8/4/2019 Educao ou comunicao persuasiva na conservao?

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Educao ou comunicao persuasiva na conservao?

Silvio Marchini

11 de Agosto de 2011

Quando as autoridades ambientais americanas decidiram reintroduzir o

furo (Mustela nigripes) nas pradarias do estado de Montana como parte de

um plano para salvar a espcie da extino, elas sabiam que enfrentariam

resistncia por parte dos pecuaristas locais. O furo depende

obrigatoriamente do co-da-pradaria (roedor do gnero Cynomys) para

sobreviver, alimentando-se dele e usando suas galerias subterrneas como

refgio. Acontece que o co-da-pradaria considerado uma praga pelos pecuaristas devido aos estragos que

causa s pastagens. A reintroduo do furo implicava na convivncia forada entre pecuaristas e o indesejvel

roedor. Cientes da importncia do apoio popular para o sucesso do programa de reintroduo do furo, as

autoridades conduziram uma campanha de informao que visava aumentar o conhecimento dos pecuaristas

sobre a biologia e ecologia da espcie. Partiram da premissa de que conhecimento e atitude andam de mos

dadas: quanto mais os fazendeiros soubessem a respeito do furo, mais positivas seriam suas atitudes em

relao ao animal e, consequentemente, sua reintroduo. Ao final da campanha de informao, as

...a conservao

possui uma tica

particular,

sintetizada por Aldo

Leopold em A tica

da Terra (no clssico

A Sand County

Almanac) como

'uma coisa est

certa quando tende

a preservar a

integridade, aestabilidade e a

beleza da

comunidade bitica;

est errada quando

tem a tendncia

inversa'..."

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autoridades constataram que as atitudes dos fazendeiros em relao reintroduo do furo haviam de fato

mudado, porm na direo contrria ao esperado: os fazendeiros tinham se tornado ainda mais resistentes

reintroduo do furo em suas propriedades!

Sentimentos negativos

Esses resultados tm implicaes importantes para os conservacionistas engajados em obter o apoio da

populao s suas aes: compartilhar informaes e fatos com o pblico no resulta necessariamente em

atitudes mais positivas, pois conhecimento apenas um entre os vrios fatores que determinam as atitudes. O

conhecimento adquirido pelos fazendeiros de Montana parece ter sido filtrado da maneira que lhes convinha e

usado para racionalizar, justificar e reforar seus sentimentos negativos j existentes ao invs de servir para

formar uma opinio mais positiva sobre o furo. Resultados parecidos foram registrados em campanhas para a

conservao de outras espcies pelas quais as pessoas diretamente envolvidas tm sentimentos fortes e

arraigados de raiva e medo, como lobos e ursos.

Aumentar o conhecimento e melhorar as atitudes em relao vida silvestre esto entre os objetivos da

educao ambiental. A exemplo da educao em seu sentido mais amplo, a educao ambiental est

comprometida com os fatos e busca a imparcialidade, mostrando todos os lados da verdade. Como a verdade

que nossa existncia depende de animais, plantas e ecossistemas, razovel esperar que cidados bem

informados vo agir de forma ambientalmente responsvel. A ecologia ensina noes de interdependncia e a

concluso lgica de tais lies a seguinte: o que bom para o homem bom para as demais espcies e vice-

versa. Acontece que nem sempre agimos de forma lgica e racional e, para tornar a vida dos educadores

ambientais ainda mais difcil, nem sempre o que melhor para o homem bom para todas as espcies. No

exemplo de Montana, o melhor para os fazendeiros era continuar sem os fures. Embora legtimo em seu

cuidado de ensinar como pensar e no o que pensar, o educador conservacionista que se limita a aumentar o

conhecimento de seu pblico a fim de empoder-lo (com o perdo do desagradvel neologismo) corre o risco

de v-lo tomar decises que no so compatveis com os objetivos da conservao.

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Co-da-pradaria, o sujeito que encrencou o furo com os fazendeiros. Crdito: David Burton

Se de um lado a educao visa promover, a longo prazo, uma tica de conservao que se traduza em um

modo de vida ambientalmente responsvel, de outro a comunicao para a conservao tem como objetivomodificar, a curto prazo, comportamentos especficos, fazendo uso dos mtodos da comunicao, incluindo as

tcnicas comprovadamente efetivas de marketing. Conhecimentos e atitudes, por si s, no fazem bem ou mal

ao meio ambiente. Comportamentos humanos, estes sim, tm causado os grandes estragos ao meio ambiente,

embora tambm pese sobre eles boa parte da esperana de soluo para os problemas ambientais. Exemplos

de intervenes de comunicao para a conservao que visam modificar comportamentos especficos (isto ,

promover comportamentos compatveis e desestimular comportamentos incompatveis com conservao) vo

desde um simples sinal de trnsito ao lado da rodovia indicando a travessia que animais silvestres, o que faz

com que os motoristas reduzam a velocidade e redobrem a ateno e, desse modo, evitem atropelamentos, at

campanhas com apelos emocionais e sociais utilizando diferentes mdias para criar ou reforar a percepo de

que determinado comportamento, comprar animais silvestres, por exemplo, reprovvel dos pontos de vista

moral e social.

Como Comunicar

Por ter um foco mais estreito, a comunicao mais efetiva que a educao em mudar comportamentos

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especficos. Uma prova disso o padro de consumo dos jovens: so principalmente os profissionais de

marketing (os grandes especialistas em mudana de comportamento) que, por meio da propaganda, definem

de forma especfica o que e quanto os jovens vo comprar, apesar das repetidas lies dos educadores

ambientais sobre como o consumo de forma geral ameaa o meio ambiente. Por outro lado, o simples termo

modificar comportamento pode causar desconforto em alguns crculos. O uso de mtodos persuasivos e a

comunicao parcial dos fatos, tipicamente usado em propaganda para influenciar comportamentos, pode ser

interpretado como doutrinamento ou, no mnimo, como uma indesejvel imposio de valores. Isso suscita

questionamentos acerca da legitimidade dessa abordagem, especialmente entre os educadores acostumados a

pensar na pedagogia como ferramenta de libertao e de autonomia.

tica

A conservao da biodiversidade, no entanto, uma disciplina que tem seus valores prprios. Enquanto a

ecologia se alinha com a noo tradicional de que cincia neutra e trata estritamente de desvendar a verdade

por trs do mundo natural sem fazer juzo de valor, a conservao, por outro lado, nasceu em resposta a um

problema a perda de biodiversidade e tem como misso resolv-lo. Enquanto em ecologia no existe o bem

e o mal, nem melhor e pior, a conservao possui uma tica particular, sintetizada por Aldo Leopold em A tica

da Terra (no clssico A Sand County Almanac) como uma coisa est certa quando tende a preservar a

integridade, a estabilidade e a beleza da comunidade bitica; est errada quando tem a tendncia inversa.

Errado em conservao o comportamento humano que ameaa a biodiversidade. Portanto, o papel do

educador e comunicador conservacionista , por definio, usar a educao e a comunicao para mudar o

comportamento humano em benefcio da biodiversidade.

Claro que, como cidado, o educador e comunicador conservacionista deve evitar o conflito entre os interesses

da conservao e os dos segmentos sociais afetados. A participao pblica no processo de tomada de

decises umas das abordagens geralmente associadas educao e comunicao como uma maneira de

fortalecer a legitimidade e aumentar a efetividade da conservao. Antes de mais nada, porm, o educador e

comunicador conservacionista deve entender o seu pblico. Mais especificamente, ele deve conhecer os

diferentes fatores que determinam os comportamentos de relevncia para a conservao. Exemplos de tais

fatores so as necessidades e expectativas, os valores, sentimentos, conhecimentos, crenas, atitudes e

normas sociais. A fim de pesquisar, entender, prever e melhor influenciar comportamentos, o educador e

comunicador conservacionista deve lanar mo das teorias e mtodos das cincias sociais, em particular do

emergente campo da Psicologia da Conservao. Tema para uma prxima coluna.