da formação dos adultos

reside, em grande parte, na incapacidade de entender a formação sem

o recurso aos conceitos de "progresso" e de "desenvolvimento". Ora,

é evidente que o adulto tem que construir a sua própria formação com

base num balanço de vida (perspectiva retrospectiva) e não apenas

numa óptica de desenvolvimento futuro. Deste modo, o conceito de

reflexividade crítica deve assumir um papel de primeiro plano no

domínio da formação de adultos.

14 Matthias FINGER, L’horizon bouché de la civilisation industrialisée avancée: Repenser l'épistémologie de la recherche et de la formation à partir des adultes. Genève, documento policopiado, 1986.

Page 67: Educacao adultos

67

Simultaneamente, o adulto está implicado numa acção presente,

o que obriga a ter em conta um outro vector dominante da formação de

adultos a consciência contextualizada.

É muito interessante a forma como Alain Bercovitz interpreta

estes dois conceitos, sem se lhes referir explicitamente:

"A nossa formação realiza-se no momento em que, agindo,

imaginamos o modo de descrever o que estamos a fazer, ela

realiza-se, também, no momento em que, comunicando aos outros

o que vivemos e o que fizemos, de repente sentimo-nos capazes

de compreender o sentido (um dos sentidos possíveis, ao qual

teremos de regressar), construíndo um saber. A alternância é

um meio da simultaneidade.

[...] A tomada de consciência opera-se através do assumir

da palavra. O saber gera-se na partilha do discurso!

[...] Numa outra forma deparamo-nos com a necessidade de

reconstruir o saber em função de cada prática concreta (de

cada processo individual de aprendizagem). As aquisições só

adquirem sentido a posteriori" (15).

As histórias de vida e o método (auto)biográfico

integram-se no movimento actual que procura repensar as

questões da formação, acentuando a ideia que "ninguém forma

ninguém" e que "a formação é inevitavelmente um trabalho de

reflexão sobre os percursos de vida".

Com o título sugestivo de Vidas das histórias de vida publicou

Gaston Pineau, em 1980, um livro que marca o início da utilização

sistemática do método (auto)biográfico no âmbito da formação de

adultos. Desde essa data até hoje, a reflexão em torno das histórias

de vida tem-se enriquecido consideravelmente, dando origem a uma

série de estimulantes experiências em vários países da Europa e da

América do Norte.

Percorrendo diversos autores, Gaston Pineau, refere as formas

literárias, as abordagens psicológicas e as utilizações sociológicas

15 Alain BERCOVITZ, "Le savoir est dans le discours partagé", Education Permanente (Paris), N° 49-50, 1981, pp. 97-99.

Page 68: Educacao adultos

68

e antropológicas das histórias de vida concluindo que o impacto

social das autobiografias está intimamente ligado ao seu paradoxo

epistemológico fundamental: a união do mais pessoal com o mais

universal (16). Situando-se numa óptica sociológica, Gaston Pineau

considera as histórias de vida como um método de investigação-acção,

que procura estimular a auto-formação, na medida em que o esforço

pessoal de explicitação de uma dada trajectória de vida obriga a uma

grande implicação e contribui para uma tomada de consciência

individual e colectiva. A biografia é, simultaneamente, um meio de

investigação e um instrumento pedagógico: é esta dupla função que

justifica a sua utilização no domínio das ciências da educação e da

formação.

Deste modo, a situação experimental necessária à investigação

coincide com a acção de formação devendo sujeitar-se ao seu quadro

institucional: "Vício supremo de um método que, segundo os critérios

científicos habituais, deve ser independente do seu objecto ou

abordagem inovadora que articula acção e reflexão com base em novas

relações entre os actores e os investigadores?" (17), Esta pergunta

de Gaston Pineau encerra uma das questões centrais das histórias de

vida e da sua utilização no âmbito da formação de adultos, na medida

em que concede ao formando o duplo estatuto de actor e investigador,

criando as condições para que a formação se faça na produção do

saber e não, como até agora, no seu consumo.

A abordagem biográfica reforça o princípio segundo o qual é

sempre a própria pessoa que se forma e forma-se na medida em que

elabora uma compreensão sobre o seu percurso de vida: a implicação

do sujeito no seu próprio processo de formação torna-se assim

inevitável. Deste modo, a abordagem biográfica deve ser entendida

como uma tentativa de encontrar uma estratégia que permita ao

indivíduo-sujeito tomar-se actor do seu processo de formação,

através da apropriação retrospectiva do seu percurso de vida.

Mas, a abordagem biográfica não deve ser entendida unicamente

nesta dimensão, pois ela procura desencadear uma reflexão teórica

sobre o processo de formação dos adultos, dando aos formandos o

16 Gaston PINEAU, Vies des histoires de vie, Montreal, Universidade de Montréal, 1980, p.50. 17 Gaston PINEAU, Vies des histoires de vie, Montréal, Universidade de Montréal, 1980, p. 50.

Page 69: Educacao adultos

69

estatuto de investigadores. É por isso que nos parece pertinente

falar de uma nova epistemologia da formação, formação que não pode

deixar de ser entendida como um verdadeiro processo de produção-

inovação.

in "As Histórias de Vida no Projecto Prosalus",

António Nóvoa

Page 70: Educacao adultos

70

A ABORDAGEM BIOGRÁFICA ENQUANTO OPÇÃO METODOLÓGICA

PIERRE DOMINICÉ

A maioria dos autores que hoje utilizam a abordagem

biográfica, sentem a necessidade de se justificar relativamente aos

modelos empírico-analíticos, que dominam a investigação em ciências

sociais. Quase todos sociólogos, manifestam frequentemente uma

vontade de ruptura face aos métodos que anteriormente seguiram e têm

consciência de estarem a abrir novas vias metodológicas (D. Bertau,

1980). Virando as costas a preocupações quantitativas, esforçam-se

por defender a contribuição qualitativa, e alguns retomam por sua

conta a posição de Sartre do "universal singular", "Se todo o

indivíduo é a reapropriação singular do universal social e histórico

que o rodeia, podemos conhecer o social a partir da especificidade

irredutível de uma praxis individual" (F. Ferrarotti, 1979). Esta

opção metodológica leva a um debate epistemológico sobre o papel da

subjectividade na elaboração do conhecimento. "O balanço da história

de vida faz-se ao nível de um estudo aprofundado da realidade

epistemológica das vivências" (L. Morin, 1973). De resto, a

abordagem biográfica implica uma relação nova do investigador com o

seu objecto de investigação. Com efeito, ele não pode satisfazer-se

com a neutralidade e o distanciamento, se quer ter garantias de uma

"Interacção profunda e durável" (M. Catani, 1978).

Estes problemas metodológicos ultrapassam largamente o simples

uso da abordagem biográfica. No entanto, esta constitui um balanço

interessante, pois dispõe de toda uma tradição ligada aos trabalhos

da Escola de Chicago, assim como à sociologia militante que marcou a

Polónia da Segunda Guerra Mundial (D. Bertaux, 1976). Além disso,

conheceu usos diferentes como instrumento de investigação. Quer se

trate da antropologia com O. Lewis e o estudo dos grupos primários

como a família, dos trabalhos da psico-história ou da psicobiografia

resultando como no caso de E. Erikson, num exame dos ciclos de vida,

o interesse da abordagem biográfica reside no facto de, para além de

trabalhos sociológicos contemporâneos, ela provir de toda

Page 71: Educacao adultos

71

uma herança intelectual pluridisciplinar, que lhe dá simultaneamente

uma legitimidade e uma fonte multiforme de inspiração.

Contrariamente às aparências, a biografia não pertence apenas ao

domínio da psicologia. Não se encontra encerrada na esfera privada

da vida individual. Embora a corrente psicanalítica tenha fornecido

uma contribuição decisiva ao campo biográfico é justo relembrarmos

com M. de Certeau (1981) que "a novidade do freudismo consiste no

uso que fez da biografia, para destruir o individualismo postulado

pela psicologia moderna e contemporânea".

Para se introduzir a abordagem biográfica no domínio das

ciências da educação era primeiro necessário, como o fez G. Pineau

(1980), um estudo aprofundado da sua utilização nas diferentes

ciências humanas. Depois deste exame crítico, teria sido sedutor que

ele fixasse o percurso biográfico mais adequado ao domínio da acção

educativa. Não o fez devido à especificidade do seu objecto de

investigação, a saber, na perspectiva da Educação Permanente, a

autoformação, "entendida como processo de apropriação de cada um do

seu próprio poder de formação." Reconhecendo, com G. Pineau, que era

importante construir uma abordagem biográfica que respeitasse o

contexto próprio da Educação dos Adultos, aventurámo-nos, em

estreita colaboração com ele, numa orientação metodológica à qual

demos o nome de biografia educativa. Tendo sempre consciência de

participar numa corrente de pensamento centrada na abordagem

biográfica, procurámos pôr de pé um estudo original que, com M.

Fallet (1981), distinguimos da autobiografia, da história de vida,

da história de vida social (M. Catani, 1976) e da narrativa da

prática (D. Bertaux, 1976).

Page 72: Educacao adultos

72

A BIOGRAFIA EDUCATIVA E A COMPREENSÃO

DOS PROCESSOS DE FORMAÇÃO

Privilegiando a função de regulação da avaliação, mostrámos,

em trabalhos anteriores (P. Dominicé, 1980), que a avaliação podia

tornar-se formadora tomando por objecto o processo de formação. Esta

orientação da avaliação implica uma deslocação do seu objecto

tradicional. Já não se trata de medir, com a ajuda de um arsenal

tecnológico, a produção de um estudante, a realização dos objectivos

de um programa ou a qualidade dos efeitos de uma inovação. A

avaliação debruça-se sobre o sujeito em formação. Propõe-se elucidar

as repercussões dos diferentes componentes de uma situação educativa

sobre o processo de formação daqueles que nele participam. A acção

educativa intervém como um suporte de autoformação e as regulações

que se arrisca a provocar para se tornar realmente formadora, devem

resultar em auto-regulações.

Esta concepção da avaliação ultrapassando os limites de uma

situação educativa propriamente dita, obrigou-nos a interrogar-nos

sobre o contexto da vida pessoal, profissional e social dos

participantes, assim como sobre a sua trajectória intelectual. Esta

dupla dimensão, simultaneamente contextual e histórica, do sujeito

em formação na nossa problemática de avaliação, está na origem da

nossa abordagem biográfica. Poderíamos mesmo considerar a biografia

educativa como um instrumento de avaliação formadora, na medida em

que permite ao adulto tomar consciência das contribuições fornecidas

por um ensino e, sobretudo, das regulações e auto-regulações que

dele resultam para o seu processo de formação.

De inspiração genética e sistémica, o nosso uso de conceito de

regulação, conduziu-nos igualmente a considerar o processo de

formação como uma das modalidades de funcionamento de uma totalidade

mais vasta, que seria o sistema do sujeito. Estas categorias

abstractas nunca são identificáveis, enquanto tal, mas fornecem um

quadro de referência no interior do qual os fenómenos menos

referenciados adquirem um sentido. Através dos dados de observação

ou de um material biográfico, a compreensão do processo de formação

não pode deixar de permanecer parcial. A contribuição empírica

limita-se a sugerir hipóteses que abrem caminho a um melhor

Page 73: Educacao adultos

73

entendimento dos elementos que intervém na construção e no

funcionamento deste processo de formação. Na medida em que o

definimos como um conjunto global de interacções sociais e

simbólicas constitutivas da personalidade do adulto e da sua

identidade, podemos reconhecer que enquanto processo geral, o

processo de formação está marcado por uma série de processos mais

específicos que as biografias educativas nos permitirão enumerar.

Com efeito, o nosso trabalho de exploração e de elaboração

biográfica em grupo conduziu-nos à identificação de alguns destes

mini-processos, como o da escolha profissional, ou a determinação de

registos de funcionamento reveladores de um processo específico

pertencente ao processo de formatação. O processo de autonomização

face à família de origem constitui um exemplo particulamente

significativo de um processo específico.

A biografia educativa, tal como é encarada por G. Pineau,

inscreve-se no objectivo de autoformação defendido pelo movimento de

Educação Permanente. Portanto, ao mesmo tempo que serve de revelador

do grau de apropriação do processo de formação, contribui para

reforçar as possibilidades de apreensão deste processo. Então, a

abordagem biográfica tem a sua origem num processo educativo, não

constituindo apenas uma orientação metodológica. Tanto para G.

Pineau como para nós, a biografia é um instrumento de investigação

e, ao mesmo tempo, um instrumento pedagógico. Esta dupla função de

abordagem biográfica caracteriza a sua utilização em ciências da

educação. A situação experimental necessária à investigação coincide

com a acção educativa e deve submeter-se ao seu quadro

institucional. "Defeito supremo de um método que, segundo os

critérios científicos normais, deve ser independente do seu objecto,

ou nova abordagem que rearticule acção e reflexão, segundo relações

novas entre investigadores e actores?”. Esta questão posta por G.

Pineau (1980) ressoa como um desafio. Sublinha uma das apostas

metodológicas da utilização da biografia no campo da educação,

particularmente da educação dos adultos. Todavia, é importante não

encerrarmos a abordagem biográfica num debate puramente

metodológico. Contrariamente ao que alguns esperam, a biografia

educativa não constitui um instrumento de investigação generalizável

Page 74: Educacao adultos

74

a uma pluralidade de situações. O seu uso depende de um objecto de

investigação e de um contexto educativo favorável.

O PERCURSO BIOGRÁFICO INSCREVE-SE NUM

CONTEXTO DE FORMAÇÃO CONTÍNUA

O quadro universitário no qual trabalhamos pareceu-nos

particularmente bem a elaboração de biografias educativas. Os

estudantes que seguem as nossas cadeiras na subdivisão "Educação de

Adultos" da Secção das Ciências da Educação da Faculdade de

Psicologia e das Ciências da Educação da Universidade de Genebra

são, na maioria, adultos com idades compreendidas entre os trinta e

os quarenta anos. Em geral, seguiram uma formação de base e actuam

como profissionais no campo do ensino superior, da saúde, do

trabalho social ou da formação contínua dos adultos. Vários de entre

eles entraram na Universidade aproveitando-se da regra de admissão

respeitante aos não-portadores do diploma final do ensino

secundário. Isto significa que as lacunas do seu percurso escolar

foram compensadas por tempos de formação contínua ou por uma larga

experiência como formadores. Além disso, possuem uma experiência

social rica, devido aos diversos compromissos assumidos, e abordam

os seus estudos em função de um projecto de formação ou de uma

orientação profissional sobre a qual reflectiram bastante.

De resto, o curso durante o qual utilizamos a abordagem

biográfica, situa-se ao nível do segundo ciclo universitário. Tem

como precedência uma cadeira de introdução à Educação dos Adultos,

no decurso da qual é largamente abordada a problemática da Educação

Permanente e o objectivo de autoformação que acompanha a totalidade

do desenvolvimento da vida. Portanto, a temática dos professos não

lhes é estranha. Para mais, conhecem o professor, as suas

preocupações teóricas e a sua maneira de trabalhar.

No decorrer destes últimos anos, o curso-seminário consagrado

ao trabalho biográfico intitulado "Da Adolescência à Vida Adulta:

História de Vida e Formação", reuniu entre dez e vinte

Page 75: Educacao adultos

75

participantes. Trata-se portanto de um grupo no seio do qual pode

estabelecer-se um clima de confiança e estão criadas as condições

para um diálogo. O desenrolar das sessões no conjunto do ano

académico assegura uma reflexão de longa duração, enriquecida por

períodos em grupos restritos, que frequentemente ultrapassam as duas

horas oficiais. A avaliação académica, no final do ano, que poderia

aparecer como um aspecto perigoso, facilitou sobretudo a

continuidade da participação.

Claro que este contexto de formação contínua não é o único no

qual podem construir-se biografias educativas. No entanto, parece-

nos particularmente adequado, pelas razões que acabámos de apontar.

Propomo-nos, nos anos vindouros, retomar este estudo noutros

contextos de formação contínua, mas sabendo que estas primeiras

experiências universitárias nos facilitarão enormemente a tarefa.

Teremos então de redefinir um instrumento que tenha em conta outras

condições temporais e respeite a especificidade de novas populações.

A ELABORAÇÃO DE BIOGRAFIAS EDUCATIVAS EM GRUPO

O local de investigação que escolhemos impunha um trabalho de

grupo. Não se tratava de um grupo primário, mas de um grupo

construído segundo a organização dos estudos universitários, no seio

da qual trabalhamos. A composição do grupo escapava à nossa vontade.

Ou seja, não se trata aqui de um grupo experimental constituído

segundo normas de amostragem, mas de um grupo reunido segundo uma

escolha de participação individual que respondia às directivas de um

plano de estudos.

Por várias vezes fomos obrigados a fraccionar o grupo de origem em

pequenos grupos de três a cinco elementos no primeiro ano devido a

dificuldades de comunicação no interior do grupo, e depois dado o

número elevado de participantes (vinte e um).

O método de trabalho usado era o seguinte: depois de um

primeiro tempo de reflexão teórica sobre o objecto de investigação,

definição da noção de adolescência e de idade adulta e apresentação

das hipóteses de trabalho sobre os processos, o grupo entrava numa

discussão metodológica destinada a sensibilizá-lo para as questões

Page 76: Educacao adultos

76

postas pela transformação de uma situação de ensino num contexto de

investigação. Então, depois de uma informação sobre o estado actual

de exploração da abordagem biográfica em ciências humanas e em

ciências da educação, com a ajuda de textos de apoio, o grupo ou os

pequenos grupos de trabalho lançavam-se numa partilha oral da sua

narrativa de vida educativa. Esta apoiava-se num plano previamente

discutido, ou em eixos de elaboração mais ou menos estruturados

segundo a compreensão que os participantes tinham do estudo, ou

segundo a sua maneira de proceder. Esta fórmula flexível pode

parecer estranha. O plano ou o eixo proposto forneciam na realidade

uma base de partida, mas em caso algum deviam limitar a construção

biográfica desejada pelos participantes. Esta primeira fase de

elaboração oral era submetida à discussão e o grupo (ou o grupo

restrito) estava encarregado de reactivar a memória daquele que se

exprimia, levando-o a interrogar-se sobre sectores da sua existência

ou momentos do seu percurso educativo que não havia mencionado ou

que não tinha aprofundado suficientemente. O conjunto desta fase

oral era gravado para permitir ao estudante retomar tanto a

apresentação como a discussão que ela provocara, transformando-as

numa narrativa de vida educativa, posteriormente considerada como

material biográfico a analisar.

Uma vez todas as biografias redigidas pelo mesmo processo, o

grupo ou os pequenos grupos procediam a sua análise segundo uma

grelha proposta pelo professor e discutida pelos participantes em

vista à sua aplicação. Por fim, uma ou duas sessões finais eram

dedicadas ao balanço formador do caminho percorrido. Mas temos de

reconhecer que as fases de elaboração reduziram o tempo disponível

para a análise do material recolhido.

Quanto ao balanço formador, é impressionante constatarmos até

que ponto os participantes foram mobilizados por esta abordagem que

lhes permitiu levar a cabo uma reflexão crítica sobre o seu percurso

de vida e a sua educação, compreenderem melhor as razões da sua

escolha de uma formação universitária enquanto adultos e tomarem

consciência do seu modo de funcionamento e de expressão intelectual,

independentemente das normas de produção exigidas pela Universidade.

Page 77: Educacao adultos

77

DUAS EXIGÊNCIAS CONTRADITÓRIAS:

A IMPLICAÇÃO E O DISTANCIAMENTO DO INVESTIGADOR

As dificuldades encontradas na análise do conteúdo do material

biográfico levaram-nos a reconhecer que o grupo, mesmo empenhado na

investigação, não podia substituir totalmente o investigador. Num

tal estudo, o professor esforça-se por reduzir a distância entre o

seu estatuto de investigador e o de participante, inspirados por

alguns dos princípios da investigação-acção, sobretudo pelo da

participação dos interlocutores no desenrolar da investigação,

quisemos que os membros destes grupos se tornassem companheiros de

investigação. Assim, submetemos à discussão o nosso quadro de

referência teórica e as nossas opções metodológicas de maneira a que

cada um pudesse não só apropriar-se delas, como intervir na

formulação das hipóteses e na concepção da abordagem biográfica. Na

realidade, avançamos em cada ano, vários degraus na compreensão do

objecto e do método de investigação. A nossa relação com a

investigação era diferente e os participantes que foram mais longe

na sua própria concepção do estudo biográfico mostraram tendência a

abrir perspectivas que já não eram aquelas sobre as quais nos

debruçávamos. Portanto, tivemos de admitir o princípio de uma certa

distância entre investigador e participante, a mesma que num

primeiro tempo esperávamos abolir, Claro que cada um permaneceu o

autor da sua história de vida educativa, com a liberdade de a

construir segundo a originalidade que entendesse dar-lhe. Mas o

conjunto do material relacionado com o objecto real da investigação

ficava propriedade de quem era o seu garante, neste caso, o

professor.

Estas reservas quanto à partilha do estatuto de investigador

na nossa abordagem biográfica não retiram nada ás exigências de

implicação que ela requer. Mesmo sem ser obrigado ao confronto que

representa a dinâmica de uma relação interpessoal, o professor-

investigador é submetido, no grupo ou aquando das suas trocas com os

grupos restritos, a uma profundidade de interacção que o torna

responsável pelo que ouve ou lê. Qualquer que seja a sua relação com

quem lhe confia o conteúdo da sua biografia educativa, aceita entrar

Page 78: Educacao adultos

78

em relação, deixar-se interrogar pelo que ouve, ser interpelado no

seu estatuto pelo discurso do qual foi testemunha. Confrontada com a

dos outros, a sua própria biografia é posta em questão e interpelada

a sua função de professor.

Page 79: Educacao adultos

79

OS ADULTOS E O PROCESSO DE ENSINO -

- APRENDIZAGEM DAS LÍNGUAS ESTRANGEIRAS:

CRITÉRIOS PARA UMA IMPLEMENTAÇÃO ACTUALIZADA

José Orlando Strecht Ribeiro

INTRODUÇÃO

A educação não pode ser considerada um privilégio ou um

direito. Ela constitui, acima de tudo, uma necessidade para todos,

mais jovens ou menos jovens, que tem que enfrentar a mudança, a um

ritmo cada vez mais acelerado, na família, no emprego, na

comunidade. Como educadores deveremos utilizar todos os

conhecimentos disponíveis para, neste caso, facilitar a aprendizagem

por parte dos adultos, de forma a tornar possível que prossigam

sozinhos, agentes críticos e activos da sua pr6pria educação.

Que tem feito o sistema escolar para acomodar todos os adultos

que dele necessitam? Apenas algumas concessões (muito poucas) que

raramente vão de encontro às características, necessidades e

interesses específicos dos alunos adultos. Não é suficiente deixar

(ou obrigar) os adultos frequentar a escola se, uma vez aí, vão ser

submetidos a um curriculum, a uma metodologia e a materiais

inicialmente concebidos para um público totalmente diverso, sempre

muito mais jovem. A actuação dos professores não se pauta por

parâmetros substancial e qualitativamente diferentes numa turma de

alunos mais jovens ou de adultos, ainda que todos estejam

conscientes da existência de profundas diferenças entre os dois

tipos de público. Nos casos em que a opção é possível, a maior parte

dos professores prefere não leccionar turmas de adultos, incluindo-

se neste caso os professores efectivos e profissionalizados. Razões

para isto encontram-se na forma como os programas escolares estão

estruturados, nas condições de trabalho dos docentes e, acima de

tudo, na falta de informação sobre o que é ensinar a adultos, o que

contribui definitivamente para os professores não quererem arriscar

ou para não quererem repetir depois de terem experimentado

Page 80: Educacao adultos

80

(sentimento de frustração). A taxa de insucesso escolar verificada

na aprendizagem das línguas estrangeiras tira as dúvidas a quem as

tenha: ronda sempre os 50%, independentemente do ano ou grau de

ensino. Estes dados são tanto mais surpreendentes quanto toda a

investigação mais recente aponta no sentido de considerar o adulto

pelo menos com tanta (ou até mais) capacidade para essa tarefa

específica como o aluno mais jovem.

As grandes diferenças entre crianças, jovens e adultos têm que

ser traduzidas por objectivos, curricula, metodologias e materiais

também muito diversos. Uma observação atenta mostra como nem a

organização curricular nem os conteúdos programáticos tradicionais,

ou mesmo as metodologias que lhes são inerentes, se adequam a um

público adulto e também não favorecem uma atitude positiva por parte

do professor em relação ao adulto como aluno. A experiência diversa,

a diferença de idade, as diferenças no tipo de inteligência, no

estilo de aprendizagem, nas expectativas, nas necessidades e

motivações apelam para a necessidade de um curriculum e de programas

com grande flexibilidade (diríamos ser esta a palavra chave quando

se trabalha com adultos) que permitam mudança e de um professor

capaz de operar essa mudança e de a adaptar aos diferentes públicos

(o que é um skill sofisticado).

1. O ALUNO ADULTO : CARACTERÍSTICAS GERAIS

Não existe uma teoria de aprendizagem de adultos, e parece

difícil vir a existir apenas uma. Todavia, existem muitas

contribuições que nos são úteis para tentarmos aumentar o nosso

conhecimento sobre como os adultos aprendem.

Fundamental parece ser a explicação que parte do pressuposto

de que a aprendizagem do adulto (andragogia) difere na sua essência

da criança/pedagogia). Knowles (1978) define andragogia como "a arte

e ciência de ajudar os adultos a aprender".

Page 81: Educacao adultos

81

Como alunos, os adultos revelam-se capazes de orientar a sua

própria aprendizagem e cabe ao professor a responsabilidade de os

guiar, fornecendo-lhes um conjunto de possibilidades realistas. Por

vezes, a experiência do adulto pode constituir impedimento, se o

tornou rígido, fechado a novas experiências, valores e atitudes. A

maximização do desenvolvimento intelectual tem necessariamente que

ter em consideração a maturidade física e neurológica do aluno, as

suas experiências, o contexto social e a sua capacidade de tomar

decisões. Diz Grabowski: "Aquilo que os indivíduos estão aptos para

aprender é o que eles identificaram como suas próprias carências

educativas". A taxa elevada de absentismo e de insucesso e o grande

número de desistências entre os alunos adultos poderão sem dúvida

reflectir a falta de congruência entre a sua vida e os motivos que

os levam à escola e os curricula essencialmente académicos a que são

expostos. O adulto tem um grande interesse em aprender para uso

imediato e não lhe interessa guardar para vir a usar, ou arranjar

respostas para perguntas a que não tem necessidade de responder.

Torna-se, pois, necessário dar mais ênfase ao prático do que ao

académico, ao aplicado do que ao teórico.

Este último aspecto articula-se directamente com a existência

de dois tipos de inteligência: a inteligência fluída, que declina

com a idade, e a inteligência cristalizada, que aumenta com a idade.

Estes dois padrões são complementares em termos da adaptação do ser

humano: todas as tarefas que apelam para a inteligência cristalizada

resultam melhor com os adultos. Como se sabe, porém, a maior parte

do que tradicionalmente se aprende na escola põe ênfase na

aquisição, mais do que na aplicação ou responsabilidade,

capitalizando nas formas dos mais jovens e nas fraquezas dos mais

velhos, para quem os conteúdos e os métodos da escola tradicional

são prejudiciais.

Page 82: Educacao adultos

82

COMPARAÇÃO DE PRESSUPOSTOS E CONCEPCÕES DA PEDAGOGIA E ANDRAGOGIA

Pressupostos

Pedagogia Andragogia

Auto-estima

Experiência

Maturação

Perspectiva

temporal

Orientação para

a aprendizagem

Dependência

De pouca importância

Desenvolvimento biológico;

Pressão social

Aplicação adiada

Centrada no assunto

Auto-orientação

Base de integração

para o material novo

Actividades desenvolvimentais

Relacionada com papéis sociais

Aplicação imediata

Centrada em problemas

Concepções

Pedagogia Andragogia

Clima

Planificação

Diagnóstico de

necessidades

Formulação de

objectivos

Organização do

processo de ensino

Actividades

Avaliação

Orientado por uma autoridade

formal competitivo

Pelo professor

Pelo Professor

Pelo professor

Lógica do assunto:

Unidades de conteúdo

Técnicas de transmissão

Pelo professor

Mutualidade, respeitoso,

colaborante, informal

Mútua

Mútua

Negociação

Sequenciado em termos da

preparação do aluno;

Unidades de problemas

Técnicas de experimentação

Rediagnóstico mútuo de

Necessidades; Mediação mútua do

programa

Page 83: Educacao adultos

83

Também a memória, como função cognitiva, assume

características especiais no adulto, tendo vindo a ser muito

estudada nas suas relações com a idade, especialmente os conceitos

de memória a curto prazo e a longo prazo (também memória transitória

e memória definitiva). A investigação neste domínio mostra-nos que

os adultos não se utilizam tanto de mediadores, mnemónicas ou outras

estratégias para auxiliar a sua memória. São notavelmente mais

fracos a recordar séries, aumentando as suas dificuldades quanto

maior for o número de itens a recordar e a abrangência dos conceitos

envolvidos. A memória do aluno adulto melhora sensivelmente quando

se relaciona a informação nova com material aprendido anteriormente

e ganha mais problemas no caso de aprendizagem sem significado ou de

informação nova que requeira avaliação da informação processada

anteriormente.

Outro factor que é essencial abordar aqui está intimamente

ligado ao sucesso ou insucesso do adulto como aluno: o conceito de

auto-confiança e de auto-estima. Uma baixa auto-confiança conduz a

uma baixa expectativa de sucesso, o que leva por sua vez o aluno a

evitar o risco. Ao aceitar-se o risco há sempre a possibilidade de

falhar e, como afirma L. Beebe (1983), "numa aula de língua

estrangeira corre-se um risco cada vez que se abre a boca". O

professor, que frequentemente é identificado por alunos com baixo

grau de auto-estima como um símbolo de áreas e situações em que não

tem qualquer oportunidade, pode obstar a um impacto com

consequências tão negativas se procurar:

criar mais oportunidades com baixo risco;

proporcionar actividades de auto-aprendizagem, em que o risco

é mínimo e o aluno controla a situação;

retirar o aspecto competitivo às actividades, não expondo

esses alunos demasiado;

levar os alunos com mais alto grau de auto-estima a utilizar

estratégias de maior risco;

definir claramente as tarefas a realizar;

dar ‘feed-back’ adequado e instruções para se melhorar.

Page 84: Educacao adultos

84

O objectivo será demonstrar a esses mesmos alunos

(personalidades ameaçadas pelo insucesso) que, através do seu

próprio esforço, conseguem. O quadro seguinte mostra-nos como a

auto-estima e a motivação se articulam profundamente.

Entendemos como motivo qualquer condição dentro do indivíduo

que afecte a sua disponibilidade para iniciar ou continuar uma

qualquer actividade ou sequência de actividades. Desta forma, se o

aluno atribui o sucesso da sua aprendizagem à sua própria capacidade

e esforço sentirá orgulho e recompensa com a sua 'performance',

estando à partida motivado para continuar. Mesmo em casos de

insucesso, se o indivíduo atribui a sua falha a uma falta de esforço

ainda persiste uma esperança de que haja mudança em 'performances'

futuras.

Page 85: Educacao adultos

85

REACÇÕES DO TIPO AFECTIVO E COGNITIVO EM SITUAÇÕES DE

SUCESSO E INSUCESSO

Causa Interna Estável

Causa Interna Instável

Causa Externa Estável

Causa Externa Instável

SUCESSO

COMPETÊNCIA Orgulho aumenta

reacção

afectiva

Expectativa de performance similar no futuro

reacção

cognitiva

ESFORÇO

reacção

afectiva

Orgulho aumenta

reacção

cognitiva

Expectativa de mudança possível em performance futura

COMPLEXIDADE DA TAREFA

reacção

afectiva

Orgulho diminui

reacção

cognitiva

Expectativa de performance similar no futuro

SORTE

reacção

afectiva

Orgulho diminui

reacção

cognitiva

Expectativa de mudança possível em performance futura

Page 86: Educacao adultos

86

REACÇÕES DO TIPO AFECTIVO E COGNITIVO EM SITUAÇÕES DE

SUCESSO E INSUCESSO (Continuação)

Causa Interna Estável

Causa Interna Instável Causa Externa Estável

Causa Externa Instável

INSUCESSO

COMPETÊNCIA vergonha aumenta

reacção

afectiva

Expectativa de performance similar no futuro

reacção

cognitiva

ESFORÇO

reacção

afectiva

vergonha aumenta

reacção

cognitiva

Expectativa de mudança possível em performance futura

COMPLEXIDADE DA TAREFA

reacção

afectiva

vergonha diminui

reacção

cognitiva

Expectativa de performance similar no futuro

SORTE

reacção

afectiva

vergonha diminui

reacção

cognitiva

Expectativa de mudança possível em performance futura

Page 87: Educacao adultos

87

2. O ALUNO ADULTO: LISTAGEM SUMÁRIA DE DIFERENÇAS

E SEMELHANÇAS COM OS MAIS JOVENS

Esta listagem de características, ainda que resumida e

abreviada, pretende trazer alguma luz sobre a formulação dos

critérios que a seguir serão enunciados, critérios esses que, de uma

forma necessariamente sintética e agrupada, articulam todos os

factores considerados relevantes para a implementação actualizada e

adequada do processo de ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras

a adultos.

Vejamos então quais as principais diferenças e semelhanças a

considerar:

- Devido à acumulação de experiência diversificada, o grau de

diferenças individuais é maior numa turma de adultos do que

numa turma de crianças;

- Em contraste com a criança e o adolescente, o adulto revela

em todos os seus papéis sociais uma característica que o

define: a independência;

- O adulto é aquele que melhor é capaz de julgar do valor e

relevância de uma actividade para a sua vida: no processo de

ensino/aprendizagem o professor deve ser um cooperador que

partilha a sua competência com o aluno, mas que respeita e

valoriza a experiência deste último;

- Uma situação de aprendizagem altamente estruturada sem o seu

contributo pode acarretar sentimentos de insegurança, medo e

incapacidade, daí a necessidade de o adulto colaborar na

planificação e na orientação do programa; a aula deve ser

centrada no aluno e nas suas necessidades, pelo que o

trabalho de grupo surge como altamente recomendável;

- A investigação demonstra que os alunos adultos, ao contrário

do sentimento comum generalizado, progridem mais rapidamente

nos primeiros níveis de desenvolvimento sintáctico e

morfológico e que, se se mantiverem as condições de

aprendizagem, são superiores à criança em todos os aspectos

menos na pronúncia;

Page 88: Educacao adultos

88

- Porque está num estádio de desenvolvimento mais avançado, o

adulto não deixa de aprender por processos menos

conscientes, que envolvam os seus sentidos. As operações

formais relacionam-se com a aprendizagem consciente da

língua que, segundo Krashen, tem afinal um pequeno papel

para se atingir a fluência nessa mesma língua;

- A codificação dupla de material a ser aprendido facilita a

tarefa dos adultos, tal como das crianças, por favorecer a

memorização;

- A consciência meta-linguística do aluno adulto é maior, o

que se revela na sua também maior capacidade de formular

juízos sobre a correcção das frases e este facto deve ser

pedagogicamente explorado;

- Os adultos utilizam maior número de estratégias

conversacionais: mantêm com mais facilidade uma conversa e

são capazes de esclarecer melhor o 'input' que recebem, o

que, também segundo Krashen, é muito importante para a

aquisição de uma língua estrangeira;

- É comum a crianças e adultos a utilização de rotinas com

facilitadores da interacção social: muito cedo surge o uso

de frases frequentes, sem que as regras para a sua formação

tenham sido abordadas;

- Os estilos de aprendizagem são mais diversos numa turma de

adultos, uma vez que as diferenças aumentam com a idade, e é

essencial que haja flexibilidade de estratégias tanto por

parte do professor como do alunos;

- A L1 (língua materna) é mais facilmente utilizada pelos

adultos para vencer as falhas que o adulto não consegue

ultrapassar com o recurso à generalização, por razões de

tipo cognitivo e afectivo; pode também ser usada como

facilitadora da aprendizagem;

- O adulto requer um ritmo mais lento, de acordo com o seu

tempo mental: quanto mais velho, mais lento, devido a um

abrandar das capacidades de processar informação.

Page 89: Educacao adultos

89

3. OS CRITÉRIOS

Um programa de ensino pode ser mal sucedido por variadas

razões, umas relacionadas com a sua estrutura interna, outras por

falta de adequação às características e necessidades do público a

que se destina, e ainda outras devido a uma deficiente implementação

pedagógico-didáctica de todas as intenções prescritas. Torna-se

necessário reconhecer que, no caso do ensino a adultos, os alunos

são elementos decisivos para se conseguir que um programa funcione.

Algo está profundamente errado quando uma turma de adultos vê o

número dos seus membros reduzido para metade, ou menos, no final do

ano. Acontece que deparamos com situações como esta frequentemente.

Para além disso, há que procurar dissipar as concepções erradas

relacionadas com a idade e a capacidade intelectual de que os

próprios alunos, como elementos de um grupo social mais amplo,

padecem, "Burro velho não aprende línguas", diz o povo.

Conceber situações fará parte das armas ao dispor do professor

para lutar contra as forças destrutivas de que enferma a mente do

próprio aluno.

A partir de um levantamento significativo de dados e de uma

revisão pormenorizada da literatura existente sobre o assunto, foi

possível definir quatro critérios gerais enquadradores de toda a

acção neste âmbito:

1. Congruência com as tendências actuais no campo da aquisição

de uma língua estrangeira;

2. Adequação às características cognitivas dos alunos adultos;

3. Adequação às características afectivas do aluno adulto e

relevância para as suas necessidades e motivação;

4. Congruência com princípios pedagógicos.

Estes critérios gerais surgem a seguir enunciados com

pormenor, permitindo uma leitura mais clara e incisiva dos mesmos e

uma aplicação quase imediata à prática lectiva.

Page 90: Educacao adultos

90

1 - Congruência com as tendências actuais no campo da aquisição de

uma língua estrangeira

a) A qualidade da informação recebida (input), aplicada aos

factores seguintes:

1) adequação às tarefas futuras do aluno;

2) um pouco para além da competência linguística actual

do aluno;

3) inclusão de itens activos e passivos.

b) Aquisição versus aprendizagem, de forma a permitir:

1) aprendizagem explícita;

2) conhecimentos auto-produzidos;

3) ênfase em situações comunicativas;

1) rotinas.

c) A integração de língua e cultura, que requer:

1) integração do material linguístico na cultura do país

cuja língua se aprende;

2) ênfase nos contrastes e semelhanças em experiências

inter-culturais.

d) O peso a atribuir às diferentes capacidades (skills), que

obriga a uma atenção cuidada ao seguinte:

1) ouvir, falar, ler e escrever não considerados

forçosamente nesta sequência;

2) ênfase atribuído a cada skill de acordo com as

situações seleccionadas e as necessidades dos alunos.

2 - Adequação às características cognitivas dos alunos adultos

a) Considerações sobre a memória e ritmo dos adultos implicam:

1) material significativo;

2) quantidade mínima de memorização consciente;

3) evitar memorização de séries longas;

4) codificação dupla da informação;

5) repetições, sumários e consolidação.

Page 91: Educacao adultos

91

e) Estilos e estratégias de aprendizagem implicam atenção a:

1) diferença dos alunos - estilo indutivo ou dedutivo;

2) unidades de trabalho centrado em problemas;

3) capacidade de tomar decisões;

4) flexibilidade.

b) Integração, interpretação e aplicação do saber e

experiência, para que se torne possível:

1) encorajar uma interferência positiva de saberes

armazenados;

2) criar situações de contraste linguistico (língua

materna e língua alvo);

3) explorar a consciência meta-linguística;

4) utilizar a língua materna (L1) como factor

facilitador.

3 - Adequação às características afectivas do aluno adulto e

relevância para as suas necessidades e motivação

a) Respeito pelas atitudes e auto-estima deveriam conduzir a:

1) selecção de actividades de baixo risco;

2) reforço da aprendizagem;

3) feedback imediato;

4) cooperação entre os alunos.

b) Possibilidade de participação dos alunos no seguinte:

1) planificação da instrução;

2) implementação da aprendizagem;

3) avaliação do valor das actividades de aprendizagem.

c) Necessidades sociais do aluno levam a considerar:

1) auto-diagnóstico de necessidades;

2) papéis sociais desempenhados na vida real;

3) valores culturais.

Page 92: Educacao adultos

92

d) Necessidades vocacionais deverão ser tomadas em

consideração do seguinte:

1) motivação instrumental,;

2) pragmatismo (utilidade prática);

3) semelhança a tarefas na língua alvo.

e) Perspectiva temporal implica:

1) imediatismo da aplicação do saber.

4 – Congruência com princípios pedagógicos

a) Metodologia que privilegie:

1) actividades centradas no aluno;

2) aprendizagem auto-dirigida;

3) comunicação genuína entre alunos e materiais;

4) participação da turma;

5) auto-avaliação.

b) A psicologia do adulto requer que o processo de

aprendizagem seja:

1) não ameaçador;

2) não competitivo;

3) estimulante.

José Orlando Strecht Ribeiro

Comunicação apresentada no 1° Encontro Nacional de Didácticas e

Metodologias de Ensino, 24 de Fevereiro de 1988

Page 93: Educacao adultos

93

PARA UMA EDUCAÇÃO SOCIALIZADORA DOS ADULTOS

(PONTOS-CRAVE PARA UMA REFLEXÃO)

Projecto "Education des adultes et mutations sociales"

Relatório da responsabilidade de G. Bogard

1. No contexto sócio-económico específico da revolução industrial

foi necessário conceber um sistema educativo para as crianças e

adolescentes. Outros contextos sócio-económicos, com o objectivo

de satisfazerem a exigência da qualificação profissional, levaram

a autonomização dos dispositivos de ensino técnico e profissional

e, mais recentemente, a autonomização da formação profissional.

Actualmente, no contexto da estruturação de uma nova sociedade

devemos por de novo em causa a articulação e as

complementaridades estabelecidas entre os diferentes sistemas.

Esta nova conjuntura deve levar-nos também a construir um sistema

de educação para os adultos que responda a algumas das questões

levantadas pelas alterações da sociedade e para as quais até

agora não houve resposta. É por isso que a conclusão mais

importante dos trabalhos dos grupos temáticos é que é preciso dar

autonomia à educação de adultos.

2. As sociedades actuais são apanhadas num movimento geral de

recomposição dos modos de equilíbrio social que acompanha tanto

os movimentos de trans-nacionalização como os movimentos infra-

nacionais. Os sistemas de protecção social são também afectados,

bem como os modos de produção de bens e de serviços, os fluxos de

mobilidade e os grandes equilíbrios políticos, demográficos e

culturais. Enquanto produtores e cidadãos, todos os adultos são

atingidos, mas só alguns têm os meios de se adaptarem facilmente,

quer dizer que dispensam um acompanhamento específico

significativo para estas modificações.

3. O desenvolvimento das tecnologias e a diversificação dos

conteúdos e das formas de organização do trabalho mudaram

consideravelmente - tanto a natureza e as condições de trabalho

como a estruturação dos mercados de emprego. A mundialização dos

Page 94: Educacao adultos

94

mercados e a internacionalização da produção aceleraram a

alteração das tecnologias onde o saber se transformou num factor

da maior importância. A evolução demográfica e a diversificação

dos fluxos migratórios alteram os grandes equilíbrio sociais e

põem em causa esses mesmos mecanismos de equilíbrio social. Os

Estados-nações são confrontados tanto com o reforço dos

regionalismos como com o aparecimento de entidades supra-

nacionais, enquanto, simultaneamente, uma parte da Europa caminha

para uma transição para uma democracia pluralista e uma economia

de mercado. A "irrigação" das sociedades pela comunicação

informática modifica a sociabilidade e os seus valores

subjacentes.

4. No cerne destas transformações, a sociabilização dos indivíduos

também é atingida e, consequentemente, o modo como ela se produz.

A observação é válida para todos, porque todos - produtores e

cidadãos - são confrontados com necessidade de se re-socializarem

constantemente.

Mas esta necessidade coloca-se de maneira diferente, consoante as

pessoas e os grupos sociais aos quais pertencem.

5. Esta função de re-sociabilização é uma exigência constante que

poderia ser mal compreendida por uma referência demasiado

frequente às mutações nos países da Europa de Leste.

Não se trata de, em determinado momento, "des-construir" para re-

construir de uma forma definitiva. Tanto no Ocidente como no

Leste, tanto a Norte como a Sul, as modificações são não só

económicas, como sociais e permanentes, porque muito profundas.

Elas exigem uma criatividade da parte dos indivíduos e dos grupos

de que a educação tem sido sempre uma das componentes sociais

privilegiadas.

6. Durante os últimos decénios, a nossa atenção concentrou-se sobre

o carácter mais evidente das modificações que sofrem as nossas

sociedades, ou seja, o desenvolvimento tecnológico. Uma das

respostas mais urgentes tem sido e continua a ser, sem dúvida,

aumentar a formação técnica e profissional das populações para as

Page 95: Educacao adultos

95

novas tecnologias. Contudo, não é só a vida profissional que é

afectada por esta evolução.

7. A vida familiar, doméstica e social é hoje tão afectada pelas

tecnologias da informação e da comunicação pelas máquinas de

tratar a informação como a vida profissional. Estão a construir-

se novas relações sociais e, ao mesmo tempo, está a organizar-se

uma nova sociedade centrada num novo sistema de criação da

riqueza e de partilha dos poderes. O acesso à abstracção, bem

como à produção e ao tratamento da informação transformam-se em

factores decisivos da discriminação social.

8. Estas mudanças fazem prever que já não será possível reduzir o

contributo da educação a uma aculturação às novas tecnologias nem

à aquisição de uma qualificação profissional. Torna-se necessário

acompanhar a evolução das pessoas e dos grupos sociais. É preciso

lutar pelo dinamismo dos indivíduos e das organizações sociais. É

preciso lutar contra uma nova forma de analfabetismo que conjuga,

de uma maneira diferente, as formas conhecidas de analfabetismo

funcional e as de analfabetismo tecnológico.

Nesta perspectiva, o desafio para a educação de adultos será a

construção de uma nova cidadania.

9. A identidade social, profissional e pessoal já não pode ser

considerada como definitivamente adquirida, quando os indivíduos

saem da adolescência e da escolaridade obrigatória. Pelo

contrário, a identidade social deve ser constantemente re-

produzida. A educação é um meio de acompanhar e de reforçar esta

socialização em constante renovação.

10. A educação dos adultos continua a ser um dos meios através dos

quais tanto a sociedade como os cidadãos podem incentivar,

dirigir e controlar as alterações estruturais dos mecanismos

económicos, políticos e sociais desta sociedade. A Educação de

Adultos está ligada, em primeiro lugar, á autonomização dos

adultos, à sua qualificação e à sua capacidade de levar à

mudança. A tendência actual das sociedades torna vulneráveis as

Page 96: Educacao adultos

96

pessoas devido à relação cada vez maior entre lucro, qualificação

e emprego. A lógica da educação é, evidentemente, exterior a este

processo. No entanto, ela pode ajudar as pessoas e os grupos a

dominarem, de algum modo, esse processo de progressiva

articulação. Nesse sentido, convém evitar, o mais possível, a

transformação desta educação socializadora num "sistema fechado",

destinado unicamente a certas categorias da população - o que só

as levaria a uma maior marginalizarção.

11. Com a educação socializadora reencontramos o conjunto dos

imperativos habituais, ou seja, a aquisição de uma cultura, de

competências transversais, de conhecimentos adquiridos,

susceptíveis de serem aplicados noutras situações tais como os da

sua apropriação, de uma autonomia das pessoas ... Numa palavra, é

uma filosofia da educação que assenta no desenvolvimento das

capacidades das pessoas em proveito próprio e da comunidade. A

imagem da dinâmica desta educação socializadora assenta no

"triângulo mágico do desenvolvimento": desenvolvimento da

personalidade baseado num direito à qualificação; desenvolvimento

social e económico; desenvolvimento da cidadania.

12. A política de luta contra o desemprego desenvolvida nos últimos

anos e assente em prioridades reconhecidas a certas categorias da

população não atingiu os seus objectivos.

Quanto às políticas da 3ª idade, estas limitavam-se, em larga

medida, a uma dimensão de trabalho social que a recente tomada de

consciência da gravidade e amplitude do fenómeno do

envelhecimento contribui fortemente para pôr em causa.

13. A população dos desempregados e das pessoas entradas na reforma

(1) são a prova tanto dos processos de marginalização e de

exclusão social como da falsidade das ideias recebidas que servem

para legitimar um pessimismo largamente difundido que dá aso a

que nada se faça.

Mas esta situação tem de ser alterada, porque nem as pessoas

reformadas nem os desempregados podem ser marginalizados ou

excluídos. No entanto, a gravidade dos problemas levantados pelo

Page 97: Educacao adultos

97

resultado das mutações sociais leva-nos a centrar a nossa atenção

nas tentativas de resposta as situações mais difíceis que são

também as que, até agora, ficaram sem solução.

14. Defender uma educação de adultos para os desempregados de longa

duração, para as pessoas idosas ou para qualquer pessoa com

dificuldades de inserção social implica que sejam denunciados

estereótipos sociais e imagens negativas, às vezes partilhadas

pelos próprios indivíduos que delas são objecto.

Este é um elemento essencial da motivação das pessoas e sem a

qual nenhuma educação poderá dar aos cidadãos a possibilidade de

desenvolverem e usufruírem plenamente tanto os seus talentos como

os seus direitos e deveres na sociedade contemporânea.

15. Contrariando exactamente ideias recebidas, tanto os

desempregados como os idosos dão provas, pelo stress permanente

que a sua existência implica, de uma capacidade de assumirem as

rupturas e de se habituarem a elas. No processo contínuo da

existência, não há nenhum limiar fatídico, para além do qual os

indivíduos já não possam evoluir mais nem desenvolver as suas

potencialidades.

É possível aprender, adaptar-se a todas as situações sociais e

isto até uma idade avançada.

A variável determinante não é a idade ou o estatuto, mas a

utilização das faculdades. O analfabetismo funcional é um outro

exemplo que mostra que, por falta de utilização se pode

desaprender o que se aprendeu. Por conseguinte, a utilização das

funções intelectuais e o seu constante estímulo, são

determinantes para que aquelas continuem válidas.

16. Se, a luz destas necessidades novas e de grande dimensão, a

educação de adultos se revela como um dos meios mais pertinentes,

convém ainda sublinhar que esta está ainda a construir-se. [...]

17. Esta educação de adultos manifesta-se hoje sob formas novas que

lhe são conferidas pelos agentes educativos que se confrontam com

Page 98: Educacao adultos

98

as mais evidentes e, às vezes, dramáticas consequências das

mutações sociais.

É, pois, importante observar que estamos perante tentativas

apenas. No entanto, já é possível detectar os traços comuns. Esta

educação é caracterizada essencialmente:

- pela sua autonomia em relação às outras formas educativas ou

de formação profissional, com as quais continua, no entanto, a

manter-se articulada;

- pelo seu objectivo primeiro de (re-)sociabilização permanente

dos indivíduos e dos grupos;

- pelo seu carácter de proximidade;

- pela descentralização da sua gestão e organização mais próxima

dos locais onde surgem necessidades que são também os locais

de vida das populações;

- pela orientação estratégica por um 'andragogo' que assegure,

coordenando, a sinergia das intervenções dos diferentes

agentes educativos;

- pelo seu modo de co-produção da formação tanto pelos seus

"consumidores" como pelos educadores;

- pela sua abordagem global, holística, da pessoa em formação;

- pela possibilidade de aplicação dos conhecimentos adquiridos a

outros domínios.

18. Esta educação deve ser global, "holística":

- porque diz respeito à totalidade do indivíduo ao qual se

dirige, com os seus conhecimentos adquiridos, a sua história,

a sua personalidade, os seus compromissos;

Page 99: Educacao adultos

99

- porque integra e articula dimensões complementares do acto de

aprendizagem: acolhimento, orientação, balanço, avaliação,

reconhecimento e validação de saberes ... ;

- porque é uma resposta colectiva, envolvendo vários parceiros,

a um meio-ambiente e que para este mobiliza um conjunto de

recursos;

- porque, enquanto serviço (e não bem económico) é co-produzido

pelos seus utilizadores;

- porque, finalmente, visa tanto o indivíduo como o grupo

social.

19. Uma educação de proximidade. Aproximar a educação dos adultos

que a procuram pressupõe modificar a sua relação com o fenómeno

educativo e, portanto, construir a sua motivação, melhorar as

condições físicas e financeiras de acesso, trabalhar sobre as

condições específicas da aprendizagem dos adultos, estimular as

actividades cognitivas e a capacidade de aprender a aprender,

trabalhar sobre os métodos pedagógicos para ter em linha de conta

tanto os conhecimentos adquiridos das pessoas como os seus ritmos

próprios ... Tudo isto pode ser resumido na noção de proximidade:

das necessidades, dos recursos, dos dispositivos, das

competências, sendo estas, aliás, elas próprias definidas como

competências de proximidade.

20. Na medida em que organização e conteúdos da educação estão

ligados, devem estar de acordo com o ambiente quotidiano dos

adultos e com as suas possibilidades de se re-sociabilizarem. A

educação dos adultos e o desenvolvimento local devem estar

ligados no sentido em que o tal "desenvolvimento comunitário"

(...) pode dar uma dinâmica específica pela referência a uma

colectividade organizada.

Page 100: Educacao adultos

100

21. É fundamental distinguir muito claramente o que diz respeito à

educação o que diz respeito à informação. É com esta última que o

mundo actual está melhor apetrechado.

A tarefa da educação é não, pois, limitar-se a fornecer

informações, mas proporcionar às pessoas os meios para melhor

seleccionarem as informações que recebem e das quais estão

saturadas.

22. Para além da sua autonomia e flexibilidade, esta educação deve

estar aberta.

Isto significa, antes de mais, que dever permitir aos indivíduos

integrarem-se em programas de qualificação profissional e de

promoção social.

Esta educação deve, portanto, ser encarada sob o ângulo da

complementaridade. Tal significa igualmente que tem de ser

aberta, não selectiva e acessível ao maior número possível de

pessoas. Isto pressupõe que possa beneficiar de recursos

suficientes e adequados.

Actualmente, estamos bem longe disto, ao verificarmos que na

maior parte dos países há verbas insuficientes para este sector e

um encaminhamento para outros fins, às vezes opostos.

23. Por outro lado, a natureza dos desafios como a necessidade

social desta educação pressupõe a definição de um direito a esta

educação para os adultos, à semelhança do direito à escolarização

de todas as crianças e adolescentes. (2)

(1) A idade legal da reforma varia na Comunidade Europeia, situando-

se entre os 60 e os 67 anos para os homens e os 55 e os 67 anos para

as mulheres.

Cf. Números-Chave - Eurostat, Suplemento - Objectivo 92

n.º 1 - 1991. (N.T.)

Page 101: Educacao adultos

101

(2) Este texto é parte integrante de um documento editado pelo

Conselho da Europa, no âmbito do projecto "Educação de Adultos e

Mutações Sociais", publicado em Estrasburgo, em 1992.

Dadas as perspectivas aqui desenvolvidas sobre Educação de Adultos,

pareceu-nos de interesse inseri-lo nesta colectânea. Pensamos, desta

forma, explicar referências a contextos aqui não muito explicitados,

por se tratar de exertos de um trabalho mais extenso.

Pour une éducation socialisatrice

des adultes, Projecto "Education des adultes

et mutations sociales", CONSElHO DA EUROPA.

Relatório da responsabilidade de G. Bogard.

Estrasburgo, 1992.

(Traduzido e adaptado por Maria de Carvalho Torres)

Page 102: Educacao adultos

102

BIBLIOGRAFIA

ALARCÃO, Isabel, TAVARES, J. Supervisão da Prática Pedagógica - Uma

Perspectiva de Desenvolvimento e Aprendizagem, Almedina,

Coimbra, 1987.

ANGULO, Elena, et alii, Education de Adultos y Democracia, J. Osório

(compilador) y Autores, O.E.I., Sociedade Estatal Quinto

Centenário, Editorial Popular, Madrid, 1990.

BULLOUGH, M., A Consideration of Some Models of the Learning

Process: Variations on a Theme of John Dewey, Studies in

the Education of Adults, NIACE, Volume 21, Number 2,

October 1989, 81-94.

CANDY, P.C., Constructivism and the Study of Self-Direction in Adult

Learning, NIACE, Volume 21, Number 2, October 1989, 95-116.

CONSELHO DA EUROPA, Pour une éducation socializatrice des adultes,

Projet, "Éducation des adultes et mutations sociales,

Rapport, Estrasburgo, 1992.

LEIRMAN, Walter et alii, La Education de Adultos como Proceso,

O.E.I., Quinto Centenário, Editorial Popular, Madrid, 1991.

LENGRAND, Paul, Introdução à Educação Permanente, Biblioteca do

Educador Profissional, Livros Horizonte, Lisboa, 1981.

LESNE, Marcel, Trabalho Pedagógico e Formação de Adultos - Elementos

de Análise, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1984.

MELO, A, Educação de Adultos: Conceitos e Práticas, M. Silva & M.T.

Tamen (ORG.), in Sistema de Ensino em Portugal, Fundação

Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1981.

NORBECK, Johan, Formas e Métodos de Educação de Adultos, 2ª Edição,

Universidade do Minho, Projecto de Educação de Adultos,

Braga, 1981.

Page 103: Educacao adultos

103

NÓVOA, António, FINGER, Matthias, (ORG.), O Método (Auto)biográfico

e a Formação, Cadernos de Formação, Ministério da Saúde,

Departamento de Recursos Humanos da Saúde, Centro de

Formação e Aperfeiçoamento Profissional, Lisboa, 1988.

NUNES, Clarice et alii, Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos

167 - 168 - 169, Instituto Nacional de Estudos e

Pesquisas Educacionais, Escopo Editora, Brasília, 1990.

RODRIGUES, BRITALDO et alii, A Escola Integradora e Participada do

Futuro, IPSD - FSC, Lisboa, 1990.

ROGERS, Jennifer, Ensino de Adultos, Colecção Formação Humana,

Editorial Pórtico, Lisboa, 1974.

SIMÕES, António, Educação Permanente e Reformas do Sistema Educativo

Português: Três Prioridades, Revista Portuguesa de

Pedagogia, Ano XV, 1981, 3-40.

STOER, Stephen R., (ORG.), Educação Ciências Sociais e Realidade

Portuguesa, Uma Abordagem Pluridisciplinar, Biblioteca das

Ciências do Homem, Edições Afrontamento, Porto, 1990.