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Universidade Estadual de Maringá 07 a 09 de Maio de 2012 1 EDUCAÇÃO, ESPAÇOS DE SOCIABILIDADE E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DE JOVENS INDÍGENAS KAINGANG NA T. I. IVAÍ. RAMON, Paulo Caldas Ribeiro (UEM) FAUSTINO, Rosangela Celia (UEM) A população indígena no Paraná está estimada em aproximadamente 15.000 (quinze mil) pessoas provenientes de três etnias diferentes (Guarani, Kaingang e Xetá), vivendo em cerca de 35 Terras Indígenas, demarcadas ou em processo de demarcação. Conforme dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, (BRASIL, 2005), há muitos outros indígenas vivendo nas cidades do Estado. A FUNAI (Fundação Nacional do Índio) é o órgão Federal responsável pelas políticas públicas indigenistas, principalmente voltadas à questão de terras. De forma geral as terras demarcadas oferecem poucas oportunidades de manutenção da forma de vida tradicional, baseada na caça, pesca e coleta. Atualmente os indígenas vivem de pequenas roças familiares, venda de artesanato, algumas aposentadorias, cargos públicos existentes nas aldeias e serviços temporários prestados nas fazendas ou cidades do entorno. Estudos demonstram que O forte desejo de consumo de produtos industrializados, estimulado pela mídia que chega cada vez mais aos jovens indígenas por meio de rádios e televisão; disputas internas, adultérios, brigas por motivos torpes, espancamentos, agressões e outras manifestações de violências crônicas geradas pela falta de perspectivas e pelo alcoolismo, grassam as aldeias em seu cotidiano, tornando as pessoas, os jovens particularmente, vulneráveis às alternativas “fáceis” e ilícitas para ganhar dinheiro, ou às “difíceis” como é o caso de muitos que, por falta de uma escolarização mais ampla, de acesso a informações, aceitarem condições de trabalho desumanas beirando à escravidão”. (Violência contra os povos indígenas no Brasil. Relatório 2006-2007) O documento atesta também que [...] a população indígena brasileira é relativamente jovem: perto da metade dela tem até 24 anos (Violência contra os povos indígenas no Brasil. Relatório 2006-2007, p.20). Desta forma, [...] para uma parcela

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EDUCAÇÃO, ESPAÇOS DE SOCIABILIDADE E PARTICIPAÇÃO

POLÍTICA DE JOVENS INDÍGENAS KAINGANG NA T. I. IVAÍ.

RAMON, Paulo Caldas Ribeiro (UEM)

FAUSTINO, Rosangela Celia (UEM)

A população indígena no Paraná está estimada em aproximadamente 15.000

(quinze mil) pessoas provenientes de três etnias diferentes (Guarani, Kaingang e Xetá),

vivendo em cerca de 35 Terras Indígenas, demarcadas ou em processo de demarcação.

Conforme dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, (BRASIL,

2005), há muitos outros indígenas vivendo nas cidades do Estado. A FUNAI (Fundação

Nacional do Índio) é o órgão Federal responsável pelas políticas públicas indigenistas,

principalmente voltadas à questão de terras. De forma geral as terras demarcadas

oferecem poucas oportunidades de manutenção da forma de vida tradicional, baseada na

caça, pesca e coleta. Atualmente os indígenas vivem de pequenas roças familiares,

venda de artesanato, algumas aposentadorias, cargos públicos existentes nas aldeias e

serviços temporários prestados nas fazendas ou cidades do entorno.

Estudos demonstram que

O forte desejo de consumo de produtos industrializados, estimulado pela mídia que chega cada vez mais aos jovens indígenas por meio de rádios e televisão; disputas internas, adultérios, brigas por motivos torpes, espancamentos, agressões e outras manifestações de violências crônicas geradas pela falta de perspectivas e pelo alcoolismo, grassam as aldeias em seu cotidiano, tornando as pessoas, os jovens particularmente, vulneráveis às alternativas “fáceis” e ilícitas para ganhar dinheiro, ou às “difíceis” como é o caso de muitos que, por falta de uma escolarização mais ampla, de acesso a informações, aceitarem condições de trabalho desumanas beirando à escravidão”. (Violência contra os povos indígenas no Brasil. Relatório 2006-2007)

O documento atesta também que [...] a população indígena brasileira é

relativamente jovem: perto da metade dela tem até 24 anos (Violência contra os povos

indígenas no Brasil. Relatório 2006-2007, p.20). Desta forma, [...] para uma parcela

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substancial da nova geração de jovens, o que está sendo oferecido é um futuro sem

perspectivas a longo prazo de ganhar a vida sem os magros benefícios do bem-estar-

social. (APPLE, 2001, p.131)

Documentos internacionais (HALL; PATRINOS, 2004) atestam a situação

precária em que vivem os indígenas na América Latina. No Brasil, 38% da população

indígena esta em situação de pobreza extrema (tem renda per capita familiar inferior a

¼ salário mínimo), enquanto na população não indígena essa proporção é de 15,5%.

(Violência contra os povos indígenas no Brasil. Relatório 2006-2007, p.21). O padrão

de renda da população indígena é similar ou mesmo mais precário que o das populações

mais desprotegidas da sociedade brasileira. A proporção de indígenas que tem renda

inferior a ¼ s.m. em domicílios rurais é de 64% no Brasil, enquanto a proporção

diminui para a pobreza urbana (15%). Ou seja, 2/3 dos “indígenas rurais” estão em

situação de pobreza extrema.

Um estudo divulgado pelo Banco Mundial afirma que, apesar dos esforços para

reduzir a pobreza na América Latina, mais de 80% dos indígenas latino-americanos

vivem na pobreza extrema, uma tendência que pouco mudou desde a década de 1990,

quando foram registrados diversos progressos econômicos. (Folha de São Paulo, 01 de

março de 2007). Acrescenta-se que [...] O fato é que a situação das populações

indígenas é de desproteção, seja pela ausência de políticas direcionadas a essas

populações, ou pela desorganização dos modos de produção de subsistência

tradicionais, advinda do contato e das pressões ocasionadas pelas frentes de expansão da

sociedade nacional brasileira. (Violência contra os povos indígenas no Brasil. Relatório

2006-2007, p.23).

A falta de perspectiva para os jovens nas aldeias está associada com o

alcoolismo, uso de drogas, agressões, gravidez precoce e, muitas vezes, dificuldades de

permanência na escola. A taxa de analfabetismo é outro dos indicadores que expressa as

desigualdades étnicas. 26% da população indígena acima de 15 anos é analfabeta,

enquanto 20% dos negros e 8% dos brancos estão na mesma situação. (Violência contra

os povos indígenas no Brasil. Relatório 2006-2007, p.23)

De um modo geral, jovens que experienciam a pobreza durante a infância tem uma probabilidade 300% maior de não concluir a

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escola secundária do que crianças que nunca foram pobres. (APPLE, 2001, p.122)

Considerando as questões apontadas, a pesquisa tem como objetivo conhecer os

espaços de sociabilidade, trabalho, laser e participação política em um grupo indígena

Kaingang no Paraná, pretendendo-se, também, compreender o papel da escola para este

segmento. O campo de investigação é a Terra Indígena Kaingang Ivaí, situada no

município de Manoel Ribas, Paraná.

Os indígenas Kaingang do Ivai

Os Kaingang, habitantes da T.I. Ivai, somam uma populaçãod e cerca de 1500

(um mil e quinhentas) pessoas, sendo, conforme MOTA (2003) mais da metade, uma

população jovem. A população do Ivai usa a língua materna, o kaingang em todas as

situações cotidianas e são bilíngües em português, língua que utilizam nas relações com

os não-índios. Os mais velhos e as crianças pequenas tem menor desempenho em língua

portuguesa. A escola representa, neste sentido, uma instituição de suma importância

pois, além de promover o acesso a língua dominante na sociedade, o português, auxilia

na obtenção de documentos que darão maior acesso aos benefícios da cidadania

indígena.

São vastas as menções sobre o papel político dos índios Kaingang ao longo do

processo de contato, alguns autores constataram o ativismo político, Tommasino (1995);

Mota (1998; 2003; 2009), Fernandes, J. L. (1941), Fernandes, R. C.(2003) afirmando

que, entre estes povos, a grande maioria das articulações e resistências políticas giraram

em torno da demarcação de terras no decorrer dos séculos XIX e XX.

Buscamos a compreensão da atuação, espaços de sociabilidade e o papel dos

jovens Kaingang, sobretudo sua função na e pela escola, buscamos analisar as possíveis

alterações históricas de intenso contato com a sociedade envolvente, por meio da

Pesquisa Ação descrita por Brandão (1995). Coletaremos dados, dando constante

devolutiva às populações, instigando a participação dos envolvidos e retroalimentando a

pesquisa.

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Delimitamos a Terra Indígena Ivaí, localizada no Município de Manoel Ribas –

PR na porção central do Estado do Paraná, esta T.I. que possui uma extensão de 7.200

há. Na T.I. existe o Colégio Estadual Cacique Gregório Kaeckchot, onde estudam cerca

de 450 alunos, abarcando 25 turmas intercaladas nos turnos matutino, vespertino e

noturno. Com fins de recorte de pesquisa e de intervenção, elencamos os jovens de faixa

etária entre 15 a 18 anos que estejam matriculados no Ensino Médio da escola em

questão buscando acompanhar a presença e participação na escola, nos diferentes

espaços da aldeia, nas práticas de laser, trabalho e atuação política.

Para Valenzuela (2007) a atenção referente às políticas públicas de inclusão

social e assistência social está em franca ascensão. As preocupações referentes aos

gêneros e faixas etárias específicas emanam da necessidade de intervenções que

resultem na melhoria de vida das populações diferenciadas (seja por Gênero, Etnia e

Faixa Etária). Os jovens, especialmente aqueles provenientes das minorias étnicas, são

afetados por baixos salários, más condições de trabalho ou predomínio de subemprego

como algumas das mazelas enfrentadas no quotidiano destas populações.

Uma das evidências do despreparo das instâncias estatais está na saúde Indígena,

desde 1999 a FUNASA (Fundação Nacional de Saúde) é o órgão responsável pela

Saúde nas Terras Indígenas, atualmente encontra-se em transição, mudará para SESAI –

Secretaria Especial de Saúde Indígena. Tal reformulação carece de análise minuciosa,

contudo, já houve inúmeros cortes no corpo profissional, até meados de dezembro de

2011 havia poucos médicos e enfermeiros nas T.I. ocorrendo casos em que as unidades

de saúde permaneciam fechados por tempo indeterminado.

No ano de 2010, por meio do projeto de pesquisa O Esporte/Lazer em

Comunidades Indígenas no Estado do Paraná, foi realizado um levantamento geral nas

30 Terras Indígenas, identificadas no período, (demarcadas e não demarcadas). Nos

registros, foram coletadas entrevistas com professores indígenas e não indígenas,

lideranças diversas, moradores locais e da população jovem. Evidenciou-se a escassez

de ações públicas que contemplassem a população indígena jovem.

Neste mesmo ano, a equipe do projeto obteve relatos referente a tida “nova”

condição do jovem indígena Kaingang. Um professor de uma T.I. localizada no vale do

Rio Tibagi, descreveu a preocupação com os jovens que casavam demasiadamente cedo,

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pois quando este é consumado, o estudo é seriamente prejudicado e na maioria das

vezes abandonado, frente a estas constatações as próprias lideranças buscaram

procrastinar o casamento, que anteriormente ocorria quando os jovens possuíam cerca

de 12 a 15 anos, atualmente, com as mudanças impostas pelo contato, estimulam o

casamento somente quando atingem a maioridade.

Nas considerações de Faustino (2006; 2010) a Política Educacional das Escolas

Indígenas pautam-se enfaticamente na Diversidade Cultural e no Bilinguismo, os

problemas identificados são inúmeros tais como: falta de materiais, insuficiência na

formação dos professores indígenas, baixa renda dos estudantes e grande número de

evasão escolar. A autora conclui que a escola, embora considerada uma instituição muito

importante pelas comunidades, ainda ocupa papel secundário na vida dos Kaingang.

No ano de 2011 participando do projeto de pesquisa intitulado: “O impacto do

Programa Bolsa Família na melhoria do acesso à educação e aprendizagem em

comunidades indígenas Kaingang e Guarani no Paraná” financiado pelo CNPQ e

MDS (Ministério de Desenvolvimento Social e Combate a Fome), foi possível manter a

coleta de dados e delimitação da T.I. Ivaí para uma pesquisa inicial, observando as

vicissitudes enfrentadas pelos jovens enfatizando a problemática da ingestão de bebidas

alcoólicas, fato este já frisado anteriormente por Oliveira (2001) e Faustino (2006).

A problemática do uso de bebidas alcoólicas e tão premente que demandou

intervenções, solicitadas pelas lideranças e pela coordenação da escola, para que a

equipe trabalhe este tema, principalmente nas turmas do Ensino Médio, por meio de

palestras ou cursos abordando a temática, esclarecendo as consequências do uso e abuso

de álcool bem como seus momentos históricos. A intervenção em questão, contando

com profissionais habilitados, está em andamento, sendo que, do ponto de vista da

pesquisa, possibilita maior envolvimento e participação na vida das populações,

expandindo a possibilidade de coleta de dados.

Como fundamento teórico, pautamos-nos em postulados do Materialismo

Histórico Dialético, elaborados a partir do método proposto por Marx (1818-1883), e

Engels por permitir a compreensão, análise e intervenção na realidade em sua

totalidade. Mais especificamente sobre a educação e a psicologia os estudos dos

formuladores da Teoria Histórico-Cultural como Leontiev (1978) evidenciam que o

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processo de humanização é realizado ativamente dentro da escola, local onde a criança

entra em contato com todo conhecimento historicamente acumulado por meio da

mediação dos adultos ampliando as possibilidades de conhecimento da realidade;

Vigotski (1996), principal fundador desta teoria, explicita a contribuição de práticas

intencionais e planejadas, mediadas por sujeitos experientes, a possibilidade de

apropriação dos conhecimentos científicos e da experiência vivida pela humanidade

através dos tempos. Estes elementos possibilitam as condições para a aquisição de

novas aptidões de capacidades e características humanas, sendo o desenvolver humano

caracterizado por revoluções mentais internas, ocasionadas pelo meio social

circundante, ou seja, o interpsiquismo.

Da mesma forma que ocorre na cultura tradicional onde os adultos,

principalmente os velhos, mais experientes, transmitem os conhecimentos acumulados

pelo grupo, na escola, o professor com adequada e ampla formação, assumindo seu

papel de educador e desenvolvendo planejadas poderá contribuir para que os

conhecimentos desenvolvidos e acumulados pela humanidade sejam apropriados pelos

jovens e crianças.

A literatura da área de educação escolar indígena discute vastamente esta

questão afirmando que a escola não pode substituir ou se contrapor aos conhecimentos

tradicionais. Concordamos plenamente com esta defesa e entendemos que são espaços

de sociabilidades diferenciados. Conforme a Teoria Histórico-Cultural os

conhecimentos científicos, ao serem internalizados, ao contrário do que defende, por

exemplo, a psicologia genética, não se sobrepõe aos conhecimentos tradicionais, mas os

potencializa por meio da interação social e pelo intermédio de signos, sendo este o papel

da escola.

Desta forma, pretende-se compreender qual o papel da escola na sociabilidade

dos jovens indígenas do Ivai. No rol de produções concernentes aos povos Kaingang,

não foi identificado um estudo que focasse a função dos jovens, sua atuação política,

social e posição/expectativas frente a instituição escolar, deste modo a pesquisa em

questão atesta sua relevância pelo ineditismo. Quanto as intervenções pedagógicas, foram realizados contatos prévios ao longo

de todo o ano de 2011, de modo que organização da escola e lideranças já solicitaram

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uma breve intervenção sobre uso e abuso de bebidas alcoólicas, este trabalho está em

andamento e será executado no primeiro semestre de 2012.

Os objetivos foram definidos visando compreender as possíveis transformações

do papel ocupado pelos jovens Kaingang na Terra Indígena Ivaí, analisar o processo

histórico acerca da perda de territórios e posterior aldeamento das etnias indígenas no

Paraná, conhecer a atuação dos jovens Kaingang na atualidade, contribuir com a

possibilidade de uma atuação intercultural da escola Estadual Cacique Gregório

Kaeckchot, possibilitar a participação dos jovens indígenas em pesquisa sobre questões

que envolvem seu dia-a-dia, disponibilizar e ampliar o acesso à execução/edição de

recursos audiovisuais.

Breve revisão da literatura e fundamentação teórica

Um fato ubíquo, sempre permeado por eufemismos e discursos “pseudo

democráticos“ é a legitimação do poder vigente, capitalista predominante na economia

mundial, este é descrito em seus primórdios por Marx (2001) que aponta o processo,

ocorrido na Inglaterra, de transformação do sistema feudal para os primórdios do

capitalismo. [...] o sistema capitalista exigia, ao contrário, a subordinação servil da massa

popular, sua transformação em mercenários e a conversão de seu instrumental de trabalho em

capital. (MARX 2001 p.834)

Com o avanço das relações capitalistas, este processo foi estendido em esfera

global, havendo inúmeras diferenças, avanços e recuos ao longo da história, chegando

até as terras abundantes de Florestas de Araucárias, logradouro que hoje conhecemos

como Paraná. O indigenista Picolli (1980) estudou o caso dos Kaingang, Guarani e

Xetá, que resistiam ao processo de ocupação e “civilização” do Paraná, assim

descrevendo este processo

O impacto da cultura europeia sobre a nativa, durante o primeiro século de contato, acarretou numa redução significativa da população indígena, que decaiu para menos da metade. Muitos pereceram sob o fogo das escopetas, canhões, arcabuzes e até mesmo a fio da espada. Grandes contingentes demográficos foram dizimados por epidemias de origem europeia, como o sarampo, a sífilis, a gripe, a tuberculose, a

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varíola, etc. (...) .Outros subjugados culturalmente, foram assimilados pela artimanhas da cultura invasora.(PICCOLI 1980 p. 9)

Atualmente a população indígena paranaense, conforme dados da FUNAI, IBGE

e FUNASA, em mais de 30 Terras Indígenas demarcadas e em processo de demarcação

englobando três etnias, sendo a instituição escola, presente em todas as T.I.´s.

Quanto a constituição desta instituição, na sociedade capitalista, os processos de

exclusão evidenciam a luta, oriunda dos séculos XIX e XX pela apropriação dos bens

historicamente construídos, conforme aponta Barroco (2006) em uma dinâmica

explicitamente competitiva, a ideologia dominante tem sua primazia, o ideal de homem

proposto por John Locke (1632-1704), egoísta e livre para acumulação de bens tem seu

ápice, esses são alguns dos elementos que alicerçam a sociedade circundante e

perpassaram/perpassam os ideais presentes na escola nascida no seio da principal

revolução burguesa de todos os tempos, a Revolução Francesa.

A instituição escola que se instituiu para formar o cidadão burguês, se extendeu

para formar os trabalhadores, servos “livres” das glebas, ensinando-lhes profissões,

moral, os deveres e direitos. É esta escola que se institui no século XIX e se dissemina

por todo o século XX para diferentes regiões do globo.

Referente às populações indígenas latino-americanas, Faustino (2006) aponta

estudos emanados dos organismos internacionais como UNESCO e Banco Mundial, que

explicitam que tais populações “são os mais pobres entre os pobres”

(PSACHAROPOULOS; PATRINOS, 1993; PARTRIDGE; UQUILLAS; JOHNS, 1996;

BENGOA, 1993). Durante muitos séculos a educação a estes povos destinada, era de

cunho religioso com vistas a pacificação. Atualmente a política educacional prima pela

diversidade e inclusão discursando sobre a importância do reconhecimento cultural.

Porém deixa, a nosso ver propositadamente, de colocar no debate a importância do

desenvolvimento cognitivo dos seres humanos nos processos de ensino e aprendizagem.

Barroco (2006) destaca que muitas vezes os homens lidam diretamente com o

embotamento de suas potencialidades, ou seja, frente a um rol de possibilidades

humanas múltiplas e, sobretudo qualitativamente superiores. As condições históricas,

capitalistas exploratórias, emperram o processo de humanização. Marta Shuare (1990)

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postula que as Funções Psicológicas Superiores são, sobretudo, produtos de

desenvolvimentos históricos, pautados no trabalho, e de suas relações sociais.

Elkonin (1987) contempla o desenvolvimento em periodizações, divididas em

seis períodos, cada qual com sua atividade predominante, sobressaindo sobre as

anteriores, revolucionariamente, dado que a cada nova aquisição, é ampliado a

potencialidade humana e sua consequente humanização.

El desarollo del niño es un proceso dialéctico, en el cual el pasaje de um escalón a outro se realiza no por via de una evolución paulatina e sin revolucionariamente (ELKONIN 1987 p.106)

No processo de desenvolvimento, seguindo o prisma do materialismo histórico

dialético, Asbahr (2011), ao estudar o aprendizado de alunos da 4º série de uma escola

pública não indígena destaca:

Para que a atividade de estudo seja de fato atividade principal dos nossos estudantes, deve ocupar um lugar estrutural em suas vidas. Nesse processo, o sentido pessoal que atribuem a esta atividade é o elemento essencial para sua formação. ASBAHR 2011 p. 191

Confluindo a estes pressupostos, Leontiev (1978) ao conceituar sentido e

significado lança mão do exemplo da compreensão da morte. Pode-se conhecer muito

sobre a morte, biologicamente, filosoficamente, religiosamente, estes elementos trazem

a menção no âmbito do Significado, já na esfera do Sentido pessoal, entendemos como

é apreendido pelo indivíduo quando este vivencia alguma morte na família, ou quando

está na eminência perceber sua própria morte, estas duas categorias remetem a

possibilidades de conhecimento e podem nos trazer contribuições fecundas na

elaboração de intervenções pedagógicas escolares.

Deste modo, ponderamos a idéia de Asbahr (2011), partindo das ações dos

professores e alunos, não há necessariamente um sentido claro, ou seja, as atividades em

sala de aula, na maior parte das vezes, não se tornam conscientes, tanto para os alunos

quanto aos professores, deste modo caminham para uma atividade desprovida de

sentido, preponderando a antítese da humanização do homem pelo trabalho, seja na

atividade didática e, sobretudo, no desenvolver humano.

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O autor, conclui sua tese, ressaltando que no período de atividade de estudo, o

próprio estudo não ocupa seu lócus como atividade predominante. Sem perder de vista a

conjuntura macro-capitalista, propõe o desafio aos educadores e pesquisadores, para que

assim sejam convocados para o enfrentamento do avanço das possibilidades de

educação na sociedade capitalista.

Em nosso estudo, o antropólogo Ricardo Cid Fernandes (2003) nos dá alguns

elementos de compreensão da estrutura social dos Kaingang. [...] a política kaingang é

uma expressão da operacionalização de seus modelos de socialidade e de sociabilidade,

de suas classificações e de sua organização social. (FERNANDES, 2003, p.275)

Desta forma, em nossa compreensão, tanto a pesquisa como a intervenção

devem explicitar elementos históricos como o processo de desterritorialização, a

introdução intencional de alambiques, o papel do Estado que objetivava integração e

homogeneização, a história do próprio povo, que até então estará no âmbito do

Significado. Para adentrarmos na esfera do Sentido Pessoal, traremos problemas

enfrentados pelos jovens, no interior da aldeia e na sociedade envolvente.

Como metodologia da pesquisa, faz-se coerente tomar como ponto de partida a

compreensão histórica dos Kaingang nos estudos de Mota (2000; 2003; 2008; 2009),

Tommasino (1995), Fernandes, J.L(1941), R.C. bem como nos de Faustino (2006;

2010) sobre as questões do multiculturalismo e as suas interfaces nas escolas Kaingang.

Há também uma necessidade clara de desenvolvimento de estudos da Psicologia

Histórico Cultural, além de toda a formação necessária frente às políticas educacionais.

Norteado pelo alicerce teórico/histórico, o presente estudo transitará pela Psicologia,

Educação tendo os dados coletados por meio da Etnografia.

Como destacado por Brandão (1985) a pesquisa ação carece da retroalimentação

da população envolvida. Assim, frente as demandas expostas pela comunidade,

buscaremos intervenções dentro das limitações de tempo e temática.

Primeiramente estão sendo analisadas as condições reais, demandas e anseios,

delimitando nossa intervenção, codificando e decodificando como destaca Brandão

(1985). Os dados estão foram e continuarão sendo coletados por meio de visitas,

observações, entrevistas e filmagens livres no interior das salas de aula e em espaços

comunitários.

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REFERÊNCIAS

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