ENSINO DA FILOSOFIA E DIREITOS HUMANOS desafios à educação em direitos humanos
EDUCAÇÃO E DIREITOS HUMANOS: REFLEXÕES ACERCA … · Aborda elementos da evolução histórica...
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EDUCAÇÃO E DIREITOS FUNDAMENTAIS: REFLEXÕES ACERCA
DE AÇÕES AFIRMATIVAS NO BRASIL
WENCZENOVICZ, Thaís Janaina1
CAVALHEIRO, Andressa Fracaro2
RESUMO: O presente artigo tem por objetivo analisar algumas das ações afirmativas no
decorrer da História do Brasil Contemporâneo no sistema de ensino como mecanismo de
concretização do Direito Fundamental Social à Educação. Aborda elementos da evolução
histórica da Educação no Brasil e a positivação deste direito nas diversas categorias sociais,
conferindo caráter fundamental ao direito à Educação, explicitando, ao largo, a justificativa
para a adoção da categoria direitos fundamentais para abrigar, no Brasil, o direito à educação.
Assim, ao nomear o direito à Educação como Direito Fundamental, aponta-se o papel dos
gestores públicos na necessária adoção de políticas claramente delineadas e eficazes para sua
efetividade.
PALAVRAS-CHAVE: Educação. Direitos Humanos e Brasil
ABSTRACT
This article aims to analyze some of affirmative action in the course of History of
Contemporary Brazil in the education system as a mechanism for implementation of the
Social Fundamental Right to Education. Addresses elements of historical development of
education in Brazil and positivization this right in various social categories, providing
fundamental character of the right to education, explaining, off, the rationale for the adoption
of category basic rights to shelter, in Brazil, the right to education . So, when naming the right
to Education as a Fundamental Right, it points to the role of public managers in the required
adoption of clearly defined and effective policies for their effectiveness.
KEYWORDS: Education. Human Rights and Brazil
1 Introdução
Com 98% das crianças de 7 a 14 anos na escola, o Brasil ainda tem 535 mil crianças
nessa idade fora da escola, das quais 330 mil são negras. Nas regiões mais pobres, como o
Norte e o Nordeste, somente 40% das crianças terminam o Ensino Fundamental. Nas regiões
1 Pós-Doutora em História pela UFRGS/Instytut Studiów Iberyjskich i Iberoameryka Uniwersytetu
Warszawskiego-Polônia. Docente Adjunta na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS) 2 Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Professora Assistente do curso de Direito
da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, campus de Francisco Beltrão. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa
Direitos Fundamentais Sociais-UNOESC
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mais desenvolvidas, como o Sul e o Sudeste, essa proporção é de 70%. Esses e outros índices
estão diretamente ligados ao processo de colonização e povoamento do país.
Segundos dados do IBGE, o Brasil possui uma população de 190 milhões de pessoas,
dos quais 60 milhões têm menos de 18 anos de idade, o que equivale a quase um terço de toda
a população de crianças e adolescentes da América Latina e do Caribe. São dezenas de
milhões de pessoas que possuem direitos e deveres e necessitam de condições para se
desenvolverem com plenitude todo o seu potencial. (IBGE, 2012)
De acordo com Bobbio (2008), não se trata de saber quais e quantos são esses direitos,
qual é a sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou
relativos, mas sim qual é o modo mais seguro de garanti-los, para impedir que, apesar das
solenes declarações, eles sejam continuamente violados.
Passaram décadas e décadas, Constituições variadas e outros tantos documentos para a
sociedade brasileira tivesse garantia legal desse direito fundamental: a Educação. Discutir
acessibilidade, permanência e demais adjacências parece natural aos olhos e análises
realizadas após o ano 2000, mas anterior a essa data havia grande indecisão por parte da
população acerca dos Direitos Fundamentais.
O procedimento metodológico aqui utilizado é o analítico-interpretativo de investigação
bibliográfica principal (Constituições e Legislação Educacional) e secundária (diversos
autores) a fim de analisar algumas das ações afirmativas no decorrer da História do Brasil
Contemporâneo no sistema de ensino como mecanismo de concretização do Direito
Fundamental Social à Educação. O devido artigo divide-se em quatro partes. A primeira
intitula-se Educação e Movimento Históricos. A segunda, ao fazer breves considerações sobre
os direitos fundamentais, assinala sua distinção, enquanto categoria, bem como delineia sua
historicidade. A terceira parte aborda a evolução histórica das Cartas Constitucionais
brasileiras e a última, ao tratar da educação brasileira e sua efetivação como Direito
Fundamental, busca mecanismos de concretização.
2 Educação e Movimentos Históricos
Dentro da lógica progressista de olhar a história o Brasil esse é considerado um país
jovem. Vários são os elementos apontados, dentre eles a condição de nação colonizada x
colonizador. Não raro nos deparamos com textos e livros afirmando que fomos ‘descobertos’
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a pouco mais de cinco séculos. De uma forma breve podemos acenar que a trajetória histórica
do Brasil é permeada por rupturas marcantes fáceis de serem observadas.
A primeira grande ruptura travou-se com a chegada dos portugueses ao território do
Novo Mundo. Esses além da certeza de exploração de matérias-primas (elementos naturais e
metais preciosos) vieram com o propósito de catequizar/civilizar os nativos. Milhares de
homens e mulheres foram alijadas de seu direito de viver suas culturas e desempenharem suas
funções sócio-econômicas em liberdade.
No tocante ao elemento civilizador não podemos deixar de reconhecer que os
portugueses trouxeram um padrão de educação próprio da Europa, o que não quer dizer que as
populações que por aqui viviam já não possuíam características próprias de se fazer educação.
E convém ressaltar que a educação que se praticavam entre as populações nativas não
possuíam as marcas repressivas do modelo educacional europeu. Pequenas bibliotecas, livros
e modelos com base nos sistemas educacionais europeus adentram no país como uma
ferramenta eficiente do colonizador.
De acordo com Piletti (2006, Cap. I e II) quando os jesuítas chegaram ao Brasil eles
trouxeram além da moral, os costumes e a religiosidade européia; trouxeram também os
métodos pedagógicos. Este método funcionou absoluto durante 210 anos, de 1549 a 1759,
quando uma nova ruptura marca a História da Educação no Brasil: a expulsão dos jesuítas por
Marquês de Pombal. Se considerarmos que a estrutura pedagógica fixa existente em termos
de educação nesse período o que se viu a seguir foi uma espécie de estagnação. Várias foram
as tentativas: as aulas régias, o subsídio literário, mas o improviso continuou.
A fuga da Família Real das investidas Napoleônicas, resultaram na transferência do
Reino Português para o Brasil. Na verdade não se conseguiu implantar um sistema
educacional nas terras brasileiras, mas a vinda da Família Real permitiu uma nova ruptura
com a situação anterior. Para acolher a família real no Brasil D. João VI abriu Academias
Militares, Escolas de Direito e Medicina, a Biblioteca Real, o Jardim Botânico e, sua
iniciativa mais marcante em termos de mudança, a Imprensa Régia.
Das principais mudanças após a chegada de D. João VI e demais integrantes das
esquadras as questões políticas e econômicas permeavam as questões centrais das ações
governamentais. A educação, no entanto, continuou a ter uma importância secundária. Esse
fato é observado se analisarmos rapidamente o desenvolvimento das colônias espanholas.
Nesses territórios é possível elencar diversas escolas e até universidades, sendo que em 1538
já existia a Universidade de São Domingos e em 1551 a do México e a de Lima.
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No território brasileiro a primeira Universidade surgiu em 1934, em São Paulo. Por todo
o Império, incluindo D. João VI, D. Pedro I e D. Pedro II, pouco se fez pela educação
brasileira. Péssima qualidade, ausência de identidade com as populações locais e não-inclusão
são algumas das características mais pontuadas. Com a Proclamação da República forma
encaminhadas várias reformas, porém manteve o caráter elitista e excludente.
3 Breves considerações sobre Direitos Fundamentais
Tem-se afirmado que a educação é um direito fundamental social e, em virtude disso,
é preciso tecer-se algumas considerações que dizem respeito a direitos fundamentais e,
também, a direitos fundamentais sociais, apenas para se fixar acordos semânticos a respeito
das terminologias adotadas. Neste aspecto, recorre-se à dicção de Sarlet, tomando como base
classificação feita por Vieira de Andrade, para quem se configura possível três perspectivas
de abordagem:
a) perspectiva filosófica (ou jusnaturalista), a qual cuida do estudo dos direitos
fundamentais como direitos de todos os homens, em todos os tempos e lugares; b)
perspectiva universalista (ou internacionalista), como direitos de todos os homens
(ou categorias de homens) em todos os lugares, num certo tempo; c) perspectiva
estatal (ou constitucional), pela qual os direitos fundamentais são analisados na
qualidade de direitos dos homens, num determinado tempo e lugar. Cumpre lembrar,
todavia, que a tríade referida [...] não esgota o elenco de perspectivas a partir das
quais se pode enfrentar a temática dos direitos fundamentais, já que não se pode
desconsiderar a importância das perspectivas [...] sociológica, histórica, filosófica
[...], ética, política e econômica [...].. (SARLET, 2007, p. 26)
É lógico que tais perspectivas relacionam-se de maneira interpenetrante, mas, para
efeito do objeto deste estudo, opta-se por tratar do direito fundamental à educação com
prevalência da perspectiva estatal, com limitação espacial conformada pela Constituição da
República Federativa do Brasil, de 1988. Portanto, o direito à educação será, aqui, abordado
como direito de todos os brasileiros, sob a égide constitucional referida.
Também a utilização da expressão direito fundamental reflete uma escolha e, portanto,
a necessidade de justificação para a formação de um pacto semântico: posicionamo-nos, aqui,
em consonância com Sarlet e boa parte da doutrina, fazendo distinção entre direitos humanos
e direitos fundamentais, entendendo por direitos humanos aqueles que possuem relação com o
direito internacional, por fazerem referência àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao
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ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com uma determinada ordem
constitucional e, por isso mesmo, aspirando à validade universal, valendo para todos os povos
e em todos os tempos, ou seja, revelando um caráter supranacional. No que se refere aos
direitos fundamentais, também, de certa forma, direitos humanos, já que seu titular é sempre o
ser humano, ainda que representado coletivamente, aplicam-se para aqueles direitos do ser
humano que são reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de
determinado Estado. (SARLET, 2007, p. 35).
É neste sentido também o entendimento de Luño, para quem:
Los términos ‘derechos humanos’ y ‘derechos fundamentales’ son utilizados,
muchas veces, como sinónimos. Sin embargo, no han faltado tentativas doctrinales
encaminadas a explicar el respectivo alcance de ambas expresiones. Así, se ha hecho
hincapié en la propesión doctrinal y normativa a reservar el término ‘derechos
fundamentales’ para designar los derechos positivados a nível interno, en tanto que
la fórmula ‘derechos humanos’ sería la más usual para denominar los derechos
naturales positivados en las declaraciones y convenciones internacionales, así como
aquellas exigencias básicas relacionadas con la dignidad, libertad e igualdad de la
persona que non han alcanzado un estatuto jurídico-positivo. (LUÑO, 2005a, p. 44)
Canotilho, da mesma forma, propõe uma distinção entre direitos humanos e
fundamentais, baseada em sua origem e em seu significado. Dessa forma, direitos do homem
seriam direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-
universalista) e direitos fundamentais, os direitos do homem, jurídico-institucionalmente,
garantidos e limitados espaço-temporalmente. Portanto, enquanto os direitos do homem
arrancam da própria natureza humana (sendo, desse modo, invioláveis, intemporais e
universais), os direitos fundamentais são os direitos objetivamente vigentes numa ordem
jurídica concreta. (CANOTILHO, 200, p. 387)
O critério de distinção entre direitos fundamentais e direitos humanos é, nesta ótica, o
grau de concreção positiva entre eles, do que se pode inferir que os direitos humanos
mostram-se, como conceito, mais amplo e impreciso do que o conceito de direitos
fundamentais. Em virtude disto, é que frequentemente o termo “direitos humanos” é
entendido, ainda de acordo com Luño, como
un conjunto de facultades e instituciones que, en cada momento histórico, concretan
las exigencias de la dignidad, la libertad y la igualdad humanas, las cuales deben
ser reconocidas positivamente por los ordenamientos jurídicos a nível nacional e
internacional. En tanto que con la noción de los derechos fundamentales se tiende a
aludir a aquellos derechos humanos garantizados por el ordenamiento jurídico
positivo, en la mayor parte de los casos en su normativa constitucional, y que suelen
gozar de una tutela reforzada. [destaques no original]. (LUÑO, 2005a, p. 46)
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É sob tal perspectiva, que se quer apresentar o direito à educação: como direito
fundamental e, portanto, positivado na ordem constitucional, gozando, assim, de uma tutela
reforçada pelo ordenamento jurídico pátrio.
Convém asseverar que a expressão “direitos fundamentais” surgiu, pela primeira vez,
na França de 1770, no marco do movimento político e cultural que conduziu à Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789 e, logo, alcançou grande relevo na Alemanha,
onde, sob a denominação de Grundrechte, articulou-se o sistema de relações entre Estado e
indivíduo, como fundamento de toda a ordem jurídica e política. É este seu sentido na
Grundgesetz de Bonn de 1949. (LUÑO, 2005b, p. 32).
Evidentemente, direitos fundamentais e direitos humanos guardam estreita relação, na
medida em que os direitos fundamentais são, na verdade, os direitos humanos positivados,
garantidos pela Constituição e, portanto, representam um elenco de direitos considerados
fundamentais para determinada sociedade. Assim sendo, se configuram no tal conjunto de
faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências sociais,
razão pelas quais, cada Estado tem seus direitos fundamentais específicos.
Seguindo este mesmo raciocínio, Bonavides, ao tratar dos direitos fundamentais,
reconhece a sua vinculação à liberdade e à dignidade humana, tidos como valores históricos e
filosóficos, afirmando que tal fato conduz ao significado, sem qualquer óbice, da
universalidade inerente a estes direitos, enquanto ideal da pessoa humana. Destaca, ademais,
que esse sentido de universalidade foi alcançado, pela primeira vez, com a Declaração do
Homem e do Cidadão, que ensejou a descoberta do racionalismo francês da Revolução de
1789. (BONAVIDES, 2010, p. 562).
Modernamente, refere Leal que autores, como Häberle e o próprio Luño, têm proposto
um alargamento do conceito de direitos fundamentais, que significaria a síntese das garantias
individuais contidas na tradição dos direitos políticos subjetivos e as exigências sociais
derivadas da concepção institucional do direito (LEAL, 2009, p. 28). Nas palavras de Luño,
En el horizonte del constitucionalismo actual los derechos fundamentales
desempeñan, por tanto, una doble función: en el plano subjetivo siguen actuando
como garantias de la libertad individual, si bien a este papel clásico se aúna ahora la
defensa de los aspectos sociales y colectivos de la subjetividad, mientras que en el
objetivo han asumido uma dimensión institucional a partir de la cual su contenido
debe funcionalizarse para la consecución de los fines e valores constitucionalmente
proclamados. (LUÑO, 2005a, p. 25).
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As definições conceituais trazidas a lume objetivam clarificar o campo semântico, a
fim de contribuir com o esclarecimento do equívoco resultante do entendimento de ambas as
expressões como sinônimas, estabelecendo-se, com certo grau de precisão e rigor, as suas
diferenças. Neste particular, mostra-se interessante colacionar o entendimento de Dallari
sobre a correta compreensão de conceitos no Estado Democrático de Direito:
[...] ponto que merece esclarecimento, porque fundamental ao exame da legalidade
exigida pelo Estado Democrático de Direito, é a compreensão dos conceitos
jurídicos. Considerando que os conceitos correspondem a uma idéia universal, não
se pode admitir a existência de conceitos indeterminados. Aceita-se, porém, com
base na origem natural da linguagem jurídica, a indeterminação das palavras que
expressam o conceito. Decorre daí a potencial ambigüidade ou imprecisão da
linguagem jurídica. Entretanto, constatar que por se basear na linguagem natural os
conceitos jurídicos podem ser formados por termos imprecisos não significa, em
nenhuma hipótese, negar a possibilidade real de determinação do significado desses
conceitos. (DALLARI, 1995, p. 27)
Voltando a abordar os direitos humanos, é preciso consignar que sua historicidade,
como conceito, não é linear ou nem mesmo pacífico, não servindo de razão, justificativa ou
critério à existência de tais direitos, mas, como indicador dos vários enfoques que devem ser
levados em conta quando do seu debate, Por tal razão, destaca-se a dimensão moral e mesmo
de fundamentação destes direitos, reforçada que foi pela tradição jusnaturalística, a qual não
se mostrou suficiente. Entretanto, para garantir efetividade e implementação aos direitos
humanos ao longo da história ocidental, notadamente na Idade Moderna, período em que os
conflitos sociais e políticos mostram-se de elevada monta e significação. (LEAL, 2000, p.
50/51)
No Estado Liberal, ocorreu o processo de positivação dos direitos humanos, fruto da
necessidade de incorporação ao ordenamento jurídico dos direitos tidos como inerentes ao
homem, já que, considerando-se a lógica jurídica dominante à época, essa era a única forma
de se garantir fossem tais direitos objeto de proteção parte do Estado. Por outro lado,
evidencia-se uma lógica perversa, na medida em que direitos não normatizados juridicamente
não se tornam passíveis de proteção.
É preciso lembrar que a Lei, neste Estado, reveste-se de uma aparente neutralidade em
relação aos conflitos3 (CLÈVE, 1995, p. 35), o que acaba por legitimar a dominação
econômica exercida sobre as classes desfavorecidas, não espantando que tenha havido uma
3 O autor assevera que “o culto da lei pelo liberalismo produziu consequências. É que o culto da lei como forma
e conteúdo foi, lentamente, sendo substituído pelo simples culto da lei como forma. A identificação do direito
com a lei acabou dando lugar a toda uma concepção formalista da experiência jurídica, assim denominada de
positivismo. ‘A lei contém todo o direito’ é a expressão máxima desta concepção”.
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seleção visível em relação às liberdades que serão juridicamente garantidas. Serve como
exemplo a situação do legislador que protege a liberdade de contratar e recusa-se a admitir a
liberdade de associação dos trabalhadores. (SARMENTO, 2004, p. 23)
A positivação constitucional dos direitos humanos, naquele período, foi resultado da
fórmula utilizada para a racionalização e a legitimação do poder pelo Iluminismo, já que a
Constituição, sendo uma lei escrita superior às demais normas, competia-lhe o dever de
garantir os direitos dos cidadãos, concebidos como limites para a atuação dos governantes, em
prol da liberdade dos governados.
De todo modo, conforme adverte Leal (2000, p. 52), é impossível aos novos padrões
de conhecimentos científicos, na modernidade, negarem totalmente significação aos
elementos não positivados na cultura passada, sobremaneira aos componentes axiológicos e
éticos presentes no patrimônio moral até então constituído, porque este patrimônio é o direito
que cada um tem de possuir direitos, o que fundamenta o próprio direito. Neste ponto,
assevera Bobbio que “os direitos do homem nascem como direitos naturais universais,
desenvolvem-se como direitos positivos particulares, para finalmente encontrarem sua plena
realização como direitos positivos universais” (BOBBIO, 1992, p. 30).
Leal prossegue em suas ponderações e alude que, pela ótica vigente no Estado Liberal,
os direitos que não se positivam, permanecem como reclamações válidas no plano moral,
cumprindo tão-somente com uma função: certa legitimidade crítica do ordenamento jurídico
positivo, razão pela qual se, para o jusnaturalismo tradicional, os direitos subjetivos são
independentes do que dispõem as normas de direito objetivo, eis que são faculdades e poderes
inatos ao homem pela sua própria condição. Dessa forma, para o positivismo, tornam-se tão-
somente morais, na medida em que, embora até reconheça a sua existência, rechaça
proposições acerca de direitos subjetivos jurídicos que não sejam empiricamente verificáveis
em normas jurídicas positivas (LEAL, 2000, p. 52).
É consignar, portanto, que se entendendo o direito subjetivo pela ótica positivista, ou
seja, como interesses juridicamente protegidos, tais direitos são ora sinônimos de não
proibição de conduta, ora de autorização de condutas, e ora são vistos como reflexo de um
dever jurídico, do que resulta a tese de que, faltando a proteção jurídica, vai inexistir o próprio
direito (LEAL, 2009, p. 31).
Entretanto, como demonstrado por Leal (2009, p. 31), tal tese não se sustenta, na
medida em que não se pode afirmar que a previsão normativa (ou mesmo jurisdicional) seja
elemento constitutivo dos direitos humanos e fundamentais, visto que é possível protegê-los
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sem que existam mecanismos de proteção jurisdicional, que sejam absolutamente precisos, já
estabelecidos. Pode-se, neste caso, mencionar como exemplo os direitos e as garantias
firmados em tratados internacionais de direitos humanos e os chamados novos direitos que, do
mesmo modo, recebem proteção ainda que inexistam disposições normativas definitivas,
afirmando Luño (2005a, p. 26) que os direitos fundamentais se apresentam como marco de
proteção das situações jurídicas subjetivas.
Desse modo, se os direitos subjetivos corporificam a existência de normas de
comportamentos e condutas sociais obrigatórias, proibidas, permitidas ou facultativas,
também implicam normas que determinem quem, em quais condições e de que forma pode
realizar atos que possuam efeitos sobre outras pessoas, seja em nível legislativo, executivo ou
judiciário, reconhecendo-se como subjetivo, portanto, não só as normas de conduta, mas
também as normas de organização política e institucional. Neste sentido, resta superada a
identificação dos direitos subjetivos com os típicos direitos do Estado Liberal Clássico,
reconhecendo-se, pois, que direitos humanos e fundamentais configuram-se como verdadeiro
grupo de direitos subjetivos públicos, indisponíveis e vinculantes4 (LEAL, 2000, p. 56).
É possível afirmar, pois, que os direitos humanos e fundamentais são direitos
subjetivos, cabendo ao Estado, como implementador de políticas públicas, providenciar e
gerir tais ferramentas. Os direitos subjetivos são mais do que interesses juridicamente
protegidos, porque não é a normatividade parte de seus elementos constitutivos, porque como
direitos humanos e fundamentais, eles são aspirações da Sociedade, vinculando-se a todos.
Daí, poder-se afirmar, como antes, que o direito à educação, que é direito humano e
fundamental, é subjetivo e, além de exigir proteção estatal, vincula Estado e Sociedade à sua
implementação, valendo a dicção de Alexy (1999, pp. 63/63), para quem “os direitos
fundamentais são direitos com hierarquia constitucional e com força de concretização
suprema, ou seja, vinculam aos três poderes (executivo, legislativo e judiciário)”.
4 Constituição e Direito à Educação
Pode-se apontar que foi com a Constituição Imperial de 1824 que teve início a
Legislação Educacional no Brasil. O art. 179, XXXII, estabelecia que "a instrução primária é
gratuita a todos os cidadãos". (MUNIZ, 2002, 81)
4 O autor refere que o eixo central dos atuais direitos subjetivos públicos e das constituições ocidentais está nos
Direitos Humanos e Fundamentais, fruto de uma nova visão não mais atrelada ao Estado, mas se constituindo
num documento de aspirações da sociedade.
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Já a Constituição de 1891 nada mencionou sobre a gratuidade do ensino, deixando a
critério das Constituições Estaduais a regulamentação do assunto, como dispunha o art. 65, nº
2, outorgando, assim, a competência residual do Estado para legislar. Apenas na Constituição
de 16.07.1934, no art. 149, que apareceu a educação como formação da personalidade. No
parágrafo único, a, do art. 150, determinava a gratuidade e a freqüência obrigatória do ensino
primário, traçando diretrizes para a educação nacional.
A Carta Magna de 1937, de tendência ditatorial na forma e no conteúdo, fez referência
no art. 130 à educação gratuita, obrigatória e solidária, e no art. 125 ao dever precípuo dos
pais de ministrá-la, cabendo ao Estado apenas o dever de colaborar e complementar as
deficiências da educação particular. A Constituição de 1946 reforça, no art. 166, o princípio
da solidariedade no direito educacional: "A educação é direito de todos e será dada no lar e na
escola. Deve inspirar-se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana".
Nela foi introduzido, pela primeira vez, o direito do homem "à vida", em substituição ao
termo "subsistência". (MUNIZ, 2002, 81-90)
Na Constituição de 1967, artigo 168, caput, a educação aparece de forma mais
estruturada que na Carta de 1934. Entretanto, os direitos econômicos e sociais dividiram-se
em dois títulos: um, versava sobre a ordem econômica; e outro, sobre a família, a educação e
a cultura, no Título IV, Da família, Da educação e Da cultura, sempre destacando a
solidariedade como norteadora do processo educacional. Essa Carta Constitucional alterou o
direito à educação de maneira considerável. Manteve em vigor o art. 168 da Carta anterior,
porém suprimiu a expressão "igualdade de oportunidade", no caput do art. 168 e no inciso
VI,do § 3.º, demonstrando, assim, a forte repressão que se instaurou no país após o golpe de
Estado de 31.03.1964. (MUNIZ, 2002, 101-121)
Chegando ao final do século XX, pode-se observar através da Constituição de 1988, no
Capítulo III, arts. 205 a 214, o estabelecimento de objetivos, bem como as diretrizes para o
sistema educacional do país. Essa Carta aponta o direito à educação, cabendo à família, à
sociedade e ao Estado promovê-la e incentivá-la. É relevante assinalar que o reconhecimento
e a declaração de um direito no texto Constitucional são insuficientes para assegurar sua
efetividade, sendo necessários mecanismos capazes de protegê-lo contra potenciais violações.
A Constituição Federal de 1988 representou significativa conquista na positivação dos
direitos Fundamentais.
Segundo Muniz (2002, 81-83), nos arts. 5.º, 20 caput, encontramos as bases formadoras
para o desenvolvimento de uma nação: o direito à vida, cabendo ao Estado protegê-lo na sua
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acepção integral; e o direito à educação, expresso no art. 6.º e explicitado nos arts. 205 a 214,
classificado por doutrinadores como norma "programática", de eficácia limitada, necessitando
de atuação do legislador infraconstitucional para que se torne plenamente eficaz. Estabelecem
programas que deverão ser implementados pelo Estado; têm eficácia restringível, isto é, "de
aplicação diferida e não de aplicação ou execução imediata", por não regular diretamente
interesses ou direitos nela contidos, "limitando-se a traçar princípios a serem cumpridos pelos
poderes públicos (Legislativo, Executivo e Judiciário) como programas das atividades,
pretendendo unicamente a conservação dos fins sociais pelo Estado".
No fim do Regime Militar (1964-1985) a discussão sobre as questões educacionais já
haviam perdido o seu sentido pedagógico e assumido um caráter político. Para isso contribuiu
a participação mais ativa de pensadores de outras áreas do conhecimento que passaram a falar
de Educação num sentido mais amplo do que as questões pertinentes à escola, à sala de aula, à
didática, à relação direta entre professor e estudante e à dinâmica escolar em si mesma.
Impedidos de atuarem em suas funções, por questões políticas durante o Regime Militar,
profissionais de outras áreas, distantes do conhecimento pedagógico, passaram a assumir
postos na área da educação e a concretizar discursos em nome do saber pedagógico. No bojo
da nova Constituição, um Projeto de Lei para uma nova LDB foi encaminhado à Câmara
Federal, pelo Deputado Octávio Elísio, em 1988. (PILETTI, 1996, 123)
Das diversas mudanças e entre as inúmeras transformações operadas no Brasil após a
edição da Constituição de 1988, destaca-se o considerável progresso dos níveis educacionais
da população em geral e dos jovens em particular, tendo-se alcançado, praticamente, a
universalização do ensino fundamental e uma significativa ampliação de vagas no Ensino
Médio Profissionalizante.
Em se tratando de números pode-se citar um acréscimo de 7,1% no período de dois
anos no Ensino Médio Profissionalizante, totalizando 1 milhão de matrículas no território
brasileiro. (INEP: Censo Escola, 2013) Certamente esse e outros índices é o resultado do
enfrentamento público de questões recorrentes da educação brasileira, tais como
acessibilidade, universalização, financiamento e permanência na escola, qualidade do ensino,
dentre outras. A atuação do Poder Público nos últimos vinte anos assume especial relevância
quando consideramos o atraso secular da educação no Brasil, notadamente da educação
pública, em comparação a outros países da América Latina, como a Argentina, Chile e o
Uruguai, que já no início do século XX haviam universalizado a educação em nível
fundamental.
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A implantação e implementação de políticas públicas dos Estados e Municípios nesse
processo tem sido significativa, podendo-se concluir que a discriminação de competências
educacionais promovida pela Constituição Federal – ao combinar a atribuição de encargos
educacionais aos entes federados, em grau de generalidade crescente, com a obrigatoriedade
de aplicação de percentuais fixos da receita de impostos no financiamento da educação – tem
sido eficaz. Este modelo beneficia-se da organização federativa dos sistemas de ensino no
Brasil, levando em conta o princípio da descentralização normativa e executiva que lhe é
inerente.
Do ponto de vista jurídico, inúmeros são os aspectos que podem ser analisados a
respeito da organização federativa dos sistemas de ensino e de seus efeitos na ampliação dos
meios de acesso e permanência na escola. Um dos mais complexos é o das competências
legislativas concorrentes dos Estados-membros, devido à tênue distinção entre normas gerais
e normas suplementares de educação, até porque, neste campo, a distinção entre o interesse
nacional e o regional é praticamente inexistente. O tema torna-se ainda mais árduo quando se
trata de analisar a intervenção dos Estados-membros no domínio econômico, em
circunstâncias nas quais a matéria de direito econômico ou do consumidor se sobrepõe à
educacional. (RANIERI, 2008, 13)
4.1 Constituição e Legislação Educacional no século XX e XXI
Com a promulgação da Constituição de 1988, a LDB anterior (4024/61) foi considerada
obsoleta, mas apenas em 1996 o debate sobre a nova lei foi concluído.
A atual LDB (Lei 9394/96) foi sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso
e pelo ministro da educação Paulo Renato em 20 de dezembro de 1996. Baseada no princípio
do direito universal à educação para todos, a LDB de 1996 trouxe diversas mudanças em
relação às leis anteriores, como a inclusão da Educação Infantil (creches e pré-escolas) como
primeira etapa da Educação Básica.
Considerando a extensão territorial e multiplicidade sócio-cultural do Brasil todas as
grandes alterações legais tendem a levar maior tempo para sua efetivação. Com a atual
legislação educacional não foi diferente. O texto aprovado em 1996 é resultado de um longo
embate, que durou cerca de seis anos, entre duas propostas distintas. A primeira conhecida
como Projeto Jorge Hage foi o resultado de uma série de debates abertos com a sociedade,
organizados pelo Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, sendo apresentado na
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Câmara dos Deputados. A segunda proposta foi elaborada pelos senadores Darcy Ribeiro,
Marco Maciel e Maurício Correa em articulação com o poder executivo através do MEC.
A principal divergência era em relação ao papel do Estado na educação. Enquanto a
proposta dos setores organizados da sociedade civil apresentava uma grande preocupação com
mecanismos de controle social do sistema de ensino, a proposta dos senadores previa uma
estrutura de poder mais centrada nas mãos do governo. Apesar de conter alguns elementos
levantados pelo primeiro grupo, o texto final da LDB se aproxima mais das ideias levantadas
pelo segundo grupo, que contou com forte apoio da base governista - o governo FHC nos
últimos anos da tramitação. (ADRIÃO, 2001, Cap. I)
A devida legislação – LDBen possui 92 artigos e estão organizados da seguinte
maneira:
Título I - Da educação
Título II - Dos Princípios e Fins da Educação Nacional
Título III - Do Direito à Educação e do Dever de Educar
Título IV - Da Organização da Educação Nacional
Título V - Dos Níveis e das Modalidades de Educação e Ensino
o Capítulo I - Da Composição dos Níveis Escolares
o Capítulo II - Da Educação Básica
Seção I - Das Disposições Gerais
Seção II - Da Educação Infantil
Seção III - Do Ensino Fundamental
Seção IV - Do Ensino Médio
Seção V - Da Educação de Jovens e Adultos
o Capítulo III - Da Educação Profissional
o Capítulo IV - Da Educação Superior
o Capítulo V - Da Educação Especial
Título VI - Dos Profissionais da Educação
Título VII - Dos Recursos Financeiros
Título VIII - Das Disposições Gerais
Título IX - Das Disposições Transitórias
Essa legislação vigente até os dias atuais no território brasileiro possui como principais
características:
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Gestão democrática do ensino público e progressiva autonomia pedagógica e
administrativa das unidades escolares (art. 3 e 15)
Ensino fundamental obrigatório e gratuito (art. 4)
Carga horária mínima de oitocentas horas distribuídas em duzentos dias na educação
básica (art. 24)
Prevê um núcleo comum para o currículo do ensino fundamental e médio e uma parte
diversificada em função das peculiaridades locais (art. 26)
Formação de docentes para atuar na educação básica em curso de nível superior, sendo
aceito para a educação infantil e as quatro primeiras séries do fundamental formação
em curso Normal do ensino médio (art. 62)
Formação dos especialistas da educação em curso superior de pedagogia ou pós-
graduação (art. 64)
A União deve gastar no mínimo 18% e os estados e municípios no mínimo 25% de
seus respectivos orçamentos na manutenção e desenvolvimento do ensino público (art.
69)
Dinheiro público pode financiar escolas comunitárias, confessionais e filantrópicas
(art. 77)
Prevê a criação do Plano Nacional de Educação (art. 87)
Passados quase duas décadas da implantação da legislação – LDB 9394/96 pode-se
apontar diversos avanços e também vários pontos essenciais em total silêncio. Das conquista a
universalização do ensino é a grande marca, no entanto, como não garantiu qualidade,
também não garantiu a permanência e a chegada ao ensino médio ficou para uma parcela
apenas dos ingressantes no Ensino Fundamental. Outro gargalo foi o Ensino Infantil,
especialmente de 0 a 3 anos, as creches, que até hoje só atendem entre 18 a 20 % da
demanda.
O primeiro Plano Nacional de Educação, dentro dos princípios que conhecemos hoje,
foi elaborado e aprovado para o exercício do decênio 2001/2010 e com uma infinidade de
metas e ampliação do percentual para o financiamento da educação para 7% do PIB, que foi
vetado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Esse elemento esteve em discussão
no ano de 2012 e em 2013 esteve sendo debatido por vários segmentos da sociedade civil
organizada, bem como pelos gestores públicos. Busca-se na atualidade o financiamento de
10% do PIB para a Educação. (CONAE, 2013 – Eixo V)
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Não podemos esquecer que toda política exige uma planejamento, até para sabermos
onde estamos e onde queremos chegar. Quais as etapas para se atingir determinado objetivo.
Neste momento está em tramitação na Câmara dos Deputados o PNE a vigorar entre
2011/2020, que teve por base a Conferência Nacional de Educação (CONAE). Com relação
ao PNE anterior, este é mais objetivo e com metas melhor especificadas, no entanto, há
problemas com relação a expectativa de ampliação do financiamento e falta de quantificação
de metas e especificação de qual dos entes federados será responsável por cada uma das
metas.
Do total são vinte metas, que tratam de todos os níveis da educação nacional, desde a
creche, até os programas de pós-graduação, passando pela Educação de Jovens e Adultos e
alfabetização. No entanto, especialistas da área dizem que os 7% do Produto Interno Bruto
(PIB) previstos para serem aplicados até 2020, não seriam o suficiente. Seriam necessários
7% até 2014 e 10% até 2020, conforme aprovado na CONAE.
O desafio é enorme, pois como já apontado são várias áreas consideradas essenciais que
não respondem aos anseios da população. O PNE propõe 50% até 2020, no entanto, os
especialistas em educação infantil almejam 100% da demanda explicitada atendida até 2020.
Para isso dividem a meta em etapas.
Outro grande desafio é a ampliação do ensino médio, pois hoje apenas 50% dos jovens
dentro da faixa etária específica alcançam esta etapa de ensino. Além disso, há a escola em
tempo integral, que para se tornar uma realidade, de fato, precisa pensar, principalmente,
currículo e financiamento.
Em se tratando de ensino superior a defasagem é ainda maior. Análise dos dados da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) feita pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) mostra que, apesar de ter aumentado de 27% para 51% a
frequência de estudantes entre 18 e 24 anos no ensino superior, essa expansão educacional
apresenta disparidades, principalmente se levado em conta o critério racial. De acordo com o
IBGE (2012), o percentual de negros no ensino superior passou de 10,2% em 2001 para
35,8% em 2011.
Conforme quadro abaixo, esse aumento na frequência entre jovens pardos ou pretos não
foi suficiente para alcançar a mesma proporção apresentada pelos jovens brancos dez anos
antes - que era de 39,6%. Hoje, o número de brancos entre 18 e 24 anos que estão na
universidade atinge 65,7% do total.
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Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). IBGE, 2012.
A política de educação, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, passou a ser acompanhada de
planejamento, conforme exposto, no entanto, ainda precisamos de maior controle social, que monitore.
5 Educação Brasileira e sua Efetivação como Direito Fundamental
Se educação no Brasil é considerado um direito fundamental, é mister observar que
este é um bem fundamental a vida digna, existindo como atributo intrínseco da própria
democracia, representando seu papel de indissociabilidade. Enquanto fundamental ao
desenvolvimento pleno do homem, a efetivação do direito à educação, como instrumento de
transformação social, compreende a própria dignidade da pessoa humana como direito
anterior à própria formação do Estado.
Dessa forma, temos que a dignidade da pessoa humana é o primeiro fundamento de todo
o sistema constitucional posto e o último arcabouço da guarida dos direitos individuais. Nesse
ínterim, pode-se apontar que as expressões "direitos humanos" e "direitos fundamentais" são
largamente utilizados juntamente com outras similares, como direitos naturais, direitos do
homem, direitos subjetivos públicos, liberdades públicas, direitos individuais, liberdades
fundamentais, compreendendo-se, ainda, os direitos da personalidade. (MUNIZ, 2002, 45)
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O desenvolvimento da concepção dos direitos fundamentais na Constituição Federal é
construído calcado na teoria das dimensões dos direitos fundamentais, apresentado pela
doutrina balizada. Como já apontado, estas dimensões são resultados de uma progressão dos
textos constitucionais no decorrer da historicidade da nação. Os direitos humanos,
compreendidos em âmbito internacional, normatizados por meio de tratados e convenções
transnacionais, são recebidos e positivados pelo constituinte originário de determinado país.
Dessa forma, confere-se aos homens e mulheres direitos subjetivos, tanto no aspecto material
quanto processual.
É relevante assinalar, uma vez mais, a distinção entre os ‘direitos humanos’ e ‘direitos
fundamentais’. Enquanto os últimos aplicam-se aos direitos do ser humano reconhecido e
positivado na esfera do Direito Constitucional positivo de determinado Estado, os primeiros
relacionam-se com os documentos internacionais por referir-se àquelas posições jurídicas que
se reconhecem ao ser humano como tal. Esses independem de qualquer vinculação com uma
ordem constitucional e aspira à validade universal. Está para todos os povos - e é desprovido
de delimitação do espaço geográfico e temporalidade por possuir caráter supranacional.
6 Conclusão
Da tríade escolhida para a elaboração desse artigo: Brasil, Direitos Fundamentais e
Educação - é possível afirmar que o direito à Educação é um direito inerente a natureza do
homem que precede a própria natureza do Estado, devendo este ser assegurado desde a sua
origem, não podendo considerá-lo apenas como um direito social, visto que é um instrumento
fundamental para que o homem se realize como tal.
O objetivo do direito fundamental à Educação é a completa expansão da personalidade
humana e, para que isso ocorra, faz-se necessário que o poder público assegure os
pressupostos para o uso deste direito, caso contrário o direito não possui valor algum.
Assim, indispensável à educação sua categorização como fundamental. Seja como
decorrência do próprio princípio da dignidade, seja como albergado pelo texto constitucional,
sua positivação contribui de forma inegável para sua efetividade. Contudo, a educação é
também um direito subjetivo. Deste modo, é mais do que um interesse juridicamente
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protegido, porque como direito humano e fundamental, é aspiração da Sociedade, e, por isso,
vincula a todos à sua concretização e efetividade.
Com maior ou menor abrangência e marcadas pela ideologia de sua época, todas as
Constituições brasileiras dispensaram tratamento ao tema da educação. A Constituição
Imperial de 1824 estabeleceu entre os direitos civis e políticos a gratuidade da instrução
primária para todos os cidadãos e previu a criação de colégios e universidades. A Constituição
Republicana de 1891, adotando o modelo federal, preocupou-se em discriminar a competência
legislativa da União e dos Estados em matéria educacional.
A Constituição de 1934 apresentou dispositivos que organizaram a educação nacional,
mediante previsão e especificação de linhas gerais de um plano nacional de educação e
competência do Conselho Nacional de Educação para elaborá-lo, criação dos sistemas
educativos nos estados, prevendo os órgãos de sua composição como corolário do próprio
princípio federativo e destinação de recursos para a manutenção e desenvolvimento do ensino.
A Constituição de 1937 apresentou-se como um retrocesso no campo educacional. O
texto constitucional vincula a educação a valores cívicos e econômicos. Não se registra
preocupação com o ensino público, sendo o primeiro dispositivo no trato da matéria dedicado
a estabelecer a livre iniciativa. A centralização é reforçada não só pela previsão de
competência material e legislativa privativa da União em relação às diretrizes e bases da
educação nacional, sem referência aos sistemas de ensino dos estados, como pela própria
rigidez do regime ditatorial.
A Constituição de 1946 retomou os princípios das Constituições de 1891 e 1934. A
competência legislativa da União circunscreve-se às diretrizes e bases da educação nacional.
A competência dos Estados é garantida pela competência residual, como também pela
previsão dos respectivos sistemas de ensino. A educação volta a ser definida como direito de
todos, prevalece a idéia de educação pública, a despeito de franqueada à livre iniciativa.
Já a Constituição de 1967 manteve a estrutura organizacional da educação nacional,
preservando os sistemas de ensino dos Estados. Já a Constituição de 1969 não alterou o
modelo educacional da Constituição de 1967. Não obstante, limitou a vinculação de receitas
para manutenção e desenvolvimento do ensino apenas para os municípios. Como se vê o
tratamento constitucional dispensado à educação reflete ideologias e valores. Conforme
registra Herkenhoff (1987, p.8), "educação não é um tema isolado, mas decorre de decisões
políticas fundamentais. Isto é, a educação é uma questão visceralmente política".
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A Constituição Federal de 1988 enuncia o direito à educação como um direito social no
artigo 6º; especifica a competência legislativa nos artigos 22, XXIV e 24, IX; dedica toda uma
parte do título da Ordem Social para responsabilizar o Estado e a família, tratar do acesso e da
qualidade, organizar o sistema educacional, vincular o financiamento e distribuir encargos e
competências para os entes da federação. Através de sua legislação específica – Lei de
Diretrizes e Bases da Educação – 9394/1996 foi possível positivar a educação como um
direito fundamental de caráter universal, legítimo de toda e qualquer, sociedade, cabendo ao
estado a implementação de políticas públicas para a sua concretização.
Além do regramento minucioso, a grande inovação do modelo constitucional de 1988
em relação ao direito à educação decorre de seu caráter democrático, especialmente pela
preocupação em prever instrumentos voltados para sua efetividade (Ranieri, 2000, p. 78).
Assim, pelo fio do exposto, pode-se afirmar que o direito à educação, que é direito humano e
direito fundamental, não só exige proteção estatal como vincula Estado e Sociedade à sua
implementação.
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