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EDUCAO PROFISSIONAL E TRABALHO PARA PESSOAS COM DEFICINCIAS INTELECTUAL E MLTIPLAPLANO ORIENTADOR PARA GESTORES E PROFISSIONAIS

Braslia 2007

EDUCAO PROFISSIONAL E TRABALHO PARA PESSOAS COM DEFICINCIAS INTELECTUAL E MLTIPLA PLANO ORIENTADOR PARA GESTORES E PROFISSIONAIS

Coordenadora Maria Helena Alcntara de Oliveira Revisor Romeu Kazumi Sassaki Autores do Livro Maria Helena Alcntara de Oliveira Erenice Natlia Soares de Carvalho Luciana Mouro Maria Aparecida Gugel Romeu Kazumi Sassaki Colaboradores do Livro lio Oliveira de Farias Marli Helena Duarte Silva Rossana Pavanelli Pieratti Magalhes Thelma Suely Matosinhos Lwen Consultores do ProEsQ FENAPAEs/MTE 2005 Luciana Mouro Erenice Natlia Soares de Carvalho Rossana Pavanelli Pieratti Magalhes lio Oliveira de Farias

DIRETORIA EXECUTIVA Presidente: Eduardo Barbosa Vice Presidente: Jos Diniewicz 1 Diretora Secretria: Alba Rosa Malheiros Lopes 2 Diretora Secretria: Solange Maria Cardoso de Brito 1 Diretora Financeira: Maria Helena Alcntara 2 Diretor Financeiro: Marco Aurlio Ubiali Diretora Social: Elcira Bernardi Diretora de Assuntos Internacionais: Maria Amlia Vampr Xavier

AUTODEFENSORIA NACIONAL Andr Veiga Lima Bastos Franciene Diogo Oliveira CONSELHO DE ADMINISTRAO Presidente da Federao das Apaes do Estado do Amazonas Maria do Perptuo Socorro Castro Gil Presidente da Federao das Apaes do Estado da Bahia Francisco Pereira dos Santos Presidente da Federao das Apaes do Estado do Cear Pauline Carol Habib Moura Presidente da Federao das Apaes do Distrito Federal Diva da Silva Marinho Presidente da Federao das Apaes do Estado do Esprito Santo Rodolpho Dalla Bernardina Presidente da Federao das Apaes do Estado do Gois Albanir Pereira Santana Presidente da Federao das Apaes do Estado do Maranho Conceio de Maria Correia Vigas Presidente da Federao das Apaes do Estado de Minas Gerais Luiza Pinto Coelho Presidente da Federao das Apaes do Estado do Mato Grosso do Sul Harley Ferreira Silvrio Presidente da Federao das Apaes do Estado do Mato Grosso Marlene Franco Bonadiman Presidente da Federao das Apaes do Estado do Par Emanoel O de Almeida Filho

Presidente da Federao das Apaes do Estado da Paraba Ivaldo Arajo Presidente da Federao das Apaes do Estado do Pernambuco Marta Callou Barros Coutinho Presidente da Federao das Apaes do Estado do Piau Themstocles Gomes Pereira Presidente da Federao das Apaes do Estado do Paran Jos Turozi Presidente da Federao das Apaes do Estado do Rio de Janeiro Tnia Maria Lessa de Athayde Sampaio Presidente da Federao das Apaes do Estado do Rio Grande do Norte Maria Iaci Pereira de Arajo Presidente da Federao das Apaes do Estado de Rondnia Ilda da Conceio Salvtico Presidente da Federao das Apaes do Estado do Rio Grande do Sul Aracy Maria da Silva Ldo Presidente da Federao das Apaes do Estado de Santa Catarina Rosane Teresinha Jahnke Vailatti Presidente da Federao das Apaes do Estado de So Paulo Antnio Candido Naves Presidente da Federao das Apaes do Estado do Sergipe Ilenoi Costa Silva Presidente da Federao das Apaes do Estado de Tocantins Raimundo Dias dos Santos Filho CONSELHO FISCAL Titulares: Unrio Bernardi (RS) Jairo dos Passos Cascais (SC) Raimundo Nonato Martins (PI) Suplentes: Expedito Alves de Melo (MA) Dotiva Gonalves (GO) Nilson Ferreira (MA)

Conselho Consultivo Antnio Santos Clemente Filho Antnio Simo dos Santos Figueira (In memorian) Jos Cndido Maes Borba (In memorian) Justino Alves Pereira Elpdio Arajo Neris Nelson de Carvalho Seixas Flvio Jos Arns Luiz Alberto Silva Equipe Tcnica da Federao Nacional das Apaes Secretrio Executivo: SRGIO SAMPAIO BEZERRA Coordenao Geral de Monitoramento: MARINA MOREIRA Coordenao Geral de Articulao e Promoo de Polticas: CLLIA PARREIRA Coordenao de Autodefensores: ADINILSON MARINS DOS SANTOS Coordenao de Apoio a Famlia: JLIA BUCHER Coordenadora de Educao e Ao Pedaggica: FABIANA MARIA DAS GRACAS OLIVEIRA Gerente de Projeto de Educao Prossional: MARIA HELENA ALCNTARA DE OLIVEIRA Gerente de Projeto de Educao Artstica: FRANCISCO MARCOS Gerente de Projeto de Educao Fsica: Eder Queiroz Coordenao de Logstica: ANA BEATRIZ MAIA Coordenao Financeira: VALRIA CRISTINA PALHARES Coordenao de Tecnologia da Informao: CRISTIANO OCTACLIO PINHEIRO Coordenao de Marketing: KARINA LOBO Assessoria de Acompanhamento de Projetos e Convnios: MARILENE PEDROSA Assessoria de Relacionamento com o Usurio: LEIDIANA PEREIRA Procuradoria Jurdica: SANDRA MARINHO COSTA Assessoria Jurdica Consultiva: ALESSANDRA DE OLIVEIRA COORDENADORES ESTADUAIS QUE VALIDARAM O LIVRO Iria de Ftima Garcia (RO) Denize Lima (RJ) Doracy Gomes Nonato (MT) Jussara Muller de Assis (RS) Karla Adriana F. Beckman (BA) Kobe Odaguiri Enes (DF) Luciana Nunes Vaccari Avi (SP) Maria Aparecida Lemes Reis (MS) Maria Aurioneida Carvalho Fernandes (PI) Maria Eunice Gil de Carvalho (AM) Maria Geonete Carvalho de Brito (TO) Maria Iacilda de L. Freitas (PA) Maria Luiza Dadalto (ES) Maria Nilza Eckel (SC) Marlene Santana (GO) Marli Helena Duarte Silva (MG) Neuza Soares de S (PR) Paula Dias Sampaio (CE) Pauliana Melo Batista Figueiredo (MA) Tatianna Maria Medeiros Wanderley (PB) Willinam F. de Lima (RN)

SUMRIOAPRESENTAO. ..............................................................................................9 PREFCIO ......................................................................................................11 INTRODUO .................................................................................................13

CAPTULO 1 -DEFICINCIAS INTELECTUAL E MLTIPLA ..................................15 1.1 - CONCEITOS DE DEFICINCIA INTELECTUAL ..................................................15 1.2 - CONCEPO FUNCIONAL E MULTIDIMENSIONAL DA AAIDD .............................16 1.3 - DEFICINCIA MLTIPLA: AS DIVERSAS ASSOCIAES DE DEFICINCIAS. ........22

CAPTULO 2 - FUNDAMENTOS DA EDUCAO PROFISSIONAL E DO TRABALHO DA PESSOA COM DEFICINCIA .......................................................................27 2.1 - BASES HISTRICAS ..................................................................................27 2.2 BASES TERICAS .....................................................................................33 2.3 BASES LEGAIS .........................................................................................42

CAPTULO 3 - PESQUISA EMPRICA: EVIDNCIAS QUE ORIENTAM AS AES DE GESTO E CAPACITAO PROFISSIONAL PARA PESSOAS COM DEFICINCIAS INTELECTUAL E MLTIPLA .............................................................................67 3.1 - O PROJETO DO ESTUDO E PESQUISA DE LEVANTAMENTO E AVALIAO DA DEMANDA DE TRABALHO, EMPREGO E RENDA .....................................................................68 3.2 - RESULTADOS IMPORTANTES DA PESQUISA DE LEVANTAMENTO E AVALIAO DA DEMANDA DE TRABALHO, EMPREGO E RENDA .....................................................76 3.3 AES NORTEADORAS BASEADAS NOS RESULTADOS DA PESQUISA EMPRICA ....96

CAPTULO 4 - EDUCAO PROFISSIONAL E TRABALHO NO MOVIMENTO APAEANO .......................................................................................................99 4.1 - ASPECTOS HISTRICOS ............................................................................99 4.2 PERSPECTIVAS E NFASES .......................................................................102 4.3 - PRINCPIOS ............................................................................................103 4.4 - DIRETRIZES ...........................................................................................104 4.5 - ESTRATGIAS .........................................................................................104 4.6 - PAPEL DAS INSTITUIES ........................................................................105

CAPTULO 5 - SISTEMTICA DA EDUCAO PROFISSIONAL E TRABALHO .....107 5.1. AS ETAPAS DO PROGRAMA DE EDUCAO PROFISSIONAL E TRABALHO ...........107

5.2 - ATIVIDADES COMPLEMENTARES ................................................................121 5.3 - MERCADOS INFORMAL E FORMAL, TRADICIONAL E APOIADO, COMO MEIOS DE INSERO DE PESSOAS COM DEFICINCIAS INTELECTUAL E MLTIPLA NO MUNDO DO TRABALHO .....................................................................................................123 UMA PROPOSTA DE GESTO PARA A EDUCAO PROFISSIONAL ............................125

CAPTULO 6 - DUCAO DE JOVENS E ADULTOS - EJA ..................................133 6.1 - PRESSUPOSTOS DA EJA ...........................................................................134 6.2 - UMA EXPERINCIA APAEANA ....................................................................136 6.3 - ADEQUAO CURRICULAR ........................................................................136

CAPTULO 7 - ROJETOS ESPECIAIS ...............................................................141 7.1 - OFICINAS PROTEGIDAS TERAPUTICAS .....................................................141 7.2 - CURRCULO FUNCIONAL NATURAL .............................................................142 7.3 - CENTRO DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL E QUALIDADE DE VIDA ...................145

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ..................................................................161 ANEXOS .......................................................................................................167 SIGLAS ........................................................................................................184 ABREVIATURAS ............................................................................................184 SOBRE OS AUTORES DO LIVRO .....................................................................185

APRESENTAO com grande satisfao que a Federao Nacional das APAEs FENAPAEs, em parceria com o Ministrio do Trabalho e Emprego -MTE, por meio dos Projetos Especiais de Qualicao ProEsQs, entrega o livro Educao Prossional e Trabalho para Pessoas com Decincias Intelectual e Mltipla : Plano Orientador Para Gestores E Prossionais. A publicao foi resultado de uma pesquisa nacional sobre a demanda de postos de trabalho para pessoas com decincias intelectual e mltipla, realizada em empresas de 1.146 municpios brasileiros nos 23 Estados que possuem Associao de Pais e Amigos dos Excepcionais APAE. Planejadores e executores de polticas pblicas e os gestores de Educao Prossional e Trabalho, de dentro e fora do Movimento Apaeano, tm nesta publicao subsdios sucientes para ampliar, na prtica do seu trabalho, os bons resultados quanto a insero de pessoas com decincias intelectual e mltipla no mundo do trabalho. Com base nos resultados da pesquisa, procuramos traar um plano orientador que dever facilitar a organizao e/ou o aperfeioamento de metodologias de iniciao, qualicao e colocao prossional para educandos com decincias intelectual e mltipla. Evidentemente, no desconsideramos os aspectos histricos, tericos e legais relacionados s pessoas com decincia e ao prprio Movimento Apaeano, igualmente relevantes na formulao de qualquer atendimento que venhamos a adotar. Alm de uma referncia para gestores e prossionais, esta publicao resultado do empenho e trabalho de dezenas de coordenadores e colaboradores nacionais, regionais e locais do Movimento Apaeano que se despiram de qualquer receio e aceitaram o desao de investigar, nos mais diferentes pontos do Brasil, todas as possibilidades de colocao de pessoas com decincia intelectual e mltipla no mundo do trabalho. Assim como a FENAPAEs, todos esses prossionais e amigos compreendem que qualquer cidado, para se sentir inserido na sociedade, seja ele considerado deciente ou no, tem a necessidade de conquistar sua prpria independncia por meio do trabalho. Por acreditar nas potencialidades das pessoas com decincias intelectual e mltipla e por contradizer qualquer terminologia, focando nossa ateno na ecincia desses cidados, que acreditamos na importncia desse plano orientador. Na expectativa de contribuirmos com o respeito s diferenas sociais e com uma revoluo no processo de educao prossional e trabalho no Brasil, agradecemos a todos aqueles que idealizaram, executaram e/ou validaram nossa pesquisa e esse plano orientador, alm do Ministrio do Trabalho e Emprego que aceitou nanciar o projeto aps reconhecer a relevncia social de nossa proposta.

Abrao fraterno! Eduardo Barbosa Presidente da FENAPAEs

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PREFCIOEstamos sob a inspirao dos paradigmas da incluso, da igualdade de oportunidades e dos Direitos Humanos. As pessoas com decincia, alm de disporem desde 1999 da Conveno da OEA sobre a Eliminao de Todas as Formas de Discriminao, passam a contar, desde 13 de dezembro de 2006, com a Conveno Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Decincia, adotada pela Assemblia Geral das Naes Unidas. Ademais, de 2006 a 2016, a agenda poltica tratar da Dcada das Amricas das Pessoas com Decincia, com o lema: Igualdade, Dignidade e Participao. Ao nos debruarmos sobre este trabalho elaborado pela FENAPAEs, passamos da teoria prtica, da proposta ao e nos aproximamos do centro da questo: a dignidade e a felicidade das pessoas com decincia construdas no acesso e permanncia no trabalho. Assim, o livro Educao Prossional e Trabalho para Pessoas com Decincias Intelectual e Mltipla: Plano Orientador para Gestores e Prossionais corajoso e atual. Chega em precisa hora, momento no qual a primeira Conveno de Direitos Humanos do sculo 21 nos apresenta a nomenclatura pessoas com decincia intelectual, rearma a capacidade legal dessas pessoas, afastando prticas equivocadas do cerceamento, do gozo e do exerccio dos direitos, e estabelece os alicerces da dignidade e da participao na educao escolar e prossional com os apoios necessrios e a insero no mundo do trabalho de acordo com o potencial de cada pessoa, dentro da diversidade que nos caracteriza e nos humaniza. Ousar a proposta. Ousar com competncia o modelo a ser perseguido. As experincias expostas nesta publicao reforam as possibilidades de tantos mais projetos e atividades a serem iniciadas, com segurana para os gestores e os prossionais envolvidos com a incluso de dois grupos desaadores e importantes, educandos e capacitandos com decincia intelectual e os que apresentam decincia mltipla. No Brasil, para acelerar o processo de colocao dessas pessoas no ambiente do trabalho, do emprego e da renda, a legislao do aprendiz foi alterada de modo a avaliar as pessoas com decincia sem limite superior de idade e, no mais, por meio da certicao tradicional, a qual foi substituda pela avaliao das competncias e habilidades especcas para as tarefas de cada atividade de trabalho a ser desenvolvida. A Coordenadoria Nacional para Integrao da Pessoa Portadora de Decincia CORDE, em sua funo de promover e defender os direitos deste segmento social, recomenda a leitura atenta de cada um dos captulos desta obra e congratula-se com a FENAPAEs por mais uma iniciativa de grande valor para alcanarmos um futuro com justia e igualdade de participao para todos.

Izabel de Loureiro Maior Coordenadora Geral da CORDE/SEDH-BR

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INTRODUOPassados nove anos da publicao do livro Educao Prossional e Colocao no Trabalho: Uma Nova Proposta de Trabalho junto Pessoa Portadora de Decincia (Batista, 1997) e devido aos avanos que ocorreram no Brasil, neste perodo, em assuntos relacionados a pessoas com decincia e ao mundo do trabalho em geral, tornou-se imprescindvel a sua atualizao. Porm, os emergentes conceitos e prticas que seriam inseridos na atualizao daquele livro so tantos, que o desao passou a ser outro: escrever um livro novo. Concluda a redao, chega ao pblico-alvo este EDUCAO PROFISSIONAL E TRABALHO PARA PESSOAS COM DEFICINCIAS INTELECTUAL E MLTIPLA: PLANO ORIENTADOR PARA GESTORES E PROFISSIONAIS. Foi escrito por cinco prossionais e quatro colaboradores convidados pela Fenapaes. Ao longo de todo o texto do livro, os autores focalizam o tema educao prossional e trabalho, tendo como objeto-referncia a pessoa com decincia intelectual e com decincia mltipla. No Captulo 1, a equipe de autores adota a concepo funcional e multidimensional da decincia intelectual, que a partir de 2002 revolucionou a maneira como devemos entender esse fenmeno. Os autores adotam, com a anuncia dos coordenadores estaduais de educao prossional reunidos em seminrio de validao, o termo decincia intelectual, em lugar do tradicional decincia mental, seguindo a terminologia utilizada pela Organizao Mundial de Sade e pela Organizao Pan-Americana da Sade no documento Declarao de Montreal sobre a Decincia Intelectual, de 6/10/04. Os mesmos autores adotam o conceito de decincia mltipla, em cuja composio entram as seguintes decincias: decincia intelectual, decincia fsica, decincia auditiva/surdez e decincia visual/cegueira, alm da decincia intelectual associada ao transtorno mental. A decincia mltipla constitui um segmento estimado em 1% da populao geral, pouco reconhecido e valorizado at mesmo nos meios especializados que tratam do atendimento a pessoa com decincia. As unidades do Movimento Apaeano atendem decincia mltipla, desde que a decincia intelectual esteja presente. Os marcos legais, tericos e histricos que fundamentam a educao prossional e o trabalho, conforme constam no Captulo 2, tiveram um signicativo avano nos ltimos anos, especialmente graas ao desenvolvimento do paradigma da incluso social, no s em relao populao em geral, mas tambm na vida das pessoas com qualquer tipo de decincia. O foco central deste livro est na pesquisa emprica realizada com o projeto de estudo e pesquisa de levantamento e avaliao da demanda de trabalho, emprego e renda. Seus resultados, de acordo com o que mostra o Captulo 3, apontam as aes para a gesto da educao prossional e a questo do trabalho para a pessoa com decincia, assim como para a sua capacitao prossional. O movimento apaeano j acumulou, especialmente nos ltimos nove anos, uma grande quantidade de experincias que hoje lhe permitem falar, com tranqilidade, sobre questes relacionadas educao prossional e ao trabalho de pessoas com decincia, abordando seus aspectos histricos, perspectivas, nfases, princpios, diretrizes, estratgias e o papel das instituies, como esto descritos no Captulo 4. Entrando na parte operacional, os autores descrevem, no Captulo 5, a sistemtica da Educao Prossional e do Trabalho, abordando as etapas do processo; o mercado formal

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e informal, tradicional e apoiado, enquanto meios de insero de pessoas com decincias intelectual e mltipla no mundo do trabalho; as atividades complementares, e a gesto da educao prossional e trabalho. O Captulo 6 presta uma ateno mais demorada questo da Educao de Jovens e Adultos, principalmente em funo da Resoluo CNE/CEB n 1, de 5 de julho de 2000, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao de Jovens e Adultos; do Decreto n 5.154, de 2004, que preconiza que a EJA e a educao prossional sejam realizadas concomitantemente, em nvel de formao inicial e continuada; e da Resoluo CNE/CEB n 2/2002 que preconiza uma educao escolar comprometida com as condies de acessibilidade. E, nalmente, o Captulo 7 sugere projetos especiais para educandos que necessitam de apoios mais especcos no seu atendimento. Aborda as Ocinas Protegidas Teraputicas como alternativa e prope, ao Movimento Apaeano, um Centro de Desenvolvimento Social e Qualidade de Vida em parceria com as polticas de assistncia social, sade e educao. Finalmente, apresenta o Currculo Funcional Natural como base para a proposta educacional destinada a esses educandos. Este livro, ao se referir ao Ensino Fundamental, manteve a estrutura tradicional de oito sries, divididas em dois segmentos, sendo o 1 segmento, da 1 4 sries, e o 2 segmento, da 5 8 sries, o que ainda ocorre na maioria das escolas pblicas e particulares do Pas. Mas tem conscincia da lei sancionada pelo Presidente da Repblica no dia 4 de dezembro de 2006, que estabelece a ampliao do ensino fundamental para nove anos, assim como est acompanhando todos os instrumentos normativos emitidos pelo Conselho Nacional de Educao a respeito desta ampliao. Neste sentido, nosso desejo que, at o ano 2010, o Movimento Apaeano v se adequando nova estrutura do Ensino Fundamental, em que os Anos Iniciais compreendem do 1 ao 5 anos e os Anos Finais se estendem do 6 ao 9 anos.

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EDUCAO PROFISSIONAL E TRABALHO PARA PESSOAS COM DEFICINCIAS INTELECTUAL E MLTIPLA

CAPTULO 1

DEFICINCIAS INTELECTUAL E MLTIPLAA realizao de um trabalho de qualidade voltado para a educao prossional e a empregabilidade de jovens com decincia intelectual e mltipla requer o entendimento dessas categorias, seu signicado e o que representa para as pessoas a quem so atribudas. Alm disso, exige o renamento desses conceitos, no para prestar-se rotulao das pessoas, mas para criar condies de natureza diversa que favoream a sua promoo humana e qualidade de vida no mundo fsico e social. O objetivo deste captulo apresentar, resumidamente, conceitos de decincia intelectual segundo variadas vertentes focalizando, mais detalhadamente, o Sistema 2002 da Associao Americana de Decincias Intelectual e do Desenvolvimento (American Association on Intellectual and Developmental Disabilities-AAIDD) nome que, a partir de 2007, passa a designar a centenria Associao Americana de Retardo Mental (AAMR). O Sistema 2002 da atual AAIDD, publicado na 10 edio de seu manual, est sendo adotado para fundamentar o presente trabalho que, ao mesmo tempo, destina-se a caracterizar a decincia mltipla, de modo a pensar solues para questionamentos atuais sobre a educao prossional e perspectivas de trabalho, emprego e renda voltados para jovens e adultos includos nessas duas categorias de decincia. Decincia mental e transtorno mental so condies diferentes, embora haja uma tendncia geral para serem confundidas. Transtorno mental uma categoria abrangente e refere-se, segundo o DSM IV-Tr (APA, 2004), ao conjunto de sndromes, de padro comportamental ou psicolgico associados ao sofrimento, incapacitao, ao risco signicativamente aumentado dor, decincia, morte ou perda importante da liberdade e autonomia. Tendo em vista a amplitude que cobre esse conceito, optou-se, neste trabalho, pelo uso da expresso decincia intelectual, aplicando-se a ela o mesmo signicado de decincia mental, embora o ltimo termo seja mais difundido. A preciso necessria conferida pela palavra intelectual, que restringe a dimenso das limitaes da pessoa ao nvel cognitivo, sem tornar abrangente os efeitos do dano individual em relao a quem o termo se aplica.

1.1 - CONCEITOS DE DEFICINCIA INTELECTUALO conceito de decincia intelectual segundo a vertente organicista o mais antigo e predominou por muitos anos, inuenciando fortemente outras concepes tericas, at mesmo em nossos dias. Privilegia a causalidade orgnica como determinante do dcit no funcionamento mental, defendendo a base etiolgica e sintomatolgica da decincia intelectual, explicada por alteraes no plano gentico, neuropatolgico e neurosiolgico. A marca dessa concepo seu fatalismo biolgico e as perspectivas universalista e determinista de seu paradigma. A concepo psicomtrica de decincia intelectual originou-se na primeira metade do sculo XX, tendo como base critrios de aferio da inteligncia por meio de testes psicolgicos. Segundo essa vertente, existe uma perturbao generalizada que afeta toda a personalidade, tendo como resultado diculdade na realizao de certas tarefas ou provas, que resultam no clculo do quociente intelectual (QI) - um quociente de idades (cronolgica e mental) - entendido como ndice do ritmo de evoluo da pessoa. O QI constitui, segundo essa concepo, o marco denidor exclusivo da decincia intelectual, de acordo com a pontuao obtida no procedimento de mensurao. Essa

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vertente , tambm, determinista, conquanto considere a inuncia de aspectos sociais nos resultados. O critrio de normalidade, entretanto, o aspecto signicativo a ser relevado para a incluso da pessoa na categoria de decincia intelectual. A vertente construtivista explica a decincia intelectual com base na construo terica de Jean Piaget e seus colaboradores. uma concepo de desenvolvimento interacionista, sistmica e estruturalista, baseando-se nos pressupostos de totalidade, transformao e auto-regulao dos fenmenos psicolgicos. Admite que a criana participa ativamente do seu processo de desenvolvimento e caracteriza o fenmeno cognitivo como processual e evolutivo. Piaget defende a dupla natureza da inteligncia: biolgica e lgica, bem como a interdependncia funcional de fatores afetivo e cognitivo na conduta da pessoa e na constituio do processo cognitivo. A forma como concebe a inteligncia distinguese da explicao psicomtrica prevalente em sua poca, considerando-a como um processo de adaptao do organismo em suas relaes com o meio fsico e social, por meio do processo evolutivo de equilibrao. O atraso no desenvolvimento, segundo essa concepo terica, ocasionado pela lentido gradual ou estagnao durvel do pensamento operatrio, resultando na viscosidade do raciocnio. O nvel mental, desse modo, afetado pela diculdade da pessoa em se libertar de um modo de pensamento anterior que lhe permita estabilidade para manter-se no nvel superior, observando-se uma certa fraqueza no dinamismo intelectual. A perspectiva histrico-cultural da decincia intelectual baseia-se nos estudos defectolgicos de L. Vigotski realizados nos anos 20 do sculo passado. Explica a decincia como resultante de respostas sociais do meio ao defeito da pessoa. A decincia, portanto, uma condio social e culturalmente constituda. Embora Vigotski no negue o componente orgnico presente, considera que esse no suciente para explicar a decincia intelectual e, sim, a repercusso social que o dano provoca no processo sociocultural do desenvolvimento infantil, que vem a resultar em decincia intelectual. O desenvolvimento orgnico (natural) de todas as crianas est associado ao seu desenvolvimento cultural, vindo a caracterizar a natureza sociobiolgica da personalidade, no acontecendo, entretanto, essa fuso na criana com defeito. O dcit orgnico gera diculdade frente cultura, adaptada s pessoas cujo funcionamento psicosiolgico normal. Desse modo, a disfuno biolgica e a reorganizao que ela provoca no organismo constituem uma condio qualitativamente diferenciada que altera o engajamento da criana na cultura. O panorama ilustrado por essas vertentes revela mltiplos conceitos de decincia intelectual. importante identicar uma concepo que fundamente as orientaes de uma sistemtica de atendimento, a exemplo do que acontece no presente plano orientador. Aqui se fez a opo pelo atual modelo da AAIDD, que passamos a expor.

1.2 - CONCEPO FUNCIONAL E MULTIDIMENSIONAL DA AAIDDAt o ano de 1992, a Associao Americana de Retardo Mental (AAMR), atual Associao Americana de Decincias Intelectual e do Desenvolvimento-AAIDD, considerava o QI igual ou menor que 70-75 como marco indicador de decincia intelectual, dentre outros aspectos considerados: habilidades adaptativas e funcionamento individual mediado pelos sistemas de apoio. Durante dez anos, essa foi a considerao da Associao sobre decincia intelectual que, a partir de 2002, passou a adotar o sistema que explicitamos neste captulo, onde a seguinte denio proposta:Decincia caracterizada por limitaes signicativas no funcionamento intelectual da pessoa e no seu comportamento adaptativo - habilidades prticas, sociais e conceituais originando-se antes dos dezoito anos de idade. (AAMR, 2002, p.8)

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O modelo terico do Sistema 2002 funcional e multidimensional, como representado na Fig. 1, considerando a relao dinmica entre o funcionamento do indivduo, os apoios de que dispe e as seguintes cinco dimenses:(a) Dimenso I Habilidades intelectuais (b) Dimenso II Comportamento adaptativo (habilidades conceituais, sociais e prticas de vida diria) (c) Dimenso III Participao, interaes e papis sociais (d) Dimenso IV Sade (sade fsica, sade mental, etiologia) (e) Dimenso V Contexto (ambientes, cultura).

Fig. 1. Modelo terico da decincia intelectual. Fonte: AAMR, 2002, p. 10. 1.2.1 - DIMENSO I - HABILIDADES INTELECTUAIS A inteligncia entendida, no Sistema 2002, como capacidade mental geral, incluindo raciocnio, pensamento abstrato, compreenso de idias complexas, facilidade de aprendizagem, inclusive das experincias vividas e a capacidade de planejar e solucionar problemas. O funcionamento intelectual reete, portanto, a capacidade para compreender o ambiente e reagir a ele adequadamente. 1.2.2 - DIMENSO II - COMPORTAMENTO ADAPTATIVO denido como o conjunto de habilidades conceituais, sociais e prticas adquiridas pela pessoa a m de funcionar em sua vida diria (AAMR, p. 14). Limitaes nessa rea prejudicam tanto as vivncias da pessoa como suas habilidades para responder s mudanas cotidianas e demandas ambientais. O consenso emergente o de que a estrutura do comportamento adaptativo consiste nos seguintes grupos de fatores:

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(a) Habilidades conceituais relacionadas aos aspectos acadmicos, cognitivos e de comunicao. So exemplos dessas habilidades: - Linguagem (receptiva e expressiva); - Leitura e escrita; - Conceitos relacionados a dinheiro; - Autonomia. (b) Habilidades sociais relacionadas competncia social. So exemplos: - Habilidade interpessoal; - Responsabilidade; - Auto-estima; - Credulidade (probabilidade de ser enganado, manipulado); - Ingenuidade; - Observncia de regras e das leis; - Evitao de vitimizao. (c) Habilidades prticas relacionadas vida independente. So exemplos: - Atividades da vida diria: alimentao, deslocamento, higiene, vesturio; - Atividades instrumentais de vida diria: preparao de alimentos, arrumar a casa, uso de meios de transporte, uso de medicao, manejo de dinheiro, uso de telefone; - Habilidades ocupacionais; - Segurana no ambiente.

1.2.3 - DIMENSO III - PARTICIPAO, INTERAES E PAPIS SOCIAIS Essa dimenso considera os ambientes nos quais as pessoas vivem, aprendem, trabalham, interagem, se divertem. Quando positivos, contribuem para o crescimento, desenvolvimento e bem-estar da pessoa. Em relao aos que apresentam decincia intelectual, constituem os contextos tpicos de seu grupo etrio, sendo consistentes com a diversidade cultural e lingstica da pessoa, constituindo espaos que possibilitam sua participao, interaes sociais e vivncia de papis sociais. Nesse sentido, o comportamento adaptativo reete a quantidade e qualidade do engajamento da pessoa com decincia intelectual em seu ambiente. 1.2.4 - DIMENSO IV - SADE As condies de sade fsica e mental inuenciam o funcionamento das pessoas em geral, no sendo diferente em relao aos que apresentam decincia intelectual. Facilitam ou inibem sua atuao quanto ao funcionamento intelectual, comportamento adaptativo, participao, interaes e papis sociais nos diferentes contextos. O enfoque multifatorial da concepo adotada pela ento AAMR, e atualmente vigente, considera aspectos etiolgicos, causas biomdicas, sociais, comportamentais e educacionais. Igual importncia se d ao fato de a decincia manifestar-se apenas na pessoa ou tambm em seus pais, o que apontaria para fatores intergeracionais, importantes na preveno. Em relao sade, os seguintes aspectos so considerados:(a) Condies de sade fsica e mental podem afetar a avaliao da inteligncia e o comportamento adaptativo, alm do desempenho em diferentes tarefas; (b) Os efeitos da medicao manifestam-se no desempenho e na disposio pessoal; (c) A avaliao das necessidades de apoio requer a considerao das condies de sade fsica e mental.

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1.2.5 - DIMENSO V - CONTEXTO Descreve as condies em que a pessoa vive, relacionando-as com a qualidade da vida diria. Os seguintes nveis so considerados: os contextos relacionados ao ambiente imediato e prximo da pessoa (microssistema); vizinhana, comunidade e organizaes educacionais e de apoio (mesossistema) e elementos mais amplos, como padres culturais, societais e inuncias sociopolticas (macrossistema ou megassistema). Os contextos devem propiciar oportunidades de educao, trabalho, recreao e lazer, possibilitando participar da vida comunitria, fazer opes, adquirir competncia para desempenhos signicativos, ser alvo de respeito, participar da vida familiar e fazer amigos. De igual modo, o ambiente deve favorecer e estimular condies de bem-estar quanto sade e segurana pessoal, conforto material, segurana nanceira, atividades cvicas e comunitrias, estmulo ao desenvolvimento e condies de estabilidade. Alm das dimenses que caracterizam seu modelo terico, a Associao enfatiza, desde a dcada de 90, a importncia do sistema de apoio, no apenas para a compreenso do conceito de decincia intelectual, mas para o desenvolvimento da pessoa, seu funcionamento na comunidade onde vive, bem como para sua qualidade de vida. Sobre esse assunto, so tecidas consideraes, a seguir, dos sistemas de apoio. 1.2.6 - SISTEMAS DE CLASSIFICAO E APOIO A classicao de decincia intelectual tem a nalidade de realizar categorizaes que permitem a apropriao de recursos, o fomento para pesquisa, a promoo de servios e a comunicao de aspectos caractersticos da decincia intelectual. Permite organizar informaes, planejar pesquisa, realizar avaliaes, planejar interveno, dentre outros. A classicao baseia-se em diferentes fatores que levam identicao das variadas necessidades da pessoa com decincia intelectual, sua famlia, bem como de pesquisadores, prossionais da sade e outros prossionais. Aspectos da decincia intelectual de uma pessoa podem ser classicados com base na intensidade do apoio de que necessita, na etiologia, no seu nvel intelectual ou nos resultados obtidos na avaliao do comportamento adaptativo. As seguintes medidas classicatrias podem ser utilizadas, dentre outras: escalas de vericao da intensidade dos apoios, medidas de QI, categorias de educao especial propiciadas, avaliaes de contexto ambiental, avaliao de sade mental, categorias de benefcios. O sistema de classicao adotado nesse modelo baseado na intensidade dos apoios disponibilizados pessoa com decincia intelectual. Vrios fatores vo ser considerados, incluindo:(a) tempo de durao; (b) freqncia; (c) ambiente em que se aplica; (d) recurso demandado; (e) nvel de interferncia dos apoios na vida da pessoa.

Apoios so denidos como recursos e estratgias que objetivam promover o desenvolvimento, a educao, os interesses e o bem-estar da pessoa e aprimora seu funcionamento pessoal. (AAMR, p. 145).

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Esse desempenho pessoal diz respeito principalmente independncia, estabelecimento de relacionamentos, comportamento cooperativo, participao escolar e comunitria e qualidade de vida pessoal. Aplica-se a todas as dimenses indicadas no modelo terico da decincia intelectual, representadas na Fig. 1. O paradigma de apoio adotado pela Associao considera vrios pontos, incluindo sua prpria forma de operacionalizao, ou seja: o modelo de apoio adotado; as bases ecolgicas que fundamentam sua necessidade e provimento; operacionalizao, formas de proviso e sistemas de avaliao que permitem a identicao dos sistemas de apoio, bem como sua planicao, como ilustra a Fig. 2. Nessa perspectiva, o apoio:(a) Consiste em recurso e estratgia; (b) Capacita a pessoa a ter acesso a recurso, informao e relacionamento em ambiente integrado; (c) Resulta em integrao crescente e melhoria no crescimento e desenvolvimento pessoal; (d) Pode ser avaliado a partir dos resultados.

Os sistemas de apoio preconizados pela AAIDD coadunam-se com o disposto nos Artigos 19 a 22 e 29 do Decreto N 3.298, de 20 de dezembro de 1999, referidos como ajudas tcnicas e servios de apoio especializado, respectivamente, no dispositivo legal. Respaldam-se, ainda, nos Art. III e IV do Decreto N 3.956/01, que trata da eliminao de todas as formas de discriminao contra a pessoa com decincia. A adequada avaliao dos apoios necessrios relevante para sua planicao e viabiliza o sistema de classicao. A avaliao das necessidades de apoio deve preceder seu processo de planicao, realizando-se de acordo com quatro passos:(a) identificao de reas relevantes para provimento do apoio; (b) identificao de apoio relevante para cada rea; (c) avaliao do nvel ou intensidade do apoio; (d) registro do plano individualizado de apoio.

O modelo de apoio consistente com a abordagem socioecolgica, segundo a qual o crescimento, o desenvolvimento e o ajustamento dependem dos fatores relacionados pessoa nos contextos especcos. Nessa abordagem, a decincia relacionada articulao entre a patologia diagnostica, os impedimentos decorrentes dessa patologia e os contextos ambientais dos quais a pessoa faz parte. Os fatores pessoais e ambientais so focalizados, de modo a enfatizar os seguintes aspectos em relao decincia intelectual (AAIDD, 2002, p. 150):(a) reflete a expresso das limitaes no funcionamento individual dentro do contexto social; (b) no fixa, mas transformacional, dependendo das limitaes funcionais da pessoa e dos apoios disponveis no ambiente; (c) Pode ser minimizada quando se pode contar com o provimento de intervenes, servios ou apoios que focalizam a preveno, a aquisio de habilidades adaptativas e o estabelecimento de papis socialmente valorizados para a pessoa.

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Fig. 2. Modelo de sistema de apoio para pessoa com decincia intelectual. Extrado da AAMR, 2002, p. 148.

A intensidade do apoio leva em conta as condies pessoais, as situaes de vida e a faixa etria, variando em durao e intensidade. Segundo sua intensidade, os apoios podem ser classicados em:(a) Intermitente episdico, baseado em necessidades especficas e oferecido em certos momentos, em tempo limitado, particularmente em momentos de transio no ciclo de vida da pessoa; (b) Limitado consistente, nos momentos necessrios, mas por perodo limitado de tempo, embora no-intermitente. (c) Contnuo envolvimento regular (por exemplo, dirio) em pelo menos alguns ambientes (escola, trabalho, lar), sem limitaes quanto ao tempo; (d) Pervasivo constante, de alta intensidade, nos diversos ambientes, potencialmente durante o ciclo de vida. Envolve uma equipe maior de pessoas administrando os apoios.

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A noo de funcionamento diz respeito ao processo interativo pessoa-ambiente, apresentando-se alterado nos casos de decincia1. O funcionamento caracteriza-se por trs dimenses bsicas corpo, indivduo e sociedade -, segundo o modelo da International Classication of Functioning, Disability, and Health (ICF)/Organizao Mundial de Sade (2001, p. 105). A decincia intelectual, na concepo desse modelo, implica problemas marcantes e severos na capacidade de realizar (impairment), na habilidade de realizar (limitaes na atividade) e na oportunidade de funcionar (restries na participao). A adequada avaliao dos apoios necessrios relevante para sua planicao e viabiliza o sistema de classicao. Esta concepo garante que a decincia intelectual deixe de ser vista como um atributo individual, mas uma condio interativa, bidirecional em relao pessoa e ao seu ambiente, envolvendo o contexto e os sistemas de apoio no diagnstico e avaliao da decincia intelectual. A concepo da Associao , portanto, bioecolgica, multidimensional e funcional, de modo a incorporar a relao dinmica entre pessoa, ambiente e sistemas de apoio.

1.3 - DEFICINCIA MLTIPLA: AS DIVERSAS ASSOCIAES DE DEFICINCIAS.Na Poltica Nacional de Educao Especial (MEC, 1994) a decincia mltipla denida como: associao, no mesmo indivduo, de duas ou mais decincias primrias (mental/visual/ auditiva/fsica), com comprometimentos que acarretam atrasos no desenvolvimento global e na capacidade adaptativa. (p. 15) Esse conceito de decincia mltipla referendado pelo Decreto N 3.298/99 que dene a categoria como associao de duas ou mais decincias (Art. 4, V). Implica uma gama extensa de associao de decincias que podem variar conforme o nmero, a natureza, a intensidade e a abrangncia das decincias associadas e o efeito dos comprometimentos decorrentes, no nvel funcional das pessoas. Por exemplo, uma criana que apresenta uma dupla decincia sensorial - auditiva e visual - ambas manifestadas num grau leve, pode funcionar de uma maneira mais adaptativa e alcanar xito escolar e encontra-se menos comprometida do que uma criana com decincia intelectual grave. Desse modo, a associao de decincias pode provocar diferentes possibilidades e limitaes. Ao considerar a gravidade da decincia mltipla, os seguintes aspectos so considerados:(a) tipo e nmero de deficincias associadas; (b) abrangncia das reas comprometidas; (c) idade de aquisio das deficincias; (d) nvel ou grau das deficincias associadas.

A decincia mltipla pode apresentar-se mediante a associao das seguintes categorias, dentre outras:

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Expresso de limitaes no funcionamento individual dentro de um contexto social, representando signicativa desvantagem para o indivduo. (AAMR, 2002, p. 15).

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1.3.1 - FSICA E PSQUICA - SO EXEMPLOS DESSA CONDIO:(a) deficincia fsica associada deficincia intelectual; (b) deficincia fsica associada a transtorno mental.

1.3.2 - SENSORIAL E PSQUICA EXEMPLIFICAM ESSA CONDIO:(a) deficincia auditiva ou surdez associada deficincia intelectual; (b) deficincia visual ou cegueira associada deficincia intelectual; (c) deficincia auditiva ou surdez associada a transtorno mental.

1.3.3 - SENSORIAL E FSICA - SO EXEMPLOS DESSA CONDIO:(a) deficincia auditiva ou surdez associada deficincia fsica; (b) deficincia visual ou cegueira associada deficincia fsica.

1.3.4 - FSICA, PSQUICA E SENSORIAL SO ILUSTRATIVAS DESSA CONDIO:(a) deficincia fsica associada deficincia visual ou cegueira e deficincia intelectual; (b) deficincia fsica associada deficincia auditiva ou surdez e deficincia intelectual; (c) deficincia fsica associada deficincia visual ou cegueira e deficincia auditiva ou surdez.

Este quadro demonstra uma ampla diversidade na mltipla decincia, embora, estatisticamente a sua prevalncia no seja a mais acentuada. Segundo a Organizao Mundial de Sade, 10% (dez por cento) da populao de pases como o Brasil so constitudos de pessoas com decincia, das quais, apenas 1% (um por cento) se encontra na categoria de decincia mltipla. Algumas decincias associadas aparecem com mais freqncia na escola; por essa razo, esto sendo mencionadas nesse trabalho: 1.3.5 - DEFICINCIA INTELECTUAL E FSICA A prevalncia desse grupo acontece nos casos de paralisia cerebral, embora nem sempre a decincia fsica esteja associada decincia intelectual. Mesmo quando a leso cerebral compromete a locomoo, a linguagem e outras atividades motoras, a capacidade cognitiva de uma criana pode estar absolutamente preservada. Alteraes na marcha, na coordenao e na fala podem estar presentes, tornando o diagnstico difcil, principalmente quando testes convencionais so parte do processo avaliativo. As decincias associadas representam necessidades especiais diferentes e recomendam formas diversas de promover apoio educao da criana, de modo a atingirem o mximo de suas potencialidades. 1.3.6 - DEFICINCIA INTELECTUAL ASSOCIADA DEFICINCIA AUDITIVA OU SURDEZ Esta condio resulta em diculdades e limitaes na comunicao e linguagem das pessoas, alm de desaos compreenso, aprendizagem e aquisio de habilidades adaptativas. Esta associao de decincias funciona de uma forma mais complexa do que se fossem decincias isoladas, requerendo atendimento educacional que atenda s peculiaridades de cada caso.

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1.3.7 - DEFICINCIA INTELECTUAL ASSOCIADA DEFICINCIA VISUAL OU CEGUEIRA A freqncia da decincia visual associada intelectual no elevada. A cegueira e a baixa viso no contribuem, de per si, para o atraso intelectual, a no ser que a pessoa sofra restrio sua participao social e ao estabelecimento de relaes interpessoais com seu pares ou no tenha acesso educao e s condies promotoras de aprendizagem e desenvolvimento. 1.3.8 - DEFICINCIA INTELECTUAL E TRANSTORNO MENTAL Pesquisas citadas na AAMR (1992) revelam a prevalncia de 15% a 19% de transtornos mentais na populao geral. Essa taxa maior em relao aos que so identicados com decincia intelectual, encontrando-se entre 20 a 35%. Dentre esses transtornos, destacam-se as perturbaes do espectro do autismo, as neuroses e as psicoses. Esta associao traz particular diculdade para a escola, uma vez que, alm do desconhecimento freqente sobre a decincia intelectual por parte da comunidade escolar, o transtorno mental, como agravante, desaa a prpria disponibilidade de aceitao do aluno, tradicionalmente visto como doente e no-responsivo proposta educacional. A postura e o preparo docente so indispensveis para os bons resultados escolares, bem como a construo, por parte da escola, das condies de sustentabilidade da ao pedaggica. 1.3.9 - DEFICINCIA VISUAL OU CEGUEIRA ASSOCIADA DEFICINCIA AUDITIVA OU SURDEZ Para muitos educadores esta uma condio peculiar, no devendo integrar a categoria da decincia mltipla, mas constituir uma categoria parte, uma vez que a criana no dispe de duas vias sensoriais importantes, caracterizando uma condio nica, no correspondente soma das duas decincias. As necessidades mais expressivas identicadas na pessoa surdocega, mesmo quando possuem resduos visuais e auditivos, concentram-se na comunicao e na mobilidade. Como estas reas so essenciais para o desenvolvimento da autonomia e das habilidades sociais, seus efeitos repercutem sobre o desenvolvimento social, emocional e cognitivo. A despeito das limitaes impostas por essa condio, os alunos se beneciam signicativamente de um programa educacional adequado s suas potencialidades e necessidades especiais. Ressalta-se a importncia dos meios mediacionais de que o professor deve valer-se para alcanar os ns educacionais e promover a aprendizagem e o desenvolvimento do aluno. O mesmo se diz em relao aos outros contextos na mediao entre a criana e o mundo que a cerca. As expectativas educacionais so, no entanto, de difcil previsibilidade, quando h um comprometimento intelectual envolvido. De outro modo, com apoio especializado e outros recursos de acessibilidade, o aluno pode progredir na vida acadmica, com as adaptaes curriculares adequadas. Do mesmo modo, a capacidade de realizar a reorganizao sensorial dos sentidos remanescentes e melhorar a ecincia dos resduos visuais e auditivos, permitem pessoa construir recursos e instrumentos que favorea seu funcionamento no ambiente fsico e social onde vive.

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1.3.10 - DEFICINCIA MLTIPLA E PERSPECTIVA EDUCACIONAL Observa-se que as limitaes nas habilidades adaptativas de crianas, jovens e adultos com mltipla decincia correspondem gravidade e ao tipo de associao estabelecida. importante considerar as condies fsicas e de sade, que so afetadas de maneira diferenciada. Por outro lado, a funcionalidade das pessoas est relacionada s medidas de preveno que foram adotadas e da estimulao e educao que receberam desde a faixa etria mais precoce. A forma e a intensidade do apoio recebido contribuem em maior ou menor escala para o desenvolvimento global da pessoa, bem como para a aquisio das habilidades adaptativas que favorecem sua socializao e participao social. Sabe-se que os graves comprometimentos intelectuais e psquicos contribuem para um quadro de maior dependncia e prognstico menos promissor, quando graves alteraes orgnicas e mentais esto presentes. Quanto mais precocemente aparecem e quanto mais tardias as medidas educativas e preventivas, mais signicativa pode ser a sua inuncia. Conquanto as perspectivas organicista e psicomtrica tenham prevalecido durante anos, atualmente outras tendncias so relevantes entre os estudiosos, que vm ressaltando a importncia do ambiente fsico e social no qual a pessoa est inserida e das possibilidades de apoio que pode receber, de modo a minimizar as limitaes impostas pelas decincias. Exigncias ambientais intensas e complexas podem evidenciar as diculdades da pessoa, em detrimento de sua capacidade. Desse modo, uma criana com mltipla decincia pode ser percebida como mais eciente ou mais deciente, a depender de critrios referencias que chancelam sua identicao, sendo esses no apenas individuais, mas, tambm, socioculturais. Desse modo, a bidirecionalidade dialtica na relao homemambiente est incorporada, atualmente, ao conceito de decincia mltipla. Outro aspecto relevante para a funcionalidade da pessoa a disponibilidade do sistema de apoio, atuando como mediador no desenvolvimento e nas realizaes, inuenciando no domnio emocional e motivacional, despertando a autoconana, a emergncia do desejo, do autoconceito positivo, bem como o incentivo vontade de agir e compartilhar, de modo a favorecer uma vida plena e feliz. Por outro lado, o apoio incentiva o desempenho, atuando na zona de desenvolvimento proximal, de modo a promover experincias de sucesso na aprendizagem e na aquisio de conhecimento. Experincia bem-sucedida tende a encorajar novas tentativas e novas conquistas, o que resulta em maior aprendizagem e melhores condies de desenvolvimento e participao. Vrios tipos de apoio podem ser propiciados: tecnolgico, material, psicolgico, moral, tcnico, dentre outros. So exemplos:(a) promover atendimento especializado quando necessrio; (b) estimular e apoiar a aquisio de habilidades adaptativas que contribuem para a independncia e autonomia; (c) encorajar e ajudar na realizao de tarefas escolares; (d) proviso de equipamentos e materiais para atender s necessidades especiais tais como, prtese auditiva, bengala longa, lupa, cadeira adaptada, e outros; (e) realizar modificaes no ambiente escolar e nos procedimentos didtico-pedaggicos que propiciem a aprendizagem dos contedos curriculares; (f) promover adaptaes no lar que propiciam a autonomia da pessoa nas atividades cotidianas;

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(g) propiciar a aquisio habilidades para o uso dos utenslios domsticos, aparelhos eletrnicos e outros bens materiais da famlia.

A AAMR, na 9 edio de seu manual, assim dene o sistema de apoio: Recursos e estratgias que promovem os interesses e as realizaes dos indivduos com ou sem decincia, capacitando-os a terem acesso a recursos, informaes e relacionamentos no ambiente em que vive; resulta no aumento da independncia/interdependncia, produtividade, integrao e satisfao na vida comunitria. (AAMR, 1992, p. 101) O manejo do apoio deve considerar as necessidades da pessoa com mltipla decincia, porque, ao receb-lo apropriadamente, durante o tempo necessrio, a pessoa tende a melhorar sua funcionalidade, com desdobramentos na qualidade de vida. A administrao do apoio leva em conta as necessidades evidenciadas, sendo de modo geral relativas:(a) ao problema na comunicao freqente na pessoa que apresenta deficincia auditiva isolada ou associada a outras deficincias; (b) dificuldade de locomoo freqente nos casos de deficincia motora e visual, isoladas ou associadas a outras deficincias; (c) organizao perceptual e formao de conceito freqente nas pessoas que apresentam deficincia intelectual, visual e auditiva, isoladas ou associadas a outras deficincias; (d) alterao orgnica decorrente de sndromes ou quadros clnicos mentais, neurolgicos, motores e sensoriais associados, que afetam o funcionamento orgnico e a vitalidade da criana.

As pessoas com decincia mltipla so as que, freqentemente, apresentam mais possibilidade de problema orgnico, na categoria das necessidades especiais, uma vez que suas decincias associadas costumam decorrer de graves enfermidades. Esta condio, entretanto, no generalizada. Sua funcionalidade depende de muitos fatores, dentre eles:(a) condio individual decorrente das deficincias; (b) participao familiar, comunitria e social; (c) estimulao e interveno educacional, desde a mais tenra idade; (d) vivncia e expectativa socioculturais; (e) apoio adequado ao desenvolvimento, aprendizagem e participao social.

Isso demonstra a heterogeneidade desta populao especca, constituindo um forte argumento contra medidas de interveno massicadas e generalizantes, fortalecendo posies que consideram as diferenas individuais e a participao do sujeito ativo na sua constituio, aprendizagem e desenvolvimento. Um critrio comumente adotado para o ingresso de pessoas com decincia mltipla na maioria das unidades da Apae distribudas pelo Pas que a decincia intelectual seja uma condio presente na associao de decincias apresentada pela pessoa que esteja buscando atendimento nessas unidades. Esse critrio, entretanto, no o mesmo para todo o Movimento Apaeano.

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CAPTULO 2

FUNDAMENTOS DA EDUCAO PROFISSIONAL E DO TRABALHO DA PESSOA COM DEFICINCIA2.1 - BASES HISTRICASO bom xito alcanado por muitas pessoas com decincia no mercado de trabalho tem sido o resultado da combinao de inmeros fatores. Citam-se como fatores mais importantes as adaptaes feitas no local de trabalho (equipamentos, ambientes fsicos, diretrizes etc.), o uso de tecnologia assistiva por parte do trabalhador com decincia e das empresas, a sensibilizao e a conscientizao de todos os trabalhadores de cada empresa, a legislao pertinente pessoa com decincia (educao escolar, educao prossional e insero laboral) e, principalmente, uma boa qualicao prossional obtida pela pessoa com decincia. A educao prossional aplicada s pessoas com decincia foi adaptada da educao prossional disponvel s pessoas em geral. A dcada de 50 foi palco de muitas conquistas no campo da reabilitao prossional, cujo processo sempre incluiu a fase do treinamento prossional como condio para uma pessoa ter sucesso no mercado de trabalho. O termo treinamento prossional, utilizado genericamente no passado, deu origem a vrios outros conceitos ao longo das dcadas seguintes: pr-prossionalizao, prossionalizao, formao prossional, qualicao prossional, capacitao prossional e outros. Segundo Sinick, como uma fase do processo de reabilitao prossional, o treinamento signica basicamente preparao para o emprego em uma ocupao adequada. O termo mais abrangente, preparao, reete o princpio de que o treinamento em habilidades ocupacionais por si s no suciente freqentemente. Tal treinamento pode ser insuciente tanto para obter um emprego como para ret-lo, se um cliente requer preparao na rea da personalidade. Ele pode necessitar assistncia no desenvolvimento daquilo que se tornou conhecido como personalidade de trabalho. Esta constatao foi publicada em 1969 e permanece verdadeira at hoje. Antes disso, em 1964, Baer & Roeber assinalaram que em termos gerais, a educao prossional pode ser vista como a preparao para todos os tipos de ocupaes, incluindo as prosses (p. 92). Naquela poca, a idia era a de que a educao prossional da pessoa com decincia s se daria no interior das instituies especializadas, notadamente nos centros de reabilitao prossional. Na dcada de 80, com o advento das propostas de normalizao, mainstreaming e integrao, as pessoas com decincia comearam a ser encaminhadas para escolas prossionalizantes da comunidade, empresas e outros locais comuns a m de receberem servios e programas de educao prossional. Nestes casos, porm, praticava-se o conceito de que as pessoas com decincias que tinham de se adaptar aos ambientes comuns. Isto envolvia o critrio segundo o qual as pessoas com decincia deveriam ser capazes de vencer os obstculos atitudinais e arquitetnicos existentes. Concomitantemente, havia a idia de que as pessoas com decincia, por terem sido segregadas no passado, precisariam desenvolver suas habilidades sociais e prossionais como requisito adicional que as pessoas em geral no necessitavam.

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A dcada de 90 trouxe um novo paradigma, o da incluso, segundo o qual a sociedade que deve adaptar-se s pessoas para que todos possam fazer parte dela em todos os aspectos: educao, trabalho, lazer etc. Tambm implcito no paradigma da incluso est o conceito de que todos se beneciam do fato de estarem, no mesmo ambiente escolar, de trabalho ou de lazer, pessoas to diferentes umas das outras. Willliam Stainback, Susan Stainback, Greg Stefanich e Sandy Alper ponderam que os argumentos sobre a aprendizagem das habilidades da vida prtica e vocacionais versus a instruo acadmica esto desaparecendo. Muitas pessoas esto comeando a enxergar a necessidade de integrar todas essas habilidades nas experincias educacionais de todos os alunos (p. 248). Por sua vez, Peterson, em Aprendizagem comunitria nas escolas inclusivas (no citado livro de Stainback & Stainback), descreve que a educao prossional centralizada na vida planejada em torno de competncias para a vida adulta em trs reas (habilidades da vida diria, habilidades pessoais-sociais e orientao e preparao ocupacionais), 22 competncias e 102 subcompetncias. Exemplos de competncias associadas s habilidades da vida diria incluem a administrao das nanas familiares; a escolha, a administrao e a manuteno do lar; a ateno com as necessidades pessoais; a criao de lhos; o enriquecimento da via familiar; e a aquisio e o cuidado com as roupas (p. 326). O Brasil vem acumulando, desde a dcada de 50, experincias signicativas em educao prossional de pessoas com decincia e em sua colocao no mercado de trabalho. Por 30 anos, a prtica de qualicao e colocao era exercida exclusivamente por intermdio do processo de reabilitao prossional. Os centros de reabilitao mdica e/ ou prossional, tanto pblicos como particulares, realizavam essa prtica com enormes diculdades diante de uma sociedade e de um mercado de trabalho pouco ou nada familiarizados com a questo das decincias fsica, intelectual, sensorial e mltipla. As alternativas educacionais que pudessem contribuir para a qualicao prossional de pessoas com decincia eram realizadas em escolas especiais e em centros de reabilitao. As possibilidades de qualicao prossional estavam restritas a algumas atividades prossionalizantes nos centros de reabilitao, nas ocinas pedaggicas das escolas especiais e nas pouqussimas ocinas protegidas de trabalho, existentes em um reduzido nmero de cidades brasileiras. J nos anos 80s e 90s, houve o acrscimo de um grande e crescente nmero de outros recursos passaram tambm a oferecer seus servios educacionais, prossionalizantes e de intermediao da mo-de-obra no mercado de trabalho, tais como as instituies particulares de reabilitao e de educao especial, as associaes de pessoas com decincia, os centros de vida independente, as escolas prossionalizantes do Sistema S e os programas governamentais de encaminhamento prossional. As publicaes do Ministrio do Trabalho e Emprego serviram de base para a adequao dos programas prossionalizantes s orientaes do Governo Federal (por ex., 2000a, 2000b, 2000c, 1997, 1996 e 1995). 2.1.1 - EDUCAO PROFISSIONAL DE PESSOAS COM DEFICINCIA De acordo com a Organizao Internacional do Trabalho (OIT, 2001), ao se tratar a questo do emprego para pessoas com decincia, devemos buscar uma atitude economicamente rentvel, que corresponda no tanto s limitaes do candidato e sim s suas competncias e ao seu potencial laborativo. Signicativas mudanas esto ocorrendo no mundo nos ltimos 10 anos. No campo da ateno s pessoas com decincia, essas mudanas esto desaando dirigentes e prossionais de entidades, bem como pessoas com decincia e suas famlias a reexaminarem seus valores ticos, suas crenas e seus referenciais tericos, a m de que a vida de todas as pessoas envolvidas possa ser de melhor qualidade.

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No passado, havia claramente um fosso entre as empresas e as instituies especializadas em atender pessoas com decincia. O fosso signicava que a escolarizao e a prossionalizao oferecidas aos usurios daquelas instituies tinham contedos distantes da realidade do mundo do trabalho. Uma das conseqncias negativas dessa situao tem sido a quase total diculdade enfrentada pelos usurios na hora de procurarem empregos abertos na comunidade. Uma pequena porcentagem deles realmente conseguia ingressar no mercado de trabalho, que no passado era bastante preconceituoso e discriminatrio em relao s pessoas com decincia que desejassem trabalhar. Tal situao levou a ONU a adotar o documento Normas sobre a Equiparao de Oportunidades para Pessoas com Decincia em 1993 (Naes Unidas, 1996). Hoje, o mercado de trabalho est mais conscientizado e sensibilizado sobre a questo da decincia, mas no o suciente para incluir pessoas com decincia prossionalmente qualicadas, implementando medidas de adequao das empresas diversidade humana e s diferenas individuais. 2.1.3 - PROBLEMAS DE EMPREGO E SOLUES INCLUSIVAS Trs problemas de emprego podem ser identicados atualmente: 1) O preparo prossional inadequado dos usurios de instituies especializadas, 2) o despreparo atitudinal, arquitetnico, metodolgico, instrumental, comunicacional e programtico das empresas para receber trabalhadores com decincia e 3) a conseqente permanncia da maioria dos usurios por longos anos nas instituies (Sassaki, 2006). A constatao desses problemas tem indicado que a soluo deve ser a adoo simultnea de duas frentes de combate para elimin-los, aumentando, em conseqncia, as oportunidades de ingresso no mercado de trabalho para pessoas com decincia. Uma delas a modicao das instituies especializadas em termos de losoa de atendimento a pessoas com decincia, oferecendo programas e servios condizentes com as atuais atividades do mercado de trabalho e com o movimento de empoderamento e vida independente. A outra frente de combate a modicao das empresas em termos de losoa da contratao de mo-de-obra das pessoas com decincia, oferecendo acessibilidade atitudinal, arquitetnica, metodolgica, instrumental e programtica. Empresas em todo o mundo esto se tornando inclusivas, primeiro adotando alguns empregos inclusivos e depois expandindo essa prtica para toda a organizao. O modelo inclusivo segue a resoluo 45/91, de 1990, da ONU - Organizao das Naes Unidas, que prope a construo de uma sociedade para todos. O incio dessa construo foi em 1990 e a meta para nalizar o processo da construo o ano 2010. 2.1.4 - REDIMENSIONAMENTO DA EDUCAO PROFISSIONAL LUZ DO PARADIGMA DA INCLUSO SOCIAL Os problemas de educao prossional de pessoas com decincia e os problemas de sua insero na fora de trabalho devem ser tratados simultaneamente, pois ambos guardam uma certa relao de causa e efeito. Se, por um lado, ainda existem empregadores preconceituosos quanto capacidade laborativa de pessoas com decincia, h, por outro, pessoas com decincia sem qualicao prossional. Ou ainda, se existem pessoas com decincia qualicadas prossionalmente e mesmo assim no conseguem colocar-se em empregos compatveis com essa qualicao, existem tambm barreiras arquitetnicas, programticas ou sistmicas, atitudinais e de comunicao dentro de muitas empresas, barreiras essas que servem para rejeitar pessoas com decincias com ou sem qualicao prossional.

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Por onde comear a resolver tais problemas: pelas pessoas com decincia despreparadas ou pelas empresas cheias de barreiras de todos os tipos? A experincia tem mostrado que no h por que comear por um problema em detrimento de outro. Todos os problemas devem, de fato, ser atacados simultaneamente. Em outras palavras, no se defende mais o processo da integrao prossional, atravs do qual as pessoas com decincia que devem ser tornadas adequadas s empresas potencialmente empregadoras e segundo o qual basta que as pessoas com decincias sejam reabilitadas biopsicossocialmente e qualicadas prossionalmente para conseguirem preencher vagas no mercado de trabalho. Defende-se hoje o processo de incluso prossional, segundo o qual devem ser resolvidos, simultaneamente, os problemas da pessoa com decincia e os problemas da empresa que ir absorver a mo-de-obra desta pessoa. 2.1.5 - AES DA ESCOLA NA TRANSIO DO ALUNO PARA O MUNDO DO TRABALHO Estamos nos referindo s atividades formais e no-formais de preparao do estudante deciente para o mundo do trabalho a m de garantir que ele ter o sucesso desejvel em sua atuao como trabalhador, nos moldes do programa em prtica em Portugal (Ministrio do Emprego e da Segurana Social, 1988). Pois, no basta que o aluno apenas receba uma escolarizao de boa qualidade. Ele poderia sair da escola sem estar preparado para conviver satisfatoriamente na sociedade, em especial no local de trabalho. Esta crescente valorizao dos programas de transio escola/trabalho acompanha uma tendncia mundial, j vericada tambm no Brasil, a saber: o surgimento de cursos e escolas prossionalizantes de todos os tipos, freqentados simultaneamente com a aprendizagem prtica nas empresas contratantes de educandos. Estes programas constituem uma resposta ao desao do mercado de trabalho cada vez mais inacessvel s pessoas despreparadas. A implementao de programas de transio escola/trabalho requer o treinamento de professores e uma ao conjunta das autoridades educacionais, dos diretores e professores de escola, dos pais, dos prossionais de habilitao e/ou reabilitao, dos lderes de movimentos das pessoas com decincia e de representantes de comunidade, a m de avaliar a situao, propor solues, desenvolver planos de ao, executar esses planos, monitorar a execuo dos planos e avaliar os resultados visando o aprimoramento do processo. Estes programas tm o respaldo do Decreto no 5.598, de 1/12/05, que regulamenta a contratao de educandos por parte das empresas. O artigo 2 conceitua o aprendiz como aquele que maior de 14 anos e menor de 24 anos e que celebra contrato de aprendizagem, nos termos do art. 428 da Consolidao das Leis do Trabalho (CLT). O pargrafo nico deste artigo estabelece que esta idade mxima no se aplica a aprendizes com decincia. O artigo 3 diz que Contrato de aprendizagem o contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado no superior a dois anos, em que o empregador se compromete a assegurar ao aprendiz, inscrito em programa de aprendizagem, formao tcnico-prossional metdica compatvel com o seu desenvolvimento fsico, moral e psicolgico, e o aprendiz se compromete a executar com zelo e diligncia as tarefas necessrias a essa formao. O pargrafo nico deste artigo estabelece que, para ns de contratao, a comprovao da escolaridade do educando com decincia intelectual deve considerar, sobretudo, as habilidades e competncias relacionadas com a prossionalizao.

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No caso do aluno com decincia, a mera prossionalizao nunca foi suciente para ele conseguir xito em sua busca por um emprego compatvel com as suas aspiraes e aptides prossionais. Podemos ponderar que hoje a prtica da preparao do aluno com decincia para o mercado de trabalho se benecia das vantagens da losoa da incluso ao trabalhar simultaneamente com o aluno (que vai ser preparado), com os recursos humanos, materiais e fsicos da prpria escola (que se modica e se aprimora em seu papel) e com a comunidade (que vai ser ajudada a se tornar mais receptiva e mais acessvel ao futuro trabalhador com decincia). Para desenvolver tais programas, o professor receber treinamento que lhe possibilitar acrescentar aos seus conhecimentos a linguagem do mundo empresarial, a linguagem das tcnicas de prontido para o emprego e a linguagem do movimento internacional de pessoas com decincia. Este treinamento far do ensino proporcionado aos alunos uma contribuio mais objetiva e mais concreta em relao realidade do mercado de trabalho. Assevera a Declarao de Salamanca que: os jovens com necessidades educacionais especiais devem receber ajuda para fazer uma ecaz transio da escola para a vida adulta produtiva. As escolas devem ajud-los a se tornar economicamente ativos e proverlhes as habilidades necessrias no dia-a-dia, oferecendo treinamento em habilidades que respondam s demandas sociais e de comunicao e s expectativas da vida adulta. Isto requer tecnologias apropriadas de treinamento, incluindo experincia direta em situaes de vida real fora da escola. Os currculos para os alunos com necessidades educacionais especiais em classes mais adiantadas devem incluir programas de transio especcos, apoio para ingressarem no ensino superior sempre que possvel e subseqente treinamento prossional que os prepare para atuarem como membros contribuintes independentes em suas comunidades aps terminarem estudos. Estas atividades devem ser executadas com a participao ativa de conselheiros prossionais, agncias de colocao, sindicatos, autoridades locais e diferentes servios e entidades interessados. (Unesco, 56) O processo da transio escola/trabalho, em sntese, se constitui de programas desenvolvidos em sala de aula, em setores operacionais da prpria escola e em empresas da comunidade, com o objetivo de proporcionar aos educandos com decincia todas as oportunidades possveis para a aquisio de conhecimentos, informaes e habilidades bsicas referentes ao mundo do trabalho. 2.1.6 PRINCIPAIS DATAS DE EDUCAO PROFISSIONAL E TRABALHO Pegorette (2002), em seu livro Incluso e liberdade: a prossionalizao de pessoas com necessidades especiais, destaca os marcos da educao prossional brasileira. De sua pesquisa, passamos a relacionar os principais marcos e, no nal, acrescentamos alguns dos fatos posteriores ao ano 2002: Primeiros passos: decises aleatrias, objetivando amparar as classes menos favorecidas e com um profundo cunho assistencialista. Primeiros registros: 1809 - atravs de um Decreto do Prncipe Regente (futuro D. Joo VI), foi criado o Colgio das Fbricas. 1816 - foi proposta a criao de uma escola de Belas Artes, para o ensino de cincias e desenho. 1861 - Decreto Real cria o Instituto Comercial do Rio de Janeiro. Dcada de 40, no sculo 19 - Construdas dez Casas dos Educandos e Artfices em capitais de provncia, para atender menores abandonados e, assim, diminuir a criminalidade e a vagabundagem.

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Segunda metade do sculo 20 - Criadas vrias sociedades civis, para atender a profissionalizao de menores: os Liceus de Artes e Ofcios do Rio de Janeiro (1858), Salvador (1872), Recife (1880), So Paulo (1882), Macei (1884) e Ouro Preto. 1901 - Nilo Peanha instalou 19 Escolas de Aprendizes Artfices (com ensino industrial), localizando-as em vrias unidades da federao. 1906 - o Ensino Profissional passou a ser atribuio do Ministrio da Agricultura, Indstria e Comrcio. Nesta mesma dcada, foram instaladas vrias escolas-oficinas destinadas formao profissional de ferrovirios. Nos anos 20, a Cmara de Deputados promoveu uma srie de debates sobre a expanso do Ensino Profissional. 1931 Os Decretos Federais ns 19.890/31 e 21.241/32 regulamentaram a organizao do Ensino Secundrio e o Decreto Federal n 20.158/31 organizou o Ensino Profissional comercial e regulamentou a profisso de Contador. 1932 - Lanado o manifesto dos pioneiros da Educao Nova, que sugeriu novas estratgias e rumos s polticas pblicas da educao. Com a Constituio de 1937, foi pela primeira vez que se tratou das escolas vocacionais como um dever do Estado. Na dcada de 40, em resposta demanda da industrializao e decorrente necessidade de mode-obra qualificada, comea-se a delinear a estrutura de uma rede de Educao Profissional, que se consolidaria efetivamente, a partir da dcada de 40. Foram criadas as entidades especializadas em Educao Profissional: Servio Nacional de Aprendizagem Industrial - Senai (1942), Servio Nacional de Aprendizagem Comercial - Senac (1946), alm da transformao das antigas escolas de artfices em Escolas Tcnicas, e a implementao pelo presidente Getlio Vargas do conceito de menor aprendiz para efeitos da legislao trabalhista. 1950 - A Lei n 1.076/50 permitia que concludentes de cursos profissionais pudessem continuar estudos acadmicos nos nveis superiores, desde de que prestassem exames das disciplinas no-estudadas naqueles cursos e provassem possuir o nvel de conhecimento indispensvel realizao dos estudos. 1961 - Lei n 4.024/61 foi a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, classificada como meia-vitria por Ansio Teixeira. 1971 - Lei n 5.692/71 reformulou a Lei Federal n 4.024/61: a Educao Profissional, deixou de ser exclusiva das instituies especializadas e passou a ser ofertada na rede regular de ensino, concomitantemente com a concluso do antigo segundo grau. 1982 - Lei n 7.044/82 tornou facultativa a profissionalizao no ensino de segundo grau. Com esta deciso, retoma-se o privilgio da profissionalizao a instituies especializadas, e as escolas de segundo grau revertem a grade curricular para atender somente o Ensino Acadmico. 1989 - Lei n 7.853, de 24/10/89, que dispe sobre o apoio s pessoas portadoras de deficincia, sua integrao social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integrao da Pessoa Portadora de Deficincia (Corde), institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuao do Ministrio Pblico, define crimes, e d outras providncias. Destaque para a rea da formao profissional e do trabalho (art. 2, III). 1991 - Lei n 8.213, de 24/7/91, que dispe sobre os Planos de Benefcios da Previdncia Social, e prev a reserva de cargos em empresas com cem ou mais empregados. 1991 - Decreto n 129, de 22/5/91, que promulga a Conveno n 159, da Organizao Internacional do Trabalho - OIT, sobre a Reabilitao Profissional e Emprego de Pessoas Deficientes.

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1994 - Lei n 8.859, de 23/3/94, que modifica dispositivos da Lei n 6.494, de 7/12/77, estendendo aos alunos de ensino especial o direito participao em atividades de estgio. 1996 - Lei n 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional), passa a englobar a Educao Mdia como consolidao do Ensino Fundamental. 1997 - Decreto n 2.208, de 17/4/97, que regulamenta o 2 do art. 36 e os arts. 39 a 42 (educao profissional) da Lei n 9.394, de 20/12/96. 1997 - Resoluo CNE n 2, de 26/6/97, que dispe sobre os programas especiais de formao pedaggica de docentes para as disciplinas do currculo do ensino fundamental, do ensino mdio e da educao profissional em nvel mdio. 1998 - Medida Provisria n 1.651-42, de 7/4/98, que substitui o art. 3 da Lei n 8.948, de 8/12/94, no que se refere educao profissional. 1999 - Decreto n 3.298, de 20/12/99, que regulamenta a Lei n 7.853, de 24/10/89 e revoga, entre outros, o Decreto n 914, de 06/7/93, que instituiu a Poltica Nacional para a Integrao da Pessoa Portadora de Deficincia e d outras providncias. Instruo Normativa n 5, de 30/8/91, que dispe sobre a fiscalizao do trabalho das pessoas portadoras de deficincia. 2001 - Instruo Normativa n 20, de 26/1/01, que traz os procedimentos a serem adotados na fiscalizao do trabalho das pessoas com deficincia. 2001 - Lei n 10.172, de 9/1/01 (Presidncia da Repblica): Plano Nacional de Educao (e dentro dele a educao profissional). 2001 - Instruo Normativa n 20, de 26/1/01 (Ministrio do Trabalho e Emprego / Secretaria de Inspeo do Trabalho): Procedimentos a serem adotados pela Fiscalizao do Trabalho no exerccio da atividade de fiscalizao do trabalho das pessoas com deficincia. 2001 - Portaria Conjunta n 1, de 13/8/01 (SEDH/Sefor/Seesp): Favorecimento da insero de pessoas com deficincia no mercado de trabalho. 2001 - Parecer n 17, de 15/8/01 (Conselho Nacional de Educao / Cmara de Educao Bsica): Estudos compilados sobre o tema Diretrizes Nacionais para a Educao Especial na Educao Bsica. 2001 - Resoluo n 2, de 11/9/01 (Conselho Nacional de Educao / Cmara de Educao Bsica): Diretrizes Nacionais para a Educao Especial na Educao Bsica. O art. 16 e o art. 17, 1 e 2, tratam da educao profissional e do encaminhamento ao mundo do trabalho. 2001 - Decreto n 3.956, de 8/10/01 [conhecido como a Conveno da Guatemala] (Presidncia da Repblica): Promulgao da Conveno Interamericana para a Eliminao de Todas as Formas de Discriminao contra as Pessoas Portadoras de Deficincia. 2004 - Decreto n 5.296, de 2/12/04 [Lei da Acessibilidade]: Regulamenta as Leis 10.048/00 (prioridade de atendimento) e 10.098/00 (normas de acessibilidade). 2005 - Lei n 11.180, de 23/9/05 Projeto Escola de Fbrica: Concesso de bolsas de permanncia a estudantes beneficirios do Programa Universidade para Todos. 2005 - Decreto n 5.598, de 1/12/05 Contrato de Aprendizes: Os artigos 2 e 3 conceituam o aprendiz com deficincia e a forma de contratao por parte de empresas.

2.2 BASES TERICASA educao prossional e de jovens e adultos que o Movimento Apaeano realiza em algumas de suas unidades escolares fundamenta-se na contribuio de tericos da psicologia e da educao como Vigotski, em relao aos aspectos histricos e socioculturais da aprendizagem e do desenvolvimento; de Paulo Freire, no que se refere pedagogia da liberdade, e de Howard Gardner, na sua teorizao sobre as inteligncias mltiplas.

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Baseiam-se, ainda, na teoria dos estilos de aprendizagem, tendo como referncia o modelo cognitivo e de processamento de informao, como desdobrados a seguir. 2.2.1 - CONTRIBUIES DE LEV SEMIONOVICH VIGOTSKI (1896-1934) A noo de decincia intelectual concebida por Vigotski constitui um dos pontos relevantes para a opo terica que se faz da aplicao de suas idias nesse documento de sistematizao. Considera-se de igual relevncia, sua perspectiva eussmica de decincia, que orienta para as possibilidades de desenvolvimento da pessoa no sentido da superao de suas limitaes, por meio de recursos mediacionais diversos que decorrem da interao dialtica do homem e seu meio sociocultural. Os estudos de Vigotski sobre decincia intelectual levaram-no compreenso de que as prticas sociais promovem o desenvolvimento cultural da pessoa, uma vez que no a decincia orgnica, por si s, que constitui a questo essencial da decincia, mas sua conseqncia no desenvolvimento cultural. A tese principal de seus estudos defectolgicos consiste na idia de que o desenvolvimento cultural da pessoa com defeito subordina-se a leis especiais, devido a diculdades especiais, do ponto de vista qualitativo, devendo ser superado por meios peculiares adequados. Essa tese revela a preocupao do autor com a diversidade e a diferena, caracterizandoas como peculiares, no no sentido depreciativo ou fatalista, mas de superao, como se pode vericar em suas armativas: [...] com freqncia, so necessrias formas culturais singulares, especialmente criadas para levar ao bom termo o desenvolvimento da criana com defeito [...] (Vigotski, 1995, p. 17). A pessoa com decincia busca formas alternativas de realizar suas atividades no ambiente fsico e social, encontrando meios criativos de ao, de modo que seu funcionamento intelectual promovido, a despeito de sua condio orgnica. Esse potencial precisa ser reconhecido e orientado pela escola, de modo a favorecer a construo de instrumentos psicolgicos do educando, possibilitando-lhe alcanar forma mais elevada de pensamento. Para isso, ao invs de pautar-se na diculdade orgnica e disfuno identicada, o trabalho pedaggico tem como ponto de partida a capacidade psicolgica do educando em constante processo de desenvolvimento - de modo a mediar sua construo cognitiva em direo ao nvel cada vez mais avanado. Para isso, deve valer-se de recursos e estratgias de ensino diferenciados, quando necessrio, para criar ambiente favorvel aprendizagem. Nessa perspectiva, Vigotski (1995) destaca o papel da escola e do professor no processo de compensao do aluno, ainda recomendando que as intervenes no se dirijam diretamente ao defeito, mas atuem sobre seu impacto social, de modo a superar condies social e cultural desfavorveis ao desenvolvimento da pessoa com decincia. Outra tese de Vigotski (1994) de signicativa aplicabilidade na educao prossional e de jovens e adultos diz respeito funo mediadora dos instrumentos e dos signos culturalmente partilhados na relao da pessoa com seu mundo. O autor ressalta a importncia da mediao no desenvolvimento psicolgico e cultural da pessoa, como elemento que orienta o complexo processo de desenvolvimento das funes psicolgicas superiores e a conduta humana. Em relao ao instrumento, Vigotski focaliza sua caracterstica como condutor da inuncia do homem sobre os objetos, como um meio (externo) de atividade humana dirigida para o controle e domnio da natureza. O signo, por outro lado, constitui um meio de atividade interna, dirigido para o controle do prprio indivduo (Vigotski, 1994). Ambos - signo e instrumento - transformam a atividade psicolgica em funes superiores, atributos unicamente humanos.

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A aplicao desse conhecimento por parte dos educadores implica a participao ativa da pessoa com decincia na vida escolar e social, utilizando sistemas de apoio que funcionem como mediadores para a realizao das atividades escolares, contornando as limitaes do educando em direo construo de instrumentos psicolgicos especiais, culturalmente no convencionais (Tunes, 2003). Essa viso permite ao educador entender que a prtica educacional massicada e homognea distancia-se das necessidades do educando, no contribuindo para o seu processo de desenvolvimento. A linguagem um importante sistema de signos desenvolvido pela humanidade. Alm de sua funo designativa dos objetos e eventos e de sua funo comunicativa, Vigotski defende seu papel constitutivo do desenvolvimento das funes psicolgicas superiores, uma vez que a linguagem possibilita a anlise, a categorizao, a generalizao e a abstrao, dentre outras capacidades cognitivas complexas. Permite superar o primitivismo das funes psicolgicas humanas. A pessoa com decincia, segundo Vigotski (2001) no faz uso da palavra como instrumento para a formao de conceito. Por essa razo, no alcana as formas superiores de atividade intelectual, bsica para a utilizao dos conceitos abstratos. Argumenta que o pensamento concreto da criana com decincia intelectual e sua incapacidade para o pensamento abstrato no se devem diretamente decincia intelectual, mas sua falta de domnio da palavra como instrumento do pensamento abstrato. A aplicao desse conhecimento ressalta a importncia de estimular o uso da linguagem desde a mais tenra idade e oportunizar seu exerccio nas trocas interpessoais, com os membros da comunidade escolar. Desse modo, contribui-se para o alcance de formas mais avanadas de pensamento. Outra tese de Vigotski que requer ateno nos programas e propostas de educao prossional e de educao de jovens e adultos diz respeito ao seu conceito de zona de desenvolvimento proximal. Seus estudos evidenciaram que a aprendizagem pode realizar-se mediante processos psquicos imaturos, ainda em desenvolvimento, e que a aprendizagem antecede e promove o desenvolvimento das funes psicolgicas superiores. O autor valese desse conceito para enfatizar a importncia das trocas entre pares para a aprendizagem, principalmente na relao com os colegas mais experientes. Essa tese enfatiza a importncia constitutiva do ensino e dos processos de apoio aprendizagem, uma vez que o educando pode realizar com ajuda o que no consegue sozinho, revelando sua capacidade potencial e a importncia do professor ter conhecimento dessa realidade. Desse modo, as pesquisas realizadas por Vigotski e seus colaboradores revelam a inuncia positiva da cooperao, bem como da induo, sugesto e imitao no desenvolvimento do educando. Argumenta: A criana orientada, ajudada e em colaborao, sempre pode fazer mais e resolver tarefas mais difceis do que quando sozinha. (Vigotski, 2001, p. 328). Essa armativa uma evidncia da inuncia constitutiva de outrem na aprendizagem e no desenvolvimento da pessoa e de como a relao do indivduo com o seu mundo sempre mediada pelo outro, por meio das relaes interpessoais. De que a dinamicidade da relao aprendizagem/desenvolvimento revela-se na diversidade entre as pessoas quanto sua zona de desenvolvimento imediato, onde so fornecidos os signicados culturalmente partilhados que permitem ao sujeito sua leitura da realidade. Outro aspecto a ser considerado na aprendizagem e no desenvolvimento da pessoa com decincia intelectual a dependncia das impresses visuais e concretas de suas experincias, em detrimento do desenvolvimento do pensamento abstrato. Desse modo, ressalta-se a importncia de enfatizar a abstrao, eliminando o excesso de visualizao, que pode constituir um obstculo ao desenvolvimento de formas mais avanadas de pensamento. Com base nessa convico, Vigotski defende que a escola deve adaptarse s decincias do educando, no sentido de contribuir para a sua aprendizagem e desenvolvimento, superando e vencendo suas diculdades. Para isso, valendo-se de meios mediacionais.

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Nessa perspectiva, Vigotski (1994) distingue os processos elementares dos processos psicolgicos superiores. Os elementares so de origem biolgica; os superiores, de origem sociocultural. Seu entrelaamento explica a prpria histria do comportamento humano. Ao invs de atuar apenas sobre processos elementares, a exemplo do que se fez na escola durante dcadas, necessrio desenvolver trabalho pedaggico orientado para o alcance de objetivos de maior complexidade, adotando-se ao pedaggica que apele para o uso do raciocnio abstrato e de formas mais elaboradas de pensamento. Para isso, indispensvel que se acredite no educando, em sua capacidade de superao, no desejo e no seu potencial de crescer. 2.2.2 - CONTRIBUIES DE HOWARD GARDNER: TEORIA DAS INTELIGNCIAS MLTIPLAS. Insatisfeito com a viso unitria de inteligncia e com a utilizao do QI como ndice de sua mensurao, Gardner (1995) desenvolve uma elaborao terica e emprica, ainda em apreciao pela comunidade cientca, como alternativa para a compreenso da inteligncia. uma concepo inovadora, que desaa e questiona a teoria do fator geral de inteligncia, prevalecente desde o incio do sculo. Segundo o autor, inteligncia implica na capacidade de resolver problemas ou elaborar produtos que so importantes num determinado ambiente ou comunidade cultural [...] Os problemas a serem resolvidos variam desde teorias cientcas at composies musicais. (p. 21). Sua teoria tem base organicista, defendendo a origem biolgica de cada capacidade de resolver problema e sua valorizao em um ou mais ambientes culturais. Por outro lado, cada inteligncia organiza-se em torno de um conjunto de informaes interna e externa, devendo ser codicada num sistema de smbolos, ou seja, constituir um sistema de signicados culturalmente compartilhado que capture e comunique informaes. O autor defende a existncia de mltiplas inteligncias, identicando sete categorias em suas pesquisas, que classica como (Gardner, 1995, 2000):(a) Inteligncia lingstica diz respeito capacidade verbal, sensibilidade para a lngua falada e escrita, a habilidade para aprender e usar a lngua e a linguagem oral ou gestual. (b) Inteligncia lgico-matemtica diz respeito capacidade de resolver problemas com lgica, realizar operaes matemticas e investigar questes cientficas. (c) Inteligncia espacial a capacidade de organizar mentalmente uma estrutura espacial, guiando-se efetivamente por ela, de reconhecer e manipular padres espaciais. (d) Inteligncia musical habilidade para atuar, compor e apreciar padres musicais. (e) Inteligncia fsico-cinestsica capacidade de resolver problema ou elaborar produtos utilizando o corpo e suas partes. (f) Inteligncia interpessoal capacidade de compreender outras pessoas, suas intenes, motivaes e desejos e de interagir com elas. (g) Inteligncia intrapessoal capacidade de autoconhecimento, auto-entendimento, de formar um modelo de si mesmo e de agir segundo ele regulando a prpria vida.

O autor associa as inteligncias lingstica e lgico-matemtica aos bons desempenhos nos testes de QI e ao bom desempenho acadmico, pela convergncia dessas capacidades com a demanda escolar. Segundo o autor, as inteligncias convivem livremente e as decincias e a superdotao so ilustrativas da dissincronia que existe entre elas, ou seja, pode-se observar destaques de uma ou mais inteligncia sobre as outras. Corrobora com essa tese a observao

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de pessoas com decincia, como se observa nos casos de autismo, por exemplo. Nas perturbaes do espectro do autismo, alguns estudiosos reconhecem limitaes na teoria da mente, conceito que corresponde ao de inteligncia interpessoal de Gardner e, ainda, na comunicao vergal e no-verbal, correspondente a seu conceito de inteligncia lingstica. Por outro lado, uma pessoa com autismo de alto funcionamento pode revelar um desempenho notvel em msica ou, com sndrome de Asperger, uma notvel capacidade de raciocnio lgico-matemtico. O mesmo se pode observar em relao pessoa superdotada ou com altas habilidades, que pode apresentar um desempenho notvel em uma ou mais capacidades, como artstica, espacial, dentre outras. Do mesmo modo, as pessoas em geral demonstram diferente composio de capacidades que podem ser consideradas medianas, elevadas ou limitadas. A contribuio