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    EDUCAO HISTRICA E FORMAO DE PROFESSORES: A RELAOENSINO E APRENDIZAGEM NA PERSPECTIVA DA PRXIS COMO

    CONTRAPOSIO AO DEBATE DAS COMPETNCIAS

    Thiago Augusto Divardim de Oliveira1

    RESUMO: H na ordem do dia um debate sobre o desenvolvimento de competncias como uma possvelfinalidade da educao histrica. O presente texto prope uma dilogo em contraposio ao discurso dodesenvolvimento de competncias no Brasil, com base na experincia de pesquisa da dissertao A RELAOENSINO E APRENDIZAGEM COMO PRXIS: A EDUCAO HISTRICA E A FORMAO DEPROFESSORES, em que entrevistei professores de Histria da rede municipal de Araucria -PR, queidentificam-se com o referencial da Educao Histrica. A trajetria desses professores envolve o exerccio daintelectualidade em uma relao dialtica entre produo cientfica e trabalho docente que foi categorizada a

    partir do conceito prxis (KOSIK, 1976). Prxis, como a ao dos professores que, quando indagados sobre suascompreenses a respeito dos significados da aprendizagem histrica, narraram suas experincias de sala de aulaimbricadas na teoria da conscincia histrica, explicaram suas compreenses sobre a aprendizagem histrica de

    seus alunos como uma totalidade, como sujeitos de conhecimento, de vida e de ao. A partir dos trabalhosrealizados mbito do LAPEDUH UFPR possvel apontar que o trabalho docente fornece objetos para sereminvestigados que podem resultar na produo de conhecimento sobre o trabalho docente, como efetivao dotrabalho intelectual dos professores. Defende-se, nessa perspectiva, que o exerccio da intelectualidade com aapropriao dos meios intelectuais de produo, permite aos professores mais do que desenvolver competncias,e sim estabelecer relaes de ensino e aprendizagem histrica na perspectiva da prxis, o que permite superar adiviso do trabalho na relao com o conhecimento.

    Palavras-chave: conscincia histrica, competncias, prxis, formao do professor.

    HISTORICAL EDUCATION AND TEACHERS FORMATION: THE TEACHING AND LEARNINGRELATION IN THE PRAXIS PERSPECTIVE AS OPPOSED TO THE COMPETENCES DISCUSSION

    Thiago Augusto Divardim de Oliveira

    ABSTRACT: There is on the agenda a debate on competence development as a potential purpose of historicaleducation. The present text proposes a dialogue as opposed to the discourse of competence development inBrazil, based on the experience of dissertation research THE TEACHING AND LEARNING RELATION ASPRAXIS: THE HISTORY EDUCATION AND TEACHERS FORMATION , in which I have interviewedhistory teachers from the city of Araucaria-PR, that identified themselves with the theoretical framework ofHistory Education. The trajectory of these teachers involves the exercise of intellectuality in a dialecticalrelationship between scientific production and the teaching work, which was categorized based on the praxisconcept (KOSIK, 1976). Praxis, as the action of the teachers who, when asked about their understandings aboutthe meanings of historical learning, narrated their experiences of classroom imbricated in theory of historicalconsciousness, explained their understanding of historical learning of their students as a totalityas subjects ofknowledge, life and action. Based on the work undertaken under the LAPEDUH - UFPR is possible to point outthat teaching provides objects to be investigated which can result in the production of knowledge about theteaching profession, as the effectiveness of the intellectual work of teachers. It is argued from this perspectivethat the exercise of the intellectuality with the appropriation of the means of intellectual production, allowsteachers to develop more than just skills, but to establish relationships of teaching and learning in the historical

    perspective of praxis, which allows to overcome the division of labor in relation to knowledge.

    Keywords: historical consciousness, competence, praxis, teacher education.

    1 Professor de Histria do Ensino Bsico Tcnico e Tecnolgico no Instituto Federal do Paran IFPR(Campus Curitiba), doutorando do Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Federal do Paran

    PPGE-UFPR, e pesquisador do Laboratrio de Pesquisa em Educao Histrica LAPEDUH UFPR.

    [email protected](Orientadora: Professora Doutora Maria Auxiliadora Moreirados Santos Schmidt)

    mailto:%[email protected]:%[email protected]:%[email protected]:%[email protected]:%[email protected]
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    INTRODUO O DEBATE DAS COMPETNCIAS E AS POSSIBILIDADES DE

    CONTRAPOSIO

    H na ordem do dia um debate sobre o desenvolvimento de habilidades e competncias

    como finalidade da educao. No caso brasileiro, a afirmao possvel a partir do debate

    cientfico, das provas nacionais de avaliao do ensino mdio no pas e das produes

    didticas que concorrem o mercado do Programa Nacional do Livro Didtico (PNLD).

    Inicialmente posiciono que a maneira como o debate colocado nesse contexto parece

    esvaziado de uma ontologia em relao educao.

    O debate se coloca em todas as disciplinas atravs do estabelecimento de habilidades e

    competncias comuns. O ensino de Histria no est isento dessas indicaes. Exemplo disso,

    a constante referncia, no guia do livro didtico de Histria para o ensino mdio divulgado

    em 2012, onde h elogios a presena de exerccios que visam desenvolver habilidades e

    competncias, uma vez que esse desenvolvimento cobrado dos alunos para a realizao do

    Exame Nacional do Ensino Mdio (ENEM). Alm disso, recentemente foi muito noticiada

    inteno do Ministrio da Educao sobre criar reas comuns para o Ensino Mdio. Histria,

    Geografia, Filosofia e Sociologia seriam trabalhadas em um bloco determinado Cincias

    humanas e suas tecnologias, como j esto articulas nos Parmetros Curriculares Nacionais

    para o Ensino Mdio (PCNEM). A explicao do ministrio que o ENEM cobra dessa forma

    e que os alunos da escola pblica esto defasados em relao aos contedos oferecidos nas

    escolas particulares. As escolas particulares, por sua vez, vm adaptando seus materiais para

    ensinar de acordo com o que cobrado no ENEM.

    Diferente do que o estabelecimento de competncias deslocadas da prxis, a educao

    histrica ao se referenciar na teoria da conscincia histrica e na preocupao com o lugar

    social onde ocorre o processo de formao (bildng) da conscincia, assume relao

    intrnseca prxis. Destarte, no interessante que se entenda como finalidade do ensino de

    histria algo tecnicista como apertar botes (ou ento, apenas identificar, analisar,

    selecionar, diferenciar). Os fragmentos a seguir (do PCNEM e das Orientaes Curriculares

    Nacionais para o Ensino Mdio), apontam uma concepo de educao e do lugar que o

    ensino de Histria ocupa em tal Ensino Mdio:

    (...) todos devem ser educados na perspectiva do trabalho enquanto uma dasprincipais atividades humanas, enquanto campo de preparao para escolhasprofissionais futuras, enquanto espao de cidadania, enquanto processo de produode bens, servios e conhecimentos com as tarefas laborais que lhes so prprias.(BRASIL, 1999, v. 1, p. 140)

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    A nova identidade atribuda ao ensino mdio define-o, portanto, como uma etapaconclusiva da educao bsica para a populao estudantil. O objetivo o de

    preparar o educando para a vida, para o exerccio da cidadania, para sua inseroqualificada no mundo do trabalho, e capacit-lo para o aprendizado permanente e

    autnomo, no se restringindo a prepar-lo para outra etapa escolar ou para oexerccio profissional. Dessa forma, o ensino de Histria, articulando-se com o dasoutras disciplinas, busca oferecer aos alunos possibilidades de desenvolvercompetncias que os instrumentalizem a refletir sobre si mesmos, a se inserir e a

    participar ativa e criticamente no mundo social, cultural e do trabalho. Procura-se,portanto, contribuir para que a disparidade e as tenses existentes entre os objetivosque visam preparao para o vestibular, preparao para o trabalho e formaoda cidadania possam ser atenuadas. Pretende-se que o ensino mdio atinja um graude qualidade em que o aluno dele egresso tenha todas as condies para enfrentar acontinuidade dos estudos no ensino superior e para se posicionar na escolha das

    profisses que melhor se coadunem com suas possibilidades e habilidades. (BRASIL,2006 p.67)

    Nos documentos citados, uma das principais preocupaes em relao ao Ensino

    Mdio, (o que pode ser percebido nas DCNEM, na LDB e no PCNEM), vincular os alunos

    ao mundo do trabalho. Pauta-se em uma educao permanente para o desenvolvimento de

    competncias cognitivas, socioculturais e psicomotoras. O aparecimento das ideias de se

    comportar ativa e criticamente esto sempre relacionadas ao trabalho e a necessidade do

    indivduo de adaptar as necessidades do mundo do trabalho; e a ideia diminuir as tenses

    entre formar para o mundo do trabalho e para a cidadania aparecem esvaziadas, pois no h

    formulao sobre que cidadania essa.

    Segundo Lopes (2002) os documentos que regulam o Ensino Mdio podem ser

    percebidos como uma carta de intenes do governo. Nesse sentido a preocupao no

    educar as pessoas para que sejam capazes de conceber o mundo e perceber que tambm

    possvel mud-lo. As competncias a serem desenvolvidas so aquelas que tornam as pessoas

    capazes de auto-regularem-se para adequao ao mundo produtivo. A autora aponta a falta de

    uma concepo de educao capaz de estabelecer possveis crticas, por mais que se fale em

    participao ativa e crtica, a finalidade sempre a de adequao ao mercado.

    A teoria de Rsen sobre a conscincia histrica privilegia o presente como espao onde

    surgem as carncias de interpretao que precisam ser resolvidas para gerar sentidos de

    orientao. Esse processo envolve pensamento e ao no tempo o que se relaciona com a

    prxis. De acordo com Schmidt (2011) esse processo pode integrar ser e dever em uma

    narrativa significativa, cujo objetivo fazer inteligvel o presente e perspectivar o futuro,

    sempre a partir do presente. Nesse sentido que procuro estabelecer esse dilogo entre as

    contribuies do historiador e filsofo da Histria Jrn Rsen e as ideias do educador epensador brasileiro Paulo Freire na perspectiva da prxis e em contraposio ao

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    estabelecimento de competncias.

    H um ponto central de aproximao entre os dois autores na perspectiva da prxis e no

    referencial de conscientizao. Tanto Paulo Freire, quanto Jrn Rsen defendem que o

    processo de formao deve gerar uma progresso das formas de conscincia, e que essas

    formas de conscincias no ocorrem em abstrato, mas nas situaes gerais e elementares da

    vida humana. a conscincia como produto e produtora da prxis humana. O processo de

    conscientizao, proposto com essas aproximaes tericas, apresenta a expectativa de uma

    conscientizao que inicia com formas menos elaboradas at a possibilidade da

    autocompreenso, da compreenso de si e do mundo. At a possibilidade de que cada ser

    humano seja capaz de contar a prpria histria e agir de tal forma que possibilite que os

    demais vivam da mesma maneira. Uma conscincia histrica de emancipao dos indivduose como consequncia das formas de vida em sociedade.

    Todos os indivduos, independente da forma ou complexidade que realizem tais

    operaes, se orientam de acordo com a passagem do tempo. Utilizam a experincia, que a

    aprendizagem, com a prxis, que se d em vrios mbitos da vida em sociedade, como na

    escola, no trabalho, na universidade e momentos culturais (lebenprxis); tais experincias so

    mobilizadas de acordo com carncias de orientaes no presente, em relao s perspectivas

    de orientao, direcionadas ao horizonte de expectativa, o futuro.Defendo que para tornar a vida humana mais adequada que a Didtica da Histria,

    enquanto parte da cincia que se preocupa com o aprendizado histrico, deveria se voltar. Em

    minha investigao de mestrado vi exemplos disso, como o caso que apresento adiante, do

    professor que resolveu trabalhar a perspectiva da excluso na Histria por detectar formas de

    preconceito sendo reproduzidas entre os seus alunos.

    Talvez seja possvel definir objetivos a partir da prpria prxis dos professores.

    Algumas pesquisas com maior pblico-alvo, como os projetos Jovens e a Histria, podemapontar determinadas caractersticas regionais e elementos a se considerar nas aulas dos

    professores. Porm, apenas na prpria prxis dos professores que eles podem definir a forma

    como necessrio desenvolver o ensino e aprendizagem em Histria de maneira a atender as

    demandas da prxis da vida nos lugares onde se leciona. Pretendo agora apontar alguns

    elementos iniciais sobreo que pode-se pensar como ensino de Histria de acordo com a

    Educao Histrica e na perspectiva da prxis.

    RELAO CONSIGO MESMO E COM O OUTRO EXPRESSA NA E PELA

    NARRATIVA

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    Durante a realizao de minha dissertao de mestrado (OLIVEIRA, 2012), tive a

    oportunidade de entrevistar professores de Histria da rede municipal de Araucria-PR, que

    identificam-se com o referencial da Educao Histrica. A trajetria desses professores

    explicitada na dissertao envolve o exerccio da intelectualidade em uma trade entre

    militncia sindical (principalmente nos anos 1990), a produo acadmica e trabalho no

    ensino escolar, o que foi categorizado a partir do conceito prxis (KOSIK, 1976).

    O subttulo acima refere-se a um dos princpios temticos que foram discutidos no

    trabalho de dissertao(OLIVEIRA, 2012). As discusses da educao histrica, assim como

    as reflexes sobre a aprendizagem histrica realizada pelos entrevistados, e ainda, as

    aproximaes entre Jrn Rsen e Paulo Freire foram possveis depois de um processo de

    pesquisa com o campo emprico definido para a pesquisa. Os professores entrevistados sotrabalhadores do municpio de Araucria e integram um grupo de formao continuada

    chamado grupo Araucria. O histrico do grupo foi relatado dissertao mas, vale ressaltar,

    que o grupo entrevistado detm a posse do seu meio intelectual de produo (GONZLES,

    1984).

    No presente texto optei por trabalhar apenas com as falas de um dos professores

    entrevistados na dissertao. O professor Armando2, por exemplo, relatou de maneira bastante

    completa a forma como estava iniciando um trabalho relacionado s carncias de orientaoque vinha detectando nos alunos.

    O municpio de Araucria em 2011 recebeu uma grande leva de migrantes que foram

    para l trabalhar em uma gigantesca obra da Petrobras. Com a vinda destes trabalhadores o

    professor Armando percebeu o incio de um processo de discriminao relacionada ao que os

    alunos vinham chamando pejorativamente de baianos. O termo refere-se no unicamente a

    trabalhadores vindo do estado da Bahia, mas a todos os outros trabalhadores, que vieram de

    outros estados, de vrias regies do Brasil. Pensando nisso, o professor Armando resolveutrabalhar a Histria da excluso com seus alunos. E realizou um levantamento das ideias

    histricas prvias de seus alunos:

    Ento eu fiz o levantamento dos conhecimentos prvios deles deforma oral, (...) Ento no caso da cidadania, primeiro eu pergunto se elessabem sobre o assunto se eles sabem quais so os direitos das pessoas, seesses direitos sempre foram assim, se eles conseguem perceber umahistoricidade no tema que a gente vai trabalhar. (...) eu vou sistematizar, eesse trabalho que eu vou fazer agora sobre excluso, a Histria da excluso

    2 Para preservar a identidade dos profissionais entrevistados, preferiu-se adotar nomes fictcios. Esses,foram definidos a partir de diferentes critrios, seja por elementos de sua trajetria, caractersticas pessoais,relao com o ensino de Histria, ou mesmo relacionado a algo dito durante as entrevistas, que suscitouhomenagens aos verdadeiros donos dos nomes escolhidos.

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    na sociedade, eu comecei com um levantamento prvio das idias dos alunossobre o que que era excluso, e quais as formas que eles conheciam deexcluso , as causas, como isso est na sociedade (Professor Armando)

    possvel perceber, neste caso, alm da relao com a vida prtica, que o professor estpreocupado com as formas em que os conhecimentos histricos esto na conscincia histrica

    dos alunos. Essa relao com vida prtica est perspectivada pela deteco de uma carncia

    de orientao, pois os alunos esto reproduzindo preconceitos, mas ultrapassa os limites da

    relao entre presente-passado-presente, a medida que o professor abre um horizonte de

    expectativa em que o preconceito no ocorra mais. Estudar as histrias da excluso serve

    como experincia que alimenta as capacidades de interpretao e orientao histrico-

    existencial.Isso demonstra que a continuidade de sua interveno est condicionada aos resultados

    do levantamento das ideias histricas dos alunos. O professor Armando comentou sobre como

    seria a continuidade do seu trabalho relacionado a histria da excluso:

    Depois eu desenvolvo alguns documentos, anlise de algunsdocumentos, leituras de textos, algumas imagens, no caso da oitava srie eutrabalho filmes (...) E eu quero ver como vai ser esse embate a hora queeu comear a mostrar para ele outras fontes, por exemplo, a Histria daexcluso, do racismo, da escravido, o que que um preconceito pode fazer

    em uma sociedade e eu quero ver o que, como que ele vai se relacionar comessa interpretao dele do diferente, eu quero ver como que vai ser issoainda. (Professor Armando)

    O fato do professor Armando adiantar seus pensamentos sobre um trabalho que ainda

    estava em andamento demonstra a forma como o referencial da educao histrica auxilia os

    professores no encaminhamento de suas aulas. No h preocupaes relacionadas a dar conta

    de todo o contedo, e sim tornar mais complexa as formas de atribuio de sentido dos alunos

    referentes a carncias de orientaes relacionadas a suas experincias em sociedade no

    tempo.

    Os professores apontaram que a partir das relaes dos alunos com as fontes histricas,

    e, as relaes de evidncia e inferncia, torna-se possvel detectar a aprendizagem histrica.

    Essas observaes so realizadas a partir das narrativas dos alunos, seja de formal oral,

    escrita, ou mesmo atravs de desenhos. Cada professor explicou a forma como detecta o

    pensamento histricos dos alunos, e esse processo envolve operaes processuais e

    substanciais do pensamento e da pesquisa histrica.

    Os trechos a seguir demonstram que os professores entrevistados compreendem a

    narrativa como a materializao dessa atividade cognitiva quando analisam as narrativas

    histricas dos alunos.

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    Ao final de um trabalho, difcil falar ao final de uma aula, porqueas coisas no acontecem numa aula, tem todo um projeto, voc tem que fazerum trabalho anterior, desenvolver a aula e depois fazer um novo trabalho

    para ento verificar a aprendizagem. eu acho que verificar como que elenarra, depois, como ele fala sobre um assunto que voc trabalhou na aula,

    seria uma forma de voc qualificar essa aprendizagem, verificar como queele se coloca em relao com o conhecimento se ele pensa quando estexplicando isso, sob a forma de texto ou oralmente, se ele fala doconhecimento como algo que ele faz parte disso (...) E depois que eutrabalho esses documentos eu tento fazer uma outra atividade e fao umresgate dessas ideias e vejo pelo menos em uma avaliao sempre apareceessa perspectiva da Progresso das ideias. E minha avaliao exatamenteessa progresso das ideias. ... Ento a prpria avaliao serve como uminstrumento. (Professor Armando)

    Quando os professores foram indagados sobre a forma como detectam a aprendizagem

    histrica dos alunos atravs das narrativas foi possvel perceber a clareza com que a narrativa

    percebida enquanto expresso do pensamento histrico. Alm disso, foi possvel perceber

    que os professores utilizam a narrativa como forma de avaliao em suas aulas, o que acaba

    por instrumentalizar o cotidiano dos professores e otimiza suas intervenes relacionadas as

    preocupaes com as carncias dos alunos ligadas a vida prtica.

    A narrativa percebida, dessa forma, como a expresso do pensamento histrico, e os

    professores podem a partir das narrativas perceber como os alunos pensam historicamente, e,

    como relacionam os conhecimentos histricos, ou utilizam o pensamento histrico em relao

    a prxis da vida.

    Quando foi perguntado aos professores sobre os seus ideais relacionados a

    aprendizagem histrica dos seus alunos, e com isso, o que pensavam sobre os significados de

    formar historicamente, houve vrios posicionamentos. A fala do professor Armando explicita

    as caractersticas gerais do grupo:

    Eu penso em formar um sujeito histrico, onde o rumo disso seriaformar sujeitos mais humanos, eu percebendo uma atitude preconceituosa, ea gente ao longo da Histria percebeu que atitudes preconceituosas levam a

    atitudes desumanas, eu quero mostrar para ele a partir da Histria, que essaperspectiva dele atravs da Histria, de no entender o outro, ou de tentarentender o outro s da sua perspectiva, pode acarretar problemas muito

    graves em uma sociedade (Professor Armando)

    Os professores de Araucria, demonstraram preocupaes objetivas com a formao

    histrica dos alunos, e essa formao, est perspectivada por princpios de humanizao. O

    professor Armando demonstra a clareza da necessidade de formar historicamente para a

    humanizao. A anlise das outras entrevistas, que no entraram nesse texto, permitem

    constatar que os professores acreditam que alunos formados dentro na perspectiva da

    educao histrica iro criar as condies mais adequadas para a vida em sociedade, pautados

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    nos princpios da razo humana.

    Os professores se inscrevem em um contexto e pretendem colaborar para a melhoria da

    realidade, porque aceitam que no detm todo o conhecimento capaz de criar a formao

    histrica que pretendem, mas no renunciam possibilidade de intervir na realidade,

    influenciando no desenvolvimento de conscincias cada vez mais complexas, racionais,

    coerentes, e principalmente, fundamentadas no movimento do real. Portanto, na perspectiva

    da prxis.

    CONSIDERAES FINAIS

    As falas do professor Armando, assim como as outras que compem a pesquisa citada,

    pensadas a luz da teoria da conscincia histrica, oferecem elementos para a contrapor a pr-definio de competncias. Mais do que isso, convidam os trabalhadores do ensino de histria

    a se apropriarem das discusses sobre ensino-aprendizagem da histria na perspectiva da

    prxis, uma vez que so os professores que cotidianamente enfrentam os embates com a

    cultura histrica disponvel que se manifesta nas narrativas dos alunos e, experimentam as

    dificuldades e possibilidades relacionadas a formao histrica dos envolvidos nessa relao.

    Se entendermos que a formao histrica deve buscar a supresso da necessidade, do

    sofrimento, da dor, da opresso e da explorao, a libertao dos sujeitos para a autonomia

    (RSEN, 2007, p. 124), a fala do professor Armando demonstra a potencialidade da Histria

    pautada nas carncias de orientao dos alunos na prxis da vida.

    Na contramo da prxis, o estabelecimento de habilidades e competncias para

    educao, nesse caso para o ensino de Histria, se apresenta como se tivesse um papel

    independente e natural, de maneira pseudo-concreta. A utilizao dos conceitos de Kosik

    (pseudo-concreticidade e prxis) ocorrem na tentativa de expressar a fragmentao da relao

    com o conhecimento nas relaes de ensino e aprendizagem, mas principalmente para reforara perda da relao com a prxis da vida, que acaba por ocorrer no ensino de Histria.

    Estranhamentos potencialidade humana em sua totalidade. O contrrio disso pode ser

    discutido a partir das concepes de homem e de educao presentes no pensamento de Paulo

    Freire e no referencial de humanidade presente no pensamento de Jrn Rsen.

    As caractersticas do pensamento de Paulo Freire esto ligadas diretamente a educao

    como prtica dialtica de emancipao dos seres humanos em relao vida, em um mundo

    caracterizado pelas desigualdades geradas pela explorao do homem pelo homem. Prescreve

    uma formao ontolgica, que passa pela progresso das formas de conscincia. na

    ontologia que reside o potencial de aproximao entre Freire e Rsen. Os dois autores se

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    referenciam na prxis, na concretude do real que pode ser experienciada, analisada e

    interpretada no presente, mas em relao a outras expresses temporais.

    Existem elementos tericos e prticos que evidenciam a possibilidade e a necessidade de

    superar o estabelecimento padro de habilidades e competncias desvinculadas da prxis e

    vinculadas a projetos com intenes especficas para a educao. Esses projetos delimitam

    seus interesses a partir do campo poltico e econmico, e no dos referenciais ontolgicos

    possveis a partir da prxis.

    A aproximao das contribuies de Paulo Freire em relao teoria da conscincia

    histrica baseia-se na prxis como categoria elementar. Muito mais do que adaptar ao mundo

    como ele se apresenta, como defende o discurso do desenvolvimento de habilidades e

    competncias elementar resolver carncias que emergem da prxis da vida, como aexcluso, e a expropriao, seja na diviso da riqueza socialmente produzida ou na relao

    com o conhecimento. A discusso sobre a conscincia histrica ganha caractersticas

    radicalmente diferentes quando pensada em relao pr-definio de habilidades e

    competncias ou em relao prxis. Procurei evidenciar a prxis como categoria elementar

    para a formao humana em uma perspectiva ontolgica e sua relao com a teoria da

    conscincia histrica.

    REFERNCIAS

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