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MANOEL DOS PASSOS DA SILVA COSTA EDUCAÇÃO BRASILEIRA ALGUNS DETALHES Pato Branco Março/2006 Ministério da Educação Universidade Tecnológica Federal do Paraná Campus Pato Branco Área de Humanas História da Educação

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MANOEL DOS PASSOS DA SILVA COSTA

EDUCAÇÃO BRASILEIRA

ALGUNS DETALHES

Pato Branco

Março/2006

Ministério da Educação

Universidade Tecnológica Federal do Paraná Campus Pato Branco

Área de Humanas – História da Educação

Aos leitores destas notas esparsas sobre a educação no

Brasil.

3

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 1

EDUCAÇÃO NO PERÍODO COLONIAL .......................................................................... 3

Companhia de Jesus ........................................................................................................... 4

Pedagogia Jesuítica ...................................................................................................... 5

Catequese ..................................................................................................................... 6

A Reforma Pombalina ........................................................................................................ 8

Revolução Pedagógica ................................................................................................. 9

D. João VI ........................................................................................................................ 10

EDUCAÇÃO NO IMPÉRIO ............................................................................................... 12

EDUCAÇÃO NA PRIMEIRA REPÚBLICA (1889/1930) ................................................ 16

Reformas .......................................................................................................................... 18

EDUCAÇÃO NA ERA VARGAS ...................................................................................... 20

Reforma Francisco Campos ............................................................................................. 21

Reforma Capanema .......................................................................................................... 22

EDUCAÇÃO NA SEGUNDA REPÚBLICA(1946-1964) ................................................. 24

Lei 4.024/61 - LDB .......................................................................................................... 24

EDUCAÇÃO SOB A DITADURA MILITAR ................................................................... 26

Reforma Universitária ...................................................................................................... 27

Reforma do Ensino de 1º e 2º Graus ................................................................................ 28

O Ensino de 1º Grau ......................................................................................................... 29

O Ensino de 2º Grau ......................................................................................................... 29

A NOVA VELHA REPÚBLICA ......................................................................................... 32

CONCLUSÃO ..................................................................................................................... 34

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 36

1

INTRODUÇÃO

Neste trabalho, pretendemos fazer um brevíssimo relato da História da Educação Brasileira

desde sua origem até os dias atuais; saber o que fizemos, pensamos e sentimos enquanto seres

sociais na construção de nossa educação para tentarmos compreender o que fomos e transformar o

que somos, pois passado e presente são inseparáveis no processo de recriação da sociedade.

Por isso, tomamos o contexto social como pedra angular no processo educacional, no qual o

educando desenvolve suas capacidades dependendo de seu meio e de sua história de vida.

Atualmente as classes sociais diferenciam-se pela existência da sociedade capitalista, onde

educadores têm o conhecimento e o poder de opinar e dialogar sobre o ideal da educação que visa o

saber como algo coletivo, bem de todos, mas não têm o poder de decisão. O que norteia os rumos da

educação é o poder político dominante.

Todos nós percebemos que “conhecer as transformações vividas na sociedade em que

atuamos é ter consciência histórica”.

A construção da consciência histórica implica principalmente uma ação sobre o mundo.

Será a nossa prática social, nossa participação como elemento de uma classe social e de uma

determinada categoria profissional que nos levará a uma percepção histórica...

A partir da luta para a satisfação de nossas necessidades mais reais e vitais, hoje, aqui e

agora, precisamos buscar um conhecimento do passado, conhecer como os homens aprenderam essa

luta que hoje é também nossa.

Com a democratização da escola, que surgiu através da luta de classes, o ensino teria por

objetivo repassar uma educação onde todos pudessem ter acesso, mas como o Estado tem em suas

mãos o “poder”, fez e faz ainda a educação um privilégio de. Nem todos conseguem usufruir de

uma boa escola. Constantemente a educação se depara com projetos prontos que generalizam a

organização social de acordo com os interesses da sociedade capitalista, consagrando-se a

desigualdade social. De fato, observa-se que na teoria, educação é, perante a lei, direito de todos, na

prática, nega-se o que afirma a lei.

Então, podemos perguntar com Brandão: a educação é contra ou a favor do homem?

2

Como em outras partes do mundo, classes sociais foram privilegiadas e conseguiram

separar a direção do trabalho do próprio exercício do trabalho, separando as forças produtivas

mentais das físicas, o que acontece também em nossa História que mantém essa dicotomia entre o

pensar e o fazer, mesmo quando em países desenvolvidos essa dualidade já havia sido superada.

Desde o início de nossa “colonização”, a sociedade brasileira estabeleceu seus princípios

educacionais visando duas classes: dominantes e dominados. Distinguindo-se também duas formas

de ensinar; uma destinada à classe dominante e outra voltada para a classe dos dominados.

O saber que era transmitido formalmente para os dominantes tinha como objetivo assegurar

e perpetuar o sistema vigente, no qual o saber não era acessível a todos, apenas à elite.

Procuramos, através dos assuntos abordados: a educação no Brasil Colônia, Império e

República, analisar o passado com uma dimensão do presente, à luz das ideias e perspectivas

voltadas a uma dinâmica comprometida em recuperar as lutas e conquistas das classes oprimidas,

tentando perceber as contradições históricas dentro do nosso processo educacional.

Observaram-se, neste trabalho, os fatores econômicos, políticos, sociais e culturais que, ao

se influenciarem e interagirem produziram privilégios para a classe “superior”; no entanto, nossa

preocupação maior volta-se em resgatar as aspirações dos despossuídos ocultadas pela classe

dominante.

Esperamos que esta síntese histórica auxilie a quem pretenda repensar um pouco a

educação no Brasil.

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EDUCAÇÃO NO PERÍODO COLONIAL

A história do Brasil Colônia não pode ser desvinculada da história europeia, já que a

economia desenvolvida em nossa sociedade estava organizada para atender o comércio europeu,

via Portugal. As colônias significam não só maior possibilidade de consumo, mas também como

fornecedoras de produtos tropicais e metais preciosos.

A ação dos portugueses no Brasil restringiu-se, de início, à extração do pau-brasil e a

algumas expedições exploratórias. A partir de 1530 tem início a colonização, com o sistema de

capitanias hereditárias, e começa a monocultura da cana-de-açúcar. A colonização do Brasil foi

pensada e realizada em função da produção para o enriquecimento da coroa e do estabelecimento

mercantil dominante. O lucro que se visava, só podia ser obtido através da grande produção

concentrada em poucas mãos e realizada a custos baixos. Não havia lugar para muitos. Havia os

senhores e os outros. Daí as principais características da estrutura econômica colonial: latifúndio,

escravatura, monocultura e sociedade patriarcal centrada no poder do senhor de engenho. No

entanto, o grande lucro da produção açucareira fica não com os senhores de engenho, mas com os

comerciantes, na metrópole, o que caracteriza uma economia de modelo agrário exportador

dependente (Ribeiro, 1995: 17).

Os senhores, grandes proprietários, detinham uma autoridade absoluta em toda a região e

poder ilimitado. Sua família passa a constituir-se na camada mais alta da sociedade, seguida pelos

artífices, mecânicos e tecelões e, em seguida, lá embaixo, os índios e depois os escravos.

Não é a educação, meta prioritária para o colonizador, como se infere desse contexto, pois

a agricultura não precisa de nenhuma formação especial, contudo há necessidade de que “alguém”

faça o trabalho pesado, necessário para manutenção e crescimento da produção agrícola.

Com os seus ferreiros, tecelões, oleiros, carpinteiros e sapateiros é que contavam os

senhores rurais para o abastecimento e manutenção de sua propriedade e do núcleo do povoamento

que dirigiam; as fazendas eram um centro de produção e de consumo.

Para que houvesse a continuidade daquela vida rural, os artífices transmitiam,

assistematicamente, a outros elementos os conhecimentos da tecnologia de suas profissões em

rudimentares oficinas ao lado das casas-grandes.

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Entretanto, mais enriquecidos, os senhores de engenho passaram a ministrar a seus escravos

a aprendizagem rudimentar e caseira de ofícios; como os escravos exerciam tais atividades, os

brancos passaram a menosprezá-las. Aviltou-se, então, o ensino de ofícios.

Porém, as metrópoles europeias enviam religiosos para suas colônias para desenvolverem

um trabalho missionário e pedagógico, inclusive com o ensino de ofícios também aos índios. Essa

atividade foi desempenhada, no Brasil, pelos jesuítas. Todavia a questão não é simplesmente

religiosa. A Igreja, submetida ao poder real, tornou-se instrumento importante para ajudar na

garantia da unidade política, através da uniformização da fé e da consciência: a atividade

missionária facilita a dominação metropolitana.

Companhia de Jesus

A Companhia de Jesus, cujos membros eram chamados jesuítas, foi fundada por Inácio de

Loyola, em 1534. Era uma organização religiosa inspirada em moldes militares, disposta a tudo

para deter o avanço do protestantismo e espalhar pelo mundo os princípios de obediência à Igreja

Católica. Por isso, ao desembarcar no Brasil, sob o comando do padre Manuel da Nóbrega, no ano

de 1549, os jesuítas já traziam cuidadosos planos para cumprir sua missão: conversão dos índios e

apoio religioso aos colonos.

Para isso recebiam subsídios do Estado e sesmarias destinadas à manutenção dos

estabelecimentos que viessem a criar.

As necessidades de ordem material, como a construção de moradia e igrejas obrigaram os

padres da Companhia de Jesus, assim como os senhores de engenho, a ensinar certos ofícios aos

índios. Diz Vieira, no Sermão da Epifania:

Edificamos com eles as suas igrejas, cujas paredes são de barro, as colunas de pau

tosco e as abóbadas de folhas de palma, sendo nós os mestres e os obreiros daquela

arquitetura com o cordel, com o prumo, com a enxada e com a serra e outros instrumentos

(que também nós lhes damos) na mão [...] (Fonseca, 1961: 14-15).

Os aldeamentos, chamados de missões ou reduções jesuíticas, tornaram-se verdadeiras

escolas de indústria; colonos e índios aprendiam a cultivar a terra, construíam casas e estradas, a

beneficiar o couro, a fabricar açúcar; diversos ocupavam-se da tecelagem, da carpintaria, da ferraria

e da sapataria. No entanto, tudo era determinado pelas circunstâncias, nada era sistematizado ou

objeto de algum plano.

Como no Brasil, os índios e os escravos foram os primeiros aprendizes de ofício, nossa

sociedade passou a ver que essa forma de ensino destinava-se a “elementos das mais baixas

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categorias sociais”. Segundo Fonseca (1961: 18), “o fato tinha pois dupla influência: tirava às

classes médias do país qualquer idéia de abraçar uma profissão manual e tornava quase impossível a

vinda de profissionais estrangeiros”. À camada mais elevada da sociedade cabia o ensino de

humanidades, cujas normas de padronização e ação pedagógica estavam sistematizadas na Ratio

Studiorum1 dos jesuítas e são eles, os intelectuais da criatividade, os responsáveis pela implantação

de padrões culturais que visavam à catequese dos índios, a educação dos filhos dos colonos, a

formação de nossos sacerdotes e da elite intelectual, além do controle da fé e da moral e, acima de

tudo, a manutenção do sistema mercantilista português.

Pedagogia Jesuítica

A eficiência da ação pedagógica dos jesuítas vinculou-se mais à preocupação constante no

preparo do mestre e na uniformização da ação; o ensino de ofícios dependia de suas necessidades

imediatas.

Os estabelecimentos dos jesuítas seguiam normas padronizadas, sistematizadas na Ratio

Studiorum. Eis algumas regras codificadas nas normas jesuíticas:

1 - Disciplina: proteção e vigilância constante, obediência (virtude fundamental de alunos e

de padres), e sanções (se necessárias aplicadas por um “corretor”, pessoa alheia aos quadros da

Companhia).

2 - Didática: língua latina e poucos autores, (com destaque para a escolástica - Aristóteles e

Aquino - desconsiderando-se os autores modernos, praticamente separando escola e vida),

repetição constante de exercícios e conseqüente memorização, emulação, (estímulo à competição

entre os indivíduos e as classes), prêmios para os que se destacavam e academias e peças teatrais

(produção intelectual e peças autorizadas pela Ordem).

3 - Conteúdo do Ensino: Studia Inferiora - Letras humanas (três anos de duração, com o

ensino de gramática, humanidades e retórica, baseadas na antigüidade clássica); Filosofia e

Ciências ou curso de Artes (três anos de duração, formação do filósofo através das disciplinas de

lógica, introdução às ciências, cosmologia, psicologia, física, metafísica e filosofia moral) e

Studia Superiora - Teologia e Ciências Sagradas (quatro anos, visando à formação do futuro

padre).

Nos colégios jesuítas do Brasil, sob orientação do padre Manuel da Nóbrega, havia quatro

graus de ensino, sucessivos e propedêuticos:

1) Curso elementar: primeiras letras e doutrina católica;

1 Organização sistemática do plano de estudos da Companhia de Jesus, criada em 1599.

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2) Curso de Humanidades: gramática, retórica, humanidades;

3) Curso de Artes (Ciências ou Filosofia): lógica, física, matemática, ética e metafísica;

4) Curso de Teologia: Teologia Moral e Especulativa.

A partir do curso de Humanidades, falava-se em latim.

Os cursos funcionavam em colégios e seminários. Aqueles que desejassem uma profissão

liberal deveriam ir para a Europa. Esses cursos “pertenciam” aos brancos, tanto que, em 1681,

houve a expulsão dos “moços pardos” dos colégios jesuítas.

Destinavam o ensino profissional e agrícola àqueles considerados inferiores, antes aos índios

e depois aos negros e mestiços.

Voltados à cultura greco-latina e ignorando importantes pensadores modernos, não se

importando com a história, geografia e matemática e se ocupando com exercícios de mera erudição

e retórica, os jesuítas foram acusados, especialmente no século XVIII, de não desenvolverem, em

seu sistema pedagógico, o espírito crítico, pois havia a censura dos textos que colocassem em

dúvida a cosmovisão católica; bem como autores cujos livros contivessem trechos que poderiam

suscitar “devaneios desaconselháveis” nos jovens.2

Pode-se afirmar que o ensino ministrado no Brasil, não fugiu às regras estabelecidas pelos

inacianos, a de “formar uma cultura básica, livre e desinteressada, sem preocupações

profissionais, e igual, uniforme em toda a extensão do território” e, acima de tudo, alienante, pois

houve o mero transplante cultural europeu para nossa realidade colonial (Fernando de Azevedo, in

Sodré, 1989: 15).

Catequese

Sob o comando de Nóbrega, a obra dos jesuítas espalhou-se rapidamente, da Bahia a outras

localidades do Brasil; o trabalho de catequese do índio levou-os ao interior, pelo sertão, fundando

os aldeamentos chamados de missões ou reduções, desde a Amazônia, passando por Mato Grosso

do Sul até o Rio Grande do Sul.

As missões foram utilizadas pelos jesuítas para a catequese e à exploração do trabalho

indígena na extração das drogas do sertão, cuja venda dava grandes lucros à Companhia.

Os jesuítas aprenderam a língua dos índios, a tupi-guarani, (língua geral) e a catequese

torna-se mais convincente (mais tarde obrigou-se apenas o uso da língua portuguesa); ensinavam

2 Os autores clássicos são colocados a serviço da religião e “castigados”, ou seja, purgati ab omni

obscoenitate para uso dos adolescentes das escolas. Manacorda (1995:203) cita o que estabelece a respeito

as Constitutiones Societatis Jesu, de 1583: “Quanto aos livros das letras humanas, latinos ou gregos,

abstenha-se de ler aos jovens aqueles nos quais haja alguma coisa contrária aos bons costumes, a não ser

que antes tenham sido expurgados das coisas ou palavras desonestas”.

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diversos ofícios aos índios, o que os valorizam quando os bandeirantes resolveram atacar os

aldeamentos jesuítas para vender os índios como escravos.

“Os jesuítas eram contra a escravização do índio, mas admitiam a escravidão do negro.

Condenavam a escravidão indígena, porque não dava lucros ao sistema colonial mercantilista.

Silenciavam sobre a escravidão do negro, pois rendia lucros aos traficantes e ao governo

português” (Cotrin, 1994: 98).

E, quanto aos índios, o texto do Conselho Indigenista Missionário nos mostra a distorção que

se imprimiu à cultura indígena:

Nos aldeamentos os índios eram obrigados a aprender os costumes dos brancos.

Eram proibidos de praticar os seus próprios costumes.

Eram proibidos de usar os enfeites deles, de fazer as festas deles, de tratar os

doentes com os pajés deles. Os missionários ensinavam a religião deles.

Eles ensinavam para a gente grande, e ensinavam principalmente para as crianças.

Os índios aprendiam muitas rezas, que eles não entendiam direito.

Mas essa reza de branco não era reza de índio.

Os missionários ensinavam que:

Os índios tinham que ter paciência.

Cristão bom tem que ser manso.

Cristão bom não pode se revoltar.

Cristão bom tem que respeitar os padres.

Tem que respeitar o governador.

Tem que respeitar toda autoridade.

Cristão bom tem que agüentar todo sofrimento aqui na terra, para ser feliz, depois,

lá no céu.

Com esses ensinamentos, os índios foram ficando calados, foram ficando mansos,

e trabalhavam, trabalhavam, sem se revoltar...

Quando os índios faziam diferente, quando os índios não viviam do jeito que os

missionários ensinavam, eles eram castigados.

Recebiam castigo duro.

Os missionários mandavam prender.

Os índios ficavam amarrados no pau, levavam chicotadas.

Às vezes, eles não queriam entregar suas crianças para a missão, por isso eram

castigados.

Não queriam mudar seu jeito de trabalhar, por isso eram castigados.

Não queriam mudar seu jeito de fazer casa, não queriam esquecer suas rezas, não

queriam abandonar suas festas.

Por isso eram castigados ( CIMI, 1987: 146-9).

De início, as primeiras escolas reuniam os filhos dos índios e dos colonos, mas logo houve

a separação entre os “catequizados” e os “instruídos”, enquanto a ação sobre os índios se resumia

na cristianização e na pacificação, tornando-os dóceis para o trabalho, os filhos dos colonos vai

além da escola elementar de ler e escrever.

Característica do século XVII foi o surgimento de grande quantidade de engenhos, alicerces

da riqueza colonial no Brasil e, à sombra deles, a aprendizagem de ofícios destinada aos negros,

bastante numerosos.

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O ciclo do ouro trouxe profundas alterações na sociedade da época, com o surgimento de

uma pequena burguesia urbana e com um nervoso mercado interno, necessário ao abastecimento

das regiões mineiras e, consequentemente, a necessidade de aprendizagem de ofícios; inclusive, o

governo teve que tomar providências, através de Cartas Régias, no sentido de impedir que todos os

profissionais urbanos se dirigissem às minas.

No entanto, o poder econômico e político alcançado pela Companhia de Jesus, leva

Sebastião José de Carvalho e Mello, o Marquês de Pombal, primeiro-ministro do “esclarecido” D.

José I, de Portugal, a, em 1759, expulsar os Jesuítas do reino português e do Brasil. A medida

pombalina atinge “36 residências, 36 missões e 17 colégios e seminários, sem contar os seminários

menores e as escolas de ler e escrever, instaladas em quase todas as aldeias e povoações onde

existiam casas da Companhia” (Fernando de Azevedo, in Ribeiro, 1995: 35).

Contudo, mesmo expulsos os jesuítas permaneceriam, pois a maioria dos professores das

aulas régias eram padres seculares formados em seminários dirigidos por jesuítas e, por isso,

utilizadores dos mesmos métodos pedagógicos. E do período colonial vão permanecer na educação

brasileira, as marcas jesuíticas; os personagens considerados grandes, do tempo colonial, em todos

os campos, foram instruídos em colégios de padres; as escolas religiosa e laica, confessional ou

não, vai continuar marcando a educação nacional. A escola jesuíta deixou ainda outras

consequências importantes como “monocultura intelectual, subordinação, alienação, inteligência

passiva e bacharelismo...”

A Reforma Pombalina

No século XVIII, a Europa passou por profundas transformações políticas, econômicas e

culturais que, através de Portugal, repercutiram no Brasil. Ao absolutismo e mercantilismo foram

contrapostos os ideais liberais que culminariam com as revoluções burguesas.

O Marquês de Pombal, movido por determinação política e econômica, tentando manter o

absolutismo em Portugal e modernizar o reino, procurou combater toda forma de oposição,

expulsando, inclusive, os jesuítas do reino português e de suas colônias.

A expulsão dos jesuítas deu lugar a novos currículos, novos métodos de ensino e nova

estrutura da administração escolar, visando, dentro da política pombalina, criar condições para a

industrialização de Portugal, mediante o incentivo às manufaturas na metrópole, à acumulação de

capital público e privado e à substituição das ideologias orientadas de uma sociedade feudal para

uma sociedade capitalista.

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Revolução Pedagógica

Portugal havia delegado a outros a incumbência sobre a educação, o que constitui para

Saviani (1997: 4) a “educação pública religiosa”, destacando-se a Companhia de Jesus e, a partir de

1759, houve uma renovação pedagógica com a participação de outras ordens religiosas, com

destaque para os padres da Congregação do Oratório que passavam a atrair a nobreza para um

ensino do latim, grego, retórica e humanidades diferente do modo dos jesuítas. Burocratas

passavam a estudar em português, a dominar o cálculo numérico, a freqüentar aula de comércio e a

ampliar as relações comerciais.

A formação da elite era indispensável ao progresso financeiro das empresas e dos grupos

monopolistas da economia. Colégio para os Nobres, para os burgueses, reforma da Universidade de

Coimbra (1770) e um currículo ambicioso e moderno (Ciências, Línguas Modernas, Estatística,

Hidrostática, Hidráulica, Arquitetura Civil e Militar) levaram à criação da Universidade Moderna,

aberta à toda luz, ao conhecimento da natureza e observação; da Faculdade de Filosofia que

assumiu também o ensino das Ciências Naturais como um fim em si mesmo, e passa a ter destaque

para o método indutivo. Cabe ainda lembrar com Saviani (1997: 4) que a reforma pombalina se

contrapõe “ao predomínio das idéias religiosas e, com base nas idéias laicas inspiradas no

Iluminismo”, institui “o privilégio do Estado em matéria de instrução surgindo, assim, a nova

versão da “educação pública estatal”.

No Brasil, a expulsão dos jesuítas causou a desarticulação do sistema escolar, pois não

houve nenhuma medida que substituísse o trabalho jesuítico, embora muitas escolas, com padres

formados por eles, continuassem aplicando a pedagogia da Ratio Studiorum; contudo os mestres

leigos mostravam espessa ignorância da matéria e ausência absoluta de senso pedagógico.

Surgiram também escolas de carmelitas, beneditinos e franciscanos, tentando preencher o

vazio deixado pelos jesuítas.

Destacavam-se, na reforma pombalina, os Estudos menores (aulas de grego, hebraico e

retórica) e os Estudos maiores, divididos em dois cursos (Filosofia - 3 anos e Teologia - 3 anos).

Influência marcante no Brasil, no campo da educação, teve o bispo de Olinda, José

Joaquim de Azevedo Coutinho, que, formado nos moldes da reforma pombalina, foi continuador

desta no Brasil, sendo um dos responsáveis pela difusão da nova ideologia vigente. Segundo ele,

exploração econômica não é uma atividade própria de marginais, mas uma das tantas atividades

sociais necessárias e dotadas de dignidade. Dentro das ideias liberais da época procurou conciliar

os interesses da classe dominante da Colônia com o Estado português e reformulou estatutos,

organização pedagógica e objetivos do ensino ministrado nos Seminários da Colônia.

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Com o momento pombalino (1772 a 1810), segundo Antônio Pain, o ideário da elite

daquele tempo assumiu a forma pela qual foi incorporada à cultura brasileira. Estruturava-se no

Brasil a chamada mentalidade científica, mas dentro da visão capitalista metropolitana, com o

objetivo de adaptá-lo, enquanto colônia, “à nova ordem pretendida por Portugal”.

Contudo, as novas ideias, mesmo atreladas às questões econômicas, favoreceram o

aparecimento de movimentos contra a metrópole, alguns emancipacionistas, pois muitos jovens

brasileiros completavam seus estudos na Universidade de Coimbra, transformada pela reforma

pombalina. No entanto, não se deve esquecer, que Pombal, para o Brasil, foi o déspota que apertou

os laços da opressão colonial, na forma de um “mercantilismo ilustrado”.

D. João VI

Com a vinda de D. João VI (1808), o Brasil passa por consideráveis modificações

econômicas (abertura dos portos, revogação do alvará que proibia a instalação de manufaturas),

políticas (aristocracia rural e ricos comerciantes portugueses) e culturais (implantação da imprensa,

museu, biblioteca e academias).

Com o Brasil elevado a Reino Unido, negociantes do Rio de Janeiro passaram a colaborar

com recursos para que se incrementassem a instrução pública; dever-se-ia criar um Instituto

Acadêmico para o ensino de ciências, de belas artes e de sua aplicação à indústria, “o que contribue

de facto para a civilização e prosperidade das nações”.3

Para que se desse um impulso a essas ideias, negocia-se com a França e, em 1816, chegou

ao Brasil a chamada Missão Artística Francesa. Além de pintores, escultores e arquitetos, para o

ensino de ofícios vieram mestre, gravador, serralheiros, ferreiro, carpinteiros de carros, curadores e

curtidores de peles; contudo, o Instituto Acadêmico e mais tarde a Escola Real de Ciências, Artes e

Ofícios nunca chegou a se concretizar e, em 1826, passou a funcionar a Academia das Artes, dez

anos depois da chegada da Missão Francesa.

Em 1818, D. João VI transformou o Seminário São Joaquim, no Rio de Janeiro, em quartel

e os seminaristas sem vocação eclesiástica são aproveitados como aprendizes de ofícios mecânicos

que funcionavam junto ao quartel, como também “todos os rapazes de boa educação que quiserem

nela entrar”.

No entanto, em 1819, recuperou-se um antigo convento jesuíta na Bahia e criou-se o

Seminário dos Órfãos, onde os órfãos passaram a aprender as artes e os ofícios mecânicos. A partir

3 Decisão Nº 5 – Reino – em 5 de março de 1816. In: Fonseca, 1961: 113.

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daí surgiram diversos estabelecimentos destinados a abrigar esses meninos e a dar-lhes ensino

profissional que passou a ser destinado aos “desfavorecidos pela fortuna”, aos “deserdados da

sorte”; filosofia que vai nortear, durante muito tempo, o ensino profissionalizante no país.

A corte portuguesa, instalada no Brasil, gerou a necessidade de se modificar o ensino

superior herdado da colônia, que passou a ser controlado diretamente pela administração civil e não

mais pela Igreja Católica.

D. João criou cursos (Cirurgia, Anatomia, Economia, Agricultura, Química, Desenho

Técnico) e academias (Marinha, Militar) destinadas a formar militares, burocratas para o Estado e

técnicos, segundo as necessidades do Brasil naquele momento.

A ênfase dada ao ensino superior não é acompanhada por igual interesse pelos demais

níveis de educação que ficaram praticamente abandonados.

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EDUCAÇÃO NO IMPÉRIO

Mesmo após a chamada independência, pouco mudou, em essência, o ensino brasileiro. “A

preocupação não foi montar um sistema nacional de ensino, mas sim formar as elites dirigentes

através da criação de algumas escolas superiores e da regulamentação das vias de acesso às

mesmas” (Campos, 1973: 27).

O fator econômico interferiu no desenvolvimento da aprendizagem de ofícios e a educação

humanista, herdada dos jesuítas, projetou-se no cenário nacional; firmou-se cada vez mais a

separação entre cultura e economia. Nossa primeira Assembleia Nacional Constituinte, de 1823,

manteve, no tocante ao ensino das profissões, a ideia de que aquele ramo de ensino destinava-se aos

humildes, aos pobres e aos desvalidos. Tanto que o Projeto da Constituição assinalava como

responsabilidade governamental: “Art. 254 – Terá igualmente cuidado de criar estabelecimentos

para a catequese e civilização dos índios, emancipação lenta dos negros e sua educação religiosa e

industrial” (grifos nossos).

A Constituição de 1824 afirmava ainda em seu artigo 179, que “a instrução primária é

gratuita a todos os cidadãos”, mas não havia nem escolas de instrução primária pagas e

‘”pouquíssimas” públicas. A lei de 1827 (projeto de Januário da Cunha Barbosa) que perdurou até

1946, determinava que deveriam ser criadas escolas em todas as cidades; é o Estado passando a

obrigação aos municípios que nada fazem. Nessa época não era necessário o primário para fazer o

secundário, no entanto, foram criados alguns cursos profissionalizantes, embora não facultavam o

acesso ao ensino superior, pois este era reservado à elite.

Os escravos estavam proibidos de ir à escola, e os professores eram vitalícios e deveriam

capacitar-se às suas custas e em curto prazo, nas escolas das capitais.

Ainda em 1826, o deputado Domingos Malaquias apresentou à Câmara dos Deputados um

“Projeto de Lei sobre a Instrução Pública no Império do Brasil”. Pelo projeto, a instrução seria

dividida em quatro graus distintos, e os estabelecimentos que deles cuidariam se chamariam:

Pedagogias (primeiro grau), Liceus (segundo-grau), Ginásios (conhecimentos relativos ao terceiro

grau) e Academias (ensino superior).

Interessante salientar que o projeto incentivava a aprendizagem, nos Liceus, do “desenho

necessário às artes e ofícios” e ainda “a obrigatoriedade, por parte das meninas, da aprendizagem

de costura e bordados.”

13

Os cursos de direito, criados em 1827, foram os mais procurados não só para formar

profissionais à atividade jurídica, mas para ocupar funções administrativas e políticas, pois o

diploma “enobrecia” ao mesmo tempo em que afastava “os letrados e eruditos” do trabalho físico

“maculado” pelo sistema escravista.

A escravatura, que desonrou o trabalho nas suas formas rudes, enobreceu o ócio e

estimulou o parasitismo, contribuiu para acentuar, entre nós, a repulsa pelas atividades

manuais e mecânicas, e fazer-nos considerar como profissões vis as artes e os ofícios.

Segundo a opinião corrente, ‘trabalhar, submeter-se a uma regra qualquer, era coisa de

escravos’. Nessa sociedade, de economia baseada no latifúndio e na escravidão, e à qual,

por isso, não interessava a educação popular, era para os ginásios e às escolas superiores,

que afluíam os rapazes do tempo com possibilidades de fazer os estudos (Azevedo, 1963:

574).

Antônio Ferreira França, deputado pela Bahia, em 1830, apresentou pela primeira vez um

projeto ao Congresso, visando instituir o ensino profissional no Brasil com a instalação de “escolas

de artes em cada distrito de cem fogos”. O projeto foi um grande sonho nunca aprovado e o

governo jamais teria como implantar uma escola dessa em cada cidade “de cem fogos” (isto é, cem

lares, cem casas) pelo país.

As ideias defendidas por França em nada alterou o pensamento da sociedade, tanto que, os

próprio médicos, engenheiros e advogados, embora devessem ser especializados, suas capacidades

profissionais só eram julgadas em função da cultura geral que possuíssem e da forma literária por

que se exprimissem.

As profissões liberais continuaram a ser vistas como mais nobres e as atividades manuais

destinadas àqueles menos dotados de inteligência e o ensino de ofícios continuou a ser visto com

menosprezo; os próprios fazendeiros encaminhavam seus filhos a uma educação que os levassem a

receber o título de doutor, proporcionando uma educação totalmente divorciada de suas ocupações

futuras.

Segundo Fernando de Azevedo, “a educação teria de arrastar-se, através de todo o século

XIX, inorganizada, anárquica, incessantemente desagregada. Entre o ensino primário e o

secundário não há pontes ou articulações: são dois mundos que se orientam, cada um na sua

direção” (Azevedo, 1987: 568).

O Ato Adicional de 1834 dividiu o setor estatal do ensino em duas esferas:

- cabe ao poder central promover e regulamentar o ensino superior;

- cabem às províncias a educação elementar e a secundária.

Aconteceu o fracionamento da educação, sem um eixo unitário, sem unidade no sistema,

aliás, deixou de existir um sistema nacional de educação; não houve currículo e muito menos

qualquer vinculação entre as disciplinas que eram escolhidas de forma aleatória, onde se ministrava

o ensino, em locais que “ousavam” chamar de escolas.

14

Como os recursos eram escassos, o resultado foi que o ensino, sobretudo o secundário,

acabou ficando nas mãos da iniciativa privada e o ensino primário foi relegado ao abandono.

A criação do Colégio D. Pedro II (1837), organizado de forma seriada e destinado a servir

de padrão de ensino, complica ainda mais o ensino secundário nas províncias, pois é o único a

conferir grau de bacharel, indispensável para o acesso aos cursos superiores.

Era o controle absoluto da coroa; o máximo que uma província podia almejar era a criação

de uma escola Normal e de uma de Prática Manual.

Enquanto isso, as escolas confessionais e leigas, junto com positivistas e profissionais

liberais aliados, desejavam expandir o ensino particular e, em 1849, foi criado um órgão que

regulava e incentivava a iniciativa privada, inaugurando-se a política de subvenção às Escolas

Privadas. Mas não pararam for aí, porque o desejo principal de setores da classe dominante era a

eliminação de obstáculos jurídicos e religiosos da Constituição de 1824; a liberdade de culto,

crença e ensino favoreciam a vinda de imigrantes (muitos protestantes) que eram excluídos das

escolas onde a religião católica era obrigatória.

Na segunda metade do século XIX, apesar das crises econômicas, houve um pequeno

avanço em termos de industrialização e de alguns ramos do setor terciário; ampliou-se a vida

urbana; a sociedade tornou-se mais complexa; aumentou o quadro da pequena burguesia urbana; o

trabalho assalariado de milhares de imigrantes tornou-se significativo na substituição da mão de

obra escrava. Tanto que em 1888 deu-se a abolição da escravatura e em 1889 é proclamada a

República.

A partir da década de 1870 até mesmo a Igreja Católica entrou em defesa da liberdade de

ensino ao lado de seus mais ferrenhos adversários, liberais e positivistas, por desejar desligar-se da

ingerência do Estado e também por lhe proporcionar um novo meio vantajoso para competir com

iniciativas particulares, confessionais ou não.

A reforma Leôncio de Carvalho, em 1879, defendeu a liberdade de ensino, de frequência e

de credo religioso e preconizou a organização de colégios com tendências divergentes da tradição

acadêmica e humanista; diversos projetos foram apresentados à Assembleia Geral Legislativa, mas

nenhum foi aprovado e o Estado continuou concedendo privilégios profissionais, através do poder

de conferir diplomas.

Em 1882, Antônio de Almeida Oliveira apresentou um projeto visando a reorganização do

ensino público inferior e superior, incluindo também a criação do ensino técnico nas províncias. No

mesmo ano surgiu um projeto de Rui Barbosa, onde ele destacou, segundo Lyon Playfair, citado por

Fonseca:

Não quero provar demais, nem cair no erro dos advogados da educação exclusivamente

prática, afirmando que a educação industrial seja tudo. O meu acerto está em que erramos

15

desconhecendo-a, e erram ainda os que a olham como menos valiosa do que a educação

clássica; o que digo, outrossim, vem a ser que, segundo a observação dos últimos cinqüenta

anos, dentre as duas, a educação técnica e industrial, exercitada nos laboratórios, nas

tendas, nas oficinas, nas fábricas, é a que mais frutificativamente influído tem para a

felicidade humana.

As palavras de Rui praticamente reabilitou uma forma de ensino desprezada durante a

maior parte da existência da nação brasileira. O projeto de Rui estruturava o ensino secundário em

sete cursos: o de ciências e letras (6 anos); o de finanças (5 anos); o de comércio (4 anos); o de

agrimensor e diretor de obras agrícolas (5 anos); o de maquinistas (5 anos); o industrial (5 anos); o

de relojoaria e instrumentos de precisão (3 anos). Era uma mistura com o secundário e não havia, no

currículo, o acompanhamento indispensável da parte prática.

O Império aproximo-se do fim, sem antes acontecer um fato extremamente importante de

nossa história: o fim da escravatura, o fim de um período em que nossa economia e cultura se

estruturavam com a exploração escrava.

Chegou-se ao final do Império, com uma verdadeira separação de classe: de um lado uma

minoria de homens altamente instruídos, e de outro, enorme massa de povo analfabeto, ou quase,

arcando com as tarefas mais espinhosas na construção do país.

Em 1889, para evitar “as facilidades” para o ingresso nas escolas superiores a tal ponto de

os exames preparatórios já não servirem para identificar os estudantes capazes de seguir um curso

superior, por sugestão de Rui Barbosa, foi criado o exame único de madureza.

Apesar de todas essas alterações, o Brasil continuou, na época da República, um país cujo

modelo econômico permanece agrário, exportador, dependente.

16

EDUCAÇÃO NA PRIMEIRA REPÚBLICA (1889/1930)

Depois da proclamação da República, a situação social e econômica do Brasil não sofreu

alterações substanciais. A República não tinha o propósito de romper com as estruturas

exploradoras que sacrificavam a população brasileira. A riqueza nacional continuou concentrada

em algumas poucas mãos, enquanto predominava na economia um sistema de monocultura, com a

produção voltada à satisfação do mercado externo. Continuou pesando sobre a nação a herança do

processo histórico colonial.

A base da estrutura do poder, a nível local, foi o coronelismo4; no plano nacional a política

dos governadores5 ou política dos Estados; cujo rompimento se dará com a revolução de 30;

enquanto a economia, notadamente nas duas primeiras décadas, gravita em torno dos Estados de

São Paulo, Rio de Janeiro e Minas, a política do café-com-leite6.

Várias tentativas de industrialização foram abortadas, mas, na década de 20, devido à

acumulação de capital, disponibilidade de mão de obra livre, o mercado de consumo interno e a

grande especulação financeira internacional e ainda, em consequência da crise de 1929, que

perturbou o ramo agrário e monocultor, voltado ao mercado externo, houve uma tomada de posição

a favor do ramo industrial e do agrário voltado ao mercado interno, posição essa apoiada pelo

agrupamento das oligarquias dissidentes na Aliança Liberal; o capitalismo ocasionou o

aceleramento da divisão social do trabalho e crescente nível de profissionalização; consolidou-se o

empresariado rural e, por força do processo imigratório evoluiu a consciência do proletariado

urbano e rural e ainda a urbanização forçou a ampliação dos quadros escolares.

A união do movimento tenentista,7 com as oligarquias dissidentes na Aliança Liberal

acabou por provocar a queda da República Velha com a Revolução de 30.

As transformações econômicas e culturais, mormente a partir da Primeira Grande Guerra,

são fatores de entendimento para o período que o professor Jorge Nagle costumou chamar de

“entusiasmo pela educação e o otimismo pedagógico”, devido ao surgimento de intelectuais e

4 Grandes latifundiários que influenciavam e controlavam pessoas, especialmente no período eleitoral, cujo

sistema baseava-se no voto aberto (voto de cabresto). 5 Idealizada por Campos Sales, consiste no sistema de alianças entre os governadores de estado e o governo

federal. 6 Política das oligarquias agrárias, liderada pelos partidos políticos: PRP de São Paulo e PRM de Minas, que

controlavam o poder durante toda a República Velha. 7 Por tenentismo entende-se o movimento que realizou as principais manifestações da jovem oficialidade

militar durante a década de 20.

17

educadores “profissionais” que empreenderam debates e planos de reforma voltados à recuperação

do país.

A alfabetização foi tida como o “primeiro passo” necessário da educação primária, e se

considerou mais democrático ensinar a ler, escrever e contar à maioria das crianças, do que

fornecer uma educação mais ampla, para uma minoria, apenas. Se por um lado, na escolarização de

nível primário se encontrou o ponto mais alto do entusiasmo pela educação e do otimismo

pedagógico, por outro lado, a mesma atitude se encontrou no esforço para difundir e repensar a

escolarização técnico-profissional.

Já em 1906, a Câmara dos Deputados aprovava o orçamento do Ministério da Justiça e

Negócios Interiores onde constavam verbas destinadas às “escolas técnicas e profissionais”. O

ensino profissional passou a preocupar nossa sociedade, pois fatores econômicos exerciam pressão

no sentido de ser melhorada a mão de obra dos estabelecimentos fabris, especialmente depois do

desastre econômico conhecido por “encilhamento”8, tanto que no Manifesto do Presidente Afonso

Pena esta preocupação esteve presente quando afirmou que “a criação e multiplicação de institutos

de ensino técnico e profissional muito podem contribuir também para o progresso das indústrias,

proporcionando-lhes mestres e operários instruídos e hábeis”.

Pena criou o Ministério dos Negócios da Agricultura, Indústria e Comércio e que incluía

entre suas atribuições os assuntos relativos ao ensino profissional, mas veio a falecer em 1909 e o

vice, Nilo Peçanha assumiu a Presidência. Este, ainda como presidente do Estado do Rio de Janeiro,

havia criado escolas profissionais em seu Estado e apenas três meses após a posse, em 23 de

setembro de 1909, através do Decreto 7566, cria nas capitais dos Estados, as escolas de aprendizes

e artífices.

Deve-se ressaltar que, mesmo na República e em nosso século, o preconceito ainda

permanecia dando preferência “aos desfavorecidos da fortuna” a aprendizagem profissional.

Em 1910, começou a funcionar, em dezenove Estados, as Escolas de Aprendizes e

Artífices; a de Curitiba inaugurada a 16 de janeiro daquele ano que passou por diversas

denominações, como Escola Industrial de Curitiba, Centroo Federal de Educação Tecnológica

Paraná – CEFET-PR e hoje Universidade Tecnológica do Paraná.

A competição gestada no interior de uma nova forma de organização do capital,

responsável pela crise de 1929-30, em si mesma não interessa se não for lembrado que as

8 Encilhamento: ato de colocar arreios em cavalos. Reforma financeira de Rui Barbosa nos primeiros anos da

República, caracterizada por grande exploração financeira na Bolsa do Rio de Janeiro, inclusive com

especulação baseada em ações de empresas fantasmas. A agitação na bolsa lembrava o barulho do Jóquei

Clube do Rio de Janeiro, onde se encilhava cavalo, daí a expressão “encilhamento”.

18

exigências para a transformação da escola já estavam sedimentadas nas novas exigências práticas

da reprodução do capital.

Assim, exatamente no bojo de transformações da ordem capitalista, é que ideias

consideradas renovadoras sobre o sistema educativo invadem a sociedade, os meios de

comunicação e mobilizam definitivamente os educadores.

Vale lembrar que dispositivos constitucionais definiam as competências da União e dos

Estados de maneira não concorrente. Os Estados transformaram seus sistemas escolares no campo

do ensino primário, normal, principalmente, e profissional; a União revelava exagerada moderação

em alterar o ensino secundário e superior, este continuando a ter predominantemente a função de

formar “doutores” e “bachareis”, cada vez mais necessários em virtude da oligarquia rural não estar

conseguindo dirigir adequadamente o aparelho burocrático estatal.

Reformas

A reforma João Luiz Alves (1925)9 foi a mais abrangente da época, contemplou o ensino

primário, secundário e superior além do que se refere à administração escolar. O Governo federal

promoveria e estimularia o ensino primário, secundário e profissional em todo o país. Estas

medidas, no entanto, permaneciam na lei, pois as reformas não se implantavam de fato devido a

falta de infra-estrutura e de apoio das elites, arredias às renovações culturais.

O ensino oficial cedeu lugar a um ensino livre, diversificado e flexível em estabelecimentos

autônomos, provocando balbúrdia na vida escolar e nova reforma se apresentou como um meio-

termo quanto à interferência do Estado nos assuntos de instrução.

A articulação entre o ensino secundário e superior é decisiva na definição do caráter

seletivo e preparatório do ensino secundário que resistiu às reformas que procuravam torná-lo

menos humanístico por influência do positivismo; contudo, sua seriação foi um dos aspectos a ser

destacado.

O ensino técnico-profissional visava atender às “classes pobres”, com um programa

propriamente educacional voltado para as “classes populares”. Mesmo quando se procurou

remodelar o ensino técnico, as Escolas de Aprendizes e Artífices conservaram suas características

9 GERMANO José Willington. Estado Militar e Educação no Brasil (1964-1965). São Paulo: Cortez, 1994, p.

159, nos lembra que, “desde a proclamação da República, as reformas educacionais foram: Benjamim

Constant (1890); Amaro Cavalcanti (1892); Epitácio Pessoa (1901); Rivadávia Correa (1911); Carlos

Maximiliano (1915); João Luiz Alves (1925); Francisco Campos (1931); Gustavo Capanema (1942); LDB

(Lei de Diretrizes e Bases) – 1961; LDB (1971)” e, agora, a atual LDB de 1996.

19

assistenciais; não houve como romper a estrutura social para que se processasse alterações

profundas nesse campo de ensino.

A partir de 1926 regulamentou-se o ensino técnico comercial, dada a necessidade da

preparação técnica especializada exigida pelas mudanças políticas, econômicas e sociais.

Quanto ao ensino agrícola, a União foi omissa, tratando apenas de traçar algumas metas,

isso num país essencialmente ligado à agricultura. A criação dos “Patronatos Agrícolas” destinava-

se a “classes pobres”, visando a educação moral, cívica e profissional de menores carentes; aos

“outros”, a Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária.

O liberalismo, que dominou a implantação e o desenvolvimento do Estado brasileiro,

justificou a ampla autonomia concedida aos Estados, transformando-os em vigorosos redutos de

interesses privados, inclusive na área educacional e alguns patrocinaram importantes reformas

educacionais.

Entre tantas, destacam-se as de Sampaio Dória (SP), Lourenço Filho (CE), Anísio Teixeira

(BA), Carneiro Leão (PE), Francisco Campos (MG), esta representa um movimento reformista

fundamental, provocando uma alteração no ideário sobre escolarização: substituição de um

“modelo político” por um “modelo pedagógico”; influência marcante do “ideário escolanovista que

se conjugava com o otimismo pedagógico” (Ghiraldelli, 1990: 19).

A Escola Nova trouxe a esperança de democratização e de transformação da sociedade por

meio da escola. Entretanto, o “escolanovismo se ocupa mais com os aspectos técnicos, o que ajuda

a desviar do debate educacional seu tema mais importante, a educação popular” (Aranha, 1997:

199).

O Estado no campo da escolarização, no período, se apresentou como instituição

asseguradora da estrutura das classes existentes. No entanto, as transformações e as inquietações

sociais que se desencadeiam e que resultam no fenômeno do entusiasmo pela educação

(quantidade) e do otimismo pedagógico (qualidade), denunciam a existência de um novo processo

de relacionamento entre Estado e Nação.

20

EDUCAÇÃO NA ERA VARGAS

O período getulista foi assinalado por grandes conflitos: iniciou-se com a revolução de 30,

que levou Getúlio Vargas ao poder; vieram a Revolução Constitucionalista de 32, a Intentona

Comunista de 35, o Golpe de 37 e a Segunda Grande Guerra.

Nenhuma classe social, em 30, foi suficientemente organizada e em condições de impor

sua orientação ao governo, tendo, então, Getúlio Vargas, a possibilidade de manipular as várias

forças sociais em busca de sustentação política e organização de um Estado forte. A ação de Vargas

desarticulou o poder das oligarquias e instituiu a República populista10 no Brasil.

Com o fim da guerra, em 45, uma onda liberal varreu o mundo, influenciando a vida

política no Brasil, e, não por acaso, termina 15 anos do governo Vargas.

Logo após o sucesso da Revolução de 30, Vargas criou o Ministério da Educação. E, com

ele, começou a mudar o tratamento dado à questão do ensino no Brasil. Nas décadas de 30 e 40, o

Governo procurou formular as linhas gerais de um plano nacional de educação, cuja execução seria

coordenada pelo Ministério da Educação. Foram criados o Instituto Nacional de Estudos

Pedagógicos e o Instituto Nacional do Livro. Funda-se o Serviço Nacional de Aprendizagem

Industrial (SENAI) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC).

O fato é que, até o momento, a educação escolar “carecia de função importante a

desempenhar junto à economia”. No entanto, quando a economia entrou “em processo de

modernização, (...) criam-se novas exigências educativas (...) que determinam o grau de avanço ou

de atraso da escola” (Romanelli, 1997: 55).

As mudanças na produção e a concentração cada vez maior da população nos meios

urbanos trouxeram a necessidade sempre maior de eliminar o analfabetismo e dar um mínimo de

qualificação para o trabalho para um máximo de pessoas. A expansão da demanda escolar, neste

sentido, deram-se nas regiões onde se intensificaram as relações de produção capitalista, o que

acabou criando uma das contradições mais sérias do sistema educacional brasileiro, pois o Estado,

agia mais com vistas ao atendimento das pressões do momento do que propriamente com vistas a

uma política nacional de educação.

Foi do lado da demanda e não do lado da oferta que partiu a iniciativa de pressionar o

sistema educacional no sentido de seu alargamento. O movimento da expansão fundamentou-se em

10 Populismo: fenômeno político latino-americano no período pós-guerra, inicia-se no Brasil com Vargas e

estende-se até a queda de João Goulart e consistia na manipulação pelo Estado das camadas urbanas e suas

reivindicações.

21

dois polos: a economia (qualificação para o trabalho); a pressão da população (exigência de mais

educação)

E a política não dispunha nem de recursos suficientes, nem de planejamento para atender

reivindicações da população por uma crescente demanda de educação, enquanto que os

movimentos de reforma surgidos durante a República Velha continuaram em expansão. Combatiam

a educação elitista e acadêmica tradicional, monopolizada pela Igreja que considerava ser a

verdadeira educação aquela baseada na formação cristã.

A publicação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova11, considerando dever do

Estado tornar a educação obrigatória, pública, gratuita, leiga e ampla; criticando o sistema dual

(uma escola para os ricos e outra para os pobres); reivindicando uma escola básica única, acirraram

os debates ideológicos sobre a educação, ao menos até a ditadura.

Na Constituição de 1934, a educação passou a ser vista como um direito de todos, tal como

a obrigatoriedade e gratuidade do ensino primário e o apoio aos estudantes necessitados e um Plano

Nacional de Educação, desde que “observadas as prescrições da legislação federal e da estadual”;

de qualquer modo, ao menos na lei, era um avanço.

Então aconteceu a “Intentona Comunista”, o “Plano Cohen” e o Golpe.O Estado Novo. A

Igreja Católica, usufruindo de privilégios do poder, apoiava as reformas sociais do “pai dos

pobres”.

Carta de 37. Garantia de ensino em instituições públicas onde “faltarem os recursos

necessários à educação em instituições particulares” (art. 129). O ensino primário era obrigatório e

gratuito, mas exigia “uma contribuição módica e mensal para a caixa escolar” daqueles que não

pudessem provar “escassez de recursos” (art. 130) e que o primeiro dever do Estado era “o ensino

pré-vocacional e profissional destinado às classes menos favorecidas” (art. 129). Era praticamente

dois tipos de escola: um, primário, profissional e terminal para as “classes populares”; outro,

primário-secundário-superior, para a elite.

Reforma Francisco Campos

Foi a primeira vez que uma reforma atingia profundamente a estrutura do ensino e visando

uma organização em nível nacional, sobretudo no que se refere ao ensino secundário, ao comercial

e à organização do sistema universitário.

11 RIBEIRO (1995: 180-110), apresenta uma síntese do programa educacional extraído do Manifesto dos

Pioneiros de 32; enquanto que GUIRALDELLI ( 1991: 51-82) tece um amplo comentário a respeito e o

mesmo autor (1990: 54-78) transcreve o texto original, inclusive na grafia da época.

22

A reforma, apesar de traçar novas diretrizes e dar uma organização ao ensino, deixou

marginalizados os ensinos primário e normal e os vários ramos de ensino médio profissional, salvo

o comercial; não tratou de estabelecer articulação entre os vários ramos do ensino médio; não

conseguiu eliminar a velha tradição liberal aristocrática; não se preocupou com o ensino técnico e

científico e foi altamente seletiva e elitizante; como o ensino profissionalizante não dava

possibilidade de acesso ao aluno ingressar numa faculdade, era grande a demanda ao ensino

acadêmico em prejuízo ao ensino profissional.

Reforma Capanema

Capanema, ministro da Educação (1934 a 1945) editou diversos decretos - Leis Orgânicas

do Ensino - reestruturando o sistema de ensino.

O secundário passou a ser dividido em dois cursos: ginasial - 4 anos e colegial - 3 anos,

este separado em dois cursos paralelos, clássico e científico.

Segundo a legislação, as finalidades desse ensino são “formar a personalidade integral dos

adolescentes”, “acentuar e elevar a consciência patriótica e a consciência humanística”, “dar

preparação intelectual geral que possa servir de base a estudos mais elevados de formação

especial” e, ainda, “formar as individualidades condutoras”.

Comenta Romanelli (1997: 157) a esse respeito:

Em síntese, a julgar pelo texto da lei, o ensino secundário deveria: a) proporcionar

cultura geral e humanística; b) alimentar uma ideologia política definida em termos de

patriotismo e nacionalismo de caráter fascista; c) proporcionar condições para o ingresso no

curso superior; d) possibilitar a formação de lideranças. Na verdade, com exceção do item

b, constituído de um objetivo novo e bem característico do momento histórico em que

vivíamos, a lei nada mais fazia do que acentuar a velha tradição do ensino secundário

acadêmico, propedêutico e aristocrático.

Quanto ao ensino profissional, em 1937, Capanema mudou as denominações de Escolas de

Aprendizes e Artífices para Liceus “destinados ao ensino profissional, de todos os ramos e graus”.

Devemos lembrar que a Constituição de 37 afirmava que “o ensino pré-vocacional e profissional

destinado às classes menos favorecidas (grifo nosso) é, em matéria de educação, o primeiro dever

do Estado”.

Compromete-se o governo Vargas a subsidiar quaisquer iniciativas que viessem a

estabelecer escolas de ensino profissional, desde Estados, Municípios, indústrias, sindicatos e

associações particulares e profissionais, tão grande era a importância atribuída à indústria e serviços

De qualquer modo, às camadas populares, a profissionalização; às classes média e alta, os

“cursos de formação” que “classificavam” socialmente.

23

Convém ainda ressaltar que o maior problema do ensino profissional se constituía na

carência de professores capacitados, o que não deixou de ser uma preocupação dos responsáveis

pela educação no período republicano; tanto que, em 1917 surgem as primeiras escolas normais no

Rio de Janeiro com o objetivo do ensino de artes e ofícios. Em 1942 criam-se os cursos de

Pedagogia em consonância com a Lei Orgânica do Ensino Industrial e, em 1952, na Escola Técnica

Nacional, no Rio de Janeiro, entra em funcionamento o primeiro curso nessa modalidade de ensino

e, três anos depois aparece o Instituto Pedagógico do Ensino Industrial em São Paulo e o Centro de

Pesquisa e Treinamento de Professores, em Curitiba.

Após o Estado Novo, em 1946, foi regulamentado o ensino primário, sob a influência do

movimento renovador e dos princípios estabelecidos pelo Manifesto de 1932. Contudo, a

prescrição legal não mudou a realidade, especialmente no tocante a professores sem formação

adequada, apesar de recursos serem destinados ao ensino primário.

24

EDUCAÇÃO NA SEGUNDA REPÚBLICA (1946-1964)

Com o fim do Estado Novo, o Brasil ingressa na vida democrática e surgem os vários

partidos políticos de tendências diversas e entra em vigor uma nova Constituição liberal. Após a

Segunda Grande Guerra há grandes transformações no mundo todo e os outrora aliados Estados

Unidos e União Soviética iniciam a Guerra Fria. O governo brasileiro começa a ser autoritário de

novo “massacrando” os trabalhadores, cuja situação modifica-se um pouco com a volta de Vargas

ao poder, cuja política nacionalista em favor do trabalhador conflita com as elites do país,

culminando com o suicídio de Getúlio. As novas eleições conduzem ao poder Juscelino K. de

Oliveira, que pretendia fazer o Brasil “crescer 50 anos em 5”. Depois vem Jânio Quadros que

provoca novo tumulto político com sua renúncia e assume João Goulart propondo reformas

profundas para o país, entre elas a agrária. Então, chegam os militares, tomam o poder, instalam a

ditadura, acabam com a democracia e amordaçam o povo, o povo trabalhador.

Lei 4.024/61 - LDB

A nova Constituição retoma os valores defendidos pelos “pioneiros” da educação de 32.

Em 1948, em obediência à Constituição, Dutra envia ao Congresso Nacional um projeto de

lei sobre as diretrizes e bases da educação nacional, dentro de princípios liberais: “a educação

nacional inspira-se nos princípios de liberdade e nas ideias de solidariedade humana”. O projeto,

muito tempo depois, em 1961, vai se tornar na Lei 4.024, a “Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional”12, a LDB. Proposta avançada para a época, mas que foi superada pela rapidez das

mudanças sócio-econômicas do país e pelos longos debates ideológicos e pelo confronto de

interesses que a precederam.

Segundo Buffa (1979: 108), “de acordo com a análise do contexto histórico, a ideologia

que se opõe à situação dominante é a socialista, por que, então, no conflito escola particular e

escola pública, socialistas e liberalistas se aliam em oposição à Igreja Católica?”; e continua

afirmando que “não estava em questão a contradição entre burguesia e proletariado, mas a

contradição entre setor moderno e tradicional - ambos capitalistas. O que ocorreu foi a oposição

12 Para uma maior compreensão da gestação desta Lei, confrontar Saviani (1996) e Buffa (1979).

25

entre a Igreja - setor tradicional e os liberais - setor moderno, e a aliança destes com os de

tendência socialista”.

As forças conservadoras conseguiram arregimentar-se com eficácia e, praticamente, na lei

prevaleceu a velha situação.

Em essência, permaneceram, como fundamento da lei, os “direitos da família” e a

igualdade de direitos para a escola privada em relação à pública, tanto no que se refere à

representatividade nos órgãos de direção do ensino, quanto no que se refere aos recursos para a

educação, o que caracteriza uma profunda injustiça social numa sociedade carente e fora da escola.

E concluindo com Romanelli, podemos observar que “a legislação é sempre o resultado da

proposição dos interesses das classes representadas no poder”.

26

EDUCAÇÃO SOB A DITADURA MILITAR

A queda de João Goulart significou o fim do período democrático e o início da mais longa

ditadura de nossa história. Cinco generais-presidentes sucederam-se no poder amordaçando a

sociedade pela força das armas, cassando-a em seu direito de voto, censurando-a em todas as suas

manifestações: tortura e morte pela violência dos órgãos de repressão.

Instalado pelo golpe de 1964, esse regime político assegurou, contra qualquer avanço social

e popular, a preservação do caráter burguês da sociedade com a adoção de um modelo de

desenvolvimento dependente, subordinando o país ao interesse, ao capital e à tecnologia

estrangeiros, e aprofundou a pobreza da população e a dependência do país em relação aos

interesses do capitalismo internacional.

Como consequência das lutas sociais desse período ocorreu a derrocada do regime militar,

com a passagem gradual do poder para os civis, sem ocorrer a plena ruptura, o que tem assegurado

a permanência da Nova Velha República.

O corte nas verbas para a educação pública e gratuita e o arrocho salarial do corpo docente

e administrativo das escolas desestimularam o processo educacional. Para contrabalançar a redução

das vagas na rede pública, os governos militares estimularam a proliferação do ensino pago,

fornecido pelas escolas privadas. Assim, as responsabilidades do Estado com a educação previstas

na própria Constituição foram reduzidas.

Art. 176. A educação, inspirada no princípio da unidade nacional e nos ideais de

liberdade e solidariedade humana, é direito de todos e dever do Estado, e será dada no lar e

na escola.

- § 1º O ensino será ministrado nos diferentes graus pelos poderes públicos.

- § 2º Respeitadas as disposições legais, o ensino é livre à iniciativa particular, a

qual merecerá o amparo técnico e financeiro dos poderes públicos, inclusive mediante

bolsas de estudo.

O Estado procurou expandir o ensino e, ao mesmo tempo, conter despesas, favorecendo

grupos privados que passaram a atuar agressivamente no campo educacional.

Ao pretexto de que o país estava se desenvolvendo e precisava de pessoal técnico

especializado, o Estado reformou a Lei 4.024/61, através da Lei nº 5.540/68, atrelando o sistema

educacional ao modelo de desenvolvimento econômico dependente, imposto pela política

econômica norte-americana e, para tanto, recebeu assistência técnica e financeira, a partir de 1964,

através dos acordos MEC-USAID (Ministério da Educação e Cultura e United States Agency for

International Development) para realizar a reforma que se assentou em três pilares:

27

- educação e desenvolvimento, visando a formação de profissionais que

atendessem às necessidades urgentes do país quanto à mão-de-obra

especializada para um mercado em expansão;

- educação e segurança, visando a formação do cidadão consciente;

- educação e comunidade, visando estabelecer a relação entre escola e

comunidade.

Reforma Universitária

Na verdade, a reforma universitária era reivindicação da sociedade civil e da própria UNE,

“desde fins da década de 40”, reivindicação que se intensificou nos anos 60, quando a reforma foi

incluída entre as reformas de base, propostas por João Goulart; contudo a grande diferença é que

para os estudantes e para a sociedade, ao contrário do que ocorreu, as reformas deveriam promover

autonomia nas universidades, liberdade de modificar currículos e programas. No entanto, dentro da

ditadura militar tudo foi feito para desmontar a idéia de uma universidade livre e crítica; anulando-

se o espaço de participação política, ocorreu a liquidação de tudo aquilo que se pretendia com uma

reforma universitária, realizada “pelos militares” num momento crítico de nossa história, quando,

em plena Guerra Fria procurava-se exercer o controle político e ideológico dentro do mundo

capitalista, sob a égide dos USA, combatendo-se contra o principal inimigo: o “virus” do

comunismo.

A reforma educacional se desenvolveu em torno dos seguintes eixos, assim sintetizados por

Germano (1994: 105-6):

1) Controle político e ideológico da educação escolar, em todos os níveis. Tal

controle, no entanto, não ocorre de forma linear, porém, é estabelecido conforme a

correlação de forças existentes nas diferentes conjunturas históricas da época. Em

decorrência o Estado militar e ditatorial não consegue exercer o controle total e completo

da educação. A perda de controle acontece, sobretudo, em conjunturas em que as forças

oposicionistas conseguem ampliar o seu espaço de atuação política. Daí os elementos de

“restauração” e de “renovação” contidos nas reformas educacionais; a passagem da

centralização das decisões e do planejamento, com base no saber da tecnocracia, aos apelos

“participacionistas” das classes subalternas. 2) Estabelecimento de uma relação direta e

imediata, segundo a “teoria do capital humano”, entre educação e produção capitalista e que

aparece de forma mais evidente na reforma do ensino do 2º grau, através da pretensa

profissionalização. 3) Incentivo à pesquisa vinculada à acumulação de capital. 4)

Descomprometimento com o financiamento da educação pública e gratuita, negando, na

prática, o discurso da valorização da educação escolar e concorrendo decisivamente para a

corrupção e privatização do ensino, transformando em negócio rendoso e subsidiado pelo

Estado (...) e desqualifica a escola pública de 1º e 2º graus.

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No essencial, podemos afirmar com ele, que a “política educacional foi uma expressão da

dominação burguesa, viabilizada pela ação política dos militares”.

A “restauração”, na reforma universitária, possibilitou o restabelecimento da “ordem” do

Estado totalitário, através de medidas repressivas e coercitivas e também através do trabalho

ideológico e propagandístico da “Revolução de 64”. A ordem era desmobilizar, integrar os

estudantes no processo de desenvolvimento, porém, sem contestação ao regime, agregando-se os

estudantes, especialmente, com a criação de extensões universitárias, destacando-se o Projeto

Rondon.13

E “renovação” porque apresentou mudanças efetivas para o ensino superior: extinção da

cátedra, introdução da estrutura departamental, implantação do sistema de crédito e periodicidade

semestral, divisão do curso de graduação em duas partes (ciclo básico e profissional), modificação

do regime de trabalho dos professores com a introdução da dedicação exclusiva, ensino e pesquisa

como indissolúveis no ensino superior e a implantação da pós-graduação, embora permeadas de

notórios limites.

Além do mais, houve crescimento no número de instituições de ensino superior, apesar de,

em sua grande maioria, serem privadas e freqüentadas por aqueles que não puderam lograr vaga

nas universidades públicas, afundando ainda mais o fosso social entre as classes brasileiras,

privilegiando o topo da pirâmide social.

Foi destaque também na reforma universitária sua grande preocupação em preparar

profissionais para o mercado de trabalho no ensino médio e superior, tanto que o AI-5 estabelecia

que seria negada autorização para funcionamento de estabelecimento de ensino superior isolado se

não correspondesse “à exigência de mercado de trabalho, em confronto com as necessidades do

desenvolvimento nacional ou regional”. Foi uma concepção empresarialista da educação, segundo

Germano, influenciada pelos pressupostos da denominada “teoria do capital humano” ou economia

liberal e, para um maior entendimento do assunto o autor remete à leitura de Goertzel (1967),

Arapiraca (1982) e Frigotto (1984).

Reforma do Ensino de 1º e 2º Graus

Dentro do contexto histórico da época, o governo promulgou a Lei 5.692/71 fixando

diretrizes e bases para o ensino de 1º e 2º Graus que “tem por objetivo geral proporcionar ao

13 O projeto extensionista surgia sob o signo do assistencialismo aos “carentes”, do controle político e

ideológico dos estudantes e sob a égide da Ideologia da Segurança Nacional: desenvolvimento e segurança

(Germano, 1994: 126).

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educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de

auto-realização, qualificação para o trabalho e preparo para o exercício consciente da cidadania”

(Art. 1º).

A Lei destacou dois pontos fundamentais: a obrigatoriedade escolar (1º grau) e a

profissionalização no ensino médio (2º grau).

O Ensino de 1º Grau

O ensino de primeiro grau foi considerado na reforma como o ensino fundamental com

duração de 8 anos e destinava-se à formação da criança e do pré-adolescente. Obrigatório em todo

o país para crianças dos 7 aos 14 anos. Cabia aos governos municipais criar condições para que

toda a população infantil fosse alcançada pela rede escolar do 1º grau.

A ampliação dos anos de escolarização visava, entre outras coisas, absorver

temporariamente a força de trabalho “supérflua”, contribuindo, dessa forma, para regular o

mercado de trabalho e, também, atender a uma demanda social, pois à medida que o sistema

escolar se expandia o mercado exigia uma elevação dos requisitos educacionais da força de

trabalho, “embora isso não signifique que as tarefas se tornaram mais exigentes”. Por outro lado, “o

Estado tentou preservar a sua própria legitimidade, ou seja, o apoio e o reconhecimento dos

cidadãos somente na medida em que logrou manter a ficção de igualdade entre eles”, produzindo

uma experiência de igualdade de oportunidades e com isso assumindo uma mentalidade em relação

às classes no que concerne às suas próprias funções, quando, na verdade, o status social e as

oportunidades de vida dos indivíduos estão ligados ao movimento de uma economia regulada pelo

lucro. Mesmo com a ideia de que a defasagem educacional era incompatível com o “Brasil-

potência”, uma parte substancial da população, pertencente às classes subalternas, sequer (ainda

hoje) tiveram acesso à escola.

Segundo Germano (1994), os excluídos do sistema educacional são os pobres e, entre estes,

os pretos e os pardos; a reforma assumiu uma dimensão meramente quantitativa, através da

diminuição da jornada escolar, do aumento de vagas e de turnos, continuando a política

educacional a privilegiar o topo da pirâmide social.

O Ensino de 2º Grau

Destinava-se “a formação integral do adolescente”, com duração de 3 ou 4 anos, ao final

dos quais o aluno “podia” ingressar no ensino superior.

30

Todo o 2º Grau tornou-se profissionalizante (eliminando o dualismo anterior: escola

secundária e escola técnica), podendo um aluno ser um auxiliar técnico (3 anos) ou um técnico (4

anos).

Diz Germano que a Lei 5.692/71, ao ser decretada pelo Congresso Nacional e sancionada

pelo Presidente da República, assume uma configuração ainda mais radical com relação à

“preparação para o trabalho”, em “consonância com as necessidades do mercado de trabalho”;

tanto é assim que o Artigo 5º parágrafo 1º estabelecia o seguinte: “O currículo pleno terá uma parte

de educação geral e outra de formação especial, sendo organizado de modo que: a) no ensino de 1º

grau, a parte de educação geral seja exclusiva nas séries iniciais e predominantemente nas finais;

b) no ensino de 2º grau, predomine a parte de formação especial.” Dizia mais o parágrafo 2º, alínea

a, acerca da formação especial: “Terá o objetivo de sondagem de aptidões e iniciação para o

trabalho, no ensino de lº grau, e de habilitação profissional, no ensino de 2º grau.” E arremata ele

afirmando que intelectuais militares e eclesiásticos uneram-se em torno dos mesmos propósitos,

aqueles por sua experiência do aprendizado da “arte da guerra”, estes porque a legislação

apresentava uma fundamentação cristã na defesa da profissionalização (Germano, 1994: 180).

Contudo, nesta etapa de nossa história, o 2º grau tinha de ser profissionalizante para

satisfazer os interesses imediatos da política então vigente, a legislação criada e sob forte

inspiração da “teoria do capital humano”; mas, apesar de tudo, não são fornecidas as condições,

materiais e humanas, para isso. O resultado foi previsível: implantação das habilitações mais

baratas, com um currículo oficial apenas para o “fiscal ver”, enquanto as escolas destinadas à

formação da elite, mormente privadas, continuavam no ensino propedêutico, voltado à preparação

para o Vestibular, tanto que o CFE emite Pareceres (45/72 e 76/75) “suavizando” e reordenando a

profissionalização preconizada pela Lei 5.692/71.

Em Saviani (1997: 6-7) lê-se que “ao justificar a profissionalização universal e compulsória

do ensino de segundo grau, o Relatório do Grupo de Trabalho que elaborou o texto da lei critica o

dualismo anterior do ensino médio aludindo ao slogan ‘ensino secundário para os nossos filhos e

ensino profissional para os filhos dos outros’”, no entanto, “a diferenciação e o tratamento desigual

foram mantidos no próprio texto da lei, apenas convertendo o slogan anterior neste outro:

‘terminalidade legal para os nossos filhos e terminalidade real para os filhos dos outros’”.

Vários motivos, segundo Germano (1994:185-187), levaram ao fracasso da

profissionalização e, por conseguinte, da reforma do ensino de 2º grau, destacando-se: limites de

recursos; adoção de uma profissionalização compulsória de caráter terminal; discrepância prática e

crônica desatualização; a demanda para a universidade não foi estancada; não implantação da

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profissionalização na maioria das escolas públicas (especialmente estaduais e municipais) por falta

de recursos; profissionalização descartada na rede privada

Foi evidente a falência da política educacional do ensino de 1º e 2º graus durante o regime

militar, pois não conseguiram nem a universalização e maior ampliação da escolarização

obrigatória no 1º grau e nem a profissionalização no 2º, tanto que a Lei 7.044/82 revoga a

obrigatoriedade da profissionalização no ensino de 2º grau..

De maneira geral, pode-se dizer que a política educacional implantada durante a ditadura

foi extremamente prejudicial para o país. A privatização crescente do ensino contribuiu para elevar

os índices de evasão escolar e de analfabetismo (apesar do MOBRAL e do ensino supletivo), já que

os trabalhadores não podiam mandar seus filhos à escola privada.

Assim, quando menos a classe dominante esperava, essa massa apareceu reunida nas

praças, lutando pelos seus direitos e contra o regime que tanto a manobrava e explorava, pondo a

nu os antagonismos da sociedade de classes que a repressão da ditadura procurava ocultar.

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A NOVA VELHA REPÚBLICA

Com a agonia do regime militar, o Brasil caminhou para a vida democrática: partidos

marginalizados emergem; a UNE, “ardente sob as cinzas”, reorganiza-se; cai a censura e os debates

políticos ressurgem; a CNBB, a ABI, a OAB, a SBPC, os sindicatos, grupos representativos da

sociedade civil debatem os problemas nacionais; há inflação, graves crises políticas e

“impeachment” de presidente, mas a “democracia” esta aí...

Chega a Constituição de 1988 que estabelece os princípios gerais da educação, incorpora os

da lei 5.692/71 e, quanto às condições para a realização dos objetivos remete (art. 214) ao

estabelecimento de um “plano nacional de educação (...), visando à articulação e ao

desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e a integração das ações do Poder Público que

conduzam à: (I) erradicação do analfabetismo; (II) universalização do atendimento escolar; (III)

melhoria da qualidade do ensino; (IV) formação para o trabalho; (V) promoção humanística,

científica e tecnológica do País.

Outros pontos fundamentais da atual Constituição sobre a educação: direito de todos e

dever do Estado e da família (...) (art. 205); gratuidade do ensino público em estabelecimentos

oficiais (art. 206-IV); valorização dos profissionais do ensino (art. 206-V); garantia de padrão de

qualidade (art. 206-VII); autonomia universitária (art. 207); responsabilidade do Poder Público

quanto à oferta do ensino obrigatório (art. 208-p. 2° ); a União aplicará, anualmente, nunca menos

de 18% e os Estados e Municípios, no mínimo, 25%, da receita de impostos (art. 212) na educação;

os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas

comunitárias, confessionais ou filantrópicas, desde que comprovem finalidade não-lucrativa (art.

213).

Grande parte destes objetivos sempre estive presente na maioria de nossas Constituições ou

leis educacionais. Geralmente, leis avançadas e não cumpridas.

Parece-nos que, atualmente, o governo deixou de preocupar-se apenas com as

mensalidades escolares do ensino privado e passou a “mexer” na qualidade de ensino de um modo

geral, inclusive naquele ministrado nas Universidades e faculdades, em sua grande maioria

privadas.

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Faz muito tempo que, na lei, a educação é um direito do cidadão e um dever do Estado,

mas também há muito tempo, os poderes públicos não vem cumprindo este dever, a não ser dentro

dos parâmetros estabelecidos pelo que é útil às classes dominantes...

“O plano nacional de educação” preconizado pela Constituição, discutido amplamente pelo

Congresso, resultou na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394, de 20 de

dezembro de l996.14

14 Remetemos os interessados à leitura da obra “A Nova Lei da Educação – Trajetória, Limites e

Perspectivas”, de Saviani (1997) trabalho histórico e minucioso que descreve toda a tramitação no

Congresso e analisa os interesses ideológicos que envolveram a gestação da Lei nº 9.394, e ainda, LDB -

Reflexões e Caminhos de Hingel (1997).

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CONCLUSÃO

Num país onde educação é mais jogo político de interesses e de poder que estratégia de

desenvolvimento, onde a ciência é mais importada e postiça que gestada pela necessidade, o que

cabe ao professor? Legitimar o caos? Corroborar com a situação depauperada do ensino?

Há outros caminhos. Renunciar à condição de objeto e reassumir-se sujeito de

transformação. No corpo a corpo da sala de aula, devolver à educação a capacidade criadora de

consciência para que se inicie a mudança e se recuperem os caminhos legítimos do conhecimento e,

conseqüentemente, da ciência.

“É preciso viver-se a esperança dialética sabendo que no futuro residem todas as

possibilidades, as boas e as más, e aquilo que há de vir depende das ações humanas que preparam

esse futuro” (Carvalho, 1988: 108).

Qualquer mudança social para tornar-se duradoura requer a organização, a paciência e a

determinação da negociação política, ainda mais quando há o dualismo básico da sociedade

brasileira: duas sociedades radicalmente distintas, habitando o mesmo território.

De um lado, uma sociedade moderna, que opera em condições semelhantes às de um país

altamente desenvolvido; essa sociedade inclui apenas uma parcela minoritária da população,

coexistindo com ela, no mesmo território e nas mesmas cidades, uma sociedade primitiva, que vive

nos campos, de uma pobre agricultura de subsistência e, nas cidades, em enormes favelas, de um

miserável salário e da exploração de toda espécie.

A cisão entre a cultura tradicional e a cultura de massa, entre a cultura popular e a erudita,

entre o saber comum, a ciência e a tecnologia não mostra ainda sinais de que possa ser superada,

pois falta algo que as aproxime: a educação.

Ao lado de medidas econômicas adequadas que propiciem melhor distribuição de renda, a

alfabetização, incluindo a educação básica, seria o primeiro passo para transpor essa distância e

unir as duas sociedades, os dois brasis, no dizer de Hélio Jaguaribe, em uma única nação,

superando a falta de coincidência do corpo social com a alma nacional.

O desafio político para a educação brasileira é de reintegrar as duas sociedades brasileiras e

reconhecer no Estado justo sua alma comum.

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As distorções estruturais da sociedade ou a fraqueza do Estado necessitam mais que boas leis

para se corrigirem, exigem vontade política que não as deixem permanecer letra morta. Este é o

grande momento de uma decisão: o querer torna-se imperativo para todos.

O ensinar aprender a querer, no nosso entender, é função primordial da escola, cujos

conteúdos curriculares não são casuais; eles respondem a um determinado objetivo político que se

tem. A escola que queremos trabalhará no sentido de que crianças, jovens e adultos assimilem

ativamente os conhecimentos e adquiram convicções fundamentais de solidariedade e igualdade

entre os seres humanos, assim como hábito de convivência, de luta, de trabalho, de conquista

individual e coletiva.

Ao enfrentar a natureza, o ser humano foi produzindo o mundo real no qual vive e, ao

mesmo tempo, produzindo-se a si mesmo, e construindo a cultura que temos.

Por isso, “a consciência política é uma das possibilidades da educação e sabemos o quanto

ela foi sonegada através de nossa história. Não podemos aceitar que o povo seja o responsável pelo

que aí está; o povo não é passivo, inculto (...). A complexidade é infinita, mas torna-se cada vez

mais claro do ponto de vista histórico que o lugar, a saída onde não tem porta, só será encontrada se

for de baixo para cima. O que vimos até hoje foram as manobras pelo alto; foi o gerenciamento que

as elites fizeram da história (...)”.15

A educação chega hoje a um momento privilegiado; nunca a educação esteve tão bem a

ponto de se viabilizar no contexto atual, apesar de tantas interferências descabidas em determinadas

ações governamentais. Vimos o quanto foi a expansão quantitativa, e os problemas aparecidos

nessa expansão são os novos desafios do avanço a ser dado.

Instituição reprodutiva da ignorância, do conformismo, da acomodação, do status quo, é isso

que se quer? É isso que queremos? À elite isso é tudo. Mas o que queremos são as condições

mínimas da humanidade. Trata-se, na realidade, de nós nos tornarmos seres humanos e isso não é

possível sozinhos, pois se a sociedade abandona o homem a sua própria sorte, como diz Rousseau,

ele se tornará menos do que um trapo humano.

O importante é a conquista de nossa humanidade, do conjunto de nossas relações sociais.

Quando podemos fazer isso? Não adianta perguntar ao governo, à lei: a sala de aula, como reafirma

Sanfelice, é o espaço do professor, é o “império” do professor.

Tudo o mais é consequência...

Vamos aprender a querer.

15 José Luís Sanfelice, mestre e doutor em Educação, professor da UNICAMP.

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