Educação inclusiva na rede municipal do RJ

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Faculdade de Educao Programa de Ps-Graduao em Educao (PROPEd) Linha de Pesquisa Educao Inclusiva e Processos Educacionais

Relatrio Cientfico

Projeto de Pesquisa (2005-2008)

Educao Inclusiva na Rede Municipal de Educao do Rio de Janeiro: estudo etnogrfico do cotidiano escolar e desenvolvimento de estratgias pedaggicas de ensino-aprendizagem para alunos com necessidades educacionais especiais em classes regulares

Por: Prof. Dr. Rosana Glat Prof. Mrcia Denise Pletsch

Rio de Janeiro, fevereiro de 2008. Coordenao Realizao Prof Rosana Glat Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ Programa de Ps-graduao em Educao, PROPEd Linha de Pesquisa: Educacionais Educao Inclusiva e Processos

Grupo de pesquisa: Incluso escolar de alunos com necessidades educacionais especiais no ensino regular: prticas pedaggicas e cultura escolar Endereo Rua So Francisco Xavier, 524 sala12037-bloco F Rio de Janeiro / RJ 20550-013 Tel.: (21)2587-7535 Fax: (21)-2587-7188 E-mail: [email protected] Bolsa Procincia FAPERJ/UERJ; FAPERJ: bolsa de Iniciao Cientfica, auxlio APQ1, apoio melhoria das escolas pblicas do Rio de Janeiro e bolsa de doutorado aluno nota 10; CNPq: bolsa de produtividade em pesquisa e bolsa de apoio tcnico/nvel superior.

Financiamento

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NDICE PARTE I DADOS DE IDENTIFICAO................................................................ Resumo.............................................................................................................................. Equipe................................................................................................................................. Coordenadora..................................................................................................................... Bolsista de Iniciao Cientfica........................................................................................... Bolsista de apoio tcnico/ nvel superior............................................................................. Monografias sobre o tema................................................................................................... Dissertaes sobre o tema................................................................................................... Teses sobre o tema............................................................................................................. Local de execuo do projeto............................................................................................... PARTE II INTRODUO........................................................................................... PARTE III - ESTUDO I ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DO ATENDIMENTO AOS ALUNOS COM NECESSIDADES ESPECIAIS NA REDE PBLICA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO.............................................................. 3.1. Procedimentos.............................................................................................................. 3.1.1. Fase 1 Anlise documental ................................................................................. 3.1.2. Fase 2 Entrevistas com Direo e Nvel Central do IHA.................................... 3.1.3. Fase 3 Entrevistas com Agentes de Educao Especial das CREs...................... 3.2. Caracterizao da Rede Pblica do Municpio do Rio de Janeiro...................... ........ 3.3. Estudo I Anlise dos dados....................................................................................... 3.3.1. Contextualizando o atendimento a alunos com necessidades educacionais especiais na estrutura da Rede Pblica Municipal do Rio de Janeiro.................................. 3.3.2. O papel do Agente de Educao Especial no contexto da proposta de Educao inclusiva............................................................................................................................... 3.4. Consideraes finais do Estudo I................................................................................. 5 5 6 6 6 6 6 6 6 6 7

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PARTE 4 ESTUDO II ESTUDO ETNOGRFICO SOBRE A INCLUSO DE ALUNOS COM NECESSIDADES ESPECIAIS EM DUAS ESCOLAS DA REDE 35 PBLICA DO MUNICPIO DO RIO DE JANEIRO....................................................... 4.1. O uso da etnografia em pesquisas sobre Educao Inclusiva..................................... 4.2. O campo de pesquisa................................................................................................... 4.2.1. Participantes.......................................................................................................... 4.2.2. Escolas-alvo........................................................................................................... 4.3. Procedimentos de coleta de dados................................................................................ 4.3.1. Observao participante.......................................................................................... 4.3.2. Entrevistas .............................................................................................................. 3 35 36 36 40 42 42 42

4.3.3. Anlise documental................................................................................................. 4.4. Procedimentos de Anlise dos dados........................................................................... 5. A organizao escolar para a Educao Inclusiva: diferentes dimenses................ 5.1. A Educao Inclusiva e as necessidades educacionais especiais: diferentes concepes............................................................................................................................ 5.2. A formao inicial e continuada de professores no contexto da Educao Inclusiva...............................................................................................................................

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5.3. Espao e o tempo da organizao curricular e o processo ensino-aprendizagem de alunos com necessidades educacionais especiais includos no ensino 59 regular................................................................................................................................. 5.4. Consideraes finais do Estudo II................................................................................. 6. Cronograma da pesquisa............................................................................................... 7. Bibliografia..................................................................................................................... 8. Lista de Anexos.............................................................................................................. 8.1. Anexo I - Lista das pesquisas de monografias, dissertaes e teses desenvolvidas e/ou em andamento a partir dos dados do referido projeto.................................................. 68 72 73 81 82

8.2. Anexo II - Organograma da Secretaria Municipal de Educao do Rio de 84 Janeiro.................................................................................................................................. 8.3. Anexo III - Roteiro das entrevistas semi-estruturadas realizadas os Agentes de Educao Especial da Rede Municipal de Educao do Rio de Janeiro.............................. 8.4. Anexo IV - Atribuies do Agente de Educao Especial (SME-RJ/IHA)................. 8.5. Anexo V - Lista das publicaes com dados sobre a pesquisa.................................... 8.6. Anexo VI - Sntese da proposta de pesquisa-ao....................................................... 85 86 87 88

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Parte

DADOS DE IDENTIFICAO

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Resumo O presente relatrio apresenta a pesquisa Educao Inclusiva na Rede Municipal de Educao do Rio de Janeiro: estudo etnogrfico do cotidiano escolar e desenvolvimento de estratgias pedaggicas de ensino-aprendizagem para alunos com necessidades educacionais especiais em classes regulares. Este projeto, desenvolvido no Programa de Ps-Graduao em Educao (PROPEd), est sendo realizado em parceria com a Secretaria Municipal de Educao do Rio de Janeiro (SME-RJ) atravs do Instituto Helena Antipoff (IHA), rgo responsvel pela Educao Especial. A investigao constituda por trs estudos articulados. O Estudo I teve como objetivo analisar o panorama geral do processo de atendimento educacional oferecido aos alunos com necessidades especiais, bem como discutir o papel e as aes desenvolvidas pela Educao Especial no mbito da poltica de Educao Inclusiva em vigor nesta rede. O Estudo II, de cunho etnogrfico, focalizou a incluso escolar de alunos com necessidades educacionais especiais no cotidiano de duas escolas pblicas. O Estudo III, ainda em andamento, objetiva, a partir dos dados obtidos, desenvolver junto aos professores das escolas participantes dessas escolas, com base na metodologia depesquisa-ao uma proposta de formao continuada voltada para a reflexo e o

aprimoramento de prticas pedaggicas inclusivas.

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EQUIPE COORDENADORA Prof Rosana Glat BOLSISTAS DE INICIAO CIENTFICA - FAPERJ Priscilla Christina da Rocha Priscilla dos Santos Moreira APOIO TCNICO/NVEL SUPERIOR CNPq Valria de Assumpo Silva MONOGRAFIAS DE GRADUAO SOBRE O TEMA1 Ana Paula de Jesus Carvalho Adriana Rodrigues Kremper Elisangela Pereira Coelho Felipe Duclos Carsio Falco Jos Cezar Brochado Marcos Vincius de Azevedo Martins Natlia Cristina de Paula Zacarias Priscilla Rocha Simone Maria Barros de Oliveira Renata dos Santos Soares Tatiana do Socorro Ribeiro Medeiros DISSERTAES DE MESTRADO SOBRE O TEMA2 Mrcia Denise Pletsch, bolsista CNPq, (concluda) Vera Lopes Dias (concluda) Cleide de Cmara Souza (concluda) Ktia da Silva Machado (concluda) Katiuscia C. Vargas Antunes (concluda) Luciane Frazo (concluda) Mrcia Cabral de Oliveira (em andamento) Vitorino de Pina Ramos, bolsista FAPERJ, (em andamento) TESES DE DOUTORADO SOBRE O TEMA3 Maryse Helena Felippe de Oliveira Suplino, bolsista FAPERJ (concluda) Rejane de Souza Fontes (concluda) Mrcia Denise Pletsch, bolsista FAPERJ (em andamento), Bianca Ftima C. S. Fogli (em andamento) LOCAL DE EXECUO DO PROJETO Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Programa de Ps-Graduao em Educao Rua So Francisco Xavier, 524, sala 12037, CEP: 20550-013 Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Tels.: (55-21)-2587 7535, Fax: (55-21) 2587-7188 E-mail:[email protected] http: www.eduinclusivapesq-uerj.pro.br/ Palavras-chave: Educao Inclusiva; Educao Especial; Etnografia, Alunos com Necessidades Educacionais Especiais; Pesquisa-Ao; Formao de Professores; Adaptaes Curriculares; polticas pblicas de Educao

Lista com ttulos em anexo n I. Lista com ttulos em anexo n I. 3 Lista com ttulos em anexo n I.1 2

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INTRODUO

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O presente relatrio apresenta os resultados do Estudo I e do Estudo II, e os dados j disponveis do Estudo III (em andamento), componentes da pesquisa Educao Inclusiva na Rede Municipal de Educao do Rio de Janeiro: estudo etnogrfico do cotidiano escolar e desenvolvimento de estratgias pedaggicas de ensino-aprendizagem para alunos com necessidades educacionais especiais em classes regulares4. Esta pesquisa, vinculada ao Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, foi realizada em parceria com a Secretaria Municipal de Educao do Rio de Janeiro (SME-Rio) atravs do Instituto Helena Antipoff (IHA), o rgo responsvel pelo acompanhamento e orientao do trabalho com os alunos com necessidades especiais nesta rede. O paradigma da Educao Inclusiva parte de uma concepo de escola que no seleciona alunos em funo de suas diferenas, sejam elas intrnsecas, sociais ou culturais. A sua implementao, portanto, demanda uma nova postura da escola regular, valorizando a diversidade em vez da homogeneidade. Nesta perspectiva, a escola deve incorporar em seu projeto poltico-pedaggico e proposta curricular (metodologias, avaliao e estratgias de ensino) aes que favoream o desenvolvimento de todos os alunos. Esse processo requer o debate e o envolvimento de todos os profissionais da educao presentes no universo escolar, e no apenas daqueles ligados Educao Especial (GLAT & BLANCO, 2007). No Brasil essa proposta vem instituindo-se a partir de diretrizes internacionais, como a Conferncia de Jomtien (1990)5 e a Declarao de Salamanca (UNESCO,

O grupo de pesquisa (www.eduinclusivapesq-uerj.pro.br) composto de alunos de graduao e psgraduao da Faculdade de Educao da UERJ, bem como profissionais da Secretaria Municipal de Educao do Rio de Janeiro. 5 Em 1990, na cidade de Jomtien, na Tailndia, foi elaborada a Declarao Mundial sobre Educao Para Todos, da qual participaram representantes de 155 pases, 33 organismos internacionais e 125 organizaes no-governamentais.

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1994)6. Cumpre ressaltar que esta ultima amplia o significado da expresso necessidades especiais, que passa a abranger desde pessoas que apresentam dificuldades de escolarizao decorrentes de condies econmicas e socioculturais at aquelas com deficincias. Contudo, a presente investigao se restringe anlise do atendimento oferecido aos alunos que apresentam condies que afetam diretamente a relao ensino aprendizagem deficincias sensoriais (auditiva e visual), deficincia mental, distrbios severos de comportamento ou condutas tpicas (como psicoses, autismo ou outros transtornos invasivos do comportamento), deficincias mltiplas, altas habilidades (superdotao), deficincias fsicas e motoras. A proposta de Educao Inclusive surgiu, historicamente, dos movimentos sociais e polticos em prol dos direitos das pessoas com deficincias (FERREIRA & GLAT, 2003). Este novo paradigma trouxe, como uma de suas mais imediatas conseqncias, um repensar dos objetivos e prticas da Educao Especial. Se durante muito tempo ela configurou-se como um sistema paralelo de ensino dirigido ao atendimento direto dos educandos com necessidades especiais, agora ela se volta, prioritariamente, para dar suporte escola regular no recebimento desse alunado (GLAT & FERNANDES, 2005; GLAT, FONTES & PLETSCH, 2006 GLAT & BLANCO, 2007). A Educao Especial, por sua vez, constituiu-se a partir de um modelo mdico, segundo o qual, a deficincia era compreendida e tratada como uma doena crnica. Os deficientes, assim como os demais indivduos que se distanciavam do padro reconhecido de normalidade, eram estigmatizados e marginalizados da vida social, e todo o atendimento prestado a essa clientela era de natureza segregada, em escolas ou instituies especializadas. O aperfeioamento de novos mtodos e tcnicas de ensino, a partir de meados da dcada de 1960, trouxe novas expectativas sobre as possibilidades de aprendizagem e desenvolvimento acadmico desses sujeitos, at ento alijados do processo educacional. A nfase no era mais sobre a deficincia intrnseca do indivduo, mas sim sobre a falha do meio social em proporcionar condies adequadas s suas necessidades de aprendizagem e desenvolvimento (GLAT, 1995; GLAT & FERNANDES, 2005). No entanto, apesar dos avanos, a Educao Especial ainda funcionava como um

Produto da Conferncia Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais, promovida pelo governo espanhol e pela UNESCO em junho de 1994, da qual foram signatrios representantes de cerca de 100 pases, inclusive o Brasil, e diversas organizaes internacionais.

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servio paralelo e distanciado, com mtodos e profissionais prprios. As escolas e classes especiais, por sua vez, continuaram sendo espaos de segregao para todos os alunos que no se enquadravam no sistema regular de ensino (BUENO, 1999; FERREIRA & GLAT, 2003; MAZZOTTA, 2005; GLAT & FERNANDES, 2005, GLAT & BLANCO, 2007, entre outros). Com a intensificao dos movimentos sociais de defesa dos direitos das minorias, sobretudo no final dos anos 1960 e incio dos 1970, os indivduos considerados desviantes comearam a ter maior visibilidade e participao na sociedade. No mbito da Educao Especial, foi adotado um novo paradigma, denominado Integrao, que consistia na preparao de alunos oriundos das classes e escolas especiais para serem preferencialmente integrados no ensino regular, recebendo atendimento paralelo em salas de recursos ou outras modalidades especializadas. Entretanto, esse modelo ainda hoje predominante na maioria das redes educacionais centrava o problema nos alunos e desresponsabilizava a escola, a qual caberia apenas educar os alunos que tivessem condies de acompanhar as atividades regulares, concebidas sem qualquer preocupao com as especificidades dos alunos com necessidades educacionais especiais (BUENO, 2001; MENDES, 2003, GLAT, FERREIRA, OLIVEIRA & SENNA, 2003; GLAT & FERNANDES, 2005). Resultando que, na maioria das vezes, os alunos permaneciam segregados em classes e/ou escolas especiais e regulares. As crticas a esse processo de excluso no interior da prpria escola, aliado intensificao das polticas de incluso social e aes afirmativas, culminaram, na dcada de noventa, sobretudo, com o desenvolvimento da proposta de Educao Inclusiva. Partindo destas consideraes, o objetivo geral da pesquisa foi analisar o processo de implementao da poltica de Educao Inclusiva em escolas da Rede Pblica de Educao do Municpio do Rio de Janeiro, visando contribuir para o desenvolvimento de estratgias de ensino-aprendizagem que viabilizem a incluso de alunos com necessidades educacionais especiais, oriundas de deficincias ou outras condies atpicas, no ensino regular, garantindo sua insero na cultura escolar formal. Os objetivos especficos foram: - Analisar o panorama geral do processo de atendimento educacional oferecido aos alunos com necessidades especiais, bem como discutir o papel e as aes desenvolvidas pela Educao Especial, tanto no Nvel Central quanto nas CREs, no mbito da poltica de Educao Inclusiva em vigor na Rede (Estudo I).9

- Analisar como se concretiza a proposta de incluso escolar de alunos com necessidades educacionais especiais no cotidiano de duas escolas pblicas do Municpio do Rio de Janeiro, levando em considerao os seguintes aspectos (Estudo II): projeto poltico pedaggico; gesto escolar; acessibilidade7; recursos e materiais pedaggicos especficos; flexibilidade curricular; prticas de ensino; procedimentos de avaliao; formao docente.

- A partir das anlises realizadas nos Estudos I e II desenvolver, junto com a equipe pedaggica e de gesto das escolas-alvo, estratgias para transformao da cultura e prtica escolar visando favorecer o processo de Educao Inclusiva, com base na metodologia de pesquisa-ao. A opo pela realizao desta pesquisa na Rede Municipal de Educao do Rio de Janeiro se deu em funo de trs critrios. Primeiro, por esta rede ter um expressivo nmero de alunos com necessidades educacionais especiais matriculados, o que permitiria investigar diferentes experincias de insero educacional. Segundo, pela mesma ter um percurso consolidado de polticas e aes no campo da Educao Especial, as quais acompanharam os diversos movimentos da histria da referida rea em nosso pas, nas ltimas trs dcadas. Por fim, pela flexibilidade do sistema, que oferece simultaneamente vrias modalidades de atendimento educacional, desde as de carter mais segregado (como a escola ou classe especial) at a incluso em classe regular (com ou sem suporte especializado). O foco da investigao se restringiu ao 1 Segmento do Ensino Fundamental, pois prioritariamente nesse nvel de ensino quando o aluno ingressa na cultura formal de leitura e da escrita que se instala o processo de excluso escolar.

Nesta pesquisa o termo acessibilidade aqui entendido como a eliminao das barreiras arquitetnicas, no caso, os itens de construo da escola que dificultam ou impedem a realizao de atividades e o deslocamento do aluno com necessidades educacionais especiais pelos mesmos espaos que os demais alunos (CME-RJ, 2004; FERNANDES, ANTUNES & GLAT, 2007).

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ESTUDO I ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DO ATENDIMENTO AOS ALUNOS COM NECESSIDADES ESPECIAIS NA REDE PBLICA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIROO Estudo I Estrutura e funcionamento do atendimento aos alunos com necessidades educacionais especiais na Rede Pblica Municipal do Rio de Janeiro , realizado entre agosto 2005 e maio de 2006 objetivou traar um diagnstico preliminar do campo de pesquisa, sob o ngulo do atendimento aos alunos com necessidades educacionais especiais matriculados nesta rede. Como etapa inicial da investigao, voltou-se, tambm, para o estabelecimento de um dilogo com o Instituto Helena Antipoff (IHA), fator imprescindvel para a realizao plena do projeto. Este estudo foi constitudo de trs fases distintas, porm, intercaladas, a saber: Fase 1 anlise documental (documentos normativos da SME e planilhas de atendimento educacional); Fase 2 entrevistas com a Direo e Equipe Central do IHA; Fase 3 entrevistas com Agentes de Educao Especial das Coordenadorias Regionais de Educao(CREs). Os procedimentos levados a cabo nas diferentes fases so sucintamente descritos a seguir. 3.1. Procedimentos 3.1.1. Fase 1 Anlise documental Inicialmente, foram analisadas as planilhas regularmente elaboradas pelo IHA, referentes ao quantitativo de alunos com necessidades educacionais especiais matriculados no ano de 2005 nas escolas pblicas municipais do Rio de Janeiro. Tais planilhas incluem informaes detalhadas sobre o total de alunos com diferentes necessidades educacionais especiais matriculados em cada CRE, e a modalidade educacional a eles oferecida. Para os propsitos da pesquisa, foram focalizados somente os dados relativos ao Primeiro Segmento do Ensino Fundamental. Maiores esclarecimentos sobre as diferentes modalidades de ensino oferecidas sero apresentados no decorrer deste relatrio. Tambm foram estudados e analisados os principais documentos normativos da

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Parte

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Secretaria Municipal de Educao do Rio de Janeiro que estabelecem as diretrizes para a incluso escolar de alunos com necessidades educacionais especiais (MUNICPIO DO RIO DE JANEIRO, 1990; 1996; 2004; 2004a). Estes documentos serviram como base para anlise de dados em diferentes momentos da pesquisa. 3.1.2. Fase 2 Entrevistas com Direo e Nvel Central do IHA Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas individuais com a Diretora e a Assessora da Direo do IHA e as 10 Coordenadoras das equipes de Educao Especial8. O objetivo dessas entrevistas foi esclarecer aspectos destacados nos dados quantitativos, e tambm adquirir maiores informaes sobre o funcionamento da estrutura de atendimento escolar e o processo de implementao das polticas de Educao Inclusiva. A partir das questes colocadas e das respostas para as mesmas, foram delineadas categorias temticas de anlise, de acordo com os pressupostos da pesquisa qualitativa (BOGDAN & BIKLEN, 1994). Aps a anlise das planilhas, da legislao pertinente e das informaes obtidas nas entrevistas, foi apresentado e discutido com a equipe do IHA um relatrio diagnstico sobre o atendimento dos alunos com necessidades educacionais especiais na rede, ressaltando a impresso preliminar do grupo de pesquisa em face dos dados j coletados. Este tipo de estratgia garante a validade social dos resultados numa pesquisa do tipo participativa, em que os sujeitos de campo constroem os dados em parceria com os pesquisadores, e foi utilizado em outros momentos da investigao (GLAT, et al., 2006). 3.1.3. Fase 3 - Entrevistas com Agentes de Educao Especial das CREs Durante a anlise dos dados da fase anterior, evidenciou-se a necessidade de uma investigao mais detalhada sobre o processo de avaliao e encaminhamento para as diferentes modalidades educacionais dos alunos com necessidades educacionais especiais, bem como sobre o papel desempenhado pelos profissionais responsveis por esse trabalho junto s Coordenadorias Regionais de Educao (CREs) -- os Agentes de Educao Especial. Para tal, foram analisados relatos de 16 agentes pertencentes aos quadros das dez Coordenadorias Regionais de Educao (CREs) do Municpio, obtidos por meio de entrevistas semi-estruturadas individuais, realizadas no prprio campo deComo ser detalhado, adiante o IHA dispe de um equipe de acompanhamento para cada uma das dez CREs.8

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atuao destes profissionais. Seguindo os mesmos procedimentos que a Fase 2, os dados categorizados e analisados preliminarmente foram apresentados e discutidos com os agentes em um seminrio realizado no IHA, junto com a equipe de Nvel Central. A partir dos apontamentos realizados pelos participantes da pesquisa, durante as apresentaes e discusses com a Equipe do IHA e os Agentes de Educao Especial, foram realizadas revises nas anlises, que sero apresentas a seguir. 3.2. Caracterizao da Rede Pblica de Educao do Municpio do Rio de Janeiro A Rede de Educao da Cidade do Rio de Janeiro o maior sistema pblico municipal de ensino da Amrica Latina, compreendendo, em 2007, 1057 escolas, com mais de 740.000 alunos matriculados. A administrao desse universo escolar realizada de maneira descentralizada por 10 Coordenadorias Regionais de Educao (CREs), abrangendo diferentes reas geogrficas da cidade conforme e mapa e quadro descritivo abaixo:Mapa n 1 Mapa da distribuio das Coordenadorias Regionais de Educao no Municpio do Rio de Janeiro

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Quadro n 1 Coordenadorias Regionais de Educao e bairros de abrangncia Coordenadorias Regionais de Educao1 CRE

N de escolas82

Bairros de abrangncia

Bairro de Ftima, Benfica, Caju, Catumbi, Centro, Cidade Nova, Estcio, Gamboa, Mangueira, Paquet, Praa Mau, Praa Onze, Rio Comprido, Santa Tereza, Santo Cristo, Sade e So Cristvo. Alto da Boa Vista, Andara, Botafogo, Catete, Copacabana, Cosme Velho, Flamengo, Glria, Graja, Gvea, Humait, Ipanema, Jardim Botnico, Lagoa, Laranjeiras, Leblon, Leme, Maracan, Praa Mau, Praa da Bandeira, Rocinha, S. Conrado, Tijuca, Urca, Usina, Vidigal e Vila Isabel. Abolio, Bonsucesso, Caxambi, Del Castilho, Encantado, Engenho da Rainha, Engenho de Dentro, Higienpolis, Inhama, Jacarezinho, Jacar, Lins de Vasconcelos, Maria da Graa, Mier, Piedade, Pilares, Ramos, Riachuelo, Rocha, Sampaio, Todos os Santos, Tomas Coelho e gua Santa. Benfica, Bonsucesso, Brs Pina, Cordovil, Ilha do Fundo, Ilha do Governador, Jardim Amrica, Manguinhos, Olaria, Parada de Lucas, Penha, Penha Circular, Ramos, Vigrio Geral e Vila da Penha. Bento Ribeiro, Campinho, Cascadura, Cavalcante, Colgio, Honrio Gurgel, Iraj, Madureira, Marechal Hermes, Oswaldo Cruz, Quintinho, Bocaiva, Rocha Miranda, Tiriau, Vila Kosmos, Vila da Penha e Vista Alegre. Acari, Anchieta, Barros Filho, Coelho Neto, Costa Barros, Deodoro, Guadalupe, Iraj, Parque Anchieta, Pavuna, Ricardo Albunquerque. Anil, Barra da Tijuca, Cidade de Deus, Curicica, Freguesia, Gardnia Azul, Itanhang, Jacarepagu, Pechincha, Praa Seca, Recreio, Recreio dos Bandeirantes, Rio das Pedras, Tanque, Taquara, Vargem Grande, Vargem Pequena e Vila Valqueire. Bangu, Deodoro, Guadalupe, Guilherme da Silveira, Jabour, Magalhes Bastos, Padre Miguel, Realengo, Santssimo, Senador Cmara, Sulacap, Vila Kennedy e Vila Militar. Augusto Vasconcelos, Campo Grande, Cosmos, Inhoaba, Nova Iguau e Santssimo. Barra de Guaratiba, Cosmos, Guaratiba, Ilha de Guaratiba, Pacincia, Pedra de Guaratiba, Santa Cruz e Sepetiba.

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Em 2007, a Rede Municipal de Educao do Rio de Janeiro tinha 8.820 alunos indentificados como portadores de necessidades educacionais especiais. Conforme j mensionado, no mbito da Secretaria Municipal de Educao (SME), o rgo responsvel pela elaborao e implementao de polticas em Educao Especial o Instituto Helena Antipoff (IHA) (ver organograma da SME no Anexo II). Criado em 1974, a ele compete a organizao e o desenvolvimento de aes dirigidas aos alunos com necessidades especiais nesta Rede. O IHA tambm responsvel pela formao continuada dos professores das classes regulares que recebem alunos com necessidades

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especiais, bem como dos que atuam nas modalidades especializadas ou de suporte, conforme descrito no quadro abaixo. Quadro n 2 Modalidades de atendimento especializado oferecidos pela Rede Municipal de Educao do Rio de Janeiro a alunos com necessidades educacionais especiaisModalidade de AtendimentoEscola Especial

Descrio da ModalidadeDestinadas para alunos com deficincias mltiplas e comprometimento severo, que necessitam de um ambiente com significativas adaptaes fsicas, materiais e curriculares, incluindo, em muitos casos apoio para locomoo e higiene pessoal. Voltadas para o ensino de alunos com um tipo de necessidade especial especfica9, essas classes, com nmero reduzido de alunos e professor especializado, funcionam em escolas regulares. Voltados para o trabalho educacional com alunos com necessidades educacionais especiais na faixa etria de 0 a 2 anos e 11 meses. Espao destinado ao aprendizado atravs de recursos especficos e professor especializado no tipo de necessidade educacional do aluno que est integrado em turma regular, funciona em escolas regulares no turno inverso da escolarizao. Professor especializado que d suporte a alunos com necessidades educacionais includos em turmas comuns; produz os materiais pedaggicos necessrios ao seu aprendizado, presta orientao ao professor regente e equipe pedaggica da escola. Em alguns casos de alunos que no podem freqentar a escola, ele tambm presta atendimento domiciliar. Classes que funcionam em hospitais conveniados SME-Rio e tm como objetivo o ensino de crianas e adolescentes internados nas enfermarias.

Classe Especial Multiseriada

Plo de Educao Infantil

Sala de Recursos

Professor Itinerante

Classe Hospitalar

Fonte: SME- Rio/IHA (2003)

3.3. Estudo I Anlise dos Dados Inicialmente ser apresentada uma anlise da estrutura e funcionamento do atendimento oferecido aos alunos com necessidades educacionais especiais, destacando o papel da equipe de Educao Especial do IHA no mbito da proposta de Educao Inclusiva que vigora neste municpio. Em seguida apresentamos os dados relativos pesquisa realizada sobre a atuao e o papel do Agente de Educao Especial da CRE no processo de incluso escolar de alunos com necessidades educacionais especiais.

Como ser visto adiante, h algumas classes especiais que atendem simultaneamente alunos com diferentes necessidades educacionais.

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3.3.1. Contextualizando o atendimento a alunos com necessidades educacionais especiais na estrutura da Rede Pblica Municipal de Educao do Rio de Janeiro Para conhecer a estrutura e funcionamento da Rede Municipal de Educao do Rio de Janeiro no que tange ao atendimento a alunos com necessidades educacionais, conforme j mencionado, foram analisadas as planinhas de atendimento10 e documentos normativos, e realizadas entrevistas semi-estruturadas com as dez Coordenadoras das equipes de acompanhamento do IHA (um representante de cada CRE). A partir dos dados foi constatado que, a Secretaria Municipal de Educao do Rio de Janeiro (SME/RJ) adota um modelo de incluso escolar em que diferentes modalidades de atendimento e suporte educacional da Educao Especial so mantidas, de acordo com as necessidades identificadas do aluno. J a incluso desses alunos no ensino regular, que constituiu o objeto de estudo focal do presente projeto, se efetiva sob trs condies: a) o aluno freqenta a classe regular e recebe suporte, em horrio alternativo, em uma sala de recursos; b) o aluno freqenta a classe regular e recebe suporte em sua prpria classe de um professor itinerante; c) o aluno freqenta a classe regular sem qualquer suporte especializado. Esta estrutura de oferecimento de distintos servios educacionais est de acordo com as Diretrizes Nacionais para a Educao Especial na Educao Bsica (2001) onde afirmado que a Educao Especial um: Processo educacional escolar definido por uma propostapedaggica que assegure recursos e servios educacionais especiais, organizados institucionalmente para apoiar, complementar, suplementar e, alguns casos, substituir os servios educacionais comuns, de modo a garantir a educao escolar e promover o desenvolvimento das potencialidades dos educandos que apresentam necessidades educacionais especiais, em todas as etapas e modalidades da educao bsica (BRASIL, 2001, p. 69).

De acordo com as planilhas do IHA, cerca de 43% dos alunos assistidos pela Educao Especial, so classificados como portadores de deficincia mental. A maioria estuda em classes especiais em escolas regulares, embora a haja uma tendncia para gradativamente incluir esses alunos em classes comuns. No se inserem neste grupo10

A anlise quantitativa foi feita originalmente com base nas planilhas do segundo semestre de 2005, quando haviam 8869 alunos atendidos pela Educao Especial. Para apresentao deste relatrio os dados foram atualizados para os nmeros de 2007 (8820 alunos) , porm o percentual de cada grupo e das modalidades de atendimento no se alteraram.

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alunos considerados com deficincia mental leve ou com dificuldades de aprendizagem, os quais devem, de acordo com os depoimentos de representantes da equipe de Educao Especial do IHA, ter suas demandas de aprendizagem respondidas pela educao regular, com os mesmos suportes oferecidos a qualquer aluno da Rede. Os alunos com deficincia auditiva (surdos) constituem 11%, dos quais aproximadamente um tero est includo em classes regulares, recebendo suporte especializado em salas de recursos. A maioria desses alunos faz parte de programas de bilingismo11 e/ou est aprendendo Lngua Brasileira de Sinais (LIBRAS). Os alunos com condutas tpicas (autismo, psicoses e outros distrbios de comportamento) representam (12%). Embora j existam algumas experincias pontuais de incluso desses alunos em classes regulares, majoritariamente eles ainda so atendidos em classes especiais. Considerando que at recentemente esses indivduos eram alijados do sistema escolar, sua insero nas escolas pblicas do Rio de Janeiro representa um avano significativo em relao a outras redes. No entanto, como apontado pela equipe do IHA, a identificao e a avaliao desses alunos ainda problemtica. Os portadores de deficincias visuais (cegos ou de baixa viso) compreendem 3% do total de alunos especiais, sendo que cerca de 60% estuda em classes regulares com suporte da sala de recursos. A o trabalho na classe especial para esse grupo geralmente voltado para a alfabetizao, visando a posterior insero do aluno no ensino regular com ou sem suporte da Educao Especial. O baixo ndice de alunos nesta categoria provavelmente se deve a existncia do Instituto Benjamin Constant, centro de referencia nacional para o atendimento a pessoas com deficincia visual. Os portadores de deficincias fsicas (paralisia cerebral e/ou outras limitaes ligadas ao desenvolvimento motor) totalizam cerca de 3% do alunado especial. Esses alunos estudam em classes regulares, recebendo suporte de um professor itinerante. Entretanto, aqueles com deficincias mltiplas e/ou severas estudam em classes ou escolas especiais ou, dependendo da faixa etria, em plos especializados de Educao Infantil (que compreende alunos entre 0 e 3 anos e 11 meses). O trabalho com alunos com altas habilidades, atualmente, no est amplamente disseminado, tanto que no constam nas planilhas dados sobre essa categoria. Segundo11

Bilingismo uma filosofia educacional que pressupe o ensino de duas lnguas ao aluno surdo. A lngua materna seria a LIBRAS e a segunda lngua seria o portugus. Desse modo, o aluno teria condies de estruturar e comunicar seu pensamento em LIBRAS, ao mesmo tempo, que compreenderia e se comunicaria, por meio da fala e, principalmente, da escrita, atravs do portugus (FONTES, 2007).

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as entrevistadas, h uma tentativa de re-estruturao desse programa, sendo que algumas CREs j desenvolvem atividades de enriquecimento com esses alunos em algumas salas de recursos. importante ressaltar que apesar da poltica da SME priorizar a proposta de Educao Inclusiva, a modalidade escolar predominante ainda a classe especial. Os dados estatsticos referentes ao segundo semestre de 2005 mostraram um atendimento para cerca de cinco mil alunos em classes especiais, representando 56% do total de alunos especiais matriculados na Rede. Foi tambm verificado que, excepcionalmente, em algumas CREs h classes especiais formadas por alunos com diferentes tipos de necessidades especiais, denominadas classes de sndromes diversas. Esta situao, pelo que foi explicado, decorrente de circunstncias conjunturais, como, por exemplo, nmero insuficiente de alunos que apresentem o mesmo tipo de necessidade educacional para justificar a abertura de uma classe especial. O Municpio do Rio de Janeiro conta tambm com 10 escolas especiais que atendem a aproximadamente mil alunos (12%) com deficincias fsicas severas ou mltiplas, incluindo dificuldades de locomoo e comunicao, que no tm condies de freqentar as escolas regulares. A orientao do IHA no ampliar esse nmero, j que a prioridade do sistema tem sido incluir esses alunos no espao da escola regular, eliminando, aos poucos, as formas de atendimento de carter mais restritivo. Entretanto, no se vislumbra a mdio prazo a descontinuidade desse tipo de servio, por se tratar de alunos com comprometimentos graves, que demandam adaptaes significativas no currculo, na infra-estrutura e nos recursos materiais e humanos, que poucas escolas regulares tm condies de oferecer. Na ocasio, seis dessas escolas especiais estavam promovendo de um processo de incluso inversa, recebendo nas turmas de Educao Infantil alunos que no tm deficincias. Embora no tenha sido feita uma investigao sistemtica sobre essa conjuntura, segundo as informaes da equipe, essa estratgia vem alterando positivamente a configurao das prticas pedaggica da escola especial. A SME/RJ oferece, ainda, a modalidade de classe hospitalar pouco disseminada no Brasil , destinada ao atendimento pedaggico de crianas e jovens internados em hospitais com deficincias ou doenas graves e/ou crnicas. Em mdia 190 alunos por ms so atendidos em hospitais conveniados com a SME/RJ. Ressalta-se este servio tambm disponibilizado para crianas que no possuem deficincia, mas,18

que apresentam temporariamente necessidades educacionais especiais, em funo de sua hospitalizao (FONTES, 2005). Para facilitar e apoiar a incluso do maior nmero possvel de alunos com necessidades especiais em classes regulares existem duas modalidades principais de suporte especializado: a sala de recursos e o professor itinerante. A primeira, em 2005.2 assistia a cerca de 1300 alunos (15%). Para ela so encaminhados, em horrio alternativo, duas ou trs vezes na semana, alunos que apresentem dificuldades em acompanhar a turma regular e/ou que necessitem de recursos pedaggicos especficos. J os professores itinerantes prestavam, na poca da anlise das planilhas, apoio a 7% dos alunos com necessidades especiais (660). So chamados de itinerantes por no estarem lotados em uma escola especfica; seu papel auxiliar e orientar os professores do ensino regular que recebem em suas classes alunos especiais. Conforme mostrou Pletsch (2005), em estudo anterior realizado nessa mesma Rede, os professores itinerantes atuam como agentes de mediao, sensibilizao e mobilizao princluso junto aos demais profissionais escolares. Essa modalidade de suporte pode ser considerada a menos restritiva, uma vez que no retira do contexto de sala de aula o aluno para auxili-lo. No entanto, devido a questes de distribuio de recursos humanos, a incluso com suporte de professor itinerante no predominante no sistema. Para atender a todas as escolas seria necessrio ampliar o nmero de profissionais atuando nesta modalidade (PLETSCH & GLAT, 2007). Assim, em funo da carncia de recursos humanos, algumas escolas acabam priorizando a sala de recursos, pois possibilita um trabalho mais continuo com o aluno, conforme relato das entrevistas.A vantagem do professor da sala de recursos que esse professor conhece muito o aluno, j que ele est trabalhando direto com essas dificuldades que o aluno tem, fazendo atendimento individualizado ou em pequenos grupos. Quando ele vai visitar a escola ele entra na sala do outro professor dessa criana e j vai dizendo eu trabalho assim com fulano e est dando esse resultado, eu montei uma coisa com ele e est dando esse resultado (...) a o professor regular j pensa: nossa ele sabe, ele veio pra contribuir. J o professor itinerante como depende muito do planejamento do professor de turma s vezes fica complicado porque nem sempre o professor tem essa viso de que o outro est a para somar. Ento esse um dos problemas do planejamento, a gente tem um certo distanciamento desse professor itinerante(...) com o professor regular e a sala de recursos como ela j trabalha com a criana, j chega, falei com a me, conheo a me ... ele j chega e aceito de outra maneira.

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O professor itinerante tambm responsvel pelo atendimento domiciliar de alunos que, em funo de seu quadro clnico de sade, no tm condies (temporrias ou permanentes) de freqentar a escola. Infelizmente, h carncia de profissionais disponveis para esse servio, e muitos alunos ficam sem o atendimento necessrio. As entrevistas realizadas com os membros da equipe do IHA que acompanham cada uma das 10 CREs, apontaram aspectos no aparentes nos dados quantitativos referentes ao carter descentralizada da gesto da SME, indispensvel em uma rede de tal magnitude, e s estratgias que cada CRE adota para atender s especificidades locais. Para alm das polticas e propostas educacionais foram descortinados problemas de toda ordem: falta de acessibilidade fsica e infra-estrutura de vrias escolas, carncia12 de professores, violncia urbana entre outros. Segundo as entrevistadas, para suprir as dificuldades de um sistema to vasto e heterogneo nem sempre possvel seguir critrios puramente pedaggicos. Foi relatado, por exemplo, que, em algumas localidades, quando a criana mora em uma comunidade vizinha ocupada por uma organizao criminosa rival, prejudicando assim seu atendimento. A questo do atendimento em sala de recursos complicada em funo da periculosidade da regio, s vezes a gente tem espao na regio A, num lado A, mas o aluno do lado B no passa para o lado A que de outra faco (...) muitas vezes a sala de recursos aberta no atende a necessidade do aluno por que o deslocamento daquele aluno para aquele local fica inviabilizado pela demanda social [refere-se violncia e a rivalidade das faces do trfico de drogas], porque no pode entrar, porque naquela rea, o aluno que mora do lado de c no entra do lado de l, aquelas questes sociais que isso atrapalha. Como apontado, a orientao da SME para as CREs que os alunos com necessidades especiais sejam matriculados diretamente no ensino regular, de acordo com a faixa etria, na escola mais prxima de sua residncia. De acordo com a rotina prevista, aps um perodo na turma comum, quando o professor tiver elementos reais para afirmar ou suspeitar da necessidade de alteraes no programa curricular do aluno, o IHA, por meio do Agente de Educao Especial da CRE, acionado para auxiliar a escola no encaminhamento do aluno para o suporte especializado mais adequado. Embora tal poltica seja vista de forma positiva, pois oferece escola a chance12

A carncia de professores ocorre tanto por fatores de natureza estrutural (contrataes e concursos insuficientes para a demanda), quanto pontuais como faltas e licenas.

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de refletir sobre suas prticas e tentar se estruturar para acolher todos os alunos, este processo no ocorre sempre de maneira to linear. Alm de problemas especficos e entraves operacionais, certamente esperados, conforme apontado em diversos outros estudos (BUENO, 2001; GLAT & NOGUEIRA, 2002; SOUZA, 2005; FONTES, 2007) nem todos os professores esto preparados para adequar a sua forma de ensinar s caractersticas e necessidades do aluno. Consequentemente, alunos que precisariam de adaptaes curriculares e/ou de receber suporte imediato no so logo atendidos, prejudicando ainda mais seu entrosamento na dinmica da turma e sua aprendizagem. Por outro lado, sobretudo, quando se trata de alunos que apresentam maior comprometimento ou tm uma deficincia ou condio clnica facilmente identificada, comum que o aluno seja encaminhado diretamente para o ensino especial por ocasio da matrcula, sem que seja tentando esse perodo de incluso experimental. Sob esse aspecto, confirmando pesquisas anteriores (GLAT & OLIVEIRA, 2003; GLAT, FERREIRA, OLIVEIRA & SENNA, 2003; PLETSCH, 2005), algumas entrevistadas ressaltaram que mesmo nos casos em que o aluno permanece na classe regular, muitas vezes a professora regente no assume a responsabilidade por seu aprendizado, j que ele aluno da Educao Especial. Os indicadores das planilhas e as entrevistas evidenciaram que existe um grupo significativo de alunos com necessidades especiais includos em classes comuns que no recebem qualquer tipo de suporte especializado. Entretanto, no foi possvel precisar se isso ocorre porque o professor regente (por si s, ou com apoio da equipe pedaggica) d conta do aprendizado desse aluno, ou se a necessidade de suporte detectada, porm no pode ser atendida devido carncia de recursos especializados na escola. Este aspecto ser mais discutido no Estudo II. As informaes colhidas com a equipe do IHA, durante as entrevistas e nas discusses de devoluo dos dados, mostraram no haver pleno consenso quanto aos critrios de encaminhamento dos alunos das escolas e classes especiais para o ensino regular, principalmente nos casos de deficincia mental, deficincias mltiplas e condutas tpicas. De modo geral, a avaliao se pauta no domnio de conhecimentos bsicos adquiridos pelo aluno (leitura e escrita), na observao do seu comportamento em sala de aula e, quando houver, o diagnstico:

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A diviso e encaminhamento dos alunos se d por nvel 13,[refere-se ao nvel de desenvolvimento da leitura e da escrita] os alunos que j esto encaminhados na questo da leitura e da escrita vo para o nvel inicial. A gente tem tambm, por exemplo, o aluno que inicia muitas vezes sem nenhum trabalho de leitura e escrita e ele j est agrupado com aquele que est mais avanado, se esse que est mais avanado no tiver em condies de integrao, que muitas vezes a condio de integrao fica complicado pela idade.

Embora as diretrizes da SME/RJ (MUNICPIO DO RIO DE JANEIRO, 1990; 1996; 2004, 2004a) priorizem a proposta de Educao Inclusiva segundo os quais no exige que o aluno esteja preparado ou dominando um certo contedo curricular para ingressar na classe regular , foi observado que as prticas avaliativas ainda seguem, predominantemente, os pressupostos da Integrao14. Esta constatao, confirmada com os depoimentos dos Agentes de Educao Especial das CREs, indica uma clara discrepncia com o discurso oficial presente nos documentos analisados. A orientao da SME rejeita o diagnstico clnico como fator determinante para o encaminhamento para esta ou aquela modalidade de ensino, e privilegia a avaliao do processo educacional do aluno. Entretanto, na prtica, os professores e demais profissionais ainda consideram a avaliao clnica o seu principal referencial. Em algumas CREs, por exemplo, se o aluno chegar na escola com um diagnstico j definido, ele encaminhado diretamente para a classe especial correspondente. Na falta do diagnstico, a escola, auxiliada pelo Agente de Educao Especial solicita uma avaliao clnica. Isto ocorre, segundo as coordenadoras do IHA, porque no est claro para a maioria dos professores como se d a avaliao no processo educacional. A falta de acessibilidade das escolas para recebimento de alunos com deficincias, que afeta todas as redes educacionais do pas, foi outro problema

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Conforme a Portaria E/DGED N 36 (MUNICIPIO DO RIO DE JANEIRO, 2007), os educandos com necessidades educacionais especiais so encaminhados levando-se em considerao a proximidade da faixa etria, e no somente o seu nvel de desenvolvimento e a rea de deficincia. O referido encaminhamento realizado pelo Instituto Helena Antipoff e a Coordenadoria Regional de Educao. 14 Este modelo de insero escolar, denominado Integrao, era vigente at a dcada de 1990 quando foi substitudo como poltica educacional pela Educao Inclusiva. Tambm previa a escolarizao de alunos com deficincias (geralmente oriundos do ensino especial) em classes comuns, porm eles s eram integrados na medida em que demonstrassem condies para acompanhar a turma, recebendo apoio especializado paralelo. Na proposta atual, esses alunos, independente do tipo ou grau de comprometimento, devem ser absorvidos diretamente nas classes comuns do ensino regular, cabendo Escola A responsabilidade de se transformar, principalmente no que diz respeito flexibilizao curricular, para dar a resposta educativa adequada s suas necessidades (GLAT & BLANCO, 2007, p. 24).

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detectado. Embora nos ltimos anos tenha havido um investimento substancial do Municpio do Rio de Janeiro em obras, mobilirio, recursos pedaggicos, informatizao e at mesmo transporte adaptado, h problemas de infra-estrutura dos prdios que so de difcil soluo a mdio prazo. O livre acesso tambm prejudicado por conta de situaes do entorno das escolas, como barreiras fsicas ditadas pela prpria constituio geogrfica do terreno. Alm disso, a violncia urbana, j mencionada, dificulta a freqncia dos alunos em muitas regies da cidade, j que o fato de residir e/ou estudar em bairros disputados por faces criminosas rivais impede o remanejamento de alunos para escolas que tenham recursos mais adequados para eles (ANTUNES, 2007; GLAT, PLETSCH & FONTES, 2008). A resistncia familiar tambm foi apontada como uma das grandes dificuldades para a incluso escolar. Muitos pais acreditam que a insero de seu filho em uma turma comum poderia levar a uma situao de discriminao ainda maior, ao passo que junto aos seus pares, com a mesma deficincia, e sob ateno direta de uma professora especializada, ele teria melhores condies de desenvolvimento. Esses dados mostram a necessidade de se ampliar o dilogo entre a escola e a famlia. Algumas CREs tm desenvolvido com sucesso aes nesse sentido como, por exemplo, orientao aos pais pelos professores itinerantes para esclarecimento das possibilidades de desenvolvimento dos seus filhos (PLETSCH, 2005), reunies da equipe pedaggica com pais de alunos especiais, etc. Entretanto, com base nos relatos colhidos, pode-se afirmar que estas aes ainda se constituem em iniciativas isoladas A idade foi outro fator detectado que interfere na incluso de alunos com necessidades especiais em turmas comuns, uma vez que um grande nmero j ultrapassou a faixa etria escolar. Embora estes tenham a opo de ingresso no Programa de Educao de Jovens e Adultos (PEJA), essa modalidade, via de regra, funciona em horrio noturno e nem sempre est situado em locais de fcil acesso para pessoas com dificuldades de locomoo e/ou orientao. Conseqentemente, persiste a permanncia de muitos alunos jovens ou mesmo adultos nas classes especiais, por absoluta falta de alternativa educacional15. Atravessando todas essas questes, uma das maiores barreiras para o processo de

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Em 2007 foi iniciado o projeto, financiado pela FINEP, Suporte incluso social de jovens e adultos vinculados ao sistema de Educao Especial do Municpio do Rio de Janeiro. Este projeto fruto de uma parceria entre o Instituto Helena Antipoff, a Academia Brasileira de Cincia e a Faculdade de Educao da UERJ e visa a promoo da incluso social e no trabalho desse alunado.

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incluso escolar a precariedade da formao dos professores para trabalhar com alunos com necessidades educacionais especiais. Este um problema presente em todos os sistemas de ensino e no h dvida de que sem um programa de formao continuada, que permita aos professores reverem suas prticas pedaggicas, nenhuma poltica se concretizar no cotidiano escolar (BUENO, 2001; GLAT & NOGUEIRA, 2002; MENDES, 2003; FERREIRA & FERREIRA, 2004; BAPTISTA, 2006; FONTES, 2007; GLAT & BLANCO, 2007, entre outros). Reconhecendo essa lacuna a SME-Rio, atravs do IHA tem feito, nos ltimos anos, um grande investimento em cursos, seminrios e reunies de sensibilizao com os professores do Ensino Regular. Entretanto, como as mudanas na prtica pedaggica ainda no tm se dado em larga escala, necessrio se investigar diferentes alternativas de capacitao para que os docentes saibam mobilizar seus conhecimentos, articulandoos com suas competncias mediante ao e reflexo tericas-prticas. Este foi o objetivo focal do Estudo III, que, conforme j apontado, visa promover e avaliar junto aos professores, possibilidades de formao continuada, com base na realidade do cotidiano escolar. 3.3.2. O papel do Agente de Educao Especial no contexto da proposta de Educao Inclusiva No decorrer do Estudo I, que visava analisar o papel e a atuao da Educao Especial na Rede, verificou-se que alm dos membros da equipe do Nvel Central do IHA, cada Coordenadoria Regional de Educao (CRE) conta com profissionais responsveis pela avaliao e encaminhamento do atendimento aos alunos com necessidades especiais da CRE --- Agentes de Educao Especial. Esses profissionais integram a equipe da Diviso de Educao (DED) da sua respectiva CRE, e sendo elemento de ligao entre a CRE e o IHA. Embora no constasse da proposta original do projeto, a anlise da atuao desse profissional mostrou-se fundamental para o entendimento do processo de Educao Inclusiva na Rede Municipal do Rio de Janeiro, j que o Agente de Educao Especial tem uma influencia direta no encaminhamento e demais decises pedaggicas referentes aos alunos com necessidades especiais. Para tal, foram analisados relatos de

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1616 Agentes pertencentes aos quadros das dez Coordenadorias Regionais de Educao (CREs), obtidos por meio de entrevistas semi-estruturadas (Anexo III). O cargo de Agente de Educao Especial foi criado na Rede Municipal de Educao do Rio de Janeiro a partir da reestruturao do Instituto Helena Antipoff (IHA), ocorrida entre os anos de 1995 e 1996. Sua origem vinculava-se necessidade de um profissional da Educao que agenciasse a poltica pblica de incluso de alunos com necessidades educacionais especiais nas escolas municipais (RIO DE JANEIRO, 1996). Nas palavras de uma das Agentes entrevistadas:O Agente de Educao Especial primordial para efetivao da proposta pedaggica Inclusiva da Rede Municipal do Rio de Janeiro, sendo uma ponte entre o IHA e as escolas. Nossa funo abrange avaliao de alunos na E/CRE e nas escolas; encaminhamos para turmas adequadas; orientao comunidade escolar; organizao e participao em reunies e capacitaes junto ao IHA.

Para exercer esta funo no h exigncia de formao especfica ou especializao. Entre as 16 Agentes que participaram da amostra, quatro tinham apenas nvel mdio (Curso de Formao de Professores, antigo Normal), pr-requisito para ingresso no magistrio nesta Rede. Embora todas as demais tivessem curso superior, e algumas at mesmo ps-graduao, s uma tinha especializao em Educao Especial. Como uma entrevistada explica, o critrio para o cargo no passa pela formao na rea de Educao Especial, mas sim pelo interesse e experincia em docncia com alunos com necessidades educacionais especiais.No momento no h uma necessidade de uma formao especfica no. Primeiro voc tem que ser professora da Rede e querer trabalhar nessa rea. Eu j trabalho com classe especial h 15 anos e fui convidada pelo IHA para vir trabalhar aqui na CRE como Agente de Educao Especial. (...) Pelo meu trabalho, pelo meu perfil acharam que eu ficaria bem encaixada dentro dessa demanda.

Isso no significa, porm, que apenas a experincia emprica seja considerada suficiente. Reconhecendo a carncia de maior fundamentao terica e conhecimentos especficos, uma vez no exerccio de sua funo, o IHA oferece aos Agentes de Educao Especial formao em servio por meio de uma srie de cursos e seminrios.Agora se preciso uma formao especfica no caso? No! Mas, 16

Cada CRE conta com cerca de dois ou trs Agentes, em funo do nmero de escolas atendidas na regio.

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preciso que a gente tenha este processo dessa formao continuada que o prprio Helena Antipoff vai fazendo. Claro, que se voc no tem vivncia nenhuma, convvio nenhum com os alunos da Educao Especial, voc no pode estar... Porque uma das atribuies nossas estarmos avaliando estes alunos. Se voc no conhece, se voc no tem esta vivncia, no tem o domnio, voc no pode estar avaliando, para estar dizendo se esse aluno deve ser enturmado numa escola especial, numa classe especial, se ele deve ser um aluno integrado... Ento, requer um conhecimento, sim, sobre estas necessidades especiais, sobre adaptaes curriculares, sobre possibilidades de crescimento. E conhecer tambm teorias sobre o processo da construo de conhecimento.

Embora os Agentes de Educao Especial desempenhem vrias funes e tenham diferentes inseres na Diviso de Educao (DED) de sua CRE, h unanimidade de que seu papel principal consiste em avaliar a necessidade especfica do aluno, mediante relatrio enviado pela escola, para determinar o espao escolar adequado para esse aluno. Conforme o caso, esse encaminhamento pode ser para a turma comum com suporte da sala de recursos ou professor itinerante, ou para a classe especial. Foi destacado pelas entrevistadas que elas exercem, tambm, um papel poltico, pois sua funo demanda uma articulao das aes voltadas para Educao Especial dentro da DED e das demais divises da CRE. Essa vivncia est de acordo com as prerrogativas do cargo conforme (Anexo IV):-Contribuir para que o Ensino Especial encontre-se permanentemente integrado no todo da Educao; -Inserir a Educao Especial no conjunto de discusses realizadas pela DED, e pela CRE, em geral, de modo a que todos entendam a necessidade de introduzir as questes realizadas aos alunos com necessidades Especiais no conjunto das aes desenvolvidas por todos os profissionais (RIO DE JANEIRO, 1996).

Neste sentido, o Agente de Educao Especial compe um elo fundamental entre o IHA e a CRE. A ele cabe a tarefa de esclarecer as escolas acerca da Educao Inclusiva, orientando-as quanto ao encaminhamento de alunos com necessidades educacionais especiais para turmas regulares, pois as escolas ainda tm muitas dvidas sobre como e onde colocar essas crianas especiais.Eu acho a funo do Agente muito importante. Porque ele o elemento que vai fazer o movimento da discusso sobre a incluso, tanto dentro da CRE quanto junto com a Secretaria e junto das escolas, principalmente. Ento, esse elemento fundamental para que

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se favorea toda essa discusso, esse trabalho; para amarrar as questes...

Por outro lado, algumas Agentes colocaram que acabam assumindo diversas outras funes que no lhes caberia diretamente, como por exemplo, a efetivao da matrcula dos alunos da classe especial no sistema de controle acadmico, que uma atribuio da Assessoria da CRE ou do prprio Diretor da escola, pois quem faz a matrcula de todos os outros alunos da escola. Esse dado muito significativo, pois no s mostra uma discrepncia entre as normativas (Anexo IV) e as atividades cotidianas do Agente de Educao Especial, como ressalta a viso, ainda presente na Rede de que o aluno com necessidades especiais responsabilidade da Educao Especial. Uma questo interessante levantada por uma das participantes e de acordo com o paradigma da Educao Inclusiva, que a escola deve atender a todos os alunos sem distino; logo, contraditrio haver um profissional responsvel pela incluso dos portadores de necessidades educacionais, pois isso acaba eximindo a escola dessa responsabilidade. Embora essa seja uma posio, que em princpio faa sentido, a maioria das Agentes reconhece que sua funo ainda necessria. Pois, apesar dos avanos constatados nos dez anos de atuao do Agente de Educao Especial, eles ainda deparam-se com barreiras por parte das escolas para trabalhar com e at mesmo matricular alunos com deficincias.Olha, eu vejo assim. Por exemplo, agora na poca de matrcula, quando surgem as crianas assim, muito diferentes, a escola fica preocupada. Eu acho que a escola fica, no momento, se sentindo assim, impotente para estar acolhendo essa criana. Ento, elas ligam pra c 17 para saber o que fazer. Uma escola ligou esta semana porque recebeu uma criana da Educao Infantil e na escola no tem rampa e precisa subir escada. Nesse caso simples a gente pode procurar uma escola plana para estar adequando melhor. Mas, eu acho que ainda temos muito a avanar.

Outro ponto citado foi o pequeno nmero de profissionais alocados para a funo, o que no lhes permite atender plenamente as crescentes demandas cotidianas das escolas: a equipe reduzida de profissionais dificulta um pouco a realizao do trabalho no que se refere aos encaminhamentos e acompanhamentos dos alunos. Esse quadro exemplificado pelo excessivo quantitativo dos encaminhamentos feitos pelas escolas, que faz com que as Agentes se desviem dos casos que realmente necessitam de suas orientaes. Tambm foi enfatizado que o tipo de relatrio que a17

Ela est se referindo ao DGE de sua CRE.

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escola envia junto com a solicitao de avaliao, na maioria dos casos mostra apenas impossibilidades do aluno tais como: no consegue reconhecer as letras, no consegue formar palavras, possui auto-estima baixa, no possui concentrao, etc. A partir dos depoimentos analisados percebe-se que a funo dos Agentes de Educao Especial e as aes por eles delineadas para atender s demandas do campo so diversas, atingindo aspectos no previstos pela descrio original do cargo (Anexo IV). Ao se comparar as atribuies oficialmente estabelecidas para esse profissional com as informaes coligidas nas entrevistas verificou-se que essas primeiras no so seguidas na ntegra, em nenhuma CRE. Certamente os dados obtidos no permitem traar concluses definitivas sobre as razes para tal discrepncia, porm apontam para a necessidade de se rever o papel exercido por esse profissional para que possa ser melhor aproveitado, no mbito da poltica de Educao Inclusiva da SME. Tambm no pode ser subestimado o impacto na sua atuao de fatores de ordem prtica, como o pequeno quantitativo de Agentes para a enorme e diversificada demanda de intervenes: em 200618 o quadro era constitudo por 20 profissionais para 1057 escolas! Como um dos responsveis diretos -- na prpria definio de seu cargo em efeito da poltica de Educao Inclusiva nas escolas pblicas municipais, os depoimentos das Agentes de Educao Especial so uma fonte fundamental para reflexo sobre diferentes aspectos prticos e formais sobre a implementao dessa proposta. Como verificado, de modo geral, essas profissionais tm um discurso sobre Educao Inclusiva bem fundamentado e articulado. Seguindo os pressupostos bsicos da Educao para Todos, concebem a escola inclusiva como uma que acolha e se transforme para atender diversidade de toda a comunidade escolar, e no s dos chamados alunos especiais. Uma das falas recorrentes em vrias entrevistas foi a importncia do olhar no discriminatrio sobre os alunos com necessidades especiais, pois esses so alunos da escola como os demais:Na verdade, antigamente, no era todo mundo que chegava escola, hoje todos tm acesso. No entanto, o diferente continua da Educao Especial!

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Em janeiroi de 2008, eram 18 Agentes de Educao Especial. Contudo, manteve-se aqui, os dados referentes ao ano de 2006, quando foram realizadas as entrevistas.

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A falta de interao entre a Educao Especial e o restante da equipe da CRE, bem como sua dificuldade de insero no cotidiano escolar, foi outro aspecto destacado. Nas palavras de uma entrevistada, a escolas precisam reconhecer que os professores que trabalham em classe especial, sala de recursos ou mesmo o professor itinerante, so profissionais que integram o quadro da escola, bem como as turmas em que eles atuam. Por outro lado, as Agentes reconhecem que a insero de alunos com necessidades especiais na turma comum no deve implicar em uma descontinuidade dos servios especializados (CORREIA, 2006; RODRIGUES, 2006; GLAT & BLANCO, 2007; FONTES, 2007; GLAT, FERNANDES & PLETSCH, 2008). A fala a seguir evidencia este aspecto:Eu acho que a Educao Inclusiva um conhecimento especfico que a Educao Especial gerencia. No um ser especfico que tratado, mas um conhecimento sobre diferenas especficas que normalmente no nosso dia-a-dia a gente no enfrenta, porque eles so minoria. Ento a compreenso desse problema, a conduo desse problema tem ainda que ser gerenciado pela Educao Especial por conta de ser ainda pouco vivenciado.

Chamou ateno o relato, feito por mais de uma entrevistada, de que em muitas escolas ainda h um horrio de atividades diferenciado para os alunos com necessidades educacionais especiais. A justificativa apresentada o receio de que estes alunos sofram preconceito, se machuquem ou acontea qualquer incidente durante as atividades que envolvam um maior nmero de turmas, tais como refeies, recreio e brincadeiras no ptio, etc. Essa forma de superproteo segregativa, ilustrada na fala abaixo:Muitas vezes a gente vai na escola e verifica que aquela turma tem um horrio diferenciado de Educao Fsica, de merenda e, muitas vezes a escola faz isso no sentido de proteger (...) s vezes cria uma redoma e muitas vezes a gente leva um pensamento de que ele est aqui agora, mas depois o nibus comum, a calada comum, a praia comum, e ento a gente tem que ter usos dos espao comum trabalhado no dia-a-dia dele e trabalhado com os outros tambm, para que os outros olhem os nossos e digam somos todos iguais.

Esta e outras situaes semelhantes observadas em estudos etnogrficos sobre o cotidiano escolar (PLETSCH, 2005; ANTUNES, 2007; FONTES, 2007; FRAZO,

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2007)19 indicam que apesar dos esforos da SME para implementar uma poltica de Educao Inclusiva, as prticas segregativas de uma escolarizao paralela para esses alunos ainda so persistentes nas escolas, at mesmo em atividades no acadmicas, quando a integrao dos mesmos poderia acontecer sem necessidade de maiores adaptaes. Outro aspecto evidenciado ao longo da pesquisa foi a avaliao de alunos com necessidades educacionais especiais e seu encaminhamento para diferentes modalidades de ensino constituem as funes principais do Agente de Educao Especial. Este processo desdobra-se em duas vertentes: a avaliao inicial20 sobre o estgio de desenvolvimento do aluno e suas supostas condies de aprendizagem visando seu encaminhamento, e a avaliao do processo aprendizagem deste aluno no contexto de sala de aula. O encaminhamento trata das propostas de apoio a serem oferecidas ao aluno, em modalidades j reconhecidas pela Educao Especial, tais como sala de recursos ou professor itinerante, ou at uma programao diferenciada para efetivar a permanncia e participao do aluno na escola. A orientao da SME de que de que a avaliao inicial do aluno seja feita na prpria escola. Entretanto, em funo de dificuldades de ordem logstica, na maioria dos casos os Agentes de Educao Especial realizam essa avaliao pedaggica no DGE da CRE. Este , porm, um espao com o qual o aluno no tem familiaridade, e onde so desconsideradas suas interaes com a proposta pedaggica que est sendo realizada na sua turma. E a partir dessa avaliao descontextualizada que indicada a modalidade de ensino ou suporte especializado que supostamente atenderia s suas necessidades! Outro ponto que merece ser discutido diz respeito aos responsveis pela avaliao e aos procedimentos adotados a avaliao inicial desses alunos. Segundo Nacif (2003) e Oliveira e Glat (2007) a SME prev um escalonamento em ordem de especializao, devendo ser o estudo de caso iniciado na escola, pelo professor regente da turma onde se encontra o aluno que apresenta necessidades educacionais especiais. medida que a equipe da escola tem dvidas sobre as melhores iniciativas e propostasOs estudos de Anunes (2007) e Frazo (2007), que constituem as dissertaes de mestrado das autoras, destacaram dois especficos desta pesquisas, respectivamente, a acessibilidade fsica e o papel da gesto escolar para a implementao da poltica de Educao Inclusiva. 20 A terminologia avaliao inicial realizada por profissionais da Educao, como no caso as Agentes de Educao Especial, surgiu a partir do conceito de avaliao diagnstica, incorporado da Psicologia pela Educao Especial, que, segundo Blanco (1999, p.2), refere-se a um conjunto de aes de diversos especialistas e vistas como condio prvia para a educao de pessoas portadoras de diferenas.19

30

adequadas s especificidades para o aluno e inicia a busca por outros olhares, quando deve ser acionada a Diviso de Educao (DED) da CRE na figura do Agente de Educao Especial, bem como o IHA. Entretanto, essa proposta no tem sido operacionalmente vivel. As Agentes sinalizaram que no conseguem que tais estudos sejam, de fato, iniciados na escola; elas so sempre acionadas, perfazendo um montante excessivo de relatrios com solicitao de avaliao encaminhados s CRES pelas escolas. Por exemplo, uma determinada Coordenadoria recebeu em um ano mais de 300 solicitaes de avaliao de alunos com suspeita de deficincia mental ou condutas tpicas, com vistas a encaminhamento para classe especial. A equipe de Agentes, porm, constatou que cerca de 95% dos alunos descritos nos relatrios no configuravam casos para acompanhamento da Educao Especial.Existem muitos equvocos e a gente acaba com uma demanda muito grande de pedidos de avaliao e muitas vezes a dificuldade de aprendizagem, a falta de adaptao da criana quela metodologia, a falta de adaptao da criana aquele professor, aquele espao, aquela escola. Problemas de sade, problemas familiares, sociais que fazem com que essa criana no tenha um bom desempenho escolar e, a, tudo levado. - Ah, esse menino tem que ser avaliado pela Educao Especial porque ele no aprende, porque ele no l, porque ele no escreve. E sobrecarrega o nosso trabalho.

Partindo dos ndices acima descritos, algumas Agentes tm desenvolvido reunies com coordenadores pedaggicos e diretores de escolas para orientar os mesmos sobre a reviso dos encaminhamentos de alunos para o servio especializado. Apesar dos pressupostos da Educao Inclusiva serem incorporados, como j mostrado, no seu discurso, o processo de avaliao descrito pelas Agentes ainda segue um modelo clnico tradicional, focado nas dificuldades internas / deficincias do aluno, e no nas necessidades que ele apresenta em sua interao com a proposta educacional com a qual ele se depara na escola (GLAT & BLANCO, 2007). O distanciamento entre sua ao e a proposta que defendem tambm ficou claro pelo fato que nenhuma das 16 profissionais entrevistadas fez qualquer meno sobre indicaes de modificaes para a proposta curricular da escola, estando seu trabalho focado apenas na modalidade de suporte qual o aluno seria encaminhado. Os dados mostraram que a posio das entrevistadas frente ao laudo (diagnstico clnico), no foi unnime. Algumas Agentes consideram o diagnstico importante para a tomada de decises e desenvolvimento curricular para determinado tipo de aluno, como por exemplo, grau de perda auditiva. Outras, por sua vez,31

questionam a validade de sua utilizao, j que embora relevante, no pode ser o principal orientador para se fechar uma avaliao at porque muitos laudos mdicos apresentados nas escolas so duvidosos. Pode-se dizer que, salvo casos pontuais, de modo geral, a avaliao pedaggica de alunos com necessidades especiais e os critrios de encaminhamento para servios especializados, no esto plenamente alinhados com o paradigma da Educao Inclusiva. Em que pese as normativas e o discurso oficial, os resultados mostram a direo que, na prtica, as diferentes aes relativas ao atendimento a alunos com necessidades educacionais especiais na Rede vm se concretizando, como que ser aprofundado no Estudo II. Tambm foi visto que a avaliao processual, ou seja, a avaliao do desempenho dos alunos na escola, no se constitui uma tarefa tpica do Agente de Educao Especial. Segundo as entrevistadas, a demanda das escolas por avaliaes iniciais dos alunos absorvem totalmente a sua disponibilidade, sendo prioritrias uma vez que as providncias necessrias ao apoio desses alunos dependem da concluso obtida nessa avaliao inicial. Nesse sentido, as Agentes sugerem que o acompanhamento do desempenho desses alunos seja realizado por outros elementos da Educao Especial, como os professores itinerantes ou de salas de recursos. As contradies detectadas sobre a implementao do processo de avaliao dos alunos com necessidades especiais sugerem, portanto, que a viso clnica que sempre fundamentou esta ao na Educao Especial permanece sendo a base para a tomada de decises em relao s propostas educacionais (BEYER, 2005), apesar da intensa mobilizao para a incluso educacional desses alunos. Nesta perspectiva, os professores das turmas comuns recebem os alunos com necessidades educacionais especiais como imposio legal, mas definem para si mesmos que a proposta educativa de que necessitam tais alunos tarefa de professores especializados. Consequentemente, a demanda feita s Agentes para avaliao, sempre com a perspectiva de encaminhamento para o ensino especial. No entanto, conforme uma das entrevistas desabafou: (...) No Educao Especial, incluso que o nosso foco! Em linhas gerais, dentre os aspectos analisados, podem-se identificar duas vertentes que merecem maior aprofundamento e discusso. A primeira relaciona-se s mltiplas atribuies cotidianas das Agentes de Educao Especial, e a segunda ao nmero reduzido de profissionais alocados para essas funes, situao esta que, independente de qualquer outra considerao, no lhes permite atender enorme32

demanda das escolas. Assim, acabam priorizando os pedidos das escolas para a avaliao inicial de alunos com supostas necessidades educacionais especiais, visando seu acompanhamento para servios de suporte especializados. O processo de avaliao e encaminhamento, como discutido, feito pelo Agente de Educao Especial de forma descontextualizada do processo de escolarizao do aluno, sendo (talvez por essa razo) baseado na anlise de suas dificuldades e deficincias intrnsecas, o que, de uma certa forma, contamina o encaminhamento para a proposta educacional no ensino regular. Pelo que foi percebido, a ao das Agentes pra a; j que dificilmente as mesmas tm condies de acompanhar o processo de escolarizao do aluno (avaliao de processo), e nem de oferecer alternativas de re-estruturao da dinmica de ensino-aprendizagem oferecida a ele pela escola. Ou seja, embora haja da parte das Agentes, uma concepo positiva de defesa dos pressupostos da Educao Inclusiva, sua prtica ainda fica pautada no modelo tradicional da Educao Especial. Nesse sentido, conforme apontado por uma das Agentes, a prpria nomenclatura da funo, j denota que sua ao mais voltada para Educao Especial do que Inclusiva, apesar das atribuies formais do cargo. 3.4. Considerao finais do Estudo I Pelo exposto, pode-se verificar que a Rede Municipal de Educao do Rio de Janeiro ainda se depara com dificuldades para a efetivao da incluso de alunos com necessidades educacionais especiais no ensino regular. Embora a estrutura da Educao Especial oferea uma gama de possibilidades de suporte, existe um distanciamento entre a formulao e orientao dessa poltica a nvel central e a sua implementao descentralizada nas CREs, e nas mais de mil escolas municipais, em nvel local. No entanto, preciso reconhecer que, apesar dos entraves enfrentados, as polticas educacionais da SME tm permitido um atendimento mais inclusivo deste alunado. O projeto poltico pedaggico da SME/RJ efetivamente direcionado para uma proposta de Educao Inclusiva: os alunos com deficincias ou outras necessidades especiais tm matrcula assegurada em qualquer escola e o IHA acompanha e orienta diferentes modalidades de suporte para os que se escolarizam na classe regular. Tanto as representantes da equipe do IHA nvel Central da SME, quanto as Agentes de Educao Especial das CREs, reconhecem que a poltica direcionada para que a Educao Especial no se constitua como um sistema educacional paralelo, nem apenas como servio especializado. Tampouco considerada a nica instncia33

responsvel por promover a incluso das pessoas com necessidades especiais no sistema regular e ensino. Porm, ficou claro, sobretudo nos depoimentos dessas ltimas que, na prtica, o aluno com necessidades especiais continua sendo considerado responsabilidade da Educao Especial. Nesta direo, a equipe de Educao Especial do IHA tem clareza de que a viabilizao da Educao Inclusiva no se resume a um sistema bem organizado e eficaz de suportes especializados. Ao contrrio, essa estrutura pouco pode acrescentar ao cotidiano escolar sem uma reviso e transformao das prticas educacionais tradicionais, que, como apontado pelas coordenadoras, resultar na melhoria da qualidade de ensino para todos os alunos. Tomando como referncias o mapeamento traado ao longo do Estudo I, foram selecionadas duas escolas-alvo para o desenvolvimento do Estudo II, da investigao etnogrfica, que ser apresentada a seguir.

34

ESTUDO II - ESTUDO ETNOGRFICO SOBRE A INCLUSO DE ALUNOS COM NECESSIDADES ESPECIAIS EM DUAS ESCOLAS DA REDE PBLICA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO

4

Parte

O segundo estudo que compe a presente pesquisa (realizado entre maio de 2006 a janeiro de 2008) acompanhou o cotidiano de duas escolas pblicas da Rede Municipal de Educao do Rio de Janeiro, considerando as variveis j discriminadas anteriormente, a saber: gesto escolar, acessibilidade, recursos e materiais pedaggicos especficos; flexibilidade curricular; prticas de ensino e procedimentos de avaliao. Pretendeu-se com este estudo, analisar as condies efetivas sob as quais ocorria o processo de incluso no contexto das referidas escolas, bem como identificar aspectoschaves que pudessem fundamentar a elaborao de estratgias de interveno a serem desenvolvidas junto com a equipe escolar (professores, coordenador pedaggico, diretores) na fase final da investigao (Estudo III). 4.1. O uso da etnografia em pesquisas sobre Educao Inclusiva A escolha pela etnografia para a presente pesquisa justifica-se por esta metodologia melhor possibilitar a compreenso das aes e relaes estabelecidas entre os diversos sujeitos participantes do cotidiano escolar e os significados de suas aes. Tal mtodo comporta o uso de tcnicas diferenciadas, como observao participante, entrevistas, anlise documental, entre outras. O contato direto do pesquisador com a situao investigada caracterstica primordial da pesquisa etnogrfica -- lhe permite uma prtica descritiva densa e interpretativa das relaes e processos configuradores da experincia cotidiana dos agentes envolvidos no contexto investigado (GEERTZ, 1989; ALVES, 2003; PLETSCH & GLAT, 2007). Por outro lado, conforme adverte Andr (1995), o pesquisador deve estar ciente de que a construo do objeto de pesquisa nunca um processo objetivo. Para que sua capacidade de anlise no seja ofuscada por suas experincias prvias e representaes subjetivas deve manter permanente crtica de seus prprios pressupostos, tendo flexibilidade e sensibilidade para detectar o que seu e o que do outro.35

A pesquisa etnogrfica no segue padres rgidos ou pr-determinados, modificando-se no decorrer do trabalho de campo, de acordo com a percepo do pesquisador. Novos questionamentos e temticas podem aparecer e ser includas, a partir das observaes desenvolvidas in loco, como ocorreu, por exemplo, no caso do Agente de Educao Especial que surgiu como elemento de investigao no Estudo I, aps entrada no campo. Esta abertura, por sua vez, proporciona condies para uma prtica de pesquisa mais reflexiva, entendida aqui como o modificar do caminho e criao de um movimento prprio aos dados e como eles refletem as nossas questes (MATTOS, 2001, p. 56). a partir desses pressupostos que se pode compreender a aplicabilidade do mtodo etnogrfico na pesquisa educacional. Os atos de aprender e ensinar esto diretamente relacionados com o local, o momento histrico e a cultura em que o sujeito est inserido. Por isso, as pesquisas envolvendo Educao so complexas, no podendo ser submetidas ou reduzidas a formas simplificadas de anlise (TRIVIOS, 1987; ANDR, 1995; 1997; 2005). Embora, certamente no haja enfoque metodolgico ou modelo terico que d conta, por si s, de desvendar ou explicar a Educao na sua totalidade, em pesquisas sobre o cotidiano escolar, como lembra Mattos (2001), importante se levar em considerao a subjetividade e as singularidade individual dos participantes de maneira relacional, isto , a partir da sua interao com uma coletividade, uma cultura, um dado contexto social. Sob esta perspectiva, a etnografia um instrumento de grande aplicabilidade para a realizao de estudos focados em grupos socialmente excludos ou estigmatizados, e vem contribuindo de maneira significativa para a validao cientifica de prticas e estratgias que resultam na desmitificao de preconceitos em relao a sujeitos marginalizados, como o caso de pessoas com necessidades educacionais especiais (SANTOS, 1998; MELO, 2003; PLETSCH, 2005; FONTES, 2007). E, ao proporcionar uma compreenso mais refinada da realidade local em relao ao contexto mais abrangente, permite apontar caminhos para possveis intervenes. 4.2. O campo de pesquisa 4.2.1 Participantes O foco principal da anlise foram os alunos com necessidades educacionais especiais includos em turmas comuns e seus professores (sujeitos primrios do estudo). Foram considerados tambm participantes do estudo professores da sala de recursos36

(elementos da Educao Especial), coordenadores pedaggicos, diretores, e os demais alunos (sujeitos secundrios). Os quadros a seguir apresentam informaes gerais sobre os participantes primrios da pesquisa: alunos com necessidades educacionais especiais e seus respectivos professores. Quadro n 3: Caracterizao alunos com necessidades especiais (sujeitos primrios)21 Identificao Idade Turma Apoio Escola Descrio dos alunos* especial Aluna Mariana Educao InfantilAluna com Sndrome de Down. No primeiro semestre, segundo registro da professora, a aluna no participou das atividades, nem mesmo com o auxilio do colega. Na maioria das vezes dormia durante em sala de aula. No segundo semestre a aluna passou a interessar-se um pouco mais, observando a leitura das histrias. Conseguindo recontar histrias, mas no conseguia fazer uma relao entre o nmero e a quantidade. Diagnosticado como autista. No apresentava dificuldades em relao escrita e a leitura, nem mesmo nas quatro operaes matemticas. Todas as suas dificuldades estavam diretamente ligadas ao seu comportamento agitado e algumas vezes agressivo. Era diagnosticado como portador de deficincia mental. No era alfabetizado. Apresentava timo relacionamento com professores e colegas. Era diagnosticada como tendo uma deficincia mental. Acompanhava o grupo com pequenas dificuldades na lgica matemtica. Possui deficincia auditiva. Apesar de ser oralizado apresentava dificuldades para se comunicar, na compreenso de histrias e de dilogos. Apresentava tambm

8

Sala de Recursos

A

12 Aluno Jos Classe de Progresso**

M

A

10 Aluno Maciel

Classe de Progresso

M

A

13 Aluna Andra Aluno Marcos

3 srie (atual 1 ano do segundo ciclo). 2 Ano do Primeiro ciclo (1 srie).

Sala de Recursos

A

Sala de Recursos

A

21

Todos os nomes que aparecem no texto so fictcios para preservar a identidade dos sujeitos.

37

9

dificuldades na sequenciao numrica e nas adies e substraes simples. Freqentava em 2006 a sala de recursos duas vezes por semana; onde estava aprendendo LIBRAS apesar da resistncia dos pais, que tem medo que o filho pare de usar a linguagem oral.

Aluno Joo

12

Classe de Progresso.

Sala de Recursos

No possui um diagnstico. Apresenta dificuldades na oralizao, construo de frases com lgica, ateno e concentrao.

Aluna Sabrina

10

1 ano do Primeiro Ciclo

Sala de Recursos

B

Aluna com diferentes dificuldades, principalmente pela sua sade frgil; o que faz que fique longos tempos internada em hospitais e perca contedos escolares. Apresenta deficincia fsica. . No possui um diagnstico, mas era considerado um aluno com dificuldades de aprendizagem graves. Apresentava tambm dificuldades para estabelecer relaes com os colegas. Mostrava-se agressivo e com dificuldades de concentrao para realizar as tarefas. No entanto, conseguia contar e representar por meio de desenhos pequenas histrias. Possui paralisia cerebral. Apresentava dificuldades motoras para a escrita e, muitas vezes, no pensamento abstrato. Necessitava de um tempo maior para realizar as tarefas solicitadas no ambiente de sala de aula. Possui deficincia fsica. Apresentava dificuldades para identificar e interpretar diferentes tipos de textos, bem como para efetuar operaes matemticas. Era agitado e disperso no contexto de sala de aula. Matriculada no 1 ano do primeiro ciclo. No final de 2006 foi encaminhada de volta para classe especial para o ano letivo de 2007. Possui o diagnstico de deficincia mental. Apresentava

11 Aluna Andr

Classe de Progresso

Sala de Recursos

B

Aluno Francisco

14

3 srie (atual 1 ano do segundo ciclo).

Sala de Recursos

B

Aluno Adriano

12

3 srie (atual 1 ano do segundo ciclo).

Sala de Recursos

B

Aluna Luciana

9

1 ano do primeiro ciclo.

Sala de Recursos e38

B

Classe especial a partir de 2007

dificuldades na linguagem falada e escrita, em concentrao e raciocnio abstrato e lgico matemtica.

* Todas as informaes foram extradas das fichas pessoais e de avaliao de cada criana, disponibilizadas pelas professoras de turma e pelas professoras de Educao Especial responsveis pelas salas de recursos. ** A Classe de Progresso composta por alunos que no conseguiram alfabetizar-se durante os trs anos do 1 Ciclo. Em 2007 esta classe foi extinta.

Quadro n 4: Caracterizao dos participantes primrios (professores) Professores Ana Clara Atuao Formao inicial22 Formao continuada Tempo no Magistrio 23 anos 10 anos 20 anos 8 anos

3 srie (atual Portugus e Msica 1 ano do segundo ciclo) Classe de alfabetizao 1 ano do primeiro ciclo Classe de Progresso Classe de Progresso 1 ano do primeiro ciclo 3 srie (atual 1 ano do segundo ciclo) 3 srie (atual 1 ano do segundo ciclo) 3 srie (atual 1 ano do segundo ciclo) Pedagogia PedagogiaTecnlogo em Processamento de Dados

Ana Maria Ana Cristina Ana Helena

Ana Beatriz Ana Luiza Ana

Histria (incompleto) Qumica Lngua Portuguesa

22 anos 30 anos 30 anos

No tem nvel superior No tem nvel superior 14 anos

Maria Cristina Maria Eduarda

23 anos

Todas as professoras, assim como diretoras, coordenadoras pedaggicas e adjuntas, tinham formao inicial em nvel mdio (Curso de Formao de Professores, antigo Normal), pr-requisito para ingresso no magistrio na Rede Municipal de Educao do Rio de Janeiro.

22

39

4.2.2 Escolas-alvo Para a realizao deste estudo foram selecionadas duas escolas pblicas municipais (Escola A e Escola B) localizadas em diferentes bairros da Zona Oeste do Municpio do Rio de Janeiro. Optou-se por apenas duas escolas, em funo da metodologia etnogrfica, que preconiza observao contnua, o que no seria vivel em um universo mais amplo. O critrio bsico de escolha das escolas era que tivessem alunos com necessidades educacionais em turmas comuns do ensino regular no primeiro ciclo do Ensino Fundamental, alm de interesse em participar do estudo. Tendo em conta a amplitude da Rede e a significativa diferenciao scioeconmica e cultural dentro do Municpio do Rio de Janeiro, outro critrio de seleo era que as escolas estivessem situadas bairros com diferentes nveis de IDH (ndice de Desenvolvimento Humano)23, pertencendo, porm, mesma Coordenadoria Regional de Educao. Ambas as escolas foram recomendadas pelo Instituto Helena Antipoff, poratenderem aos critrios determinados. Com base nessa indicao, foram realizadas

reunies na CRE e posteriormente nas prprias escolas que aceitaram participar da investigao, para que os objetivos e procedimentos da pesquisa fossem esclarecidos. A seguir ser feita uma breve caracterizao de cada escola. O prdio da Escola A possui dois pavimentos, no tm rampa, nem elevador. No trreo fica a secretaria, a sala de professores, a sala da Coordenao e da Direo que se dividem em dois ambientes, cozinha, refeitrio, a sala de recursos (onde tambm funcionam as aulas de apoio como veremos na anlise dos dados), as salas das classes especiais, a sala de artes, o auditrio, trs salas de aula de turmas comuns e uma sala onde ficam guardados os materiais pedaggicos e os livros didticos. Neste primeiro pavimento ficam os banheiros femininos e masculinos para professores e para alunos, nenhum dos quais adaptado para uso de pessoas com deficincia, apesar da existncia de classes especiais. No outro pavimento, ficam o restante das salas de aula, o laboratrio de informtica e a biblioteca, ambos muito bem equipados. Os alunos especiais includos no ensino regular freqentam salas comuns tanto do primeiro, quanto do segundo pavimento. Em 2006 a Escola Adaptou um dos banheiros para uso dos alunos com deficincia fsica.

O ndice de desenvolvimento humano de uma das escolas era de (IDH=0,650), e da outra escola era de (IDH = 0,959).23

40

A Escola B possui trs pavimentos, interligados por uma rampa. No primeiro pavimento ficam o refeitrio, a cozinha, um banheiro feminino e outr