Educação, Comunicação & Participação

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Fernando Rossetti (Editor-Chefe) Patricia Vasconcellos (Edição e Pesquisa) Alexandre Le Voci Sayad (Revisão) Educação, Comunicação & Participação Perspectivas para Políticas Públicas Projetos de

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Patricia Vasconcellos (Edição e Pesquisa)

Alexandre Le Voci Sayad (Revisão)

Educação, Comunicação & ParticipaçãoPerspectivas para Políticas Públicas

Projetos de

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Patricia Vasconcellos (Edição e Pesquisa)

Alexandre Le Voci Sayad (Revisão)

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Projetos de

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Apresentação | 4

Introdução | 7

1. Contexto Histórico | 72. Resultados e Limites | 103. Desafios Estruturais | 144. Parcerias, Redes e Voluntários | 215. Aprender Fazendo | 24

Conclusão | 29

Cidade Escola Aprendiz | 31

Fundação Casa Grande | 45

Cipó - Comunicação Interativa | 55

Comunicação e Cultura | 70

MOC - Movimento de Organização Comunitária | 84

Multirio - Empresa Municipal de Multimeios | 97

NCE - Núcleo de Comunicação e Educação | 116

Oficina de Imagens | 139

Agência Uga-Uga de Comunicação | 152

Instrumentos de Pesquisa | 163

Índice

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Educação, Comunicação & Participação Educação, Comunicação & ParticipaçãoApresentação

ApresentaçãoApresentação

Este Relatório tem como objetivo contribuir para a disseminação de projetos envolvendo Educação, Comunicação & Participação em escolas públicas de ensino fundamental e médio. É um trabalho de sistematização de idéias, estratégias e metodologias levantadas ao longo de um processo de pesquisa, junto a experiências envolvendo crianças, adolescentes e jovens.

O projeto de pesquisa, sistematização e disseminação de experiências nessa área resulta de uma parceria entre o UNICEF, a Educarte (pesquisa e editoração) e a Central de Projetos (administração), e prevê a produção em 2004, a partir deste material, de um manual para secretários municipais de Educação.

A fase de levantamento de dados envolveu, além de diversas leituras, visitas de três dias, em média, a nove instituições em seis estados brasileiros1:

Agência Uga-Uga de Comunicação (Manaus,

AM) Cidade Escola Aprendiz (São Paulo, SP) Cipó - Comunicação Interativa (Salvador,

BA) Comunicação e Cultura (Fortaleza, CE) Fundação Casa Grande (Nova Olinda, CE) MOC - Movimento de Organização

Comunitária (Feira de Santana, BA)

Multirio (Rio de Janeiro, RJ) Núcleo de Comunicação e Educação

da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – NCE/ECA/USP (São Paulo, SP)

Oficina de Imagens (Belo Horizonte, MG)A escolha dos projetos buscou retratar a diversidade

das experiências em Educação, Comunicação & Participação que vêm ocorrendo no país.

A Introdução apresenta os elementos considerados constitutivos do conjunto das experiências. Começa com um contexto histórico, situando elementos determinantes para a emergência da Educação, Comunicação & Participação. Em seguida, alinha os principais resultados alcançados pelos casos analisados e algumas das limitações comuns a eles.

O terceiro item da Introdução, denominado Desafios Estruturais, busca demonstrar que a disseminação de projetos desse tipo, com qualidade e sustentabilidade, deve considerar – e, freqüentemente, modificar – a forma como as redes de ensino estão estruturadas – desde a carreira docente e os mecanismos de nomeação de diretores até o currículo.

Em quarto lugar, a Introdução analisa potenciais e entraves das Parcerias, Redes e Voluntários. Por último, discute os conceitos e práticas pedagógicas

Apresentação

1 Os termos em negrito são os nomes pelos quais as instituições são mais conhecidas; esses nomes serão utilizados para referir-se a elas ao longo deste Relatório

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dominantes nas experiências, analisando alternativas existentes e ações necessárias para a implementação de políticas públicas na área.

Na seqüência da Introdução, são apresentadas as nove experiências visitadas durante a pesquisa, enfocando, em cada caso, as principais questões envolvidas nesse tipo de projeto. Essas questões foram agrupadas em nove itens:

1.HistóriaTraça o histórico do projeto, analisando seus principais elementos constitutivos

2.GestãoAborda a administração do projeto, mecanismos de decisão e planejamento

3.SustentabilidadeAnalisa os fatores que garantem – ou ameaçam – a continuidade do projeto

4.Parceria com a EscolaDescreve como o trabalho se relaciona com as escolas e o sistema educativo

5.Pedagogia/MetodologiaApresenta os principais conceitos, metodologias e materiais da experiência

6.ParticipaçãoDiscute as estratégias de promoção de processos participativos no projeto

7.RelaçõesAlinha padrões de relacionamento decorrentes da cultura organizacional

8.Registro, Sistematização, Avaliação e Disseminação

Situa o estágio alcançado pela experiência nessas quatro áreas

9.Resultados e ProdutosAponta os principais resultados e produtos da experiência, e suas perspectivas

Optou-se, nesses nove relatórios relacionados às experiências analisadas, por apresentar, na medida do possível, apenas a função de cada entrevistado e não seu nome próprio. Isso se deve ao fato de que, na enorme maioria das vezes, a compreensão de cada experiência envolveu dezenas e, por vezes, centenas de entrevistas (algumas em grupos grandes), e não faria sentido citar uma pessoa sem citar muitas outras. Assim, cita-se o nome de um entrevistado apenas nos casos em que a compreensão da experiência e do texto sobre ela exija isso.

Ao final do relato sobre cada experiência, há também anexos, desde instrumentos pedagógicos utilizados pelo projeto até textos que contribuem para a compreensão do trabalho.

Os nove relatos são acompanhados de uma ficha técnica, com uma síntese dos dados principais da organização que promove a experiência. Essa ficha foi um dos instrumentos utilizados para coleta de informações. Também foi aplicado um extenso questionário, essencialmente aberto, voltado para os gestores e educadores envolvidos e outro, voltado para os estudantes participantes. A metodologia de aplicação desses instrumentos envolveu desde entrevistas gravadas, individuais e em grupo, até oficinas em que os estudantes e educadores produziram textos.

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A construção dos instrumentos da pesquisa teve o apoio de um grupo de consultores formado por pessoas de diversas origens institucionais2.

Os textos deste Relatório têm caráter mais jornalístico – com descrições e análises – do que científico. Eles não se pretendem acadêmicos. O uso de termos ou conceitos como Educação, Comunicação & Participação não se refere diretamente a qualquer autor ou linha de pensamento – e quando o faz, cita a fonte no próprio texto ou em notas de rodapé. Recomendamos , inicialmente, a leitura da Introdução, seguida do texto sobre o NCE/ECA/

2 Cíntia Leandro (Central de Projetos), Gabriela Goulart (ANDI), Iracema Nascimento (Ação Educativa), Maria Helena Bonilla (UFBA), Mario Volpi (UNICEF), Rachel Mello (UNICEF), Vânia Quintão (UnB)

USP, por ser o projeto que, promovido por um núcleo universitário, vai mais fundo na fundamentação teórica de sua prática – sendo que muitos dos outros projetos se referem a termos por ele introduzidos no país, como a educomunicação.

Ao final, a Conclusão traz, muito sinteticamente, os dois caminhos principais para a disseminação em escolas de projetos nessa área, situando quem são os parceiros ideais para cada uma dessas estratégias.

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IntroduçãoIntrodução CONTEXTO HISTÓRICOAs nove experiências apresentadas neste Relatório vivem realidades muito distintas. Considerando apenas o contexto regional, há ações no Amazonas, na Bahia, no Ceará, em Minas, Rio e São Paulo. Os projetos são liderados por ONGs, pela Universidade, pelo governo e alguns resultam de parcerias entre os três. Os processos educativos envolvem de dezenas de crianças e jovens a milhares de estudantes e professores. Os orçamentos das instituições variam de R$ 100 mil a R$ 25 milhões por ano.

A diversidade de produtos de comunicação criados pelo conjunto dos projetos é igualmente acentuada: sites na internet, jornais, revistas, programas de rádio, fanzines, vídeos, livros, campanhas, cartazes, murais, histórias em quadrinhos, materiais didáticos e para-didáticos, entre outros. As metodologias de desenvolvimento desses produtos também variam significativamente.

No entanto, num contexto mais amplo, esses projetos compartilham uma série de raízes históricas, notadamente nos três campos em que suas ações se desenvolvem: Educação, Comunicação & Participação.

1.1. EducaçãoO campo da educação passa por enormes transformações no plano internacional e, mais ainda, no nacional. Expressões como sociedade do conhecimento, sociedade da informação, lifelong learning (“aprendizagem por toda vida” ou formação continuada), entre muitas outras, são rapidamente

incorporadas ao vocabulário cotidiano de boa parte das sociedades contemporâneas.

No Brasil, as reformas educacionais ganharam vulto e velocidade cada vez maiores, desde o início do processo de democratização no país. Uma breve lista dessas mudanças dão a dimensão do que vem ocorrendo na área nos últimos anos:

A iminente universalização do acesso ao ensino fundamental dos 7 aos 14 anos e a expansão do ensino médio e superior acima de 10% ao ano

A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a LDB (9394/96)

O lançamento pelo Ministério da Educação (MEC) dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), com seus Temas Transversais

A possibilidade legal para as escolas de ensino médio implementarem ações e projetos próprios em 25% do currículo

A redefinição dos mecanismos de alocação dos recursos da Educação, como a emenda constitucional que criou o Fundef, em 1996, e a compra de vagas em universidades privadas, proposta pelo PT em 2004

O desenvolvimento de complexos sistemas de avaliação associados às políticas educacionais

Além disso, novos atores sociais entram na arena da Educação, principalmente por intermédio daquilo que vem sendo chamado no Brasil de

Introdução

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Terceiro Setor. Vários estudos – e a própria emergência de núcleos de pesquisa e formação nessa área – indicam um “boom” de organizações não-governamentais (ONGs) no Brasil a partir da década de 90 – desde fundações e institutos ligados a grandes empresas nacionais e transnacionais até pequenas organizações de atendimento direto. Associado a isso, há ainda o crescimento das ações de voluntariado.

Na produção teórica, ocorre uma proliferação de estudos que alteram desde a maneira como se concebem os processos de ensino-aprendizagem e o desenvolvimento humano (construtivismo, construcionismo, sócio-interacionismo etc.) até propostas de recortes mais amplos para os sistemas educativos. Surgem e se consolidam conceitos e expressões como ações complementares a escola, educação integral, cidades educadoras, entre outros, indicando que educação é mais do que aquilo que se desenvolve estritamente no universo escolar – e, especialmente, mais do que os conteúdos que são tradicionalmente trabalhados nas escolas.

O jovem sujeito da educação vive hoje em um mundo cada vez mais fragmentado, com o fim das grandes narrativas e o enfraquecimento das instituições – família, escola, Igreja. Neste cenário complexo, ganha importância o papel da educação no processo de construção da identidade dos indivíduos. A escola predominantemente transmissora de conteúdos e de comportamentos passa a ser colocada em questão.

1.2. ComunicaçãoNo campo da comunicação, as mudanças são ainda maiores. A confusão atual em torno dos suportes para música é uma boa ilustração disso. Na virada de 2003 para 2004 ninguém no mundo sabia qual será o suporte de música dominante no século 21. O vinil acabou. Os CDs já estão ficando defasados. Surgem sites na internet especializados em disponibilizar música digitalizada, com diversos programas, a maioria não-compatível. Novos

aparelhos de reprodução de música são lançados praticamente todos os dias, por vezes acoplados a outras tecnologias de comunicação, como os telefones celulares.

Jornais impressos agora disputam leitores com a internet – e sua capacidade quase infinita de armazenar e transmitir informações. A produção de vídeos vem barateando a tal ponto seus custos que é possível imaginar num futuro próximo todas as escolas com acesso a esse tipo de produção.

Essas mudanças na comunicação impactam profundamente a Educação e a própria cultura humana – fato destacado por todos os projetos analisados. Aqui também se multiplicam as pesquisas, a ponto de serem propostos novos campos de atuação social, como a educomunicação, apresentada no texto à frente sobre o NCE/ECA/USP. É um movimento até antigo – considerando que cada nova tecnologia de comunicação e informação resulta em debate teórico, no mínimo, desde a prensa de Gutemberg, no século 15. A questão é a velocidade que as inovações tecnológicas adquiriram nessa virada de milênio.

1.3. ParticipaçãoTransformações não menos significativas vêm ocorrendo no campo da participação, que podem ser bem ilustradas, no plano internacional, com a queda do Muro de Berlim, em 1989, e o que isso representa para a fundamentação ideológica das ações sociais, públicas e privadas.

No Brasil, a redemocratização do país promoveu e ampliou a circulação de expressões como direitos humanos, direitos das crianças e adolescentes, protagonismo juvenil e a própria participação. A palavra cidadania, de tão usada, até perdeu impacto.

Nesse contexto mais amplo, é preciso considerar ainda a profunda reestruturação que vem acontecendo na economia mundial, exemplificada na importância que ganhou a expressão globalização – e suas implicações para a formação dos cidadãos e para a inclusão social.

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Ou seja, há muitas raízes históricas comuns às nove experiências apresentadas neste Relatório, apesar da diversidade de origem. Por outro lado, algumas diferenças revelam como os projetos se relacionam com esse contexto mais amplo.

1.3.1. Sociedade Civil Organizada As duas organizações mais antigas (Comunicação e Cultura e MOC), fundadas antes de 1990, têm na origem alguma relação com movimentos sociais ditos de esquerda, quando a polaridade entre capitalismo e comunismo ainda fazia sentido. O NCE, embora tenha sido criado na década de 90, tem lideranças que trabalham com movimentos populares desde a década de 70. Dessas três organizações, duas também se associam desde o início a ramos católicos desses movimentos, como as comunidades eclesiais de base.

Já as cinco organizações mais jovens (Aprendiz, Casa Grande, Cipó, Oficina de Imagens e Uga-Uga) são mais diretamente vinculadas ao fenômeno do Terceiro Setor. Sua institucionalização seria impossível sem a disponibilidade de recursos privados para o desenvolvimento de ações no campo social, que ocorreu notadamente a partir de meados da década de 1990.

Um exemplo disso é a Rede ANDI (Agência de Notícias dos Direitos da Infância), que começou a ser formada em 1999. A implantação dessa rede de monitoramento de jornais, com recursos inicialmente captados pela própria ANDI (ONG existente desde 1990), foi em alguns momentos crucial para institucionalização de organizações analisadas nesta pesquisa.

Cipó, Oficina de Imagens e Uga-Uga fazem parte da Rede ANDI desde seu primeiro ano de funcionamento. Todas ressaltam que as parcerias e a visibilidade decorrentes disso foram fundamentais para sua sustentabilidade e expansão [como se vê nos relatórios específicos de cada experiência à frente].

Outro exemplo é a participação de líderes dessas organizações em programas voltados para

o fortalecimento de gestores e de projetos sociais. Uga-Uga e Oficina de Imagens, cujos líderes fazem parte de uma rede de lideranças formada pela fundação suíça Avina, receberam recursos e apoio técnico para qualificar seus processos administrativos.

Embora, mesmo hoje, o vocabulário, o repertório cultural e a visão política dos projetos tenham muito a ver com essas origens, de uma maneira ou de outra, o conjunto das experiências se relaciona com essas duas vertentes – os movimentos de esquerda e o Terceiro Setor.

Por um lado, todos sofrem alguma influência dos movimentos e ideologias de transformação da sociedade, enfatizam questões como cidadania, direitos, participação e inclusão – em alguns casos, sintetizados na missão, pura e simples, de melhorar a qualidade da educação pública. O educador Paulo Freire (1921-1997), por exemplo, é um dos mais citados.

Por outro lado, todas essas experiências fazem parcerias com os novos atores do campo social brasileiro que, impulsionados pelas profundas mudanças na economia local e internacional, se apóiam em conceitos como responsabilidade social empresarial e investimento social privado. Foi com uma instituição desse tipo que o MOC, por exemplo, fez parceria para desenvolver o Projeto Comunicação Juvenil no sertão semi-árido da Bahia.

1.3.2. Estado/GovernoA nona experiência analisada (Multirio), uma empresa municipal cuja matriz histórica não pode ser situada diretamente nem nos movimentos de esquerda nem no advento do Terceiro Setor, traz uma outra dimensão que afeta todos os casos deste estudo: o Estado. É destaque nos casos desta pesquisa o impacto que têm nessas ações os ocupantes do aparelho governamental e suas ideologias, valores e práticas, no nível federal, estadual ou municipal.

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Aprofundaremos essa questão do envolvimento do Estado/governo em projetos de Educação, Comunicação & Participação no terceiro item desta introdução, sobre os Desafios Estruturais. Mas, antes, apresentaremos as principais conquistas alcançadas pelas experiências incluídas neste estudo e algumas de suas limitações.

RESULTADOS E LIMITES A velocidade das transformações que vêm ocorrendo em cada componente do trio Educação, Comunicação & Participação marca profundamente as ações sociais que buscam reunir esses três campos. É notável, nos nove casos analisados neste Relatório, o enorme crescimento que as instituições e seu atendimento direto tiveram nos últimos anos.

O NCE e o Comunicação e Cultura, por exemplo, já estão em processo de nacionalização de algumas de suas metodologias. O primeiro, abrindo em 2004, em parceria com o MEC, trabalhos com rádio em 70 escolas da região Centro-Oeste, ao mesmo tempo em que finaliza um programa de três anos e meio, junto com a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, envolvendo 455 escolas de ensino fundamental. O Comunicação e Cultura atinge 800 escolas nos estados do Ceará e Pernambuco com o projeto Primeiras Letras, que publica jornais editados por alunos e professores de 1ª a 8ª série.

O MOC, cuja missão vai além do foco em Educação, Comunicação & Participação, é referência nacional em programas de erradicação do trabalho infantil, e seus trabalhos atravessam, com capacitações e materiais, as fronteiras de vários estados e, por vezes, alcançam outros países da América Latina.

A Multirio, que desenvolve materiais de comunicação “com” e “para” a rede municipal de ensino do Rio, teve no ano de 2003 o maior orçamento desde sua fundação. Iniciou, entre outras atividades, a produção de filmes de animação sobre lendas brasileiras para crianças e adolescentes. Além disso, coordena a realização da 4a Cúpula Mundial de Mídia para Crianças e Adolescentes,

em abril de 2004 no Rio – um dos maiores eventos internacionais na área.

As organizações ou projetos mais jovens (pós-1995) não chegaram ainda à escala de política pública. Mas têm crescimento proporcional em atendimento, impacto e visibilidade. Desde a fundação, Aprendiz (SP), Cipó (BA), Casa Grande (CE), Oficina de Imagens (MG) e Uga-Uga (AM) ampliam significativamente suas redes de parceiros e seus programas.

O Aprendiz, por exemplo, se lança na consolidação do que denomina bairro escola – uma articulação de diversos programas, empresas, ONGs, atores sociais e instituições de ensino, para criação de percursos formativos para crianças e jovens, na Vila Madalena, em São Paulo. Seu site (www.aprendiz.org.br) é um dos mais importantes na área no Brasil.

A Cipó torna-se referência, de Salvador a São Paulo, em trabalhos de educação pela comunicação – que é como eles denominam seu fazer pedagógico. Além disso, consolida-se como uma das mais estruturadas agências da Rede ANDI, chegando a oferecer cursos relâmpago nas redações da mídia local sobre infância e adolescência.

A Oficina de Imagens, além de ampliar o número de programas, expande seu principal trabalho em Educação, Comunicação & Participação, o Latanet. Em 2003 em 2004, volta-se à capacitação de educadores da rede municipal de ensino de Belo Horizonte, junto com estudantes, em parceria com o governo da cidade.

A Fundação Casa Grande, em Nova Olinda, sertão do Cariri (CE), embora ainda trabalhe com atendimento e orçamento comparativamente pequenos, torna-se referência pelo Brasil afora, recebendo cerca de 3 mil visitas por mês. Após anos de batalha jurídica e negociação política, consegue em 2003 o registro de uma rádio educativa – legalizando um trabalho que, ainda na fase “pirata”, já ameaçava a audiência das rádios comerciais locais.

A Agência Uga-Uga de Comunicação realiza em Manaus, em 2003, os dois maiores eventos de

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sua breve história: a 1a Conferência Juvenil dos Direitos da Criança e do Adolescente e o Seminário Infância, Adolescência e Mídia na Amazônia. Com isso, amplia o número de parceiros e consolida sua sustentabilidade. Também começa a contratar novos multiplicadores para seus Núcleos de Mobilização – o que complexifica suas atividades.

As mudanças observadas entre as crianças e jovens participantes desses programas – quando de fato ocorrem – mostram o potencial das abordagens educativas que reúnem o trio Educação, Comunicação & Participação: ampliam seu vocabulário e repertório cultural, aumentam suas habilidades de comunicação, desenvolvem competências em trabalho em grupo, negociação de conflitos e planejamento de projetos, melhoram o desempenho escolar, entre outros ganhos.

Esse movimento também se manifesta institucionalmente: surgem grêmios estudantis, novas ONGs, cooperativas de trabalho, grupos juvenis de intervenção comunitária, periódicos, projetos conjuntos de professores e estudantes...

Mas o problema é que nem sempre isso ocorre, especialmente quando o escopo de atendimento atinge a escala das políticas públicas.

2.1. Quantidade X QualidadeA diferença no número de crianças, adolescentes e educadores atendidos pelos projetos está diretamente relacionada à qualidade dos resultados. Uma observação geral dos projetos indica que, quanto maior o atendimento, menor tende a ser o impacto na vida de cada estudante e menos elaborado tende a ser o produto de comunicação criado.

Quando se observa, por exemplo, os programas de atendimento direto, em que o trabalho ocorre no espaço da própria ONG, é notável a evolução, em termos de inclusão social, cidadania e repertório cultural, dos jovens envolvidos e a qualidade dos produtos de comunicação.

Isso tem a ver com o fato de que o espaço da escola, de certa forma, determina as relações que

nele ocorrem – sendo sempre mais fácil garantir a qualidade dos produtos de comunicação, seu conteúdo, a riqueza de referências éticas fora do ambiente escolar do que na sala de aula. Mas mesmo quando a ONG amplia o atendimento em seu próprio território, a tendência é de diminuição do impacto individual e da qualidade dos produtos.

Um dos indicativos disso é que, em geral, muitos jovens pioneiros nas experiências de Educação, Comunicação & Participação se incorporam à própria equipe da ONG. Depois de um ano de funcionamento do projeto, esse movimento diminui significativamente e às vezes simplesmente acaba. Há pelo menos duas explicações para isso.

Em primeiro lugar, quando o atendimento é pequeno e as turmas envolvem poucos estudantes (no máximo 25), os vínculos afetivos criados entre os gestores, educadores e aprendizes são muito mais fortes – assim como a atenção dada a cada estudante. À medida que aumenta o número de pessoas envolvidas na experiência e a metodologia se consolida, esses vínculos afetivos enfraquecem, e as principais lideranças dos projetos se afastam do trabalho pedagógico, para se concentrar nas atividades de gestão e captação de recursos, que demandam cada vez mais atenção.

Em segundo lugar, a diminuição da qualidade frente à ampliação do atendimento está diretamente relacionada à entrada de novos educadores no programa, com repertório em geral bastante diferente daquele dos pioneiros da organização ou do projeto. Para disseminar trabalhos de Educação, Comunicação & Participação é necessário formar multiplicadores, mas estes, muitas vezes, têm formação inicial e repertório cultural mais frágil do que a dos pioneiros das experiências.

Considerando os projetos que ocorrem no espaço escolar, há ainda outro agravante. Na presença dos líderes ou formadores do projeto, os professores que desenvolvem o trabalho modificam sua didática. Mas, quando eles se vão, especialmente quando a

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formação é concluída, a didática tradicional, menos participativa, tende a se impor e a restringir o impacto do trabalho.

Não há solução fácil para esse problema – já que é relacionado à formação dos profissionais das redes de ensino público do país [leia item Desafios Estruturais à frente]. A mais importante é uma estruturação mais consistente dos processos de formação e de acompanhamento dos multiplicadores – sejam eles ligados às secretarias de Educação, sejam às ONGs. Muitos projetos analisados neste Relatório já acumularam experiência na formação de crianças e jovens, mas quando se propõem a formar aqueles que formarão seu público alvo enfrentam sérios desafios, por falta de experiência, de repertório conceitual e a dificuldade do professor tradicional de estabelecer uma relação de diálogo com os adolescentes.

Enfim, dar uma boa formação para os educadores que trabalharão com as crianças e adolescentes e supervisionar seu trabalho é fundamental para a disseminação em escala de política pública de projetos de Educação, Comunicação & Participação. Mas isso é bastante oneroso e só é realmente possível se estiver articulado ao próprio sistema de formação dos educadores das redes de ensino.

A presença permanente de outros atores sociais na escola (como os educomunicadores propostos pelo NCE) também poderia diminuir este problema. Aprofundaremos esta questão no item Parcerias, Redes e Voluntários.

Há ainda quem opte pela manutenção da escala pequena de atendimento no projeto, buscando ampliar seu impacto por meio da capacitação de poucas mas influentes lideranças – o que implica aprimorar o processo de seleção dos aprendizes que serão formados.

2.2. Investimento/EstudanteNão é possível fazer uma correlação direta entre a quantia investida por estudante (o chamado per capita), o impacto do projeto em sua vida e a qualidade do produto de comunicação criado por ele.

É evidente que os projetos que contam com mais recursos tendem a obter resultados melhores. Alguns projetos investem por estudante valores equivalentes ao de uma mensalidade de escola particular de elite (acima de R$ 500/mês). Mas outros projetos, com investimentos significativamente menores, por vezes obtêm resultados semelhantes.

Fatores como o escopo de atendimento a estudantes, o espaço onde o programa ocorre (na escola, numa comunidade pequena ou na periferia de uma megalópole etc.) e a formação dos educadores parecem influir muito mais na qualidade dos resultados do que os valores financeiros diretamente investidos.

Assim, não se chega, com a amostragem desta pesquisa, a um per capita ideal – isto é, um valor de investimento por aluno que seja generalizável. O que é certo é que um gestor público que queira implantar em sua rede de ensino projetos de Educação, Comunicação & Participação terá de ter bastante vontade política – ou seja, recursos –, se quiser ter resultados mais permanentes.

O caso do educom.radio, do NCE, que colocará uma rádio em cada uma das 455 escolas de ensino fundamental da rede municipal de São Paulo, dá algum parâmetro nesse sentido. Com R$ 5,8 milhões em três anos e meio, formará mais de 11 mil pessoas que, nas escolas, terão o papel de multiplicar seus conhecimentos e facilitar o acesso à radio. Seu per capita é de pouco menos de R$ 500 por pessoa formada – um valor elevado, considerando que a média investida por estudante na escola pública de ensino fundamental do Brasil está na faixa dos R$ 700 por ano, segundo os últimos dados do Inep/MEC, de 19991.

Mesmo assim, para as lideranças do educom.radio, o orçamento foi sub-dimensionado, já que não inclui uma série de produtos de comunicação que surgem por demanda de projetos desse tipo, nem avaliação externa, nem supervisão após a conclusão da formação – todos fatores essenciais para garantir a qualidade e sustentabilidade dos resultados.

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2.3. Atendimento Direto X IndiretoUm outro desafio na quantificação do per capita de projetos de Educação, Comunicação & Participação é o já citado conceito de atendimento direto. Em geral, entende-se como atendimento direto o número de aprendizes que passam por algum tipo de formação ao longo do programa.

A questão é que, muitas vezes, o público atingido nessas formações dissemina seus conhecimentos entre pessoas de sua comunidade de origem (o chamado público indireto); além disso, os produtos de comunicação gerados por essas experiências também podem ter grande impacto – atravessando toda uma rede de ensino ou sendo veiculados por meios de comunicação de massas.

A Cipó, por exemplo, define sua ação educativa como sendo “uma nova maneira de ensinar em que o educando participa ativamente da produção de peças de comunicação que, uma vez disseminadas, geram novos processos de educação e/ou de mobilização social”. Jovens do Aprendiz produzem programas em algumas das maiores rádios de São Paulo.

Portanto, para avaliar o impacto desses projetos em relação aos recursos investidos seria necessário levar em consideração, além do público diretamente atingido, os efeitos que as pessoas formadas e seus produtos de comunicação geram numa comunidade específica e na sociedade em geral – algo para o qual não há bases conceituais nem instrumentos de avaliação desenvolvidos.

2.4. Liderança X InstitucionalizaçãoO papel dos líderes dos projetos e a maturidade de suas organizações também devem ser considerandos para a disseminação de projetos de Educação, Comunicação & Participação em redes de escolas, a partir de instituições externas ao sistema regular de ensino.

Em geral, quanto mais jovem a organização, mais central é o papel das lideranças pioneiras. Freqüentemente as organizações têm um único líder, que inicialmente é o grande empreendedor da

ação educativa. Mas, à medida que o atendimento expande, as atribuições desse líder aumentam enormemente. É quando surge a necessidade no projeto de ampliar o grupo gestor, muitas vezes agregando um coordenador pedagógico e outros profissionais que dividem funções de coordenação e de atendimento a estudantes.

Embora sejam fundamentais para a montagem e estruturação dos projetos, no médio e longo prazo, essas lideranças pioneiras podem se tornar gargalos para a expansão do atendimento. Com o crescimento inerente a esse tipo de trabalho atualmente, essas lideranças tendem a acumular tantas funções que a gestão da organização e do projeto entra em crise: os educadores na “linha de frente” se sentem desamparados, a quantidade de recursos a serem captados aumenta exponencialmente, os parceiros ou possíveis parceiros sentem dificuldade no contato e recebem menos atenção, e até a manutenção da infra-estrutura (espaços de trabalho, computadores, banheiros etc.) se torna um desafio.

Esse tipo de crise de gestão nos projetos, decorrente da ampliação do trabalho, é praticamente universal na história dos casos analisados. Sendo uma “crise anunciada”, a solução, neste caso, seria, desde o início, ter a preocupação formar novas lideranças com quem se pode dividir funções de gestão. Mas, como ocorre em empresas privadas, isso nunca é tranqüilo e representa sempre um consumo enorme de tempo, paciência e recursos. Há casos em que essa crise dura meses, outros em que pode levar anos para ser superada.

Organizações mais institucionalizadas, com seus conceitos e metodologias sistematizados e modelo de gestão bem estabelecido, têm mais condições de trabalhar com políticas públicas do que outras que ainda estão consumindo muita energia e tempo com essas questões internas, inerentes a projetos desse tipo. Isso porque a sistematização das metodologias e a consolidação do modelo de gestão facilitam o ingresso de novos atores na organização e sua ambientação na

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cultura organizacional (a aquisição da “alma” do projeto, sem necessariamente ter contato com os líderes pioneiros).

2.5. Evento X ProcessoUma outra “crise anunciada” em projetos desse tipo tem a ver com as características atuais do Terceiro Setor brasileiro, seus mecanismos de apoio a ações sociais e as expectativas de suas lideranças.

As empresas privadas hoje esperam resultados extremamente rápidos, em qualquer empreendimento em que se envolvam. Freqüentemente pressupõe-se grande visibilidade na mídia em relação ao projeto social apoiado e resultados expressivos nos alunos em prazos que raramente superam um ano.

O problema é que “o tempo da educação se mede em gerações”, como diz a educadora paulista Telma Weisz2, e raramente se consegue realmente transformar a vida de um estudante no curto prazo. Em síntese, educação é processo, mas a expectativa dominante entre os financiadores e a mídia de massas é de um evento (conflito que caracteriza a maioria dos projetos sociais e que, por exemplo, explica em parte o suposto fracasso do Fome Zero).

A visibilidade tende a ser maior quando há resultados concretos a serem apresentados – o que também leva, com freqüência, mais de um ano. E, quando há grande visibilidade inicial, o projeto sai da pauta da mídia de massas, que tem na novidade (“news”) e nos eventos suas principais fontes de notícias.

Com isso, a virada de ano fiscal das empresas e dos institutos e fundações empresariais constitui uma ameaça constante para os projetos sustentados financeiramente por eles. Nas festas de fim de ano, além da dificuldade em pagar 13o salário (um privilégio na maioria das ONGs), as lideranças desses projetos em geral não sabem se terão de cortar ou ampliar seus recursos humanos no início do ano seguinte – uma tensão que dura, no mínimo, até o Carnaval.

Aqui também não há solução simples. Envolve, em primeiro lugar, um investimento constante nas

relações públicas entre os executores dos projetos e seus financiadores. Por vezes, é necessário também investir na formação dos atores empresariais, para que conheçam melhor a complexa dinâmica dos processos sociais e se apropriem de instrumentos conceituais que possibilitem uma participação no projeto mais efetiva e menos simplista (o que em geral se manifesta por um grau acentuado de assistencialismo). Quanto mais próxima a relação entre executores e financiadores e mais compartilhados os conceitos que movem o projeto, maior a sustentabilidade da ação educativa.

O amadurecimento do Terceiro Setor brasileiro, em curso atualmente, tende a ampliar os prazos de financiamento a esse tipo de projeto, considerando todo o processo, da experiência piloto à sistematização e disseminação da metodologia, e não apenas os eventos e resultados imediatos.

Ampliar a rede de sustentação econômica da instituição, diversificando os tipos de parceiros e atividades (organizações internacionais, institutos e fundações nacionais, empresas, universidades, governos, venda de produtos, prestação de serviços etc.) também potencializa significativamente a sustentabilidade dessas ações.

Outra estratégia para enfrentar a tensão imanente entre evento e processo é trabalhar com um plano de comunicação profissional, que articula ao processo educativo certos eventos comunicativos – o que inclui ter um bom site institucional, lançar publicações e promover eventos, disseminar amplamente os produtos criados pelos aprendizes, entre muitas outras atividades possíveis.

DESAFIOS ESTRUTURAISO principal entrave para a disseminação, em redes de escolas, de projetos que efetivamente associam os campos Educação, Comunicação & Participação é a maneira como essas redes são organizadas.

Sem entrar no mérito do por quê elas se encontram em tal estado, o fato é que as escolas públicas

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conseguem ser ao mesmo tempo moldáveis às vontades das reformas educacionais desencadeadas pelos gestores públicos e impermeáveis a mudanças significativas em seu modus operandi.

Moldáveis às vontades dos gestores porque a estrutura do sistema educacional brasileira incorpora um grau acentuado de concentração de poder nas instâncias de superiores de gestão – notadamente, nas secretarias estaduais e municipais e no Ministério da Educação. As escolas têm pouco ou nenhum poder de fato em determinar seu funcionamento. Desde a contratação e promoção dos profissionais até a organização do currículo, muito do que é realmente importante para o cotidiano escolar é decidido fora e acima da escola.

Ora o Legislativo decide incluir entre os conteúdos das escolas disciplinas que considera importante; ora o Executivo altera o próprio atendimento das escolas, definindo para elas novos públicos e, por vezes, novos gestores (como ocorreu na segunda metade da década de 90, com a rede de 6.500 escolas estaduais de São Paulo, uma parte municipalizada, outra, “reorganizada” – que era o termo utilizado pelo governo na época para definir quais escolas ofereceriam 1a a 4a séries, 5a a 8a ou ensino médio; mais de 4 milhões de famílias foram afetadas).

Por outro lado, essas escolas são impermeáveis às mudanças porque, como diz o economista Claudio de Moura Castro, “educação é aquilo que acontece depois que o professor fecha a porta da sala de aula”. E o fato é que, apesar da nova LDB, dos PCNs e de muitas outras mudanças legais e conceituais que possibilitariam uma transformação radical disso que ocorre dentro da sala de aula, no geral, as aulas continuam seguindo a metodologia expositiva – o que Paulo Freire definiu como educação bancária, que consiste na transmissão de informações para estudantes que são entendidos como recipientes vazios – como os cofrinhos de guardar moedas – a serem preenchidos com o saber acumulado pelo professor.

Esse modelo de ensino – que era amplamente questionado por educadores e pensadores do mundo todo já na primeira metade do século 20 – recebe seu xeque mate com a revolução nas tecnologias de comunicação e informação. O problema hoje, mais do que acesso a informação, é excesso de informação, extremamente fragmentada. Mas subsiste em larga escala nas redes públicas brasileiras a metodologia de abrir o livro didático em sala de aula, copiar seus textos na lousa, obrigar os estudantes a reproduzir esses textos em seus cadernos (mesmo que tenham o livro), e a fazer exercícios, também prescritos pela edição. O “bom aluno” é associado àquele que funciona como um bom “cofrinho”, sem muito questionamento.

São vários os fatores que levam a isso, e a seguir analisaremos alguns dos principais desafios estruturais para a consolidação de novas metodologias de ensino nas escolas públicas brasileiras, entre elas, os projetos de Educação, Comunicação & Participação.

3.1. Salários e StatusO curso de graduação universitária com mais vagas ociosas no Brasil é o de pedagogia, segundo dados do Inep/MEC de 2002. Além disso, há hoje uma carência endêmica de professores no ensino básico em determinadas disciplinas, como química e geografia – cujos estudantes nas universidades públicas em geral têm o perfil sócio-econômico mais desfavorecido entre os universitários brasileiros (vêm de escolas públicas, têm famílias com menos escolaridade etc.).

Evidentemente, isso não ocorre por acaso. A carreira de professor em redes públicas de ensino é hoje desvalorizada tanto em termos financeiros como no status social desse profissional. Embora existam professores e diretores engajados, por vezes quixotescamente, muitos buscariam uma outra profissão, se o mercado de trabalho assim permitisse. Ser professor é uma segunda (por vezes, última) opção profissional até mesmo entre os estudantes de

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magistério [leia a crônica Normalistas XXX, anexa ao texto sobre o MOC].

A enorme concentração de mulheres nessa profissão no Brasil indica que os salários pagos aos professores servem para complementar a renda familiar, mas não para sustentar uma família – o que, apesar de mudanças culturais profundas, continua sendo uma função predominantemente masculina.

Então, o primeiro desafio estrutural para a melhoria da educação pública brasileira é valorizar o trabalho dos professores, tanto economicamente como simbolicamente. Por um lado, esse desafio só pode ser superado no médio e longo prazos, pois depende do crescimento econômico do país e do conseqüente aumento na arrecadação de impostos – o que permitiria incrementar os salários. Mas, mesmo com o orçamento atual, daria para priorizar mais recursos para a área, o que não vem ocorrendo no plano federal. No aspecto simbólico é notável como muito mais poderia estar sendo feito, imediatamente.

A reforma educacional da Coréia do Sul, por exemplo, além de priorizar recursos para a educação ao longo de mais de duas décadas, valorizou enormemente no plano simbólico o papel do professor na sociedade.

A vinculação de parcelas da arrecadação de impostos para a educação, pela Constituição de 1988, e a destinação mais específica de recursos para os salários dos professores, pelo Fundef (que tem o nome sugestivo de Fundo de Manutenção do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), mostram que o país até tem ciência desses fatos. Mas essas ações ainda estão muito aquém do necessário para que a educação pública realmente dê um salto de qualidade – e as ações propriamente de valorização do magistério ainda são mínimas, se comparadas às informações divulgadas pelo próprio MEC e pelas secretarias desqualificando a formação desses professores. O montante de investimento federal em educação determinado pela emenda constitucional do Fundef, em 1996, nunca foi de fato respeitado.

3.2. Carreira DocenteAssociado aos baixos salários e à desvalorização simbólica dos professores, há ainda outra distorção central no sistema de ensino público brasileiro, que explica por que é tão difícil mudar, para melhor, a educação.

São raros os casos no Brasil onde o professor de ensino básico ascende na carreira por critérios de mérito relacionados ao trabalho que desenvolve em sala de aula. O tempo de carreira ainda é um dos principais fatores de ascensão – seja em termos salariais, seja na possibilidade de optar por uma escola “melhor” (sem os alunos ditos “difíceis” e sem um entorno social considerado “perigoso”).

Isso ocorre principalmente nas grandes cidades, e explica porque as escolas de cidades pequenas, mais inseridas em uma determinada comunidade, com recursos humanos mais estáveis, geralmente obtêm resultados melhores em avaliações como o SAEB, do Inep/MEC, e o Saresp, da rede estadual de São Paulo.

A enorme maioria das escolas não tem qualquer controle real sobre os professores que nela trabalham – muito menos de definir quem vai dirigi-la. Em muitos estados e municípios brasileiros, especialmente no Centro-Oeste, Nordeste e Norte, o diretor da escola ainda é uma nomeação política do secretário da área.

Os processos de concurso para efetivação de professores são extremamente complexos e demorados, o que deixa muitos docentes em situação contratual instável, por longos períodos de tempo.

O resultado é que a circulação de professores e, freqüentemente, de diretores pelas escolas públicas é enorme, o que dificulta, quando não impede completamente, a formação de uma equipe escolar fixa, com missão, objetivos e valores compartilhados entre eles e com a comunidade atendida. Questões como essas são, em regra, definidas fora (e, novamente, acima) da escola, e apropriadas individualmente pelos professores, que circulam

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pelas escolas, freqüentemente trabalhando em duas ou mais redes de ensino.

A circulação de diretores é ainda mais grave. Pela maneira como a maioria das redes estrutura a carreira docente, os professores com mais tempo na rede em questão e mais pontos no prontuário (ganhos com cursos e especializações muitas vezes desarticulados do sistema mais geral de ensino) escolhem a escola onde querem trabalhar e, se tiverem pontos e tempo suficiente, definem a escola que vão dirigir. Como há “escolas melhores” (em geral as que dão menos trabalho) e escolas piores (que atendem as populações mais carentes), evoluir na carreira, seja como professor, seja como diretor, que dizer mudar constantemente do “pior” para o “melhor”. Por vezes, isso acontece mais de uma vez por ano, ao longo do ano letivo – e não de um ano para o outro.

Desnecessário dizer, neste Relatório, a importância que tem o diretor de uma escola. As experiências de Educação, Comunicação & Participação descritas à frente são unânimes em atribuir um papel central para os diretores em tudo que diz respeito à escola. Em resumo, a cara da escola quem dá é o diretor ou a diretora. E a circulação de diretores (e professores) pelas escolas dá essa cara meio esquizofrênica que têm as redes públicas brasileiras.

Com isso, projetos que disseminam suas metodologias e conceitos recorrendo à estratégia de capacitar grupos de profissionais em cada escola, como muitos deste Relatório, têm pouca sustentabilidade, pois nada garante que, no ano seguinte, os componentes da equipe capacitada continuarão lá – e o diretor, que pode ter em um ano apoiado o projeto, no ano seguinte corre o risco de estar em outra unidade a vários bairros de distância. Esse movimento de pessoas provoca uma espécie de amnésia sistêmica na gestão da escola.

Outra estratégia usada por algumas experiências desta pesquisa é capacitar diretamente professores, por adesão, independentemente da unidade de origem, tendo como perspectiva criar uma “massa crítica” de profissionais na rede que conhecem as

metodologias e conceitos de Educação, Comunicação & Participação, e que podem, com o tempo, desenvolver individualmente projetos nessa área ou se associar a outros que, por ventura, também tenham sido capacitados.

Há ainda a alternativa de identificar e capacitar lideranças, entre os profissionais e gestores das escolas, da rede, ou mesmo estudantes e membros da comunidade, que, onde quer que estejam, vão empreender projetos inovadores nas escolas e, com o tempo, “contaminar” as práticas tradicionais de ensino.

Mas qualquer dessas alternativas seria enormemente favorecida se existisse isso que todos dizem ser central para a qualidade da educação, que é a comunidade escolar. Só que isso não existe – pelos motivos acima citados – e só será alcançado se ocorrerem mudanças significativas na carreira docente e na maneira como se define quem será diretor e quais serão os professores da escola, associado a uma política de fixação dos profissionais a uma determinada comunidade – o que implica ampliar enormemente a autonomia da unidade escolar nesses processos.

Mexer nessas questões é potencialmente tão explosivo quanto reformar o sistema de Previdência no Brasil, já que a carreira docente e as maneiras de atribuir aulas são consideradas direitos adquiridos, pelos sindicatos que representam os docentes. E de certa forma são, já que o rebaixamento dos salários ocorrido nos últimos 30 anos está associado à construção de carreiras docentes que pouco ou nada têm a ver com a qualidade do ensino, mas sim a dar certas “recompensas” (como o direito de faltar a um número significativo de aulas) para um profissional essencialmente desvalorizado.

3.3. Tempo e EspaçoOs Desafios Estruturais apresentados acima já seriam suficientes para diminuir, quando não bloquear totalmente, o impacto nas escolas de projetos de Educação, Comunicação & Participação – ou de qualquer outra iniciativa que busque melhorar

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o ensino público brasileiro. Mas há ainda outros fatores a incrementarem essas dificuldades.

Uma das diferenças mais nítidas entre as experiências desta pesquisa são as que ocorrem no espaço escolar ou fora dele. Quando se faz um produto de comunicação – um programa de rádio, um site ou um jornal, por exemplo – não se trabalha primeiro o português, depois a geografia, depois a arte e assim por diante, em períodos de 40 a 55 minutos.

No espaço de uma ONG ou de uma instituição externa a escola, trabalha-se todos esses conteúdos ao mesmo tempo, em geral em períodos mais extensos, de duas ou três horas, com acompanhamento de equipes multidisciplinares, em espaços igualmente multidisciplinares (muitas vezes parecidos ao de uma redação de jornal). Mas na escola, da maneira como ela está organizada hoje, tudo tem que encaixar no espaço da sala de aula e no tempo das diferentes disciplinas, com um professor de cada vez.

O próprio tempo disponível para os professores trabalharem juntos, articulando o que vão ensinar nas diferentes aulas, costuma ser exíguo (duas a três horas semanais, na rede estadual de São Paulo). O resultado é que essas horas de trabalho coletivo fora da sala de aula costumam ser preenchidas por questões burocráticas e, quando sobra tempo, por questões pedagógicas emergenciais – impossibilitando que projetos interdisciplinares freqüentem as pautas dessas reuniões.

A desvinculação dos projetos político pedagógicos das escolas ao que de fato ocorre na sala de aula (quando esses PPPs existem) mostra nitidamente essa desarticulação das disciplinas e dos professores. É um problema que também tem sido enfrentado, por exemplo, pelos PCNs, que esbarram na organização dos tempos e espaços escolares, especialmente os chamados Temas Transversais.

Novamente, esse desafio só pode ser superado com bastante tempo e muito mais investimento, já que implica mais trabalho coletivo entre os professores, rearranjos importantes das disciplinas e,

inclusive, romper com a cultura bancária de ensino – que discutiremos em seguida.

3.4. Formação Inicial e em ServiçoSeria injusto atribuir às escolas públicas de educação básica e aos seus profissionais a responsabilidade pela organização (ou desorganização) atual dos tempos e espaços escolares. A maneira como os conteúdos são divididos em disciplinas e aulas nas escolas – a chamada grade horária – tem relação direta com a forma como o conhecimento é tratado nas instituições de ensino superior e pesquisa não só do Brasil como de boa parte do mundo.

A escola que conhecemos é resultado, entre muitas outras coisas, do positivismo (que fragmentou e “organizou” as áreas do saber humano) e da revolução industrial (que levou a uma parte significativa das instituições modernas, inclusive escolas, um modelo de gestão semelhante ao de uma linha de montagem). Se dentro de uma universidade como a USP, departamentos que tratam do mesmo tema têm dificuldade de diálogo e raramente conseguem desenvolver projetos conjuntos, por que esperar que no nível da escola ocorram processos interdisciplinares?

Professores de português são formados em faculdades de letras (isso, quando cursam uma graduação); professores de matemática vêm de outra faculdade (com culturas e valores diferentes); professores de geografia, de outra ainda; e assim por diante. Se nunca tiveram oportunidade de trocar conhecimentos com outros campos do saber durante sua formação inicial, é praticamente impossível que façam isso quando chegarem à escola. Simplesmente falta o hábito, o repertório dessas práticas de troca e construção conjunta de projetos – quando não há uma concorrência aberta, como ocorre entre departamentos e faculdades de uma mesma universidade.

Associado a isso, há ainda outro agravante: as metodologias de ensino das universidades continuam, em grande parte, seguindo o modelo

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bancário, da aula expositiva, sem prática. Inclusive teorias complexas e inovadoras, como o construtivismo e o sócio-interacionismo, são freqüentemente trabalhadas de maneira abstrata e descontextualizada. O resultado é que, mesmo conhecendo as teorias que propõem novas maneiras de ensinar e aprender, os professores não sabem como coloca-las em prática.

Os cursos de formação continuada, oferecidos aos professores que já atuam nas redes de ensino, raramente se preocupam em apresentar com didática e metodologia inovadoras idéias e conceitos inovadores. O que se observa, em parte significativa das escolas, é que os profissionais da educação muitas vezes têm o discurso sobre a interdisciplinaridade, o construtivismo ou a transversalidade, só que quando fecham a porta da sala de aula...

Este é um dos grandes méritos da maioria dos projetos analisados neste Relatório. Quando se propõem a trabalhar com os professores, buscam fazer isso com a metodologia que esperam que seja usada com os próprios estudantes. A maioria, inclusive, trabalha com os estudantes e com os professores ao mesmo tempo, em processos participativos. Para se capacitar alguém a fazer um jornal é preciso fazer um jornal (e não falar sobre todas as etapas envolvidas nessa produção). Como diz um educador entrevistado nesta pesquisa, “não se chega à democracia falando nela”.

A dificuldade de implementar na prática as idéias dos PCNs, por exemplo, tem muito a ver com essas questões de formação inicial e formação em serviço. E a mudança disso depende de uma mudança cultural, ideológica e política na maneira como a sociedade concebe o conhecimento e as maneiras como o ser humano ensina e aprende – daí ser um Desafio Estrutural.

3.5. Modelos de AvaliaçãoPara dificultar ainda mais essas transformações tão necessárias e urgentes, há ainda as avaliações. O

vestibular é o melhor exemplo: no ensino médio, ora determina o que os alunos devem aprender (muitas vezes mais focados no acúmulo de informações do que em competências e habilidades), ora serve de pretexto para as escolas não alterarem seu currículo e sua metodologia. As próprias famílias desconfiam se seus filhos adolescentes, no lugar de terem de resolver listas de problemas maçantes e descontextualizados, são envolvidos na produção de um jornal ou site voltado para a comunidade.

O modelo dominante de avaliação no imaginário social brasileiro ainda é a prova, o exame, com questões múltipla-escolha ou dissertativas voltadas para aferir determinados conhecimentos.

Fatores hoje considerados essenciais na seleção de profissionais pelo mercado de trabalho – como liderança, capacidade de trabalho em grupo e competência para acessar e relacionar dados – ainda estão à margem da enorme maioria das avaliações escolares. Isso ocorre não só nas provas feitas pelas escolas e aplicadas aos alunos, como nas avaliações do sistema educativo, como o SAEB (Sistema de Avaliação do Ensino Básico), do Inep/MEC, que aplica testes junto a amostras de estudantes de escolas espalhadas pelo país todo.

Assim, os projetos de Educação, Comunicação & Participação, para serem sustentáveis no médio e longo prazos, precisam também lidar com essa questão da avaliação, introduzindo novas abordagens avaliativas, que incluem o processo e não só a capacidade de responder certas questões num determinado instante, aumentando o repertório dos profissionais de educação e das instituições de ensino nessa área. Até a comunidade deve ser envolvida em processos de avaliação, para que amplie sua perspectiva de como podem ser feitos e para que servem.

Muitas experiências analisadas neste relatório têm soluções interessantes para avaliação de processos e resultados. Alguns instrumentos e roteiros usados pelos projetos estão disponíveis nos anexos relacionados a cada experiência.

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3.6. Micro-PolíticaOs vários fatores acima determinam sobremaneira as relações que ocorrem na escola. A divisão dos tempos e espaços, a formação dos professores e seu baixo acesso a bens culturais devido à renda, a maneira como o diretor é indicado para a escola, a própria cultura escolar e da rede de ensino são todos elementos constitutivos da micro-política da educação.

Como diz o próprio nome, os projetos de Educação, Comunicação & Participação implicam uma horizontalidade maior nas relações, envolvem delegar aos estudantes responsabilidades e decisões que nos modelos mais tradicionais de ensino se concentram nos níveis superiores de gestão.

A maioria dos projetos deste Relatório deixa que os aprendizes decidam os assuntos que querem abordar em seus meios de comunicação. Freqüentemente, os adultos oferecem alternativas, ampliam o repertório dos temas e abordagens possíveis, mas quem escolhe são os estudantes.

No modelo tradicional de ensino, os conteúdos, a grade curricular, vêm prontos, fechados. Nas metodologias que se apóiam mais nos interesses e curiosidades dos alunos, os conteúdos variam mais, o educador é obrigado a ter um raciocínio mais interdisciplinar e, muitas vezes, não sabe todas as respostas.

Na estrutura vertical de poder da Educação brasileira (MEC > secretarias de educação > burocracia intermediária > escolas), o peso do diretor na micro-política da escola é enorme. Professores em geral têm pouca voz; estudantes, quase nenhuma. A participação das famílias até nas atividades que envolvem seus filhos tende a ser reduzida – e pouco incentivada.

Com a comunicação, é freqüente as crianças e jovens adquirirem competência com a nova linguagem e tecnologia mais rapidamente do que os professores, o que desequilibra as relações micro-políticas da sala de aula.

Assim, além das questões já delineadas, um dos desafios estruturais centrais dos projetos e

metodologias inovadores é essa cultura de poder, a micro-política da escola, em geral bastante arraigada e difícil de mudar de maneira sustentável.

O NCE usa o conceito de ecossistema comunicativo para abordar essa questão. Parte importante do poder na escola está na concentração e circulação das informações, nos fluxos de comunicação. Quando se insere um meio de comunicação na escola, como uma rádio, em geral há uma espécie de ruptura nesse ecossistema comunicativo, especialmente quando as crianças e jovens têm a oportunidade de serem protagonistas na produção. Isso freqüentemente ameaça certas relações de poder, gerando conflitos interpessoais e até intergrupos (alunos x professores, professores x direção). Para lidar com isso, o NCE propõe a gestão comunicativa, cujo objetivo é tornar mais democrático o ecossistema comunicativo da escola.

O Comunicação e Cultura, no Ceará, registra casos em que a direção da escola simplesmente trancou os jornais produzidos por um grupo de estudantes. No educom.radio, em São Paulo algumas rádios passam, sintomaticamente, a maior parte do tempo trancadas nas escolas. Até a obtenção de espaço de trabalho na escola para o desenvolvimento do projeto pode ser muito dificultada.

É necessário muita habilidade política, de negociação de conflitos, dentro da escola, para superar essas tensões. Há vários casos nas experiências analisadas de surgimento de grêmio e outras instâncias políticas dentro da escola, a partir da introdução de meios de comunicação participativos.

O grande problema é que a sustentabilidade dessas novas relações micro-políticas, mais horizontais e participativas, tende a ser baixa, devido à circulação de diretores e professores e à cultura dominante, na rede toda, mais vertical e autoritária. Os projetos por vezes conseguem grandes transformações em um ano e, no ano seguinte, têm que começar todo o processo de formação de novo.

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Uma das estratégias utilizadas pelas experiências analisadas é buscar formar membros mais permanentes da comunidade escolar, além de professores e alunos; por vezes um pai ou mãe, outras, uma liderança comunitária presente no dia-a-dia da escola. Outra estratégia é disseminar experiências participativas em várias escolas com a perspectiva de, no médio e longo prazos, formar uma massa crítica e mexer de forma mais permanente no imaginário e na cultura de poder da educação – uma estratégia que poderia ser comparada à da Guerra de Guerrilhas [leia Conclusão].

Alguns projetos, como os Núcleos de Mobilização do Uga-Uga em Manaus, priorizam as relações públicas com coordenadores pedagógicos – que têm o domínio sobre os conteúdos curriculares da escola.

É necessário também criar mecanismos e instâncias democráticas de controle dos conteúdos veiculados pelos meios de comunicação produzidos pelos estudantes. Há casos que constroem conjuntamente um código de ética, ou documento parecido. O Clube do Jornal, no Ceará, tem uma ombudsman, que pode ser acessada por quem se sinta prejudicado pelas publicações juvenis (são mais de 100 no Estado).

Se esses mecanismos e instâncias não são criados, a tendência é ocorrer uma interferência maior dos adultos nos produtos de comunicação dos estudantes.

3.7. Macro-PolíticaOutro desafio estrutural a ser sempre considerado – e um dos mais importantes para o conjunto das políticas públicas na área social do país – é a continuidade dos projetos. Ainda é comum no Brasil que cada grupo político, ao assumir o Executivo, descontinue projetos da gestão anterior e inicie vários outros.

Como discutiremos com mais detalhe no item final desta Introdução, educação é um processo, cujos resultados por vezes levam anos para aparecer, e as mudanças políticas no topo das redes de ensino interferem fortemente nisso. Redes com grande

circulação de secretários da Educação, cada um com seu pacote de reformas, tendem a ficar confusas, sem foco nem prioridades bem definidos.

Como as empresas que se envolvem no Terceiro Setor, os políticos precisam de visibilidade (uns para reforçar sua marca, outros para se elegerem), então é grande a tendência de promover mais eventos do que processos – mesmo nas políticas públicas. Dá mais impacto social no curto prazo construir escolas do que investir nos salários e na formação continuada dos professores.

Idealmente, a educação deveria ter uma burocracia (no sentido Weberiano do termo) que garantisse continuidade aos processos e alinhasse os diversos projetos em desenvolvimento nas redes de ensino. Mudanças de gestor principal na secretaria ou no ministério não deveriam representar uma ameaça para as escolas. Mas o fato é que representam – e as poucas redes que conseguem ter políticas públicas continuas e consistentes em sua administração têm colhido bons frutos em termos de melhoria de ensino, mostram Ceará e Minas, entre outros.

Enfim, a Educação, Comunicação & Participação é favorecida quando os gestores da macro-política educacional, além de criar novos projetos e promover reformas, asseguram a continuidade dos processos que já estão em curso e a sustentabilidade daqueles que eles desencadeiam.

PARCERIAS, REDES E VOLUNTÁRIOSUma das maiores diferenças entre as escolas e as organizações analisadas neste Relatório é a composição da equipe. Nos projetos há de tudo, várias faixas etárias. De arquitetos a psiquiatras, de pedagogos a publicitários, de radialistas a acadêmicos, de estudantes universitários a profissionais que também atuam no mercado de trabalho. Muitos remunerados (autônomos, celetistas, bolsistas, estagiários, prestadores de serviços), alguns voluntários.

A maioria dos projetos também é associada a redes sociais e mantém parcerias envolvendo diversos tipos de

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instituições: fundações, ONGs de atendimento direto, escolas públicas e privadas, meios de comunicação, sindicatos, organizações comunitárias, grupos de discussão e campanhas, grupos juvenis, instâncias governamentais, universidades, entre outras.

Mas as escolas brasileiras estão isoladas. Mal dispõem de profissionais suficientes para dar conta do que ocorre dentro delas, quanto mais para se relacionar de maneira mais intensa e profícua com a comunidade que a cerca e com a sociedade em geral. Os principais interlocutores das escolas fazem parte do sistema de ensino. Até as famílias têm acesso restrito ao universo escolar.

O problema é que parte expressiva dos resultados, individuais e coletivos, observados nos projetos de Educação, Comunicação & Participação, decorrem dessa riqueza trazida por pessoas e instituições com origens, culturas e fazeres distintos – aquilo que na Cidade Escola Aprendiz é chamado de caldo de cultura.

Em geral, um jornal produzido por uma equipe multidisciplinar tem mais qualidade do que se for criado por um grupo uniforme, só de professores ou só de estudantes, por exemplo. É uma simples questão de repertório de conhecimentos e habilidades – o caldo de cultura, que é mais rico quanto mais diversificado for o grupo. O incremento do repertório dos estudantes também tende a ser maior quando são expostos a profissionais com formação e origem variadas – e também quando circulam por outros espaços culturais e educativos.

A criação de um produto de comunicação sem a presença de uma pessoa com repertório mais amplo na área de comunicação, por exemplo, tende, especialmente no início do processo, a reproduzir modelos comerciais de mídia, sem colocar em questão esses formatos – um dos objetivos freqüentes nos projetos.

Uma diretora que participou de um projeto promovido pelo Aprendiz, em São Paulo, diz que a coisa mais importante que ela aprendeu foi como a ampliação das relações com pessoas e instituições

externas à escola contribui para a melhoria dos processos educativos que ocorrem dentro da escola.

Portanto, uma questão central para a disseminação, com qualidade, da Educação, Comunicação & Participação nas redes de ensino é como instaurar processos de enriquecimento, permanente, do repertório das escolas.

O título deste item aponta um caminho complementar à formação continuada dos educadores para isso: Parcerias, Redes e Voluntários. Quanto mais as unidades escolares tiverem capacidade de firmarem parcerias, articularem-se a redes e trazer para dentro delas profissionais variados e levar para fora dela seus estudantes, melhor tende a ser sua educação.

Mas isso não é nada fácil e o Brasil já tem alguns exemplos de experiências mal-sucedidas de voluntariado em escolas. Por outro lado, é notável como mesmo projetos pequenos, isolados e com poucos recursos – como é o caso da Fundação Casa Grande, no interior do Ceará – são capazes, quando querem, de trabalhar com repertórios culturais amplos, sempre em expansão.

As perguntas analisadas à frente apontam alguns caminhos para ampliar a rede de relações e, conseqüentemente, o repertório das escolas.

4.1. Quem Articula?Quem vai buscar parceiros, conversar com voluntários, escrever projetos, captar recursos, navegar pela internet em busca de novas oportunidades para a escola, organizar eventos e reuniões com a comunidade? Os diretores de escolas não recebem formação neste sentido. Quando têm perfil articulador, em geral a escola até se beneficia. Mas sobra pouco tempo e o sistema de ensino não prioriza esse tipo de atividade.

Uma solução que vêm aparecendo nas organizações analisadas é ter um profissional que cuida dessas questões. O job description (descrição da função) desse profissional inclui a lista de tarefas alinhada no parágrafo acima, entre várias

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outras. Dependendo do tamanho da instituição, é necessário que essa pessoa tenha uma equipe (por exemplo, quando se promovem muitos eventos para a comunidade).

Mesmo assim, o executivo principal da instituição continua sendo o relações públicas número um. Dá o tom da organização, alinha seus fazeres. Mas em geral são bem-sucedidas as experiências de gestão onde esse executivo principal compartilha as funções de relacionamento com a comunidade com outro profissional ou mesmo com uma equipe de profissionais.

A Central Cipó de Notícias, Agência da Rede ANDI em Salvador, mantém um profissional no comando das relações externas e outro, das tarefas internas. O Aprendiz tem a Agência.Aprendiz, um setor que cuida das parcerias. Nas organiza-ções e projetos onde não existe essa função, os líderes tendem a ser ainda mais sobrecarregados de tarefas.

Esse modelo pode ser introduzido nas escolas e, certamente, favoreceria a disseminação de projetos de Educação, Comunicação & Parti-cipação. Ele já tem sido usado pelas redes de ensino nos projetos que abrem as escolas aos finais de semana, por exemplo. O ideal seria que este profissional tivesse essa função de articulação externa para toda a escola. Mas, dependendo da dinâmica de cada unidade e considerando os Desafios Estruturais mencionados, tende a ser mais simples associar este profissional ao projeto que envolve comunicação.

Como já foi dito, o NCE propõe a introdução do educomunicador nas escolas e a criação de cursos universitários específicos para sua formação. Entre outras funções, esse educomunicador também é um articulador de parcerias e recebe capacitação nesse sentido. O educom.radio inclusive tem na equipe pessoas denominadas “articuladores”.

De uma maneira ou de outra, esse profissional tem que ser um quadro permanente, se não suas ações perdem sustentabilidade.

4.2. Como Formar?Os processos de formação em serviço para professores vêm buscando ampliar suas redes de relações. Muitos estados e municípios têm se articulado a instituições de ensino superior nesse sentido. Mas seria importante ampliar essas parcerias. Há hoje ONGs e empresas, por exemplo, com capacidade de formação que poderiam estar sendo associadas a determinadas escolas.

Em termos de política pública, é muito mais complexo criar processos descentralizados e diversificados de formação em serviço. Mas é possível associar, ao menos aos projetos de Educação, Comunicação & Participação, instituições que trabalham com determinadas áreas e que podem acompanhar no médio e longo prazos certos processos na escola.

Freqüentemente, quando um projeto desse tipo ganha corpo, a equipe demanda certos conhecimentos: Como avaliar melhor? Que software eu uso agora? Como lidar com uma nova temática que surgiu entre os estudantes?

Nesses casos, o ideal seria as escolas ou as equipes dos projetos terem acesso a um cardápio de instituições e cursos que poderiam colaborar na sua formação. Algumas redes, como a mineira, já têm trabalhado com esse modelo, oferecendo cursos em áreas e formatos diferentes, que os professores ou equipes de projetos podem aderir, se tiverem interesse.

A formação oferecida pelo projeto Latanet em Belo Horizonte faz parte desse cardápio da rede mineira. O que coloca uma outra questão:

4.3. Quais Instâncias?Conteúdos de formação são em geral centralizados em um departamento ou divisão das secretarias de Educação. Relações com a comunidade são responsabilidade ora da assessoria de comunicação social ora do gabinete do secretário ora recaem sobre quem cuida de projetos especiais. Diretores e coordenadores pedagógicos têm fóruns específicos de interlocução com os níveis superiores de gestão

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das redes. A cultura política dominante nas escolas ainda delega pouco poder a associações de pais e mestres e conselhos escolares.

Assim, trabalhar com parceiros, redes e voluntários envolve uma série de instâncias políticas e pedagógicas da rede de ensino. No campo pedagógico, por exemplo, os casos mais bem sucedidos de disseminação de projetos de Educação, Comunicação & Participação têm estreita relação com as estruturas oficiais de gestão (currículo, formação etc.) e com as políticas mais gerais da rede.

Os projetos de maior impacto investem muito tempo e energia na construção dessas relações, que por vezes são extremamente conflituosas, envolvendo culturas e expectativas diversas. Mexer com comunicação e trabalhar de maneira mais participativa são propostas que necessariamente encontrarão resistência não só dentro das escolas como nas instâncias superiores de gestão das redes.

O que se conclui a partir das experiências é que a melhor maneira de lidar com essa questão é definir quais são os interlocutores (fixos) do projeto, na rede e nas organizações parceiras. E criar instâncias e mecanismos de discussão e planejamento do trabalho, com reuniões permanentes (e não apenas para lidar com crises e emergências).

Alguns projetos bem-sucedidos criam um conselho gestor, composto por representantes das diversas instâncias da rede de ensino e das organizações parceiras do projeto, inclusive financiadores. No nível das escolas também é favorável criar esse tipo de conselho, vinculado ao projeto de Educação, Comunicação & Participação – lembrando sempre de incluir estudantes.

Mas é preciso sempre ter sensibilidade para as instâncias de poder já existentes, avaliando quais são estrategicamente importantes de serem incluídas no conselho gestor do projeto.

4.4. Que Voluntários?Idealmente, a disseminação de projetos de Educação, Comunicação & Participação deve contar

com uma rede de apoio de comunicadores em geral e, inclusive, de profissionais de outras áreas. Mas para isso funcionar é necessário planejar essa participação e prever recursos para a formação e acompanhamento dessas pessoas.

Há situações em que voluntários se tornam mais problema do que solução para projetos sociais. O que fazer com aquele engenheiro aposentado que está oferecendo dar aulas de matemática para os estudantes? Ele tem formação? Sabe lidar com os estudantes? Aonde ele vai trabalhar? Voluntários tendem, como todas as pessoas formadas assim, a dar aulas expositivas.

Nos projetos analisados neste Relatório há poucos voluntários. Bons projetos envolvendo voluntários em geral têm um período inicial de formação e acompanhamento permanente do trabalho desenvolvido por eles.

É também mais produtivo buscar voluntários para desempenhar funções pré-definidas, que comportem as características do trabalho voluntário, do que abrir inscrições e depois ver onde encaixa-los – e tudo isso deve ser claramente informado pelos meios de comunicação criados pelo projeto.

APRENDER FAZENDO Por mais sólidas que sejam as bases conceituais e o planejamento por trás dos casos analisados neste Relatório, bons projetos de Educação, Comunicação & Participação envolvem um alto grau de experimentação e inovação.

Trabalhar com a criação de produtos de comunicação implica lidar com imprevistos e carências, num cronograma apertado. Como outros processos complexos na sociedade, meios de comunicação envolvem tantas variáveis que é praticamente impossível controlar todas elas. Mesmo na mídia de massa, o fechamento de uma edição é sempre uma espécie de “crise controlada” – em que se tem que equilibrar tempo e recursos disponíveis com a qualidade do produto final, o que implica uma série de decisões estratégicas em prazos exíguos.

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O mundo escolar, ao contrário, tende a buscar o previsível – embora também enfrente carências de toda ordem. Avaliações em geral aferem aquilo que deveria ter acontecido num dado período – trabalham com indicadores pré-determinados, associados ao currículo. Isto é, as variáveis são conhecidas e monitoradas ao longo do processo. Nos últimos anos, o termo escolarizar inclusive ganhou uma acepção negativa, quando usado para descrever metodologias de ensino e aprendizagem que tiram de contexto determinados conhecimentos e organizam sua apresentação de maneira linear, fragmentada, em aulas expositivas.

Assim, projetos de Educação, Comunicação & Participação, mais do que uma atividade a mais entre as várias trabalhadas pela escola, constituem propostas de transformação do próprio jeito como a escola trabalha. Isso é universal nas experiências aqui analisadas. Como diz um educador da Cipó, em Salvador: “A gente quer ser o feijão-com-arroz, não o chantilly.”

É possível escolarizar (no mal sentido) a criação de um produto de comunicação, formatando e planejando de antemão todas as atividades, de forma que, quando os alunos se envolvem na produção, acabam lidando com poucos dos desafios que teriam de superar na “vida real”. Isso tem ocorrido em alguns casos, especialmente quando a execução do produto de comunicação é deixada exclusivamente nas mãos dos adultos da escola, sem muita capacitação nem monitoramento; ou quando se trabalha com multiplicadores pouco apoiados.

Mas o imprevisto, a pressa, a superação de obstáculos fazem parte do currículo (por vezes, oculto ou inconsciente) das experiências com melhor resultado em termos de elevação da auto-estima, participação social dos estudantes e desenvolvimento de habilidades e competências mais gerais, como trabalho em grupo e liderança.

Em mais da metade dos projetos analisados, os educadores costumam dizer, com certo orgulho, “aqui nós aprendemos fazendo”. Boa parte desses

projetos construiu sua metodologia de trabalho desta forma experimental – e só depois foram buscar sustentação teórica e conceitual para sistematizar sua prática pedagógica. Resultados importantes observados nos aprendizes advêm de seu envolvimento nesses processos de aprender fazendo – o que contextualiza os conhecimentos e conteúdos abordados e dá sentido à aprendizagem.

O fato é que, para se disseminar por meio de políticas públicas a Educação, Comunicação & Participação, mantendo esse caráter experimental, promovendo a metodologia central do aprender fazendo, é necessário considerar certas questões que, de uma maneira ou de outra, envolvem a atividade mais nitidamente pedagógica do conjunto dos casos analisados neste Relatório.

5.1. Processo X ProdutoComunicação se concretiza em produtos (site, jornal, programa de rádio, vídeo etc.) Já educação é essencialmente um processo. O trabalho com a criação de produtos de comunicação tende a subverter a lógica da escola – cujos produtos em geral têm pouca relevância social, que não a de avaliar o desenvolvimento do processo de um ou vários estudantes.

É freqüente a discussão em projetos de Educação, Comunicação & Participação sobre a importância do processo e do produto. Alguns defendem que um bom projeto tem bons produtos – que inclusive refletiriam a qualidade do processo pedagógico. Em alguns casos, os adultos chegam a interferir fortemente na finalização do produto para garantir sua qualidade. Para outros, é apenas o processo que importa: a vivência de relações de produção mais participativas e democráticas, o trabalho com os conteúdos de forma contextualizada e prática vale mais, em termos pedagógicos, do que a qualidade do produto de comunicação que for criado.

Mas a tendência mais ampla é que os projetos se preocupem em planejar tanto o processo pedagógico

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como o produto de comunicação, com graus variados de ênfase no primeiro ou no segundo. As instituições mais jovens, muitas lideradas por jornalistas, tendem a se preocupar mais com a qualidade do produto final de seu processo pedagógico do que as organizações com origem na esquerda. Os projetos maiores, já em escala de política pública, são mais focados no que acontece ao longo do processo de formação – e seus resultados em termos de participação social e cidadania – do que no acabamento de um jornal ou site.

Independentemente da abordagem que se escolher, é preciso lidar com essa equação e o ideal é que tanto o processo como o produto tenham qualidade – todos ganham com isso, do público direto da formação ao indireto da comunicação, além dos financiadores.

5.2. Autoria e DireçãoCrianças e jovens envolvidos em projetos de Educação, Comunicação & Participação demonstram grande prazer em apresentar o resultado de seu trabalho – independentemente da qualidade de seus produtos. Mesmo quando grupos grandes de estudantes estão envolvidos, esse sentimento de autoria tende a ser uniformemente distribuído entre os participantes.

O foco que o projeto dá entre processo e produto interfere nesse sentimento de autoria. Como foi mencionado, há projetos em que os adultos buscam não interferir de maneira alguma nos produtos, outros aonde a interferência chega a alijar os estudantes.

Não há receita pronta para lidar com essa questão – embora obviamente é preciso preservar o sentimento de autoria nos estudantes, pois este é um fator constitutivo dos resultados em auto-estima, por exemplo, em projetos desse tipo.

Os estudantes em geral mostram que têm repertório suficiente para distinguir um bom produto, mas não necessariamente para executa-lo. Freqüentemente gostam e até pedem auxílio de adultos – educadores ou profissionais – no processo de criação de seus produtos. Quando os adultos

são capazes de trabalhar de forma não bancária, participativa com os aprendizes, em geral surge um sentimento de autoria inter-geracional. Mas é também possível, no outro extremo, alienar os estudantes de seu produto, dependendo do nível de interferência.

Assim, a direção de um processo de Educação, Comunicação & Participação deve envolver grande sensibilidade por parte dos adultos, para perceber momentos em que é possível contribuir e outros em que é melhor deixar que os estudantes acertem ou errem e arquem com as conseqüências de suas próprias decisões.

5.3. Faixas EtáriasOs projetos analisados neste Relatório variam suas metodologias conforme a idade dos aprendizes – embora o modelo do aprender fazendo, da participação mais horizontal dos envolvidos, seja sempre preservado.

Em síntese, para faixas etárias mais jovens há a tendência de ser trabalhar com um repertório de questões, conteúdos e conhecimentos mais reduzido e a delegar menos responsabilidade para as crianças – especialmente quando a escala é de política pública. Quanto mais maduros os aprendizes, maior o grau de responsabilização e menor a interferência dos educadores.

Em casos de pequeno atendimento, onde as relações entre adultos e crianças é muito próxima ou em que aprendizes de várias idades trabalham juntos, mesmo as faixas etárias mais novas tendem a ter mais autonomia. Na Casa Grande, interior do Ceará, há crianças de 8 anos quem mantêm programas semanais de uma hora de rádio, que elas mesmas criam e executam, com ótimos resultados.

Nas escolas onde há um sentimento de comunidade e identidade mais forte, também se percebe a formação de grupos inter-geracionais, que freqüentemente lidam melhor com as diferenças de idade, dando mais autonomia para todos os participantes, independentemente da faixa etária.

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5.4. Erro e CorreçãoA forma como os adultos concebem o que é erro e como eles devem ser corrigidos tem impacto direto na sua interferência ou não nos produtos de comunicação criados por crianças e jovens.

Aqui, novamente, há de tudo. De projetos disseminados em escolas onde os professores corrigem o português de um texto de jornal até aqueles onde os adultos preferem não corrigir nada, deixando que, uma vez publicado o produto, os alunos percebam, com os retornos que recebem, onde erraram e onde acertaram.

É freqüente observar entre adolescentes uma preocupação com a correção do texto e a qualidade do produto, que não teriam em outras situações em que os sentimentos de autoria e de interação com os pares não fossem tão presentes.

O fato é que a Educação, Comunicação & Participação, além de propor uma mudança na forma como se trabalha o ensino e aprendizagem nas escolas, implica uma reflexão sobre o que é certo e errado e as formas de corrigir isso.

Alguns projetos recorrem à correção em grupo – estratégia também usada por escolas com ensino mais renovado. Seja um grupo corrigindo o trabalho do outro, seja analisando a produção em grupo e discutindo seus pontos fortes e fracos. Outra estratégia é discutir a adequação de determinada produção, analisando a quem ela se dirige e quais as demandas de qualidade do produto desse público. É possível ainda simplesmente eliminar a interferência adulta, deixando que o produto gere demandas de correção na próxima edição.

Esta questão interfere também na relação entre os adultos e os financiadores do projeto, que freqüentemente não têm repertório conceitual para compreender a publicação de um jornal com erros de ortografia ou com uma estética pouco trabalhada – uma preocupação que por vezes leva os adultos a interferirem mais do que deveriam no produto.

Talvez o ideal neste caso seja associar as várias alternativas de correção listadas acima, avaliando,

caso a caso, qual estratégia é mais adequada para cada momento, considerando não só o aprendiz como o público alvo da comunicação.

5.5. Rodas e DiscussõesA roda de discussão é uma metodologia praticamente universal nos projetos analisados. Alguns iniciam todos os dias de trabalho com uma roda de aquecimento, onde se discute como cada um está, os fatos mais importantes do momento e o que será feito no dia, e terminam as atividades igualmente em roda, avaliando o que foi feito no período e deliberando sobre os próximos passos.

Problemas de disciplina freqüentemente são trabalhados em discussões coletivas. Decisões chave, como o produto que será desenvolvido ou os temas que serão abordados, chegam a ser decididos por votação. Como já foi dito, há um certo consenso de que participação se aprende participando, e os projetos se preocupam bastante em criar instâncias e situações nesse sentido.

Nas escolas, onde a cultura dominante é oposta, as rodas e discussões encontram resistência e pouca competência e repertório entre os professores de como promove-las. Novamente é necessário formar professores e multiplicadores em metodologias mais participativas, por intermédio de metodologias participativas. E cuidar para que essa formação não se reduza a um evento.

5.6. Complementar ou CurricularAs questões levantadas no item Desafios Estruturais fazem com que a tendência seja as escolas colocarem à margem de seu fazer principal os projetos de Educação, Comunicação & Participação.

A maioria dos projetos analisados adiante é extra-curricular (ocorre na escola, mas fora da grade horária regular) ou complementar a escola (em espaços externos, mantendo-se algum diálogo com a escola de origem dos estudantes).

Como já foi dito, o ideal seria que projetos desse tipo fossem curriculares, que as metodologias

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participativas de criação de produtos de comunicação ou de desenvolvimento de projetos pelos estudantes abrangessem todo o trabalho da escola, inclusive em sala de aula. Mas isso ainda ocorre em pequena escala – principalmente em trabalhos bem articulados às políticas da secretaria da Educação, ou quando há um número pequeno de escolas envolvidas na experiência.

Em geral, a estratégia utilizada pelos projetos é buscar que os meios de comunicação produzidos nos projetos (extra-classe) sejam levados para dentro da sala de aula, pelos próprios estudantes ou por professores – que podem utiliza-los como material para o trabalho pedagógico, já que na maioria das vezes esses meios abordam questões diretamente relacionadas ao cotidiano escolar. Em alguns casos, o material produzido pelos aprendizes, em outros espaços, tem como objetivo principal este uso em sala de aula, abordando assuntos, por exemplo, associados aos Temas Transversais, incluindo versões para estudantes e outras para professores.

5.7. Escola e SociedadeOs espaços que lidam com educação nas sociedades contemporâneas estão se multiplicando. Além dos mais tradicionais, como a escola, a família e as igrejas, há hoje várias outras instituições que mantêm processos estruturados de ensino e aprendizagem:

desde empresas de grande porte, com universidades corporativas, até centros de juventude, postos de inclusão digital e museus.

Como já foi descrito acima, as escolas regulares de ensino estão isoladas disso, tendendo a trabalhar seus conteúdos sem associa-los ao entorno social. Há uma proposta cada vez mais forte na sociedade brasileira – incluída na LDB de 1996 – de oferecer educação em tempo integral para as crianças e jovens brasileiros, sem que isso signifique necessariamente ficar na escola o dia todo.

Há várias abordagens teóricas e práticas atualmente, no Brasil e no exterior, que entendem que a educação dos cidadãos do século 21 deve envolver essas diversas instituições. A idéia das Cidades Educadoras, por exemplo, sintetiza essa proposta de que o sistema educacional deve articular vários espaços e atividades educativas, e não apenas concentrar-se em redes de escolas regulares.

O trabalho com Educação, Comunicação & Participação tem contribuições importantes a oferecer para as escolas, seus currículos e metodologias de ensino. Mas seu potencial suplanta a abrangência da escola. As experiências analisadas neste Relatório mostram que, além do potencial de renovação do fazer escolar, projetos desse tipo são instrumentos poderosos de articulação desses diferentes espaços e programas educativos.

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ConclusãoConclusãoHá hoje demanda por parte do sistema educativo e

da sociedade em geral, além de bastante experiência acumulada no Brasil, para a disseminação de projetos de Educação, Comunicação & Participação em escolas de ensino fundamental e médio.

São dois os caminhos básicos para isso, que devem ser vistos como complementares:

1. Guerra de GuerrilhasÉ favorável continuar apoiando projetos locais, de pequeno porte, com parcerias envolvendo uma ou algumas poucas escolas de uma mesma região, mais ONGs e/ou Universidades – buscando sempre articulação com a Secretaria da Educação. O que se percebe é que esses pequenos projetos, com o tempo, vão ganhando maturidade, se articulando a outros, gerando uma massa crítica importante para a transformação da própria cultura da Educação e para a disseminação mais ampla de novos projetos. Por vezes, esse projeto pode até ocorrer fora da escola, numa ONG, por exemplo, garantindo-se entretanto que ele dialogue com o que ocorre dentro da escola.

2. Políticas PúblicasÉ cada vez mais viável – dado o amadurecimento de muitas experiências iniciadas da maneira descrita acima – desencadear grandes projetos de Educação, Comunicação & Participação, atingindo

dezenas ou centenas de escolas, com amplos processos de formação, planejamento de projetos e distribuição de equipamentos. Para isso, seria interessante que as políticas públicas se associassem a experiências que já venham trabalhando na área. O ideal seria a construção de uma rede de projetos que pudesse disponibilizar conhecimentos, materiais, processos de formação e supervisão permanente para o desenvolvimento de várias políticas públicas no país todo.

O sucesso das iniciativas em menor escala e a dificuldade em manter a qualidade nas experiências envolvendo muitas escolas mostram que, mesmo nos grandes projetos, é necessário manter certas características de projetos pequenos. Por exemplo, no lugar de capacitar a esmo toda uma rede e distribuir para todas as escolas equipamentos de comunicação – numa abordagem mais universal –, talvez seja melhor identificar comunidades estáveis, que tenham perfil ou demanda para aquele tipo de trabalho, e focalizar mais os processos de formação e distribuição de equipamentos. Isso tende a melhorar a relação investimento/resultados.

A primeira linha de projetos pode até ser financiada pelo governo, mas conta hoje com os recursos do Terceiro Setor, que talvez seja o parceiro financiador mais certo para isso. A segunda linha de projetos já trabalha com escala de política pública e é praticamente impossível implementa-la apenas com recursos da iniciativa privada, sendo

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que o Estado deve arcar com parte significativa dos investimentos. Pode-se iniciar trabalhos na primeira linha tendo como perspectiva a ampliação de escala – o que envolverá desde a pesquisa e desenvolvimento da metodologia, com certos parceiros, até a disseminação, esta mais associada ao governo.

O fundamental, independentemente da linha de ação que se escolher, é compreender que projetos de Educação, Comunicação & Participação, mais do que

simples metodologias ou disciplinas, constituem uma proposta de transformação da maneira como as escolas trabalham o ensino e a aprendizagem. Ou seja, são processos que levam bastante tempo – muitas vezes mais do que os quatro anos de uma gestão de governo. Se isso não for considerado, o risco é criar bons “eventos” – mesmo que durem três anos – mas não conseguir mudar significativamente os processos educativos de forma permanente – isto é, melhorar a qualidade da Educação.

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AprendizCidade Escola Aprendiz

HISTÓRIAO surgimento da Internet e as expectativas criadas acerca de seu potencial transformador tiveram estreita ligação com a criação da Cidade Escola Aprendiz. A impressão geral, quando a Internet começou a fazer parte da vida de pessoas, Universidades e organizações, era de que nada mais seria como antes. Estudantes abriam empresas de Internet. Algumas delas, bem sucedidas, passavam a ter suas ações negociadas em Bolsas de Valores. Rackers desafiavam esquemas de segurança de grandes multinacionais. Previa-se uma reviravolta no mundo da Educação.

Neste momento tem início o Cidadão na Linha, uma experiência inovadora reunindo jornalistas, educadores e alunos de três escolas públicas e do tradicional Colégio Bandeirantes em São Paulo. Juntos, produzem um website sobre temas de interesse dos jovens, como educação sexual, música, jogos, cidadania, entre outros. A partir da experiência do site, o jornalista Gilberto Dimenstein, responsável pela iniciativa, lança o livro “Aprendiz do Futuro” (Editora Ática, 1997). Dirigido a professores e estudantes de ensino médio, o livro fornecia informações e dicas para a realização ações que explorassem o potencial da internet no exercício da cidadania e da educação. Algumas das inquietações daquele momento são explicitadas na fala do próprio Gilberto:

Até que ponto poderíamos refazer o olhar e a prática do professor, tão acostumado à feudalização educacional, cada qual dono de sua matéria? E, mais ainda, ensiná-lo a manejar o desconhecido instrumento da Internet para facilitar a comunicação e a obtenção de dados? Será que existe papel mais relevante ao professor do que ser um administrador de curiosidades? (trecho de artigo publicado na Revista Educação, Out/2000)

O website www.aprendiz.org.br foi criado com a mesma linguagem jornalística adotada no livro, facilitando e enriquecendo a navegação de internautas recém-chegados à rede. A constatação de que todos os estudantes de ensino médio envolvidos na produção do site ingressaram em boas universidades e ampliaram seus horizontes pessoais, sociais e profissionais deu ainda mais fôlego à realização das atividades. O tema da cidadania e a conjugação dos mundos da comunicação e da educação foram motores das ações que desembocariam na criação da ONG.

O jornal é ágil para retratar o cotidiano, o tempo real. Mas se perde na avalanche do presente, do imediato. A educação lida melhor com o perene, o essencial. Mas tropeça para embalar

Cidade Escola Aprendiz

A riqueza de uma cidade não está nas belezas naturais, mas na quantidade de pessoas interessantes fazendo coisas interessantes, compondo paisagens de incessantes inovações.

Gilberto Dimenstein, coluna “Feliz São Paulo Novo”, Folha de S.Paulo, 31/12/2003

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a atualidade (...) fazendo da escola um exercício aborrecido do passado. (Gilberto Dimenstein, Revista Educação, Out/2000)

Foi produzindo o site, ainda em seu início, com uma equipe que reunia adolescentes e jovens, educadores e comunicadores, entre outros profissionais, que se formou o “DNA” da pedagogia Aprendiz: criar produtos de comunicação e de arte com equipes multidisciplinares e intergeracionais e utilizar a comunicação e as novas tecnologias como instrumentos pedagógicos.

Em pouco tempo, o www.aprendiz.org.br tornou-se referência no campo da educação, trabalho e cidadania. Além do espaço para a divulgação dos projetos da ONG, o site conta com colunas de jornalistas, intelectuais e políticos de grande expressão como o próprio Gilberto Dimenstein, Rubem Alves, Antonio Gois, Cristovam Buarque, entre muitos outros e é atualmente o mais visitado do Brasil entre os sites de educação contando, em 2003, com cerca de oito mil visitantes únicos por dia. Pesquisa recente mostra que o público que acessa o site Aprendiz é formado por estudantes de ensino fundamental e médio (17%), estudantes de ensino superior (31%) e profissionais liberais, principalmente na área educacional (51%) tendo, portanto, um impacto significativo na área da educação.

Durante os seis anos que seguiram a criação da ONG, o que se viu foi uma explosão de criatividade no desenvolvimento de programas e projetos. Cada idéia originava uma nova ação que, por sua vez, se transformava em nova parceria, fazendo com que a ONG crescesse num ritmo bastante acelerado. O atendimento direto passou de 10 jovens em 1997 (o grupo pioneiro) para 530 aprendizes em 2003.

A Oficina de Sites e o Cem Muros foram projetos1 que contribuíram para o amadurecimento do trabalho e das relações da ONG com a comunidade, o primeiro no campo da educação pela comunicação e o segundo, da arte-intervenção [mais

informações sobre estes projetos estão na “Ficha de dados da organização”]. Dessa constelação de programas e projetos também fazem parte o Aprendiz Comgás, o Beco Escola, o Escolinha da Rua, o Café.Aprendiz, o Garagem Digital, o Expressões Digitais, o PraTiCidade, o Histórias de Vida, a Incubadora, o Rádio Escola, o Rádio Ativo entre outros.

A evolução das ações levou a ONG ao desenvolvimento do conceito de Bairro-Escola, um laboratório de pedagogia comunitária que integra agentes sociais diversos em prol da melhoria da comunidade e da educação. Desde o início, a idéia de transformar “um bairro inteiro numa escola” move educadores e aprendizes, que lançam mão das diferentes linguagens – internet, rádio, jornal, revistas, fotografia, grafite, mosaico, cerâmica, televisão, blogs – para promover a melhoria das condições de vida da comunidade.

A atuação do Aprendiz no bairro da Vila Madalena vem criando uma comunidade educativa que experimenta programas de arte-intervenção urbana, expressão corporal, comunicação, tecnologia e geração de renda numa construção de parcerias que compõe redes de aprendizagem.

No Bairro-Escola, a idéia de bairro vai além dos limites geográficos e administrativos: diz respeito às relações de aprendizagem e ao diálogo que se estabelece entre as pessoas e entre pessoas e espaços. Assim, ainda que grande parte das ações ocorra na Vila Madalena, bairro conhecido por reunir um grande número de artistas, intelectuais e universitários de São Paulo, o trabalho do Aprendiz atinge um universo mais amplo, pois se dirige aos problemas e às potencialidades que o espaço público urbano apresenta – espaço público entendido não apenas como espaço físico, mas como espaço ocupado pela mídia2 e por fluxos de comunicação diversos.

A organização de incubadoras e cooperativas, os problemas do transporte público, o desemprego juvenil e as novas modalidades de trabalho como a profissão de DJ, o papel do grafite e dos murais

1O Oficina de Sites teve duração de quatro anos e o projeto Cem Muros durou dois anos e meio2Para Jürgen Habermas, a esfera pública é o ambiente dentro da vida social onde ocorrem processos discursivos de formação da opinião e da vontade. Nele, a imprensa é uma importante instituição.

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na revitalização de áreas deterioradas da cidade, a veiculação de programas de rádio feitos por estudantes, o mundo dos blogs e a inclusão social e digital de idosos são todos temas que fazem parte do trabalho da ONG pois permeiam a vida e o espaço público da metrópole.

A agilidade e a flexibilidade para mudanças na Cidade Escola Aprendiz (ou no Aprendiz, como também é chamado) tem, assim, relação com o dinamismo do espaço em constante mudança. Para acompanhar esse ritmo, o desenho dos programas evoluiu de uma estrutura composta de núcleos e programas para a idéia de percursos formativos a serem trilhados pelos aprendizes.

A idéia desses percursos é fazer com que as crianças e jovens participem da escolha dos programas como parte de sua formação pessoal e comunitária. Por meio de parcerias, a ONG compõe redes de aprendizagem na comunidade, disponibilizando programas com os quais os aprendizes trilham uma trajetória em arte-intervenção urbana, comunicação e tecnologia. Os percursos pretendem que as crianças e jovens adquiram:

Alfabetização e fluência digital Habilidades de expressão e comunicação

oral, escrita e artística Capacidade de leitura crítica da mídia Capacidade de transformar informação em

conhecimento Capacidade para atuar na melhoria de suas

comunidades Capacidade de re-significar o espaço

urbano Habilidades e competências requeridas pelo

mundo do trabalhoA integração entre casa, rua, escola,

estabelecimentos comerciais e pessoas da vizinhança que permeiam o conceito de bairro-escola sempre esteve presente nos programas e projetos da ONG. Um exemplo é o Oldnet, projeto em que estudantes ensinam idosos a navegar na Internet e a buscar, na web, sua história e seus antepassados. As ações

contribuem para reduzir o isolamento dos idosos, muito comum nas grandes cidades e promovem sua inclusão digital. O projeto também desenvolve solidariedade intergeracional, fazendo com que o jovem compreenda o mundo do idoso e as questões que envolvem o processo de envelhecimento, o que contribui para sua convivência familiar e para a maior tolerância em suas relações.

Estimular a participação social e a cidadania, propor o trabalho coletivo em um ambiente de competição e individualismo exacerbados como a cidade de São Paulo é um desafio a mais enfrentado pela ONG. Em cidades menores, o impacto das ações tende a ser maior. Projetos que ocorrem em grandes cidades como São Paulo ou Rio de Janeiro lidam com um ambiente complexo e uma realidade mais difícil de ser transformada.

GESTÃOComo o próprio nome e o conceito bairro-escola sugerem, a ONG investe contra a “atual geografia da educação limitada aos muros da escola”3, alheia ao que ocorre no bairro e na cidade. Valoriza o encontro e a troca de idéias, inspirando-se na estrutura de uma redação de jornal: um ambiente aberto que estimula os fluxos de comunicação. Alguns projetos e ações, sempre apoiados sobre o tripé educação, trabalho e cidadania, nascem de conversas informais no Café Aprendiz, local de encontro para uma boa refeição e cybercafé pedagógico cujos recursos gerados contribuem para a sustentabilidade financeira da ONG, e na Praça Aprendiz das Letras, revitalizada pela ONG com murais de mosaico e grafites feitos pelos aprendizes. Os muitos eventos e festas, as sessões de cinema ao ar livre, as oficinas de grafite e as apresentações a visitantes são momentos de encontro que ampliam o fluxo de comunicação, favorecendo o desenvolvimento das atividades.

A gestão da Cidade Escola Aprendiz é relativamente descentralizada. Enquanto as decisões sobre gestão financeira e parcerias são tomadas em reuniões deliberativas com um grupo

3 Relatório Cidade Escola Aprendiz 2000/2001

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representativo de cada um dos programas Aprendiz, formado de 15 pessoas, as questões pedagógicas são definidas pelas coordenações dos projetos. Foi criado também um espaço ampliado para a troca de informações e qualificação da equipe, em reuniões semanais abertas a todos. Assim, os dois momentos de encontros e trocas instituídas pela ONG são:

1) Reunião de colegiado e gestão, de caráter deliberativo e freqüência quinzenal, na qual decide-se sobre a criação de novos programas, planejamento, recursos humanos, administração financeira (desde a captação até a gestão dos recursos), comunicação institucional, relações públicas e algumas questões pedagógicas.

2) Reunião pedagógica, de caráter formativo e freqüência semanal. É um momento de compartilhar experiências dos diversos programas e projetos e questões do dia-a-dia, aberto a todos os educadores da ONG, às escolas e outros parceiros. Recebe convidados que desenvolvem experiências ligadas ao Aprendiz ou que possuem conhecimentos em áreas afins ao trabalho da ONG. Nessas ocasiões as reuniões são realizadas na Praça Aprendiz das Letras.

Os coordenadores dos projetos foram assumindo, cada vez mais, as funções de gestão (orçamento, captação de recursos, material, questões jurídicas, contato com os parceiros) além da responsabilidade pelos aspectos pedagógicos dos projetos (desenho do projeto, seleção, formação dos educadores, avaliação).

Os projetos estão localizados em endereços diferentes (quatro casas na Vila Madalena e uma no Brás), o que faz com que a Internet (email e site) seja um importante veículo de comunicação da equipe e entre ONG, parceiros e comunidade.

SUSTENTABILIDADE A imagem da constelação de programas e projetos ajuda a compreender o espírito, a cultura do Aprendiz. Cada

ação gera novas idéias que, por sua vez, encontram um campo fértil e recursos para serem postas em prática em função da proximidade do Aprendiz com educadores, financiadores e comunidade, gerando assim novos projetos. Cria-se um grande “mosaico” de ações e projetos nos mais diversos campos: pintura, grafite, expressão escrita, rádio, incubadora de empresas juvenis, sempre articulando comunidade e escolas públicas e particulares.

O espírito empreendedor e uma certa descentralização da estrutura ajudam a formar essa cultura interna. A existência de um líder de grande visibilidade e carisma na mídia, reconhecido e influente no campo das empresas e da educação, imprime essa dinâmica possibilitando a ampliação do trabalho da ONG, que já conta hoje com mais de cinqüenta parceiros entre pequenos doadores e uma parcela significativa das grandes empresas que atuam no país: bancos, empresas de telecomunicações e informática etc. Portanto, se comparada à maior parte das ONGs que atuam no chamado Terceiro Setor, a Cidade Escola Aprendiz tem certa facilidade na captação de recursos.

Esse fenômeno também se deve à existência de um grupo de pessoas que, sintonizadas com as atuais tendências no campo do jornalismo, design, arquitetura, educação, arte e tecnologia, formam uma rede em torno dos projetos, agregando valor aos processos e produtos de comunicação do Aprendiz. Conhecida dentro e fora do mundo da educação e da sociedade civil organizada, a ONG mobiliza os mais diversos atores sociais, entre artistas, empresários e educadores. Também faz parceria com outros grupos e veículos de comunicação, como o Canal Futura, a Revista Educação e a MTV. A proximidade com a cultura das empresas e a elaboração de produtos de comunicação atraentes, que sabem transmitir aos parceiros as mensagens e idéias dos projetos, aumentam o impacto social das mensagens.

Todavia, o problema da curta duração das parcerias, que atinge o Terceiro Setor em geral, também impõe barreiras à continuidade de

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projetos no Aprendiz. Os mundos das empresas e da educação caminham em ritmos diferentes. Os processos educativos, de maneira geral, exigem um período de tempo maior para se obter resultados consistentes. A etapa da disseminação – que constitui um dos maiores desafios nos projetos de Educação, Comunicação & Participação – muitas vezes tem que enfrentar o problema da renovação da parceria já que é complicado planejar a fase de disseminação (seus custos, sua duração) já no momento da concepção do projeto, antes do desenvolvimento da metodologia.

As fundações e organismos internacionais, talvez por sua natureza, demonstram maior entendimento da exigência de mais tempo para se obter resultados consistentes em projetos de educação.

Os projetos da Cidade Escola Aprendiz são, muitas vezes, concebidos em conjunto com os parceiros. Um exemplo é o Rádio Ativo, uma parceria entre a Fundação BankBoston e a Rádio 89FM. Nela, os parceiros criaram, em conjunto, o projeto e o planejamento pedagógico. A Rádio 89FM “entra” com a estrutura e o apoio de funcionários responsáveis pela trajetória dos jovens. Com duração de um ano, o Rádio Ativo tem uma característica comum aos projetos voltados à mídia de massa: o atendimento direto é numericamente reduzido, mas o público indiretamente atingido, que recebe o impacto das ações, é bastante numeroso: um programa na 89FM pode chegar a ser ouvido por um milhão de pessoas.

A Agência.Aprendiz é um núcleo fundamental na gestão e sustentabilidade da ONG. Formado por três funcionários, um estagiário e dez voluntários (dados de 2003), é responsável pela comunicação da Cidade Escola Aprendiz, produzindo informativos para a equipe e os parceiros da organização. A Agência organiza eventos que reúnem a comunidade e os parceiros, além de desenvolver produtos que aumentam a visibilidade do trabalho educativo.

A ONG também desenvolve parcerias com o setor público. O projeto Eu escrevo alguém

responde foi uma oportunidade de parceria com a Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, dirigida a adolescentes em liberdade assistida. As atividades consistiram em trocas de cartas entre amigos, famílias e envio de cartas para autoridades públicas sobre questões que os jovens consideravam importantes.

Os projetos de atendimento direto demandam uma equipe multidisciplinar – o que em geral é mais oneroso. O Histórias de Vida, por exemplo, que atende diretamente 30 jovens, conta com coordenador, uma psicóloga, professores de Língua Portuguesa e História, um webmaster e um webdesigner, uma antropóloga, além de monitores que são, em geral, ex-aprendizes.

PARCERIA COM A ESCOLAA mudança curricular, especialmente em escolas das redes públicas de ensino, constitui um dos maiores desafios enfrentados pelas ONGs que fazem parte deste Relatório. A disseminação do projeto Expressões Digitais, por exemplo, enfrentou barreiras tais como a rotatividade de professores, coordenadores e diretores das escolas envolvidas, a falta de tempo para o trabalho coletivo dos professores no planejamento e avaliação das atividades, a dificuldade de trabalhar metodologias mais participativas, diferentes da aula tradicional à qual o professor está habituado, bem como barreiras para o uso da sala de informática.

A parceria com a Escola Estadual Prof. Antonio Alves Cruz, na Zona Oeste de São Paulo, enfrentou todos estes problemas. Ainda assim, a experiência vem mostrando que a inserção de programas de educação e comunicação em meio escolar, ainda que enfrentem diversos desafios para transformar a escola de maneira mais orgânica, trazem mudanças positivas em certas dinâmicas escolares. A atuação do Aprendiz e do Projeto Fênix, duas ONGs que desenvolvem projetos no Alves Cruz, contribuiu para impedir seu fechamento e provocou um aumento da

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procura de vagas por alunos de várias partes da cidade, o que rendeu, à Cidade Escola Aprendiz, uma menção honrosa no Prêmio Itaú-Unicef 2003 e fez com que a Associação Fênix fosse uma das vencedoras deste mesmo Prêmio.

Outra questão importante, visto que a ONG atende grupos formados por alunos de várias escolas – cada projeto recebe cerca de três ou quatro alunos de cada escola –, é como capacitar e motivar os aprendizes para replicar a metodologia do projeto em suas escolas frente a todas essas barreiras da estrutura escolar: faltas freqüentes de professores, sobrecarga de trabalho, pouco tempo de planejamento na escola, dificuldades dos alunos de se organizarem para superar problemas de infra-estrutura e para mobilizar a comunidade escolar. O Inconformáticas, iniciativa de alunos da Escola Estadual Godofredo Furtado que participaram da Oficina de Sites e decidiram, a partir da experiência, desenvolver um projeto educativo voltado a seus colegas e a professores da escola é um exemplo de superação destas dificuldades. O projeto liderado pelos jovens viabilizou a abertura da sala de informática que permanecia fechada até aquele momento. Os alunos, como apoio das coordenadoras da Oficina de Sites, organizaram oficinas na escola entre os anos de 2000 e 2001, cujo objetivo era estimular o debate sobre os problemas do sistema de ensino e sobre como inserir práticas pedagógicas inovadoras na escola. A aprendizagem do computador seria um coadjuvante neste processo. Segundo dados publicados em um site feito pelos alunos (www.inconformatica.cjb.net), os jovens desenvolveram competências importantes como o trabalho em equipe, a condução de dinâmicas participativas e a avaliação das atividades. Foram produzidos fanzines sobre temas como as novidades na escola, política, música e sexualidade. Após cerca de dois anos de atividades, o projeto acabou, com a formatura dos “inconformáticos” e mudança na direção da escola.

É importante também lançar um olhar sobre as escolas que vêm obtendo bons resultados com projetos de educação e comunicação. Como observamos em outras experiências presentes neste Relatório, o sucesso de um projeto está fortemente ligado às condições de funcionamento da escola e da rede de ensino. Na Escola Estadual Pedro Alexandrino, Zona Norte de São Paulo, o projeto Expressões Digitais vem colhendo resultados significativos. Ao contrário do que ocorre em muitas escolas públicas, esta conta com uma equipe estável com baixa rotatividade. Grande parte dos alunos mora nas imediações e o projeto conta com o apoio da diretora da escola.

A Cidade Escola Aprendiz trabalha grande parte do tempo no ambiente externo à escola, trazendo os atores – adolescentes, professores – para a formação no espaço da ONG, o que ajuda a preservar a proposta original e a estrutura do projeto, mas dificulta a integração das ações à grade curricular. Com o objetivo de buscar maior sinergia com a escola, a ONG criou o projeto Histórias de Vida. Nele há um esforço por maior integração à cultura escolar, com a adaptação da metodologia desenvolvida pela Oficina de Sites para possibilitar a incorporação das ações por professores da rede de ensino. Os jovens já não fazem mais websites para outras ONGs, mas estão construindo um portal no qual suas próprias experiências vão ser tratadas no contexto de seu bairro, cidade, país. Estudam a sua história de vida junto com a história do mundo, aproximando-se do currículo escolar.

PEDAGOGIA / METODOLOGIAHá um alinhamento conceitual em relação às diretrizes pedagógicas que norteiam o trabalho da Cidade Escola Aprendiz, tais como o conceito de bairro-escola, os percursos formativos, os quatro pilares da educação4, o trabalho por projetos, a pesquisa a partir de situações-problema ligadas à vida dos aprendizes, a organização do espaço em sub-

4cf UNESCO, Relatório Delors, 1999. A partir do relatório, os processos de avaliação instituídos na ONG levam em conta o desenvolvimento de aprendizes em relação a: aprender a ser, a conviver, a fazer e a conhecer.

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grupos de aprendizes, a importância pedagógica da roda5 no início ou no final de cada trabalho e o papel do educador como mediador da aprendizagem.

Mas a condução das atividades ocorre de maneira descentralizada, com certa autonomia dos coordenadores, sendo a livre expressão e a experimentação traços marcantes no funcionamento da ONG. Valoriza-se a diversidade de referências do grupo multidisciplinar. Os educadores trazem sua própria “bagagem” cultural, que é ampliada por meio das atividades de formação que ocorrem na ONG, especialmente nas reuniões pedagógicas de caráter formativo [ver item “Gestão” deste Relatório].

A mediação de todos os processos é feita pelo chamado “caldo de cultura”, formado por um grupo multidisciplinar de educadores, designers, artistas, jornalistas e voluntários, além de infra-estrutura, materiais, visitas a exposições, museus e cinemas para ampliar o repertório cultural e estético dos jovens. A organização do espaço – outro fator importante na mediação da aprendizagem – é bem diferente da sala de aula tradicional. O trabalho dos jovens, reunidos ao redor de mesas e computadores, é acompanhado por educadores que circulam entre os grupos. Conteúdos programados e temas que emergem na criação dos produtos de comunicação são igualmente explorados pelos educadores. A ampliação do leque de referências culturais favorece a elaboração de produtos mais interessantes, bonitos, com profundidade e adequação de conteúdos ao “cliente”.

A experiência de quatro anos (1999 a 2002) da Oficina de Sites, um dos principais programas da ONG em Educação, Comunicação & Participação, gerou aprendizagens importantes lançou luz sobre os desafios de aprimorar projetos para sua inserção também em ambiente escolar. Inicialmente chamado de Design Social – que, mais tarde se tornaria um dos núcleos do Aprendiz incorporando outros projetos –, sua proposta era colocar estudantes de escolas públicas e particulares em contato com outras ONGs e desafiá-los a construir websites

para essas instituições. Uma tribo Xavante, uma associação de catadores de lixo e uma organização do movimento negro, a Fala Preta, foram alguns dos “clientes” beneficiados pela Oficina de Sites.

O Aprendiz estimula o tratamento interdisciplinar e contextualizado de temas, aproximando-se das recomendações dos novos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEMs). Todavia, é fácil perceber que os sistemas de avaliação centralizados (Enem, Saeb, Saresp em São Paulo, além do vestibular), bem como as avaliações escolares que adotam uma estrutura disciplinar rígida, retiram grande parte da liberdade para que professores e alunos da rede implementem ações nesses moldes.

A necessidade de contemplar conteúdos do vestibular ainda é considerada uma barreira para o desenvolvimento de novas metodologias de ensino-aprendizagem, mesmo nas escolas particulares. (Coordenadora do Expressões Digitais)

Os educadores do Aprendiz reforçam que a ausência de nota é um fator importante para o sucesso dos projetos, pois favorece a auto-avaliação, para a qual o produto é um indicador. Não se faz algo para o professor, mas para o grupo, a coletividade.

Grande parte das ações da ONG é voltada à comunidade, ao bairro, às relações com o espaço urbano. Mas há projetos desenhados com o intuito de se integrar à escola, como o Expressões Digitais. Este projeto procura promover uma mudança no currículo, já que foi concebido com a idéia de integrar a grade curricular na disciplina Língua Portuguesa (embora possa ser conduzido por professores de outras disciplinas). Por meio da leitura de revistas e de outros materiais, o jovem pode se familiarizar com o mundo do jornalismo de modo a ter uma visão crítica sobre os conteúdos da mídia. A metodologia apóia-se na produção de textos e no domínio da técnica de construção de fanzines. O produto de comunicação contendo uma análise crítica das principais revistas

4Ao invés da disposição enfileirada da sala de aula tradicional, em que todos olham para o professor, o Aprendiz adota, em seus projetos, a roda, em que todos se olham, nos momentos de discussão de temas ou para iniciar e finalizar uma atividade.

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do mercado circula pela escola e sensibiliza outros atores para a importância de processos como este. O programa favorece a autonomia do aprendiz em sua relação com o saber, pois estimula o jovem a ir atrás do conhecimento no livro, nas pesquisas em Internet, nos contatos com jornalistas etc. Os aprendizes participam de todas as etapas, da criação do fanzine até a busca de patrocínio para sua impressão e distribuição.

A gente vai atrás do conhecimento, (...) vai buscar no dicionário, vai ver a gramática, vai ligar pra jornalista, vai abrir o site da revista... (Coordenadora do projeto Expressões Digitais).

Na etapa de disseminação da metodologia está prevista a formação de professores para trabalhar o projeto Expressões Digitais nas escolas. Esta sensibilização vai envolver 15 horas e abordar conteúdos de informática – edição de texto e internet – e capacitação para dinâmicas participativas.

A preocupação com a autenticidade das referências e da linguagem do aprendiz levou os educadores da ONG a adotar uma nova visão sobre “erro” e “acerto”. Utiliza-se sempre a idéia de “adequação” em lugar de “certo” ou “errado” durante todo o processo de elaboração dos produtos de comunicação.

Se há envolvimento, você quer que aquele produto seja comunicado e bem comunicado. ...Portanto a busca não é “do erro ou do acerto”, é da adequação. ... E, portanto, não tem erro, não existe erro. Existe um fazer e refazer para ser mais adequado, para melhorar, para conseguir um efeito mais interessante ... não tem nota, não tem a caneta vermelha. (Coordenadora do projeto Expressões Digitais)

A seleção de aprendizes adota critérios cujo mais importante é o desejo de participar no programa. Também se analisa a escrita dos candidatos por

meio de uma redação. Tenta-se obter um grupo heterogêneo e representatividade de diferentes etnias e condições sócio-econômicas. Definiu-se, ainda, que 30% dos aprendizes viriam de escolas particulares e 70%, de escolas públicas. Os egressos do programa ficam incumbidos de organizar, no ano seguinte, a divulgação e o recrutamento de novos aprendizes nas escolas.

Em relação ao voluntariado, o projeto Rádio Ativo vem obtendo bons resultados com o envolvimento de funcionários da rádio 89FM no processo de formação de aprendizes, que fazem uma espécie de estágio rotativo pela rádio. Os coordenadores do projeto consideram importante a alta freqüência dos jovens, de quatro dias semanais dos quais três dias são passados na rádio, onde aprendem a fazer os programas, e um dia ficam na sede do Aprendiz, em atividades de formação geral como oficinas de comunicação e auto-conhecimento.

O conteúdos das oficinas consistem de temas já programados (mundo da comunicação, jornal impresso, jargões do jornalismo) e temas que vão surgindo no processo (o que é Lei Rouanet, o que é crédito educativo etc.). Trabalha-se também a questão da inclusão social, já que o projeto é aberto a portadores de deficiências. Entre os participantes há um portador de deficiência visual e uma jovem em cadeira de rodas.

A equipe do projeto Rádio.Ativo considera fundamental o esforço de comunicação para o envolvimento dos funcionários-voluntários com os objetivos do projeto. Esta comunicação, além de motivar os participantes e informar sobre alguns resultados, deve levar em conta o choque cultural entre profissionais e aprendizes. Estes últimos, por serem em geral jovens de baixa renda, possuem um perfil diverso dos estagiários universitários que costumam circular pelas empresas.

O voluntariado está presente em outros projetos da ONG e a figura da coordenadora de voluntários é fundamental para garantir a eficácia e a qualidade do trabalho.

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O Café.Digital é um programa apoiado pelo UNICEF no qual professores e alunos de escolas parceiras passam por uma formação, no espaço do Café Aprendiz, para usar a Internet como instrumento de pesquisa e criar blogs na rede. A idéia inicial era que os garçons fossem estudantes que iriam dar suporte e orientação às pesquisas em Internet, num ambiente não-formal de educação. Todavia o desenho original trouxe dificuldades, pois os garçons não davam conta de, ao mesmo tempo, atender as mesas e trabalhar em pesquisa. A partir de 2002, os garçons passaram a atender exclusivamente o Café e um monitor-web se ocupava de atender alunos e professores e de criar situações pedagógicas naquele espaço. Como mencionamos, o Café intensificou a comunicação dentro e fora da ONG, possibilitando maior proximidade nas relações e oportunidade de encontro e troca, o que leva a refletir sobre as barreiras à comunicação impostas pela organização do espaço escolar, onde há uma separação entre espaço dos alunos e espaço dos professores/administração, dificultando o diálogo.

Por fim, o programa Oldnet também é uma ação que procura responder a desafios impostos pelo espaço urbano, em sintonia com o conceito de bairro-escola. O projeto, que teve início no lar de idosos Golda Meir, propicia o encontro de gerações: os idosos, que vão aprender a navegar na internet e construir sua página pessoal no Museu da Pessoa (www.museudapessoa.net) e os jovens, que serão seus monitores neste processo. Além da inclusão digital de idosos – população que sofre um isolamento ainda maior que a maioria da população nas grades cidades –, o projeto faz com que o jovem experimente a condição de educador e conduza o processo educativo, do planejamento à avaliação das ações, o que é importante para a relação do jovem com seus professores na escola.

O projeto também ocorre em outros lares de idosos, além de escolas e no próprio Café.Aprendiz. A alta procura de idosos pelo

projeto (a lista de espera conta com cerca de 50 pessoas) fez com que o Aprendiz aumentasse a oferta de capacitação para jovens monitores. O interesse da mídia em divulgar o projeto aumentou ainda mais a procura. Um dos desafios é criar mecanismos em que cada jovem possa atender mais de um idoso, média atual. Os resultados têm sido extremamente positivos, com uma presença assídua de idosos. Instituições de diversas partes do Brasil vêm tentando implementar o projeto, o que sinaliza a possibilidade de formação de uma rede de capacitação e disseminação dessa metodologia.

PARTICIPAÇÃOAs regras de convivência nos projetos são estabelecidas em conjunto por educadores e aprendizes. Quantas faltas serão aceitas, a proibição de comer e usar o computador ao mesmo tempo são exemplos de regras, mas cada projeto ou grupo tem liberdade para “fazer os seus combinados”.

Muitas vezes as regras são colocadas por escrito e os aprendizes são estimulados a cobrar seu cumprimento, sempre de forma democrática e tentando trazer para o grupo as questões polêmicas.

Há uma preocupação em qualificar a participação do adolescente, o que pode ser observado, por exemplo, no Rádio Ativo. Os meninos passam por uma capacitação durante quatro meses e, só então, partem para a criação e realização de seu programa de rádio.

Ao contrário de algumas das organizações presentes neste Relatório, nas quais a participação política e a autonomia do jovem é prioritária em relação aos demais aspectos do projeto, o Aprendiz parece dar ênfase à ampliação do repertório cultural dos adolescentes, ao desenvolvimento de uma visão crítica acerca do mundo e dos conteúdos da mídia e à trabalhabilidade. Os produtos de comunicação são bastante atraentes e criativos, o que aumenta o impacto sobre os receptores das mensagens.

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RELAÇÕESA informalidade nas relações cotidianas, o espaço aberto à circulação de todos (equipe, parceiros, professores e aprendizes) favorecem o encontro, o diálogo, a troca de idéias. Os espaços do projeto propiciam relações mais horizontais e formas espontâneas de diálogo e qualificação permanentes.

Um dos problemas enfrentados pela Cidade Escola Aprendiz e por quase todas as ONGs que fazem parte deste Relatório, reside na dificuldade de emancipação dos aprendizes, para que trilhem seu caminho após a experiência no projeto. O Aprendiz desenvolve um leque de atividades, o que acaba fazendo com que o adolescente egresso procure se integrar a outras atividades nos vários programas e projetos de arte, comunicação e novas tecnologias. Alguns poucos conseguem se incorporar à equipe da ONG, trabalhando no site, na administração ou em algum dos programas.

REGISTRO, SISTEMATIZAÇÃO, AVALIAÇÃO E DISSEMINAÇÃOA ONG não adota um sistema integrado de registro, avaliação e sistematização e podemos dizer que alguns projetos encontram-se em estágio avançado de disseminação enquanto outros ainda estão em fase inicial de registro e sistematização.

Fruto de uma parceria com a UNESCO, está em curso a sistematização dos projetos Incubadora, Histórias de Vida, Oficina de Sites, Expressões Digitais/Eu escrevo alguém responde, Oldnet e Rádio Escola/Rádio Ativo.

Assim como ocorre no Terceiro Setor de forma geral, também se coloca ao Aprendiz o desafio de obter financiamento para todas as fases do desenvolvimento dos programas – não apenas para a concepção e execução, mas também para a sistematização e disseminação. Como vimos, é comum que esta última fase fique aguardando uma renovação da parceria ou a busca de um novo

parceiro. O programa Expressões Digitais, por exemplo, que está sendo disseminado para dez escolas por meio de uma parceria firmada no final de 2003 com a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, levou cerca de um ano para viabilizar esta fase de disseminação.

O Manual do Expressões Digitais sistematiza a experiência que vem ocorrendo desde 1999 com a participação de estudantes de escolas públicas e particulares. O objetivo do programa é desenvolver um método de ensino-aprendizagem em Língua Portuguesa para ser aplicado nas escolas, que permita um novo relacionamento entre professor e aluno, além de estimular um interesse mais autêntico do aprendiz pelo conhecimento. O Manual consiste em um roteiro de ações para professores e alunos interessados em trabalhar com a leitura crítica da mídia impressa e a produção de texto. Ao mesmo tempo em que os jovens desenvolvem a leitura crítica e a produção de texto no computador, são incentivados a pesquisar as dificuldades de língua portuguesa, a acessar a internet para consultar sites das editoras de revistas e entrevistar jornalistas.

É possível vislumbrar caminhos alternativos às escolas/Secretarias de Educação para a disseminação das metodologias. No projeto Rádio Ativo, por exemplo, a parceria com um grupo de comunicação sinaliza a possibilidade de ampliação das ações a outras cidades nas quais o grupo possui veículos de comunicação. Neste sentido, o Ministério e as Secretarias Municipais do Trabalho, os Núcleos de Tecnologia e Educação (NTEs), o Ministério das Comunicações e da Cultura também podem ser considerados parceiros potenciais na articulação entre ONG, escola e empresa.

PRODUTOS E RESULTADOSA Cidade Escola Aprendiz foi criada a partir de um produto de comunicação, o site Aprendiz. Isto talvez explique a importância atribuída ao produto em todos os projetos e ações que foram sendo

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concebidos com o passar do tempo. Ainda que o processo de aprendizagem venha recebendo cada vez mais atenção dos educadores, em parte pela necessidade de viabilizar sua inserção na escola, os produtos de comunicação – websites, fanzines, murais, grafite, programa de rádio, reportagens – são fundamentais no trabalho da ONG. Na Oficina de Sites, por exemplo, vinte e um sites foram produzidos entre 1999 e 2002 para ONGs “clientes” do Aprendiz .

Se eu tenho um produto, é porque muita gente vai ver este meu produto. Se muita gente vai ver o meu produto eu quero fazer bem feito. Se meus pais vão ver, meus amigos vão ver, meus professores vão ver, meu namorado vai ver. Eu quero que esteja bem feito, não quero escrever errado, que depois vão caçoar de mim, não quero fazer mal feito. Este é um estímulo grande. (Coordenadora do Rádio Ativo)

O produto também ajuda educadores a conhecer os educandos e a “captar” aspectos que não ficam evidentes na avaliação escolar formal. Há relatos em que se conheceu, por meio do produto, especificidades do desenvolvimento cognitivo de participantes com necessidades especiais, reforçando a idéia de que o portador de deficiência pode desenvolver-se melhor que a média do grupo em alguns campos importantes.

A gente tá aprendendo que o deficiente auditivo se comunica diferente. ... O site dela é diferente, a linguagem ... ela se comunica diferente com as mesmas ferramentas. ... A comunicação é mais rápida. Pra você dar nome às pessoas, você usa a primeira letra do nome e uma característica. ... o Giovane era o “G” e os caracolzinhos... (Coordenadora do Histórias de Vida)

A possibilidade efetiva de veicular o produto de comunicação para um universo mais amplo

aumenta o impacto das mensagens, como ocorre no programa “Ativando” produzido pelos adolescentes do Rádio Ativo.

Os adolescentes que participam dos programas do Aprendiz contam ainda com a Incubadora, que dá suporte para que desenvolvam um plano de negócios e se profissionalizem em sua área de interesse, seja ela “contação de histórias”, música ou soluções hidráulicas.

É grande a vocação da Cidade Escola Aprendiz para parcerias que permitem colocar em pauta temas relevantes para a sociedade, estimulando o debate e a experimentação em um ambiente urbano saturado de informação como São Paulo, onde as mensagens se perdem em meio a um mar de referências. No final de cada ano, nos eventos que marcam a conclusão de um projeto, ou ainda nas reuniões pedagógicas, é comum ver diretores de grandes empresas, intelectuais, professores e representantes de movimentos da sociedade civil que assistem a exposições dos jovens aprendizes, desenham mosaicos e constroem painéis em espaços púbicos a partir de “temas geradores” como violência e juventude ou trocam idéias sobre educação, trabalho e cidadania.

Mas há desafios de naturezas diversas neste estágio de consolidação do trabalho da ONG, que dizem respeito tanto às parcerias com empresas e fundações como com a rede pública de educação.

Em relação às empresas, ainda que a criação conjunta de projetos em parceria seja um aspecto enriquecedor, pois conjuga os mundos da educação e do trabalho num cenário de desemprego estrutural que atinge os jovens com mais força, ela também coloca o desafio de se obter consistência nas metodologias para sua disseminação – o que exige um período de tempo mais longo do que ocorre em grande parte das parcerias. Como já mencionamos, enquanto a educação envolve um planejamento de longo prazo, os tempos das empresas são condensados.

Em relação ao mundo da escola – especialmente da escola pública – para grande parte das ONGs

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presentes neste Relatório, o caminho a ser trilhado é árduo e envolve várias definições como, por exemplo, qual será o grau de envolvimento com a escola. No caso do Aprendiz, frente à dificuldade de se alcançar um envolvimento mais orgânico dos projetos na escola, a maior parte das ações se dirige ao trabalho direto com os aprendizes para melhorar sua relação com o conhecimento e com a escola, bem como para qualificar sua participação social. Este “prazer de aprender”, associado à visibilidade da ONG e às oportunidades de trabalho e cultura que ela gera, faz com que os programas do Aprendiz sejam extremamente valorizados por alunos das escolas parceiras, que disputam suas vagas.

A idéia da educação para além dos muros da escola encampada pelo Aprendiz vem mostrando seu efeito catalisador e multiplicador, ampliando

os fluxos de comunicação, estimulando ações coletivas e adensando o tecido social nas áreas da cidade em que atua. No plano individual, o impacto da participação nas ações do Aprendiz mostra-se decisivo, como no exemplo de uma jovem que participou do grupo pioneiro na criação da ONG (anexo). Nas ações coletivas, os exemplos são muitos, como as ações implementadas por jovens do programa Aprendiz Comgás, entre elas o cinema na escola, as hortas comunitárias e os grupos de contação de histórias. Apresentações teatrais infantis em praça pública têm, como atores, crianças do bairro que ao conhecerem a ONG, não quiseram mais deixar aquele espaço lúdico e criativo. Painéis de mosaico fazem de muros de São Paulo espaços onde pessoas comuns podem deixar sua marca e imprimir uma estética própria, transformando as ruas da cidade em espaços educativos.

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Dados - Aprendiz

Nome Associação Cidade Escola Aprendiz

Natureza da organização Organização Não-Governamental sem fins lucrativos

MissãoPesquisar e desenvolver programas educativos que possibilitem o despertar da comunidade da Vila Madalena para o conhecimento.

Endereço R. Belmiro Braga, 154. – Vila Madalena. São Paulo – SP.

Telefone (11) 3819-9225/9226 ou (11) 3813-7719

E-Mail [email protected]

Site www.aprendiz.org.br

Responsáveis

Miguel Pereira Neto - PresidenteGilberto Dimenstein – Diretor PedagógicoCélia Pecci/ Yael Sandberg – Diretoria PedagógicaAlexandre Le Voci Sayad – Coordenação de Educação e Comunicação/ editor-chefe Site AprendizCilena Faria – Agência Aprendiz

Infra-estruturaQuatro casas na Vila Madalena: Uma administrativaUm atelier para os programas que envolvem de arte-educaçãoUm laboratório para os programas que envolvem de educação e comunicaçãoO Café Aprendiz: espaço para networking e captação de recursos

Principais Programas/Projetos

Aprendiz Comgás, Escola da Rua, Escola na Praça, Site Aprendiz, Histórias de Vida e Oldnet.

Números de atendimento 2003: 600 diretos e quase 16.000 indiretos, entre crianças e jovens basicamente.

Equipe/Formação/Capacitação

Caldo cultural: arquitetos, pedagogos, educomunicadores e artistas plásticos formam a equipe multidisciplinar do Aprendiz.

Formas de Contratação CLT e Contrato de prestação de serviços.

Produtos Site Aprendiz, produtos oriundos dos grupos da Incubadora Aprendiz, blogs do História de Vida e intervenções urbanas na cidade de São Paulo.

Orçamento Por volta de R$ 3,5 milhões/ano.

Principais Parceiros2003: Comgás, Votorantim, Banco Itaú, Fundação Bradesco, Intel, Microsoft, Instituto Ayrton Senna, Unicef, Unesco, Fundação BankBoston, Intel e comerciantes e moradores da Vila Madalena, São Paulo.

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A história de Kátia Gama, 22 anos, se confunde com a história da Cidade Escola Aprendiz. Ela participou do primeiro projeto da ONG, quando ainda cursava o 3o colegial e foi uma dos cinco alunos de Escolas Estaduais selecionados pelo Colégio Bandeirantes para escrever para o site Aprendiz, junto com os alunos da Instituição. Além de produzirem notas para o site, que tratava de temas relacionados à educação para a cidadania, eles tinham aulas de inglês, português, atualidades e história da arte.

Alguns meses depois, a Unesco ficou conhecendo o trabalho desenvolvido pela Cidade Escola Aprendiz e propôs que os aprendizes criassem um site sobre os cinqüenta anos da Declaração dos Direitos Humanos. O Grupo aceitou o desafio e com a ajuda de consultores voluntários produziram o conteúdo e o design do site. A experiência evoluiu para o desenvolvimento do Projeto “Design Social”, uma oficina de criação de sites que existe até hoje na Cidade Escola Aprendiz.

Kátia trabalhou por três meses na administração da Cidade Escola Aprendiz e,

em seguida, foi convidada para ser pauteira do Jornal do Futura, que a partir de uma parceria com o Aprendiz, pretendia levar alunos do Projeto para estagiar no canal. Paralelamente, também através de uma parceria do Aprendiz com a MTV, ela acompanhava o dia a dia da equipe de produção musical da emissora e ainda cursava Publicidade e Propaganda na PUC São Paulo.

Durante o período em que fazia estágio no Canal Futura e na MTV, Kátia recebeu uma bolsa estágio da Nortel, uma empresa de telecomunicações. Quando resolveu se desligar dos projetos, foi convidada pela própria empresa que a patrocinava para trabalhar no Departamento de Marketing, onde ficou por seis meses. Depois, voltou para MTV, onde produziu e dirigiu o “Olimpíadas de Clip”. Teve outras experiências profissionais, mas há quase dois anos está de volta para a Cidade Escola Aprendiz onde faz parte da agência.aprendiz que é o núcleo responsável pela comunicação, criação de produtos, marketing e relacionamento com os parceiros.

Fonte: www.aprendiz.org.br, janeiro de 2004 - agência.aprendiz

Anexo - Cidade Escola Aprendiz

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Educação, Comunicação & Participação

Casa GrandeFundação Casa Grande

HISTÓRIA“São seis horas na Casa Grande FM.” Que importa o que ocorre no resto do mundo? Importa muito. Mas, para os setenta meninos que participam dos projetos da Fundação Casa Grande, a estética da chamada aldeia global não se sobrepõe à cultura do Cariri. Ao contrário, as vozes que chegam a Nova Olinda pela televisão, rádio, revistas, jornais e pelos cerca de três mil turistas que passam por lá a cada mês, ajudam a ampliar o cardápio de estilos e o repertório de referências culturais e artísticas das crianças e adolescentes.

Das cinco horas da manhã às dez da noite, Nova Olinda e arredores podem ouvir programas de rádio feitos pelos adolescentes como o “Submarino Amarelo” (programa educativo), o “Escala de Sol” (Blues), o “Tribo Cidadã”, sobre educação ambiental, drogas e trabalho, o “Naquele Tempo” (a era do rádio), além dos programas de jornalismo, forró, MPB, rock e até música erudita. Nos primeiros anos do projeto a rádio funcionava apenas nos finais de semana, com três auto-falantes localizados em cima da casa. Depois passou a ser rádio por ondas, transmitida também durante a semana para Nova Olinda e cinco municípios vizinhos. “A rádio que educa” presta serviços à comunidade. Os moradores da zona rural nem sempre podem ir até a cidade na hora do

Terço da Igreja, mas ouvem a cerimônia pelo rádio sintonizando a Casa Grande FM.

Conhecer a Fundação Casa Grande nos faz indagar o que explica que um grupo de jovens do sertão do Cariri consiga equacionar de forma tão criativa questões complexas e centrais no mundo contemporâneo, como o poder da mídia de massa de ditar comportamentos e estéticas, a dificuldade das culturas locais de sobreviver a uma cultura global hegemônica e a impotência da escola frente a esses fenômenos.

A chapada do Araripe era um oásis no meio do Sertão, um grande entroncamento humano onde povos e mais povos passaram por aqui e brigaram por este oásis. Por isso a região do Cariri é um celeiro cultural no Ceará. (Alemberg Quindins, Presidente da Fundação Casa Grande)

Esse “celeiro cultural” engloba as cidades de Nova Olinda, Santana do Cariri, Assaré (cidade natal do poeta Patativa de Assaré), Crato, Juazeiro do Norte e Barbália, uma região riquíssima por sua história natural – no museu paleontológico de Santana do Cariri há resquícios arqueológicos de dinossauros encontrados lá.

Localizada em uma região de memórias, lendas, mitos, fósseis e pinturas rupestres, pode-se dizer

Fundação Casa Grande

Eram os narradores que constituíam a maior atração. Ao seu redor se formava o círculo de pessoas mais numeroso e fiel. (...) Suas palavras vinham de longe e permaneciam flutuando no ar por mais tempo do que as das pessoas comuns.

Elias CANETTI, As vozes de Marrakech: anotações sobre uma viagem, p. 93

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que a Fundação Casa Grande também passou por um período “pré-histórico” de gestação quando, durante dez anos, Alemberg Quindins e Rosiane Limaverde pesquisaram a música e a geografia da região e reuniram objetos, lendas e histórias. Ela nasce com o Memorial do Homem Kariri, que ocupa a primeira casa construída em Nova Olinda em 1717 e recuperada em 1992, como relata uma mãe de dois jovens que participam do projeto:

Outro dia eu ia passando em frente e eu vi umas pessoas filmando e disse “ih, parece que vão fazer alguma coisa aí”. Depois eu vi roçando, queimou os matos da frente aí terminou virando um museu... Só tinha gente grande, foi feito pra adultos. Mas os meninos é que foram chegando. Chegou Miguel, Luciano depois Samara... Aí eles prestavam atenção em como é que Rosiane e Alemberg recebiam as pessoas. Aí quando Rosiane e Alemberg se distanciavam um pouquinho, que chegavam pessoas, eles iam receber. Quando foi um dia, Rosiane e Alemberg perceberam eles dando aula, explicando as coisas. Aí eles foram ficando. (mãe de jovens e participante de uma cooperativa criada pelo projeto)

Do interesse espontâneo das crianças pelo museu se criou a “função” de monitor-mirim, ponto de partida para todas as atividades de comunicação que foram sendo criadas à medida que a Escola de Comunicação da Meninada do Sertão se estruturava. Com mais de dez anos de atividades, a Casa Grande vem recebendo a visita de pesquisadores, educadores, artistas de expressão nacional e turistas em geral, em um rico processo de intercâmbio artístico e cultural.

Na Fundação a porta de entrada pra se chegar na comunicação é a Casa Grande [Museu]. Num machado daquele ou numa pintura rupestre daquela está o início da Comunicação. Você entra na Casa Grande e você vai ver as pinturas rupestres, que podiam ser os jornais de hoje. Você vai pegar os

machados, que são o design gráfico hoje. (Alemberg Quindins, Presidente da Fundação Casa Grande)

A base do trabalho da Fundação parece estar na construção da identidade a partir da cultura de origem, estabelecendo-se uma relação entre passado e presente, entre as raízes da cultura local e os canais de comunicação desta cultura com o mundo. Assim, antes de aprender as técnicas de rádio ou TV, procura-se entender como era a comunicação na “pré-história” da região.

Em um mundo cujas fronteiras se dissolvem, a Casa Grande mostra que as raízes profundas em uma cultura local, com valores e estética próprios, são compatíveis com a abertura para o mundo. Possuir uma forte identidade própria parece ser justamente aquilo que permite o domínio de referências e estilos de outras culturas. Assim, há uma consciência do equívoco que representa a tentativa de cristalizar determinada cultura, congelá-la no tempo e valoriza-se as trocas culturais.

Na visão dos adolescentes, a Fundação Casa Grande possui um papel relevante no desenvolvimento do Cariri como pólo turístico. A Escola de Comunicação pode, segundo eles, contribuir para o desenvolvimento de um mapa turístico regional com ênfase para a diversidade de cada município, valorizando sua identidade própria. A idéia é que, daqui a algum tempo, cada um desses municípios conte com uma rádio comunitária oferecendo às pessoas a possibilidade de escolher entre os diversos estilos musicais, mas que respeite a vocação e as tradições de cada cidade. Rádio, vídeo, literatura de cordel, música e teatro: o plano dos adolescentes é articular essas atividades para fortalecer a cultura da região.

Admitamos que toda sociedade humana possa ser considerada um sistema de comunicações; cada um dos momentos sucessivos de sua existência se definirá em virtude de dois critérios: a natureza das técnicas de que se faz uso para a transmissão das

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mensagens e a natureza das formas que asseguram a diferenciação destas. (...) quanto às técnicas, serão a voz e a escrita; quanto às formas de diferenciação, serão as diversas estruturas sociais e mentais ou, mais restritivamente, políticas e estéticas 1.

GESTÃOEnquanto a gestão financeira da organização é feita pelos diretores da ONG –Alemberg, Rosiane e uma diretora financeira – os adolescentes se responsabilizam, coletivamente, pela manutenção do patrimônio físico e pela definição dos bens a serem adquiridos: equipamentos, CDs, revistas e materiais diversos, enfim, tudo o que for necessário para seu funcionamento.

A liderança exercida pelos adolescentes tem um papel importante no projeto. Como os líderes da organização (diretores) moram em uma cidade vizinha, lideranças entre os adolescentes emergem quase que espontaneamente e passam a estruturar o trabalho e o dia-a-dia da Fundação.

SUSTENTABILIDADE A Fundação Casa Grande opera com um orçamento bastante reduzido se compararmos à média dos projetos que integram este relatório, o que se explica pelo baixo custo das tecnologias exploradas e, também, por situar-se em uma pequena cidade, onde os custos são inferiores aos da metrópole. Grande parte dos investimentos iniciais no projeto foram feitos pelos próprios fundadores da Casa Grande, durante seus primeiros anos de existência.

Embora receba hoje apoio do Governo do Estado do Ceará, muitas vezes a relação com o poder público (particularmente o municipal) gerou problemas para a Casa Grande pois, sendo uma rádio comunitária, sofria constantes ameaças de fechamento.

A parceria com o Instituto Ayrton Senna criou a possibilidade de investimentos em infra-estrutura, especialmente a aquisição de CDs que fizeram da discoteca da Casa Grande FM a maior e mais completa da região. Lojas de disco costumam

oferecer seus lançamentos aos adolescentes, para que veiculem na rádio.

Um importante passo rumo à autonomia dos projetos em relação aos grandes financiadores foi a criação da Cooperativa de Pais e Amigos da Casa Grande (Coopagran). Aproveitando o potencial turístico intensificado pela visibilidade do projeto, familiares dos adolescentes passam por uma formação no Sebrae, criam pousadas domiciliares e são capacitados a produzir materiais com a imagem da Casa Grande que podem ser vendidos aos turistas (camisetas, bolsas, canecas etc.), além de cuidarem da “bodeguinha”, que serve os lanches para os meninos e visitantes. As pousadas oferecem a oportunidade de intercâmbio cultural entre turistas e as famílias da cidade.

Violeta Arraes possui vínculos estreitos com a Casa Grande, tanto que o teatro recém-inaugurado pela ONG leva seu nome. Por ser uma figura de expressão nacional, vem contribuindo tanto em processos internos da ONG (é membro de seu Conselho) como no estabelecimento de canais importantes para sua sustentabilidade, abrindo portas dentro e fora do país, como uma espécie de “embaixadora”.

PARCERIA COM A ESCOLAOs adolescentes do projeto capacitam alunos das escolas da cidade em uma iniciação ao cinema e à música, cujas oficinas ocorrem no Teatro Violeta Arraes.

A Fundação Casa Grande procura incentivar o bom desempenho escolar. Para que um adolescente participe no projeto, é necessário que ele freqüente a escola e tenha boas notas e bom comportamento, ainda que não exista uma regra ou um dispositivo que explique o que se entende por bom comportamento. Todavia, não são citados casos em que alguém teve que deixar o projeto por não atender a esses requisitos. Os adolescentes não vêm motivo para um menino que freqüenta a Casa Grande “ir mal” na escola, já que a ONG oferece espaços para o estudo à tarde e a criança pode

1 Paul ZUMTHOR, A Letra e a Voz, 1993, p. 25

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contar com a ajuda dos mais velhos para resolver os problemas escolares.

PEDAGOGIA / METODOLOGIAO rádio, carro-chefe entre os meios de comunicação da Casa Grande, mostra-se um meio particularmente “inclusivo”. É fácil fazer rádio. Se o jornal impresso exige o domínio da escrita2 e a produção de vídeo envolve um processo complexo e custoso, o rádio, por sua simplicidade, favorece a autonomia dos adolescentes em relação aos adultos. A simplicidade da tecnologia permite que a criança opere equipamentos e apresente programas. Jovens-monitores organizam oficinas para os meninos menores, que ocorrem durante a “Voz do Brasil”, único momento do dia em que a Casa Grande FM fica fora do ar.

O rádio atrai o interesse das crianças. Aprende-se “no ar” e os erros inerentes ao processo de aprendizagem não ficam registrados, assumindo um peso menor sobre a auto-estima. O medo de errar não oprime tanto. O grande fascínio pelo rádio pode ser explicado, além deste fator, pelo prazer de “falar” e de criar programas musicais ou jornalísticos para a comunidade sem ter que, antes, dominar totalmente a técnica. Desde cedo os adolescentes sentem-se “radialistas profissionais”, pois fazem sozinhos programas que vão ao ar e têm grande impacto na cidade.

Embora apóie-se na oralidade, o rádio ajuda a qualificar a expressão escrita já que as crianças têm que escrever o roteiro de seu programa. Observa-se que, para construir um roteiro, o adolescente envolve um grupo maior nas discussões de idéias, o que qualifica seu modo de expressão e sua argumentação.

Pessoas que visitam o projeto também são incorporadas nos programas jornalísticos, o que mostra uma flexibilidade do rádio como veículo que capta e reproduz a realidade em seu dinamismo. Mostra também a abertura dos jovens aos visitantes, a busca de integração.

No início, a idéia de Rosiane e Alemberg era direcionar as atividades aos jovens da cidade, mas percebeu-se que as crianças é que se mostravam mais

interessadas na proposta. Envolver a criança desde pequena, garantir sua integração antes que ela cresça e seja “bombardeada” pelos conteúdos da mídia de massa parece ser um dos aspectos que explicam o sucesso do projeto. E o rádio tem essa qualidade de atrair imediatamente o interesse das crianças menores.

Os jovens não negam o impacto da mídia de massa sobre a sua vida. Se apropriam dela e procuram construir espaços de diálogo a partir, por exemplo de conteúdos das novelas. Um dos programas veiculados propôs discutir como os adolescentes tratam o idoso, discussão que se originou com uma personagem da novela das oito da Rede Globo, que tratava mal seus avós.

Não há seleção para ingressar na Casa Grande, que está aberta a qualquer criança da cidade que queira participar do projeto. Mas os diretores da ONG definiram, em conjunto com os jovens, que deve haver um período de adaptação no qual se cobra constância e qualidade. É fácil perceber quais os meninos que se encontram neste período: são aqueles que circulam pela Casa Grande sem o uniforme da Fundação. Para ganhar o uniforme (ou a “farda”, como dizem no Ceará), os meninos recém-chegados precisam demonstrar vontade de aprender e preocupação com qualidade, aspectos valorizadas no projeto. A criança que chega pequena, pode passar até dois anos freqüentando a “escolinha”. A partir dos 8 ou 9 anos eles já participam de outras atividades e laboratórios da escola de comunicação. Todos têm que passar, mais cedo ou mais tarde, pela função de “recepcionistas do museu”, considerada fundamental para a formação pelos líderes da ONG. Observa-se que, em geral, os recém chegados apenas executam as tarefas a eles atribuídas e, só depois de algum tempo, passam a demonstrar preocupação com os processos coletivos, dar idéias, argumentar e se envolver com os produtos de comunicação. Não há um período de tempo pré-definido entre a entrada no projeto e o recebimento do uniforme e as decisões a esse respeito dependem do desenvolvimento de cada menino e são tomadas coletivamente, por diretores e adolescentes.

2Como vimos em outros projetos que integram esta pesquisa, na mídia impressa os erros adquirem uma dimensão significativa. Nas matérias assinadas pelos jovens, fica evidente suas dificuldades com a língua escrita.

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Se o ingressante já é um adolescente, ele começa trabalhando como recepcionista do Museu. Se é ainda criança, o ingresso ocorre pela chamada “escolinha”, a etapa inicial que dura cerca de dois anos, na qual a meninada deve conhecer a pré-história e a história da Região do Cariri. Nesta etapa, a criança vivencia a “contação” de histórias e lendas, os instrumentos musicais, as músicas e as brincadeiras. A aprendizagem ocorre coletivamente pelo contato, a conversa, as atividades em grupo, numa antítese do que vivemos hoje nas grandes cidades:

Vivemos hoje o advento de mecanismos de tecnologias para que o homem se isole mais e tenha tudo em casa. Isso é o que? Cortar a conversa, o contato humano. Esse contato humano...por exemplo, ce chega num banco hoje e não existe nenhum contato humano. ... “Seus problemas, resolva pelo telefone”. Cê precisa ter o contato humano. Acho que vai chegar ainda o tempo em que, o que vai fazer a diferença é a retomada desse contato humano. Eu tinha um tio que era contador de história. E na época do Natal ele ia para a Igreja e a cidade inteira depois da missa ia ouvir as histórias dele...(Alemberg Quindins, Presidente da Fundação Casa Grande)

As regras de convivência são flexíveis e estabelecidas pelos próprios adolescentes. Os jovens ficam no projeto durante o período oposto à escola. Cada um deles é responsável por um setor. Cada programa de rádio é feito integralmente por uma pessoa.

Há um incentivo para se traçar um projeto de vida e para os cuidados como a saúde. Não beber e não fumar são aspectos bastante valorizados pelos jovens do projeto, ao contrário do que ocorre com outros jovens da região, onde o alcoolismo é um problema grave.

A música tem importância central entre as referências artísticas da Casa Grande. Há alguns anos foi organizado um “Fest-lata”, festival que reuniu bandinhas de lata da cidade, trazendo muitos adolescentes para o projeto. O primeiro

passo é aprender a tirar notas musicais de latas. A bandinha de lata faz sucesso por onde passa e teve participações em shows de artistas como Zeca Balero e o coreógrafo Ivaldo Bertazzo.

Estudantes de pedagogia da Universidade Federal de Ceará organizam mensalmente oficinas de rádio, vídeo e outros temas que sejam considerados relevantes pelos meninos. Observa-se que, em contraste com a maior parte dos conteúdos da escola, os saberes mobilizados no projeto são contextualizados e têm significado para os educandos. Parte-se sempre da cultura e geografia da região.

PARTICIPAÇÃOA participação dos adolescentes ocorre em todas as dimensões do projeto. Eles são a voz oficial da Casa Grande, portanto um visitante que quer conhecer a ONG não busca informações junto aos diretores, mas fala diretamente com os meninos.

Como os adolescentes ficam responsáveis integralmente pelo dia-a-dia da Casa Grande, percebemos que o conceito de autonomia não se aplica apenas à participação nos programas e produtos, mas à própria gestão, aos cuidados com a limpeza e a organização do Museu e da Escola de Comunicação e à formação das crianças menores recém-chegadas ao projeto. Um aspecto interessante desta autonomia é que não há uma separação entre trabalho manual e intelectual. Todas as atividades são vistas com o mesmo grau de seriedade e responsabilidade. É uma concepção que vai na contra-mão do mundo dos especialistas. Aqui, todos participam em atividades que vão desde um programa de vídeo até a obra de construção do teatro.

[Na Fundação Casa Grande], desde o chão até o equipamento mais caro, quem administra um setor (TV, Rádio, Gibiteca etc.), tem que cuidar da limpeza, de tudo, até o equipamento mais caro, a dar uma entrevista para uma TV, a pessoa tem que responder por aquele projeto em tudo. (jovem-monitor do projeto)

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Há também uma valorização do “coletivo”, da coletividade. Nos relatos, é comum o uso, pelos adolescentes, dos termos “a gente”, “nós”, mas do que “eu”, “meu”. Na pergunta sobre sugestões e alertas para outras instituições e pessoas que queiram desenvolver projetos de Educação, Comunicação & Participação, uma das sugestões dos adolescentes foi “trabalhar melhor a coletividade dos jovens (família, amigos, comunidade)”. Enfatizou-se o fato de que o jovem que faz rádio se sente responsável por todos os outros setores. Olha o todo. Trata-se da lógica oposta à competição empresarial.

Você está plugado na 104,9 (...) meu nome é Totonho, eu estou aqui na Casa Grande há oito anos, e o que me faz estar aqui é a experiência e as oportunidades que temos durante toda a convivência com as outras pessoas (adolescente participante do projeto).

O espírito de coletividade também se observa nos relatos contrários ao estabelecimento de bolsa-auxílio, quando os adolescentes afirmam que as bolsas deveriam se destinar aos meninos que vêm das zonas rurais e precisam de recursos para alimentação e transporte, ou ainda formar um fundo para jovens que quisessem entrar na faculdade e tivessem que mudar de cidade.

Fica evidente o sentimento de que a Casa Grande é deles, portanto eles são responsáveis por todos os cuidados. Valoriza-se, neste ponto, os rituais. Um dos marcos é a “Renovação”, em que os adolescentes em conjunto pintam e limpam a Casa Grande e realizam uma grande festa, no final do ano.

Os adolescentes parecem ter desenvolvido uma postura que vai além do envolvimento com as atividades, de um real comprometimento. Na oficina proposta como parte desta pesquisa (ver documento anexo) , os “veteranos” ajudaram a estruturar as idéias e a garantir que a dinâmica favoreceria a participação de todos os mais de trinta meninos presentes.

Começando aqui o grupo “um”, a parte d’agente foi colocar os conceitos e alguns alertas que agente daria a instituições, prefeituras e pessoas que queiram estimular um trabalho nesta área. E, a primeira coisa que a gente colocou foi autonomia... (jovem-monitor do projeto)

Essa parte aqui, como é muito mais pessoal, eu vou abrir para quem quiser falar também (jovem-monitora do projeto)

Os jovens, não apenas procuram dar voz aos participantes mais novos, mas também à comunidade, reconhecendo o papel social da presença de uma escola de comunicação em uma pequena cidade no sertão do Ceará:

Boa tarde amiguinhos e amiguinhas que estão em sintonia com a Casa Grande FM. Agora estamos com o Programa Submarino Amarelo, com apresentação de Isadora e Suelânia. Quem quiser participar, é só ligar 540-1333. Ou então mande seu bilhetinho para a Rua Geremias Pereira, 444 (jovem em programa de rádio).

É perceptível um sentimento de segurança dos jovens em relação ao futuro e às suas escolhas e planos de vida.

Quem faz o futuro também faz o presente, pois esta nação vai ser um dia da gente. Amanhã somos nós. Casa Grande FM. Casa Grande FM.

Em parte, isso se deve à postura de estímulo às decisões e opiniões próprias dos jovens. Confia-se no seu gosto e nas suas opiniões para adquirir equipamentos ou CDs e vídeos para a Fundação.

RELAÇÕESA aprendizagem a partir do exemplo pauta as relações internas na ONG. Os adolescentes ressaltam a importância de um líder íntegro e

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cuidadoso, que acaba influenciando, por seu modo de agir, o comportamento dos meninos:

...ele [Alemberg] é uma pessoa que tem cuidado no trânsito. E em tudo... ele é o exemplo pra gente. A gente respeita ele de uma forma tão natural (jovem-monitor do projeto) .

Assim, eu ensino o que sei fazer, ensino pelo exemplo. O maior passa para o menor. As aprendizagens com pessoas de fora, com os visitantes também são um componente fortíssimo da filosofia da ONG.

Considera-se que houve uma mudança de cultura para que os pais dos adolescentes aceitassem que os filhos, ao invés de começar a trabalhar muito cedo (em atividades de pedreiro, agricultor ou funcionário em pequenas fábricas, as ocupações mais comuns da região) participassem do projeto. O trabalho da Fundação Casa Grande cria a possibilidade de romper com a continuidade, com um destino certo e inexorável de adolescentes moradores do meio rural. O provável servente de pedreiro pensa em ser médico. A babá pensa em ser produtora de vídeos.

Eu digo que a Casa Grande é uma faculdade de comunicação sem vestibular. Porque a experiência que esses meninos têm dentro desses projetos é muito grande. Pelo número de pessoas que ele recebe, que passa informação pra ele, que ele passa a informação para essas pessoas. É uma troca de conhecimento muito grande e enriquece muito. Todo mundo que passa ensina alguma coisa. Samuel aprendeu a gostar de blues, aprendeu a gostar de jazz. E engraçado é que o pai também aprende, o engraçado é que o pai vai na onda... (Mãe de adolescente e participante da Coopagran)

REGISTRO, SISTEMATIZAÇÃO, AVALIAÇÃO E DISSEMINAÇÃO

A base da Casa Grande é a tradição oral. Tanto que não existe muito material escrito sobre a Casa Grande. Mas, se você chega na Casa Grande,

existe o valor da fala. ... Tem uma coisa que eu tô dizendo pra você neste ambiente aqui, que se fosse em outro ambiente, não era a mesma coisa. Então, essa mágica que a gente chama, lá na casa Grande, de “encanto”. O encanto é isso. (Alemberg Quindins, Presidente da Fundação Casa Grande)

Não se pode falar em um potencial de multiplicação do projeto em termos quantitativos, em atendimento direto de um grande número do jovens. Pelo contrário, a existência do projeto se apóia justamente no fato de que os adolescentes foram construindo gradativamente os projetos e ações e aqueles jovens que permaneceram no projeto acabaram se tornando monitores.

Eu fui ajeitando a Casa Grande e a Casa Grande foi me ajeitando. (jovem-monitor do projeto)

Todavia, há um alto potencial de disseminação das idéias e de aspectos do trabalho desta ONG, extremamente original e criativa. Sua grande visibilidade sinaliza que as ações podem ser bem recebidas em outros locais de Zona Rural e com cultura local específica. Um exemplo concreto é o trabalho que Alemberg vem desenvolvendo em Moçambique. A partir de um pedido de moçambicanos que visitaram a Fundação Casa Grande, algumas idéias que norteiam o trabalho estão sendo levadas a este país, que acaba de sair de uma guerra civil. Alemberg acredita na importância de se trabalhar as origens e os valores da cultura local como base para um projeto de desenvolvimento.

Com o financiamento do Unicef e parceria com algumas prefeituras, os meninos também percorrem outros municípios do Ceará realizando oficinas de comunicação com adolescentes. Trezentos e quarenta adolescentes de diversas cidades foram atendidos em 2003 em oficinas que ocorrem com freqüência quinzenal.

PRODUTOS E RESULTADOS É difícil transmitir, em um texto técnico, a riqueza dos conteúdos veiculados pela Casa Grande FM,

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pelas reportagens de TV ou ainda pelas revistas da Editora. Há uma preocupação educativa que se observa, por exemplo, na revista em quadrinhos “Todos Contra o Fumo”, que lançou mão de lendas locais e de uma linguagem lúdica para a campanha anti-tabagista. Mas há também uma boa dose de humor nas locuções, nos “jingles” e nas chamadas da Casa Grande FM.

A Casa Grande já está se estruturando para mandar programas a outras rádios do Brasil.

Além do rádio, chamam atenção as reportagens jornalísticas de utilidade pública como um programa feito sobre a festa de São Sebastião, retratando a importância desta manifestação religiosa e o problema do livre acesso de crianças e adolescentes ao álcool durante as comemorações. A ênfase foi dada à omissão das autoridades, em um enfoque de “busca de soluções”. A reportagem acabou gerando um maior comprometimento de forças locais importantes (Igreja, comércio, polícia, autoridades políticas), unindo a comunidade. Materiais da Casa Grande Editora anexados a esta pesquisa são as revistas em quadrinhos “Todos Contra o Fumo” e “Casa Grande Tur”.

A Fundação Casa Grande recebe hoje três mil visitas por mês, fazendo com que a pequena cidade de Nova Olinda torne-se um pólo de desenvolvimento turístico regional. A criação da Coopagran (ver item “Sustentabilidade”) ocorre no sentido de incentivar o “turismo social” na região. Esse processo de envolvimento da família e de capacitação dos pais é considerado muito importante pois o desenvolvimento dos adolescentes não é visto como um processo independente da qualidade das relações familiares.

As crianças e adolescentes que participam da Fundação Casa Grande têm índice de repetência zero, o que leva familiares e professores a reconhecerem que os processos de aprendizagem no projeto influenciam positivamente o desempenho escolar. Os adolescentes também perceberam que foram melhorando a qualidade de seu repertório musical e

cinematográfico e ampliando sua visão de mundo.Essa abertura para decidir, opinar e a

responsabilidade de cuidar da Casa Grande influencia, segundo os jovens, as relações familiares, com amigos, além da própria escola. Fica evidente que o tipo de aprendizagem na Fundação Casa Grande contribui para a construção de valores e de um plano de vida. Sobre a pergunta “Como vc se enxerga daqui a uns 10 ou 15 anos...”, uma jovem respondeu pelo seu grupo dizendo que, além de concluir os estudos e ter uma formação, os meninos gostariam de

ter um ambiente familiar saudável, educar bem os filhos; teve gente que contou que quer ter um filho e adotar mais três ... e eles também concordam que, seja qual for a atividade profissional que eles vão exercer futuramente, eles querem voltar tudo o que eles vão estar fazendo aqui pra cidade, aqui pra região. (jovem-monitora do projeto)

Se há no mundo um sentimento generalizado de insegurança e de subordinação de valores locais ao enorme leque de imagens e valores disseminados, especialmente, pela televisão 3 percebe-se, no caminho oposto, um sentimento de segurança entre os jovens da Fundação Casa Grande:

Uma coisa que eu observei, que eu não tinha observado antes, que quando eles iam falar ‘eu vou fazer tal coisa, eu vou ser jornalista’. Eles não falavam ‘se eu for jornalista’. Eles falam ‘quando eu for jornalista’... (jovem-monitora do projeto)

Meu caminho pelo mundo, eu mesmo faço. Pois a Bahia já me deu régua e compasso. (...) O que é essa segurança? É a régua e o compasso que só uma compreensão antropológica, só uma compreensão de onde se está pisando, pode dar, né. Essa coisa da origem. A fonte de onde você vem é uma fonte segura, é uma fonte que traz esta segurança para a pessoa. E a base da Casa Grande é esta fonte. (Alemberg Quindins, Presidente da Fundação Casa Grande)

3Cf David HARVEY, Condição pós-moderna, 1992, p. 275.

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Dados - Casa Grande

Nome Fundação Casa Grande-Memorial do Homem Kariri

Natureza da organização Fundação

Missão Educar crianças e jovens do sertão através dos programas de Memória, comunicação, artes e turismo.

Endereço Av. Geremias Pereira, 444- Nova Olinda/ CE

Telefone 88- 546 1333/ 99661874

E-Mail [email protected]

Site Não tem

Responsáveis Francisco Alemberg de Souza Lima/ Rosiane Limaverde Vilar Mendonça

Infra-estrutura Museu, Escola de Comunicação e Teatro.

Principais Programas/Projetos

Memorial do Homem Kariri, Escola de Comunicação da Meninada do Sertão, Teatro de Violeta Arraes- Engenho de Artes Cênicas e Cooperativa dos Pais e Amigos da Casa Grande.

Números de atendimento 70 crianças e jovens

Equipe/Formação/Capacitação Diretoria Executiva e voluntários

Produtos Produtos de comunicação e Produtos turísticos

Orçamento R$ 8.500,000 (mensal)

Principais Parceiros Unicef, Instituto Ayrton Senna, Fundação Vitae, BNDES, Sebrae, SESC, Governo do Estado do Ceará, Universidade Federal do Ceará.

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Anexo - Fundação Casa Grande

Fundação Casa Grande13 de agosto de 2003

Grupo 1: Olhando para as atividades da Fundação Casa Grande – o trabalho em rádio e comunicação em geral –, que idéias vocês dariam para projetos implementados em outros cantos do Brasil que envolvam educação, comunicação e participação?

Grupo 2: Quais as principais transformações em você mesmo no trabalho com a Fundação Casa Grande. Como você se vê daqui a 10 ou 15 anos?

Grupo 3: Como você enxerga a sua região, a região do Cariri, daqui a 10 ou 15 anos com o trabalho da Fundação Casa Grande? (aqui se estimulou a reflexão sobre o impacto da comunicação e do turismo na comunidade (famílias, pessoas da comunidade, região como pólo de turismo).

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CipóCipó - Comunicação Interativa HISTÓRIAA data oficial de fundação da Cipó – Comunicação Interativa é março de 1999. Mas a passagem de suas principais lideranças nos anos anteriores por instituições como o Liceu de Artes e Ofícios da Bahia e a Fundação Odebrecht e por cursos como o Human Rights Advocates Training Program, da Columbia University, em Nova York, pode ser situada como a fase de constituição das raízes desta organização.

Também foram centrais para o sucesso atual dos programas da ONG o empreendedorismo dessas lideranças, que, com formação e repertórios bastante diversos, investiram energia e, por vezes, recursos próprios, para que o projeto se estruturasse e tivesse continuidade.

No Liceu, por exemplo, elas estiveram diretamente envolvidas na experiência de desenvolvimento de vídeos com adolescentes e jovens, entre muitas outras. Da Fundação Odebrecht, a Cipó herdou o repertório de planejamento estratégico, parte central da chamada Tecnologia Empresarial Odebrecht, além da rede de relações constituída durante a construção do GIFE (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas), ao longo da década de 90.

Essa rede de relações, notadamente situada no eixo Rio-São Paulo, é crucial para se compreender a sustentabilidade, ao menos inicial, mas também atual, da Cipó – que fica em Salvador, e portanto fora do fluxo principal de recursos do Terceiro Setor.

Foi em 1998 que se definiu a missão, a visão e o logo da Cipó – com os tradicionais três macaquinhos, só que neste caso com olhos, ouvidos e boca bem abertos.

Desde o início, a idéia era “formar uma organização com foco em educação pela comunicação”, segundo suas lideranças.

Hoje, mais de cinco anos depois, quando o projeto começa a disseminar suas metodologias de forma mais sistemática em escolas públicas, é possível encontrar na fala de diversas das mais de 70 pessoas que compõe a equipe (entre funcionários, estagiários e prestadores de serviço) a afirmação de que a Cipó pretende que a comunicação tenha um papel mais central na educação, que suas metodologias sejam inseridas nos currículos.

“A gente quer ser o feijão-com-arroz, não o chantilly”, diz um dos coordenadores do programa Escola Interativa, uma das principais ações hoje de disseminação da metodologia Cipó de educação pela comunicação em escolas públicas.

O primeiro ano de funcionamento da ONG, 1999, denominado na historia oficial como “Pedra Fundamental”, contou com três parceiros principais: UNICEF, Instituto Ayrton Senna e ANDI (Agência de Notícias dos Direitos da Infância). Os dois primeiros criaram as condições econômicas para a estruturação da área essencialmente pedagógica da organização. A primeira ação neste sentido foi o desenvolvimento, com 40 adolescentes, do Plano de Comunicação do MIAC – o Movimento de Intercâmbio Artístico Cultural pela Cidadania, que reúne diversas instituições da Bahia com o propósito de utilizar a arte e a cultura para melhorar os sistemas públicos de ensino e saúde.

Com a ANDI, a Cipó foi, nesta época, a

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organização parceria da experiência piloto de funcionamento em rede da metodologia de clippagem e monitoramento da mídia impressa, então usada pela agência. A Rede ANDI conta hoje com mais de dez organizações parceiras e está em processo de disseminação de sua metodologia para países da América Latina. A Central Cipó de Notícias (CCN) mantém até hoje o papel de fazer experiências e sugerir inovações para o funcionamento da rede.

Em seus anos iniciais, os programas da Cipó se dividiam em duas áreas principais:

Educação pela Comunicação Comunicação Educativa

Hoje essas duas áreas são definidas, mais simples-mente, como:

Educação Mobilização

Em 2000, chamado ano do “florescimento”, uma parceria com o site iG, com base em São Paulo, permitiu o investimento necessário para a diversificação e o fortalecimento tanto das ações pedagógicas como de mobilização social. Outros parceiros também se agregaram e os programas se multiplicaram. Além da CCN, do Estúdio Cipó de Multimeios (que trabalha com as linguagens de Artes Gráficas, Cine/TV/Vídeo, Fotografia e Webdesign) e do site iGuais, feito por adolescentes para adolescentes, a organização produziu e participou de diversos eventos, fez mobilização social utilizando o teatro (o Cidadão de Papel) e aprofundou sua relação com o sistema formal de educação e com a mídia de Salvador.

Em 2001, rompeu-se a chamada “bolha da internet” ou “da Nasdaq” e o iG, descapitalizado, encerrou a parceria com a Cipó. A organização é obrigada a reajustar tamanho, remunerações e programas – embora as linhas de ação, e a própria visão e missão, continuem inalteradas. Com menos recursos, e apesar das dificuldades, a organização dá a volta por cima, se estruturando e sistematizando melhor, não só na área administrativa-financeira,

como na pedagógica [ler item específico à frente]. Por outro lado, o projeto da Cipó Produções vence, ainda em 2001, o Prêmio Empreendedor Social Ashoka-Mckinsey e recebe recursos para sua implementação [ler “Sustentabilidade”].

Em 2002 surge o embrião do Núcleo de Avaliação, Sistematização e Disseminação, que hoje está presente no fazer de todos os programas.

A consolidação e visibilidade da organização atraem novos parceiros, que geram novos projetos. Apesar dos altos e baixos dos recursos destinados a essa área (2003 é um ano particularmente ruim), a tendência da organização é continuar crescendo em impacto e consistência. Hoje a Cipó mantém sete programas, entre eles encabeçar uma rede nacional, formada por jovens, de monitoramento das políticas voltadas para crianças e adolescentes.

GESTÃOComo a maioria das instituições jovens que participam desta pesquisa, a Cipó, com seus cinco anos de idade, apóia-se fortemente de suas lideranças pioneiras, que encabeçam não só os planejamentos estratégicos e os alinhamentos pedagógicos como a captação de recursos.

Há um processo de fortalecimento institucional em curso há mais de dois anos, que tende a distribuir algumas das funções hoje centradas nessas lideranças para outras instâncias da organização.

A Cipó Produções, por exemplo [ler “Sustentabilidade”], tem o potencial de repartir o pesado fardo da captação de recursos. A incipiente consolidação do Núcleo de Avaliação, Sistematização e Disseminação também institucionaliza saberes e fazeres que antes eram da responsabilidade de poucas pessoas. A contratação de uma liderança já representativa na mídia da cidade pela Central Cipó de Notícias para cuidar de articulação com a sociedade – e que acaba fazendo isso não só para a CCN como para toda a ONG – é um sinal de que a instituição está promovendo o surgimento de novas forças internas.

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Em termos de planejamento, esta organização se destaca entre as nove visitadas nesta pesquisa, pela clareza de princípios e de caminhos que quer trilhar.

O modelo de diretoria e de conselhos é simples e prático, e segue os ditames da legislação relativa às associações civis privadas sem fins lucrativos: Assembléia Geral, Conselho Diretivo, Conselho Fiscal e Direção Executiva. Esse sistema de conselhos tem um papel mais consultivo e colaborativo do que propriamente deliberativo – função mais diretamente centrada nas lideranças pioneiras.

A organização tem um conjunto de reuniões semanais, quinzenais e mensais para as diferentes equipes planejarem seus respectivos trabalhos e a articulação e sinergia entre eles. No início de cada ano ocorre o planejamento conjunto de todos os projetos, consolidado em um documento que reflete as principais linhas de ação da organização.

SUSTENTABILIDADESituar-se fora do eixo Rio-São Paulo, neste caso, em Salvador, implica de certa forma estar à margem do chamado Terceiro Setor – aquele em que a iniciativa privada investe recursos naquilo que é público, ou seja, em ações sociais. As oportunidades de financiamento privado locais são limitadíssimas, o que impõe quatro alternativas, que vêm sendo exploradas com bastante sucesso pela Cipó:

Financiamento de organizações internacionais, como UNICEF, Save the Children e Avina

Financiamento de empresas e fundações empresariais nacionais do eixo Rio-São Paulo, como Fundação Abrinq e Vitae

Apoio governamental (que tem vindo mais na forma de facilitação do que em recursos financeiros)

Geração de recursos própriosA Cipó surgiu essencialmente apoiada nos dois

primeiros itens acima. Mas tende, no médio e longo prazos, a incorporar os maiores projetos às políticas

públicas e a gerar recursos menos “carimbados” via venda de serviços e produtos. Como ainda depende bastante do financiamento de parceiros de grande porte, o final de qualquer parceria tende a resultar em crises, obrigando os programas a se reestruturarem e – em último caso – suspenderem suas atividades.

O destaque para atingir essa maior autonomia financeira é a Cipó Produções, que oferece serviços na área de comunicação para outras organizações não-governamentais da região (e às vezes até de São Paulo), tendo como principal mão-de-obra jovens que já participaram de processos educativos, orientados por profissionais contratados caso a caso. Foi este projeto que ganhou o 1º lugar no Prêmio Empreendedor Social Ashoka-Mckinsey, em novembro de 2001.

Na Rede ANDI, a Cipó é uma das poucas organizações que conseguem contrapartidas signi-ficativas aos recursos captados pela própria ANDI.

A sustentabilidade ganha crescente consistência dado o impacto cada vez mais freqüente e visível das ações da ONG, não só em termos pedagógicos como de comunicação de massas nos meios da região. A Central Cipó de Notícias, por exemplo, já realiza cursos em redações da imprensa de Salvador.

Durante a visita desta pesquisa, Anna Penido teve uma reunião com o prefeito de Salvador para buscar a doação de um terreno para que a Cipó possa, no futuro ter sua sede própria. Hoje, conta com uma casa (o terceiro imóvel que alugou em sua história), que, embora tenha 15 cômodos e 500 m², já está ficando pequena para o movimento de pessoas que a organização gera.

PARCERIA COM A ESCOLAOs problemas enfrentados pela Cipó na relação com as escolas públicas e com a rede publica de ensino não diferem dos vividos pelo conjunto dos projetos analisados nesta pesquisa [ler “Introdução” deste Relatório].

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Embora a organização tenha como proposta que suas metodologias sejam incorporadas no próprio projeto político pedagógico das escolas, seus programas ainda são vistos, frequentemente, como extra-curriculares ou complementares, tanto pelos professores envolvidos como pelos gestores educacionais da rede municipal (parceria principal).

O programa mais voltado para a inserção no currículo escolar de medodologias que recorrem à criação de produtos de comunicação é chamado Escola Interativa. Para facilitar sua inserção curricular, esse programa é estruturado com foco na melhoria da qualidade do ensino e aprendizagem na área de Códigos e Linguagens – uma das três áreas do conhecimento definidas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) do Ministério da Educação.

Professores e alunos passam por momentos de formação e elaboram conjuntamente um projeto educativo, cuja implementação envolve os demais alunos da escola na construção de um Núcleo Interativo, que constituem pólos de produção de peças de comunicação, como jornais, murais, fanzines, sites e programas de rádio. A produção articula-se com os conteúdos curriculares e proporciona o uso qualificado dos laboratórios de informática. O Núcleo e seus produtos passam a influir nos conteúdos das aulas e na maneira como esses conteúdos são aprendidos.

Nas escola visitadas, além da motivação entre os educadores envolvidos, ficou evidente a incorporação do conceito de “produto” no fazer pedagógico [leia item Pedagogia/Metodologia, a seguir]. Ao todo, o programa Escola Interativa envolve em 2003 15 escolas municipais de ensino fundamental e/ou médio. Os professores tiveram ajuda de custo do projeto para participar da capacitação que ocorre na própria sede da Cipó. Mas a formação contínua em serviço e o acompanhamento da produção nos Núcleos Interativos acontece nos horários dedicados às atividades pedagógicas, complementares ao ensino em sala de aula, momentos já remunerados pela prefeitura.

PEDAGOGIA /METODOLOGIAA Cipó foi e continua sendo uma organização construída por comunicadores, mais do que por educadores, embora o conjunto dos profissionais que atuam na organização tenha um bom tanto dos dois perfis – e formações bastante diversas. Essa origem mais na comunicação do que na educação se reflete nos fundamentos conceituais da prática pedagógica.

“Nosso trabalho é muito o de construir a casa e depois desenhar a planta”, diz Anna Penido, acrescentando: “O que acontece é que a gente precisa mesmo sofisticar um pouco [o referencial teórico do trabalho].” Mas isso já está sendo feito, com a sofisticação inerente à organização, desde a constituição do Núcleo de Avaliação, Sistematização e Disseminação, liderado por uma profissional com forte embasamento teórico.

Embora não tenha relação mais sistemática com a Universidade, a organização promove discussões complexas e profundas sobre os conceitos que fundamentam o seu fazer, isto é, sobre o que é educação pela comunicação. Utiliza, como parâmetro pedagógico, os chamados “Quatro Pilares da Educação do Século 21”, da Unesco. Também aborda questões como construtivismo e sócio-construtivismo. É este último que fundamenta a metodologia usada.

Segundo a coordenadora do Núcleo de Avaliação, Sistematização e Disseminação, a educação pela comunicação da Cipó, enquanto fundamentada no sócio-construtivismo é uma metodologia que:

Enfatiza processos e produtos: os processos de aprendizagem são dialógicos e os produtos são artefatos socialmente relevantes, que servem de mediadores na construção do conhecimento. Aprende-se fazendo/produzindo esses artefatos;

Os papéis de educadores e educandos se transformam ao longo do processo, não estão pré-definidos, pré-fixados. As responsabilidades são compartilhadas durante

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todo o processo, mas não são simétricas (i.e. não são totalmente equivalentes). Educadores são “mais experientes” e, no início, criam as condições para que os educandos construam o conhecimento e, muitas vezes, orientam diretamente os educandos em ações conjuntas, mas eles também constroem novos conhecimentos e se desenvolvem no processo. Educandos são “novatos”, no início, mas podem tornar-se educadores mais adiante, multiplicando o processo em suas escolas e comunidades. Todos se transformam, participam e aprendem;

A avaliação da aprendizagem ocorre ao longo de todo o processo e tem como finalidade ajudar/promover o desenvol-vimento/aprendizagem do educando, dos educadores e da instituição (pois não dá para pensar numa avaliação que só veja o nível individual também). Os erros são incorporados ao processo de aprendizagem e servem para orientar ações futuras, tanto dos educandos, quanto dos educadores e da instituição. A principal avaliação é a que se dá no contexto das atividades de aprendizagem, no fazer cotidiano, no diálogo entre educadores e jovens;

A colaboração na construção do conhecimento gera “transformação da participação”, muito mais do que meramente aquisição de habilidades e competências individuais. No início, os educandos são “verdes”, são novatos no processo e os educadores são mais experientes. Depois, os educandos vão participando mais e ficando, eles próprios, mais experientes, assumindo cada vez mais responsabilidades na condução das ações, na produção das peças/produtos/processos de comunicação e na disseminação dos mesmos.

Resumindo, numa formulação simples (e comunicativa), a Cipó promove “uma nova maneira de ensinar em que o educando participa ativamente

da produção de peças de comunicação que, uma vez disseminadas, geram novos processos de educação e/ou de mobilização social”. Neste sentido, vale citar a Visão da organização: “Ser um dos mais eficazes laboratórios do país em experiências de educação pela comunicação, constituindo-se em centro de referência nacional nesta área.”

A ONG trabalha com a dupla de conceitos Processo e Produto [leia Introdução], que, em sua pedagogia, devem ter pesos iguais. Os jovens que participam do processo pedagógico desenvolvem bastante autonomia, mas os adultos/educadores também intervêm de forma significativa na construção e finalização dos produtos de comunicação para garantir sua qualidade e efetividade como geradores de novos processos educativos e de mobilização. Isso acontece essencialmente nos programas que se desenvolvem dentro da ONG. Na maioria destes programas, criam-se diversos produtos de comunicação, com dificuldade crescente, até chegar ao produto final, em geral lançado em eventos, que visam sua disseminação.

Nas escolas públicas visitadas, muitas das professoras envolvidas nos programas demonstravam ter incorporado a criação de produtos em suas ações pedagógicas, mesmo as que ocorrem em contextos outros que não diretamente relacionados ao trabalho com a Cipó. Uma professora, por exemplo, estava construindo na aula de geografia uma espécie de Atlas com seus estudantes.

Dada a capacidade limitada de atendimento direto, a Cipó prioriza a seleção de adolescentes que já têm histórico de liderança e repertórios enriquecidos. Há também a preocupação de formar grupos cujos participantes apresentem diversidades étnicas, de gênero e de local de habitação, além de incluir deficientes. Praticamente todos os jovens são de famílias de baixa renda.

A preferência por jovens com perfil de liderança faz com que um dos principais desafios da disseminação dessa pedagogia/metodologia desenvolvida na Cipó seja atingir, com os alunos

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das escolas, o mesmo grau de responsabilidade e autonomia conquistado pelos aprendizes que atuam dentro da Cipó.

Em geral, o currículo de cada programa é dividido em conteúdos distintos mas articulados (linguagem específica da comunicação, leitura e expressão, comunicação digital etc.), trabalhados por profissionais especialistas em cada área e contando com carga horária específica.

PARTICIPAÇÃOComo foi dito acima, a seleção de adolescentes e jovens pela Cipó tende a priorizar lideranças que poderão, depois do processo pedagógico, multiplicar, em suas comunidades, suas aprendizagens e valores. Assim, a enorme maioria dos aprendizes entrevistados era de uma notável pró-atividade e disposição para a participação social.

A própria seleção é participativa: envolve uma “mobilização boca-a-boca”, por ex-aprendizes da Cipó, para inscrição de candidatos e, depois, vivências com pelo menos o dobro do número de estudantes que serão selecionados, para definição do grupo final de trabalho.

Destaca-se também a ênfase que a Cipó coloca na autonomia e participação dos aprendizes, no que se refere diretamente ao programa em que participam. O amadurecimento institucional e envelhecimento dos aprendizes pioneiros também levam a uma participação maior de jovens (por exemplo, com a criação de um conselho jovem) no dia-a-dia da organização.

A forte presença de processos de planejamento estratégico na ONG é também um facilitador e instrumento importante para que esses jovens líderes multiplicadores tenham mais impacto em suas ações individuais de participação social transformadora.

Nas escolas envolvidas na Escola Interativa, a autonomia e participação dos adolescentes e jovens não é tão acentuada. A opção por dividir com a escola a seleção dos estudantes que farão

parte dos Núcleos Interativos, por exemplo, leva à constituição de grupos de aprendizes por vezes mais sociáveis do que pró-ativos. Como em outras experiências pesquisadas, a faixa etária dos aprendizes também tem grande influência no nível de pró-atividade e participação. No geral, quanto mais jovem a turma, mais imatura e menos pró-ativa ela tende a ser.

RELAÇÕESO desafio constante de captação de recursos, muitas vezes concentrado em poucas lideranças, é um fator que freqüentemente interfere nas relações internas das ONGs. Os bons educadores tendem a pensar em processos, no longo prazo. Quem capta recursos muitas vezes é obrigado a se adaptar a exigências dos financiadores, que hoje são mais focados em produtos e no curto prazo. Por vezes, nem assim, conseguem os recursos para garantir a continuidade de uma ou outra ação ou até de uma equipe. E isso tudo acaba gerando tensões internas.

Esse tipo de desafio também faz parte da história da Cipó. Mas a organização, de maneira bastante consistente, tem buscado construir caminhos para superá-lo. E as ações mais importantes nessa área são o processo em curso de institucionalização da organização (leia item Gestão).

No geral, as relações internas e com parceiros é bastante cordial e colaborativa, inexistindo pontos significativos de tensão. O sistema de reuniões pedagógicas e de planejamento, em constante aprimoramento, está melhorando ainda mais as relações, ao criar espaços e momentos institucionais de resolução de conflitos e de construção conjunta de sentidos e conhecimento.

REGISTRO, SISTEMATIZAÇÃO, AVALIAÇÃO E DISSEMINAÇÃOChamou a atenção, na visita para esta pesquisa, a preocupação do conjunto dos coordenadores de programas com a sistematização de seus trabalhos, para sua posterior disseminação. Praticamente

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todos os programas da organização estavam com esse desafio de sistematização.

Por trás disso há duas linhas determinantes, ambas bastante associadas. Em primeiro lugar, a origem da ONG, associada ao “boom” do Terceiro Setor, na segunda metade da década de 90, fez com que a Cipó já nascesse com a disposição de pesquisar metodologias de educação pela comunicação, sistematiza-las para depois dissemina-las – que é o discurso predominante hoje nessa área. Isso está contido nas definições, de 1998, de Missão e Visão.

Em segundo lugar – e para dar consistência a essa determinação – a organização instituiu recentemente seu Núcleo de Avaliação, Sistematização e Disseminação, com uma liderança que vem agregando muito valor a essa atividade dentro da organização. O próprio processo de entrada dessa profissional é interessante, pois pode ser reproduzido em outras organizações.

No início, o apoio à avaliação e sistematização se deu como prestação de serviços, em um ou outro programa. À medida que o trabalho se desenvolvia, o envolvimento desta profissional na Cipó foi aumentando, até chegar à dedicação quase exclusiva, com a constituição do Núcleo. Em 2003, além de ficar em tempo integral na ONG, já começa ser ampliada a equipe do Núcleo.

Ou seja, outras ONGs também poderiam, para instituir processos mais permanentes de avaliação e sistematização, recorrer à contratação de serviços esporádicos nessa área. À medida que esse trabalho vai ganhando consistência e visibilidade na organização, com publicações, eventos ou capacitações, é possível aumentar o investimento, até consolidar um núcleo que atue de maneira transversal nos programas, garantindo alinhamento, sistematização e disseminação dos saberes desenvolvidos.

Hoje quando um educador é contratado pela Cipó, ele já tem à disposição um conjunto de instrumentos de ação. Esses instrumento, inclusive, poderiam ser imediatamente disseminados para outras ONGs e escolas, onde, com raras exceções,

são materiais escassos. Os chamados “Instrumentos Básicos a Todos os Programas” são:

Para diagnóstico inicial: Ficha de Inscrição Questionário Inicial do adolescentes Roteiro de entrevista com adolescentes

Para avaliação do processo: Questionário de avaliação do programa Carta de feedback do educador para o

adolescente Questionário de auto-avaliação do adolescente Roteiro de relato narrativo

Para avaliação do resultado: Questionário de avaliação final do

adolescente Roteiro de entrevista com adolescentes Carta de feedback do educador para o

educando Roteiro de relato narrativo

O documento que apresenta os itens acima observa, ao final, que “esses instrumentos podem e devem ser adaptados à realidade/objetivos/indicadores de cada programa com o apoio do Núcleo de Sistematização e Disseminação”.

Os indicadores desenvolvidos para avaliar a formação de adolescentes e jovens também merecem destaque pela qualidade e extensividade das questões analisadas (desde postura física, o cuidado com o corpo, com a saúde e aparência, até a qualidade da produção de textos e o nível de criticidade das argumentações e atitudes).

Enfim, a Cipó já tem muito a ensinar a outras ONGs sobre registro, avaliação e sistematização. Nesse sentido, os anos de 2002 e 2003 poderiam ser chamados de anos de consolidação, sistematização e disseminação.

O programa Escola Interativa, já está em 15 escolas da rede municipal e deve ser tomado como o germe de uma inserção e de um impacto muito maiores, no futuro, nas redes públicas de ensino.

Impacto semelhante a este – e com futuro tão promissor quanto – é o do trabalho que vem sendo

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desenvolvido pela Central Cipó de Notícias com os meios de comunicação da cidade.

Mas a visão de que o trabalho da ONG deve ser capaz de disseminar-se para além de seus atendidos diretos, existente desde a fundação – fez com que a ONG estivesse sempre, de uma maneira ou outra, crescentemente presente na vida escolar de Salvador. O destaque nessa área são as “Coletâneas Cipó”, que reúnem a cada ano o conjunto dos produtos finais das oficinas do Estúdio Cipó de Multimeios, um material riquíssimo, desenvolvido por adolescentes e jovens, para ser usado nas escolas pelos professores e jovens multiplicadores.

Essas coletâneas são publicadas com um guia de “Sugestões para o Educador”, que traz maneiras de como utilizar em sala de aula os materiais distribuídos gratuitamente e instrumentos de monitoramento e avaliação. Os próprios jovens participantes dos programas funcionam como principal agente de distribuição desses materiais, utilizando os mesmos em ações educativas desenvolvidas em suas escolas e comunidades..

Destaca-se também nessa área a parceria da Cipó com o MOC (Movimento de Organização Comunitária, de Feira de Santana, BA, uma das experiências analisadas nesta pesquisa), de capacitação no Projeto Comunicação Juvenil (leia mais na seção relativa ao MOC).

RESULTADOS E PRODUTOSResumindo mais do que talvez seja recomendável, a Cipó passou seus primeiros anos de vida

constituindo seu modus operandi básico – o que faz, com quem faz, como faz. Mas a clareza de definição de princípios, missão e visão deram em pouco tempo para a ONG uma consistência em seu trabalho que é observável tanto no alinhamento do discurso dos membros da equipe quanto na repercussão que suas ações têm tido em todo o país.

A crescente visibilidade e impacto (foram 4.650 crianças e jovens atendidos diretamente em 2002), o profissionalismo com que a atividade de sistematização é levada e o comprometimento com a disseminação fazem com que a ONG esteja neste momento em nítida expansão – sempre com as restrições orçamentárias inerentes a esse tipo de atividade.

Com tudo isso, as metodologias desenvolvidas na Cipó têm de fato o potencial de ganhar escala de política pública.

“Na Cipó, implementamos nosso laboratório pedagógico, onde concebemos e testamos diferentes formas de utilização da comunicação como metodologia e material educativo. Mas é partilhando esses conhecimentos e produtos com outras instituições e educadores que nos sentimos de fato contribuindo com a formação de uma nova geração de brasileiros, mais consciente, responsável, solidária e empreendedora, melhor preparada para conduzir os rumos da sua vida e para enfrentar os desafios do mundo contemporâneo”, assina a equipe do Estúdio Cipó de Multimeios, na introdução do “Guia de Sugestões para o Educador”, da Coletânea Multimídia “Cultura da Bahia – Design Popular”, que foi lançada, inclusive, em São Paulo.

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Dados - Cipó

Nome CIPÓ – Comunicação Interativa

Natureza da organização Organização Não Governamental sem Fins Lucrativos

MissãoCriar oportunidades para o pleno desenvolvimento de crianças, jovens e adolescentes por meio do uso educativo da comunicação.

Endereço Rua Amazonas, nº 782 - Pituba.

Telefone (71) 240-4477 Fax: (71) 345-7610

E-Mail [email protected]

Site www.cipo.org.br

Responsável Anna Penido

Infra-estrutura

Casa alugada com aproximadamente 500 m2, sendo: 15 cômodos, 02 varandas e 04 banheiros. Os 15 cômodos estão distribuídos da seguinte forma:

CCN: com 3 computadores;Laboratório de informática: com 15 computadores (onde funciona o Estúdio de Webdesign);Cibersolidário: com 12 computadores; Comunidade Digital: com 10 computadoresduas salas para educadores: contendo, ao todo, 6 computadores;um auditório com quarenta cadeiras (removíveis);uma ilha de edição, uma sala para a Cipó Produções: com 3 computadoresuma sala onde funcionam o Núcleo Administrativo-Financeiro, o Núcleo Desenvolvimento e Sustentabilidade e a Direção Executiva: com 4 computadores e um laptop;uma sala onde funciona o Núcleo de Avaliação, Sistematização e Disseminação com dois computadores;a recepção com um computador;a sala do memorial e para pequenas reuniões;a cozinha; uma pequena biblioteca.

Principais Projetos:Escola Interativa, Comunidade Digital, Cibersolidário, Estúdio CIPÓ de Multimeios (Núcleo de Web), Central CIPÓ de Notícias, O Cidadão de Papel, Currículo Vivo, Vida Inteligente.

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Números de atendimento

Números de Beneficiários 1999 2000 2001 2002

Adolescentes e Jovens Formados 40 580 1.171 4.657

Adolescentes e Jovens Mobilizados 860 8.987 14.100 26.900

Educadores Capacitados 20 46 18 385

Comunicadores Mobilizados 32 134 200 100

Familiares Sensibilizados 0 46 80 141

Equipe/Formação/Capacitação

03 Funcionários, 37 Estagiários, 38 Prestadores de Serviço.A equipe é composta por jornalistas, pedagogos, administradores de empresas, assistentes sociais, designers gráficos, psicólogos, dentre outros. Alguns possuem especialização, pós-graduação ou mestrado.

Formas de Contratação

Funcionários de acordo CLT, Estagiários através do CIEE e Prestação de Serviço Pessoa Jurídica.

Produtos

Programa Estúdio Cipó de Multimeios

Coletânea Estúdio CIPÓ de Multimeios (2001),

Coletânea Cultura da Bahia-Design Popular (2002).

Projeto O Cidadão de PapelPeça O Cidadão de Papel (desde 2001),

Coletânea O Cidadão de Papel (2003).

Comunidade Digital Website - Sou de Atitude (desde 2002).

Projeto Escola Interativa

Website Escola com Sabor(desde 2002),

Webfanzines e Programas de Rádio (desde 2000).

Projeto CibersolidárioCartilhas de Identidade;

Currículos.

Orçamento R$ 1.199.992,21 (hum milhão cento e noventa e nove mil novecentos e noventa e dois reais e vinte e um centavos) em 2002.

Principais Parceiros Unicef, Vitae, Ministério da Justiça, Instituto Credicard, Instituto C&A, Programa Crer Para Ver, Rede Andi e Pommar.

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EDUCAÇÃO PELA COMUNICAÇÃO E SÓCIO-CONSTRUTIVISMO NA CIPÓ*

* Texto de Elsa de Mattos, do Núcleo de Avaliação, Sistematização e Disseminação da Cipó, produzido para a pesquisa Educação, Comunicação & Participação com o intuito de apresentar as bases teóricas que fundamentam a prática educativa dos programas da organização. As citações de autores são acrescidas de informações em notas de rodapé ou na bibliografia ao final deste anexo.

A afinidade maior da educação pela comunicação desenvolvida pela Cipó é com o sócio-construtivismo/construcionismo – uma espécie de evolução, ou atualização, do construtivismo.

Enquanto o construtivismo entende a construção do conhecimento como um percurso individual feito pelo sujeito que conhece (o bebê que já é um pequeno cientista desde o seu nascimento), o sócio-construtivismo pensa que o conhecimento é construído numa relação dialógica, eminentemente social, no sentido de que é preciso haver interação entre sujeitos para que o conhecimento ocorra.

As bases do sócio-construtivismo derivam do construtivismo Piagetiano1 e do sócio-interacionismo de Vigotsky2. No momento em que passamos da visão do sujeito que constrói individualmente o seu conhecimento para uma visão de construção coletiva do conhecimento, aí temos mais espaço para pensar a educação pela comunicação.

Embora tenhamos uma enorme simpatia por Piaget e suas idéias, devemos reconhecer que elas surgiram no contexto do racionalismo ocidental, que glorifica a razão e coloca o conhecimento como uma possessão individual, em termos de assimilação

e acomodação, ou em termos de aquisição de habilidades ou competências, enquanto processos intrínsecos ao indivíduo. Atualmente, depois que as idéias de Vigotsky tornaram-se mais difundidas no mundo, temos de pensar a construção do conhecimento a partir do social e não mais tomando o indivíduo como lócus do conhecimento (vou voltar a isso mais adiante).

Uma revisão rápida do que aconteceu com o construtivismo de Piaget nos leva a dois caminhos: o cognitivismo e o sócio-construtivismo. O cognitivismo é um movimento eminentemente norte-americano que se intitula “a revolução cognitiva”, mas que nada tem de realmente revolucionário. No contexto americano, onde havia um domínio do behaviorismo clássico (skinneriano3), enquanto teoria explicativa de como os seres humanos conhecem/aprendem, talvez o cognitivismo seja realmente uma “revolução”. Vou explicar porque. O behaviorismo diz que as pessoas conhecem/aprendem numa relação direta com o mundo, ou seja, onde o sujeito é uma caixa vazia que recebe tudo do ambiente, numa relação entre estímulo e resposta. Isso tem conseqüências para todas as ciências e práticas sociais, inclusive e principalmente para a educação. Então, o cognitivismo chega e diz assim: o sujeito não é uma caixa vazia, ele constrói o conhecimento, ele tem uma série de estruturas cognitivas internas, esquemas de codificação e sistemas de processamento de informação (Pappert4 gosta dessas metáforas) que ele usa para construir o conhecimento. Essa visão pode ser considerada revolucionária tomando como ponto de partida o behaviorismo clássico (como era o caso nos Estados

Anexo - Cipó

1De Jean Piaget, psicólogo e pedagogo suíço (1896-1980) 2De Lev Semenovich Vigotsky, psicólogo russo (1896-1934) 3De Burrhus Frederic Skinner, psicólogo norte-americano (1904 -1990) 4De Seymour Pappert, educador norte-americano do Massachusetts Institute of Tecnology (MIT)

EDUCAÇÃO PELA COMUNICAÇÃO E SÓCIO-CONSTRUTIVISMO NA CIPÓ*

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Unidos), mas não o construtivismo, porque ela não diz nada de novo em ralação ao que Piaget já tinha dito, ela apenas aprofunda a compreensão sobre os mecanismos internos que o sujeito utiliza para conhecer. Mas, o conhecimento ainda continua a ser entendido como uma construção individual, numa perspectiva da aquisição de habilidades competências e estruturas de pensamento, utilizando esquemas de codificação e processamento de informação.

Bom, então o cognitivismo é um dos caminhos de atualização do construtivismo e o outro, é o sócio-construtivismo. Esse último, parte do sócio-interacionismo de Vigotsky que, resumindo, diz o seguinte: o sujeito conhece, tudo bem, mas antes do sujeito estão as relações sociais, o sujeito para conhecer precisa interagir com outros sujeitos (por isso o nome é sócio-interacionismo). Essa visão, é mais “revolucionária” do que o cognitivismo, porque ela rompe com a idéia de um sujeito individual que conhece o que quer que seja. Essa linha de pensamento retira do indivíduo o lócus do conhecimento, pois o conhecimento não é mais visto como uma aquisição individual, mas está situado no âmbito da relação dialógica entre sujeitos. Ao invés de tomar o sujeito individual como unidade de análise, Vigotsky tomava a “atividade”, a ação interpessoal. Curioso é que Vigotsky e seus seguidores (principalmente Luria e Leontiev) começaram a estudar a linguagem humana para ter essa sacada. Ele usava o termo “ferramenta socialmente construída” para se referir à linguagem humana e achava que a linguagem era um artefato sócio-histórico que mediava a construção do conhecimento. Ele começou, portanto, a estudar a comunicação humana para entender isso.

A partir daí, a construção do conhecimento pode ser entendida como essencialmente dialógica, relacional, ao invés de simplesmente cognitiva, intrínseca ao sujeito. Além

disso, ela implica uma série de outros fatores (emocionais, morais, estéticos, lingüísticos), além dos cognitivos. Mas essa perspectiva sócio-construtivista, entretanto, não perde de vista o indivíduo, ela apenas traz à tona o social no processo de construção do conhecimento. Uma das metáforas mais interessantes utilizadas pelos sócio-construtivistas para falar do conhecimento diz que conhecer é “participar” de relações sociais (Gergen, 1994). Essa concepção torna ultrapassada a noção de conhecimento enquanto “aquisição” de habilidades ou capacidades (que representam uma visão exclusivamente do plano individual). Ela fala de “transformação na participação”, envolvendo tanto os indivíduos, quanto seus parceiros nas atividades/ações que desenvolvem (essa visão é mais ampla, pois não considera somente o plano individual). O conhecimento é produto, não da ação individual, mas da ação conjunta (joint-action), intersubjetiva, mediada por artefatos (Rogoff, 1998). Isso tem conseqüências para a educação, onde se fala, por exemplo, no desenvolvimento de comunidades de aprendizagem, inteligência coletiva etc. (essas são as metáforas mais comuns).

A educação pela comunicação pode ser entendida, a partir dessa perspectiva, como uma metodologia de ensino-aprendizagem que parte da teoria sócio-construtivista de construção do conhecimento e pressupõe a participação ativa (dos sujeitos envolvidos) na produção de peças/produtos/processos de comunicação. Essa participação se dá numa ação conjunta (joint-action) com outros indivíduos, onde existe o tempo todo a produção de artefatos (peças/produtos/processos de comunicação) que são socialmente relevantes e que servem de mediadores à construção do conhecimento (pois a aprendizagem se dá pelo fazer). Portanto, o sujeito produz conhecimento (aprende) numa interação dialógica, comunicacional, entre indivíduos, produzindo esses artefatos. Essa não é uma forma de participação qualquer, é uma participação bem

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específica, mas que tem um grande potencial de amplificação da participação pela própria natureza da comunicação nos dias atuais. Por isso, na Cipó, temos um complemento a essa definição básica, quando dizemos que as peças/produtos/processos de comunicação produzidos, uma vez disseminados, geram novos processos de educação e mobilização social. Porque a própria natureza da comunicação nos dá essa possibilidade de amplificação dos processos e, além disso, a instituição da qual fazemos parte tem um fim social.

Isso tudo é uma digressão epistemológica, creio, para situar a educação pela comunicação no universo das teorias do desenvolvimento e da aprendizagem. Porque ela se propõe a ser uma metodologia de ensino-aprendizagem, então tem que estar respaldada numa teoria do desenvolvimento/aprendizagem (não pode estar somente respaldada numa teoria da comunicação). Mas ainda é preciso falar da questão da metodologia propriamente dita. O que toda essa história de conhecimento enquanto relação dialógica, enquanto interação, participação em ação conjunta, tem a ver com essa metodologia de ensino-aprendizagem que é a educação pela comunicação? Ou seja, como a educação pela comunicação promove a aprendizagem?

Paulo Freire chamava de “educação bancária” as metodologias tradicionais que partem de concepções mais rígidas de aprendizagem. O sujeito que aprende é visto como uma caixa vazia, onde o professor vai colocar os pedaços de informação dentro. Como diz Paulo Freire, essa forma de ensinar é igual a uma conta bancária na qual vai se depositando dinheiro. Aqui, os papéis estão pré-definidos, temos o educando passivo de um lado e o educador ativo de outro. Essa metodologia de ensino-aprendizagem pressupõe que a atividade está do lado do educador, do lado exterior ao sujeito, no “ambiente”. É uma concepção behaviorista: os educadores são responsáveis por preencher os educandos com conhecimento e informação,

enquanto o educando é um receptor passivo. Com o construtivismo, essa relação se inverte. O aluno passa a ser visto como pólo ativo, é o sujeito que constrói o conhecimento, é ele quem “aprende”. Piaget dá muita ênfase aos processos que ocorrem no âmbito “interno” do sujeito, sobretudo processos cognitivos, processos intrínsecos de assimilação e acomodação do conhecimento., são facilitadores, são mediadores. O educador é entendido como facilitador da aprendizagem, alguém que “ajuda”, que “criam as condições necessárias para a aprendizagem”, mas quem constrói o conhecimento é o educando. Entretanto, de certa forma, assim os papéis ficam pré-definidos também. Quem aprende á o aluno, o professor é o facilitador. Mas isso é pouco, porque, na verdade, os adultos, os educadores, aprendem também e reconstroem conhecimentos no processo. Então, eles não estão apenas “criando as condições necessárias” ou “facilitando” a aprendizagem dos alunos, eles estão aprendendo também, produzindo novos sentidos, co-criando, re-significando o que já sabiam, se reinventando, enfim.

Tomando-se o partido do sócio-construtivismo, entende-se que há uma comunidade de aprendizagem onde todos estão aprendendo e participando. Alguns assumem, em certos momentos, determinados papéis e os outros, assumem outros papéis, mas tudo isso pode se inverter, porque todos estão colaborando, todos estão se desenvolvendo. Os adultos criam algumas condições necessárias, de início, mas as crianças, adolescentes e jovens podem criar outras, e todos transformam seu entendimento, seus papéis e suas responsabilidades enquanto participam nesse processo. Então, aqui, a metodologia implica que todos são ativos, porque a ação/atividade é conjunta (joint-action). Isso não quer dizer que, no início, exista uma simetria entre os papéis dos adultos e das crianças/jovens. Crianças/jovens e educadores são ativos e colaboram, mas, inicialmente, os adultos são mais responsáveis por guiar o processo

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e apoiar os mais jovens. No decorrer da atividade, à medida que o tempo vai passando, entretanto, todos vão transformando a participação. Então os papéis não estão pré-definidos, ou estão pré-definidos apenas inicialmente, por um curto período de tempo.

As pessoas dialogam e interagem bastante nesses ambientes, porque ninguém detém o conhecimento como algo acabado, como um estado final onde alguns (geralmente os educandos) têm que chegar. Não existe “instrução” no sentido tradicional, todos estão participando ou se transformando à medida que participam das atividades/ações. Nessas circunstâncias, os autores como Rogoff (1998) se referem a “novatos” (newcomers) e “mais experientes” (old-timers) para falar dos papéis de educandos e educadores. Mas, à medida que o tempo passa, os novatos vão se tornando mais experientes e assumindo cada vez mais responsabilidades e participando cada vez mais ativamente no processo (e até se tornam multiplicadores em suas escolas e comunidades). Assim também ocorre na Cipó. A gente, quando fala disso, diz que os meninos mais novos ainda estão “verdes”, depois vão ficando mais “maduros”. É uma outra forma de dizer a mesma coisa.

Alguns autores, ao invés de usarem o termo “comunidade de aprendizagem”, falam de “comunidade de prática”, porque acham que comunidade de aprendizagem soa como algo artificial (Lave e Wanger, 1990; Wenger, 1998). O termo comunidade de prática se aplica mais facilmente às ONGs do que às escolas, pois nas últimas os ranços da educação tradicional são muitos.

Nos programas desenvolvidos internamente na Cipó, esse tipo de colaboração, de comunidade de aprendizagem dialógica é mais comum, ou mais prevalente, nos programas mais longos, de um ou dois anos, como o Estúdio CIPÓ de Multimeios, o Sou de Atitude, a Central CIPÓ de Notícias. O Cibersolidário ainda está em fase

experimental, porque está no início, mas deverá ser um híbrido. A Escola Interativa é um híbrido também, porque lida com duas culturas ou com duas formas de entender a educação, uma da Cipó e a outra das escolas, uma mais dialógica, a outra mais tradicional. E o que o programa faz é justamente experimentar com professores e alunos essa forma mais dialógica de construir o conhecimento e vai vendo o que acontece na prática. Em cada escola acontece de um jeito. Algumas escolas, após dois anos passam a adotar práticas mais dialógicas, outras não. Porque não depende só da gente, e sim de um conjunto de circunstâncias, envolvendo inclusive políticas educacionais.

Resumindo, a educação pela comunicação enquanto fundamentada no sócio-construtivismo é uma metodologia que:

Enfatiza processos e produtos: os processos de aprendizagem são dialógicos e os produtos são artefatos socialmente relevantes, que servem de mediadores na construção do conhecimento. Aprende-se fazendo/produzindo esses artefatos;

Os papéis de educadores e educandos se transformam ao longo do processo, não estão pré-definidos, pré-fixados. As responsabilidades são compartilhadas durante todo o processo, mas não são simétricas (i.e. não são totalmente equivalentes). Educadores são “mais experientes” e, no início, criam as condições para que os educandos construam o conhecimento e, muitas vezes, orientam diretamente os educandos em ações conjuntas, mas eles também constroem novos conhecimentos e se desenvolvem no processo. Educandos são “novatos”, no início, mas podem tornar-se educadores mais adiante, multiplicando o processo em suas escolas e comunidades. Todos se transformam, participam e aprendem;

A avaliação da aprendizagem ocorre ao longo

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de todo o processo e tem como finalidade ajudar/promover o desenvolvimento/apren-dizagem do educando, dos educadores e da instituição (pois não dá para pensar numa avaliação que só veja o nível individual também). Os erros são incorporados ao processo de aprendizagem e servem para orientar ações futuras, tanto dos educandos, quanto dos educadores e da instituição. A principal avaliação é a que se dá no contexto das atividades de aprendizagem, no fazer cotidiano, no diálogo entre educadores e jovens;

A colaboração na construção do conhecimento gera “transformação da participação”, muito mais do que meramente aquisição de habilidades e competências individuais. No início, os educandos são “verdes”, são novatos no processo e os educadores são mais experientes. Depois, os educandos vão participando mais e ficando, eles próprios, mais experientes, assumindo cada vez mais responsabilidades na condução das ações, na produção das peças/produtos/processos de comunicação e na disseminação dos mesmos.

BIBLIOGRAFIA BÁSICA:

Gergen, Kenneth J. (1994). Realities and Relationships: Soundings in Social Construction. Cambridge, Harvard University Press.

Lave, Jean and Wanger, Etienne (1991). Situated Leaning: Legitimate Peripheral Participation. New York, Cambridge University Press.

Rogoff, Barbara (1990) Apprenticeship in Thinking: Cognitive Development in Social Context. New York, Oxford University Press.

Rogoff, Barbara, Matusov Eugene and White, Cynthia (1998). Models of Teaching and Leaning: Participation in a Community of Learners. Malden, Blackwell Publishers.

Wanger, Etienne (1998). Communities of Practice: Learning , Meaning, and Identity. New York, Cambridge University Press.

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HISTÓRIAUm pedido de colaboração na publicação da Associação de Moradores do Mucuripe, bairro popular de Fortaleza, deu origem em 1987 à organização não-governamental Comunicação e Cultura. Durante uma prolongada pesquisa-ação sobre mídia impressa popular, a ONG acompanhou o trabalho de mais de trinta grupos de editores no Ceará. Em junho de 1991, lançou o projeto Jornais Comunitários Associados, para facilitar a publicação de jornais populares em Fortaleza.

Esse trabalho deu origem a projetos que envolvem educação, comunicação e participação, entre os quais podemos destacar:

1. Clube do Jornal Escolar2. Primeiras Letras3. De igual Para Igual

1.1. O projeto Clube do Jornal Escolar surgiu em 1994 em resposta à demanda de alunos, professores e diretores de escolas públicas. Promove a organização juvenil por meio de clubes criados nas escolas de ensino médio e abertos à participação de todos os adolescentes interessados. Não há um número mínimo ou máximo de estudantes para fomar um clube. Já existem hoje mais de cem clubes associados, contando em média com 10 sócios.

Grande parte do trabalho dos adolescentes ocorre no próprio espaço da escola e envolve reuniões da pauta do jornal e divisão do trabalho entre digitação e diagramação. Há um formulário de auxílio à

diagramação feito pela ONG, que também fornece aos clubes um programa de editoração eletrônica. As ações são estruturadas com a participação de seis assessores do projeto – todos estagiários universitários –, sendo que cada assessor acompanha cerca de dezoito clubes. As visitas do assessor às escolas, quando realizam reuniões com os clubes, ocorrem aproximadamente uma vez por mês.

Para estabelecer relações pautadas pela ética a ONG instituiu uma ouvidoria que fica na sede da organização e acompanha o conteúdo dos jornais. Esta função, que era desempenhada por “professores moderadores”, teve que ser assumida por um membro da equipe da Comunicaçaõ e Cultura, já que muitos professores com formação tradicional tentavam influenciar a escolha de temas e conteúdos, impedindo a desejada autonomia dos jovens na produção dos jornais.

Os alunos enviam os textos para a ouvidora, que procura garantir que todas as matérias tenham as assinaturas de seus autores e ofereçam direito de resposta em caso de acusação ou citação de outros membros da equipe escolar ou alunos. A idéia é que os jornais exerçam sua função crítica sem cair em ataques pessoais, calúnias, ou uso de linguagem inconveniente. Quando essas regras são observadas pelos alunos-editores, o jornal está pronto para ser impresso.

O “Código de Ética no Jornalismo Escolar”, uma publicação elaborada pela ONG, é outro importante instrumento de estímulo ao comportamento ético dos editores e contribui para que os jornais

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estudantis sejam efetivamente instrumentos de garantia dos direitos democráticos. O Código de Ética não é considerado pela instituição como um condicionamento, mas como o instrumento que define a identidade entre ela e os jovens que participam do projeto.

Não há processos de seleção para o ingresso no Clube do Jornal, o que aumenta o potencial democrático das ações da ONG. A eliminação da seleção, que obrigou a Comunicação e Cultura a reforçar seus cursos e oficinas para lidar com o déficit educacional de parte dos adolescentes, é encarada como uma grande conquista pois reforça o caráter “inclusivo” do projeto. A seleção seria mais uma barreira para adolescentes oriundos, em sua maioria, de camadas populares e que já encontram dificuldades para a vencer as diferentes etapas de sua escolarização.

A compreensão da importância da comunicação e da mídia para a formação de consensos nas sociedades contemporâneas e a constatação do potencial de mobilização política dos jornais são traços marcantes do projeto. Esta visão parece estar relacionada à ação militante sob um regime político autoritário vivenciada pelas lideranças da ONG, que leva a uma ênfase na possibilidade de transformação nas relações de poder na sociedade a partir da manifestação juvenil.

1.2. “Eu escrevo por quê?” Essa indagação é o ponto de partida das ações do projeto Primeiras Letras. Criado em 1995 a partir de um pedido de professoras de uma escola comunitária de Fortaleza, o projeto teve uma aceitação tão grande que, em 2003, já faz parte do dia-a-dia de 800 escolas nos estados do Ceará e Pernambuco. Viabiliza a publicação de jornais editados pelos professores de 1ª a 8ª séries e turmas de aceleração com textos e desenhos dos alunos. Os jornais são instrumentos de dinamização das aulas e de valorização social da escrita. Segundo Daniel Raviolo, presidente da ONG, “O Primeiras Letras tem uma vocação muito grande de integração com a política pública. (...) É

uma ferramenta pensada para os professores e está sendo otimamente recebida. Produzir um jornal em sala de aula, para o professor, não é um trabalho a mais, ao contrário: é um facilitador do trabalho que ele já vem realizando.”

Cada escola tem seu próprio jornal, que chega a circular para os pais de alunos. Assim como no Clube do Jornal, as publicações são preparadas na escola e enviadas para a sede da Comunicação e Cultura, onde é feita a impressão.

1.3. A ONG desenvolve ainda o projeto De Igual para Igual, que busca estimular o sexo seguro e a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, além de uma mudança nas relações de gênero e a diminuição nos índices de gravidez na adolescência. Trata-se de um esforço de criação de um espaço editorial para temas relacionados à sexualidade, já que se constatou que a problemática da saúde reprodutiva era recorrente nos jornais escolares.

A presença de jovens de escolas diversas na sede da ONG, seja para participar de oficinas, levar os arquivos ou buscar os jornais impressos, gera possibilidades de troca e intercâmbio de experiências que são muito valorizadas pelos jovens.

A participação da Comunicação e Cultura em instituições e redes como a Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (ABONG) e o Fórum Cearense pelos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA) evidenciam uma visão da importância da articulação e participação em questões sociais amplas.

GESTÃOEmbora a participação e a autonomia sejam conceitos-chave para todos os projetos e ações desenvolvidos junto aos adolescentes e à escola, a gestão da Comunicação e Cultura é centralizada e as principais decisões são tomadas em reuniões semanais entre presidente, coordenadores dos projetos e responsáveis pela área financeira. Nestas reuniões, a problemática levantada pelos assessores

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a partir do contato direto com os adolescentes, são levadas à presidência e à direção da ONG pelos coordenadores. Estes, por sua vez, realizam reuniões semanais com suas equipes.

A equipe do Clube do Jornal é formada por coordenadora, ouvidora, seis assessores e alguns bolsistas (em geral, sócios dos clubes). Já o Primeiras Letras conta apenas com uma coordenadora e uma assistente.

Essa gestão mais centralizada se comparada a grande parte das instituições da Sociedade Civil Organizada torna possível a atuação em um universo numeroso e o estabelecimento de uma relação orgânica com a rede pública de ensino. Todos os membros da equipe têm clareza sobre os objetivos e decisões e podem, assim, atuar com maior autonomia no dia-a-dia dos clubes e das escolas. Essa forma de organizar o trabalho também parece otimizar a relação com o tempo, fator importante quando se trabalha com um grande número de adolescentes e escolas.

SUSTENTABILIDADE A Comunicação e Cultura conta com uma diversidade de financiadores (empresas grandes e pequenas, fundações, Secretaria da Educação etc.), o que contribui para a conquista de uma certa estabilidade institucional, se comparada à gestão financeira de grande parte das ONGs.

Quando não está imprimindo jornais dos clubes, a gráfica da organização é aberta à prestação de serviços externos cuja renda é revertida para os projetos.

Para atuar de maneira integrada à rede pública de ensino, a Comunicação e Cultura se preocupa em garantir custos reduzidos. A qualificação dos produtos e processos ocorre, assim, não só nas oficinas (atendimento direto), mas pela prática das trocas em rede. A equipe da ONG procura evitar a postura de tentar substituir os profissionais da rede e adolescentes na realização das atividades, procurando garantir sua autonomia e apoiando sua qualificação ao longo do tempo.

Os projetos exigem uma infra-estrutura simplificada, que pode ser encontrada em qualquer escola pública. O acesso ao computador é o único pré-requisito para que os adolescentes possam digitar suas matérias e fazer a diagramação do jornal, que será, mais tarde, impresso na gráfica da organização e distribuído na escola e comunidade.

“... a internet seria um meio maravilhoso porque todas as pessoas podem ter o seu site, podem criar uma página, podem divulgar o que elas acham que é interessante, criar uma notícia. Por outro lado a gente vê que tem toda a deficiência, tem locais que, mesmo quando tem internet os meninos não têm acesso. Será que vale a pena realmente trabalhar a internet se tem dois computadores por escola pública de dois mil alunos?” (Márcia, assessora do Clube do Jornal Escolar)

Os Clubes arcam com uma pequena parcela

do custo dos jornais escolares: enquanto a impressão de mil exemplares de um jornal de 4 páginas custa mais de R$ 200 à Comunicação e Cultura, cada clube paga apenas R$ 21. Para obter este valor, os jovens são estimulados e capacitados a captar recursos, oferecendo em troca espaço publicitário em seu jornal. Foi criado ainda um material de apresentação do projeto – uma pasta – com o objetivo de fazer com que os membros dos clubes sintam maior segurança nos primeiros contatos com possíveis patrocinadores.

No projeto Primeiras Letras foi construída uma tabela de custo vs tiragem do jornal, facilitando o planejamento financeiro e estimulando a escola a refletir sobre o número de cópias efetivamente necessárias. Cada escola arca com uma contribuição simbólica para as despesas de impressão, como mostra a Tabela abaixo. A impressão de 100 exemplares custa, para a escola, R$ 11 e a impressão de 1.000 exemplares, R$ 28:

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Secretaria de Educação Básica do Ceará (Seduc) e as 15 Secretarias Municipais de Educação conveniadas financiam a capacitação dos professores de suas redes.

PARCERIA COM A ESCOLAPodemos dizer que projetos como o Clube do Jornal Escolar e o Primeiras Letras buscam uma renovação da escola a partir da liberdade de expressão, do resgate da função social da escrita e da mobilização social para a mudança.

A figura do assessor – em geral um universitário que faz estágio de meio período no projeto – é fundamental para o funcionamento do Clube do Jornal. O assessor apóia os clubes nas diferentes etapas de produção do jornal. Respeitando a autonomia dos jovens, o assessor não dá sugestões ou indicações: procura apenas orientar os membros dos clubes sobre os caminhos possíveis. É muito comum que os alunos encontrem barreiras na escola, especialmente ao uso da sala de informática, dificultando os processos de produção do jornal, momentos em que contam com

o apoio dos assessores. A figura do assessor tem um impacto significativo nos resultados do projeto. No interior do Estado, por exemplo, acredita-se que um dos fatores que explicam resultados tão positivos em relação a Fortaleza é o fato de que o número de escolas por assessor é menor do que na capital.

O diálogo franco e aberto dos jovens com os assessores durante as discussões sobre o jornal faz emergir questões, muitas vezes delicadas, vivenciadas pelos jovens. Os educadores do projeto acreditam que é também papel da escola estabelecer trocas sobre temas significativos e preocupações dos jovens, mas acreditam que grande parte dos professores não está preparada para este tipo de relação. Com a experiência nos debates e nas discussões sobre os jornais, os jovens se desinibem e passam a “puxar” discussões na sala de aula sobre temas que consideram relevantes. Muitas vezes, por não fazerem parte do planejamento curricular, estas discussões são desestimuladas pelo professor. Nota-se a importância da inserção, nos programas de formação de professores, de dinâmicas que vão além das questões de conteúdo, capacitando professores para lidar com o jovem, reconhecê-lo como sujeito e estabelecer com ele canais de diálogo.

Se grande parte do corpo docente enxerga a mídia como concorrente do professor e das aulas, estes projetos procuram estimular um debate crítico sobre temas em pauta na mídia de massa. Um dos desafios que os educadores do projeto vêm encontrando é o impacto de programas jornalísticos de TV que exploram a violência de maneira sensacionalista. Para a escola, cujo currículo é organizado e encarado como um conjunto de aulas e onde cada disciplina tem conteúdos a serem “vencidos” pelo professor, é preciso refletir sobre como trazer os temas da mídia para dentro da escola de forma estruturada, tarefa importante para a formação de receptores críticos (ler “Introdução”).

De forma geral, os professores encaram erros no jornal como responsabilidade da ONG, e não da escola. Ao invés de questionar os processos de

Tabela Participação nas Despesas de Impressão

Tiragem Papel Branco – 4 páginas

200 12

300 13

400 14

500 15

600 18

700 20

800 23

900 25

1.000 28

Fonte: Comunicação e Cultura – Primeiras Letras

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ensino-aprendizagem implementados na escola, muitos professores se omitem em colaborar com os alunos na construção do jornal e se limitam a criticar os alunos pelos erros quando o jornal chega à escola. Sobre os conflitos entre alunos e corpo docente intensificados com a presença dos jornais, há casos dramáticos em que a diretora queimou os jornais, tentou subornar alunos para pararem de fazer os jornais e ainda de professores que usaram os jornais para apagar a lousa.

Estas últimas constatações sobre a postura autoritária de alguns professores e diretores levam-nos a pensar que projetos como o Clube do Jornal Escolar, que transformam as relações de poder dentro do sistema de ensino, não podem prescindir da existência de uma organização ou de articuladores externos à rede pública. Já o projeto Primeiras Letras parece funcionar bem dentro da dinâmica da rede, sem grandes conflitos éticos e, portanto, sem a necessidade de uma ouvidoria e de assessores externos à rede.

PEDAGOGIA / METODOLOGIAA ação da Comunicação e Cultura não ocorre

diretamente sobre o produto de comunicação, mas sobre os processos, as discussões, o incentivo a uma postura investigativa de professores (Primeiras Letras) e adolescentes (Clube do Jornal). Em lugar de resultados rápidos e imediatos relativos à qualidade dos jornais, o que se busca é um desenvolvimento ao longo do tempo, para o qual a autonomia dos sujeitos tem que ser respeitada. Os assessores do Clube do Jornal não corrigem erros ortográficos e gramaticais dos alunos-editores. O objetivo é que os jornais possam ser utilizados como recursos pedagógicos pelos professores e que, ao longo do tempo, o número de erros diminua. Para os assessores, o “erro a ser corrigido” diz respeito apenas às questões éticas e deve ser abordado no contato com a ouvidoria do projeto.

No Clube do Jornal Escolar não há reforço escolar ou formação específica para temas do currículo formal.

Por vezes, as aprendizagens curriculares entram em pauta nas conversas entre jovens e assessores, mas de maneira espontânea, quando os jovens trazem questionamentos. O projeto desenvolve atividades de capacitação e de assessoria aos adolescentes editores dos jornais. A capacitação abrange dois cursos, compostos de 12 oficinas cada, que ocorrem com freqüência de duas vezes por semana.

1) O “Curso Introdutório ao Jornalismo” procura sensibilizar os jovens para a importância do protagonismo, da liberdade de imprensa e do papel do jornal na sociedade.

2) O “Curso de Redação Jornalística” aborda as diferentes etapas de produção de textos de caráter jornalístico.

O projeto oferece ainda oficinas de diagramação, de captação de recursos e de realização de entrevistas.

A origem dos cursos foi motivada pela percepção de defasagem dos jovens em produção de texto, expressão oral e também em conhecimentos políticos e de conjuntura social. Diferentemente do que (em geral) ocorre na escola, os temas são abordados de maneira contextualizada. Os textos produzidos pelos próprios adolescentes são lidos para o grupo que, em conjunto, analisa e corrige aspectos de concordância verbal, conectivos etc. Alguns exemplos de temas abordados nestes cursos foram a Guerra no Iraque e o escândalo do desvio do dinheiro das merendas escolares por um deputado cearense. A discussão de temas como este último ajuda a ampliar a compreensão dos jovens sobre a complexidade dos problemas da educação. Os jovens passam a entender que a escola pública está inserida em um contexto amplo e que nem todos os problemas da escola são de responsabilidade apenas do diretor e dos professores. E o jornal torna-se um veículo para debater essas questões.

As oficinas de redação jornalística ocuparam o lugar de um curso de Língua Portuguesa que ocorria

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nos mesmo moldes das disciplinas escolares. Os educadores da ONG perceberam que, ao replicar a metodologia da escola, repetia-se o desinteresse dos jovens. O interesse aumentou quando se propôs usar os textos dos adolescentes como ponto de partida para as aprendizagens em Língua Portuguesa. Vale mencionar que a inscrição no curso não é obrigatória para os participantes dos clubes.

Por serem universitários, os assessores já trazem referências culturais importantes para o trabalho e, por serem jovens, mostram certa abertura para as dinâmicas participativas e a mobilização social. A capacitação para o projeto ocorre de maneira coletiva. A assessor recém-chegado passa por um período em que apenas acompanha o trabalho de outros assessores e as discussões da equipe. Só após algum tempo, assume um grupo de escolas. Nesse período, realiza leituras sobre o projeto, seus conceitos e princípios teóricos e sua metodologia.

O projeto Primeiras Letras conta com uma formação inicial de 16 horas1 para os professores das escolas. Em cada escola são capacitados um professor e um coordenador pedagógico. Após esta etapa, há encontros de qualificação e trocas de experiência.

A ONG vem estudando junto com a Seduc possibilidades de estimular o uso do jornal como uma forma alternativa de avaliação escolar. A idéia, que partiu do Unicef-Ceará, é que a Seduc analise, no conteúdo dos jornais, a qualidade dos processos de ensino-aprendizagem na escola em relação às linguagens e códigos e aos aspectos de compreensão das questões sociais

Os processos de ensino-aprendizagem que a produção de um jornal propicia se diferenciam do ensino tradicional, que tem na nota seu principal mecanismo de reconhecimento. A abordagem de temas ligados ao contexto dos jovens e a consciência de que existem receptores da comunicação trazem a tona a função “social” do jornal e estimulam o abandono de uma escrita burocrática.

O jornal escolar aproxima o jovem do cotidiano da comunidade. Por exemplo, enquanto no Ceará o

currículo formal aborda as quatro estações do ano, os clubes tratam, no jornal, da problemática das chuvas, observando que o Estado possui apenas duas estações claramente perceptíveis durante o ano. Os questionamentos sempre partem da vida dos sujeitos para se ampliar para o bairro, a cidade, o país e o mundo.

A autoria é outro aspecto relevante na produção dos jornais. As educadoras do Primeiras Letras relatam um episódio em que uma aluna, ao notar que sua redação aparecia em outros exemplares do jornal, saiu correndo surpresa para conferir se todos os exemplares continham seu texto:

“... uma aluna, ela pegou o jornal e olhou assim: “ah! A matéria tá aqui! Tá no teu também! Tá no teu também! Então ela saiu na sala correndo. Na cabeça dela ela pensava que o jornal dela tinha só as matérias dela, o jornal do outro tinha as matérias do outro...que nem o caderno dela. Quando ela viu que todos os jornais tinham um texto dela, aí ela viu a disseminação, a multiplicação...” (Karina, Coordenadora do projeto Primeiras Letras)

O desafio atual da ONG é desenvolver uma

produção de textos com enfoque jornalístico, o que envolve o conhecimento dos diferentes gêneros jornalísticos.

PARTICIPAÇÃOA Redije (Rede de Integração de Jornais Estudantis) foi criada como forma de institucionalizar o conjunto dos Clubes de Jornais Escolares. Nasceu da necessidade de promover a autonomia dos adolescentes e criar uma identidade entre os clubes. Seu objetivo é dar apoio e promover trocas entre os diferentes clubes em todo o estado do Ceará. Trata-se de uma instituição formal, com seu próprio estatuto, seu código de ética, o que procura garantir sua existência de maneira independente da Comunicação e Cultura. Edita a publicação

3Por ser pouco tempo, os educadores do projeto a consideram mais uma sensibilização do que uma formação.

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“Redige Informa” e realiza plantão de dúvidas e de apoio para a produção dos jornais, um processo em que os próprios jovens se organizam para qualificar o trabalho dos Clubes.

“Foi muito bom para fortalecer essa identidade dos Clubes, porque agora eles podem dizer: ‘olha, eu sou do clube Expressão, que faz parte da Redije, a Rede de Jornais Estudantis aqui do Ceará’. Então tem uma referência maior. E também porque a gente sabe que a bandeira principal da Redije é a liberdade de expressão. Então isso é muito bom porque quando acontece uma injustiça com um dos clubes filiados, (...) um jornal que está sendo censurado, um jornal que a diretora não quer aceitar na escola, que a gente sabe que essas coisas acontecem, a Redije também entra aí. Aquela história da liberdade de expressão: todo mundo tem direito a isso. Então a gente luta para garantir essa liberdade dos Clubes.” (Aline, coordenadora estadual da Redije)

Com um ano de funcionamento, a Redige ainda conta com o apoio financeiro do Comunicação e Cultura para seus custos fixos (sala, luz, telefone etc.) mas já vem conseguindo patrocínio para garantir a presença dos jovens em eventos organizados pela Rede. Sua forma de financiamento é, efetivamente, uma fonte de preocupação pois, se até mesmo ONGs com atuação consolidada na área social encontram dificuldades de financiamento (ler “Introdução”), desafio ainda maior encontram redes descentralizadas nas quais os próprios jovens se encarregam de captar recursos. Pela importância de associações como esta para a organização e mobilização juvenis, o tema do financiamento de redes formadas por jovens deve ser tratado com atenção pelos formuladores de políticas de juventude.

O jornal vai além dos espaços da escola, prestando um serviço à comunidade. Um entre muitos exemplos desse fato foi a denúncia de que o posto de saúde de um bairro pobre, localizado

dentro da escola, seria fechado e transferido para uma área “nobre” da cidade. Inicialmente a escola ficou apreensiva com a cobertura feita pelo jornal, com medo de que a comunidade a responsabilizasse pela mudança. Mas a repercussão da notícia fez com que moradores do bairro fossem até a escola para buscar informações, aumentando o diálogo entre escola e comunidade. A direção, por sua vez, passou a enxergar a função social do jornal e seu potencial de criação de canais de diálogo.

O jornal estimula a participação dos alunos em esferas da escola que seriam exclusivas de atuação do grêmio, pois expõe os desafios encontrados na estrutura escolar: acesso à sala de informática e à biblioteca, uso de máquinas e outros espaços na escola, canais de diálogo com os Centros Regionais de Desenvolvimento do Ensino (Credes) e a Seduc. Os projetos, particularmente o Clube do Jornal, procuram assim, mudar as relações de poder na escola, estabelecendo relações menos assimétricas:

“O diretor só pega no jornal quando o jornal chega na escola” (Sócio de Clube)

“O adolescente tem que ser uma pessoa tão importante quanto o professor dentro da escola.” (Daniel Raviolo, Presidente da Comunicação e Cultura)

Com o jornal, alguns alunos passam a participar da vida política de suas cidades. Alguns começaram a assistir as sessões da Câmara de Vereadores para escrever matérias para os jornais escolares. Um grupo de editores, que começou as atividades políticas em jornal escolar no interior do Ceará, quer colocar um jovem de seu grupo na Câmara de Vereadores, para que ele possa representar seus direitos e demandas.

Muitos familiares de jovens editores mostram-se inicialmente contrários ao ingresso do filho no projeto, considerando que seria mais útil a procura de um emprego. Com o passar do tempo, ao perceber que filho produz um jornal que o próprio pai se interessa por ler, a postura da família se modifica

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e os pais passam a se orgulhar do envolvimento do adolescente no clube do jornal. O projeto desenvolve uma educação voltada para valores, autonomia e senso de responsabilidade, o que é valorizado pelos familiares, inseguros com a percepção de impotência da família na educação dos filhos. A mudança de postura do jovem acaba, por vezes, influenciando até mesmo uma mudança positiva na qualidade das relações familiares.

Fazer parte de um grupo é uma dimensão importante das ações da ONG. No projeto De Igual para Igual, no qual são tratados temas delicados e que muitas vezes são tabus no ambiente familiar, as próprias famílias passam a reconhecer a importância da comunicação “de jovem para jovem”:

“O adolescente se abre mais com outro adolescentes do que com os pais, porque os pais cobram muito dos filhos.” ( Juracir Figueiredo, mão de adolescente que participa do projeto)

O Clube do Jornal reflete a diversidade de interesses e graus de participação existente em grande parte dos grupos e movimentos juvenis. Entre os sócios há desde aqueles extremamente envolvidos, que planejam e cobram os demais pelas tarefas pactuadas, até aqueles que costumam “fazer bagunça” (nas palavras de alguns adolescentes) durante as reuniões e não dão seqüência ao que foi combinado.

“No último final de semana antes de começar as aulas (...) eu tive que ir na casa de cada pessoa exclusivamente pra saber se tinham quebrado a perna, se tinham morrido, se estavam doentes, se tinham viajado (...) mas nem assim melhorou. Eu tento fazer uma espécie de concentração. Eu falo “oh, tu ta no jornal então tu tem que fazer, não é só o teu nome aqui.” (Sócia do clube do jornal)

Esse fenômeno faz com que os sócios envolvidos tenham que lidar democraticamente com os conflitos, assumir uma postura responsável e

aprender a dialogar. A ONG estimula a postura de sensibilização e negociação em lugar de confronto e ameaça de expulsão. Quando os sócios expressam a vontade de expulsar membros que não participam de maneira efetiva, os assessores estimulam a busca de soluções alternativas que evitem o confronto.

A participação no jornal é aberta a toda a escola que pode mandar artigos para os editores. Segundo os jovens, para se obter um maior envolvimento dos alunos com o jornal, especialmente nas escolas em que há dois ou três turnos e nem todos os alunos se encontram, é fundamental que haja visibilidade do projeto na escola, por meio de cartazes e materiais dispostos em diversos ambientes que informem o que está ocorrendo no projeto.

RELAÇÕESSegundo a equipe do Primeiras Letras, há uma diferença de ritmo entre as ONGs e a rede de ensino que faz com que, muitas vezes, as ONGs tentem “acelerar” os processos e até assumam parte da responsabilidade que caberia à rede pública. Os coordenadores sublinham a importância de redobrar os cuidados para não tentar substituir a equipe escolar, desempenhando o papel dos profissionais da rede. Ainda que as ações demandem mais tempo para sua realização é fundamental que a equipe da organização mantenha-se apenas na assessoria e sempre delegue as responsabilidades sobre as atividades para diretores e professores.

Embora o Primeiras Letras estimule novas dinâmicas e formas de sociabilidade entre atores da escola, é no projeto Clube do Jornal Escolar que os jornais promovem mudanças mais profundas nos ecossistemas comunicativos da escola e, muitas vezes, intensificam conflitos, já que os alunos podem publicar e fazer circular notícias que nem sempre agradam à direção e aos professores:

“Uma diretora disse: ‘O jornal é uma arma apontada para a nossa cabeça’. “ (Assessor do Clube do Jornal )

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“O jornal ‘mexe’ a escola, ele mexe. E tudo o que mexe causa incômodo (...) agora o cuidado que a gente tem é que os próprios adolescentes não vejam o jornal como bombas que eles podem lançar (...) então esse é o cuidado que a gente tem, que a informação seja clara e justa.” (Elisângela, coordenadora do projeto Clube do Jornal Escolar)

Em algumas escolas, é preciso envolver a diretora na liberação dos meios para a digitação do jornal, já que a burocracia da escola tenta impedir o acesso dos alunos. O jornal passa a ser um reforço para que os alunos exijam seus direitos.

A direção da escola freqüentemente expressa um temor de que notícias negativas sobre a escola cheguem ao Crede que, por sua vez, teme que estas notícias cheguem à Secretaria de Educação. Os alunos observam ainda que o jornal passa a ser um contraponto às informações divulgadas pelos órgãos oficiais:

“Tá todo mundo preocupado com a imagem da escola. Tá todo mundo preocupado em colocar um cartaz lá na porta do aeroporto dizendo que 99% das crianças estão na escola, dizendo que tá todo mundo passando de ano (...) a gente fica muito chateado porque a gente vive muito no colégio uma situação, a gente está passando por uma situação muito precária nas escolas. “ (Renan, Sócio do Clube do Jornal e bolsista do Comunicação e Cultura)

Os alunos percebem também que há diretores que se aproximam dos clubes com a intenção de tentar conduzir o trabalho e procuram resguardar sua autonomia e independência. Sentem a necessidade de enfatizar que o jornal é dos jovens, e não da escola. Mas há também casos em que o diretor pede ao clube espaço para publicar algum texto e/ou comunicado à escola.

No decorrer do tempo observa-se, portanto, que os jornais ampliam o diálogo entre os diversos atores do mundo escolar. Uma das razões, como já mencionamos, é a busca de conhecimento sobre a complexidade dos problemas escolares em

instâncias que vão além da escola, como a falta de verbas, que muitas vezes diz respeito a políticas educacionais mais amplas. Também se observa que as dificuldades, especialmente os conflitos entre alunos e direção, são maiores no início do trabalho, e as relações vão melhorando à medida que o tempo passa e cresce o número de jornais editados.

Muitos dos sócios que participam da pesquisa estão há mais de dois anos no projeto. Relatam que, quando teve início o Clube em sua escola, havia um sentimento de que aquele seria apenas mais um projeto e que não iria perdurar. Com o tempo, cresce o respeito pelo projeto pois se percebe que ele “veio para ficar”.

REGISTRO, SISTEMATIZAÇÃO, AVALIAÇÃO E DISSEMINAÇÃOA Comunicação e Cultura possui um sistema centralizado de informações estatísticas que permite controlar a quantidade e a data de publicação de cada número de jornal. Esses dados estão disponíveis no website da ONG. As coordenadoras do Clube do Jornal e do Primeiras Letras enviam a um funcionário as informações que são lançadas em um software de controle. As coordenadoras também se encarregam de realizar avaliações qualitativas sobre o desenvolvimento dos jovens (Clube) e dos educadores (Primeiras Letras).

O Clube do Jornal e o Primeiras Letras contam, cada um deles, com uma publicação mensal (no caso do Primeiras Letras, trata-se de um jornal mural) informando a comunidade escolar sobre os projetos.

PRODUTOS E RESULTADOSA liberdade para elaboração dos jornais começa pela escolha do nome, que envolve também uma imagem própria. Muitos deles “brincam” com o nome da escola, numa aproximação entre o universo juvenil e a cultura escolar. Para garantir uma melhor organização do jornal e facilitar a realização das matérias, alunos de alguns Clubes criam colunas e quadros fixos como o “quadro de humor”.

No Primeiras Letras, o jornal foi concebido inicialmente como um instrumento pedagógico no

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qual o professor inseria todos os textos dos alunos, sem levar em conta o receptor do jornal. Mas o impacto do jornal junto à comunidade cresceu e pesquisa feita pela ONG mostrou que 80% das famílias dos meninos liam os jornais (além disso, cada exemplar era lido, em média, por de três pessoas). Assim, além da utilização do jornal como instrumento pedagógico, o Primeiras Letras adotou a visão do jornal como produto de comunicação e mobilização social.

Para qualificar o jornal neste sentido, os educadores do projeto propõem a discussão da pauta do jornal nas reuniões de planejamento coletivo na escola. Definida a pauta, a idéia é que os professores estimulem a produção de textos pelos alunos a partir de temas relacionados a sua disciplina. Foi criada e divulgada entre os professores uma tabela de apoio à produção conjunta de uma pauta. Muitas professoras afirmam que esta ferramenta facilita o trabalho, pois deixa de ser necessário passar de sala em sala de aula para buscar textos, já que a divisão de temas e artigos já foi previamente planejada.

Pesquisa feita pela ONG sobre o Primeiras Letras ouviu 248 diretores(as) de escolas, 255 professores-coordenadores do projeto, 1.254 professores e 5.402 alunos durante o primeiro semestre de 2003.

85% dos alunos entrevistados acham o jornal escolar ótimo ou bom. 87% dos professores dizem que o jornal entra na pauta das reuniões de planejamento e 88% deles acham que os alunos se sentem incentivados a escrever no jornal. O maior objetivo do projeto, na visão dos professores, é o estímulo à leitura e a escrita, seguido pelo estímulo à criatividade. A criticidade também é encarada como um ponto forte do projeto. 70% dos professores responderam que o projeto está alcançando seus objetivos.

A existência de um produto de comunicação cria oportunidades de conjugar conhecimentos teóricos com atividades voltadas para a prática, uma demanda comum dos adolescentes que reclamam de um currículo excessivamente acadêmico. Mas o professor tradicional continua com a visão de que o aluno só pode escrever em um jornal quando dominar a linguagem ensinada na escola. Por esse motivo, professores capacitados no

projeto Primeiras Letras contam que muitos de seus colegas não acreditam no projeto:

“Jornal aqui na escola? Mas esses meninos não sabem nem escrever!”

No Clube do Jornal Escolar, alguns professores já usam os jornais em atividades na sala de aula.

O jornal ajuda a avaliação dos resultados do projeto. Alguns jornais mostram um salto qualitativo do trabalho quando, antes dominados por cartas e mensagens individuais como os “recadinhos do coração”, passam a focalizar notícias de utilidade pública para a escola e a comunidade e apresentar um olhar jornalístico.

Há ganhos até mesmo de infra-estrutura para a escola conquistadas pelos alunos por meio de matérias do jornal, como uma máquina foto-copiadora:

“Nós conseguimos a máquina de Xerox da escola por causa do jornal. Mandamos uma cópia para a direção do Crede [Centro Regional de Desenvolvimento do Ensino] a direção do Crede leu o jornal e, na mesma semana, mandou uma máquina de Xerox. Por que nós tínhamos que pagar para ter nossas provas xerocadas...” (Sócia do Clube do Jornal)

Além da máquina foto-copiadora, há diversos relatos de reforma na escola, construção de quadras poliesportivas, denúncias sobre o baixo potencial de aprendizagem com os Telecursos, entre outros, que se devem à atuação dos jovens do Clube do Jornal.

“...o nosso jornal mudou muito o nosso colégio porque uma coisa bem engraçada: o que não existia em nosso colégio era a leitura. E a coisa que mais emociona é que quando nosso primeiro jornal saiu, foi ver todos os alunos no recreio com nosso jornal, lendo. “ (Sócio do clube do jornal)

O jornal promove uma dinamização do ambiente familiar. Questões polêmicas em relação, por exemplo, a

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drogas ou política, aos direitos e deveres, são trabalhadas em oficinas complementares e há relatos de que o jovem assume o papel de educador ou provocador de novos temas de debate em sua própria casa.

“...em época de eleição, a gente tinha brigas

ferrenhas lá em casa, com relação à questão política. E acho que é um crescimento muito ‘massa’, que em muitas famílias não se tem. E eu consegui levar para a minha casa uma discussão e era muito forte porque eles defendiam de um lado, eu defendia de outro e a gente trocava material, então sempre acontece isso, tanto para a questão da sexualidade, como de um modo geral.” (Mirlaide, sócia de um clube e atual bolsista no projeto)

Também há relatos que apontam novas dinâmicas

no interior da escola, novas formas de sociabilidade entre os jovens e entre jovens e equipe escolar.

“Antes do jornal era assim: você chegava, assistia a aula, merendava e ia embora. Todo dia a mesma coisa, muito repetitiva. Aí depois que a gente fez a edição do jornal, os professores chegavam na sala e tinham o que comentar, entendeu? Tinham o que falar sobre aquelas matérias, tinham o que falar sobre o jornal. Hoje aumentou mais o relacionamento entre um aluno e outro (...) o pessoal que fazia o jornal, as matérias, os outros já iam querer saber quem é, conversar” (Sócia do Clube do Jornal)

Por fim, é importante ressaltar que há ambientes escolares que favorecem e que não favorecem o desenvolvimento de projetos como esses. Uma das escolas em que os projetos funcionam melhor fica no município de Maracanaú, vizinho de Fortaleza. Fundada na década de 90, já é reconhecida como uma boa escola, apresenta baixíssima rotatividade de professores e as diretoras são as mesmas desde seu início. É uma escola pequena (cerca de 400 alunos) que se recusou a aceitar as aulas por Telecurso, muito estimuladas pela Seduc. A maior parte dos

professores está na escola desde sua fundação e a equipe escolar procura estabelecer uma relação de proximidade com os alunos – os professores vão recebê-los diariamente na porta da escola.

O relato da diretora mostra que o currículo não é encarado como uma seqüência de aulas, mas como ações que se estendem ao planejamento e à reflexão sobre as atividades da escola. A diretora da escola conversa com alunos sobre erros presentes no jornal e se preocupa com a circulação de informações na escola -- preocupação levou à instalação de um sistema de som que interliga todas as salas de aula.

“Tudo o que acontece aqui não é só um segmento que toma conhecimento. Todo e qualquer projeto que vá acontecer na escola, primeiro ele tem que ter o aval de todo mundo. E mesmo o professor sendo das séries iniciais, ele vai ter o contato com o jornal. E ele vai fazer as suas críticas.” (Diretora da Escola)

A observação da forma como ocorrem os projetos da Comunicação e Cultura em ambiente escolar e de como esses processos ocorrem de forma diversa em escolas diferentes, lança luz sobre uma questão relevante. Além das inúmeras conquistas e resultados positivos dos projetos em relação à população à qual as ações se destinam, as atividades chamam atenção para as possibilidades reais de se estabelecer relações democráticas nos sistemas de ensino. Até que ponto as escolas e as redes de ensino estão efetivamente preparadas para o diálogo, os processos de auto-avaliação e avaliação formativa, abertas a reconhecer a multiplicidade de vozes presentes na escola e a conviver democraticamente com a circulação de informações e sentidos entre os atores da comunidade escolar?

“Antes eu não tinha coragem de falar, assim,

chegar em uma sala e falar sobre um assunto. Hoje em dia, se perguntar, eu levanto, falo normalmente, sei conversar e sei botar a minha crítica e sei levar a crítica dos outros. Sei questionar muita coisa.” (Michele, sócia do Clube e atual bolsista do projeto)

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Dados - Comunicação e Cultura

Nome Comunicação e Cultura

Natureza da organização Organização não-governamental

Missão

A missão do Comunicação e Cultura é promover atividades e projetos junto às populações de baixa renda do estado do Ceará, em especial os jovens, utilizando os recursos da comunicação alternativa e da mobilização social, para a melhoria da qualidade de vida e o desenvolvimento de atitudes participativas e solidárias, particularmente no que diz respeito ao envolvimento na esfera pública e o exercício de direitos

Endereço Rua Castro e Silva, 121 – Centro – Fortaleza, Ceará CEP 60030-010

Telefone (85) 231.6092

E-Mail

[email protected]; [email protected]; [email protected]; [email protected]

Site http://www.comcultura.org.br;

Responsáveis Daniel Gerardo Raviolo - Presidente, Maria Elisangela Albuquerque - Secretária Executiva e Jorge Assef Lutif Jr.- Ger. Administrativo Financeiro.

Infra-estrutura

A instituição está em dois andares do Edifício Oriente no endereço já citado, onde funcionam: Recepção da Instituição, Setor de Recepção e Expedição dos Jornais, Administração, Coordenações de Projetos, Presidência, Secretaria Executiva, Salas para Oficinas, Laboratório de Informática, Núcleo de Qualidade Gráfica, Setor de Matrículas, Sala de Convivência e Sala da REDIJE. O Comunicação e Cultura também está interligado a Internet rápida. A instituição possui uma Gráfica que está em prédio separado na Rua Floriano Peixoto127-Centro.

Principais Programas/Projetos

Projeto Primeiras Letras, Projeto Clube do Jornal e Projeto Aliança De Igual Para Igual.

Números de atendimento

836 Escolas beneficiadas552 Bairros/Localidades121 Municípios

Equipe/Formação/Capacitação

A ONG possui cerca de 40 funcionários. Com exceção dos estagiários e bolsistas (que trabalham meio período), todos são contratados com carteira assinada.

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Produtos

Jornais Estudantis produzidos pelos adolescentes dos Clubes do Jornal, Jornais Escolares produzidos por professores com textos e ilustrações das crianças – projeto Primeiras Letras, materiais pedagógicos para execução dos projetos, e materiais de comunicação interna. Além disto, a gráfica presta serviços externos, revertendo o recurso adquirido para os projetos da instituição.

Orçamento 2002 – R$ 939.094,00

Principais Parceiros

Secretaria de Educação Básica do Estado do Ceará – SEDUCSecretarias de Educação do Estado do CearáAvinaConselho Municipal da Criança e do Adolescente -COMDICA (Fortaleza)Instituto C&AUnescoFundação MacArthurUnicefInstituto Elo AmigoFederação das Empresas de Transporte Rodoviários do Ceará, Piauí e MaranhãoSindicato de Empresas de Transporte Coletivo Itermunicipal e Interestadual do CearáComerciantes locais que patrocinam os jornais escolaresdo Estado do Ceará, Universidade Federal do Ceará.

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Anexo - Comunicação e Cultura

Clube do JornalTotal

Número de escolas participantes 108 Número de municípios beneficiados 28 Número de bairros/localidades beneficiados

60 Número de jornais 108 Número de edições de jornais 266 Tiragem total dos jornais 321.500 Número total de sócios (at direto) 1.336

Primeiras Letras Número de escolas participantes 662 Número de municípios beneficiados 105 Número de bairros/localidades beneficiados

345 Número de jornais 651 Número de edições de jornais 1.142 Tiragem total dos jornais 628.100 Número de professores capacitados (at

direto) 408 Número de alunos beneficiados com o

projeto 397.200

De Igual para Igual Número de escolas participantes 108 Número de municípios beneficiados 28 Número de bairros/localidades beneficiados

60 Número de edições de jornais juvenis

publicados com a editoria De Igual Para Igual 172 Número de exemplares distribuídos 215.000

Número de jovens que participam do projeto 460

ATENDIMENTO - COMUNICAÇÃO E CULTURA - 2002

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MOC HISTÓRIAO MOC desenvolve hoje todos os seus trabalhos em parceria com uma extensa rede de organizações comunitárias construída ao longo de seus quase 40 anos de atuação no semi-árido baiano, na chamada região sisaleira, que tem como pólo o município de Feira de Santana. Nascido em pleno regime militar de movimentos sociais de esquerda, associados à igreja católica, como as pastorais, envolve hoje mais de 80 mil pessoas em suas ações – que têm em comum uma concepção freiriana de educação e a orientação em “empoderar” os agentes locais, como estratégia de transformação social e desenvolvimento regional.

A organização é ao mesmo tempo simples e sofisticada em seus processos de planejamento e gestão, bastante abrangentes e participativos. Tem rotinas sedimentadas de registro, avaliação, sistematização e disseminação. Mesmo assim, seus coordenadores ressaltam que “é um desafio muito grande ter um exercício permanente de sistematização”.

A instituição agrupa sua multiplicidade de ações em cinco áreas básicas:

1) Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar no Semi-Árido

2) Programa de Gênero3) Programa de Educação Rural

4) Programa de Políticas Públicas5) Programa de Comunicação

Além disso, tem um conjunto de “projetos especiais”, entre os quais se encaixa o Projeto Comunicação Juvenil, objeto de atenção desta pesquisa.

O surgimento no MOC de um projeto voltado para jovens, com foco em comunicação, não ocorreu por acaso no início do século 21. Entre os muitos desafios com que se defronta hoje uma organização das dimensões do MOC, pode-se destacar duas que vinham emergindo havia alguns anos: 1) como desenvolver programas e metodologias consistentes voltadas para os jovens (até então a organização tinha várias ações nessa área, mas sem muita sistematização); 2) como ampliar e aprimorar os processos de comunicação na organização, que tem larga experiência na montagem de rádios comunitárias, mas relaciona-se com algumas lideranças comunitárias que ou não valorizam o campo da comunicação, ou tendem a monopolizar sua gestão e seu poder.

São desafios cujo enfrentamento cristalizou-se também em outras ações, como a contratação, em 2003, de uma profissional de comunicação para coordenar essa área na instituição (profissional esta com formação anterior pela Cipó – Comunicação Interativa, outra experiência desta pesquisa). O

MOC - Movimento de Organização Comunitária

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novo foco em jovens aparece no planejamento de alguns outros programas da organização em 2003. Mas é no Projeto Comunicação Juvenil, hoje com cerca de 30 lideranças formadas, que esses dois desafios encontram uma proposta mais articulada de enfrentamento.

O projeto surgiu do convite feito pelo Instituto Credicard, de São Paulo, que mantém o Programa Jovens Escolhas, com foco em três eixos estratégicos:

Educação para Valores Cultura da Trabalhabilidade Protagonismo Juvenil

Como sempre faz, o MOC consultou os parceiros que de alguma maneira se relacionariam a este projeto (sindicatos de trabalhadores rurais, movimentos de mulheres , fóruns, redes, cooperativas, grêmios estudantis etc.) e, além de aceitar o convite do Instituto Credicard, estabeleceu, com os parceiros, as linhas gerais de ação do MOC neste projeto:

10 municípios participariam, cidades estas com uma média 15 mil habitantes

As organizações comunitárias de cada município indicariam jovens, que passaram por um processo de seleção, em que ficariam três, com pelo menos uma mulher

A faixa etária seria de 15 a 21 anos Os jovens do projeto já teriam perfil de

liderança e atuação comunitária Uma vez selecionados, os 30 jovens, mais os

técnicos do MOC, construiriam o projeto definitivo a ser apresentado ao Instituto Credicard

Já no processo de planejamento participativo, os jovens selecionados apontaram quatro eixos que eles gostariam de trabalhar (considerando, para isso, os eixos do programa do Instituto Credicard):

Cultura e Revalorização Cultural Cidadania e Políticas Públicas Desenvolvimento Local Sustentável Comunicação Social

O Programa se inicia no MOC, oficialmente, cerca de seis meses depois do contato inicial com o

Instituto Credicard, em janeiro de 2002. Na primeira fase, de quatro meses, a metodologia do Projeto centrou-se na formação dos “jovens comunicadores/as sociais” (todos documentos da organização utilizam o masculino e o feminino quando se referem a grupos constituídos por homens e mulheres).

Na prática, essa formação envolveu algumas pesquisas de campo, desenvolvidas pelos próprios jovens (por exemplo, um levantamento sobre outras iniciativas envolvendo jovens, valores e mundo do trabalho) e uma série de oficinas, algumas mais de integração, outras com conteúdos específicos, como rádio e jornalismo. Esse processo todo é resumido na expressão freiriana de “ação-reflexão-ação continuadas” [leia item pedagogia/metodologia].

A fase seguinte, a partir de maio de 2002, consistiu em pôr em prática os planos de ação locais construídos pelos jovens, na fase inicial do programa. Antes, todavia, nova rodada de interlocução com as organizações parceiras do projeto foi realizada, para apresentar e enriquecer as ações propostas pelos jovens.

Ou seja, embora o projeto desde o início tenha o conceito de co-gestão, o MOC teve um papel mais central no início e aos poucos os jovens foram desenvolvendo mais autonomia – embora esta seja sempre relativa, já que é compartilhada com todos os parceiros. A pedido dos jovens vem se buscando incorporar as suas famílias nesse processo, embora esta ação ainda não seja sistemática.

Como costuma acontecer em projetos que envolvem educação, comunicação e participação, o projeto teve muitos outros frutos, além dos planejados: coberturas de eventos, visitas a outros programas e participação em encontros, programas de rádio, publicações, entre outros.

Mas talvez o mais interessante foi que esse projeto juvenil, com foco em comunicação, acabou se transversalizando no MOC, relacionando-se hoje com a maior parte das atividades da organização. Atualmente, os jovens comunicadores e as jovens comunicadoras não só têm participação importante na concepção e planejamento da comunicação

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institucional da organização, como “prestam serviço” nessa área a vários dos programas desenvolvidos e a parceiros associados.

O periódico da organização focado na erradicação do trabalho infantil, o Jornal Giramundo, mantido em parceria com o UNICEF, foi reestruturado e é hoje co-produzido por eles, numa associação com a Cipó – que vem tendo um papel importante no programa na introdução e construção coletiva de metodologias de educação pela comunicação.

O avanço mais notável em 2003 foi a proposta e a realização da construção de Planos de Ação Municipal, em que os jovens traçam ações e metas para cada um dos dez municípios envolvidos no projeto.

GESTÃOO Projeto Comunicação Juvenil tem uma Comissão Gestora, que é formada por um representante de cada município envolvido (em geral de um sindicato ou outro tipo de organização), um gestor financeiro e coordenadores jovens, todos escolhidos a partir de critérios definidos por eles. É uma estrutura dita de co-gestão, que tem por objetivo planejar, monitorar e avaliar as ações do programa – além de promover a aprendizagem desse tipo de ação. Esse modelo de gestão compartilhada tende também a gerar outros espaços de participação juvenil nas estruturas da organização como um todo.

Ao citar a questão da gestão do Projeto Comunicação Juvenil, em um documento inicial de sistematização, o coordenador Técnico Pedagógico da organização, Clodoaldo Almeida da Paixão, cita a necessidade de ter “paciência pedagógica” para lidar com os jovens. Na verdade, o que se percebe é que o MOC e seus dirigentes têm profunda “paciência pedagógica” em relação a todos os atores locais e sua participação na gestão da organização e seus projetos.

Esse tipo de proposta e de prática participativa contrasta intensamente com a cultura local, do Estado e da Região, bastante paternalista, em que a política coronelista e clientelista ainda é

muito presente. É, inclusive, decisão estratégica da organização não se envolver na política partidária da região e do país.

O secretário executivo do MOC, Naidson Batista, ressalta como foi importante essa desvinculação da organização de qualquer proposta político-partidária no contexto do governo Lula. Várias das políticas iniciais do governo petista desagradaram movimentos sociais do semi-árido baiano. E a organização, discordando junto com os movimentos sociais, de algumas medidas do governo, tem se posicionado criticamente e inclusive se organizado para modificar certas políticas do governo federal.

SUSTENTABILIDADE O Instituto Credicard, que é uma associação de três grandes empresas (Orbitall, Redecard e Credicard), foi desde o início o principal parceiro do Projeto Comunicação Juvenil. O seu financiamento associado à parceria com o UNICEF em iniciativas relacionadas ao programa deram uma boa sustentabilidade inicial para o projeto, pois garantem recursos por mais de um ano – o que é raro no chamado Terceiro Setor.

Destaca-se também o fato de que, neste caso, não foi o MOC que tinha um programa, ou demanda, e procurou financiamento, mas, ao contrário, uma organização do Terceiro Setor o procurou, propondo uma aliança para desenvolver ações em uma determinada área.

O modelo de gestão e de construção de projetos no MOC, acentuadamente participativo, enraíza as ações na comunidade e em suas organizações. Além disso, o MOC tem a determinação de criar referências a partir de seus projetos, que possam ser sistematizadas e disseminadas. A organização já tem larga experiência em sistematização e disseminação de práticas, cobrindo de caprinocultura a currículos para escolas rurais. Algumas dessas metodologias sistematizadas já estão publicadas até em outras línguas, como o espanhol e inglês, no caso da erradicação do trabalho infantil.

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Além disso, o projeto foi construído em parceria com os jovens na perspectiva de não criar dependência destes em relação ao MOC. Ao contrário, ao se capacitarem como agentes de comunicação e de desenvolvimento local, numa região rural constituída por pequenas comunidades, as 30 lideranças juvenis participantes (três por município) já estão criando para si novos papéis sociais em seus municípios e tendem a ter muito mais facilidade de gerar renda do que outros que não tenham participado de um processo desse tipo.

Os jovens comunicadores incluíram em 2003 a criação de um Fundo Juventude. A idéia é concentrar neste fundo os mecanismos e estratégias de captação, gerenciamento e utilização de recursos. Pedagogicamente, essa estratégia visa dar condições práticas para que os jovens desenvolvam competências de empreendedorismo e protagonismo.

Os jovens do Projeto recebem bolsas na fase em que estão sendo capacitados e discutindo com o MOC a execução de seus Planos de Ação Municipal. Mas mesmo que os recursos cessem imediatamente, a região sisaleira do semi-árido da Bahia, com seus 1,2 milhão de habitantes, já tem hoje em 10 de seus 35 pequenos municípios, núcleos bem formados de jovens para desenvolverem produtos de comunicação que promovam desenvolvimento e participação comunitária. Jovens estes que, desde o início, são articulados aos movimentos sociais da região.

“Isso aqui não é só um projeto”, diz uma jovem de Retirolândia, um dos municípios cobertos. “Já tem um trabalho que acontece independentemente do projeto” , afirma, para realçar o enraizamento e a disseminação das idéias e ações de comunicação juvenil naquelas comunidades.

PARCERIA COM A ESCOLAA escola não é o foco prioritário do Projeto Comunicação Juvenil. A própria metodologia de formação dos jovens, centrada na trilogia ação-reflexão-ação, é mais adequada a situações não-

formais de educação do que à escola regular (da maneira como ela está organizada hoje).

Apesar disso, a forte inserção do MOC nos processos educativos da região e a atual transversalidade do projeto de jovens em relação a outros projetos da organização criam uma interface interessante com o mundo escolar.

Os três jovens capacitados da cidade de Valente, por exemplo, decidiram em seu plano de ação, entre outras coisas, criar um fanzine para a escola em que estudaram. Conseguiram o apoio do diretor e de alguns professores e estão produzindo esse jornal e distribuindo-o aos alunos. Ainda enfrentam dificuldades de recursos para impressão, o que faz com que apenas um em cada cinco estudantes receba a publicação.

Jovens como estes que tentam entrar com suas atividades e produtos de comunicação nas escolas vêm encontrando os mesmos problemas que outros projetos desta pesquisa: dificuldade em envolver os alunos e professores, compartimentalização das disciplinas (o que dificulta a inserção de produtos e propostas interdisciplinares); modelo bancário de educação; ausência de estruturas de representação estudantil e de cultura de “dar voz” às crianças e adolescentes; um acomodamento geral e impermeabilidade a novidades e mudanças.

“A dor de cabeça nossa é que na escola há uma grande resistência dos adultos em relação à participação dos jovens”, diz um dos coordenadores. Participação esta que representaria uma transformação nas práticas cotidianas dentro e fora da sala de aula. “Fazer esta metodologia na escola é difícil. O estudante, quando dá a idéia, não é aceito”, diz um jovem da Central Cyberela de Comunicação [Leia mais em “Resultados e Produtos”, último item desta seção].

Os jovens se ressentem. Alguns, como no caso de Valente, já formulam a necessidade de serem capacitados para encarar o universo escolar. O que se percebe é que esses jovens, por terem apenas o repertório das práticas escolares a que tiveram

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acesso em sua formação básica, têm dificuldade de pensar alternativas à maneira como a escola está atualmente organizada. Ou seja, eles percebem que lhes falta algo, mas, como é uma falta de repertório, eles não sabem exatamente o que está faltando.

Assim, ainda com o exemplo de Valente, os jovens tendem a reproduzir a cultura e o esquema de poder da escola que freqüentaram, mesmo que tenham propostas inovadoras, como a da produção do fanzine. Por exemplo, criam menos momentos de construção coletiva do fanzine do que poderiam, têm dificuldade em ver que seu produto poderia ter uma interface maior com o próprio processo de construção anual do projeto político pedagógico da escola.

Na visita à escola de Valente foi feita uma entrevista com um grupo de estudantes de magistério, que mostrou nitidamente essa dificuldade em enxergar modelos diferentes de construção de conhecimento e de práticas didáticas, uma impotência diante da escola. “Mudar como, se nunca mudou?”, perguntou uma jovem futura professora [leia a crônica “As Normalistas de Valente”, produzida durante a visita].

PEDAGOGIA / METODOLOGIAO MOC busca ser Paulo Freire aplicado. O maior educador brasileiro pode ser encontrado nos princípios, no vocabulário, nas metodologias, no cotidiano dos programas da organização. Há também Piaget, entre outros pensadores e educadores presentes nos fazeres pedagógicos da instituição. Mas a “Pedagogia do Oprimido”, “da Autonomia” ou outro nome que se queira dar ao fazer pedagógico freiriano, é que domina.

A metodologia de formação de professores rurais e monitores utilizada pelo MOC, já sistematizada e publicada, trabalha um trio de conceitos: Conhecer, Analisar e Transformar. Esses termos são auto-explicativos e é possível ver esse tipo de abordagem se aplicar também ao Projeto que envolve jovens.

A própria organização parece, num primeiro momento, buscar “conhecer, analisar e transformar” os jovens e sua relação com os jovens. Num segundo

momento, são os jovens que são estimulados a conhecer, analisar e transformar a si próprios e suas comunidades. Esse trio de conceitos se alinha ao outro, já citado, de ação-reflexão-ação continuada, base do trabalho com os jovens.

Mas, como já foi dito, a organização tem profundidade em seus processos de planejamento e esses conceitos não ocorrem ao acaso, de improviso, mas inseridos em planos que estabelecem objetivos (gerais e específicos), ações e responsáveis, metas e indicadores, apontam desafios e institucionalizam instâncias participativas de monitoramento dessas questões.

A educação pela comunicação se adequa naturalmente a esses princípios conceituais e metodológicos. “O fato de trabalhar com comunicação explodiu o pensar dos jovens, sua leitura do mundo”, diz um coordenador. “A pessoa não se vê só como sujeito pedagógico, mas como sujeito social.” Os jovens de Retirolândia, por exemplo, montaram seu primeiro programa de rádio após apenas um mês de capacitação.

[Anexo projeto comunicação juvenil 2003, em doc]

[Os projetos relacionados ao planejamento e à metodologia do Projeto de Comunicação Juvenil estão em anexo.]

PARTICIPAÇÃOJá foi apresentada nos itens anteriores a centralidade da participação nos programas do MOC. Assim, neste item, abordaremos os desafios que os educadores do MOC e os próprios jovens vêm encontrando nesse campo.

O primeiro é a cultura – não só daquela região – de os adultos decidirem pelos jovens. Mesmo os adultos que trabalham no MOC reconhecem que estão aprendendo a lidar com este público, buscando dar voz, poder de decisão e autonomia relativa.

A estratégia central foi, diante do convite do Instituto Credicard, selecionar jovens (indicados pelas organizações sociais da região) e construir

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com eles o projeto que seria apresentado. Esse projeto previa um segundo momento em que os jovens formulariam os seus próprios projetos de intervenção comunitária. Nas comunidades, o projeto conjunto (jovens e MOC) e os específicos por município (feitos por trios de jovens) também colocam desafios de aprendizagem, de re-significação de papéis sociais e de divisão de poder.

A questão juvenil é um tema recente no meio no meio rural – embora a organização já tenha experiência com grêmios e pastorais envolvendo jovens. Assim, há uma certa resistência em dar a essa população um papel mais central. As lideranças adultas já bem consolidadas na região revelam duas percepções. Por um lado, o empoderamento de jovens líderes para ação social gera condições para a continuidade dos movimentos comunitários da região, mas, por outro, ameaça as relações de poder.

O próprio fato de o projeto envolver a criação, participação e fortalecimento de rádios e outros veículos de comunicação mexe na correlação atual de forças. A maior parte das rádios comunitárias da região, construídas em parceria com o MOC, são de associações e sindicatos de trabalhadores rurais. As lideranças destas organizações ganham bastante projeção e status por dominarem essas rádios. A entrada de jovens provoca uma cisão nesse ecossistema comunicativo (usando o conceito do Núcleo de Comunicação e Educação da USP) e exige um rearranjo de poderes e relações. Isso é evidentemente conflituoso e implica mudanças individuais de todos os envolvidos e mudanças culturais nas organizações daquelas comunidades. Ou seja, são processos de médio e longo prazos.

Este processo está em curso, com resultados já surpreendentes para os educadores do MOC. “Hoje para segurar eles é difícil, porque eles querem tudo” , diz um coordenador, impressionado com a pró-atividade e responsabilidade adquiridos pelos jovens no processo de construção e implementação do projeto.

RELAÇÕESA inserção do MOC na região, a importância reconhecida de seu trabalho de mais de 35 anos, os resultados práticos na vida de muitas das pessoas do local resultam em relações muito construtivas.

O princípio da co-gestão na maior parte dos fazeres da organização, embora implique lidar constantemente com conflitos de interesses e posições, promove nitidamente um sentimento de comunidade e pertencimento.

“Se não fosse a Comissão Gestora, a gente não teria conseguido nem a metade do que consegue”, diz uma dos jovens, sobre a importância do mecanismo de gestão compartilhada do Projeto Comunicação Juvenil.

Isso é favorecido pela abordagem pedagógica freiriana de valorização da cultura e do repertório local. Os programas de rádio realizados pelos jovens, por exemplo, priorizam músicas e informações locais e sua programação contrasta fortemente com a das rádios comerciais que, ameaçadas na luta pela audiência, chamam a polícia. Uma legislação distorcida nessa área obriga muitos dos jovens comunicadores a serem “piratas”. [LINKS PARA PROGRAMAS DE RÁDIO E CDs]

O tamanho atual da organização, com uma equipe de mais de cem funcionários, e o vulto de seus programas, cobrindo mais de 80 mil pessoas, são alguns dos fatores que mais geram desafios de relacionamento e tensões. Mas o clima geral, ao menos para um visitante, é de respeito entre todos os atores envolvidos (que são muitos, de origens diversas) e de trabalho conjunto.

Há uma discussão interessante na organização sobre se os programas devem ser alinhados institucionalmente, isto é, se devem ter planejamento conjunto e se os educadores devem ter mais tempo de trabalho conjunto. Para uns, deveria haver mais trabalho de alinhamento central do conjunto dos programas. Para outros, o alinhamento e a complementaridade dos programas ocorrem na linha de frente, na própria comunidade, e não necessariamente dentro da organização.

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Dentro do Projeto Comunicação Juvenil, o principal desafio de relacionamento em 2003 foi o ingresso de jovens que não haviam participado do projeto desde o início. Ainda não há mecanismos sistematizados de transmissão das aprendizagens e conhecimentos adquiridos ao longo de um ano e meio de planejamento e ação. Assim gerou-se uma certa assimetria de poder e conflitos de expectativas entre veteranos e calouros.

Como cada município tem trios de jovens atuando conjuntamente, a perda de um número significativo de jovens de um ano para o outro, enfraquece significativamente o impacto do programa. Este problema é destacado pelos próprios jovens, que reviram com o MOC o sistema de seleção e de bolsas para superar o desafio. Entre outras coisas, mantém-se ações sistemáticas de mobilização e intercâmbio com outros jovens da região.

É um desafio que atinge com freqüência os projetos que lidam com jovens de baixa renda. Por vezes um emprego que remunera melhor acaba sendo mais interessante para o jovem e é especialmente mais valorizado pela família.

REGISTRO, SISTEMATIZAÇÃO, AVALIAÇÃO E DISSEMINAÇÃOComo já foi dito, o MOC tem bastante experiência nessa área. O Projeto Comunicação Juvenil, no segundo ano, já tem um texto inicial de sistematização, que ainda está em construção e discussão. Deste trabalho, vale destacar, as questões consideradas chave para o sucesso do programa:

Grupo formado a partir da indicação de entidades parceiras, com envolvimento prévio em movimentos sociais)

Grupo selecionado mediante critérios como gênero, faixa etária, ação comunitária e relação com o movimento social

Seções mensais e até quinzenais de encontro, trocas, reuniões e oficinas

Acreditar que é possível criar não apenas “para”, mas “com” os jovens alternativas para

os mesmos Valorizar a ação protagônica e participativa

dos jovens Valorizar a dimensão prática das ações e

avalia-las processualmente Compreender formação como um processo

dinâmico e não como “educação bancária” Enfatizar o processo de elaboração e reflexão

do produto e não tanto seu acabamento técnico, inicialmente

Não ter fórmulas prontas, mas pressupostos, metodologia, estratégias e objetivos claros, bem como princípios inalienáveis

Vale destacar também que a avaliação está presente em diversos estágios e por diversos instrumentos e meios.

Como também já foi dito, o MOC tem muitos produtos sistematizados, a maior parte em formato de livro/manual, em diversas áreas. Os materiais de disseminação já existentes na ONG mereceriam um capítulo a parte. É possível obter esses materiais diretamente na organização, via carta ou e-mail.

No caso da capacitação dos jovens comunicadores, está caminhando para um modelo que pode contribuir significativamente para a disseminação de projetos desse tipo, especialmente em regiões rurais, associados a projetos de melhoria do ensino. Os jovens do Projeto também contribuem para a sistematização, por meio de relatórios municipais, gravações de entrevistas e produção de impressos.

RESULTADOS E PRODUTOSUma das cenas mais belas de projetos que envolvem educação, comunicação e participação é ver uma criança ou um adolescente ao vivo no ar, produzindo seu próprio programa de rádio, decidindo que música vai pôr, escolhendo o momento certo de fazer um comentário ou de inserir uma vinheta, alegrando-se de receber o telefonema de um ouvinte.

O Projeto Comunicação Juvenil já conta com CDs gravados de programas especiais, faz uma espécie de arqueologia da cultura local e está

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disseminando vários programas infanto-juvenis de rádio pelo sertão semiárido baiano, abrindo espaço para este segmento da população que em muitas partes do país não têm oportunidades de expressão e diálogo.

Se o que se destaca no trabalho com rádio da Fundação Casa Grande (que participa desta pesquisa) é a riqueza do repertório musical e estético construído no trabalho pedagógico e transmitido nas ondas do rádio, no MOC chama a atenção a articulação do programa com a comunidade e seus movimentos organizados (sindicatos, associações etc.). Os programas enfatizam a prestação de serviços, que é uma das áreas nobres da comunicação em geral e do jornalismo em específico.

O resultado mais vistoso neste aspecto foi a criação da Central Cyberela, em Retirolândia, uma espécie de agência de notícias da região do sisal, que surgiu de uma parceria entre os jovens formados no projeto, a rádio comunitária Arcos FM e a comunicadora Rose Rios. Ela ganhou num concurso para mulheres no rádio software e hardware para produção de programas de maneira informatizada, e capacitação para lidar com isso. O prêmio foi conquistado no Concurso Cyberela, promovido pelo Cemina (Comunicação, Educação e Informação de Gênero), uma ONG do Rio de Janeiro, que atua na área.

Hoje adultos, crianças e jovens dividem o espaço físico da Arcos/Cyberela e o tempo no ar, numa espécie de simbiose, onde um enriquece o trabalho do outro e, todos juntos, conseguem mais audiência. Várias outras rádios comunitárias também abriram espaços para programas “de jovem para jovem”. Fica tão bom que gera concorrência – e, conseqüentemente, conflito – com as rádios comerciais locais.

A quantidade de publicações resultantes da atuação desses jovens também merece registro, nesta conclusão. Há desde boletins municipais, até periódicos produzidos para entidades ou movimentos parceiros, coberturas de eventos, entre muitos outros

Há ainda passos importantes a serem dados. O MOC, que aos poucos se coloca o desafio de profissionalizar sua comunicação, ainda não tem um site na internet digno de nota. A riqueza dos materiais que são produzidos no local ainda não tem canais mais consistentes de escoamento e disseminação.

Mas o que se percebe é que este projeto está gerando um conjunto de produtos comunicacionais que tende ganhar massa crítica suficiente para realmente transformar o ecossistema comunicativo não só do MOC como de toda a região, dando voz , com qualidade, a parcelas antes completamente excluídas dos meios de comunicação de maior impacto.

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Dados - MOC

Nome MOC – Movimento de Organização Comunitária

Natureza da organização Organização não-governamental

Missão

Contribuir para o desenvolvimento integral, participativo e ecologicamente sustentável da sociedade humana, através de capacitação, assessoria educativa, incentivo e apoio a projetos referenciais, buscando o fortalecimento da cidadania, a melhoria da qualidade de vida e a erradicação da exclusão.

Endereço Rua Pontal, 61 – Cruzeiro – Feira de Santana-Ba – Cep 44017-170

Telefone (75) 2211393/ 2211604

E-Mail [email protected]

Site www.moc.org.br

Responsáveis Naidison de Quintella Baptista

Infra-estrutura

Uma sede em Feira de Santana-BaUma sub-sede em Serrinha-BaUm Centro de Treinamento em Feira de SantanaEquipados com:20 computadores11 Impressoras01 Fax01 Central telefônica com 32 ramais01 xerox04 automóveis

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Principais Programas/Projetos

Programa AgrícolaObjetiva a melhoria da qualidade de vida dos agricultores familiares, possuidores de pouca terra, na região semi-árida da Bahia, através de um processo de planejamento e exploração da propriedade agrícola em base a princípios de convivência com a seca. Para viabilizar este processo, o Programa Agrícola do MOC enfatiza o crédito e a assistência técnica. O Programa Agrícola, hoje, atinge cerca de 1700 famílias.

Programa de Gênero ... é responsável pela criação e assessoria, na região, de um Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais. O programa atua em oito municípios e há aproximadamente 800 mulheres neste processo.

Programa de Educação Rural Este programa atua objetivando a melhoria das condições e da qualidade da educação pública na região. Para isso, age em frentes diferenciadas e intercomplementares:

Capacitação de professores rurais;Formação dos monitores da Jornada Ampliada;Sub-Programa Malas de Leitura.

(trata-se de um reforço ao processo de leitura critica nas escolas e jornadas ampliadas).

Programa de Políticas Públicas Tua no incentivo à participação da população organizada nas políticas públicas, através da interferência no orçamento municipal, da participação nos Conselhos e Comissões Paritárias de Gestão de Políticas e, para isso, criando condições de maior organização, melhor gestão e inter-relacionamento entre as entidades da sociedade civil, assim como debate e sistematização de suas propostas.

Este programa atua com três sub-programas específicos que são:

Sub-programa de Conselhos – os Conselhos são órgãos paritários, formados por representantes da sociedade civil e do poder público, encarregados da formulação e gestão de políticas setoriais nos municípios. O Sub-programa atua na formação e assessoria dos Conselheiros.

Sub-Programa de Fortalecimento da Sociedade Civil – trata-se da formação e fortalecimento das organizações da sociedade civil, para que possam dialogar e interrelacionar-se com o poder público, na elaboração, proposição e execução de políticas públicas de interesse social.

Sub-Programa de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil- monitoramento e incentivo à participação no Peti.

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Números de atendimento 82.677

Equipe/Formação/Capacitação

A equipe do MOC é formada por economistas, pedagogos, professores, sociólogos, educadores, agrônomos, técnicos agrícolas, administradores.

25 nível superior48 nível médio

Equipe de apoio administrativo com 20 (2 nível superior e 18 nível médio).

A equipe freqüenta processos de capacitação variados, de acordo com área de atuação/interesse.

Formas de Contratação Carteira de Trabalho (CLT)

Produtos Vários.

Orçamento R$ 3.188.248,59

Principais Parceiros

ASA, CESE, ASSOCENE, REDECARD SA, MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO, SETRAS, AMENCAR, PFIZER, UNICEF, CAR, INCRA, IICA, DED, PCD, BERLI, OIT/IPEC, UNICEF, CORDAID, PÃO PARA O MUNDO, MISEREOR, CRS, HORIZONT 3000, OMICRON, KINDERMISSIONWERK, MANUS UNIDAS, BANCO MUNDIAL

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Anexo - MOC

Fernando Rossetti (Valente, Bahia, 22 de julho de 2003)

Temendo uma invasão de insetos, que já haviam picado alguns estudantes, a direção do Colégio Estadual Wilson Lins decidiu suspender as aulas, naquela tarde de julho, época de chuvas na região de Feira de Santana.

A cidade é Valente, com cerca de 20 mil habitantes, no sertão semi-árido da Bahia, 230 km a oeste de Salvador.

Uma turma de estudantes do 3o ano do ensino médio normal, o magistério, quatro anos de duração, só mulheres, dos 17 a 21 anos de idade, está se preparando para ir embora.

Peço licença para entrar e conversar com elas, para uma entrevista da pesquisa que estou fazendo para o Unicef. Elas logo topam e sentamos em roda.

A conversa gira inicialmente em torno de um fanzine, produzido por três ex-alunos da escola, participantes do projeto Comunicadores Juvenis desenvolvido pelo MOC (Movimento de Organização Comunitária).

O projeto envolve a capacitação de 30 jovens de 10 cidades (três de cada) em comunicação. Já há dezenas de produtos, cobrindo da produção cultural local, registrada em CD, a jornais, boletins e fanzines. Há também muitas rádios comunitárias, obrigadas a serem piratas por uma legislação que privilegia os grandes meios de comunicação e o capital.

O fanzine do Colégio Wilson Lins tem apoio do diretor, que banca a fotocópia de 240 exemplares. A escola tem 1.200 alunos em três turnos. Uma caixa na biblioteca recolhe sugestões de pauta, que são selecionadas e produzidas pelos três jovens. As edições são mensais, uma folha A4 frente e verso em

AS NORMALISTAS

preto e branco – o Fanlins, que cobre de eventos e interações locais a debates internacionais.

As estudantes conhecem pouco o fanzine, dizem que a tiragem é pequena (1 para 10). Uma delas pede mais participação na produção: “Teria que, pelo menos, ter uma reunião para expor nossas idéias.”

Mas a maioria se mostra pouco disposta a mudar a escola:

A gente já acostumou, é uma rotina sempre. Eu mesmo tenho preguiça. Mudar como, se nunca mudou?

A boa aula, para elas, “é prática”, “interativa”, “uma aula em que possa participar”. Mas são poucos os professores da escola que conseguem isso.

Também são poucas as estudantes que realmente querem ser professoras, mesmo estando em um curso de formação para o magistério. Praticamente nenhuma vê perspectiva de seguir os estudos – e o grupo demonstra desconhecimento da determinação legal de que todos os professores do ensino básico tenham formação superior, até 2007.

Ser professora aparece como uma alternativa remota, pouco prazerosa, para a enorme maioria. “Aqui a gente estuda para ter mais oportunidade.” Há poucas alternativas de trabalho em Valente. “Eu não descarto a possibilidade de ser professora.”

Das 30, umas três demonstram ter realmente interesse e motivação em dar aulas. Uma adolescente diz que ter tido filho ajudou a entender mais sobre educação. “É a chance que tem”, diz outra.

Para elas, o mundo de fora da sala de aula se relaciona pouco com o de dentro. A Guerra do Iraque até que entrou, na aula de geografia. Mas

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“é mais fácil abrir o livro, copiar na lousa e dar exercícios.”

Os Parâmetros Curriculares Nacionais são considerados complicados. A maioria não vê como aplicá-los em aula e tem um repertório pequeno de experiências educativas – em geral baseadas na transmissão, pelo professor, de conteúdos, com metodologia expositiva, pouco interativa.

Pergunto se devemos encerrar a entrevista – há os insetos e mais de 30 minutos já se passaram – mas as normalistas querem mais conversa. Aos poucos, cada vez mais gente participa. A desmotivação é enorme.

Mas um pequeno estímulo, uma breve discussão, é suficiente para fazer os olhos brilharem.

Muitas põem a culpa nos próprios estudantes, que seriam pouco dedicados. Tendo como perspectiva tornarem-se professoras, intuem, com a disposição que têm atualmente, uma ameaça futura.

Pergunto, então, quem foi o educador mais importante do Brasil. Silêncio... Tento dar uma pista: “Ele é um dos intelectuais brasileiros mais conhecidos no exterior.” Silêncio... “Vocês conhecem Paulo Freire?” E uma estudante arrisca: “Já ouvi falar em Paulo Coelho...”

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Multirio HISTÓRIAA Secretaria Municipal de Educação da cidade do Rio de Janeiro (SME) possui uma das maiores redes públicas municipais de ensino da América Latina, com mais de mil escolas, cerca de 40 mil professores e 700 mil alunos de Educação Infantil, Ensino Fundamental, Educação Especial e do Programa de Jovens e Adultos.

A Multirio - Empresa Municipal de Multimeios, da Prefeitura do Rio de Janeiro, foi criada por Lei Municipal em outubro de 1993, na primeira gestão do prefeito César Maia (1993-1996), após uma ampla discussão com a câmara de vereadores da cidade. Surgiu com o desafio de renovar as práticas educativas da rede tendo, como eixo pedagógico, a criação de oportunidades a professores e alunos para conviver e interagir com múltiplas linguagens tecnológicas.

Planejada e implementada pela educadora Regina de Assis, na época secretária de educação do município e hoje presidente da empresa, a Multirio tem em seu DNA um vasto número de experiências nacionais (como o programa “Um Salto para o Futuro”, de formação de professores da TVE) e internacionais (como o Channel 4 britânico).

Inicialmente, o trabalho da Multirio era direcionado principalmente ao uso da televisão como suporte à ação do professor e à sua formação, uma resposta à necessidade de se formar um grande número de

professores “em serviço”, ampliando seu repertório cultural. A empresa teve, neste momento, um papel importante no desenvolvimento do Núcleo Curricular Básico Multieducação, currículo implantado na rede pública municipal a partir de 1993 e que teve a participação efetiva de 75% dos professores da rede. A articulação envolveu as cerca de mil escolas em torno de uma proposta que contemplava as especificidades da cidade do Rio de Janeiro.

A equipe da Multirio, composta por profissionais de educação e comunicação, teve a participação de pessoas que “fizeram história” na mídia brasileira, entre elas Walter Clark, ex-diretor da Rede Globo. Para obter um enfoque jornalístico nos conteúdos da comunicação, a Multirio mantém uma equipe de jornalistas experientes com vasto currículo em veículos como Canal Futura, TVE, Rede Globo, e em jornais como “O Dia” e “Jornal do Brasil”.

A partir de 2001, com a volta de César Maia ao poder municipal, a Multirio passou a contar com um orçamento anual superior a R$ 20 milhões, que permitiu vôos ainda mais altos. Após o advento da internet e da TV a cabo, com a multiplicação dos veículos de mídia e o conseqüente aumento do volume de informação produzida, a Multirio passou a trabalhar pela inserção dos meios de comunicação nos processos educativos que ocorrem na escola. Para tanto, iniciou o trabalho com outras

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linguagens, construindo uma rede de transmissão de conteúdos educativos que engloba hoje programas de TV, websites, CD-ROM e publicações voltados para a educação.

Atualmente a maior parte dos investimentos da Multirio é voltada à produção e disseminação de conteúdos. Mas uma outra parcela de recursos financeiros e humanos da empresa também se dirige ao estabelecimento de processos interativos dentro da rede de ensino. Entre estes projetos, que podem ser considerados de envolvimento direto aos alunos da rede, destacam-se o Abrindo o Verbo, o Juro que Vi e o Carta Animada pela Paz .

O Abrindo o Verbo é um programa de debates em que alunos expressam sua opinião em relação ao papel da mídia e a temas relacionados ao mundo dos jovens. Um apresentador (também professor da rede) media o debate, que conta ainda com a interlocução de uma psicanalista fazendo comentários sobre as discussões. A participação dos adolescentes no programa, que entra na programação televisiva da Multirio, tem o objetivo de contribuir para seu desenvolvimento intelectual e afetivo.

No projeto Juro que Vi, desenhos animados retratam lendas brasileiras como o Curupira e a Iara. O roteiro de cada animação é construído em conjunto com crianças, em dinâmicas que usam a técnica de focus groups, detalhada mais à frente neste Relatório. O projeto Carta Animada pela Paz, desdobramento do Juro que Vi e que nasceu por iniciativa da equipe de animadores, organiza oficinas em escolas localizadas em áreas de baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que sofrem com a alto grau de fracasso escolar. São selecionadas crianças que apresentam os maiores problemas escolares, com idades de aproximadamente onze anos. Nas oficinas, o grupo aprende a criar suas próprias animações, cujo enfoque é a paz e o respeito à infância e à juventude. Um dos “roteiros” feitos pelas crianças é selecionado pelo grupo de educadores e crianças para se transformar em desenho animado.

O trabalho da Multirio é estruturado atualmente em três núcleos de produção (além de projetos especiais) que atuam de forma articulada. Os núcleos e seus principais programas e projetos são:

1) Núcleo de Televisão: “Nós da Escola”, “Rio: a Cidade!”,”Abrindo o Verbo”, “CriAtividade e “Encontros Essenciais”. A programação de TV é veiculada na NET, com quatro horas diárias (das 7h30 às 11h30), e na TV Bandeirantes, com duas horas diárias (das 7h às 8h e das 14h às 15h). Como estão presentes na TV aberta, os conteúdos não se limitam à rede de ensino, sendo assistidos por diversas parcelas da sociedade.

2) Núcleo de Publicações: Revista “Nós da Escola”, Encartes “Giramundo” e Guias de Infância e Juventude.

3) Núcleo de Informática: portal Multirio (http://www.multirio.rj.gov.br) e suporte ao Projeto Século XX1 (website e Cd Rom Século XX1).

Projetos Especiais: “Juro que Vi”, “Carta Animada pela Paz”, e “Século XX1”. Este último tem a preocupação de qualificar educadores da rede para lidar a cultura juvenil e com preocupações e temas de importância para os jovens. Lançado em setembro de 2002, este projeto conta com um conjunto de materiais formado por website, (www.multirio.rj.gov.br/seculo21), CDROM, publicações e vídeo voltados para professores que trabalham com adolescentes.

Além do trabalho com esses núcleos, a Multirio lidera a organização da 4a. Cúpula de Mídia para Crianças e Adolescentes - 2004, com uma equipe escalada especialmente para o evento. Todo o material de comunicação – websites, vinhetas etc. – está sendo feito pela empresa, que também já vem realizando, desde 2003, encontros com parceiros e construção conjunta da programação do evento.

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A Multirio trabalha a chamada convergência de mídias, procurando explorar o potencial das diferentes linguagens. Mais do que colocar produtos didático-pedagógicos em diferentes formatos, essa idéia consiste em desenvolver um novo modelo de produção que favoreça o diálogo entre os diferentes suportes. Para os produtos agrupados sob o guarda-chuva Nós da Escola, por exemplo, adota-se, um tema do mês, como “Avaliação”. Enquanto a TV mostra como ocorrem os processos de avaliação na escola com entrevistas, imagens e dramatização, o website Nós da Escola abre espaço para um debate com professores e, na revista de tiragem mensal, especialistas aprofundam conceitos ligados ao tema. A versão eletrônica do Nós da Escola procura divulgar uma agenda de eventos da rede, bem como experiências bem sucedidas que vão de projetos da Secretaria Municipal de Educação a ações de iniciativa de professores e alunos.

Talvez por contar, com uma equipe multidisciplinar, composta por jornalistas e educomunicadores1, a Multirio consiga ir além das competências comuns aos órgãos públicos, criando um espaço de troca de opiniões na rede, de diálogo com os professores.

Um importante diferencial da Multirio em relação às estruturas de grande parte das redes de ensino parece estar no fato de que, ao trabalhar a convergência de mídias com uma equipe de profissionais oriundos dos meios de comunicação, a empresa obtém maior agilidade para captar e fazer circular temas da atualidade com um enfoque jornalístico. A equipe, com experiência nos meios de comunicação, está “antenada” e sensível a esses temas. A existência de uma área de pesquisa (que organiza dinâmicas de grupo com alunos e professores) e outra de integração com as escolas, a Assessoria de Integração, amplia este potencial.

A gente escolhe alguns temas com um recorte um pouco mais específico. Por exemplo, no tema música, a gente começa com uma música que no Rio de Janeiro ainda é muito importante, como o rap e o funk. Agora estamos

trabalhando um tema chamado “sexo e mídia” e vamos preparar um próximo tema chamado “identidade”. Em cada um desses temas, a gente articula o ponto de vista dos adolescentes com as grandes questões do século 21 como globalização, revolução tecnológica, as novas mídias, desigualdade social. A gente tenta fazer esta articulação com vistas a uma apropriação pedagógica, por exemplo, que projetos de aprendizagem você pode desenvolver a partir dests cruzamentos? (Coordenador do projeto Século XX1)

O perfil dos profissionais que atuam na Multirio, com formação na área de comunicação, cria condições para a implementação de projetos de envolvimento direto como o Carta Animada pela Paz e o Abrindo o Verbo, que dão voz à base do sistema de ensino e transformam os ecossistemas comunicativos – ainda que em números reduzidos em relação ao tamanho da rede.

Considerando o foco desta pesquisa, de analisar projetos de Educação, Comunicação & Participação, talvez a maior aprendizagem com o trabalho da Multirio – que, como dissemos, atua dentro do campo de ação da SME – seja observar como os sistemas de ensino podem se transformar para abrigar projetos de Educação, Comunicação & Participação. Se temos uma empresa que possui condições favoráveis para implementar tais projetos, pois está ligada organicamente às lideranças da Secretaria de Educação e que possui orçamento de vulto, que dificuldades e êxitos vem colhendo para atingir seus objetivos? A Multirio pode, assim, dar pistas sobre como as próprias redes de ensino devem se estruturar, especialmente em termos do perfil dos profissionais, se quiserem ter impacto junto ao público da educação e mudar as relações de poder na rede, tornando seus processos mais participativos.

GESTÃOOrganização ligada à rede pública de educação – o próprio orçamento da Multirio é previsto por

1Termo cunhado por Jesús Martin Barbeiro, assim explicitado pelo Prof. Ismar de Oliveira Soares: “Ainda que ela beba elementos de cada uma, ela tem outras origens que não só a comunicação e a educação. Ela tem origem na antropologia, na sociologia e na psicologia, por exemplo, e nas ciências sociais em geral. E aí nós descobrimos a existência do educomunicador [...]. Nós não inventamos isso, verificamos que existia o perfil de um profissional com um pé na comunicação, um pé na educação e uma mão na sociologia...”

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lei dentro dos gastos de educação – a atuação da Multirio está inevitavelmente atrelada à vontade política do poder executivo municipal. Para atenuar possíveis problemas de descontinuidade, comuns a organizações sensíveis a mudanças com a alternância de partidos no poder, a Multirio instituiu que a diretoria pedagógica seria assumida sempre por um profissional de carreira na rede de ensino. Esta decisão tem, como objetivo, ampliar a permanência dos diretores favorecendo a continuidade das ações. Além disso, ter um líder com experiência na rede gera maior familiaridade da direção com questões relevantes do sistema público de educação.

Em relação às formas de contratação, a Multirio passará a adotar as regras vigentes na rede pública e seus empregados serão contratados pela Lei do Funcionalismo Público.

Para os coordenadores de projeto da Multirio, a descentralização pela qual passou a rede de ensino no Rio de Janeiro [Ler item “Centralização/Descentralização” na introdução deste relatório] ajudou os profissionais da Multirio a dar conta da diversidade sócio-cultural entre alunos e professores da rede. A divisão em coordenadorias regionais facilita a obtenção de informações sobre as escolas, bem como a distribuição de produtos de comunicação, facilitando o trabalho da empresa.

SUSTENTABILIDADE Como dissemos no item anterior, o maior desafio que a Multirio enfrenta em termos de sustentabilidade é contar com a vontade política do poder executivo municipal na prioridade orçamentária necessária à manutenção de seus projetos e programas, para os quais conta com uma equipe de mais de cem pessoas. O bom relacionamento da principal liderança da Multirio com o prefeito César Maia proporcionou tanto a oportunidade de criação da organização como, em 2003, a obtenção do maior orçamento de sua história. Mas a alternância no poder municipal tende a ameaçar a estabilidade orçamentária da organização.

A Lei não permite à Multirio realizar lucro, o que poderia ser reinvestido na organização. A empresa recebe inúmeros pedidos por materiais pedagógicos, que são distribuídos gratuitamente ou a preço de custo.

PARCERIA COM A ESCOLAAo contrário de outras experiências contempladas

neste Relatório, a Multirio é vinculada diretamente ao Poder Público e, por esta razão, sua interlocução com as escolas é, desde o princípio, facilitada.

Outro aspecto que facilita a interlocução com as escolas é o fato de que grande parte do trabalho da Multirio se concentra na produção e disseminação de conteúdo, o que diminui sua interferência na própria cultura escolar (ou no ecossistema comunicativo, como diz o NCE/ECA/USP).

Mas, nos casos em que há tensões dentro da escola, especialmente na relação professor-aluno, originadas pela presença dos meios de comunicação, a Assessoria de Integração procura trabalhar esses problemas e levar as questões à Multirio e à SME, na busca de soluções. Essa Assessoria, que é o principal órgão de interlocução da Multirio com a rede, também procura garantir que a escola utilize os produtos da empresa de maneira interessante e eficaz.

Carta animada pela paz é o projeto de maior interação direta com a escola. A equipe de animadores da Multirio organiza oficinas em encontros que duram cerca de dois meses e contam com a coordenadora e de alguns membros da equipe de animadores. Há sempre um professor da escola que acompanha as oficinas e assume a responsabilidade de transmitir a experiência aos demais professores. Primeiramente, se ensina às crianças como fazer uma animação a partir de brincadeiras simples como criar a sensação de movimento com apenas dois desenhos. O próximo passo é estimular as crianças a pensarem sobre temas e roteiros para a animação. Por último, o grupo formado por crianças e educadores escolhe um dos temas, cujo roteiro será transformado em um desenho animado. O tema da

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violência –- de balas perdidas a violência doméstica –, bem como o consumo de álcool já fizeram parte da primeira animação.

Como as oficinas ocorrem em zonas violentas da cidade, por vezes, chega a ocorrer disputas entre grupos rivais do crime organizado em que se “ordena” o fechamento da escola. Nesses dias a direção da escola vê-se obrigada a cancelar as atividades do projeto.

A Multirio atua atualização em serviço e qualificação de professores por meio de materiais que estabelecem diálogo com professor, procurando elevar seu status e dar subsídio ao seu trabalho.

“A revista [Nós da Escola] nos insere em tudo o que está acontecendo. Ela é, portanto, um instrumento fundamental de leitura e enriquecimento para o professor. Muitos dos aspectos das nossas ações pedagógicas foram explicitados nos artigos. Para este ano, acho que ela poderia retratar o problema da violência em nossas escolas, a questão das drogas e como nós professores podemos trabalhar os limites de nossos alunos” (Professora da Escola Municipal Luiz César Sayão Garcez, Olaria, Rio de Janeiro)

Uma importante ação que vem sendo implementada pela Assessoria de Integração – formada por profissionais que já trabalharam na rede de ensino – são os cursos voltados a professores das Salas de Leitura (misto de biblioteca, laboratório de informática e sala de vídeo). Este professor não possui uma turma nem é responsável por uma disciplina específica. Sua função é monitorar a Sala de Leitura e realizar projetos com os alunos. São, freqüentemente, convidados a participar de oficinas oferecidas pela Multirio, cujas aprendizagens giram em torno da produção de textos jornalísticos, vídeo, rádio, navegação na internet/criação de websites e elaboração de projetos.

Os Encartes Giramundo são enviados aos educadores junto com a revista Nós da Escola. Criados para serem colecionados pelos professores,

propõem sempre atividades práticas a partir de uma pauta específica. Exemplos de pautas recentes do Giramundo: Educação para o consumo, Psicomotricidade e Escola promotora de saúde. Um dos aspectos interessantes de se trabalhar com professores das Salas de Leitura reside em uma certa liberdade que eles possuem para definir conteúdos e atividades, como observamos neste trecho de entrevista feita pela equipe da Multirio com uma professora que participa do projeto Juro que Vi:

Multirio: A sala de leituras vira um espaço onde eles podem desaguar um monte de coisas...

Professora: É onde eles têm oportunidade de falar. Hoje mesmo eu fiz uma atividade com uma turma sobre o medo. Então eu deixei eles conversarem sobre os medos que eles têm, depois pedia para cada um me contar. Eles contam muitas coisas. Contam até da família que eles têm medo, da violência que eles vivem no dia-a-dia.

PEDAGOGIA / METODOLOGIAEmbora o público-alvo prioritário das ações da Multirio seja o educador, vamos aqui mostrar também as ações voltadas aos alunos. Considerando a grande exposição das crianças e adolescentes à mídias como TV e rádio, a Multirio dirige seus esforços para o que chama de alfabetização para mídia, que começa por expor as crianças e adolescentes a programas de qualidade.

“Mídia de todos e mídia para todos” é o slogan da 4a. Cúpula de Mídia para Crianças e Adolescentes. Mas quando se pensa em mídia de todos, percebe-se que a TV é, ainda hoje, uma linguagem de massa produzida por poucos. Neste sentido, a Multirio vem explorando o uso das câmeras digitais pelos professores para empoderar a base escolar e permitir a produção de comunicação na escola.

Outro exemplo de ação que procura alfabetizar para a mídia é o programa Abrindo o Verbo, construído, desde o roteiro, a partir do “papo”

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com o jovem. Trata-se de um programa no estilo “auditório” em que um mediador propõe temas e o público presente pode participar. É gravado no espaço da escola, o que aumenta a espontaneidade dos adolescentes. A equipe do programa decidiu substituir as típicas “baterias de perguntas” sobre o tema pela criação de situações ilustrativas a partir das quais se induz o debate. Esta medida tem se mostrado muito importante para assegurar que os adolescentes expressem suas próprias opiniões e valores, e não apenas reproduzam o discurso de outros adultos. Conforme o documento de apresentação do projeto:

O desafio é construir um programa que evite o

clichê, a mesmice, o sensacionalismo, a exposição desnecessária de questões íntimas – tendência atual nos programas de TV –, mas que valorize a espontaneidade, a criatividade e a sinceridade das convicções apresentadas pelos participantes... O objetivo do programa, desde o começo, é fazer com que o jovem perceba que tem coisas importantes a dizer, e que essas coisas sejam ouvidas não só por outros jovens, como também por pais, professores e profissionais que trabalham com os adolescentes. (p. 2)

A gravação do programa ocorre nas escolas. A metodologia é desenhada para, de um lado, estimular a participação e a autonomia dos adolescentes e, de outro, chegar a um produto final consistente e interessante aos receptores das mensagens. Para isso, são feitas duas gravações diferentes, uma apenas com os alunos e outra, dias depois, com o mediador. No momento da edição as duas gravações são utilizadas, fazendo com que a maior parte do programa guarde a espontaneidade de expressão e a autonomia dos participantes.

Para a equipe do Abrindo o Verbo, três desafios principais marcam a produção de um programa para adolescentes:

1) transmitir valores que contribuam para a formação afetiva, intelectual, cultural, política e social do adolescente;

2) seduzir o adolescente;

3) tocar questões verdadeiramente relevantes para o adolescente.

Para aprofundar as discussões e fazer com que o programa efetivamente responda a esses desafios, se organizam grupos focais de pesquisa [anexo a este relatório, um exemplo de roteiro para um focus group, bem como alguns textos de referência sobre esta ferramenta de pesquisa qualitativa]. Sete grupos foram realizados ao longo de um ano, cada qual formado por seis a dez alunos da rede. Os encontros duraram cerca de uma hora e meia, durante a qual se desencadeia uma discussão sobre temas que interessam particularmente aos adolescentes. Os adolescentes também assistem às edições do programa e fazem críticas.

Assim, embora a participação dos adolescentes - e mesmo dos educadores - não ocorra na instância das decisões sobre os produtos, a Multirio criou diversos dispositivos que permitem uma interação com esses atores para que suas idéias cheguem aos produtos de comunicação. E a participação efetiva do adolescente tem impacto na visão dos professores, que assistem o programa, sobre seus alunos:

“Cada CRE [Centro Regional de Educação] reúne todo o pessoal das suas escolas pra assistir e debater os programas e esta resposta vem com muita força: ‘Mas são os nossos alunos!’. ... De repente a pessoa descobre que são eles mesmos, de verdade, não é uma farsa, e que eles são legais, espertos e inteligentes, estão ali falando na televisão. Parece que todo mundo re-descobre o que já sabia.” (Diretor do Abrindo o Verbo)

No projeto Juro que Vi, a metodologia participativa é usada para construção das histórias

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com as crianças, de maneira bastante diferente da prática de transmissão, muito comum nas salas de aula. Essas metodologias contribuem para a sociabilidade das crianças.

No princípio, só ele queria falar, não queria dar vez aos outros. Depois ele foi amadurecendo. Agora, a gente já nota um comportamento muito diferente. Parece que a auto-estima dele está um pouco mais valorizada. Ele está produzindo e participando melhor... Eu acredito que o projeto tenha sido um dos elementos que ajudaram nessa integração dele. (Professora de Escola Municipal)

Há dois aspectos que chamam atenção no conteúdo das lendas que se transformam em animações, como a do Curupira. Em primeiro lugar, são temas que fazem parte das raízes da cultura brasileira e que, com freqüência, são deixados de lado pela mídia de massa.

Este projeto [ Juro que Vi] é totalmente diferente dos outros que a gente faz aqui [na escola]. As crianças tiveram a oportunidade de criar o personagem e a estória, na interação que foi feita. Eu achei muito interessante porque descobri que, infelizmente, os alunos não conhecem muito sobre a nossa cultura. E eles ficaram muito interessados em saber sobre a estória do Curupira, depois da Iara e do Boto... (Professora responsável pela sala de leitura de uma escola municipal).

Além disso, a lenda também lida com a violência (o caçador, os perigos da floresta), sendo um canal interessante para expressão, pelas crianças, da violência na qual estão imersas em seu dia-a-dia.

Como um resultado indireto do trabalho, pode-se afirmar que o fato dos profissionais de animação da equipe desempenharem o papel de educadores e interagirem com as crianças contribui para a qualificar o produto final de seu trabalho.

No projeto Carta Animada pela Paz que, como dissemos, é implementado pela mesma equipe do Juro que Vi, primeiramente as crianças criam as histórias e produzem os textos. Depois, concebem a animação. Os alunos constatam que a animação requer trabalho e empenho, pois são necessários, em média, 30 desenhos ou quadros, para retratar uma única cena. Mas descobrem também que não precisam ser excelentes desenhistas nem dispor de equipamentos sofisticados para dominar a técnica da animação. Um bom trabalho pode ser realizado com poucos - e baratos – recursos (vide Anexo 4). Na Multirio, os desenhos são escaneados e, na tela do computador, ganham movimento por meio de um software chamado flash.

Embora no campo da produção e disseminação de conteúdo a Multirio tenha alcance um público numeroso com o portal e com programas transmitidos pela televisão, os números de envolvimento direto são relativamente reduzidos, já que conta-se com uma equipe que tem diversas atribuições (produzir as animações, por exemplo) além da realização das oficinas nas escolas. Durante o primeiro ano do Carta Animada pela Paz, cerca de 100 crianças participaram das oficinas.

O Projeto Século XX1 procura ampliar a compreensão dos professores sobre questões importantes no mundo adolescente, elegendo os seguintes temas para reflexão: “Funk e Rap”, “Violência Urbana e Juventude”, “Sexo e Mídia”, “Guerra” e “Água”. A aproximação destes temas se dá com a navegação pela palavra “chave”, que significa, no contexto do projeto:

Conceito: interpretação e análise dos diversos pensadores para os temas.

Hoje: fatos como se apresentam na atualidade.Atividade: sugestões para o educador de

atividades a serem desenvolvidas na escola ou na comunidade.

Vitrine: sugestões de vídeos, livros, sites, filmes etc., que possam apoiar as atividades e o debate e permitam aprofundar os temas.

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Experiência: relatos que mostram como os temas já foram utilizados com sucesso em situações pedagógicas.

Todos os professores da rede receberam um rico material impresso com textos produzidos sobre os temas e cada escola recebeu dois kits (caixa com livros e vídeo). Isso porque nem todas as escolas possuem computadores com internet instalada e optar por contar apenas com suporte de internet excluiria um público significativo da rede.

Procura-se apresentar um tratamento sofisticado e consistente sobre temas delicados, por vezes tabu, mas que o educador que lida com adolescente precisar dominar, como sexo e drogas. Assim como outros projetos da Multirio, o Século XX1 trabalha a desmistificação e a análise crítica do conteúdo dos meios de comunicação. Também aproxima os temas de questões ligadas ao Rio de Janeiro, para que os conteúdos tenham sentido para o público ao qual se dirigem.

“Cada um desses temas, a gente articula o ponto de vista dos adolescentes com as grandes questões do século 21, como globalização, revolução tecnológica, as novas mídias, a desigualdade social, as migrações ... a gente tenta manter esta articulação com vistas a uma apropriação pedagógica. Por exemplo, que projetos de aprendizagem você pode desenvolver a partir destes cruzamentos? Que materiais educativos você pode ter a disposição para o desenvolvimento dos seus projetos?” (Coordenador do projeto Século XX1)

Em meio ao mar de informações em que o professor – especialmente aquele das séries finais do ensino fundamental– tem que navegar e de uma realidade em constante mutação, o Século XX1 reúne referências e articula dados e conhecimentos da mídia e de pesquisas acadêmicas que possibilitam a ampliação de repertório por meio do cinema, músicas, artes plásticas e literatura.

Ao observar os materiais do projeto, percebemos que há uma tentativa de aproximar o mundo dos professores das linguagens e das culturas juvenis. A publicação sobre “Funk” inicia dando a palavra aos funkeiros e mostrando letras de músicas. A abordagem procura conectar disciplinas e áreas do conhecimento. No tema “Funk e Rap”, por exemplo, há ganchos para a questão do desemprego juvenil e seu impacto sobre o crime organizado e para os aspectos econômicos da indústria do funk. Os conteúdos apresentam-se com uma vasta gama de desdobramentos e temas correlatos, sempre associados a aspectos que permeiam a realidade de professores e adolescentes. A abordagem é bastante instigante, com um enfoque jornalístico. Procura-se criar materiais que sejam de grande interesse tanto para os professores como para os alunos, embora ainda não existam pesquisas sobre este impacto (o projeto é relativamente recente). O material, que contém informações, dados estatísticos e sites de referência, também propõe a revisão, pelos educadores, de conceitos, valores e opiniões:

Discutir as relações entre violência urbana e juventude requer cuidado. Há o risco de se tirar do problema toda a sua complexidade. Já se tornou comum concentrar as causas da violência na desigualdade social, no tráfico de drogas, na desestruturação da família, na mídia... mas nenhuma desses fatores isoladamente pode explicar o quadro com que nos deparamos hoje. Temos uma espécie de caricatura da violência, que se expressa em imagens específicas, como a de traficantes em confrontos armados, mortes, assaltos, roubos. Pouco se fala, no entanto, nos pequenos atos violentos cometidos no cotidiano. Discriminação, preconceito, intolerância fazem parte do nosso dia-a-dia sem, muitas vezes, nos darmos conta, e podem alimentar, com a mesma força dos atos brutais e truculentos, a cultura da violência. (extraído da publicação que faz parte do kit multimídia do Projeto Século XX1).

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Um dos esforços do projeto é a qualificação dos professores para realizarem projetos com seus alunos, tendo sido criado, no site do projeto, um espaço aberto para que professores enviem seus projetos.

Por último, a ampliação do repertório dos educadores e da rede como um todo passa pela aquisição de programas internacionais a serem exibidos pela Multirio. Há, na empresa, uma Assessoria de Aquisição que pesquisa programas, realiza aquisições e avalia, junto aos educadores, a eficácia e o interesse por eles.

Entre os exemplos de programa estrangeiros bem avaliados pelo público está o programa “Quando o Mundo Falava Árabe”. A Multirio transmitiu este programa em um momento histórico em que se debatia intensamente a cultura árabe, após os ataques de 11 de setembro, na época da ofensiva dos EUA ao Afeganistão. Com o mundo árabe sob os holofotes, a empresa acreditava ser necessário estimular discussões mais aprofundadas sobre o tema.

PARTICIPAÇÃOComo foi dito antes, o foco da Multirio é disseminar produtos de mídia de qualidade, mais do que produzir produtos de comunicação nas próprias escolas. Assim, a questão da participação não se coloca entre as prioridades nem entre os conceitos que fundamentam a prática dos projetos.

Há, todavia, ações que recorrem a estudantes e professores. Alguns exemplos deste esforço são a elaboração do roteiro do programa Juro que Vi, para o qual são organizados focus groups com crianças de 6 a 11 anos acompanhadas do professor. Outro dispositivo que amplia os fluxos de comunicação na rede é a presença da ouvidoria responsável por receber e transmitir, às diversas áreas da Multirio, as opiniões e sugestões da rede de ensino. Mas o estabelecimento de dinâmicas participativas de maneira orgânica na rede de ensino continua a ser um conceito ainda distante.

Um desdobramento do programa Abrindo o Verbo é a abertura para adolescentes que participaram do programa realizarem reportagens sobre temas de sua escolha. A pauta para esses programas é definida da seguinte forma: cria-se um conselho editorial adolescente que assiste os principais jornais de determinado período e debate quais os assuntos que ficaram faltando na cobertura da mídia. Estes assuntos tornam-se a pauta para realização do programa. Grupos de alunos também replicam o projeto na escola, mesmo sem o uso das câmeras de vídeo:

“Alguns desses núcleos de adolescentes que participaram do programa começaram a fazer ‘Abrindo Verbos’ entre eles. Não gravados, mas com a mesma dinâmica.” (Diretor do Abrindo o Verbo)

O desafio para este programa é valorizar a espontaneidade do jovem. É importante chegar à escola com uma equipe técnica reduzida (não chamar tanta atenção) e usar o equipamento de maneira “passiva”, tentando retirar a agressividade da câmera para que jovem não fique acuado ou não “vista uma máscara”.

RELAÇÕESA integração com a Universidade é um aspecto marcante da estrutura da Multirio. Muitos dos cargos de direção são ocupados por pesquisadores acadêmicos, o que proporciona a união entre o conhecimento sistemático em pesquisa e a riqueza da experiência dos professores da rede pública.

Regina de Assis, presidente da Multirio, mantém-se em contato com o público –

professores e alunos da rede pública – por meio da exibição do programa Encontros Essenciais, em que ela realiza entrevistas semanais com personalidades de diversas áreas como cultura, educação, ciência e tecnologia. Nele, o entrevistado fala sobre encontros que marcaram sua vida e influenciaram sua trajetória.

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REGISTRO, SISTEMATIZAÇÃO, AVALIAÇÃO E DISSEMINAÇÃOO programa Abrindo o Verbo é visto por cerca de 300 mil pessoas no Rio de Janeiro, indo além da comunidade escolar. O diretor do programa estabelece um canal direto para receber sugestões do público, atendendo, ele próprio, os telefonemas de espectadores que entram em contato com a ouvidoria da Multirio para falar sobre o programa.

Há poucas pesquisas sobre como se utilizam os produtos agrupados sob o guarda-chuva Nós da Escola. Acredita-se que ainda há certa sub-utilização, por diferentes motivos, especialmente pela falta de tempo do professor em razão de uma jornada excessiva e da rigidez da grade curricular e de seus horários de trabalho na escola. Embora os professores de 5a a 8a series trabalhem 16 horas por semana, das quais 4 horas são destinadas ao planejamento, muitos dão aulas em duas escolas simultaneamente (dupla regência). Em geral, não conseguem se organizar para criar formas coletivas de uso dos produtos, pois cada um tem seus horários. Por essas razões, muitas vezes os produtos da Multirio são vistos como concorrentes (e não complementares) à grade curricular.

Grande parte da comunicação produzida e disseminada pela Multirio é voltada à formação e atualização em serviço dos professores. A maior parte dos produtos é auto-referente. Mas, para os produtos que demandam uma articulação e contatos presenciais para sua disseminação, esse papel é desempenhado pela Assessoria de Integração da Multirio, formada por três pessoas.

Ela [a Assessoria de Integração] vai a campo, discute com diretor de escola, com o coordenador de CREs [Centro Regional de Educação], com professores de sala de leitura, que são os professores que a gente identifica como o sujeito na escola que pode trabalhar um pouco mais esta questão da mídia. (Diretor de Mídia e Educação).

A figura do professor da Sala de Leitura parece fundamental para a capilarização dos projetos da Multirio na rede de ensino. A principal razão apontada para a adoção desses professores como público prioritário de alguns cursos e projetos é sua disponibilidade: por não possuir uma turma, podem freqüentar o curso ou despender mais tempo para conhecer os materiais e planejar seu uso na escola sem alterar demasiadamente a rotina escolar. Também acabam se aproximando dos recursos de comunicação – videocassete, computadores etc. – da escola, recursos que ficam nas salas de leitura.

Esse aspecto da disseminação do projeto deve ser observado quando se pensa em expandir o projeto para um conjunto de escolas ou uma rede de ensino. Mas neste modelo de disseminação também está a grande limitação da Multirio – como ela tem dificuldade em entrar na sala de aula, acaba recorrendo àquilo que é extra-classe, a biblioteca, e acaba ficando um pouco “terceirizada” na escola e afastada do currículo regular.

PRODUTOS E RESULTADOSUm resultado significativo das ações da Multirio

no campo da Educação, Comunicação & Participação, foco deste Relatório, é o espaço que vem abrindo em seu portal para a participação de professores e alunos. A intensificação dos fluxos de comunicação na rede de ensino se torna uma possibilidade real com a abertura à expressão de quem está no dia-a-dia da escola. Há hoje, no portal da Multirio, um espaço de divulgação de blogs e sites escolares, bem como de produtos de comunicação criados por alunos e professores que participaram dos cursos realizados pela Assessoria de Integração (Anexos 1 e 2). As rádios criadas, por exemplo, são divulgadas inclusive com link para os sons de programas gravados pelas crianças. O mesmo ocorre com sites, vídeos e jornaizinhos produzidos.

Tanto no programa Abrindo o Verbo como no projeto Carta Animada pela Paz, observa-se uma mudança de postura dos educadores em relação aos alunos. No primeiro, muito assistido

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por professores, nota-se um reconhecimento da postura do adolescente e há muitos relatos de elogios da comunidade escolar aos alunos. No Carta Animada, o interesse e o envolvimento das crianças – escolhidas em geral por serem consideradas “crianças-problema” na escola – faz com que os professores re-avaliem sua prática pedagógica ao observar que é possível trabalhar com esses alunos de maneira mais criativa daquela que vinham fazendo antes. A equipe de animadores da Multirio prevê, para este projeto, a produção pelos alunos de dez vídeos com cerca de dois minutos cada. Os desenhos animados serão exibidos durante a 4a. Cúpula Mundial de Mídia para Crianças em 2004.

A Multirio procura se integrar ao que acontece no panorama internacional nos campos de mídia e adolescência. A série CriAtividade é uma co-produção com o canal inglês Channel 4, no qual uma série de programas de TV é produzida em diversos países, mostrando adolescentes “que fazem coisas”, criam, mostram suas habilidades. Como regra, os programas produzidos mundo afora não têm fala, para que possam ser vistos por crianças de diversos países. No Rio de Janeiro foram realizados seis documentários que já estão sendo exibidos pela Multirio e que vão circular em outros países, com

apoio do Children’s Television Trust International (CTTI).

O Curupira é o primeiro de cinco desenhos animados que fazem parte do projeto Juro que Vi. Com 10 minutos cada, todos contam lendas brasileiras. Para a realização do roteiro, o Curupira teve a participação de estudantes de 4 a 11 anos (Anexo 3).

Como mencionamos, o alcance dos programas da Multirio superam o universo da rede de ensino, atingindo um contexto mais amplo. O Programa “Rio, a Cidade!”, por exemplo, transmitido todo o dia na BandRio, alcança o terceiro lugar no Ibope, perdendo apenas para a Globo e o SBT.

Por fim, o incentivo e o reconhecimento aos educadores, que passa por salários e plano de carreira – atribuições da SME –, mas também pela oferta de materiais de qualidade, de subsídios ao seu trabalho e pelo reconhecimento dentro do sistema – objetivos perseguidos pela Multirio –é uma importante estratégia para melhorar a qualidade do trabalho docente e o “clima” nas escolas. A possibilidade explorada pela Multirio de dar visibilidade ao que ocorre na escola, de produzir conteúdos e materiais atuais, pensando na prática do professor transmite, a este profissional, a idéia de valorização de seu trabalho.

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Dados - Multirio

Nome MULTIRIO – Empresa Municipal de Multimeios Ltda.

Natureza da organização

Empresa Municipal da cidade do Rio de Janeiro, criada por Lei Municipal em outubro de 1993.

Missão

Responsável pela produção de programas de TV, vídeos, sites, CD-ROM e publicações voltados prioritariamente para a Educação.

O objetivo da MULTIRIO é viabilizar um novo paradigma para as práticas pedagógicas da Educação Pública Municipal do Rio de Janeiro, com o enfoque de educação cidadã inclusiva, tendo como eixo pedagógico a Multieducação.

Endereço Largo dos Leões, 15 – Humaitá22260-210 Rio de Janeiro RJ

Telefone (21) 2528-8289 / 21 2266-0854

E-Mail [email protected]

Site http://www.multirio.rj.gov.br

Responsáveis Regina de Assis - PresidenteMarcos Ozório – Diretor de Mídia e Educação

Infra-estrutura Sede própria. Material produzido é utilizado em lavboratórios da rede municipal de educação do Rio de Janeiro.

Principais Programas/Projetos

Nós da Escola, Rio: a Cidade!, Abrindo o Verbo, Encontros Essenciais, Juro que Vi, Carta Animada pela Paz, Fazendo e Acontecendo (Making it) e Projeto Século XX1.

Números de atendimento

1.044 escolas municipais, cerca de 30 mil professores e 700 mil alunos, de Educação Infantil e Ensino Fundamental

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Equipe/Formação/Capacitação

Regina de Assis (Presidente da MultiRio) Marcos Ozorio (Diretor de Mídia e Educação)Célia Borges (Diretor de Administração de Finanças)Eduardo Meirelles (Núcleo de Computação)Fábio Junqueira (Núcleo de Televisão, Rádio e Cinema)Maria Inês Delorme (Núcleo de Publicações)Élida Vaz (Ouvidoria)

Formas de Contratação

CLT e Contrato de prestação de serviços. A Multirio encontra-se em fase de transição e passará a adotar as regras vigentes na lei do funcionalismo público.

Produtos

Produtos realizados com a participação de crianças e adolescentes:

- Desenhos animados “Simplesmente Acari” e “Paz em Jacarezinho”, que fazem parte do projeto Carta Animada pela Paz.- Animação da lenda “O Curupira” cujo roteiro foi criado com a participação de alunos da rede.- Programa Abrindo o Verbo, de freqüência semanal, no qual os próprios adolescentes são os responsáveis pela escolha dos temas e pelo encaminhamento do debate.- Blogs e sites escolares ou comunitários, programas de rádio e vídeo publicados no portal Multirio

Orçamento R$ 27 milhões

Principais Parceiros

MidiativaAndi – Agência de Notícia dos Direitos sa Infância e Cecip – Centro de Criação de Imagem PopularUnicef – Fundo das Nações Unidas para a Infância

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Anexo I - Multirio

SITESwww.figpim.hpg.com.br Escola Municipal Figueiredo Pimentel, Turiaçu (5ªCRE)O site traz informações sobre a escola, seu projeto político-pedagógico, histórico da criação, álbum de fotos dos eventos realizados e serviços para o internauta. Há um link para a versão digital do jornal escolar O Pimentinha, que traz jogos, com receitas culinárias e pesquisas sobre datas comemorativas, realizadas pelos alunos.

www.alunosnahistoria.hpg.com.br (Novo site de alunos)Escola Municipal Presidente Humberto Castelo Branco, Sulacap, 8ª CREO site, da turma 802 da escola, foi organizado com apoio das professoras Ana Maria e Sonia Mesquita . Traz fotos e entrevistas com integrantes da comunidade escolar.

www.multirio.rj.gov.br/multirio/curso_internet/santa_marta/index.htmEscola Municipal Joaquim Nabuco, Botafogo (2ª CRE)Vencedor do prêmio Comdedine de Pesquisa Escolar 2003, o site apresenta a história do Morro Santa Marta, em Botafogo. Gravado em CD, usando linguagem web, traz o histórico da ocupação do morro e da chegada de recursos como água e luz, apresenta perfil e origem de seus moradores e as instituições que atuam na comunidade, entre outras informações. Criado pelos professores e por alunos da 8ª série, o trabalho busca, de acordo com a equipe, suprir a falta de informações em torno da comunidade de onde vem a maior parte dos alunos da escola – “pois não se escreve sobre o pobre, negro e anônimo...”.

SITES E BLOGS DAS ESCOLAS

http://www.birafitness.com Escola Municipal Araújo Castro, Campo Grande (9ª CRE)Site do professor Ubirajara B. De Almeida, oferece informação a respeito de exercícios físicos, modalidades de trabalho do profissional de Educação Física, saúde, alimentação, entre outros temas afins. Traz, ainda, links de serviço para os professores, como acesso a contra-cheque, Diário Oficial e calendário de pagamento.

http://vicentinhohtml.sites.uol.com.brEscola Municipal Vicente Licínio Cardoso, Zona Portuária (1ª CRE)O site oferece ao internauta um panorama bem completo do dia-a-dia, do perfil e das propostas da escola. Descreve os projetos desenvolvidos por alunos e professores, sobre o mundo do trabalho e a região portuária, onde a escola se localiza e sobre meio ambiente (com foco no tema Água); apresenta a íntegra do estatuto de criação do grêmio estudantil da escola; traz informações sobre a zona portuária, como mapas, opções de lazer, linhas de ônibus, características locais, pontos de referência etc. Oferece, ainda, link para o jornal Vicentinho, com direito a fotos da equipe que produz o jornal, e para os blogs das alas dos alunos e das alunas de 5ª a 8ª séries da escola.

geocities.yahoo.com.br/generalosorio2002 Escola Municipal General Osório, Coelho Neto (6ª CRE)O site traz informações sobre o projeto político-pedagógico da escola, apresenta desenhos e outras produções dos alunos, tem espaço para chat e fórum de discussão e oferece, ainda, link para o blog coletivo Violência urbana, dia sim à

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paz, movimentado pelos alunos e pela professora Fátima Lucia Braga, para o jornal eletrônico da escola, Gemgo, para o portal MULTIRIO e para o projeto Século XX1.

www.explosaoonline.kit.netEscola Municipal Barão de Santa Margarida, Campo Grande (9ª CRE)Site do jornal eletrônico da escola, reúne notícias do cotidiano escolar, como visitas recebidas, premiações, participação da escola em eventos; artigos e poesias; entrevistas; e serviço, como levantamento de preços de alimentos que compõem a cesta básica. Todos os textos são produzidos por alunos.

BLOGShttp://www.escolaernanicardoso.blogger.com.brEscola Municipal Ernani Cardoso, Guadalupe (6ª CRE)Os projetos desenvolvidos pela escola e os trabalhos dos alunos deles decorrentes compõem este blog, realizado sob orientação da professora Maria Aparecida Braga de Oliveira.

http://hdpensante.weblogger.terra.com.brPólo de Educação pelo Trabalho José Emygdio de Oliveira, Oswaldo Cruz (5ª CRE)Blog do professor Vítor Nunes, que trabalha no Pólo, com oficinas de Informática Educativa, Rádio e Imprensa Escolar. O blog traz textos que analisam a prática docente e descrevem o processo de trabalho nas oficinas.

http://www.blogremio.blogger.com.brEscola Municipal Alba Cañizares do Nascimento, Inhoaíba (9ª CRE)O Blogrêmio foi criado em agosto de 2003 pelos alunos do Grêmio Estudantil da Alba Cañizares. Orientados e incentivados pela professora Margarete Nascimento, eles utilizaram apenas o

computador da Direção, único na escola ligado à Internet, para construir o blog, onde os visitantes encontram as novidades sobre a escola e seus projetos, opiniões dos alunos e fotos.

http://taniamara.weblogger.terra.com.brPólo de Educação pelo Trabalho General Humberto de Souza Mello, Vila Isabel (2ª CRE)Em seu blog, a professora Tania Mara Antunes, compartilha com os internautas as formas como desenvolve atividades com os alunos, relata os passeios e outros eventos realizados e apresenta as pesquisas que os alunos vêm desenvolvendo. Oferece, ainda, links para blogs de todos os alunos, cujo desenvolvimento ela coordenou. O relato desta experiência também consta do blog.

http://www.albertsabin303.blogger.com.brEscola Municipal Albert Sabin, Vila da Penha (5ª CRE)Crianças de 9 a 12 anos da E. M. Albert Sabin estão dando seu recado no blog Turma 303 em Ação. A professora Celestina Bittencourt e seus alunos mantêm o blog, desenvolvido durante a oficina Navegando e Criando na Internet, atualizado com muitas poesias escritas por eles mesmos, mensagens contra as drogas e divulgação das atividades realizadas na escola. Há até uma Corrente do bem para que “todos passem de ano”. Vale a pena conferir.

http://emcharlesdickens.blig.ig.com.brEscola Municipal Charles Dickens, Campo Grande (9ª CRE)A professora Dalinda Lemos, da sala de leitura, foi quem deu o pontapé inicial para que os alunos da E.M. Charles Dickens criassem um blog. E eles capricharam. Com visual atraente, o blog Charles é usado para que os alunos divulguem e comentem eventos e projetos em que estão envolvidos na escola. O espaço é utilizado também para oferecer aos internautas dicas sobre internet.

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http://www.emoctavio.blog.aol.com.brEscola Municipal Octávio Tarquínio, Pavuna (6ª CRE)Quem visitar o blog Octávio Tarquínio em Ação vai ficar por dentro das atividades desenvolvidas na escola, como o júri simulado, as oficinas, festas e passeios. O blog foi criado em novembro de 2003, pelas professoras Maria Aparecida Braga de Oliveira, da sala de leitura e Luciene Coutinho, coordenadora pedagógica e já está recebendo comentários.

http://www.violenciatofora.blogger.com.brEscola Municipal Presidente João Goulart, Ipanema (2ª CRE)Os alunos da professora Regina Fortes criaram um blog onde escrevem suas opiniões sobre as causas da violência e o que fazer para acabar com o problema, seja na escola, na rua, nos bailes que freqüentam. A mensagem pacifista é expressa de diversas maneiras, com poesia, rap e recadinhos rápidos, que falam também da necessidade de acabar com os preconceitos sociais e de difundir a solidariedade e a tolerância entre as pessoas.

http://www.escoladecristal.blig.com.brEscola Municipal Belisário Pena, Campo Grande (9ª CRE)Em sintonia com o Projeto Político Pedagógico da escola, que realiza trabalho voltado para textos em prosa e poesia, o blog, batizado de Escola de Cristal, busca conciliar informação, pesquisa, conhecimento e processo de produção aos recursos de informática. O resultado é traduzido em poesias de alunos, que são apresentadas no espaço. Em destaque, os poemas que homenageiam o bairro de Campo Grande, onde fica a escola.

www.emnacunidas.blogger.com.br Escola Municipal Nações Unidas, Bangu (8ª CRE)O blog traz informações sobre o dia-a-dia da escola e sobre os trabalhos realizados pelos alunos em torno de temas relacionados ao Projeto Século XX1.

Fonte: Portal Multiriohttp://www.multirio.rj.gov.br

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Anexo II - Multirio

Ao longo de 2003, cerca de 300 professores de Salas de Leitura das escolas públicas municipais do Rio de Janeiro participaram de oficinas de mídia organizadas pela MULTIRIO e sua Assessoria de Integração. Em aulas práticas e teóricas, eles aprenderam a criar rádios escolares, vídeos, jornais e blogs e também a elaborar projetos. O resultado foram cerca de 100 trabalhos que realizaram em suas escolas, com seus alunos, alguns dos quais reproduzidos aqui.

Ao aproximar os alunos da mídia, não apenas como usuários, mas como produtores, as oficinas de mídia buscam não só contribuir para o enriquecimento das atividades pedagógicas da rede pública da Prefeitura do Rio, como para tornar esses alunos leitores críticos daquilo que lhes é oferecido nos jornais, na televisão e via internet.

PROFESSORES E ALUNOS: DE CONSUMIDORES A PRODUTORES DE MÍDIA

Rádio TagarelaEscola Municipal Waldir Azevedo Franco, Bangu (8ª CRE)A montagem da rádio começou em 4 de agosto de 2003, por iniciativa da professora Claudia Senna, da sala de leitura. Desde setembro, a programação fica a cargo dos alunos, responsáveis pelo roteiro e pela locução. Os programas têm cunho pedagógico, sem deixar de ser divertidos, e vão ao ar diariamente, ao vivo, por 10 minutos. A professora ressalta a força de vontade da equipe, assim como o apoio da direção da escola, da coordenação pedagógica e do corpo docente como fundamentais para o funcionamento da Tagarela FM.

Fonte: Portal Multiriohttp://www.multirio.rj.gov.br

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Anexo III - Multirio

Numa noite de lua cheia, no coração da floresta, aconteceu esta história. Uns dizem que é lenda, coisa do povo da roça, que tem muita superstição. Outros não.

Dizem que aconteceu de verdade.

Um caçador e seu ajudante estavam em busca de aventura. O caçador desafiava as trevas e os mistérios da floresta com sua espingarda, caçando por esporte e para afirmar sua valentia. A lenda diz que o Curupira é o espírito guardião da floresta. Com seus pés para trás e cabelo vermelho, o Curupira não tolera abusos. Ele sempre pune aqueles que não respeitam a floresta.

Quem estava lá me contou assim. E disse: JURO QUE VI.

Quando decidimos iniciar a série pelo Curupira, a equipe de arte começou a procurar referências: arte popular brasileira, livros infantis, imagens de cenários prováveis, fotos e desenhos de animais da nossa fauna, tudo que pudesse ajudar a definir o visual do filme. Desse estudo, vieram dezenas de pinturas conceituais de cenários e personagens. Aqui temos a evolução do “Tobias”, o ajudante do caçador.

Os animadores recebiam uma cena de cada vez. Então, começavam pelos desenhos principais, e para ver se os personagens estavam animados

corretamente, faziam um pencil-test, ou seja: escaneavame tocavam os desenhos no computador ainda sem cores. Os desenhos prontos eram mandados para o pessoal de clean-up, que limpava os traços para que fossem coloridos.Com os lay-outs prontos, mais de 80 cenários foram pintados diretamente no computador

Para fazer o som, os produtores musicais trabalharam primeiramente os efeitos sonoros: os ruídos da floresta, vozes e efeitos especiais. Depois, criaram a trilha musical, que foi dividida de acordo com as várias partes do filme. Assim, cada parte da música reforça o que os desenhos mostram. A música contou com a participação especial do músico pernambucano Naná Vasconcelos, que foi gravada em Recife.Esse filme contou com a colaboração dos alunos da Escola Municipal George Sumner da 3ª Coordenadoria Regional de Educação, da Prefeitura do Rio de Janeiro.

Made with the collaboration of children from the Public Elementary Schools of the City of Rio de Janeiro

Beatriz Limeira (8 anos)César Bernardo Dutra (10 anos)Edson Pereira de Lima Jr. (7 anos)Luiz Felipe da Silva Carvalho (8 anos)Renata Soares da Silva (7 anos)Sthefanie Arruda da Silva (10 anos)Taiane da Silva Pereira (9 anos)Thaynara Costa de Souza (8 anos)

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Anexo IV - Multirio

O laboratório de animação do Ciep Adão Pereira Nunes, em Acari, Zona Norte do Rio, foi montado no início deste ano e funciona na sala de leitura da escola. A direção gastou cerca de R$ 600 para equipar a oficina, com papéis, canetas, lápis de cor e a confecção de 15 pequenas mesas de luz.

Para a diretora, Ademilda José Maria, valeu a pena. Desde que as aulas de animação começaram, as faltas diminuíram. “Não há preço que pague a alegria das crianças nessas aulas”, diz

E não é só isso. A professora Rosi Marilane, que comanda a oficina, explica que as aulas elevam a auto-estima do grupo e desenvolvem a criatividade e a desenvoltura na produção de textos.

Na oficina de animação, é possível trabalhar também os conteúdos de outras disciplinas, como Física e Matemática. A questão da aceleração do movimento, bem como frações e conjuntos são temas que surgem durante o trabalho.

CONSTRUINDO UM LABORATÓRIO DE ANIMAÇÃO

Para fazer a mesa de luz:

Material necessário: Pedaços de madeira; lâmina de vidro; folha de papel vegetal; lâmpada de 40W ou 60W

Montagem: Construa uma caixa com os pedaços de

madeira Utilize a lâmina de vidro para o tampo. • No

interior da caixa, coloque a lâmpada, que deve estar ligada à corrente elétrica.

Cubra o vidro com o papel vegetal. Os pinos devem ser afixados no beiral

superior da madeira para segurar o papel. A distância dos pinos deve ser a mesma dos

furadores de papel. Eles devem estar firmes para garantir a precisão do registro.

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NCE HISTÓRIAO projeto Educomunicação pelas Ondas do Rádio ou, como é mais conhecido, educom.radio, é hoje a ação mais visível de um conjunto de atividades que fazem do Núcleo de Comunicação e Educação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (NCE/ECA/USP) a principal referência no Brasil no campo da pesquisa acadêmica e da disseminação da chamada educomunicação.

Surgiu de uma proposta de parceria da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, que desafiou o NCE a instalar, até o final de 2004, uma rádio em cada uma das 455 escolas de ensino fundamental da rede paulistana. Para isso, o educom.radio deverá formar, em três anos e meio, mais de 11 mil pessoas, com cursos semestrais de 100 horas, cobrindo estudantes, professores, coordenadores pedagógicos, diretores e membros da comunidade. Cerca de 40% desse atendimento ocorrerá em 2004. É um dos maiores projetos de Educação, Comunicação & Participação em redes públicas de ensino do país.

O ideal de Universidade que articula ensino, pesquisa e extensão está muito presente no trabalho do NCE, cujos coordenadores citam com freqüência, ao se referir ao educom, a inter-relação entre teoria e prática. As influências teóricas cobrem desde o educador francês Celèstin Freinet (1896-1966) até Paulo Freire (1921-1997), passando por

antropólogos, psicólogos e psicanalistas, pela Escola de Frankfurt, por sociólogos, entre muitas outras.

Um comentário de Freinet, escrito no início do século passado, talvez resuma bem o objetivo não só do educom.radio como de toda a atividade do NCE relacionada à educação escolar: “As técnicas tradicionais [de ensino] são isoladas da vida e todos os alunos se desinteressam. Precisamos restabelecer o circuito para ligar a escola à realidade.”

Nas palavras de um educador e coordenador do educom.radio:

O que a gente está trabalhando é a mudança nas relações.

Ou ainda, segundo um dos responsáveis pelo projeto por parte da Secretaria Municipal de Ensino de São Paulo (SME):

Com rádio você começa a repensar as práticas cotidianas da escola. As relações mudam.

Por trás desse movimento – e para se compreender as bases teóricas que sustentam a prática do NCE – está o conceito de ecossistemas comunicativos, que, como o conceito educomunicação, foi cunhado por um dos principais protagonistas na América Latina da reflexão-ação acadêmica sobre as sociedades

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NCE - Núcleo deComunicação e Educação

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mediatizadas tecnologicamente, o colombiano Jesús Martín-Barbero, autor da obra, já clássica na área, “Dos Meios às Mediações: Comunicação, Cultura e Hegemonia”1.

Em síntese, esses conceitos pressupõem que a comunicação é parte essencial da produção e reprodução da cultura – na acepção antropológica desse termo. Ou seja, a comunicação, na qual estão envolvidas pessoas e tecnologias (as mediações), participa da criação de sentidos, daquilo que move as pessoas.

De uns tempos para cá, certas tecnologias, como o rádio, a televisão e a internet, têm tido um papel cada vez mais central nos processos de comunicação e, conseqüentemente, na produção da cultura. Só que esses meios de comunicação podem ser dominados por alguns – deixando a maioria como receptora – ou ser acessível a todos – neste caso, também como emissores. Saber lidar com essas tecnologias, comunicar-se com elas, representa, assim, ter instrumentos para influir na própria sociedade e em suas relações.

Daí a importância de trabalhar essas questões na escola – instituição, por tradição, voltada para a transmissão de informações e produção de sentidos compartilhados. A escola educomunicativa proposta pelo NCE se contrapõe à escola tradicional, funcionalista, que apenas reproduz o status quo. Esses conceitos – educomunicação, ecossistemas comunicativos, mediações, funcionalismo, emissão e recepção – serão aprofundados ao longo deste texto.

Segundo o fundador do NCE, Ismar de Oliveira Soares, a história do educom.radio remonta 30 anos. Talvez pudesse ser iniciada ainda antes, nas décadas de 50 e 60, quando a Igreja Católica disseminou no país o uso das rádios comunitárias como instrumento educativo. Mas foi no final dos anos 70 que a União Cristã Brasileira de Comunicação criou o projeto Leitura Crítica da Comunicação, que atendia lideranças comunitárias e professores, com seminários de curta duração, centrados na recepção crítica da mídia, com ênfase na televisão, suas novelas e noticiários.

Ocorreram cerca de 60 cursos ao ano, ao longo da década de 80, que, entre outras coisas, disseminaram pelo país a expressão “leitura crítica da mídia”. O grupo que desenvolvia essas ações participou, inclusive, das discussões da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a LDB, promulgada em 1996. “Isso deu uma perspectiva de trabalho em rede, em grande escala”, diz essa liderança.

Em meados da década de 80, Soares ingressou na Escola de Comunicações e Artes da USP, onde continua desenvolvendo projetos nessa área e lança o Simpósio Brasileiro de Comunicação e Educação. Até hoje, ele mantém relações com movimentos religiosos no campo da comunicação e educação, e atualmente preside a União Católica Internacional de Imprensa (UCIP). Em 1996 criou o Núcleo de Comunicação e Educação, que passa a ser o promotor da principal reunião acadêmica do país nessa área. Em 2003, já na sexta edição, o encontro foi renomeado como Simpósio Brasileiro de Educomunicação.

Entre 1997 e 1999, o NCE liderou uma pesquisa cobrindo 12 países ibero-americanos, com uma amostragem de 172 especialistas que trabalhavam com a relação comunicação-educação2. A partir dos resultados desse e de outros estudos3, o grupo propõe a emergência da educomunicação como um novo campo, que não é nem comunicação, nem educação.

Ainda que ela beba elementos de cada uma, ela tem outras origens que não só a comunicação e a educação. Ela tem origem na antropologia, na sociologia e na psicologia, por exemplo, e nas ciências sociais em geral. E aí nós descobrimos a existência do educomunicador [...] O Celèstin Freinet, por exemplo, era um educomunicador; Paulo Freire era educomunicador; Betinho foi um educomunicador. Nós não inventamos isso, verificamos que existia o perfil de um profissional com um pé na comunicação, um pé na educação, e uma mão na sociologia, uma na medicina... em várias áreas. Todos eles preocupados com a questão

1Rio de Janeiro, EdUFRJ, 19972 “Comunicação/Educação: A Emergência de um Novo Campo e o Perfil de seus Profissionais”, Contato, Revista Brasileira de Comunicação, Arte e Educação, ano 1, n.2, pp 17-74

3Como o realizado pela Marquette University (Milwaukee, Wisconsin), 1999-2000

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do confronto mercado-cidadania. E com uma opção clara pela cidadania. Não que desprezassem o mercado – eram pessoas que trabalhavam, tinham projetos. Mas [...] colocavam no resultado cidadão o seu foco de atenção [...] Aí nós sentimos a necessidade de difundir as descobertas dessa pesquisa e nos propusemos também a oferecer assessoria. (Ismar de Oliveira Soares)

Uma das primeiras experiências do NCE em

assessorias foi Programa de Educação Continuada do Estado de São Paulo, no final da década de 90. Envolveu duas diretorias de ensino, 900 professores por ano, com cursos sobre tecnologias da informação, a partir da perspectiva da educomunicação.

A circulação nacional e internacional das principais lideranças do projeto e seu envolvimento na criação e produção de congressos e publicações colocou o grupo em contato com diversas experiências na África, nos Estados Unidos, na Europa, no uso da comunicação para combater a violência, entre muitas outras.

No início da administração de Marta Suplicy (PT) na cidade de São Paulo, em 2001, uma das alunas do curso de extensão universitária em gestão de processos comunicacionais, oferecido pelo NCE na USP, era professora da rede municipal e propôs que o núcleo experimentasse trabalhar com a violência existente em sua escola – que já havia sido depredada duas vezes. A professora-aluna promoveu uma aproximação do NCE com a Secretaria Municipal de Ensino (SME), que, depois de conhecer a proposta, desafiou o grupo a cobrir toda a rede (quase mil escolas). O NCE negociou e acertou cobrir as 455 escolas de ensino fundamental.

O educom.radio entrou na rede municipal no segundo semestre de 2001, via Projeto Vida, criado na época pela SME para lidar com a violência escolar. A idéia deste projeto é articular diversas atividades, inclusive, abrindo as escolas aos finais de semana, tendo como conteúdo os temas transversais propostos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais do MEC.

Assim, a secretaria negociou que o NCE, além de instalar rádios e capacitar as comunidades escolares a lidar com elas, também ofereceria formação nas áreas cobertas pelos temas transversais.

Eles queriam que os alunos e professores usassem a rádio para mexer com meio ambiente, com cidadania [...] O desafio foi maior, porque acabou duplicando nossa tarefa. Tivemos que montar uma equipe muito grande, de palestrantes, de especialistas, porque o projeto de rádio em si poderia ser menor. (Ismar de Oliveira Soares)

No segundo semestre de 2003, a equipe do projeto somava quase 200 pessoas. Nos primeiros cinco semestres do projeto (2001 a 2003), cerca de 500 educadores e profissionais passaram pelo educom.radio.

Uma parte essencial do educom.radio – a aquisição dos equipamentos – também trouxe enormes desafios. Quando solicitado a fazer a lista dos materiais necessários por escola, o NCE produziu uma lista do que seria ideal [veja em Pedagogia/Metodologia]. O preço por escola superou um pouco o valor de uma compra realizável pelo Poder Público Municipal sem licitação (R$ 8 mil), e as rádios entraram na burocracia de aquisições da Prefeitura. Atualmente, a coordenação está sugerindo que a lista de equipamentos seja simplificada. Em alguns casos, a rádio chegou quase um ano depois da capacitação.

O projeto aprendeu muito com a dificuldade de acesso aos equipamentos. Novas linguagens acabam sendo incorporadas. Um gravador assume um papel muito mais importante. (Coordenadora do NCE)

Talvez a maior deficiência do projeto, ressaltada pela própria equipe coordenadora, seja a ausência de uma avaliação mais sistemática e, idealmente, externa, de resultados, com marco zero e aferição posterior à

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capacitação e implantação do equipamento. Assim, é difícil, dada a abrangência do projeto, analisar seus resultados globais, frente aos objetivos estabelecidos – que, aliás, são complexos de aferir (participação da comunidade, inserção na grade curricular, alterações no ecossistema comunicativo da escola etc.).

Foi pensado, mas não foi orçado. Não havia verba suficiente para avaliação [...] Estamos sugerindo que a Prefeitura faça isso. (Ismar de Oliveira Soares)

O que se sabe é que em algumas escolas o projeto não deslancha, por razões discutidas à frente. Em outras, é visível o envolvimento da comunidade com a sua rádio e a inserção desta na vida da escola.

Quando vi os professores e alunos discutindo juntos o planejamento da rádio em sua escola, e surgiram discussões sobre disciplina e violência, entendi que o rádio é o veículo de integração desses dois públicos, por vezes tão distantes. (Mediadora do educom.radio)

Um encontro de jovens radialistas do projeto

lançou, em dezembro 2003, um manifesto denominado “A Rádio que Queremos”:

... que tenha a participação de todos, seja livre para a gente dizer o que pensa e dê transparência ao que se faz na escola [...] Talvez, um slogan legal para a rádio que queremos seja este: os incomodados não se mudem. Os incomodados que façam mudar! 4

Resultados como esses e a própria dimensão do projeto dão a ele visibilidade crescente, inclusive em meios de comunicação de massa. No segundo semestre de 2003, o MEC, gestão Cristovam Buarque, também incorporou a idéia da educomunicação e disponibilizou recursos para trabalho semelhante ao de São Paulo em 70 escolas

do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás, a partir de 2004. Será um curso semi-presencial, associado ao projeto Rádio Escola do ministério.

GESTÃOO projeto educom.radio enfrenta grandes desafios de gestão. Além do orçamento enxuto e “carimbado”, de trabalhar em uma área para a qual não há fórmulas prontas, nem muita experiência acumulada, da sempre conflituosa relação professor-aluno-mediada-por-tecnologias, o NCE administra uma vasta e jovem equipe e uma complexa rede de parcerias.

De um lado há a Universidade de São Paulo e sua Escola de Comunicações e Artes, em que se insere o NCE. “A USP valoriza muito o ensino e a pesquisa, mas não a extensão”, diz um dos coordenadores do projeto. Trabalhos como o educom.radio, embora possam garar pesquisas, são nitidamente atividades de extensão universitária. Assim, dentro de sua própria casa, o NCE enfrenta o desafio de amarrar alianças e de cuidar para não ferir sensibilidades acadêmicas.

Para enfrentar essas dificuldades, o projeto abre espaço para que docentes da ECA e da Faculdade de Educação da USP participem e ofereçam contribuições a partir de suas especificidades, mantendo uma certa pluralidade no tratamento das questões conceituais envolvidas no projeto.

Além da USP, há o Poder Público, aqui representado pela Secretaria Municipal de Ensino de São Paulo, que entrou 2004 com seu quarto secretário desde o início da gestão Marta Suplicy – o que complica a interlocução [Leia mais no item Parceria com a Escola].

O terceiro público envolvido na parceria que sustenta o educom.radio é encarregado de trabalhar a formação nos chamados eixos temáticos do projeto, especialmente os conteúdos relacionados aos temas transversais dos PCNs. Esse grupo é composto por professores universitários, dirigentes de organizações não-governamentais e outras instituições que trabalham com educação, radialistas, comunicadores, militantes, entre

4Site www.educomradio.com.br

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outros. Como no caso dos colegas da USP, essas pessoas e organizações têm visões próprias sobre como organizar um projeto social das dimensões do educom – o que é potencialmente conflituoso para a equipe.

Some-se a isso toda a papelada e burocracia necessária para remunerar de uma forma ou de outra todas essas instituições e pessoas, e oferecer mais de 10 mil certificados de curso de extensão reconhecidos pela USP e pela SME – dá para se ter uma idéia do trabalho que dá gerir o educom.radio.

O documento base para orientar esse trabalho é o contrato assinado entre o NCE (por intermédio da Fundação Universidade de São Paulo, a FUSP) e a SME em 2001. Estabelece que a gestão do projeto é feita pelo NCE em conjunto com o Projeto Vida – que lida com violência nas escolas.

Mas, como o Projeto Vida é em grande parte extra-classe e extra-curricular, muitas vezes aos finais de semana, e o educom.radio é uma de várias ações associadas a ele, o nível de interferência da SME na sua condução tem sido reduzida.

Em geral, na fase inicial de experiências desse tipo, as funções de cada pessoa, especialmente na equipe de coordenação, ainda são pouco diferenciadas. À medida que o projeto se expande, esse modelo de gestão colegiada tende a inflar o número de pessoas envolvidas em cada decisão ou reunião, e acaba consumindo mais energia e tempo.

É sempre conflituoso superar essa fase pioneira, mais participativa, para uma em que as funções de cada um estão mais bem definidas e as questões relacionadas aos projetos são distribuídas entre várias lideranças. E não foi sem conflito que, do terceiro para o quarto semestre do educom.radio, houve uma reestruturação do modelo de gestão do NCE e, por extensão, da gestão do projeto.

A principal mudança foi a instituição de um Conselho Gestor, que se reúne semanalmente, e a criação de coordenadorias. O Conselho Gestor é composto pelo supervisor do projeto, Ismar de

Oliveira Soares, e por sete pessoas envolvidas na liderança de seis coordenadorias:

Capacitação técnica-pedagógica Comunicação Formação Gestão administrativa Memória Site

Além disso, o projeto divide as 455 escolas em 13 pólos regionais, cada um com uma equipe composta, em média, por 10 pessoas (um articulador, que se reúne semanalmente com a coordenadoria de formação, um assistente de coordenação, mais os chamados mediadores). A SME também disponibiliza um ou mais responsáveis pelo projeto em sub-prefeituras5 associadas aos pólos. Além desses profissionais, há ainda cerca de 40 palestrantes de eixos temáticos. Considerando outros funcionários de apoio envolvidos, dá ao todo quase 200 pessoas.

Cada pólo tem seu e-group e reunião específica de coordenação. O Conselho Gestor e muitas coordenadorias também têm seu e-group. E assim, com reuniões de CG, de formação, por pólo, reuniões mensais gerais, mais os e-groups, o site, um boletim informativo trimestral, e muita conversa e negociação, se estrutura a gestão do educom.radio.

SUSTENTABILIDADE Na perspectiva de ONGs que têm projetos com orçamentos em geral na casa das dezenas ou centenas de milhares de reais, o valor contratual do educom.radio, de R$ 5,8 milhões em três anos e meio, pode parecer elevado. Para universidades também: este valor é superior ao orçamento anual da ECA/USP.

Mas, quando perguntado se mudaria algo no contrato assinado entre o NCE e a SME, a principal liderança do projeto responde de imediato: “Eu colocaria uma clausula financeira de reajuste pela inflação.”

5Criadas pela gestão petista em São Paulo, as sub-prefeituras estão assumindo as funções relacionadas à Educação antes coordenadas por 13 NAEs (Núcleos de Ação Educativa), responsáveis pelas escolas de determinadas regiões; 17 das 31 sub-prefeituras já desempenhavam esse papel em 2003

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Nós vamos partir agora para uma nova fase do projeto estrangulados, porque não só não houve correção, como houve um corte de 5% devido ao imposto que a Secretaria de Finanças [de São Paulo] passou a cobrar de todas as prestações de serviços com que ela trabalha. (Ismar de Oliveira Soares)

Como em todo projeto pioneiro, a construção do orçamento do educom.radio envolveu uma certa dose de “futurologia”. Com a execução, surgiram novas demandas e, conseqüentemente, novas despesas. A solução foi realocar recursos já previstos no orçamento ou buscar novas parcerias. Foi assim que se montou a equipe que produz o site e o boletim “O Educomunicador”. Foi assim também que se superou o impasse do transporte de cerca de 170 pessoas todos os sábados – o que, contratualmente, deveria ser oferecido pelos NAEs, que não tiveram dinheiro nem infra-estrutura para isso.

O resultado é que o educom.radio tem que fazer uma certa ginástica orçamentária para dar conta de todos os desafios assumidos. Para complicar, a liberação de recursos pela Prefeitura (e do Poder Público em geral) costuma ser feita em blocos, cobrindo vários meses – o pagamento de um palestrante, por exemplo, chega a levar um trimestre.

Juntando a complexidade da equipe, a falta de equipamentos, mais os atrasos no pagamento, esse projeto tinha tudo para dar errado. Na verdade, eu acho que o milagre por trás desse projeto se chama educomunicação [...] Porque se fosse um curso de educação curricular, já teria fracassado. (Ismar de Oliveira Soares)

Fica na dependência de uma avaliação externa abrangente a análise da sustentabilidade do projeto para além da fase de formação – isto é, se as rádios, uma vez implantadas, se sustentam na escola e na comunidade, independentemente de quem é secretário ou prefeito. Como diz um técnico da SME, “os governos passam, a comunidade fica”.

PARCERIA COM A ESCOLAO educom.radio é um projeto com características de política pública, dada a cobertura de escolas. Assim, analisaremos a parceria com a escola sob duas perspectivas. Em primeiro lugar, num plano mais macro-político, a relação do NCE com a Secretaria Municipal de Educação. Num segundo momento, discutiremos mais especificamente a inserção da rádio em cada escola, a micro-política do projeto.

Para ganhar o vulto do educom.radio numa rede de ensino, qualquer projeto depende de articulação com as instâncias de gestão da Educação. As experiências analisadas nesta pesquisa – como o Clube do Jornal Escolar, em Fortaleza, ou o Latanet, em Belo Horizonte – demonstram que quanto mais estreita for essa articulação, melhor tendem a ser os resultados. A “terceirização” dos projetos de Educação, Comunicação & Participação, isto é, eles acontecerem sem muita articulação com o restante das atividades da rede, ao contrário, tende a diminuir o impacto. Mudanças políticas na estrutura de gestão da rede também afetam fortemente essas experiências.

No caso da SME, de 2001 a 2003, passaram pela pasta quatro secretários – sendo que o educom.radio foi negociado na gestão do primeiro desses secretários. O projeto se manteve, apesar dessas mudanças políticas – por ter contrato de três anos e meio e estar associado a um trabalho importante para a Prefeitura, o Projeto Vida, de prevenção à violência escolar. Mas, no lugar de inserir-se cada vez mais no cotidiano das escolas, tendeu, em alguns momentos, a caracterizar-se como um daqueles projetos “terceirizados”.

O Educom ficava um pouco fora das discussões da rede. (Matias Vieira, coordenador do Projeto Vida)

Tanto a coordenação do Projeto Vida como do educom.radio afirmam que o ideal seria o trabalho com rádios estar associado ao DOT (Departamento de Orientação Técnica), responsável por questões curriculares e formação de professores. Na verdade,

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em 2003, comentava-se nas instâncias de gestão da rede que o próprio Projeto Vida se beneficiaria se estivesse mais vinculado ao DOT (a ironia é que ambos, Vida e DOT, estão no mesmo andar de um prédio da SME).

O Projeto Vida busca ações integradas para lidar com a violência. Não dá para as ações serem desintegradas das ações pedagógicas da escola [...] A escola oferece o muro, mas não a sala de aula. O professor de arte não traz o grafite para a aula. (Matias Vieira, coordenador do Projeto Vida)

Sintetizando, no plano macro-político, o educom.radio ressente, como muitas outras ações, as descontinuidades administrativas na SME. Além disso, aponta para a possibilidade de ampliar o seu impacto se estiver mais associado aos processos regulares de planejamento curricular e de formação de professores.

À medida que o trabalho avança e ganha visibilidade, novas articulações e alianças são feitas entre lideranças do projeto, da educação municipal e da cúpula da Prefeitura. Encontros e conversas informais entre essas lideranças ocorreram algumas vezes em 2003 – por exemplo, na inauguração de CEUs (Centros Unificados de Educação, principal projeto de Educação da gestão Marta Suplicy), o que gera boas perspectivas de superação desses desafios.

Ainda no plano estrutural, a mudança freqüente de professores e diretores de escola deixa desfalcadas as equipes formadas para trabalhar com a rádio. E a própria arquitetura escolar dificulta certas atividades.

Em termos micro-políticos, Matias Vieira, coordenador do Projeto Vida construiu, ao longo da entrevista, uma lista de pré-requisitos para parcerias entre um projeto como o educom.radio e a escola:

Abrir-se para ouvir o outro Definir os espaços de cada um com clareza Acreditar que os dois podem fazer juntos Construir confiança Valorizar o que já existe

Construir novas relações Criar mecanismos, novas regras, metodologias Saber que as mudanças são processuais, não

por decreto É demorado e desgastante

O principal líder do NCE destaca o papel central da direção da escola e/ou da coordenação pedagógica no sucesso de experiências desse tipo.

Os coordenadores pedagógicos são ciosos de tudo que é conteúdo. A atividade pedagógica é deles. Os coordenadores têm relação direta com a DOT. Mas na DOT não se falava em educom.radio. Então, para eles, era como os instrumentos de uma banda chegando na escola: “Você coloca isso num lugar qualquer”. (Ismar de Oliveira Soares)

Quando a direção e a coordenação pedagógica são envolvidas, surgem novos desafios. Se ela não participa da formação, tende a conceber a rádio da escola a partir de um repertório mais limitado, em geral de rádios comerciais. Isso gera atrito entre os estudantes, os professores e a coordenação ou direção – que têm o poder de simplesmente fechar o equipamento.

A escola tradicional tem uma hierarquia que controla a informação e o diálogo. Esse modelo entra em questão quando o projeto entra. Todos têm que discutir a cultura midiática, transformando-os em produtores midiáticos. (Coordenadora do NCE)

A linguagem radiofônica traz para a escola a possibilidade de o aluno criar, participar, fazer a pauta. (Matias Vieira, coordenador do Projeto Vida)

É uma crise anunciada. (Coordenadora do NCE, sobre a introdução da educomunicação nas escolas)

Os professores também têm bastante poder de favorecer ou dificultar o sucesso de uma rádio:

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O professor é o profissional mediador da produção da cultura... [Com a rádio] ele passa a ter papéis outros. (Formadora do educom.radio)

A quebra de paradigma é que a comunicação tira do professor aquilo que era a base do seu poder, que era deter a informação. (Formadora do educom.radio)

A estratégia do educom.radio para se inserir na cultura escolar – ou para intervir mais consistentemente em seu ecossistema comunicativo – é formar cerca de 25 pessoas por escola, que se tornarão mediadoras do uso da rádio, facilitando seu acesso e disseminando o que aprenderam no curso, inclusive a ideologia e a prática mais participativa.

Os professores precisam de um espaço deles. Os alunos se desenvolvem com a técnica em separado. Aí põe eles juntos. Tem professor que literalmente entra em crise. É o momento da crise de paradigmas. Aí tem professor que diz que o curso não está bom [...] Mas os professores acabam se adaptando à nova forma. É prazeroso. (Coordenadora do NCE)

Entre professores, a evasão dos cursos está na faixa de 18% – considerada baixo pelo NCE, pela complexidade e dimensão do projeto. Em relação aos alunos, observa-se uma circulação de participantes, o que aumenta o atendimento inicialmente planejado para esse público.

O curso, oferecido em 12 sábados consecutivos, dia inteiro, fornece a cada participante docente três certificados de extensão universitária, correspondentes a três cursos de 32 horas, expedidos pela Universidade de São Paulo. Para os professores isso representa ascensão na carreira e incremento salarial. Mais de 70% dos envolvidos atribuem conceito “muito bom” ou “excelente” para o curso (numa escala que também inclui “fraco”, “razoável” e “bom”), segundo avaliações conduzidas pela coordenação.

A grande diferença que os estudantes percebem é que no sábado eles vêm para ser ouvidos. (Formadora do educom.radio)

Numa escola onde a rádio “dá certo”, em geral se observa que:

a diretora e a coordenadora pedagógica facilitam o projeto

os professores e alunos trabalham a aprendizagem e o conhecimento de maneira mais participativa, não “bancária”

há prazer no trabalho os equipamentos estão instalados e com

infra-estrutura adequada participam do processo, além da comunidade

interna da escola, famílias e lideranças comunitárias

Tanto o aluno como o professor têm que ter sua cidadania resgatada. E também a comunidade, os pais, o pipoqueiro. O projeto traz para a escola a comunidade. (Coordenadora do NCE)

PEDAGOGIA/METODOLOGIAAs características e a extensão dos textos deste Relatório não permitem abordar de forma aprofundada as pesquisas, os autores, nem as bases conceituais que sustentam a prática pedagógica e metodológica do NCE e, conseqüentemente, do educom.radio. Assim, para descrever o trabalho que é desenvolvido pelo projeto nas escolas, citaremos apenas as idéias centrais por trás dessa prática, sem necessariamente apontar sua origem nem alongar-se na definição dos conceitos.

Como núcleo de ensino, pesquisa e – cada vez mais – extensão, o NCE defende “a tese segundo a qual um novo campo de intervenção social vem se firmando, na interface entre comunicação e educação, inteiramente voltado para a construção de ecossistemas comunicacionais em espaços educativos.”6

As idéias acadêmicas em torno disso podem ser resumidas grosseiramente a dois grandes grupos.

6“Caminhos da Educomunicação na América Latina e nos Estados Unidos”, Ismar de Oliveira Soares, 1 Cadernos de Educomunicação/Revista Comunicação & Educação da ECA/USP, 2002

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De um lado, há as teorias ditas funcionalistas, que ressaltam a maneira como a sociedade “funciona” e como ela se mantém “funcionando” – no que as escolas têm um papel central –, e de outro lado, há as teorias que, além de identificar os elementos constitutivos e motrizes da sociedade, apontam mecanismos para mudá-la – especialmente, por meio da educação. Umas tratam mais do equilíbrio e do desequilíbrio social (da “Ordem e Progresso”), outras têm uma perspectiva mais dialética, que envolve crises e desenvolvimento. As primeiras são mais associadas à reprodução do sistema econômico vigente e de suas formas de poder; o segundo conjunto fundamenta práticas que buscam transformar esse modelo econômico e político, dando mais relevo a questões sociais, como cidadania e solidariedade. Um autor representativo do primeiro grupo é o sociólogo francês Emile Durkheim, “pai” do funcionalismo; o segundo grupo é bem representado por Paulo Freire.

Como foi dito no item inicial deste texto, a educomunicação se contrapõe ao funcionalismo; defende uma escola que, no lugar de manter as coisas como elas são, promove o fortalecimento e a mudança individuais e coletivos.

A nossa intenção [em relação ao educom.radio] é que vire curricular, não na perspectiva do curricular conteudístico, porém que seja contemplado nas práticas educativas da escola, e que a partir de um exercício feito por professores, alunos e membros da comunidade, os resultados esperados pelo Projeto Vida aconteçam. Assim, em primeiro lugar, queremos criar um ambiente de diálogo e, em segundo, esperamos conseguir semear informações, conceitos e práticas educomunicativas na rede [municipal de ensino de São Paulo]. A gente quer vivificar a rede através da prática educomunicativa. Além de um resultado imediato, que é a colaboração e a redução da violência, buscamos promover uma modificação das práticas educativas, sob influência da educomunicação e de seus recursos. (Ismar de Oliveira Soares)

A ação que o projeto desenvolve na escola é denominada gestão comunicativa. Este conceito se contrapõe a dois outros, muito presentes em ações educativas norte-americanas:

mediação tecnológica na educação educação para a comunicação

“No caso específico dos Estados Unidos, observamos que o presumível campo da educomunicação passa por duas áreas de intervenção sociopolítico-cultural [...]: as mediações tecnológicas nos espaços educativos, que apontam para a necessidade de preparar professores e estudantes para usufruir os novos recursos e usa-los adequadamente, tanto nos processos de ensino-aprendizagem, quanto nas atividades voltadas para ampliar o campo da expressividade das novas gerações (‘information literacy’); e a denominada educação frente aos meios de comunicação, preocupada com o impacto do sistema de meios sobre crianças e adolescentes (‘media literacy’).”7

O conceito de gestão comunicativa, inerente ao educom.radio, amplia essas duas perspectivas:

“Trata-se de um campo voltado para o planejamento e a execução de políticas de comunicação educativa, tendo como objetivo a criação e o desenvolvimento de ecossistemas comunicativos mediados pelos processos de comunicação e suas tecnologias”.8

A visão da gestão comunicativa se propõe mais holística do que as duas abordagens norte-americanas. Acaba, por exemplo, com a dicotomia emissor x receptor, uma vez que, imersos na cultura, todos são, de distintas maneiras, emissores e receptores de comunicação, isto é, mediadores. O conceito de cultura, aliás, também é central para se compreender a prática educomunicativa.

A linha do NCE é a trilogia comunicação, educação e cultura. (Coordenadora do NCE)

O elo de ligação de todos esses conceitos é a teoria das mediações culturais, do colombiano

7“Caminhos da Educomunicação na América Latina e nos Estados Unidos”, Ismar de Oliveira Soares, Cadernos da Educomunicação, 1. Caminhos da Educomunicação, Editora Salesiana, 2001

8“Caminhos da Educomunicação na América Latina e nos Estados Unidos”, Ismar de Oliveira Soares, Cadernos da Educomunicação, 1. Caminhos da Educomunicação, Editora Salesiana, 2002

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Jesús Martín-Barbero, apresentada no livro acima citado “Dos Meios às Mediações: Comunicação, Cultura e Hegemonia”.

A proposta é compreender a “comunicação como um processo compartilhado e mediado pelos meios, mas não determinado só por eles.”9

Assim, de forma semelhante ao trio conceitual Conhecer, Analisar e Transformar da pedagogia do MOC (Movimento de Organização Comunitária, de Feira de Santana), o conceito de gestão comunicativa propõe, por meio de sua prática educativa, que as pessoas tomem consciência do conjunto dos processos comunicativos em que estão inseridas, e tenham os instrumentos (conceituais, tecnológicos) para atuar sobre eles, transformando tanto a cultura como a realidade. Evidentemente, isso tem um impacto profundo na educação escolar, com suas maneiras já arraigadas de gerir a comunicação e transmitir informações.

O educom põe professores, alunos e membros da comunidade, às vezes a direção também, todos juntos fazendo exercícios de práticas comunicativas. E mediante esses exercícios eles compreendem como funciona o sistema e como interferir nele. (Ismar de Oliveira Soares)

No plano das escolas, o projeto educom.radio consiste, como já dissemos, na instalação de um equipamento de rádio em cada uma das 455 escolas de ensino fundamental de São Paulo e em uma capacitação de 100 horas que cobrirá cerca de 12 mil pessoas em três anos e meio.

O equipamento proposto inicialmente pelo NCE à SME, que dependendo da forma como é feita a compra – processo de licitação, em bloco ou por partes etc. –custa entre R$ 6 mil e R$ 9 mil, é composto por:

1 Transmissor de rádio 10 Caixas receptoras 1 Antena 1 Mesa de oito canais

3 Microfones (2 sem fio) 1 Tape duplo 1 Gravador de CD 1 Fone de ouvido 1 Rack 5 Gravadores de mão

Esse equipamento é instalado na escola por uma equipe designada pelo fornecedor. A escola deve disponibilizar um espaço, “que comporte o equipamento e pelo menos uma das caixas receptoras, cadeiras e, se possível, um quadro negro, um armário e uma mesinha”10.

Em 2003, o NCE e o Projeto Vida estavam formulando uma lista mais enxuta de equipamentos, para facilitar sua aquisição e chegada mais rápida na escola.

A capacitação oferecida a educadores, estudantes e membros da comunidade cobre, no campo prático, a realização de produtos de comunicação, como pesquisas, programas de rádio, jornais; no campo teórico, a capacitação aborda as teorias acima esboçadas e eixos temáticos relacionados aos temas transversais dos PCN:

Meio Ambiente Diversidade Cultural Saúde Protagonismo Juvenil Leitura Crítica da Comunicação

O curso tem a duração de um semestre letivo, 12 sábados. Para as turmas que freqüentaram os primeiros semestres, havia sábados em que se trabalhava só teoria e outros em que se desenvolviam atividades práticas. Mas a experiência mostrou que é mais produtivo realizar num mesmo sábado atividades teóricas e práticas – embora isso signifique ter de deslocar mais profissionais (palestrantes, mediadores, radialistas) num mesmo dia pelas escolas. Professores e estudantes almoçam na escola nos dias da formação.

A distribuição das palestras e oficinas no currículo é feita em três módulos. Para certificação, admite-se uma falta por módulo. São quatro sábados por módulo.

9“O Lugar Social da Comunicação Mediática”, Mauro Wilton de Souza, Cadernos da Educomunicação, 1. Caminhos da Educomunicação, Editora Salesiana, 2002

10“O Educomunicador” nº 7

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Módulo 1: Comunicação e EducaçãoPalestras de Educomunicação

O campo da educomunicação Linguagens de comunicação Práticas educomunicativas Impacto dos meios sobre crianças e

adolescentes Políticas de Comunicação

Oficina de diagnóstico da EducomunicaçãoOficina sobre produção radiofônica

Módulo 2: Planejamento e Educomunicação Palestras sobre Eixos Temáticos

Oficina de Planejamento de EducomunicaçãoOficina de Multimídia – Rádio, Jornal e VídeoMódulo 3: Comunicação e Projetos Colaborativos

para a Construção da Paz Palestras sobre Eixos Temáticos Oficinas de Práticas Radiofônicas Oficinas de multimídia

Avaliação

Em cada escola, local onde ocorre a capacitação, há turmas, em média, de 25 pessoas, divididas entre:

13 professores 2 membros da comunidade 10 estudantes

Esses participantes são indicados pela escola – o que faz com que os grupos variem muito de perfil. Segundo coordenadores envolvidos, há escolas que encaram a participação no projeto como um prêmio; outras que colocam essa participação como a última chance para determinados alunos. Há professores que ingressam no curso pelos pontos na carreira; quando o projeto ganha visibilidade na escola, muitos estudantes se aproximam.

O número de escolas envolvidas aumenta a cada semestre; chegando em 2003 a cerca de seis escolas por pólo (são 13 ao todo).

Quando as escolas recebem o equipamento após o curso, o NCE oferece uma capacitação suplementar de 6 horas, onde são atendidas duas turmas de 10 a 15 pessoas. Há uma certa

circulação de público entre a primeira capacitação e esta, especialmente entre os estudantes. A escola recebe ainda dez exemplares do “Manual do Equipamento”.

O número 5 do boletim “O Educomunicador”, do NCE, ressalta em um artigo que “os 25 membros da comunidade escolar que participam do educom em cada uma das unidades de ensino formam o núcleo de multiplicadores que irá, com sua ação, determinar o sucesso ou não do projeto na escola”.

A formação dos professores da escola também é central para o sucesso do projeto. Nesse campo, surgem desafios relacionados à formação inicial desses professores e à formação oferecida pelo educom.radio.

A formação que a gente recebe é tradicional. As faculdades precisariam também estar se renovando. (Assistente do educom.radio)

Com a formação inicial oferecida pela maioria das faculdades hoje, a tendência é a comunicação e as tecnologias serem, também, escolarizadas, ficando limitadas a certos horários e profissionais.

A escola ainda ocupa um espaço importante de construção de referências. A questão é como a escola pode usar outros meios sem escolariza-los. (Coordenadora do NCE)

O professor se espelha muito na questão do livro e do giz, porque é a alternativa de trabalho que ele tem. Mas tem professores que mesmo sem recursos conseguem fazer diferente. Tem que abortar o currículo pré-determinado, pegar a pauta do dia e trazer o currículo para isso. (Matias Vieira, coordenador do Projeto Vida)

Em relação à didática do próprio educom.radio, a coordenação do projeto detectou, por meio de avaliações, que alguns dos palestrantes estavam reproduzindo um modelo “bancário”, ás vezes até

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autoritário, de ensino. Em 2003 começou a haver reuniões também com esses palestrantes.

A origem essencialmente acadêmica do educom.radio faz com que o processo educativo seja sempre mais valorizado do que o produto de comunicação – ao contrário do que ocorre em muitas experiências de Educação, Comunicação & Participação lideradas por jornalistas.

A educomunicação está sempre ressaltando o processo. O produto deve favorecer o próprio processo. (Coordenadora do NCE)

O produto na verdade é o resultado de um processo afetivo. Perde a característica de um produto obrigatório. Criatividade, negociação, gestão, isso é que é importante. É um processo coletivo de produção de sentidos, que pode até ser refletido lá no programa de rádio. (Coordenadora do NCE)

Se há foco no produto, o risco é ter um uso mecanicista da comunicação, uma relação autoritária. O produto é resultado, é lúdico. (Formadora do educom.radio)

Atingir a qualidade é uma questão de evolução do processo do grupo. (Coordenadora do NCE)

O grupo coordenador pensou em criar uma rede de radialistas amigos da criança, para apoiar o projeto nas escolas, levando a elas seu know-how. Mas a idéia não progrediu. Para envolver radialistas voluntários seria necessário capacita-los – caso contrário, haveria o risco desses voluntários também reproduzirem modelos funcionalistas de educação, dificultando mudanças no ecossistema comunicativo da escola. O forte foco no processo também potencializa conflitos entre os educadores do NCE e do Projeto Vida com alguns comunicadores – em geral, mais focados no produto.

O tratamento dado aos erros tem certa semelhança com a idéia da adequação usada pela Cidade Escola

Aprendiz – para quem, na aprendizagem da leitura e da escrita, não há erros, mas usos adequados e inadequados da linguagem, dependendo do contexto, do suporte, da mediação, e a questão é perceber essa adequação. No caso do educom.radio, a proposta é que a correção seja negociada.

Todas as correções têm que ser negociadas pelo grupo. (Formadora do educom.radio)

PARTICIPAÇÃOA educomunicação pressupõe e promove a participação.

A qualidade do ecossistema comunicativo da escola é central. Se é mais aberto, tem pais participando, grêmio estudantil, há grande possibilidade do projeto se enraizar. A questão é das pessoas envolvidas. (Articulador do educom.radio)

A entrada de uma tecnologia de comunicação em uma escola, como uma rádio, embora possa ser escolarizada (como vem acontecendo com os laboratórios de informática), tende a favorecer ecossistemas comunicativos mais participativos.

A rádio promove a democratização do espaço escolar [...] estimula a criação de grêmios estudantis. (Matias Vieira, coordenador do Projeto Vida)

Pelo menos duas questões são centrais para essa transformação: a ressignificação da identidade dos envolvidos e a construção de novas relações, principalmente, entre professor e aluno.

A grande sacada é fazer do aluno um sujeito da

educação. Com rádio, ele é um sujeito pleno. Ele faz a pauta, ele fala, ele avalia [...] Na escola o professor em geral fala, fala, fala, e não tem discussão. Não há o exercício da participação. Muitas concepções de educação defendem a dialogia. A rádio proporciona

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isso. Não é o professor que cria. É o estudante que cria. (Matias Vieira, coordenador do Projeto Vida)

Isso de fato aumenta a participação estudantil. Em um caso, alunos do projeto discordaram de uma decisão da diretora. Foram até ela e a entrevistaram sobre o assunto, e puseram suas explicações no ar. Nesses lugares, os educadores participantes afirmam que há um incremento significativo de auto-estima entre as crianças e jovens envolvidas. Para alguns, isso se deve ao fato de que na educomunicação “as pessoas se sentem capazes, se vêem presentes naqueles produtos”. (Mediadora do educom.radio)

O acesso dos estudantes aos equipamentos, às informações sobre a escola e às instâncias de decisão e poder aparece na experiência do educom.radio como um fator central para o sucesso do projeto, no campo da participação:

O projeto funciona melhor quando há o movimento de soltar o equipamento. (Coordenadora do NCE)

A gestão participativa, para ocorrer, necessita que se disponibilize as informações e se envolva na tomada de decisões. (Assistente de coordenação do educom.radio)

Se fizermos uma gestão participativa, se nós ao

definirmos um conteúdo ou uma linguagem para o programa de rádio fizermos isso coletivamente; discutimos e, se houver discordâncias, fazemos uma votação, em que todos têm igual direito, professor ou aluno, independentemente de sua posição social, nós introduzimos uma prática que quebra as hierarquias, em função de uma comunicação não hierarquizada. (Ismar de Oliveira Soares)

RELAÇÕESConsiderando que um de seus principais objetivos é quebrar hierarquias e paradigmas pedagógicos mais tradicionais e autoritários, o conflito é inerente

à educomunicação e ao educom.radio. Assim, a gestão comunicativa, mais do que uma metodologia de superação de conflitos, é uma maneira de estar lidando permanentemente com o cotidiano essencialmente conflituoso da educação.

Se nós temos 12 mil pessoas envolvidas, temos 12 mil expectativas. E você tem que gerenciar as expectativas. (Ismar de Oliveira Soares)

É interessante notar que, nesse aspecto, o projeto lida com duas questões centrais no campo da administração contemporânea: relacionamentos e mudanças. O educom.radio, além de envolver uma variedade enorme de relações, propõe processos de mudança nesses relacionamentos.

“[A educomunicação] trata-se, na verdade, de uma perspectiva de análise e de articulação em permanente construção, e que leva em conta o contínuo processo de mudanças sociais e de avanços tecnológicos pelos quais passa o mundo contemporâneo.”11

Apesar dos conflitos, há também belos encontros no educom.radio, com destaque para os momentos em que pessoas de extratos e idades diferentes se reúnem na salinha da rádio e produzem um programa ao vivo, para toda a escola.

Mudou a nossa relação com os professores. Agora a gente é mais amigo. (Aluna da Escola Municipal de Ensino Fundamental, Professor Pasquale)

REGISTRO, SISTEMATIZAÇÃO, AVALIAÇÃO E DISSEMINAÇÃOO fazer da universidade e, conseqüentemente, do NCE, envolve essencialmente registro, sistematização, avaliação e disseminação. Assim, é grande a diversidade de materiais nessas áreas relacionadas ao educom.radio.

Um dos pontos altos são os “Cadernos de Educomunicação”, publicados pelo NCE em

11“Caminhos da Educomunicação na América Latina e nos Estados Unidos”, Ismar de Oliveira Soares, Cadernos da Educomunicação, 1. Caminhos da Educomunicação, Editora Salesiana, 2002

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parceria com a Editora Salesiana. Reúnem textos conceituais abrangentes e didáticos, que fazem uma boa introdução acadêmica ao tema. São distribuídos para os participantes do curso.

Outro destaque é o site do educom.radio (www.educomradio.com.br), que disponibiliza a bibliografia básica do projeto, artigos e reportagens, entre muitos outros textos e ambientes de encontro, formação e discussão virtual (o próprio NCE mantém um site, com artigos e bibliografias, e publicações acadêmicas associadas à Escola de Comunicações e Artes da USP e a outras instituições da área).

No NCE há pelo menos três pós-graduandos da equipe desenvolvendo teses em torno da experiência do educom. Mais de dez pesquisadores de outras faculdades e universidades também têm demandado informações – além de estudantes de dois trabalhos de conclusão de cursos de graduação.

O ponto ainda falho, como apontado acima, é a falta de uma avaliação externa. Esse tipo de informação é fundamental para o planejamento e a disseminação da educomunicação e de outros projetos de Educação, Comunicação & Participação por meio de políticas públicas.

O projeto também carece de recursos para sistematizar a enorme quantia de registros que está acumulando – textos, vídeos, depoimentos etc.

Entre os principais instrumentos de registro e avaliação do educom.radio, estão:

Fichários individuais, com vários formatos de registro

Ao final de cada dia do curso, os participantes preenchem fichas relatando as aprendizagens e impressões. Esse material é usado no final para avaliar o andamento das atividades

Relatório por turma, escrito por um mediador

Relatório de avaliação final do curso, feito por todos os educadores envolvidos

Registro inicial de expectativas dos diversos atores

Relatórios das equipes do NCE Atas de reuniões Roteiros para entrevistas Sugestões de dinâmica

Além disso, todos os articuladores e mediadores acompanham as atividades desenvolvidas nos cursos, produzindo relatórios semanais e discutindo-os nas reuniões de formação e avaliação com a equipe do NCE. Já há mais de 1.200 desses relatórios escritos.

RESULTADOS E PRODUTOSOs resultados e produtos do educom.radio se multiplicam na proporção das comunidades formadas em educomunicação e das rádios instaladas nas escolas. O projeto terminou 2003 com 264 das 455 escolas cobertas e 6.580 pessoas inscritas nas formações – o que significa que praticamente 40% do trabalho será realizado em 2004.

Em novembro de 2003, o educom.radio também promoveu o I Simpósio Brasileiro de Educomunicação, interligando os 13 pólos de São Paulo, com uma rede de comunicação composta de diversos meios – rádios, vídeos, internet, boletim – produzidos por crianças, adolescentes, educadores, pais e mães, entre outros atores das comunidades escolares.

Em 2002, além do simpósio e do educom.radio, o NCE executou um programa em parceria com o governo do Estado de São Paulo, o Educom.TV. O objetivo era semelhante ao do educom.radio: “Motivar os professores a reverem suas práticas educativas à luz da teoria da educomunicação”. Teve a inscrição de 2.240 professores, coordenadores pedagógicos e diretores de 1.024 escolas estaduais de São Paulo. O curso foi semi-presencial, com a maioria das atividades desenvolvidas a distância. Resultou em 980 projetos de educomunicação, elaborado por duplas de cursistas, envolvendo a utilização de materiais produzidos pelo TV Escola do MEC.

O boletim “O Educomunicador”, editado pelo NCE, inicialmente com apoio da Editora Salesiana, já estava na 18a edição ao final de 2003. Com oito

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páginas coloridas, a publicação traz matérias sobre as atividades do núcleo, crônicas dos educadores sobre suas experiências no educom, artigos sobre a história do rádio, resultados das avaliações, orientações para participantes dos cursos, entre outros assuntos de interesse para educomunicadores.

Esses são alguns dos resultados e produtos do NCE, sem considerar a produção propriamente acadêmica, que cobre de teses de doutorado a dissertações e cursos de extensão. A tendência é de ampliação significativa dessas atividades, tendo em vista a demanda crescente na área, a nova parceria com o MEC, entre muitas outras oportunidades que vêm surgindo para o grupo que coordena o educom.radio.

Mas talvez o produto ou resultado mais

importante do projeto seja o que acontece com as crianças que realmente se envolvem nas experiências educomunicativas. Ao criar seus meios de comunicação, mudam a relação com os meios de comunicação de massas e com a aprendizagem e o conhecimento, se apropriam mais de seus próprios destinos.

A criança, no início, até reproduz a linguagem conhecida . Mas como ela é muito criativa recria, ressignifica. (Formadora do educom.radio)

Com isso, essas crianças vivenciam o que é ser cidadão.

É com a prática que se aprende. Não se chega à democracia falando nela. (Coordenadora do NCE)

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Dados - NCE

Nome Núcleo de Comunicação e Educação

Natureza da organização Núcleo de Pesquisa e Extensão da USP

Missão

Realizar pesquisas com temas referentes à interface entre os campos da comunicação e da educação, aplicando os resultados em projetos que possibilitem o repensar das práticas pedagógicas à luz da necessária confluência com a chamada idade mídia, apoiando-se no conceito de educomunicação.

Endereço Av. Prof. Lucio Martins Rodrigues, BL 22, Sala 26. Cidade Universitária. São Paulo/SP (CEP: 05508-900)

Telefone (0xx11) 3091- 4784 / 7716-5698

E-Mail [email protected]

Site www.educomradio.com.br;

Responsáveis Prof. Dr. Ismar de Oliveira Soares (coordenador)

Infra-estrutura Sala com computadores, arquivos, material de consumo, gravadores, vídeo, tv, acervo de fitas, projetos e pesquisas, papers, etc.

Principais Programas/Projetos educom.rádio – educomunicação pelas ondas do rádio – em andamento.

Números de atendimento

até dezembro de 2004 deverá atender às 455 escolas de ensino fundamental do município de São Paulo, perfazendo cerca de 11.000 cursistas, entre funcionários das escolas (professores e outros), alunos e membros da comunidade do em torno.

Equipe/Formação/Capacitação

Aproximadamente 150 pessoas, entre equipe de capacitação e formação e equipe administrativa.

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Formas de Contratação

Mediante contrato de prestação de serviço firmado entre a pessoa física e a Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo (FUSP), entidade que é contratada pela Secretaria Municipal de Educação – Projeto Vida – para executar o curso.

Produtos Durante o curso são feitas principalmente produções radiofônicas, mas também algumas produções em vídeo e jornais murais.

Orçamento R$ 5,8 milhões em três anos e meio

Principais Parceiros O curso foi contratado pela Secretaria Municipal de Educação, por meio do Projeto Vida, junto ao NCE/ECA/USP.

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Anexo I - NCE

Alunos da rede municipal de ensino fundamental se reuniram no último dia 6 de dezembro, em treze locais diferentes de São Paulo, nas regiões leste, oeste, norte e sul, para redigir um manifesto sobre a rádio que desejam construir em suas comunidades escolares. Foram, ao todo, 780 estudantes de 80 escolas que trabalharam na elaboração do Manifesto “A rádio que queremos”. O documento a seguir contém as idéias que crianças e adolescentes defendem para uma nova forma de comunicar e entender o espaço de ensino. Veja e opine!

“Queremos uma rádio que tenha a participação de todos, seja livre para a gente dizer o que pensa e dê transparência ao que se faz na escola. Antes de serem tomadas decisões que mexem com a gente, queremos que elas sejam apresentadas e discutidas na rádio, e que ela convide toda a comunidade a se manifestar.

Queremos uma rádio que não fira ninguém com nenhuma forma de discriminação, que ajude a nos prevenir contra a ameaça das drogas e da violência. Queremos uma programação escolhida democraticamente por todos nós, com muita música, que divulgue as bandas novas que tocam na escola e o teatro que fazemos; que tenha notícia e que politize, mas sem ser chata.

A rádio da gente precisa de humor, esporte e, uma coisa muito importante: precisa divulgar o ECA para os 4 cantos do mundo porque muitas pessoas não sabem ainda o que diz o Estatuto da Criança e do Adolescente. Nós já sabemos com certeza que educação depende de comunicação.Talvez, um slogan legal para a rádio que queremos seja este: os incomodados não se mudem, os incomodados que façam mudar!”

A RÁDIO QUE QUEREMOS

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Anexo I - NCE

NAE ___ Data __ /__ /__ Atividade [ ] pólo [ ] UE

1. NOME

2. EMEF´s PRESENTES

3. SOBRE OS CURSISTAS• Perfil do grupo (expectativas, grau de envolvimento, tipo de intervenção, posicionamento frente à equipe do

educom.rádio)• Facilidades/dificuldades encontradas no relacionamento interpessoal• Questões levantadas sobre o projeto

• Sugestões do grupo

4. SOBRE O REPRESENTANTE DO NAE• Nome do representante• É cursista? (sim ou não)• Participou das atividades dos cursistas programadas para o dia?• Facilidade/dificuldade de comunicação com o articulador

• Questões levantadas pelo representante ao NCE

5. SOBRE A EQUIPE NCE• Grau de envolvimento/iniciativa/empenho/colaboração• Relacionamento entre os pares (facilidade/dificuldade)

• Comunicação com os cursistas (facilidade/dificuldade)

6. SOBRE O DESENVOLVIMENTO DAS ATIVIDADES• Nome da palestra• Nome do palestrante• Facilidades / dificuldades de comunicação com o articulador e com os cursistas

• Aspectos que o palestrante estabeleceu de ligação entre a sua palestra e o projeto como um todo

7. VISITAS AO NAE • Nome• Motivo da visita

• Alteração na rotina (se houve, explicite)

8. CONSIDERAÇÕES SOBRE AS AÇÕES• Relações entre teoria e prática

educom.rádio 5ª fase

RELATÓRIO SEMANAL DE ARTICULAÇÃO

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RELATÓRIO SEMANAL DE ASSISTÊNCIA DE COORDENAÇÃO

NAE ___ Data __ /__ /__ Atividade [ ] pólo [ ] UE1. NOME

2. LOCAL

3. ESCOLAS PARTICIPANTES

4. EQUIPE NCE

Função Nome Chegada Saída

Articulador

Assistente

Capacitador

Capacitador

Capacitador

Capacitador

Capacitador

Capacitador

5. NÚMERO DE CURSISTAS PRESENTES

Manhã Tarde

Professores

Comunidade

Estudantes

Diretores

Coordenadores

TOTAL

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6. SUBSTITUIÇÕES DE CURSISTAS

EMEF NOME Prof Com Est

7. NAE

Houve presença de representante [ ] sim [ ] não

Tempo de permanência no encontro das às horas

Nome do representante

8. INFRA-ESTRUTURA DA ESCOLA

Acomodação / Condições de limpeza

Equipamentos

Tevê [ ] Sim [ ] Não [ ] Nº de aparelhos

Som [ ] Sim [ ] Não [ ] Nº de aparelhos

Retroprojetor [ ] Sim [ ]Não

Disponibilidade dos equipamentos no dia

Refeições

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9. ATIVIDADES DOS ADULTOS

Manhã Tarde

10. PALESTRA

Palestrante Período

11. DEMANDAS E SUGESTÕES

12. INFORMAÇÕES PARA A SECRETARIA DO NCE

13. CONSIDERAÇÕES SOBRE AS AÇÕES

_________________ __________________Local e Data Assinatura

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educom.rádio 5ª fase

RELATÓRIO SEMANAL DE MEDIADOR

GRUPO 4MARIAZINHA FUZARIAtividade [ ] pólo [ ] UEData __ /__ /__

1. MEDIADOR

2. EMEF(s) atendida(s)

• Citar as escolas com as quais você trabalhou

3. Nº de cursistas [ ] mulheres [ ] homens [ ]

4. ATIVIDADES DESENVOLVIDAS NO DIA

5. SOBRE OS CURSISTAS• Perfil do grupo (expectativas, grau de envolvimento, tipo de intervenção, posicionamento frente à equipe do

educom.rádio)• Facilidades/dificuldades encontradas no relacionamento interpessoal• Questões levantadas sobre o projeto

• Sugestões do grupo

6. CONSIDERAÇÕES SOBRE AS AÇÕES

• Relações entre teoria e prática

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HISTÓRIAComo diz o próprio nome, a Oficina de Imagens, de Belo Horizonte, começou seu trabalho de educação e comunicação pelas imagens. Quando decidiram fundar a organização não-governamental, seus principais líderes já tinham um extenso percurso em trabalhos com fotografia e vídeo, muitas vezes entrelaçados aos campos da educação e da arte.

As instituições pelas quais passaram os líderes ao longo da década de 90 incluem a área de vídeo-jornalismo da PUC de Minas Gerais, a comunicação da Secretaria de Estado da Saúde e da Secretaria Municipal da Educação de Belo Horizonte, a TV Educativa de Minas Gerais, a Rádio Favela de Belo Horizonte, uma escola particular construtivista voltada para crianças com problemas de sociabilidade, entre outras.

O certo é que havia um grupo de pessoas, com vínculos antigos de amizade, que já transitava na interface entre educação e comunicação, mantinha relações com a Universidade, e que passou boa parte da década de 90 fazendo experimentações educomunicativas, por vezes remuneradas, outras não. “Fomos juntando repertórios”, conta um dos líderes, sobre o grupo de estudos que constituíram em torno de 1997.

Influenciados por autores como Walter Benjamin, Pierre Levy e Arlindo Machado, o grupo tinha como tema transversal a preocupação com o papel da comunicação e de seus meios na formação política das pessoas. Alguns eventos ocorridos nessa época, como um encontro sobre imagem e educação,

no MIS (Museu da Imagem e do Som, de São Paulo), também contribuíram para a determinação do grupo em dar continuidade e mais consistência a suas experiências de educação e comunicação.

É dessas experimentações que surge o Projeto Latanet – Da Latinha a Internet, hoje o principal programa de educação pela comunicação da Oficina de Imagens. “Vi que para fazer vídeo com as crianças teria de montar um percurso e que teria de começar trabalhando com foto”, diz um dos líderes. E foram as primeiras fotos, feitas com uso de latas, numa técnica denominada “pin-hole” (buraco de agulha), que acabaram dando nome ao programa. Um programa que vem mudando significativamente, ano-a-ano, desde 1997, e que hoje concentra-se mais na capacitação de professores, embora sempre inclua estudantes.

O interessante na construção inicial dos fazeres pedagógicos do grupo é a maneira como os diversos conteúdos e experiências foram sendo tecidos. Por exemplo: uma das etapas atuais do Latanet, que é a construção de objetos óticos, foi inspirada em um programa de televisão voltado para crianças. Ele tratava de câmeras escuras (grandes caixas, com um pequeno furo de um lado, pelo qual entra a luz e projeta, no outro lado, a imagem invertida do que estiver no exterior). Coisas da física ótica, mas que também remetem a uma tecnologia do Renascimento, usada para desenhar as paisagens dos quadros. Assim, um simples programa na TV deu origem a uma das mais divertidas e envolventes

Oficina de Imagens

OficinaOficina de Imagens

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oficinas do Latanet, em que se tecem ciência, história, cidadania, comunicação, arte...

E foi construindo esses objetos óticos, inventando novos, analisando os fenômenos físicos envolvidos neles, discutindo textos, fazendo fotos pin-hole, trocando os resultados dos trabalhos e das discussões por e-mail, que o grupo de jornalistas e educadores realizou a primeira edição do Latanet, ainda bastante tentativa e assistemática, com oficinas que envolviam adolescentes moradores de Vigário Geral, no Rio de Janeiro, e do Alto Vera Cruz, em Belo Horizonte, ambos bairros de baixa renda e IDH.

A ênfase era em desestigmatizar o olhar sobre o pobre, e os educadores discutiam com os participantes como eles poderiam comunicar seu próprio olhar. “A gente achava que as pessoas tinham que falar do mundo a partir das suas comunidades. Fazia Paulo Freire sem saber”, diz um dos líderes da Oficina de Imagens.

Nessas discussões aparecia a Rede Globo, mas também a pintura no Renascimento, e o papel de ambos na difusão de determinados olhares e culturas. Também eram tema de conversas e atividades a relação da arte com a ciência, e desta com o desenvolvimento desses olhares; o surgimento do impressionismo, do surrealismo, do pensamento freudiano, tudo isso no contexto da sociedade industrial. “Se no campo da linguagem visual teve toda uma experimentação, a escola estava se organizando como uma linha de produção”, afirma um educador e comunicador.

Esse caldo de cultura de pessoas, instituições, referências e imagens concretiza-se em 1998 na criação oficial da Oficina de Imagens. O trabalho experimental do Latanet continua em 1998, menos sistemático ainda do que em 1997, por falta de recursos, mas com oficinas, palestras e participação em eventos, como o Seminário Internacional de Educação e Comunicação do NCE-ECA-USP, que também participa desta pesquisa.

Nesses eventos seus educadores conhecem várias outras pessoas que também vinham fazendo

experiências na área: do próprio NCE, de São Paulo, do Auçuba, em Recife, da TV Maxambomba, no Rio, do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia – uma das raízes históricas da Cipó –, entre várias outras instituições

Em 1998 e 1999 o desafio principal torna-se trabalhar como uma organização – naquela fase, ainda sem qualquer apoio financeiro. O grupo realiza duas edições de seu próprio Fórum de Educação e Comunicação, trabalha com a Rádio Favela, então em fase de grande visibilidade, produzindo um programa chamado “De Olho na Mídia”. Este abre um novo braço de ação para o grupo, ao coloca-los em contato com a ANDI e sua proposta de criar uma rede nacional de monitoramento da mídia.

A crescente articulação com outras pessoas, projetos e instituições os leva a integrar a Rede de Educação pela Comunicação (Reducom), mantida então pelo Instituto Ayrton Senna. Nesse trabalho, o grupo se vê, novamente, desafiado a sistematizar o que aprendera até então para estruturar o currículo do projeto Latanet e realiza-lo, ao longo de 2000, em parceria com o Centro Cultural Maria Lívia, instituição de Belo Horizonte experiente em arte-educação. A questão escolar se torna cada vez mais presente.

A parceria com o Instituo Ayrton Senna se desdobra em outro trabalho, de produção de vídeo-cartas por estudantes participantes do Programa Largada 2000, promovido pelo SESI em parceria com o Instituto.

Como em outras organizações, o desenvolvimento dos programas da Oficina de Imagens reflete os altos e baixos de financiamento. Assim, 2001 é um ano em que, de um lado, nasce a Agência da Rede ANDI na Oficina, que mais tarde daria origem ao Núcleo de Comunicação e Mobilização Social. Mas, por outro lado, faltam recursos para a continuidade mais consistente do Latanet, que novamente ocorre por meio de oficinas e participação em eventos. E foi num desses eventos, o 1o Seminário Brasileiro de Crianças e Adolescentes Trabalhadoras, promovido pelo Movimento Nacional dos Meninos e Meninas

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de Rua, que os líderes do Latanet se aproximam do UNICEF, que desde 2002 apóia o projeto.

Os recursos do UNICEF e a consolidação da Agência da Rede ANDI, com o ingresso de outros apoiadores, leva a uma crescente profissionalização da ONG, a partir de 2002, permitindo que seus líderes dediquem mais tempo aos projetos. Mas mesmo quando os recursos faltam, os trabalhos externos agregam conhecimentos importantes, como a fase em que um dos líderes produz vídeos para a rede municipal de ensino de Belo Horizonte, no final de 2001: “Aí é que eu fui entrar na Educação.”

No segundo semestre de 2002 começa a ser implantado na ONG o Núcleo Multimeios, que hoje reúne os trabalhos de produção de comunicação por estudantes e educadores. É quando começa a ser implantado o Projeto Latanet 2002, que trabalhou com 40 estudantes de duas escolas municipais, em encontros semanais ao longo de um semestre, e com 16 professores, em reuniões esporádicas de formação [leia mais em pedagogia / metodologia]. Esta experiência que deu origem a um bom documento de sistematização [leia no item correspondente à frente].

Em 2003, com o apoio do UNICEF na articulação de uma parceria mais sistemática com a Secretaria Municipal de Educação, o foco do Latanet muda dos estudantes para os educadores e o programa de formação, também no segundo semestre, envolve encontros aos sábados de 45 professores e 15 gestores, com 10 monitores jovens formados no Latanet 2002. Para 2004 a idéia é formatar um conjunto de materiais, num kit pedagógico, com práticas e conceitos. “O processo que está construindo (esses materiais); não adianta criar um pacote e baixar na rede”, diz um dos líderes da ONG.

Uma parceria com o Instituto WCF – Brasil e com a Visão Mundial, atraídos pelos resultados alcançados pela organização, abre um novo programa. Este, mais centrado no protagonismo juvenil, forma 20 lideranças juvenis de comunidades

de baixa renda, para trabalhos de combate à violência, ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes.

GESTÃOO “aprender fazendo”, que caracteriza boa parte das experiências pedagógicas desta pesquisa, tem, no caso da Oficina de Imagens e de outras organizações jovens como ela, um componente forte na área de gestão.

No “boom” do chamado Terceiro Setor, a partir de meados da década de 90, surgiram inclusive prêmios e programas de apoio para instituições como a Oficina de Imagens, que são criativas na atividade fim, mas muitas vezes trazem um repertório reduzido de conhecimentos e experiências de gestão.

No caso específico da Oficina de Imagens, a gestão é identificada pelos próprios líderes como um dos desafios atuais da organização, dada a grande expansão em programas e atendimento desde 2001. Também semelhante a outras ONGs desta pesquisa, um dos líderes faz parte da rede montada no país pela Fundação Avina, e tem como projeto nesta parceria o fortalecimento da gestão da Oficina.

Atualmente há uma divisão dos fazeres da organização em dois núcleos, um mais relacionado a programas que utilizam a comunicação na educação, que em 2003 reuniu o Latanet e o Jite (Jovens Interagindo); outro, centrado na relação com os meios de comunicação e a comunicação de massas, onde, entre outras coisas, são desenvolvidas as atividades da Rede ANDI. O primeiro é denominado Núcleo Multimeios e o segundo, Núcleo de Comunicação e Mobilização Social.

Ao contrário de outras organizações desta pesquisa, onde a liderança ou recai nitidamente em uma pessoa, ou recai em instâncias institucionalizadas de poder, no caso da Oficina a liderança principal é exercida por duas pessoas, que inclusive dividem a mesma sala de trabalho. Até recentemente, ambos participavam de tudo. Com

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a instituição dos dois núcleos, definiu-se que um lideraria um núcleo e outro, o outro. As questões mais gerais da organização são deliberadas por estes dois junto a outros integrantes da equipe (inclusive da diretoria, mais distante do dia-a-dia).

O programa da Oficina mais centrado na disseminação de metodologia de educação e comunicação em escolas públicas é o Latanet, e analisaremos a seguir a gestão mais específica deste trabalho.

Embora o Latanet 2003 (e mesmo 2002) seja uma parceria com a Prefeitura de Belo Horizonte e, mais especificamente, com a Secretaria Municipal de Educação, o grosso das atividades de gestão do programa recai sobre a Oficina de Imagens. Mas é um peso que, de certa forma, a ONG junto com o UNICEF buscam sistematicamente dividir com o poder público.

A tendência, como em vários outros casos, é o trabalho do Latanet ser visto como algo externo à rede de ensino, quase como uma terceirização de trabalhos extra-curriculares. Mas, longe disso, o Latanet é praticamente uma proposta curricular completa [leia mais em pedagogia / metodologia] e sua verdadeira implementação implicaria uma revisão significativa da própria organização dos tempos e atividades escolares.

Cientes disso, a Oficina de Imagens e o UNICEF pediram, ainda em 2002, uma reunião com o secretário da Educação, para apresentar o projeto e sua articulação na rede. Belo Horizonte tem tido o privilégio, entre os municípios do país, de ter uma política educacional consistente e contínua há três gestões (o mesmo ocorrendo, aliás, no nível estadual). E uma das propostas centrais da Secretaria Municipal de Educação é exatamente a gestão participativa.

Foi assim que se constituíram duas instâncias gestoras para o Latanet, uma mais política, que inclui lideranças das três entidades (Oficina, SME e UNICEF) e se reúne uma ou duas vezes ao ano, e outra mais técnica, composta por gestores da SME

e pelos coordenadores do Latanet, com reuniões, no mínimo, mensais. Mesmo assim, o grosso das decisões no dia-a-dia é da Oficina, já que é ela que executa o programa e faz as articulações necessárias para que ele de fato ocorra.

Mas a costura técnica-política com a Secretaria é vista como crucial pelas lideranças da ONG: “O que é construir uma política pública? É uma política construída pelo governo, uma política governamental? Ou é uma política construída por diversos atores sociais?”, pergunta um desses líderes. “Não adianta a gente querer colocar o Latanet como política governamental, tem que ir ao encontro da escola e não de encontro.”

Ao longo dos trabalhos de 2002 e 2003 construiu-se uma certa divisão de papéis em certas áreas. Por exemplo, a comunicação com os professores é mediada pela Oficina de Imagens; já a comunicação institucional com as escolas é feita através da secretaria.

A Oficina vê seu papel como o de “provocação”, “articulação”, “trazer a metodologia”, “execução do projeto”, “formatação”, “capacitação”. A SME, além do papel político, cria as condições para que essas ações sejam possíveis.

“O que faz funcionar melhor é nossa autonomia política. Nós não estamos amarrados à escola nem à política governamental”, afirma uma liderança da Oficina, apontando para um fator que pode ser essencial para a introdução de projetos de Educação, Comunicação & Participação em redes públicas de ensino. Isto é, a necessidades da articulação de atores sociais com diferentes níveis de comprometimento com as diversas instâncias das redes educativas.

SUSTENTABILIDADE Os altos e baixos de financiamento para projetos, comuns em muitas ONGs desta pesquisa, são marcantes nos primeiros anos da Oficina de Imagens. A própria história do Latanet, principal programa analisado neste texto, é vinculada a esses altos e baixos.

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Assim, em 1997, surge o Latanet, unindo adolescentes de comunidades pobres do Rio e de BH, com um pequeno apoio da Secretaria Municipal de Educação e muito esforço e investimento pessoal dos líderes desse processo. Em 1998 e 1999, o programa existe apenas em oficinas e participação em eventos, pois não há um parceiro financiador fixo. Em 2000, parceria com o Centro Cultural Maria Lívia e o Instituto Ayrton Senna faz o programa ressurgir, mais organizado e com mais profundidade. Em 2001, novamente o programa entra em recesso, por falta de recursos. Só em 2002, com a parceria com o UNICEF e a SME é que o programa realmente consolida sua sustentabilidade – garantida, atualmente, inclusive em 2004.

A questão é que, quando há recursos, os resultados são cada vez mais consistentes. E isso traz cada vez mais parceiros – como no caso do Instituto WCF. Central também para a visibilidade e conseqüente sustentabilidade da ONG foi a participação na Rede ANDI – porta de entrada da WCF. Em 2001, os únicos recursos disponíveis na ONG eram os que vinham da Rede ANDI. Atualmente, os parceiros e financiamento se multiplicam à medida que a ONG amadurece técnica e politicamente, inserindo-se cada vez mais nos meios de comunicação e nas redes educativas da cidade de Belo Horizonte. Hoje a ONG executa oficinas em várias partes do país.

Embora não esteja situada diretamente no eixo Rio-São Paulo, onde os recursos do Terceiro Setor são mais abundantes, a proximidade geográfica facilita o acesso a esses potenciais parceiros. E o fato é que a ONG vem diversificando suas fontes de financiamento e, se isso for associado, como se pretende, a um processo mais profundo de planejamento estratégico da organização, a sustentabilidade tenderá a sofrer menos altos e baixos do que os que ocorreram nos anos iniciais.

PARCERIA COM A ESCOLAImpossível falar das parcerias estabelecidas pela Oficina de Imagens com as escolas de Belo Horizonte sem citar, primeiro, a política do Executivo municipal

para sua rede de ensino. Denominada “Escola Plural” e implementada a partir de 1995, essa política foi uma das primeiras na Brasil a instituir o sistema de ciclos no ensino fundamental (mecanismo que possibilita um rearranjo dos currículos e da organização dos tempos escolares; o que às vezes é reduzido, em comunicações desinformadas, à eliminação da reprovação de uma série para outra).

A Escola Plural propõe uma gestão participativa das escolas (há eleição dos diretores na rede municipal e estadual de Minas desde 1989), rotatividade de professores nos cargos técnicos da secretaria, especialmente na área de formação, Projetos Político Pedagógicos por escola, que pode solicitar recursos específicos para implantação de projetos especiais. Enfim, uma série de medidas em geral consensuais entre educadores como indutoras de qualidade no ensino.

Foram muitas as iniciativas inovadoras que surgiram na rede municipal de Belo Horizonte desde então. Mas tem sido igualmente forte a resistência que esse tipo de proposta encontra nas próprias escolas e entre as famílias, que em geral trazem o repertório da escola tradicional, seriada, com currículo centralizado na secretaria e pedagogia “bancária”.

Assim, a Oficina de Imagens enfrenta na sua relação com as escolas a mesma dualidade: pelo lado dos gestores da educação municipal, está perfeitamente de acordo com a política proposta; já pelo lado das escolas, de seus agentes e suas comunidades, o trabalho não flui tão fácil.

Por exemplo, as escolas de Belo Horizonte podem, se quiserem, organizar seus currículos baseadas no desenvolvimento de projetos, articulando o conjunto das disciplinas em torno desses projetos. “Mas tem uma cultura escolar muito estabelecida. É difícil romper com ela. É mais fácil reproduzir o esquema transmissivo”, afirma um educador, que atua na área técnica da secretaria. Mesmo quando há projetos especiais, eles tendem a ser marginalizados por essa cultura: “A escola tem autonomia, mas os projetos ficam por último, com o tempo que sobrou (nas reuniões).”

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A Oficina de Imagens começou seu trabalho de educação em espaços não-escolares. “Com a escola a gente via que não conseguia se comunicar, parecia uma coisa hermética. Mas depois foi percebendo que este é o modus operandi das escolas”, diz um dos líderes da organização.

A estratégia – inicialmente intuitiva e hoje já bem sistematizada – foi formar uma rede de apoios dentro do sistema escolar, que no futuro possa gerar a “massa crítica” necessária para projetos do tipo Latanet serem de fato incorporados como fazer próprio das escolas – e não simplesmente como uma atividades extracurricular promovida por um terceiro. “Estamos construindo todo um processo de relação com alunos e professores que catalize o que já vem acontecendo nas escolas”, diz uma liderança da ONG. “Nossa estratégia (com as escolas) é por contaminação.”

O que está claro para esta liderança é que não dá para implantar projetos como o Latanet “de cima para baixo” e que seu sucesso depende do envolvimento dos gestores da educação e da capacitação dos educadores.

Foi assim que se optou em 2003 a focar as ações do Latanet na capacitação de professores (45) e gestores de ensino (15), com mediação de monitores jovens (10), formados no ano anterior. O envolvimento dos docentes e gestores se deu por simples adesão. A idéia é em 2004 produzir materiais e distribui-los para esta rede de pessoas capacitadas, que, assim, saberão o que fazer com eles.

A identidade de objetivos entre a Escola Plural e a Oficina de Imagens em relação à educação escolar tem sido um grande facilitador do trabalho da ONG, que merece atenção pelo potencial que tem hoje em dar resultados importantes e de grande impacto.

Mas os desafios que terão de ser superados até lá ainda são enormes. Enquanto é apenas um projeto extracurricular, ou de formação de professores, tudo tem caminhado razoavelmente bem. “Quando aparece um projeto como o Latanet o interessante fica lá e o chato fica na escola”, diz um técnico da SME.

Mas o projeto Latanet, para realmente transformar a educação escolar, terá que entrar na sala de aula, não apenas na escola. E este é o grande desafio até agora inclusive dos projetos propostos pela Escola Plural. “É preciso pensar a organização dos tempos (da escola), pois o projeto trabalha questões de formação humana como um todo”, afirma um professor que admira o trabalho.

PEDAGOGIA / METODOLOGIA“Na escola, se eu erro, eles tiram ponto. Aqui, se eu erro, eles ensinam de novo.” (Estudante do Latanet)

A apresentação da sistematização do Latanet 2002 traz uma definição um tanto abrangente dos objetivos do programa, mas que, para quem conhece o projeto mais de perto, está bem próxima da realidade:

“Este projeto propõe articular questões da história da ciência, do desenvolvimento das tecnologias da informação e dos conhecimentos escolares. Por meio de oficinas, os participantes constroem câmeras fotográficas com latas de alumínio que possibilitam capturar imagens de suas vidas e de suas comunidades. Essas imagens são objeto de intercâmbio, via internet, através de fotomensagens. Esse processo envolve: articulação da história das ciências e dos conteúdos escolares; interpretação de imagens e leitura crítica da mídia; apropriação de técnicas e linguagens de comunicação; pesquisa sobre o entorno e a história das comunidades envolvidas; intercâmbio e trocas de experiências.”

Ou seja, é uma proposta pedagógica que poderia cobrir boa parte do currículo escolar – hoje fragmentado em disciplinas e séries.

Na busca por compreender como isso acontece na prática, foi perguntado a um grupo jovens que participou do Latanet 2002 o que caracteriza a educação na escola e o que caracteriza a educação da Oficina de Imagens. Cada estudante escreveu uma tarjeta para a educação na escola e uma, para educação na ONG. Os resultados estão na tabela a seguir:

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O interessante é que os alunos, além de fazerem distinções tão claras, têm sugestões de como melhorar a educação escolar:

O prof. tem que fazer com que nós gostemos de sua matéria, e não somente “ter” que nos passar a matéria

Liberdade de expressão dos alunos e criatividade

Vontade de todas as partes em melhorar Fazer com que o professor se interesse pelo

aluno e comece a trata-lo como amigo, mas sempre com muito respeito

Que os professores venham a escutar os alunos e analisar as suas propostas

Passar para a prática Requalificação Mais dialogo Sairmos da sala de aula Dar um “por que” para o que aprendemos

Enfim, os jovens vêem a escola como algo necessário, mas lidando com o conhecimento de forma teórica e abstrata e pouco aberta ao diálogo e participação. E isso mudaria se os professores articulassem melhor os conteúdos ao dia-a-dia dos alunos (“sair da sala de aula”) e simplesmente conversassem mais com eles.

Também nesta área de educação junto com a escola e seus agentes, o grupo da Oficina de Imagens construiu seus conhecimentos na experimentação. “Só depois é que a gente foi tomar consciência de que a forma que a gente trabalhava era construtivista”, diz um dos líderes da ONG.

Significativamente, a metodologia de capacitação de educadores segue os mesmos princípios: “No caso do Latanet, vem primeiro a prática”, diz uma professora da rede municipal de Belo Horizonte. A experimentação está de certa forma na raiz da metodologia: “Estamos hoje experimentando como

Educação na Escola Educação na Oficina de Imagens

Comum, chato, muito corrido Simplesmente prática, livre

Não tem diálogo Descontraído, Trabalho em grupo, solto, bem prático, criativo, você tem opção de escolha

Legal c/ muita responsabilidade p/ aprendermos. E só.Na OI é ótimo, também, c/ responsabilidade mas c/ aquele arzinho de que além de aprender ajudamos a ensinar

Presa Livre

Suficiente Satisfatória, legal, curioso

Muito corrido e bom Legal, aproveitadora

Anormal, pouco produtiva, desconfortável, teórica Normal & Curioso

Quanto ao conteúdo é até bom, mas quanto à forma que esse conteúdo é passado é um tanto inadequada.

Modo alternativo de aprender, aprender com interesse e graça

Teórica, quase não sai da sala de aula Mais prática, os conteúdos são trabalhados interdisci-plinarmente

É um pouco complicada Interessante, diferente, tempo livre

Prof. Sempre está certo + descontraído, com responsa

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é trabalhar com aluno, técnico e professor juntos”, diz um dos coordenadores do programa em 2003.

Os resultados dessa nova metodologia de capacitação de docentes, primeiro prática e depois teórica, se reflete em algumas conclusões dos participantes. Um gestor da SME diz, por exemplo: “O Latanet mostra que você não precisa de cursos de informática.” “Aproxima com a internet de maneira tranqüila e significativa.”

Este gestor faz uma síntese do que ele acha importante na metodologia, centrada no uso da comunicação:

Criar estratégias para que o professor tenha que usar o site

Envolver trocas pela internet Usar a comunicação como instrumento de

interação e construção de conhecimentoSegundo um jovem educador da Oficina: “A idéia

da comunicação (como metodologia de ensino) é que o conhecimento não vai morrer ali, vai passar para outro. O outro tem que ficar sabendo, tem que comunicar isso.”

Entrevistas com os educadores mostram que eles vêem ainda outros ganhos da introdução da comunicação na educação: “O projeto (Latanet) está desconstruindo aquilo que vem pela mídia para depois reconstruir”, diz um educador que atua na área de formação.

Alguns educadores da Oficina de Imagens alertam para o fato de que a comunicação não necessariamente resulta em novos processos educacionais e de que estes podem inclusive ocorrer sem a comunicação: “Você pode ter isso sem qualquer instrumento. E você pode ter educação autoritária com cinema, TV e vídeo”. Embora bastante intuitivo, a metodologia que está aparentemente norteando a ação destes educadores é a do trabalho com projetos: “Vislumbrar a linha de chegada facilita. Aqui (no Latanet) os meninos podem vislumbrar um produto que vão ter no final do processo.” Esses educadores também ressaltam a importância da autoria (do educador/estudante

em relação ao produto de comunicação) no sucesso dessa metodologia.

A composição profissional deste e de outros grupos de educadores em projetos de Educação, Comunicação & Participação mostra ainda outra pista em relação ao sucesso da metodologia: “Na educação pela comunicação tem que fazer o trânsito dos profissionais; não dá para a escola saber tudo”. Ou seja, o sucesso da implantação em escolas dependerá da parceria com outros profissionais de ambiente extra-escolar.

A publicação Projeto Latanet 2002 traz ainda dicas importantes de como organizar eventos e capacitações. Por exemplo: no capítulo referente à apresentação do projeto nas escolas, para estudantes e professores, o relatório introduz a o conceito de “aula dialogada”:

“Ao invés de uma mera exposição sobre o projeto, buscou-se estabelecer um espaço interativo, numa espécie de aula dialogada, que teve como temas a própria Oficina de Imagens; o trabalho de uma ONG; a possibilidade de fazer fotos com uma lata de alumínio; o papel da mídia hoje, principalmente, a televisão e sua influencia na vida das pessoas; dentre outros.”

Enfim, “aula dialogada” é uma boa definição para vários fazeres pedagógicos da Oficina de Imagens.

PARTICIPAÇÃOA metodologia “dialogada” e a estratégia de desconstruir os meios de comunicação de massas e depois construir, com os professores e estudantes, uma linguagem própria e seus veículos de comunicação e tende a re-significar o lugar do jovem na sociedade.

Por exemplo, a apresentadora global Angélica esteve na Oficina de Imagens, gravando um vídeo para a campanha Criança Esperança junto com os adolescentes e seus objetos óticos. Dois meses depois, um jovem envolvido na gravação, calouro na época, avaliou a experiência: “Quando ela veio até parecia que ia sair faísca, que ia brilhar. Mas não, é uma pessoa. Você não precisa sentir medo. Um dia você pode estar ali.”

O depoimento de jovens do Latanet sobre as principais mudanças pessoais devido ao programa

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resume, razoavelmente bem, a orientação da organização na área de participação:

Aprendi a ter mais responsabilidade e vê as coisas com outros olhos

[Mudou] tudo, principalmente o meu modo de pensar, de ver as coisas no dia-a-dia. Responsa

Penso mais; amadureci em vários aspectos da minha vida

[Mudou] O modo de pensar, em relação a maneira de encarar a sociedade e a mídia de um modo geral, e uma maior ganancia pelo conhecimento

Maduro Responsável Despertou em mim uma enorme criatividade

Amadureci; não me deixo ser manipulada pelo que a mídia expõe (procuro analisar informações e não generalizar)

A percepção da vida melhorou e aumentou minha responsabilidade

Entre os jovens do Jite ( Jovens Interagindo), que desenvolvem projetos para suas comunidades, as duas palavras que mais surgem para definir o que é necessário para que um jovem se torne protagonista – como eles estão se tornando – são: “Informação” e “oportunidades”.

RELAÇÕESO ingresso de projetos de Educação, Comunicação & Participação na sala de aula implica mexer fortemente com relações, mais especificamente, com as relações entre professores e estudantes.

“Nós professores não fomos preparados para lidar com a dúvida. Há essa insegurança de lidar com as questões que os alunos apresentam. É mais fácil lidar com o conhecimento redondo do que com a dúvida, a indagação”, diz uma educadora envolvida em processos de formação na SME-BH.

Diante dessa insegurança, a relação do professor freqüentemente torna-se autoritária ou distante ou ambas. Mas os educadores localizam como raiz deste problema sua própria formação: “O saber que norteia a prática do professor vem desde a educação

infantil e é reforçada até na universidade”, afirma uma gestora da SME-BH.

E é neste campo, da capacitação, que eles também vêem possibilidades de superação deste desafio: “Quanto mais a formação do professor é diversificada, melhor. O Latanet traz isso”, diz um educador.

Outro elemento fundamental para a superação da educação e do padrão de relacionamento “bancário” é a própria organização do currículo, apontam também educadores e educadoras envolvidos na gestão da SME:

Nas escolas tem a cultura do pré-requisito, tipo o que eu vou ensinar para o aluno se ele não sabe ler.

A escola consegue fazer um objeto ótico [no Projeto Latanet, que ocorre extra-classe] por exemplo, mas não consegue por isso nas disciplinas.

É tipo “Eu tenho o meu conteúdo e tem o projeto”. Um fica separado do outro.

A participação de docentes no Latanet, junto com adolescentes e jovens, às vezes tidos como “problema” em suas escolas de origem, traz novas percepções: “O professor às vezes leva um susto com o aluno: ‘Puxa, ele é capaz.’” E surgem novas visões de como trabalhar desta nova maneira: “Se não reduzir o currículo a uma grade, dá!”

Enfim, como diz uma professora: “O grande desafio é que a escola pare de tirar esse desejo de aprendizagem.”

REGISTRO, SISTEMATIZAÇÃO, AVALIAÇÃO E DISSEMINAÇÃOComo já foi dito acima, o Projeto Latanet – Da Latinha à Internet tem um bom documento de sistematização, que merece a leitura daqueles que trabalham com projetos envolvendo Educação, Comunicação & Participação. Esse documento, denominado Latanet 2002, até mais do que uma sistematização, tem um pouco de cada um dos conceitos do título acima (Registro, Sistematização, Avaliação e Disseminação). E experimenta estratégias interessantes em todos esses campos.

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O Latanet representa, a cada ano, o estágio atual da pedagogia e da visão da Oficina de Imagens. Assim é possível acompanhar, nos materiais usados pelo projeto, a evolução dessa pedagogia e dessa visão. Para 2003 – em que o programa focou na capacitação de docentes – boa parte dos materiais usados estão disponíveis no site da organização.

A parceria com o UNICEF aponta para um processo, em 2004, mais intenso de sistematização e disseminação, com a formatação de um “Kit Latanet” que possa ser apropriado pelos educadores e gestores que já passaram pelo programa em 2003. “O processo que está construindo; não adianta criar um pacote e baixar na rede”, diz um líder da Oficina.

Assim, os próprios professores passam a ser os agentes da disseminação (o que Bernardo Toro chama de re-editores). “O que a gente quer é que os professores possam estar pensando como redimensionar o Latanet para dentro da escola”.

Os gestores da SME envolvidos no projeto identificam ações simples, mas essenciais para o sucesso dos processos de capacitação de professores, ações que, na verdade, estão mais no campo simbólico:

Tema ser atraente para o professor Professor se sentir valorizado Espaço da capacitação ser bonito Almoço ser gostoso Oferecer bons materiais (pastinha com

caneta é essencial)O diário dos jovens na área do site da Oficina

de Imagens relativa ao Jite ( Jovens Interagindo) é também um bom exemplo de registro, sistematização, avaliação e disseminação, tudo junto.

RESULTADOS E PRODUTOSOs resultados e produtos da Oficina de Imagens vêm aumentando em quantidade, qualidade e impacto em suas duas principais áreas de atuação: Educação com Comunicação e Comunicação para Mobilização Social.

Pelo lado educativo, o Latanet evoluiu de

um projeto que capacitava algumas dezenas de jovens ao ano para um programa inserido na rede municipal de ensino, que trabalha com educadores na construção de novas estratégias para transformar o currículo e as práticas escolares.

Ainda na área de formação, a Oficina criou em 2003 o Jite ( Jovens Interagindo), focado essencialmente em protagonismo juvenil (ou participação, ou mobilização social), e com isso acumula mais experiência nesta área. Experiência esta que, evoluindo, deve se cristalizar em produtos e materiais inovadores, como vem ocorrendo com o Latanet.

Pelo lado da comunicação e mobilização social a ONG deu um salto semelhante nos últimos dois anos. Além de publicar anualmente a pesquisa “A Criança e o Adolescente na Mídia – MG”, a Oficina tem conseguido realizar eventos de lançamento desta pesquisa com participação e impacto cada vez maior e já é conhecida entre os comunicadores daquela cidade como referência na área de infância e adolescência.

O relacionamento do grupo os Conselhos Tutelares e Conselhos Municipais da Criança e do Adolescente de Minas Gerais resultou na produção da revista bimestral “Bons Conselhos”. Depois disso, a Oficina foi convidada a liderar um programa da ANDI de capacitação em comunicação de Conselhos Tutelares do país todo. Esta experiência estava, no segundo semestre de 2003, sendo sistematizada em um manual de orientação para construção de planos de comunicação.

O site da organização “tem que melhorar”, dizem sempre as lideranças da Oficina de Imagens, mas mesmo assim traz boas amostras dos resultados do trabalho pedagógico da ONG, especialmente nos dois programas educativos (Latanet e Jite) mantidos pelo Núcleo Multimeios.

Enfim, com a continuidade do Latanet garantida por uma sólida parceria com a Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte e o crescimento das ações e parceriasda ONG, a Oficina de Imagens tende a continuar por um bom tempo seu movimento ascendente.

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Dados - Oficina de Imagens

Nome Oficina de Imagens – Comunicação e Educação

Natureza da organização Organização da Sociedade Civil Organizada - OSCIP

Missão

“Pesquisar, desenvolver e difundir métodos educacionais para a formação de adolescentes, educadores, comunicadores e agentes da sociedade civil, a partir do uso social e educativo dos recursos da comunicação, para promover o desenvolvimento da sociedade com ênfase na promoção dos direitos da criança e do adolescente”

Endereço Rua Salinas, 1101 – Bairro: Santa Tereza – CEP 31015-190Belo Horizonte - MG

Telefone (31) 3482-0217 Fax: ramal 26

E-Mail [email protected]

Site www.oficinadeimagens.org.br

ResponsáveisDiretor Presidente: Luiz Guilherme Queiroz GomesDiretor Administrativo: Adriano Celso GuerraDiretor Financeiro: Bernardo Vasconcellos C. Brant

Infra-estrutura

A Oficina de Imagens (OI) está localizada em uma ampla casa no bairro Santa Teresa, região leste de Belo Horizonte. A organização interna da casa oferece os seguintes espaços de trabalho: sala de reuniões, sala da diretoria, sala do setor administrativo-financeiro, sala de informática e Núcleo Multimeios, sala para o Núcleo de Comunicação e Mobilização Social, sala para o Núcleo de Programação Visual, área coberta para realização de oficinas com adolescentes.

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Principais Programas/Projetos

Núcleo Multimeios: Projetos:Projeto JITE ( Jovens Interagindo)Projeto Latanet - da latinha à Internet

Núcleo de Comunicação e Mobilização Social: Atuais projetos: Rede ANDI, Mídia e Conselhos (em parceira com a ANDI e o CONANDA), revista Bons Conselhos (em parceria com o Instituto Telemig Celular), site da Frente de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente-MG, site Oficina de Imagens e Assessoria de Comunicação ao Grupo de Instituições Solidárias (GIS).

Núcleo de Programação Visual:Este núcleo tem a função de contribuir para a sustentabilidade financeira da Oficina de Imagens, através da produção de peças de comunicação (sites, cartões-postais, camisas, folders, jornais, manuais, relatórios, banners, planfletos, cartões, convites, cartazes, etc).Clipping TIM – A Oficina de Imagens é hoje responsável pela realização do clipping empresarial da empresa de telefonia celular TIM.

Números de atendimento

Diretamente: 36 adolescentes e 65 educadoresIndiretamente: 600 adolescentes; 90 educadores; 60 veículos de comunicação de MG; 50 jornalistas; 120 instituições do 3º Setor; 60 Organizações Governamentais; 42 especialistas da área da infância e adolescência; 23 empresas; 25 instituições de ensino; 100 estudantes universitários

Equipe/Formação/Capacitação

Diretoria ExecutivaLuiz Guilherme Gomes, Adriano Guerra e Bernardo Brant ( Jornalistas)Administrativo/FinanceiroEvandro Miranda (Contabilista)Alcione Rezende (Secretária Executiva)Núcleo de Comunicação e Mobilização SocialCoordenação: Adriano GuerraJornalistas: Fabrício Santos e Cristina GuimarãesEstagiários: Débora Jabour Keila Costa, Fabiana Schmitz, Keila Costa Taciana Ramos e Thiago Herdy (Estudantes do Curso de Jornalismo)Núcleo Multimeios:Coordenação: Bernardo BrantConsultoras: Elizabeth Gomes, Cláudia Caldeira, Cláudia RicciEducadores: Ângela Nascimento, Fabiano Barroso, Fernando Rabelo, Silvana CôrtesEstagiários: André Hallak, Janaína Roseslato e Thiago Belchior.Núcleo de Programação VisualCoordenação: Henrique Milen ( Jornalista)Estagiários: Ana Paula Vizeu, Natália Correa e Pâmera Ferreirai

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Formas de Contratação

Estagiários: Termo de Compromisso de Estágio.Profissionais:Prestação de Serviços (Via emissão de Recibo de Pagamento a Autonômo ou emissão de nota fiscal) e Regime CLT.

Produtos

Núcleo de Comunicação e Mobilização Social: Clipping MG–Criança e Adolescente; Prioridade Absoluta; Revista Bons Conselhos; Pautas Especiais; Pesquisa anual “A Criança e o Adolescente na Mídia de Minas Gerais”; Site Frente de Defesa; Programa de Rádio (Boletim da Infância e Adolescência); Site Oficina de Imagens, Cobertura On Line; outras publicações editoriais

Núcleo de Programação Visual: Materiais de comunicação (sites, cartões-postais, camisas, folders, jornais, manuais, relatórios, banners, planfletos, cartões, convites, cartazes, etc); Clipping Empresarial

Orçamento R$ 650 mil em 2003

Principais Parceiros

Associação de Apoio à Criança e ao Adolescente - AmencarConselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente - CEDCAConselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - CONANDAFundação KellogFundo Cristão para CriançasFundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEFGrupo de Instituições Solidárias - GISInstituto Telemig CelularInstituto WCF-BrasilPrefeitura de Belo HorizonteSave the Children - SuéciaTIM/MaxitelUnião Européia/Novib/Missão CriançaVisão Mundial

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Educação, Comunicação & Participação

HISTÓRIAA criação e os expressivos resultados da Agência Uga-Uga de Comunicação são decorrentes de um conjunto de fatores que, combinados, impulsionaram o trabalho. Esses fatores, inclusive, apontam perspectivas para disseminação mais ampla de iniciativas de Educação, Comunicação & Participação.

Em primeiro lugar havia uma jornalista empreendedora, Eneida Marques, que em 1997 assumiu fazer, com um grupo de adolescentes, um jornal voltado para estudantes da rede pública de ensino de Manaus (AM). E assumiu isso quase como uma missão, pelas crianças e jovens da Amazônia, sem experiência anterior na área de educação.

Em segundo lugar havia uma oficial do UNICEF, que percebeu a oportunidade de uma parceria com a Secretaria Municipal de Educação de Manaus, onde a jornalista era assessora de imprensa, e estimulou e ofereceu apoio para desenvolver o jornal por e para jovens da Amazônia. Sua idéia e do próprio UNICEF era (como a desta pesquisa é) criar estratégias que contribuam para a melhoria do ensino público, tendo como foco o conceito, na época ainda incipiente, de “protagonismo juvenil” – hoje substituído pela palavra “participação”.

Em terceiro lugar, a secretária da Educação de Manaus na época envolveu-se na discussão do jornal jovem, gostou do projeto e o apoiou política e financeiramente. Ou seja, já de início, havia uma liderança local formada em comunicação, uma organização internacional com propostas, know-how e recursos, e uma gestão pública

municipal interessada em projetos inovadores no ensino fundamental.

Outros dois fatores determinantes do surgimento e da consolidação da Agência Uga-Uga ocorreram a milhares de quilômetros de distância, no eixo Rio-São Paulo-Brasília: primeiro, o “boom” do chamado Terceiro Setor e o fato de muitas fundações e empresas nacionais e internacionais terem na Amazônia um local estratégico para investimento social, o que disponibilizou mais recursos e oportunidades para a área social; e, segundo, a decisão da ANDI (Agência de Notícias dos Direitos da Infância), nesse contexto, de expandir-se em rede, associando-se a outras ONGs, entre elas, a organização que surgiu a partir do trabalho do jornal Uga-Uga.

Um sexto fator constitutivo da organização, e talvez o mais importante, é a própria Amazônia e sua jovem população, mais da metade com idade abaixo de 21 anos, numa complexa busca de identidade e sobrevivência. Um território que, de tão rico, gera disputas que ameaçam a sustentabilidade não só daquela região como de todo o planeta.

O UNICEF levou, ainda em 1997, consultores para apoiar a construção do projeto na época denominado Jornal na Escola, na Secretaria Municipal de Educação. Juntos definiram como público alvo a faixa etária dos 12 aos 19 anos e escolaridade de 5a a 8a séries (a defasagem idade série no Amazonas é de 54%, contra 34% em todo o Brasil). A metodologia de produção seria

Agência Uga-Uga de Comunicação

Uga-UgaAgência Uga-Uga de Comunicação

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Educação, Comunicação & ParticipaçãoAgência Uga-Uga de Comunicação

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Educação, Comunicação & ParticipaçãoAgência Uga-Uga de Comunicação

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essencialmente participativa, como estratégia para favorecer o protagonismo dos envolvidos.

O grupo inicial de trabalho envolveu 22 jovens, indicados por duas grandes escolas municipais, e, segundo seus dirigentes, com perfil dinâmico, de envolvimento social. Eram jovens que realmente tinham um diferencial. Alguns faziam teatro. Outros se destacavam nos estudos. Cinco desses jovens pioneiros hoje ocupam posições de coordenação na Agência Uga-Uga de Comunicação. A evolução e amadurecimento desses jovens constituem um sétimo fator determinante na história e nas perspectivas futuras da organização.

O grupo inicial de jovens definiu, com a jornalista, Uga-Uga como nome do jornal.

Duas edições foram publicadas naquele ano de 1997, com tiragem de 3.000 exemplares, distribuídos nas duas escolas municipais. Para o ano seguinte, o planejamento previa um jornal bimestral, mas o processo de capacitação dos jovens ainda estava no início, e isso não foi possível. Era difícil para os adolescentes, em início de formação, com o repertório que traziam da escola, seguirem o cronograma de produção, ainda que este cronograma tivesse sido construído por eles mesmos.

Assim, em 1998, o jornal foi trimestral, com 6.000 exemplares, enviados para todas as escolas que tinham biblioteca. A partir de 1999 virou bimestral, associado ao ano letivo. Hoje é distribuído a cerca de 14.700 estudantes, de 5a a 8a séries, de 19 escolas, e já tem uma produção mais sistematizada do que experimental. Teve picos de 15 mil exemplares disseminados em mais de 100 escolas. Em 2003, após longas discussões e uma avaliação externa, preferiram concentrar o trabalho, para ter mais impacto, distribuindo mais jornais em uma mesma escola (garantindo que todos os recebessem), a diluí-lo em vários locais, sem ter como avaliar sua inserção no dia-a-dia das escolas e das crianças e adolescentes [leia mais em Pedagogia/Metodologia].

Já no início, aquele jornal, feito por adolescentes da Amazônia, ganhou visibilidade nacional, tanto

nos meios de comunicação como na extensa rede de parceiros associados ao UNICEF. Organizações como a ANDI e o Instituto Ayrton Senna identificaram o grupo e os convidaram para participar de encontros, redes e projetos. A publicação e seu modo de produção, na verdade, acabam sendo o gatilho do que viria a se constituir e se autonomear como uma agência de comunicação.

Essa virada ganhou mais velocidade em 1999. “Estava sendo tão legal para a gente, mas éramos tão poucos”, comenta uma das envolvidas desde o início do processo. E foi novamente em discussões que envolveram desde os jovens até técnicos da Secretaria da Educação, passando pelo UNICEF, que se construiu a idéia de montar Núcleos de Mobilização nas escolas.

Como ocorreu com os jovens pioneiros, esses Núcleos seriam formados por grupos de estudantes e educadores, apoiados pelo Uga-Uga, para criarem produtos de comunicação, por meio dos quais se experimentariam novas relações de ensino e aprendizagem, mais participativas, com foco em cidadania. Como o produto mais factível para todos, em termos de recursos e conhecimento disponíveis, era o fanzine, os Núcleos de Mobilização surgiram tendo (e até hoje têm) como principal produto fanzines sobre a realidade de cada grupo, comunidade e escola.

Ao longo de 1999 e início de 2000, o grupo discutiu o funcionamento da Rede ANDI, junto com outras quatro ONGs que foram pioneiras neste projeto, capacitando-se para aplicar a metodologia de monitoramento da mídia nos meios de comunicação impressos da Amazônia (quatro jornais diários, atualmente). Mais ou menos no mesmo período, esse grupo construiu o projeto e o estatuto social da organização que seria criada. Assim, no primeiro semestre de 2000, o grupo, então com cerca de 15 pessoas, quase todas jovens (22 anos em média), se lança como uma organização não-governamental, já com três projetos com recursos garantidos por no mínimo um ano:

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Educação, Comunicação & ParticipaçãoAgência Uga-Uga de Comunicação

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Jornal Uga-Uga (produzidos por adolescentes e jovens e distribuído nas escolas)

Núcleo de Mobilização (atividade que ocorre dentro das escolas)

Núcleo de Notícias (relacionado às atividades da Rede ANDI)

Tornar-se ONG foi uma estratégia de crescimento do grupo. O jornal tinha provocado o surgimento de tantas outras ações e associações que o grupo que o produzia já não cabia mais nos limites institucionais da Secretaria da Educação – e a líder do processo já não podia desempenhar, ao mesmo tempo, as funções de assessoria de imprensa. Mas mesmo tendo virado ONG, a Agência Uga-Uga de Comunicação lidou algum tempo com essa marca de origem: para determinadas pessoas era associada a um determinado grupo político ou à Prefeitura. Mas a crescente autonomia administrativa e financeira da ONG em relação ao Poder Público mostrou que isso era mais preconceito do que fato.

Em 2001 começou uma fase que poderia ser chamada de consolidação e amadurecimento da organização, uma fase que ainda estava em curso quando foi feita a visita para esta pesquisa, no segundo semestre de 2003. A proposta é ter a proposta pedagógica – desenvolvida desde o início do jornal – sistematizada até meados de 2004.

Os três programas iniciais (jornal, mobilização e Rede ANDI) mantém-se até hoje, alguns com novos parceiros (Petrobrás, Avina, Instituto C&A, entre outros). Um apoio da WCF em 2002 e 2003 abriu uma quarta área de atuação, de enfrentamento ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes, utilizando a experiência acumulada na organização tanto em comunicação como em mobilização e participação.

Resumindo, os elementos chave da Agência Uga-Uga foram (sem ordem de importância):

Liderança formada em comunicação Apoio técnico e financeiro do UNICEF Apoio político e financeiro da Secretaria

Municipal de Educação de Manaus

“Boom” do Terceiro Setor no eixo Rio-SP-Brasília, disponibilizando recursos (com destaque para a Rede ANDI)

Acesso à rede de relações e aprendizagens do Terceiro Setor (também destacando a Rede ANDI)

Participação dos adolescentes Identidade cultural da Amazônia

Para as lideranças do processo, o diferencial do projeto na Região Norte foi trabalhar com a participação juvenil, por meio da criação de produtos de comunicação. “Não conheço nenhuma outra ONG na região que faça isso”, diz uma coordenadora.

GESTÃOA equipe da Agência Uga-Uga de Comunicação é formada por cerca de 25 pessoas, quase todas jovens e estudantes (hoje, universitários).

No início da organização, de 1997 a 1999, o grupo pioneiro, formado pela então assessora de comunicação da Secretaria da Educação e cerca de 10 jovens, decidia – e aprendia – tudo junto. Foi este grupo, apoiado pelo UNICEF, que construiu, artigo por artigo, o estatuto social da organização. A ONG existe legalmente desde abril de 2000.

O sucesso desse grupo pioneiro gerou seu principal desafio desde então: dar conta de uma organização cada vez maior e mais complexa, com impacto, visibilidade e orçamento crescentes.

Os núcleos mais relacionados à participação e à produção de comunicação são hoje liderados por jovens pioneiros – que foram formados como mobilizadores sociais ao longo do processo de construção da organização. A agência da Rede ANDI, área da Uga-Uga que se relaciona com meios de comunicação, outras ONGs e comunicadores em geral, contrata desde 2001 uma jornalista profissional para sua coordenação.

Os jovens pioneiros, por seu próprio êxito, valorizam o aprender fazendo, inclusive na gestão. A atividade da Rede ANDI, com metas e sistema de cobrança estabelecidos em instâncias externas à

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Educação, Comunicação & ParticipaçãoAgência Uga-Uga de Comunicação

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ONG e com uma experiência acumulada de mais de dez anos nessa área, traz novas possibilidades e aprendizagens de gestão.

A coexistência desses dois modelos, um mais experimental e intuitivo, outro mais profissional e sistematizado, gera um movimento dialético na organização. Por vezes há conflito, os jovens achando que os mais velhos e experientes burocratizam a ONG; os mais experientes ressentindo a improvisação. Mas na maior parte do tempo essa dualidade é rica e fértil, contribuindo para o sucesso da organização.

Nesse contexto, a diretora executiva, acumulou praticamente todas as funções-chave, internas e externas, desde captação de recursos até coordenação pedagógica. Ciente disso, vem promovendo um movimento de planejamento na organização que distribua e institucionalize certos fazeres e poderes. O novo plano de gestão será implantado em 2004. Assim como a Oficina de Imagens, a Agência Uga-Uga de Comunicação recebe apoio da Avina, organização do Terceiro Setor da Suíça, no processo de planejamento e aprimoramento dessa área.

Uma avaliação externa, iniciada em 2001, com apoio do UNICEF, cujo relatório saiu em 2003, conclui, neste campo da gestão, que é central para o sucesso futuro da ONG a qualificação técnica da equipe de coordenação, para que seja possível a desconcentração das funções estratégicas da entidade.

SUSTENTABILIDADE A Agência Uga-Uga de Comunicação teve dois apoios centrais para seu surgimento e continuidade: a Secretaria Municipal da Educação de Manaus e o UNICEF. A quantia que um e outro investiu nos programas da organização variou bastante, desde 1997. Mas foram esses dois apoios, conseguidos localmente, que tanto deram o chamado seed money, isto é, o “dinheiro semente” para iniciar o trabalho, como sustentaram a consolidação da estrutura central da ONG.

Se no Nordeste as pessoas já se sentem marginais ao Terceiro Setor, que é um fenômeno associado

à iniciativa privada, especialmente às grandes empresas e ao mercado financeiro, ou seja, ao eixo Rio-São Paulo, no Norte a sensação de isolamento é ainda maior.

Mas a visibilidade conseguida com o Jornal Uga-Uga em 1998 aproximou outros potenciais parceiros. Em processo de constituição como ONG – e tentando se diferenciar do governo, onde nasceu –, surgiu como uma oportunidade imperdível a proposta de associação à Rede ANDI, para desenvolver um programa de monitoramento e apoio à mídia relacionada à infância e adolescência.

Alguns jovens pioneiros, inclusive, resistiram a essa entrada: trabalhar na Rede significava aderir a uma metodologia já fechada. E eles preferiam, como haviam feito até então, aprender fazendo.

“Mas não dava para perder [essa oportunidade]. O Jornal, os Núcleos de Mobilização mais a Rede: era como se fechasse um círculo. A gente poderia trabalhar com os adolescentes, mas também com os meios de comunicação e sua compreensão sobre as crianças e os adolescentes”, diz a diretora executiva.

Segundo a avaliação externa, proposta e financiada pelo UNICEF e realizada pelo professor e pesquisador Dirk Oesselman, da Unama (Universidade da Amazônia): “Os contatos diretos com os comunicadores da mídia impressa, radiofônica e televisiva ampliam o espectro não somente do público alvo, como também da direção da sua atuação, dando à Agência uma identificação pública mais ampla, porém, diferente do que era inicialmente.”

Com isso, uma nova onda de visibilidade ocorre em 2000 e 2001, e novos parceiros se aproximam, ampliando alguns programas e gerando outros. Esses novos apoios são fundamentais para a diferenciação da jovem ONG de sua incubadora, a Secretaria da Educação.

A avaliação externa vê o risco de que, na necessidade de buscar recursos, a ONG possa concentrar seu trabalho mais na criação de produtos de comunicação, ou seja, em resultados, do que no processo de favorecer e mobilizar a participação de adolescentes.

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Como foi dito na seção sobre gestão, no caso da Agência Uga-Uga de Comunicação, a co-existência do processo e do produto, o primeiro mais associado às origens da organização, aos jovens, e o segundo, à sua profissionalização, gera um movimento dialético, que por vezes se manifesta como crise ou conflito, mas em geral é bastante rico e produtivo.

Quando foi feita a visita desta pesquisa, a Secretaria da Educação tinha no comando uma política alinhada à proposta da Uga-Uga. Mas a organização hoje já diversificou a tal ponto suas atividades, contatos e financiamentos que já teria como se sustentar sem este vínculo – embora ele seja um facilitador importante para a disseminação dos Núcleos de Mobilização. Em 2003 a prefeitura custeou apenas a impressão do Jornal Uga-Uga.

PARCERIA COM A ESCOLAAlém de ter sido crucial para a sustentabilidade inicial da Agência Uga-Uga de Comunicação, a associação à Secretaria Municipal de Educação de Manaus também facilitou desde o início a inserção do projeto nas escolas públicas.

Mas nem por isso o trabalho deixou de enfrentar problemas comuns a outros projetos desenvolvidos por ONGs externas ao sistema de ensino. Na própria Secretaria, em alguns momentos, surgiu resistência em relação às atividades daqueles adolescentes comunicadores, que em pouco tempo de trabalho começavam a questionar não só o modus operandi da escola, como percebiam que alguns problemas tinham origem fora da escola, alguns na própria Prefeitura.

“Uma das coisas que a gente aprende é que tem que ser diplomático. Às vezes dá vontade de dar um murro na cara, mas tem que dar um sorriso”, conta uma das jovens pioneiras da Agência Uga-Uga, sobre a relação com algumas escolas.

Quanto ao envolvimento de professores, os Núcleos de Mobilização, que promovem protagonismo juvenil e produzem fanzines, passaram por uma experiência semelhante à vivida

no início do projeto Clube do Jornal Escolar, da Comunicação e Cultura, em Fortaleza. Em ambos, a idéia era ter um professor de referência em cada escola, para marcar reuniões e monitorar o trabalho. Mas na maioria dos casos, tanto em Manaus como em Fortaleza, o professor mais dificultou do que facilitou o processo, ou por sobrecarga de trabalho, o que o tornava uma espécie de gargalo do processo todo, ou por real disputa de poder (fissuras provocadas pelo projeto naquilo que o Núcleo de Comunicação e Educação da USP chama de “ecossistemas comunicativos”).

“Tem escola que está difícil de andar, porque a pedagoga não avisa os alunos que vai ter reunião”, conta uma mobilizadora, sobre um dos desafios encontrados em 2003.

Tanto o jornal Uga-Uga como o Núcleo de Mobilização desenvolvem suas ações em momentos extraclasse, sem uma estratégia sistematizada para se tornar curricular, o que aumenta o desafio de inserção mais consistente e contínua dos valores e fazeres do projeto no cotidiano da escola. Mas as diretoras e coordenadoras pedagógicas em geral reconhecem o trabalho.

“O (jornal) Uga Uga tem sempre alguma relação com o tema transversal, serve de estímulo”, diz uma diretora.

Depende, aliás, da direção e, às vezes, da coordenação pedagógica, a facilidade ou não no contato com professores e no acesso a espaços para oficinas e reuniões.

Como em outras experiências pesquisadas neste projeto, parte da coleta de dados se deu por meio de oficinas com diferentes públicos envolvidos no trabalho. No caso da Uga-Uga, foram realizadas oficinas com crianças e adolescentes atendidos nos programas e com a equipe pedagógica, recorrendo ao uso de tarjetas e perguntas chave, para levantamento dos conceitos e imaginário do grupo em relação a determinadas questões.

Na oficina realizada com os educadores, a equipe de jovens pioneiros que coordena os programas

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que se relacionam ao mundo escolar considerou fundamental para que a escola possa incluir projetos mais participativos, envolvendo comunicação:

Capacitar os educadores (diretor, coordenador pedagógico e professores), usando metodologias construtivistas (e não só com leituras e aulas expositivas)

Democratizar a gestão da escola Mudar a cultura “adultocêntrica” Acreditar na capacidade dos adolescentes Valorizar esse tipo de ação Valorizar o professor, que tem que gostar do

que faz Ter o repertório da comunicação

PEDAGOGIA / METODOLOGIAA metodologia que há hoje nos programas de Educação, Comunicação & Participação da Agência Uga-Uga foi construída no modelo aprender fazendo, o que é bastante comum em outros projetos desse tipo e, em alguns casos, fator chave para o sucesso da proposta [leia introdução a esta pesquisa].

“Eu sentia que tinha que estar preparada, mas não estava. Tinha momentos que me perguntava: ‘Será que vou pirar a cabeça dos meninos?’”, conta a diretora executiva, sobre o início do processo pedagógico, quando ainda era assessora de comunicação da Secretaria da Educação.

Pelo lado dos meninos, essa disponibilidade da jornalista em também aprender, embora estivesse na posição de educadora, dava bons resultados: “Para mim, foi a primeira vez que disseram na escola ‘O que vocês gostariam de fazer?’ ‘O que vocês acham disso?’ A gente se sentia importante, dava opinião, foi ficando cada vez mais participativo”, diz uma das jovens pioneiras do jornal Uga-Uga.

O contato do grupo pioneiro com o UNICEF e seus consultores foi a principal via de acesso a metodologias de dinâmicas e de criação de produtos de comunicação. Foi num planejamento conjunto, da líder e dos jovens pioneiros com a equipe do

UNICEF, que se definiu a estratégia da ação pedagógica do grupo:

“Oportunizar o protagonismo dos alunos da rede pública, estimulando e apoiando a sua iniciativa de comunicação horizontal com outros jovens, como um fator com potencial de dinamizar o processo de ensino-aprendizagem, aumentando a auto-estima dos alunos e gerando debates dentro das escolas sobre temáticas do cotidiano desses jovens.”

Em 2003 a principal atividade da Agência Uga-Uga em educação pela comunicação era desenvolvida pelo Núcleo de Mobilização. Consiste em organizar grupos de estudantes de 12 a 19 anos de idade, oferecer a eles uma capacitação, três diferentes oficinas (Cidadania, Participação Juvenil e Comunicação) e propor o desenvolvimento de alguns produtos de comunicação, começando por um cartaz (tipo um jornal mural) e culminando na publicação de um fanzine.

Atualmente a estratégia consiste oferecer aos educadores uma capacitação de cinco dias a estagiárias mobilizadoras, em geral estudantes universitárias ou recém-formadas. Estas passam a trabalhar dois períodos por semana com cada grupo formado nas escolas. Durante dois meses, reúnem grupos formados por estudantes de duas escolas, para que eles desenvolvam projetos em comum. Foram realizadas para isso oficinas em Mobilização social, Técnicas de Fanzine, Participação Juvenil e Passo a Passo na Mobilização.

“O fanzine é o estímulo para fazer o processo ficar mais interessante. Mas a questão é o processo, ser protagonista, cidadão, conhecer seus direitos”, diz uma estagiária mobilizadora. As atividades nas escolas, em horário alternado ao das aulas, em geral começam com uma roda, em que as crianças e jovens apresentam o que fizeram desde o encontro passado. Na seqüência discutem e pactuam o que tem que ser feito até o próximo encontro, sempre com vistas à confecção de um produto de comunicação. Há núcleos que chegam a produzir três fanzines em um ano. Outros que

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não conseguem, por razões ligadas ‘a dificuldade de estruturação do grupo.

Como já foi dito, as atividades dos núcleos de mobilização nas escolas são por adesão, em horário complementar ao curricular, sem bolsas ou outros atrativos que não a própria atividade de discussão e produção. Assim, quando os estudantes conseguem um emprego, ou qualquer fonte de renda, imediatamente abandonam o trabalho. Há também uma rotatividade acentuada de integrantes.

Para o autor da avaliação, Dirk Oesselman, este trabalho de mobilização deve ser priorizado e fortalecido pela Agência Uga-Uga de Comunicação: “Protagonismo precisa de processos contínuos de apoio, para que consiga realmente se estruturar”. Foi nesse sentido que a ONG decidiu trabalhar em 2003 com menos grupos e em menos escolas do que em 2002, de maneira a concentrar seu impacto.

De qualquer forma, tanto estudantes como adultos, educadores ou familiares, percebem mudanças entre os participantes. Algumas das palavras e conceitos mais usados para definir isso são: “desempenho escolar” (embora não exista levantamento quantitativo que demonstre), “responsabilidade”, “maturidade”, “participação” e “crítica”.

Em relação aos meios de comunicação de massa educadores da Uga-Uga e da escola também relatam progresso na visão dos evolvidos:

“Eles percebem que a mídia deseduca.” “Começam a perceber que o jornalista não é

dono da verdade.” “A produção da comunicação permite que ele

comece a questionar.” “Percebem a responsabilidade daquilo que

escreve, que vai ter impacto.”

PARTICIPAÇÃOA participação juvenil foi uma espécie de pedra fundamental da Agência Uga-Uga de Comunicação. Mas ao longo da curta história da ONG esse conceito teve sentidos diferentes.

O primeiro projeto, que envolvia o desenvolvimento de um jornal por jovens para jovens formou um grupo iniciado com pouco mais de 20 adolescentes, que ao longo de dois anos de trabalho desenvolveram o Uga-Uga em todos seus aspectos: do projeto editorial e gráfico ao estatuto da ONG que o produzia.

Entrevistas com alguns desses pioneiros mostraram o desafio que representou para todos trabalhar de maneira participativa:

“Essa história de protagonismo, a gente não foi ensinado a fazer nada. O político que ia fazer para a gente.”

“A discussão do estatuto levou mais de um ano. A gente poderia ter copiado. Mas foi um processo muito importante.”

“A gente deixou de ser ninguém para ser alguém.”

“Eu sabia do orçamento, era tudo às claras, me sentia parte do processo.”

Essa proposta de envolver os adolescentes em tudo foi, sem dúvida, crucial para o desenvolvimento da iniciativa e participação dos pioneiros. Mas gerou ao mesmo tempo um certo problema de conteúdo nos meios de comunicação do grupo, dada sua juventude e repertório em construção – desafio que foi, com o tempo, superado pelo grupo.

Uma vez estruturada a organização, em 2000, a participação das crianças e adolescentes ingressantes nos programas passou a se concentrar na atividade em que estavam diretamente envolvidos, e não mais na gestão da própria ONG – que ficou nas mãosdos pioneiros.

Mas os processos pedagógicos gerados, por exemplo, pelo Núcleo de Mobilização continuam a propiciar a construção do protagonismo. Em uma breve oficina com crianças na faixa dos 11, 12 anos, que participavam de um núcleo em uma escola bastante periférica de Manaus, foi pedido que escrevessem como é a educação na escola e como é a educação no programa da Uga-Uga. Quase todas as falas em relação ao trabalho da ONG se referem a aspectos participativos:

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“No Uga-Uga é muito diferente você debate você tem mais liberdade para falar.”

“Agente fala mais abertamente, tem uma comunicação melhor mais dinâmica.”

“Eu gosto porque é um show de conhecimentos divertimentos, e a gente faz acontecer brincando.”

“No Uga-Uga a gente fala e conversa sobre outros temas entre nossa língua dos jovens.”

“Aqui tem mais diálogo e participação de todos.”

Outro mecanismo institucionalizado de participação é um conselho editorial de jovens para o jornal Uga-Uga, que, a partir de 2001, passou a ter uma produção mais profissional (mesmo que continue sendo feito por jovens pioneiros) do que experimental (como ocorria no início, quando ninguém tinha experiência e tudo era novo).

Além disso, os adolescentes que produzem o jornal participam do processo de planejamento das atividades do jornal – no ano de 2003 foram iniciadas ações voltadas para a inserção de adolescentes em fóruns de decisões e de políticas publicas.

Foi realizada também a primeira Conferencia Juvenil dos Direitos da Criança e do Adolescente com a participação de 85 adolescentes. Estes elegeram 20 adolescentes para participar como delegados na IV Conferencia Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.

RELAÇÕESNos itens anteriores foram apresentados dois processos essencialmente dialéticos na estrutura atual da Agência Uga-Uga de Comunicação. O primeiro é a convivência do grupo pioneiro de jovens da organização, com um histórico bem sucedido de aprender tudo fazendo, com profissionais que foram sendo agregados à organização, devido ao crescimento da ONG.

O segundo é a coexistência de programas muito mais focados no processo (como no caso do Núcleo de Mobilização, cujo fim maior é a formação cidadã

atrelada ao protagonismo juvenil), com outros mais centrados no produto (como o Núcleo de Notícias, associado à Rede ANDI, que tem um cardápio de produtos e eventos e um cronograma que exigem uma gestão bastante profissional para serem de fato realizados).

São processos dialéticos porque tanto geram crises como sua superação e o conseqüente desenvolvimento e amadurecimento dos envolvidos. No geral, o grupo que trabalha na sede da organização é bastante jovial e alegre e esses processos dialéticos não chegam a se revelar como tensão.

“O desafio está entre duas identidades de trabalho: uma descrita como ‘protagonismo juvenil’, que necessita um destaque maior nos meios para alcançar determinados resultados, priorizando o processo educativo-mobilizador junto aos jovens. Uma outra identidade da Agência tem uma face de prestação de serviços profissionais, localizada, neste momento, mais no Núcleo de Notícias.” (Avaliação Externa)

A equipe como um todo e a diretora executiva em particular demonstram ter consciência desses fenômenos e vêem no processo de planejamento participativo em curso o principal instrumento para superação de novas crises de relacionamento.

REGISTRO, SISTEMATIZAÇÃO, AVALIAÇÃO E DISSEMINAÇÃOPor ser uma organização muito jovem, tanto em idade como na faixa etária de seus integrantes, a Uga-Uga tem um processo ainda incipiente de registro, sistematização, avaliação e disseminação.

O apoio técnico do UNICEF trouxe para a ONG algumas das contribuições mais importantes nessa área. A avaliação externa, por exemplo, além de resultar em um relatório bastante detalhado sobre o trabalho e seus desafios, propôs vários indicadores de avaliação, especialmente em relação ao impacto que o jornal Uga-Uga tem. São indicadores que, embora já tenham tido aplicações piloto, ainda não entraram na rotina do trabalho. Como esta

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publicação foi o primeiro produto da ONG, o avaliador considera essencial a construção “de um projeto mais articulado de distribuição e uso do jornal” nas escolas.

O Núcleo de Mobilização passa por um desafio semelhante. O ano de 2003 foi o primeiro ano em que a organização selecionou novos mobilizadores para trabalharem diretamente nas escolas, porque a equipe pioneira já não dava mais conta sozinha.

Para isso, teve que capacitar esse mobilizadores. Usou, na oficina de Comunicação, um Manual de Fanzine, que traz textos, roteiros e sugestões de como desenvolver as atividades de mobilização nas escolas. É um documento ainda em construção, com textos de conteúdo e qualidade muito variados, que estava sendo revisto e ampliado para 2004 e deve ser trabalhado juntamente com outros instrumentos de capacitação de mobilizadores.

RESULTADOS E PRODUTOSDois eventos realizados em Manaus pela Agência Uga-Uga de Comunicação em 2003 são indicativos de seu momento e de seus resultados:

1a Conferência Juvenil dos Direitos da Criança e do Adolescente, no primeiro semestre;

Seminário Infância, Adolescência e Mídia na Amazônia, no segundo semestre.

Ambos tiveram participação significativa, o primeiro de representantes adolescentes de todas as regiões de Manaus, o segundo de jornalistas dos principais meios de comunicação (TV, rádio e jornais) do Amazonas e de Roraima.

São dois eventos pioneiros na extensa região

amazônica, que podem adquirir relevância histórica para sua comunidade, se os processos que eles iniciaram tiverem continuidade. O sucesso de público desses eventos mostra o enraizamento, visibilidade e reconhecimento que o trabalho da ONG ganhou ao longo dos anos na cidade de Manaus e em seu vasto entorno.

A avaliação produzida com apoio do UNICEF identifica uma tensão entre processo e produto na captação de recursos, enfatizando que a Uga-Uga arrisca-se a caminhar para uma profissionalização, com foco no produto, inclusive por ser mais fácil de captar recursos, e perder ênfase em seu eixo pedagógico, mais processual, que seria o que de fato promove o protagonismo.

O que se observa é que a ONG tenta, à sua maneira de “aprender fazendo”, dar passos nas duas direções, buscando, por um lado, estruturar melhor mecanismos de capacitação de re-editores de sua metodologia de produção de fanzines e formação de protagonistas nas escolas e, por outro lado, amplia as atividades e produtos voltados para comunicadores, meios de comunicação e setores organizados da sociedade civil.

Ou seja, a Agência Uga-Uga de Comunicação tem pela frente um desafio comum a todas as outras organizações: encontrar a sua maneira de qualificar e ampliar ao mesmo tempo os processos educativos e os produtos de comunicação e mobilização. Esse difícil equilíbrio é central não só para a sustentabilidade da organização como para que de fato haja uma disseminação maior dos conhecimentos e das transformações promovidos por esses processos e produtos.

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Dados - Uga-Uga

Nome Agência Uga-Uga de Comunicação

Natureza da organização ONG

MissãoContribuir para a melhoria da qualidade de vida das crianças, adolescentes e jovens em situação de risco no Amazonas, por meio da Educação, utilizando para isto os recursos da Comunicação.

Endereço Conj. Espanha III, Quadra 01, Casa 19 – Aleixo - CEP: 069060-020

Telefone (092) 642 – 9003 / 642 - 8013

E-Mail

[email protected]@[email protected]çã[email protected]

Site www.agenciaugauga.org.br

Responsáveis Eneida Marques, diretora executiva.

Infra-estrutura Sede alugada, 07 Computadores em rede, móveis de escritório, etc...

Principais Programas/Projetos

Jornal Uga-Uga, Núcleo de Noticias dos Direitos da Criança e do Adolescente, Núcleos de Mobilização Social, Projeto de Enfretamento a Violência Sexual Infanto Juvenil.

Atendimento Adolescentes e jovens na faixa etária dos 12 anos e 19 anos.

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Equipe/Formação/Capacitação

Núcleo de Notícias dos Direitos da Criança e do Adolescente / REDE ANDI Naira Araújo – Coordenadora do Núcleo de Notícias – JornalistaCristiane Silveira – Jornalista AssistenteVanessa Andrade – Estagiária Monitora– Estudante de AdministraçãoAmanda Mota – Estagiária – Estudante de jornalismoAlessandra Karla – Estagiária – Estudante de jornalismoJorge Eduardo – Estagiário – Estudante de jornalismo

Núcleos de Mobilização Social:Ivete Azevedo – Coordenadora – Estudante de GeografiaNeire Souza – Mobilizadora – Estudante de HistóriaIane Obando – Estagiária mobilizadora – Estudante de PsicologiaKatiane Silva – Estagiária mobilizadora – Estudante de PsicologiaKeila Souza – Estagiária mobilizadora – estudante de Pedagogia

Jornal Uga-Uga:Cleudomar Viana – Coordenador do Jornal – Estudante de LetrasRosário Reis – Diagramadora do Jornal – ProfessoraAnália Cristina – Estagiária Assistente do Jornal – Estudante de JornalismoIsabelle da Costa – Repórter Escolar – Estudante do Ensino MédioEmerson Quaresma – Repórter Escolar – Estudante do Ensino MédioLuciana Moreira – Repórter Escolar – Estudante do Ensino MédioRoseane Fonseca - Repórter Escolar – Estudante do Ensino Médio

Projeto de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-JuvenilGraça Medeiros – Coordenadora do Projeto – Estudante de GeografiaCláudia Vasconcelos – Estagiária – Estudante de Rádio -JornalismoGraça Barreto – Pesquisadora da UFAM, é Consultora do projeto.

Formas de Contratação

Análise curricular, testes de aptidão para a área de Comunicação e entrevistas individuais.

Produtos Fanzines, Jornal Uga-Uga, pesquisa de analise de mídia, clipping eletrônico, agenda prioridade absoluta e cartilhas educativas.

Orçamento R$ 184.000,00

Principais ParceirosUNICEF, (Fundo das Nações Unidas para a Infância), Rede ANDI, Instituto WCF / Brasil, Petrobrás, Prefeitura Municipal de Manaus, Instituto C&A e Fundação AVINA.

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Educação, Comunicação & Participaçãoinstrumentos de pesquisa

PROJETO EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO & PARTICIPAÇÃO Instrumento de coleta de dados - crianças, adolescentes e jovens

Nome: Estuda? ( ) sim ( ) não

Idade: Série:

Projeto: Trabalha? ( ) sim ( ) não

Cidade: (Se sim) em que:

Atividades das quais participou: Grau de escolaridade dos pais:

1. HISTÓRIAConte a história do projeto/organização

Primeiro contato Processo de seleção Fases da história Implantação na escola/comunidade Descrição dos programas/projetos que participa

2. PEDAGOGIA / METODOLOGIAComo é a sua visão sobre a pedagogia/metodologia do projeto?

Descrição da metodologia em ação Linguagens (mídia de massa X linguagens alternativas) Articulação ao currículo escolar Envolvimento dos professores nas atividades O que é considerado erro e como é tratado (diferenças em relação à escola) Gosto pelo estudo, retorno à escola (para alunos que evadiram) Regras, rotinas, horários, sanções Espaços Capacitações/formações Atividades que mais/menos gosta O que dá certo e o que dá errado

3. PRODUTOFale sobre o produto e sobre os processos para sua realização

Descrição do processo de elaboração do produto de comunicação Descrição do produto de comunicação

o Meio de comunicação

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Educação, Comunicação & ParticipaçãoInstrumentos de Pesquisa

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o Tiragem/acesso (website) o Informações técnicas o Conteúdo/linguagem

4. GESTÃO E PARTICIPAÇÃOO projeto promove sua participação? Como?

Momentos de participação/expressão Participação no planejamento do projeto/da ONG Instâncias de decisão - Conselhos/Colegiados Liderança(s) / Coordenação Capacitação para a participação/expressão Construção das regras do programa Interface com a comunidade Autonomia nas atividades Mecanismos de:

o Fixação de metaso Cobrançao Monitoramento das atividades

Comunicação internao Redes internas

5. REGISTRO, SISTEMATIZAÇÃO E AVALIAÇÃOQuais os processos registro, sistematização e avaliação?

Diário de bordo Registros coletivos Descrição dos momentos avaliação Instrumentos de avaliação

6. RELAÇÕESComo são as relações inter-pessoais?

Na organização Na escola Entre membros da organização e da escola Com outros participantes do projeto

7. RESULTADOSO que deu certo, o que não deu e quais os principais desafios?

Aprendizagens Mudanças observadas nas relações com

o Educadores do projetoo Professoreso Colegaso Familiareso Você mesmo

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Educação, Comunicação & ParticipaçãoInstrumentos de Pesquisa

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Educação, Comunicação & ParticipaçãoInstrumentos de Pesquisa

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PROJETO EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO & PARTICIPAÇÃODADOS DA ORGANIZAÇÃO PARCEIRA DO UNICEF

1. Nome:

2. Natureza da organização:

3. Missão:

4. Endereço:

5. Tel/Cel/Fax:

6. E-Mails:

7. Site:

8. Responsáveis:

9. Infra-estrutura:

10. Principais Programas/Projetos:

11. Números de atendimento:

12. Equipe/Formação/Capacitação:

13. Formas de Contratação:

14. Produtos:

15. Orçamento:

16. Principais Parceiros:

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Educação, Comunicação & ParticipaçãoInstrumentos de Pesquisa

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PROJETO EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO & PARTICIPAÇÃO Instrumento de coleta de dados - gestores e educadores (ONGs e Rede de Ensino)

Projeto: Formação:

Cidade:

Participantes da entrevista: Cargo / função:

1. HISTÓRIAConte a história do projeto/organização

Iniciativa de criação do projeto Primeiro contato Fases da história Principais programas/projetos de educação e comunicação

2. GESTÃOComo é a gestão do projeto/organização?

Liderança(s) Coordenação Instâncias de decisão - Conselhos/Colegiados Reuniões Organograma/fluxograma Planejamento Mecanismos de:

o Fixação de metaso Cobrançao Monitoramento das atividades

Comunicação internao Redes internas

3. SUSTENTABILIDADE Como está a sustentabilidade da organização e dos projetos?

Financiadores Parceiros Infra-estrutura/espaços Modos de captação (centralizado/descentralizado) Participação em redes

4. PARCERIA COM A ESCOLAComo é a relação ONG-Rede de Ensino-Escola?

Condições necessárias para o trabalho Condições limitantes do trabalho

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Educação, Comunicação & ParticipaçãoInstrumentos de Pesquisa

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A escola pauta o trabalho da ONG? Como? A universidade tem algum papel? Liderança(s) na escola

5. PEDAGOGIA / METODOLOGIAComo você definiria a pedagogia/metodologia do projeto?

Fundamentos conceituais/Bibliografia Linguagens (mídia de massa X linguagens alternativas) Articulação ao currículo formal O que é considerado erro e como é tratado O que dá certo e o que dá errado Acesso, regresso, permanência e sucesso escolar Processo de seleção Regras, rotinas, horários, sanções Capacitações/formações Descrição da metodologia em ação

6. PARTICIPAÇÃOO projeto promove a participação das crianças e dos jovens? Como?

Visão de participação Momentos de participação/expressão Capacitação para a participação/expressão Construção das regras do programa Interface com a comunidade Autonomia nas atividades

7. RELAÇÕESComo são as relações inter-pessoais?

Internos na organização Interno na escola Entre membros da organização e da escola Lideranças (prós e contras)

8. REGISTRO, SISTEMATIZAÇÃO E AVALIAÇÃOQuais os processos registro, sistematização e avaliação?

Objetivos Para quem se faz? Quem faz Como faz Impacto Instrumentos Produtos Divulgação Cases

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Educação, Comunicação & ParticipaçãoInstrumentos de Pesquisa

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9. DISSEMINAÇÃOQuais os processos de disseminação de conhecimentos construídos pela organização?

Impacto Capacitações Materiais Novas parcerias Produtos

• Meio de comunicação:• Tiragem (para impressos):• Acesso (para websites): • Informações técnicas: • Conteúdo/Linguagem

. que linguagens/referências revela?

. reproduz mídia de massa? É interessante, sedutora, sensível?

. os conteúdos têm relação com o currículo escolar?

10. RESULTADOSO que deu certo, o que não deu e quais os principais desafios?

Na organização Na escola Na metodologia Entre os educadores e aprendizes