Educação Física escolar: saberes, práticas pedagógicas e...

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Educação Física escolar: saberes, práticas pedagógicas e formação

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Silvia Christina Madrid Finck (Org.)

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Foi feito o depósito legal.

1ª edição, 2013.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Educação Física escolar: saberes, práticas pedagógicas e formação / Silvia Christina Madrid Finck (Org.). – Curitiba: InterSaberes, 2013.

BIBLIOGrAFIA.ISBN 978-85-8212-891-6

1. Educação Física 2. Educação Física – Estudo e ensino 3. Educação Física – Formação profissional I. Finck, Silvia Christina Madrid.

13-07394 CDD-372.8607

Índices para catálogo sistemático:1. Educação Física escolar: Estudo e ensino 372.8607

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Apresentação • 9

Parte I • 13

1 Jogo: ludicidade, corpo

e movimento • 15Gonçalo Cassins Moreira do Carmo

Fabiane Distefano

2 Possibilidades do trabalho

pedagógico com a dança

no currículo da Educação Física

escolar • 45Fabíola Schiebelbein Capri

Patrícia Alzira Proscêncio

Silvia Pavesi Sborquia

3 A ginástica como conteúdo

da Educação Física escolar:

uma reflexão sobre sua

prática • 69Alfredo Cesar Antunes

Ricardo Domingues Ribas

4 Os esportes individuais

na Educação Física escolar:

o atletismo e algumas

possibilidades de ensino • 87Clóvis Marcelo Sedorko

5 O esporte na escola: reflexões

necessárias e possibilidades

para a mediação do seu

ensino • 113Silvia Christina Madrid Finck

Marcelo José Taques

Lisiane de Paula Ripka

6 As lutas: uma proposta para

a sistematização pedagógica

do karatê-dô • 145William Lopes da Silveira

Gonçalo Cassins Moreira do Carmo

Sumário

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Parte II • 171

7 Educação para a paz: aspectos

conceituais necessários

ao processo de reflexão

na Educação Física escolar • 173Nei Alberto Salles Filho

Rafael Trentin Scremin

8 Movimento, saúde e qualidade

de vida: espaço necessário

na Educação Física escolar • 199Silvia Christina Madrid Finck

Ademir Testa Junior

9 Educação Física, escola e

inclusão: como avaliar essa

relação? • 209Janaína Mayra de Oliveira Weber

Gilmar de Carvalho Cruz

10 A mídia: influências,

contribuições e possibilidades

para a Educação Física

escolar • 231Marcelo José Taques

Silvia Christina Madrid Finck

11 Pressupostos da organização

do trabalho pedagógico na

Educação Física escolar • 245Amauri Aparecido Bassoli de Oliveira

Claudio Kravchychyn

12 Preparação profissional em

Educação Física: reflexão sobre

as diretrizes curriculares • 267Alfredo Cesar Antunes

13 O currículo cultural da

Educação Física: contexto,

fundamentos e ação • 287Marcos Garcia Neira

Sobre os autores • 317

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ApresentaçãoEsta obra reúne textos produzidos tanto pelo Grupo de Estudos e

Pesquisas em Educação Física Escolar e Formação de Professores

(Gepefe) quanto por professores pesquisadores de outros grupos

relacionados. O Gepefe está alocado na Universidade Estadual de

Ponta Grossa (UEPG) e é vinculado ao Programa de Pós-Graduação

em Educação – Mestrado e Doutorado da instituição.

O grupo congrega profissionais que atuam no ensino superior

e na educação básica, além de alunos de graduação e pós-gradua-

ção. “As ações do Gepefe são desenvolvidas e direcionadas para

atender aspectos da formação docente que envolvem reflexões

e discussões, o incentivo à pesquisa, bem como possibilidades

de encaminhamentos metodológicos para o desenvolvimento da

Educação Física na escola” (Finck; Salles Filho, 2009, p. 9)*.

Os integrantes do Gepefe realizam estudos e pesquisas sobre

as questões que permeiam a Educação Física escolar: os saberes,

a prática pedagógica e a formação de professores. O Gepefe tem

como principal objetivo “desenvolver reflexões, análises, estu-

dos, discussões e ações que resultem em pesquisas, publicações

e intervenções que venham contribuir para redimensionar o

desenvolvimento da Educação Física tanto no contexto escolar

como no de formação de professores” (Finck; Salles Filho, 2009).

* FINCK, S. C. M.; SALLES FILHO, N. A. Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Física Escolar e Formação de Professores – Gepefe: possibilidades de intervenção no contexto escolar e de formação. In: CONGrESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 9., 2009, Curitiba. Anais… Curitiba: Educere/PUCPr, 2009. Disponível em: <http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2009/anais/pdf/2602_1253.pdf>. Acesso em: 7 ago. 2012.

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Este livro é composto por treze artigos e reúne parte da pro-

dução do Gepefe, abrangendo temáticas que têm permeado as

discussões promovidas pelo grupo desde sua fundação, em 2006.

Há também textos elaborados por docentes pesquisadores de

outras instituições de ensino superior (Universidade Estadual

de Londrina – UEL, Universidade Estadual de Maringá – UEM,

Universidade Estadual do Centro-Oeste – Unicentro e Universidade

de São Paulo – USP), resultantes do trabalho acadêmico realizado

nos âmbitos da Educação e da Educação Física.

A coletânea está dividida em duas partes. A primeira, consti-

tuída de seis artigos, trata dos saberes/conhecimentos e da prática

pedagógica da Educação Física escolar; a segunda parte, da qual

constam sete artigos, envolve temáticas de outros saberes que

permeiam a prática pedagógica do professor de Educação Física,

enfoca os pressupostos da organização do trabalho pedagógico e

proporciona uma reflexão sobre as diretrizes curriculares, apon-

tando aspectos relacionados ao currículo e à formação docente.

A primeira parte do livro inicia com o artigo de Gonçalo Cassins

Moreira do Carmo e Fabiane Distefano, no qual os autores abordam

o jogo, com destaque para estudos de Huizinga, Piaget, Vygotsky,

entre outros. Os autores discorrem, principalmente, sobre a ludici-

dade, as fases do jogo e sua importância para o desenvolvimento

infantil, focalizando também o jogo na perspectiva das abordagens

desenvolvimentista e construtivista.

No segundo artigo, de Fabíola Schiebelbein Capri, Patrícia Alzira

Proscêncio e Silvia Pavesi Sborquia, as autoras destacam o traba-

lho pedagógico da dança no currículo da Educação Física escolar,

problematizando questões relacionadas ao ensino dessa modali-

dade na escola, ao mesmo tempo que evidenciam sua importância

como conhecimento da cultura corporal de movimento.

O terceiro artigo, escrito por Alfredo Cesar Antunes e ricardo

Domingues ribas, trata da ginástica como conteúdo da Educação

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Física escolar, possibilitando ao leitor uma reflexão sobre o de-

senvolvimento da modalidade no contexto da escola.

No artigo subsequente, de Clóvis Marcelo Sedorko, o esporte é

abordado na perspectiva individual, com enfoque específico no

atletismo. O autor destaca a importância dessa modalidade como

esporte individual e ainda aponta possibilidades pedagógicas para

seu desenvolvimento na escola.

No quinto artigo, o esporte ganha destaque na escola na pers-

pectiva coletiva. Silvia Christina Madrid Finck, Marcelo José Taques

e Lisiane de Paula ripka discorrem sobre a importância do esporte

como fenômeno social, evidenciando aspectos fundamentais que

possibilitam reflexões sobre seu desenvolvimento no contexto

escolar. Os autores enfocam ainda o desenvolvimento de um

projeto escolar no qual o esporte foi trabalhado numa perspectiva

metodológica crítica.

O sexto e último artigo da primeira parte deste livro é de autoria

de William Lopes da Silveira e Gonçalo Cassins Moreira do Carmo.

Nesse texto, os autores destacam as lutas como conhecimento

importante da cultura corporal de movimento, apontando uma

proposta para a sistematização pedagógica do karatê-dô na escola.

A segunda parte da obra inicia com o artigo de Nei Alberto Salles

Filho e rafael Trentin Scremin, no qual são tratados aspectos

conceituais para uma educação para a paz. Segundo os autores,

essa abordagem é necessária para subsidiar reflexões que visem

ao desenvolvimento da Educação Física escolar sob tal perspectiva.

O segundo artigo aborda o movimento, a saúde e a qualidade de

vida no espaço da Educação Física escolar. Ademir Testa Junior e

Silvia Christina Madrid Finck destacam a importância de os três

eixos serem abordados nas aulas de Educação Física, no sentido

de ampliar os conhecimentos dos alunos, a fim de que possam

utilizá-los em benefício de uma melhor qualidade de vida.

O artigo subsequente, de autoria de Janaína Mayra de Oliveira

Weber e Gilmar de Carvalho Cruz, discorre sobre a relação entre

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a Educação Física, a escola e a inclusão. Os autores levantam

questionamentos que possibilitam a reflexão sobre como avaliar

essa relação.

No quarto artigo, Marcelo José Taques e Silvia Christina Madrid

Finck abordam as influências, contribuições e possibilidades da

mídia para a Educação Física escolar. Os autores instigam o lei-

tor a refletir acerca da mídia de uma forma ampla e destacam

aspectos a serem considerados no desenvolvimento da Educação

Física escolar.

O quinto artigo, de autoria dos professores Amauri Aparecido

Bassoli de Oliveira e Claudio Kravchychyn, aborda a organização

do trabalho pedagógico da Educação Física na escola. Nesse texto,

os autores indicam pressupostos para subsidiar o trabalho docente

em relação a aspectos organizacionais e metodológicos.

O artigo de autoria de Alfredo Cesar Antunes trata da prepa-

ração profissional em Educação Física, possibilitando ao leitor

uma reflexão sobre as diretrizes curriculares acerca dessa for-

mação. O autor faz uma análise documental sobre as diretrizes

curriculares, no que se refere à dimensão prática na preparação

profissional – concepção e organização acadêmica.

No último artigo, o professor Marcos Garcia Neira trata do currí-

culo da formação em Educação Física e prioriza o aspecto cultural

e suas possíveis influências na construção de identidades dos

sujeitos, considerando-se o contexto, seus fundamentos e ações.

Esperamos que este livro possa contribuir para as reflexões

sobre as questões relacionadas à Educação Física escolar, bem

como para a ampliação do diálogo acerca dos saberes, da prática

pedagógica e da formação em Educação Física, entre os professores

que atuam tanto na Educação Básica como na formação docente.

Silvia Christina Madrid Finck

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Parte I

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1Jogo: ludicidade, corpo e movimentoGonçalo Cassins Moreira do Carmo

Fabiane Distefano

Embora o lúdico esteja presente em diferentes instâncias e dinâmi-

cas da vida social (trabalho, lazer, educação, religião, sexo, política

etc.), é no jogo que se encontra um amplo espaço para discussão.

Ao longo dos anos, vários pesquisadores têm se dedicado ao

estudo do jogo. Poucos, porém, foram os que conseguiram alcan-

çar reconhecimento ou mesmo obter certo destaque; alguns, por

outro lado, tornaram-se clássicos.

De acordo com Pimentel e Pimentel (2009, p. 164),

A primeira abordagem moderna sobre o tema e, possivelmente,

a mais conhecida e polêmica tese sobre a relação do lúdico com

a cultura foi defendida por Huizinga (1980)*. Para ele, o jogo é um

construto historicamente constituído pela cultura, mas, dialeti-

camente, pode tratar-se de um fenômeno que, por ser anterior à

cultura [...] [teria impulsionado] estruturalmente boa parte das

instituições humanas.

Um ponto básico em que se apoiam os estudos de Huizinga “é que

a cultura surge sob a forma de jogo, que ela é, desde seus primeiros

passos, como que ‘jogada’” (Huizinga, 2000, p. 37).

Nesse sentido, a ideia de cultura encontrada na obra de Huizinga

(2000) está ligada, de certa forma, à tradição alemã, que entende

* Em nosso texto, ctiamos a edição de 2000, da mesma obra de Huizinga. Os números de páginas se referem a esta edição.

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as obras de arte e os livros, entre outros, como “produtos huma-

nos”. Desse modo, talvez seja esclarecedora uma passagem em

que Huizinga (2000, p. 37) afirma que:

No decurso da evolução de uma cultura, quer progredindo quer

regredindo, a relação original por nós definida entre o jogo e o

não jogo não permanece imutável. regra geral, o elemento lúdico

vai gradualmente passando para segundo plano, sendo sua maior

parte absorvida pela esfera do sagrado. O restante cristaliza-se

sob a forma de saber: folclore, poesia, filosofia, e as diversas for-

mas da vida jurídica e política. Fica assim completamente oculto

por detrás dos fenômenos culturais o elemento lúdico original.

Assim, à medida que se cristaliza sob a forma do saber, o elemento

lúdico ascende à condição de cultura. No entanto, como argumenta

Lucena (1998, p. 34), “essa condição só perdura na medida em que

não esteja totalmente desconectado de formas lúdicas”. Daí surge

o interesse em questionarmos de que maneira a cultura atual

continua a se manifestar por meio de formas lúdicas.

Para Huizinga (2000, p. 5):

o jogo é mais do que um fenômeno fisiológico ou um reflexo psi-

cológico. Ultrapassa os limites da atividade puramente física ou

biológica. É uma função significante, isto é, encerra um determinado

sentido. [...] Seja qual for a maneira como o considerem, o simples

fato de o jogo encerrar um sentido implica a presença de um ele-

mento não material em sua própria essência. [grifo do original]

Huizinga (2000, p. 5) aponta algumas teorias que procuram de-

terminar a natureza e o significado do jogo, atribuindo-lhe um

lugar no sistema da vida.

Há uma extraordinária divergência entre as numerosas tentativas

de definição da função biológica do jogo. Umas definem as origens

e fundamento do jogo em termos de descarga da energia vital

superabundante, outras como satisfação de um certo “instinto

de imitação”, ou ainda simplesmente como uma “necessidade”

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de distensão. Segundo uma teoria, o jogo constitui uma prepa-

ração do jovem para as tarefas sérias que mais tarde a vida dele

exigirá, segundo outra, trata-se de um exercício de autocontrole

indispensável ao indivíduo. Outras veem o princípio do jogo como

um impulso inato para exercer uma certa faculdade, ou como

desejo de dominar ou competir. Teorias há, ainda, que o conside-

ram uma “ab-reação”, um escape para impulsos prejudiciais, um

restaurador da energia dispendida por uma atividade unilateral,

ou “realização do desejo”, ou uma ficção destinada a preservar o

sentimento do valor pessoal etc.

Poderíamos prosseguir citando ou mesmo nos aprofundando em

uma ou algumas dessas teorias. Entretanto, nossa intenção inicial

é demonstrar que existe “um elemento comum a todas essas hi-

póteses: todas elas partem do pressuposto de que o jogo se acha

ligado a alguma coisa que não seja o próprio jogo, que nele deve

haver alguma espécie de finalidade biológica” (Huizinga, 2000, p. 6).

Essas teorias se interrogam sobre os motivos e os objetivos do

jogo, e as respostas mais se completam do que se excluem. Desse

modo, podemos aceitar quase todas, o que não nos aproxima

“de uma verdadeira compreensão do conceito de jogo. Todas as

respostas, porém, não passam de soluções parciais do problema”

(Huizinga, 2000, p. 6).

Para Huizinga (2000, p. 6), “é nessa intensidade, nessa fascina-

ção, nessa capacidade de excitar que reside a própria essência e a

característica primordial do jogo”. Segundo esse historiador, entre

os elementos do jogo estão a tensão, a alegria e o divertimento,

sendo que este último resiste a qualquer análise ou interpreta-

ção lógica. Portanto, de acordo com o referido autor, é necessário

avaliar e compreender o jogo em sua totalidade.

Como afirma Huizinga (2000, p. 6-7),

A existência do jogo não está ligada a qualquer grau determinado

de civilização, ou a qualquer concepção do universo. Todo ser

pensante é capaz de entender à primeira vista que o jogo possui

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uma realidade autônoma, mesmo que sua língua não possua um

termo geral capaz de defini-lo. A existência do jogo é inegável.

O jogo é entendido por Huizinga (2000, p. 7) “como um elemento

dado existente antes da própria cultura, acompanhando-a e mar-

cando-a desde as mais distantes origens até a fase de civilização

em que agora nos encontramos”. O objeto de estudo desse autor

(2000, p. 7) “é o jogo como forma específica de atividade, como

‘forma significante’, como função social”, ou seja, como “fator cul-

tural da vida”. Assim, de acordo com esse historiador, as grandes

atividades arquetípicas da sociedade humana são inteiramente

marcadas pelo jogo, como a linguagem, o mito, o culto, o direito

e a ordem, o comércio e o lucro, a indústria e a arte, a poesia,

a sabedoria e a ciência.

Para Huizinga (2000, p. 9), “O jogo não é compreendido pela

antítese entre sabedoria e loucura, ou pelas que opõem a verdade

e a falsidade, ou o bem e o mal. Embora seja uma atividade não

material, não desempenha uma função moral, sendo impossível

aplicar-lhe as noções de vício e virtude”. Huizinga (2000) considera

as manifestações sociais como as formas mais elevadas de jogo.

Apresentamos até aqui, mesmo que de forma passageira, al-

gumas interfaces entre o jogo e a cultura. Todavia, torna-se ne-

cessário pontuarmos as principais características do jogo, bem

como conceituá-lo.

Huizinga (2000) elenca algumas características do jogo, as quais

são consideradas fundamentais e servem como pontos de apoio

para sua análise. Segundo o autor (2000, p. 13-14),

Numa tentativa de resumir as características formais do jogo,

poderíamos considerá-lo uma atividade livre, conscientemente

tomada como “não séria” e exterior à vida habitual, mas ao mesmo

tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e total.

É uma atividade desligada de todo e qualquer interesse material,

com a qual não se pode obter qualquer lucro, praticada dentro de

limites espaciais e temporais próprios, segundo uma certa ordem

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e certas regras. Promove a formação de grupos sociais com ten-

dência a rodearem-se de segredo e a sublinharem sua diferença

em relação ao resto do mundo por meio de disfarces ou outros

meios semelhantes.

Em síntese, para Huizinga (2000, p. 24),

o jogo é uma atividade ou uma ocupação voluntária, exercida

dentro de certos e determinados limites de tempo e de espaço,

segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obri-

gatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um

sentimento de tensão e de alegria e de uma consciência de ser

diferente da “vida quotidiana”.

Diante de perguntas seculares, as quais questionam o que é sé-

rio, o que é jogo, o que é respeitado e o que é aceito socialmente,

Huizinga (2000, p. 151) posiciona-se da seguinte forma:

a verdadeira civilização não pode existir sem um certo elemento

lúdico, porque a civilização implica a limitação e o domínio de

si próprio, a capacidade de não tomar suas próprias tendências

pelo fim último da humanidade, compreendendo que se está

encerrado dentro de certos limites livremente aceites. De certo

modo, a civilização sempre será um jogo governado por certas

regras, e a verdadeira civilização sempre exigirá o espírito espor-

tivo, a capacidade de fair play. O fair play é simplesmente a boa-fé

expressa em termos lúdicos.

No entendimento de Bruhns (1993, citado por Pimentel e

Pimentel, 2009), “De forma ampliada, o lúdico é visto como poten-

cial transformador presente em ações criativas, como a atividade

científica, o erotismo, a literatura e as artes em geral”.

Entretanto, o termo lúdico mostra-se polissêmico. Entre as várias

possibilidades de compreensão, temos aquelas que se referem ao

comportamento típico de jogo, como um adjetivo para as atividades

de jogo e brincadeiras, como a própria essência do jogo ou, ainda,

como uma constante antropológica que envolve as experiências de

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lazer (Marcellino, 1990; Bruhns, 1993; Bramante, 1998; Bracht, 2003;

Gomes, 2003).

A questão que se coloca é justamente a fragilidade com que o

tema é constantemente enfrentado e seus consequentes desdobra-

mentos que se transferem para a esfera do corpo e do movimento.

De acordo com Gomes (2004), o termo lúdico é considerado como

lugar naturalizador de sentidos, que passam a ser tomados no seu

efeito de evidência. “O percurso vai se configurando no ir e vir de

autores como Huizinga (1980), Marcellino (1990), Bramante (1998),

Bracht (2003) e Werneck (2003) nas suas buscas por esboçar ou

conjugar uma espécie de ‘tentativa de identidade’ para o lúdico”

(Pimentel; Pimentel, 2009).

A questão que ora se coloca é que o lúdico, ou qualquer adjetivo

que pretendamos atribuir a esse lúdico, ocorre, invariavelmente,

por meio de ações corporais, numa contínua interação entre su-

jeito e objeto. Nessa direção, Piaget (1996, p. 43) afirma o seguinte:

O conhecimento implica uma série de estruturas construídas

progressivamente através de contínua interação entre o sujeito,

o meio físico e o social, portanto o ambiente escolar deve ser es-

timulante e favorecer essa interação, e para isso, deve o projeto

político-pedagógico da escola estar fundamentado numa proposta

de trabalho que tenha como características: processos dinâmicos

subjacentes à construção das estruturas cognitivas.

Ainda de acordo com Piaget (1996, p. 46), entendemos o jogo

como a construção do conhecimento, principalmente, nos pe-

ríodos sensório-motor e pré-operatório. Agindo sobre os objetos,

as crianças, desde pequenas, estruturam seu espaço, seu tempo,

desenvolvem a noção de casualidade, chegando à representação

e, finalmente, à lógica.

Diante de tais pressupostos, é possível perceber que o conheci-

mento se constrói graças à interação entre sujeito e meio ambiente.

Portanto, a ação motora é determinante. Mas, se a ação motora

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é um componente fundamental para o desenvolvimento cognitivo,

qual é seu papel nas demais esferas do comportamento humano?

Ao estudar o desenvolvimento humano, Piaget salienta que existe

certo equilíbrio do homem com o meio ambiente e através dele

desenvolve-se a inteligência. Segundo Piaget isso é feito por

adaptação e organização. A adaptação tem duas formas básicas:

a assimilação e a acomodação. Na assimilação, o indivíduo usa

as estruturas psíquicas que já possui. Porém se elas não forem

suficientes, é necessário construir novas estruturas e assim é

desenvolvida a acomodação. (Souza, 2012)

Conforme Piaget (1996), “na assimilação e na acomodação pode-

mos reconhecer a correspondência prática daquilo que serão mais

tarde a dedução e a experiência”. Todavia, na organização há uma

articulação dos processos com as estruturas existentes e a reorga-

nização de todo o conjunto. Desse modo, compreendemos que “o

indivíduo constrói e reconstrói continuamente as estruturas que

o tornam cada vez mais apto ao equilíbrio” (Piaget, 1996, p. 58).

É compreensível que a criança brinque pelo divertimento; no

entanto, há objetivos a serem alcançados. À medida que apare-

cem regras, o jogo de exercício ganha identidade, tornando-se

indispensável a separação entre o jogo e a técnica. Com as regras

já estruturadas, devem ser buscadas novas estratégias para o

alcance dos objetivos.

Devries e Kamii (1991, p. 73) afirmam:

Os jogos servem, particularmente, para promover o desenvol-

vimento da cooperação, porque as crianças são motivadas pelo

divertimento do jogo a cooperar voluntariamente (autonomamente)

com outros, seguindo as regras. Jogos requerem, em grande parte,

adequação e coordenação interindividual, e as crianças são motiva-

das a usar sua inteligência para compreender como jogar bem o jogo.

O jogo está presente nas diversas etapas do desenvolvimento

humano, podendo contribuir para o processo da socialização

das crianças, bem como para a realização de tarefas individuais.

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Ao contrário do que se possa supor, mesmo quando desenvolvido

de forma lúdica, o jogo tem seus objetivos, “Sobretudo porque a

atividade lúdica também tem objetivo a alcançar (gol, por exemplo),

salvo nas formas mais larvares do procedimento lúdico, como no

mero jogo de exercício, e, em parte, no jogo simbólico, em que o

‘objetivo’ não é, provavelmente, consciente”. (Piaget, 1980, p.110,

grifo do original).

Para Piaget (1980, p. 115), o jogo com regras tem um objetivo a

alcançar (êxito). Mesmo sendo jogado apenas por lazer, existem

regras, pois aquele que joga almeja algo. Assim, o jogo pode ser

desenvolvido com propósitos totalmente diferentes: propiciar

diversão ou descobrir e sugerir novas estratégias.

Piaget (1980) realça que o jogo é simbólico e que seu simbo-

lismo está determinado por uma lógica de construção do mundo

imaginário do jogo, mundo este considerado lúdico, mas que a

criança compreende como real. Tal mundo é desejado e criado

pela criança e traz a ela prazer e satisfação, conforme afirma

Elkonin (1998, p. 153):

É natural que essa ideia subentenda as funções fundamentais que

regem o aparecimento das imagens dos sonhos: a condensação,

que faz fundir-se em umas várias imagens distintas, e o desloca-

mento, que translada de um objeto para outro as características

pertencentes ao primeiro. Isso é o que leva ao simbolismo no jogo.

Portanto, o jogo é simbólico, e o seu simbolismo está determinado

por uma lógica sincrética especial de construção do mundo imagi-

nário do jogo. Esse mundo imaginário, o mundo lúdico, está frente

a frente com o mundo da realidade e, para a criança, é mais real

do que este último.

Podemos perceber também que, para Piaget (1980), o jogo di-

recionado à criança surge como pertencedor de um mundo de

sonhos, considerado mais importante para ela do que o mundo

real. Contudo, isso não quer dizer que seja menos real que o outro.

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Diante disso, a criança se vê obrigada a se adaptar a um mundo

social, cujas regras lhe parecem exteriores, ou seja, um mundo

no qual ela mal consegue satisfazer suas necessidades afetivas.

Assim, a criança busca seu equilíbrio afetivo e intelectual em

atividades nas quais sua motivação não se baseie no real, mas se

dê por meio da assimilação do real ao seu próprio eu, e, para isso,

utiliza a inteligência, que é constatada como o ponto de equilíbrio

entre a assimilação e a acomodação do mundo que imagina.

A assimilação é essencialmente o meio externo buscado pelo

indivíduo para alimentar seus esquemas hereditários ou adqui-

ridos, e a acomodação permanece de tal forma indiferenciada

dos processos assimiladores que não ocasiona nenhuma conduta

ativa especial. Em busca da fuga do mundo social, a criança se

prende à sua imaginação, criando jogos e vivendo dentro desse

mundo constituído pelo jogo. A respeito do tema, Elkonin (1998,

p. 153) se posiciona da seguinte forma:

O jogo, do ponto de vista de Piaget, pertence ao mundo dos sonhos

autistas, dos desejos insatisfeitos na realidade, das inesgotáveis

possibilidades. Esse mundo é o mais importante, é uma verdadeira

realidade para a criança; em todo caso, esse mundo não é, para

a criança, menos real do que o outro – o mundo da coerção, das

propriedades permanentes dos objetos, da causalidade – o mundo

dos adultos. Examinando o desenvolvimento das noções de rea-

lidade, Piaget indica que até dois ou três anos de idade “o real é

simplesmente desejável”.

Aproximadamente aos 2 anos de idade começam a surgir os jogos

de faz de conta para a criança. Esses jogos estimulam o desen-

volvimento do pensamento infantil e são caracterizados como

símbolos lúdicos, pois a criança distorce a função dos objetos e faz

adequações destes para seu mundo, de acordo com sua fantasia

de criança. Podemos melhor compreender a ideia nas palavras de

Pulaski (1986, p. 91), quando evidencia o pensamento de Piaget:

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Assim, desde o início do segundo ano de vida, Piaget discerne os

jogos de “faz de conta”, “característicos do símbolo lúdico, em

contraposição aos simples jogos motores”. [...] a função da ativi-

dade lúdica ou simbólica é distorcer os objetos da realidade para

adequá-los à fantasia da criança.

Piaget (citado por Pulaski, 1986, p. 91) destaca três categorias

relacionadas ao jogo: os jogos práticos, os simbólicos e os que

têm regras.

O maior interesse de Piaget centra-se nos jogos simbólicos,

que podem ser imitativos e imaginativos, pois auxiliam no de-

senvolvimento da expressão criativa e na vida fantasiosa, rica e

satisfatória da criança. Sua ideia está relacionada aos aspectos

cognitivos. O ápice do jogo simbólico ocorre entre as idades de 2

e 4 anos, e é nesse espaço de tempo que surgem os companheiros

imaginários, considerados inseparáveis. É com esses companheiros

que as crianças, de certa forma, conversam e, muitas vezes, é a

eles que confidenciam coisas. Nas palavras de Pulaski (1986, p. 92),

A maior parte do interesse de Piaget se centra nos jogos simbólicos,

que “implicam na representação de um objeto ausente” e são, a

um tempo, imitativos e imaginativos. [...] Entre as idades de dois

(fim do período sensório-motor) e quatro anos, o jogo simbólico

atinge seu ápice [...]. Os companheiros imaginários quase sempre

surgem nesse estágio do jogo simbólico das crianças [...]. Tornam-se

companheiros inseparáveis [...]. As crianças podem referir-se a

eles ou sussurrar-lhes secretamente.

Muitas vezes, as crianças tomam atitudes – de forma a satisfa-

zerem a si próprias – que ignoram a realidade e trazem-na para

um mundo imaginário, a fim de melhor compreendê-la. A esse

respeito, Piaget (citado por Devries e Kamii, 1991, p. 18) afirma

que “a criança distorce um objeto ou um acontecimento para seu

próprio prazer”. Por exemplo, num jogo simbólico, a criança ignora

a realidade e finge estar embalando um bebê ou apagando o fogo

com uma mangueira imaginária.

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O jogo pode se tornar social após a criança completar 4 ou 5 anos,

em média. Isso acontece porque ela aparenta melhor equilíbrio e

acomodação nessa idade, o que faz com que tenha mais interesse

pelo mundo real, deixando seu mundo de fantasias de lado. Com

o passar do tempo e o fim da infância, o jogo simbólico pode se

encerrar. Piaget (citado por Pulaski, 1986, p. 96) destaca que:

Após a idade de quatro ou cinco anos, o jogo simbólico se torna

progressivamente mais social. Simbolismo coletivo é a expressão

que encontrou para o jogo em que as crianças assumem papéis

diferentes e os representam com uma conscientização mútua [...]

isso se dá porque a criança está atingindo um melhor equilíbrio

entre a assimilação e acomodação, interessando-se mais pelo

mundo real do que por suas fantasias particulares [...]. O jogo

simbólico parece encerrar-se com a infância.

O jogo, de maneira geral, é realizado pelo simples prazer de ser

praticado.

Para Piaget (1990), o conhecimento da criança vai sendo cons-

truído por meio do jogo, nos períodos sensório-motor e pré-ope-

ratório. De acordo com Kamii (2003, p. 27), “para explicar essa

posição, [Piaget] dá as seguintes razões: por um lado, para o

recém-nascido não existem objetos; por outro, os objetos não

podem existir para o bebê antes que este possa impor a estrutura

dos objetos à massa de sensações amorfas”.

No que diz respeito aos jogos de grupo, Devries e Kamii (1991,

p. 74) afirmam que:

O jogo de grupo pode ser utilizado para favorecer o desenvolvi-

mento cognitivo, social e moral. Os jogos prestam-se particular-

mente bem ao desenvolvimento da cooperação: no jogo, a criança

coopera voluntariamente (de uma maneira autônoma) com as

outras, praticando as regras. Os jogos deste gênero exigem muita

descentração e coordenação interindividual e as crianças são

motivadas a utilizar sua inteligência para jogar bem.

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Os jogos de grupo não são muito utilizados no desenvolvimento

educacional, e sim no cognitivo, no social e no moral, porque a

criança, quando está jogando, joga com os outros, mas pensa

de maneira autônoma, não havendo concordância com o que os

outros pensam.

Conforme expusemos até este ponto, o jogo pode ser conside-

rado um dos instrumentos mais preciosos para a educação. Para

Vygotsky (2003, p. 104),

O critério popular considera o jogo como uma distração, uma

diversão, à qual se deve dedicar apenas uma hora. Por isso, em

geral não se dá nenhum valor ao jogo e, no melhor dos casos,

estima-se que se trata de uma fraqueza natural da infância, que

ajuda a criança a passar o tempo. No entanto, a observação atenta

descobriu há muito tempo que o jogo aparece invariavelmente

em todas as etapas da vida cultural dos povos mais diversos e,

portanto, representa uma peculiaridade insuperável e natural

da condição humana.

Por meio de observações, Vygotsky (2003) descobriu que há muito

tempo o jogo é usado em todas as etapas da vida do ser humano e

também dos animais, pois estes igualmente brincam. Ao discutir

o jogo, Vygotsky (2003, p. 104) o associa à descarga de energia acu-

mulada no jovem, que não pode ser eliminada pelas necessidades

naturais. Ainda sobre o assunto, o referido autor comenta que:

O jogo deve ser necessário para algo, deve ter alguma missão

biológica, pois do contrário não existiria nem teria tão ampla

difusão […] mediante uma observação atenta, percebemos sem

esforço que, além de movimentos inúteis e desnecessários, o jogo

também inclui movimentos ligados a futuras atividades do ani-

mal, que assim vai elaborando o hábito e a habilidade para essa

atividade, preparando-se para a vida, estabelecendo e exercitando

as disposições adequadas. O jogo é a escola natural do animal.

Atividades como o brincar e o jogar podem resultar em experiên-

cias de prazer intenso para a criança, mas também podem ser

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consideradas atividades não agradáveis, como, segundo Vygotsky

(1998, p. 121), jogos que só dão prazer à criança se ela conside-

rar o resultado interessante. Os jogos esportivos (não somente

os esportes atléticos, mas também outros jogos que podem ser

ganhos ou perdidos) são, com muita frequência, acompanhados

de desprazer, quando o resultado é desfavorável para a criança.

Para Vygotsky, (1998, p. 125), “O mais simples jogo com regras

transforma-se imediatamente numa situação imaginária, no sen-

tido de que, assim que o jogo é regulamentado por certas regras,

várias possibilidades de ação são eliminadas”. Se a criança brinca,

é porque o jogo tem alguma importância para ela; entretanto, ele

deve ser instituído de acordo com a idade dessa criança.

A criança com menos de 3 anos tem tendência a satisfazer

seus desejos imediatamente; o intervalo entre um desejo e sua

satisfação é curto, ou seja, seu desejo deve ser satisfeito naquele

momento, e, se não puder ser atendido, ela fica mal-humorada.

No entanto, essa criança pode ser acalmada e distraída de forma

a se esquecer de seu desejo. Para melhor compreendermos, re-

corremos a rego (2001, p. 81):

É, portanto, impossível a participação da criança muito pequena

numa situação imaginária. Ela tende a querer satisfazer seus

desejos imediatamente: ninguém jamais encontrou uma criança

muito pequena, com menos de três anos de idade, que quisesse

fazer alguma coisa dali a alguns dias, no futuro.

Já uma criança na fase da educação infantil busca, por meio da

imaginação, a criação de um mundo ilusório, no qual os desejos

podem ser satisfeitos, e esse mundo se realiza por meio dos brin-

quedos. Nesse sentido, rego (2001, p. 82) evidencia que:

A criança passa a criar uma situação ilusória e imaginária, como

forma de satisfazer seus desejos não realizáveis. Esta é, aliás, a

característica que define o brinquedo de um modo geral. A criança

brinca pela necessidade de agir em relação ao mundo mais amplo dos

adultos e não apenas ao universo dos objetos a que ela tem acesso.

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A imaginação é um processo psicológico novo para a criança e

representa uma forma humana de atividade consciente. Com o

uso da imaginação, aparecem novos e diferentes mundos em que

a criança cria, aprende, erra e reconstrói, transformando, assim,

o imaginário em real. Em relação à criança que se encontra na

fase escolar da educação infantil, a imaginação é o brinquedo sem

ação, e, para que a ação se realize, são necessárias a motivação e

a cognição como processos circunstanciais da atividade. Nessa

direção, Vygotsky (1998, p. 122) se posiciona da seguinte forma:

“Como todas as funções da consciência, ela surge originalmente

de ação. O velho adágio de que o brincar da criança é imaginação

em ação deve ser invertido; podemos dizer que a imaginação, nos

adolescentes e nas crianças em idade pré-escolar, é o brinquedo

sem ação”. [...] (capítulo 7) A partir dessa perspectiva, torna-se

claro que o prazer derivado do brinquedo na idade pré-escolar é

controlado por motivações diferentes daquelas do simples chupar

chupeta. Isso não quer dizer que todos os desejos não satisfeitos

dão origem a brinquedos. [...]

raramente as coisas acontecem exatamente dessa maneira.

Tampouco a presença de tais emoções generalizadas no brinquedo

significa que a própria criança entende as motivações que dão ori-

gem ao jogo. Quanto a isso, o brinquedo difere substancialmente

do trabalho e de outras formas de atividade.

Segundo Vygotsky (2003, p. 107), para a criança, o jogo é consi-

derado a primeira escola de pensamento. Se introduzirmos no

jogo determinadas regras, a criança estará desenvolvendo suas

condutas, o que lhe possibilita chegar a determinados objetivos.

Com os jogos de regras, a criança organiza seu comportamento.

Vygotsky (1998, p. 124) afirma que o brinquedo envolvido em uma

situação imaginária é de fato um brinquedo baseado em regras,

ainda que realizado por simples prazer. Durante a brincadeira,

o que na vida real passa despercebido pela criança torna-se uma

regra de comportamento.

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De acordo com Vygotsky (1998, p. 125), as regras estão sempre

presentes quando há uma situação imaginária no brinquedo, não

as regras previamente formuladas e que mudam durante o jogo,

mas sim aquelas que se originam da própria situação imaginária:

[...] tem-se demonstrado que os assim chamados jogos puros com

regras são, essencialmente, jogos com situações imaginárias. Da

mesma forma que uma situação imaginária tem que conter regras

de comportamento, todo jogo com regras contém uma situação

imaginária. Jogar xadrez, por exemplo, cria uma situação imagi-

nária. Por quê? Porque o cavalo, o rei, a rainha etc., só podem se

mover de maneiras determinadas; porque proteger e comer peças

são, puramente, conceitos de xadrez.

Embora no jogo de xadrez não haja uma substituição direta das

relações da vida real, ele é, sem dúvida, um tipo de situação ima-

ginária. O mais simples jogo com regras transforma-se imedia-

tamente numa situação imaginária, no sentido de que, assim que

o jogo é regulamentado por certas regras, várias possibilidades

de ação são eliminadas.

Desse modo, é possível compreender que, para Vygotsky, todo jogo

com regras leva a uma situação imaginária, ou seja, a criança usa

sua imaginação para exercer um comportamento que ela entende

como correto; preocupa-se em exibi-lo para o papel em que de-

sempenha no jogo, adquirindo, assim, regras de comportamento

para o seu desenvolvimento.

Além disso, em relação às situações imaginárias da criança,

Vygotsky (1998, p. 127) comenta que:

A ação numa situação imaginária ensina a criança a dirigir seu

comportamento não somente pela percepção imediata dos obje-

tos ou pela situação que a afeta de imediato, mas também pelo

significado dessa situação. [...]

A ação regida por regras começa a ser determinada pelas ideias

e não pelos objetos. [...]

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A criação de uma situação imaginária não é algo fortuito na vida

de uma criança; pelo contrário, é a primeira manifestação da

emancipação da criança em relação às restrições situacionais.

Assim, o jogo torna-se um ato indispensável no desenvolvimento

da criança, pois, quando joga ou brinca, a cada passo a criança se

vê diante de um conflito. Ela está submetida às regras do jogo e

pensa o que faria se pudesse agir espontaneamente; entretanto,

desenvolve o autocontrole. A criança demonstra, segundo Vygotsky

(1998, p. 113), “o máximo de força de vontade quando renuncia a

uma atração imediata do jogo (como, por exemplo, uma bala que,

pelas regras, é proibido comer [...])”. Assim, a criança experiencia

a regra, a subordinação a uma regra e a renúncia a agir sob um

impulso imediato, pensando antes de agir, o que se constitui no

meio pelo qual atinge seu prazer máximo. De acordo com Vygotsky

(1998, p. 113),

Assim, o atributo essencial do brinquedo é que uma regra torna-se

um desejo. As noções de Spinoza de que “uma ideia que se tornou

um desejo, um conceito que se transformou numa paixão” encon-

tram seu protótipo no brinquedo, que é o reino da espontaneidade

e liberdade.

Satisfazer as regras é uma fonte de prazer. A regra vence porque

é o impulso mais forte. Tal regra é uma regra interna, uma regra

de autocontenção e autodeterminação, como diz Piaget, e não uma

regra que a criança obedece à semelhança de uma lei física. Em

resumo, o brinquedo cria na criança uma nova forma de desejos.

Ensina-a a desejar, relacionando seus desejos a um “eu” fictício,

ao seu papel no jogo e suas regras. Dessa maneira, as maiores

aquisições de uma criança são conseguidas no brinquedo, aqui-

sições que no futuro tornar-se-ão seu nível básico de ação real e

moralidade.

O jogo, para Vygotsky (2003, p. 105), é dividido em três grupos.

O primeiro grupo é constituído pelas brincadeiras com obje-

tos, que consistem em lançá-los e recuperá-los; dessa forma,

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a criança aprende a ver e a ouvir, a segurar e a rejeitar objetos.

Posteriormente, os jogos instituídos no processo são os de es-

conder e escapar, desenvolvendo habilidades de deslocamento e

orientação no ambiente. Há, também, a imitação nas brincadeiras

de criança, a qual é considerada fundamental, pois, por meio da

reprodução e da assimilação do que se observa nos adultos, a

criança aprende e desenvolve habilidades primordiais para suas

atividade futuras.

O segundo grupo de jogos são os construtivos, que, quando

relacionados a certos materiais, ensinam e provocam os acer-

tos em novos movimentos, elaboram milhares de hábitos va-

liosos, diversificam e multiplicam nossas reações. Com esses

jogos, a criança aprende lições de coordenação de movimentos,

desenvolvendo, desse modo, o controle corporal para conseguir

alcançar os objetivos do jogo.

Já o terceiro grupo se refere aos jogos com regras, os quais

surgem de regras convencionais e das ações ligadas a elas.

Cada jogo apresenta situações específicas, sendo um diferente

do outro; em cada um, experiências sociais são adaptadas e

habilidades são desenvolvidas, com relações ativas com os de-

mais – jogadores como as ações de atacar e defender, prejudicar

e ajudar. Desse modo, aqueles que jogam aprendem a calcular

antecipadamente o resultado do conjunto de todos os jogado-

res. Esse tipo de jogo é considerado experiência social viva e

coletiva, pois os jogadores adquirem hábitos e aptidões sociais

(Vygotsky, 2003, p. 105).

Como afirma Vygotsky (2003, p. 105), a “criança sempre brinca,

é um ser que brinca, porém seu jogo sempre possui um sentido

importante. Ele sempre corresponde exatamente à sua idade e

a seus interesses e inclui elementos que levam à elaboração dos

hábitos e habilidades necessárias”.

O brinquedo desperta a manifestação de um comportamento

atípico na criança, como se ela fosse maior do que é realmente,

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como se mudasse o modo como age normalmente, no dia a dia.

O brinquedo torna-se excelente fonte de crescimento emocional;

em um único objeto, encontra-se a forma condensada de todas

as tendências do desenvolvimento infantil:

À medida que o brinquedo se desenvolve, observamos um movi-

mento em direção à realização consciente de seu propósito.

É incorreto conceber o brinquedo como uma atividade sem propó-

sito. Nos jogos atléticos, pode-se ganhar ou perder; numa corrida,

pode-se chegar em primeiro, segundo ou último lugar. Em resumo,

o propósito decide o jogo e justifica a atividade. O propósito, como

objetivo final, determina a atitude afetiva da criança no brinquedo.

Ao correr, uma criança pode estar em alto grau de agitação ou

preocupação e restará pouco prazer, uma vez que ela ache que

correr é doloroso; além disso, se ela for ultrapassada experimentará

pouco prazer funcional. Nos esportes, o propósito do jogo é um

de seus aspectos dominantes, sem o qual não teria sentido – seria

como examinar um doce, colocá-lo na boca, mastigá-lo e então

cuspi-lo. Naquele brinquedo, o objetivo, que é vencer, é previa-

mente reconhecido. (Vygotsky, 1998, p. 135-136)

Considerando o que foi apresentado até aqui, podemos perceber

a importância que o jogo tem no desenvolvimento infantil, uma

vez que a criança aprende brincando. Desse modo, devemos ter

em conta que o jogo é um dos conhecimentos da Educação Física

que devem ser tratados pedagogicamente na escola. Assim, ve-

jamos na sequência como o jogo é enfocado de acordo com duas

abordagens da Educação Física escolar: a desenvolvimentista

(Tani et al., 1988) e a interacionista construtivista (Freire, 1989).

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1.1 O jogo na concepção da abordagem desenvolvimentista

A década de 1980 foi fundamental para a Educação Física, uma

vez que foi marcada por um intenso debate acadêmico, o qual

originou inúmeras propostas metodológicas que propunham

discutir essa área do conhecimento e suas formas de interven-

ção. Entre tais propostas, ganha destaque especial a abordagem

desenvolvimentista, difundida principalmente pelo professor

Go Tani, e a construtivista-interacionista, ou educação de corpo

inteiro, defendida por João Batista Freire. A escolha deu-se, so-

bretudo, pelo fato de esses educadores se dedicarem a pensar

efetivamente sobre a atuação metodológica da área e, ainda, em

razão apresentarem propostas para o desenvolvimento da disci-

plina em relação direta com a infância.

Inicialmente, trataremos da abordagem desenvolvimentista,

com atenção especial a seus aspectos básicos, assim como às

relações dessa teoria com o jogo.

A abordagem desenvolvimentista, tratada por seus principais

representantes no Brasil na obra Educação Física escolar: fundamentos

de uma abordagem desenvolvimentista (Tani et al., 1988), visa estabe-

lecer uma fundamentação teórica para a Educação Física escolar

direcionada à educação infantil e aos anos iniciais do ensino funda-

mental. Essa teoria parte do pressuposto básico de que existe uma

sequência normal nos processos de crescimento, desenvolvimento

e aprendizagem do indivíduo. Nesse sentido, é fundamental que

o professor de Educação Física conheça as especificidades de cada

uma dessas etapas, sendo importante considerar as necessidades

que advêm do próprio processo de mudança que ocorre no com-

portamento motor humano ao longo da vida.

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De acordo com Tani et al. (1988, p. 1), “todo e qualquer processo

educacional procura, em sua essência, atender adequadamente

às necessidades biológicas, psicológicas, sociais e culturais da

população a que se destina”. Independentemente da abordagem

escolhida pelo professor de Educação Física para subsidiar o traba-

lho pedagógico, é necessário que ela responda a quatro questões

básicas: “Como estabelecer os objetivos? Quais são os princípios

metodológicos de ensino a serem adotados? Como selecionar e

estruturar tarefas de aprendizagem? Como avaliar o progresso

de cada aluno?” (Tani et al., 1998, p. 1).

Ainda de acordo com os mesmos autores, é preciso que o profes-

sor de Educação Física compreenda as características da criança

para que atenda a suas reais necessidades e expectativas. É funda-

mental o entendimento sobre o movimento, compreendido como

objeto de estudo da área e inerente ao ser humano.

Newell (citado por Tani et al., 1988) afirma que o movimento

humano refere-se ao deslocamento de corpo e membros produzido

como uma sequência do padrão espacial e temporal da contração

muscular. Para Tani et al. (1988), a sequência de desenvolvimento

motor é igual para todas as crianças, o que muda é a velocidade

(de progressão), ou seja, a velocidade com que cada criança atinge

determinado estágio de desenvolvimento.

Primeiramente, segundo os referidos autores, devem ser de-

senvolvidas nas crianças as seguintes habilidades básicas: andar,

correr, arremessar, receber, saltar, quicar, rebater e chutar. Cada

uma dessas habilidades estaria associada a um estágio de desen-

volvimento: o inicial, o elementar e o maduro. Caberia, portanto,

ao educador a tarefa de identificar cada um desses estágios e

propor ações capazes de estimular as crianças a transitarem da

fase inicial até a fase madura de movimento.

Entretanto, devemos ter em mente que estimular o desenvolvi-

mento não significa especializar precocemente a criança. Como

bem lembra Sage (citado por Tani et al., 1988), o desenvolvimento

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motor bem-sucedido não está na precocidade, mas nas possibili-

dades de a criança vivenciar experiências (positivas).

A fim de garantir uma proposta metodologicamente adequada,

Tani et al. (1988) elaboraram uma pirâmide de desenvolvimento

motor (Figura 1.1), relacionando as características motoras a cada

faixa etária específica.

Figura 1.1 – Sequência de desenvolvimento motor

Movimentos determinados culturalmente

A partir de 12 anos

7 a 12 anos

2 a 7 anos

0 a 2 anos

Do período de vida intrauterina até 4 meses após o nascimento

Combinação de movimentos fundamentais

Movimentos fundamentais

Movimentos rudimentares

Movimentos reflexos

Fonte: Adaptado de Tani et al., 1988, p. 69.

É fundamental percebermos que a idade cronológica se constitui

apenas em uma das muitas referências possíveis para se classificar

o desenvolvimento motor. A observação e os testes motores, bem

como os demais procedimentos para identificar a idade óssea ou

a maturidade sexual da criança, podem servir ao professor como

ferramentas úteis nessa classificação.

Ainda no que diz respeito à abordagem desenvolvimentista,

não poderíamos deixar de indicar a contribuição de Gallahue

e Donnelly, duas autoridades mundiais no que se refere a essa

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abordagem. Estudos realizados por Gallahue e Donnelly (2008)

apresentam o jogo como um dos principais conteúdos a serem

desenvolvidos com crianças, associado à dança e à ginástica.

Os autores propõem a organização dos jogos, dividindo-os em

níveis que denominam de desenvolvimentistas, e indicam as especi-

ficidades que caracterizam cada nível, conforme dispomos a seguir.

Jogos desenvolvimentistas nível I:• requerem equipamento limitado ou nenhum equipamento;

• têm limites facilmente percebidos;

• focalizam habilidades ou conceitos de movimento

separadamente;

• são realizados por uma única pessoa ou por um pequeno

grupo (três pessoas);

• enfatizam o baixo nível de competição;

• são categorizados, geralmente, pela habilidade motora

fundamental;

• utilizam uma ou duas estratégias de jogo.

Jogos desenvolvimentistas nível II:• apresentam combinações de atividades motoras e/ou

conceitos de movimento;

• usam basicamente as regras do esporte oficial;

• empregam estratégias levemente mais complexas;

• podem envolver jogos de desafio de habilidades.

Jogos desenvolvimentistas nível III:• o número de jogadores de cada time é reduzido (seis no

futebol e três no basquetebol);

• a maioria das regras do esporte oficial é usada;

• envolvem várias habilidades motoras e conceitos de

movimento;

• abrangem múltiplas estratégias de jogo;

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• geralmente, a boa forma física tem grande importância

para o sucesso de sua realização.

Jogos desenvolvimentistas nível IV:• caracterizam esportes oficiais de equipe, esportes em

dupla e esportes individuais;

• são esportes regidos por conjuntos de regras, definidas por

um grupo administrador oficial;

• não são apropriados para o programa institucional de

Educação Física.

Na perspectiva desenvolvimentista, segundo Gallahue e Donnelly

(2008), o jogo apresenta uma complexidade cada vez maior con-

forme os diferentes níveis se apresentam. É importante que o

professor conheça seus alunos para que identifique qual etapa de

jogo seria mais adequada às necessidades e às expectativas destes.

1.2 O jogo na concepção construtivista interacionista

Em sua obra Educação de corpo inteiro, Freire (1989) argumenta que

todos nós fazemos alguma ideia de como é uma criança. Para

esse autor, a marca característica da criança é a atividade motora

e a fantasia. Freire não poupa críticas ao ambiente educacional,

afirmando categoricamente que, às vezes, falta visão ao sistema

escolar, assim como faltam escrúpulos. Em seu entendimento, se

a escola não reconhece que o movimento é fundamental para o

desenvolvimento de uma criança, então o sistema escolar não tem

visão. Por outro lado, se esse ambiente reconhece tal importância,

mas não oferece condições adequadas para o desenvolvimento

de atividades corporais, então não há escrúpulos. Nas palavras

do autor, para a criança “só é possível aprender no espaço da

liberdade” (Freire, 1989, p. 12-13).

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Segundo Freire (1989, p. 13), “Existe um rico e vasto mundo

de cultura infantil repleto de movimentos, de jogos, da fantasia,

quase sempre ignorado pelas instituições de ensino”. Para o au-

tor, a atividade motora é um meio de adaptação, transformação

e relacionamento com o mundo.

Ao nascer, a criança se encontra numa etapa denominada corpo

submisso, caracterizada por atividades reflexas. “Passados os pri-

meiros meses de vida, nota-se que os reflexos arcaicos (de sugar

e agarrar, por exemplo) começam a ceder lugar aos movimentos

intencionais. Le Boulch chamou esse período de etapa do corpo

vivido” (Freire, 1989, p. 33, grifo do original).

Outro elemento central para o desenvolvimento da criança é

a formação do símbolo, uma função que distingue a espécie hu-

mana, conforme afirma Freire (1989). O símbolo é aqui entendido

no sentido piagetiano, ou seja, como uma representação mental

de objetos do meio externo.

É fundamental que a criança possa vivenciar o mundo da fan-

tasia, o que, entre outros benefícios, contribuirá para o seu desen-

volvimento e aprendizado. Nesse sentido, o jogo, a brincadeira e

o brinquedo assumem um papel central, pois o conhecimento de

mundo da criança depende das relações que ela estabelece com

os outros e com os objetos.

Freire (1989, p. 22) não acredita na existência de padrões de

movimento. reconhece, sim, a manifestação de esquemas mo-

tores, “isto é, de organizações de movimentos construídos pelos

sujeitos, em cada situação, construções essas que dependem tanto

dos recursos biológicos e psicológicos de cada pessoa quanto das

condições do meio ambiente em que ela vive”. De acordo com o

autor, esses esquemas motores encontrariam seu eixo central na

cultura infantil, que deveria ser considerada o grande norte para

a construção do trabalho pedagógico.

Para Freire (1989, p. 23), considerar o ato motor de forma iso-

lada é um risco para a “redução do papel da Educação Física”.

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Segundo ele, numa perspectiva pedagógica, essa disciplina deve

“atuar como qualquer outra [...] da escola, e não desintegrada dela”

(Freire, 1989, p. 24).

A abordagem construtivista interacionista defendida por Freire

(1989) é estruturada em três dimensões:

1. educação da sensibilidade – entrada de estímulos;

2. educação da motricidade – saída do movimento;

3. educação do símbolo – universo da fantasia.

O autor acredita que, se o movimento pode ser ensinado, é possível,

também, estimular aspectos da sensibilidade e o uso da imagina-

ção, que têm sido considerados fundamentais na sociedade atual.

Na abordagem defendida por Freire (1989), o jogo tem papel

central no desenvolvimento da infância, pois se trata de um

elemento presente na cultura infantil e que deve ser explorado

pelos profissionais da Educação Física na escola, com o objetivo de

auxiliar na criação de um processo amplo de formação da criança.

Considerações finais

Por meio deste texto, procuramos explicitar o quanto o jogo é

um elemento fundamental para o processo de desenvolvimento

humano. Esse tema suscita frequentes debates e ainda é pouco

explorado como elemento pedagógico.

Como bem demonstram as ideiais dos autores por nós discuti-

dos, as ações corporais proporcionam vivências que, em última

instância, formam nossa personalidade e nos individualizam.

Essas ações e vivências encontram espaço no jogo pelas possi-

bilidades que ele oferece ao desenvolvimento cognitivo, afetivo,

social ou motor.

O aspecto lúdico precisa estar presente no desenvolvimento das

ações pedagógicas, por dois motivos básicos. O primeiro encontra

amparo em Huizinga (2000, p. 5), que afirma que o “jogo é fato mais

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antigo que a cultura, pois esta, mesmo em suas definições menos

rigorosas, pressupõe sempre a sociedade humana”. Para esse autor,

“Encontramos o jogo na cultura, como um elemento dado existente

antes da própria cultura, acompanhando-a e marcando-a desde

as mais distantes origens até a fase de civilização em que agora

nos encontramos” (Huizinga, 2000, p. 7).

O segundo motivo reside nas possibilidades de utilização peda-

gógica; o jogo como elemento pedagógico é capaz de desenvolver

na criança a inteligência, a imaginação e a criatividade, além de

criar condições de desenvolvimento motor e de gerar e ampliar

as condições para que a formação integral seja possível.

Entretanto, o jogo por si só não é capaz de promover nenhum

tipo de mudança. Isso só será possível com a efetiva participação

do professor que detenha os elementos necessários para tal ação,

ou seja, um professor que tenha acesso à formação continuada,

a um ambiente com boas condições de trabalho, que receba apoio

de uma equipe pedagógica disposta a enfrentar os problemas que

se apresentam no processo de ensino-aprendizagem, entre outros.

Esses são alguns aspectos que, se supridos, poderão contribuir

para que realmente essa mudança possa ocorrer.

Portanto, diante dos desafios que a educação contemporânea

impõe, acreditamos que o jogo é um importante instrumento de

intervenção pedagógica, capaz de possibilitar discussões atuais

e urgentes no contexto escolar.

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2Possibilidades do trabalho pedagógico com a dança no currículo da Educação Física escolar*Fabíola Schiebelbein Capri

Patrícia Alzira Proscêncio

Silvia Pavesi Sborquia

Neste texto, discutiremos a dança e sua importância no currículo

da Educação Física escolar, com o propósito de refletir sobre o

trabalho pedagógico com a dança e o conhecimento dessa área

dentro da Educação Física.

Tomamos como foco principal o fato de que a dança ainda é

pouco trabalhada nos currículos da Educação Física escolar. Isso

acontece, muitas vezes, pelo fato de ela ser considerada somente

um entretenimento cultural ou um espetáculo de alta perfor-

mance. Geralmente, a dança na escola se resume a movimentos

* Este texto foi construído por meio das experiências dialogadas entre as autoras, fruto do confronto entre o trabalho pedagógico e as pesquisas desenvolvidas tanto na área escolar como nas diferentes instituições educacionais.

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de repertório, com finalidade em si mesma (Sborquia, 2002;

Brasileiro, 2006). Mesmo quando o professor tenta romper com

as “dancinhas” de datas comemorativas para abordar as danças

folclóricas, por exemplo, o processo educativo, na maioria das

vezes, praticamente se isenta de reflexão crítica.

Tais questões impossibilitam um trabalho pedagógico significa-

tivo com a dança na escola, pois as representações sociais do senso

comum reduzem o conhecimento da dança ao ato de saber dançar,

e não ao ato de desenvolver propostas pedagógicas.

Assim, este texto parte de pressupostos teóricos e dos saberes da

experiência das autoras, que, em constante diálogo com o contexto

da escola, apresentam a dança como conteúdo na Educação Física.

Esse intenso diálogo possibilitou as seguintes reflexões: Que dan-

ças devem ser selecionadas para compor o currículo da Educação

Física nos diferentes níveis da educação básica? Quais são as

razões para a seleção de determinada manifestação da dança em

detrimento de outras? Como desenvolver um trabalho pedagógico

com a dança? Tais questões visam ao desenvolvimento da dança

na escola, tendo como princípio a formação crítica, estética e ética

de uma sociedade.

A primeira indagação sobre o ensino da dança remete à expli-

cação do universo de conhecimento da dança e sua relação com

a área da Educação Física, pois a delimitação do conhecimento

a ser tratado somente será possível tendo por base sua relação

com o todo desse fenômeno, a dança. Nesse aspecto, é preciso

que o profissional de Educação Física tenha claras as razões que

fundamentam a seleção de um tipo de dança aplicado a deter-

minado grupo social. É preciso pensar em como tratar a dança

de modo frutífero, sem se prender ao desenvolvimento de uma

técnica específica atrelada às danças acadêmicas, como balé, jazz

ou outras, para que seja um estímulo à criatividade, à expressão,

à autoestima e à sensibilidade do aluno, bem como à boa convi-

vência e à diversidade cultural presente nas escolas.

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O ato de ensinar a dança no contexto da Educação Física exige

uma justificativa racional, não somente no que se refere à seleção

do tipo de dança a ser desenvolvido, mas também quanto à razão

pela qual a dança é um conhecimento a ser tratado no campo da

Educação Física. É preciso ter clara a relação que se estabelece

entre esses fenômenos e compreender que, além de uma forma

de conhecimento, a linguagem da dança propicia experiências

significativas para o desenvolvimento de habilidades corporais,

bem como o enriquecimento integral do educando. Afinal, a dança

é um patrimônio cultural da humanidade e é direito de todos ter

acesso a ela.

Por conseguinte, os aspectos didático-pedagógicos aplicados

ao ensino da dança no currículo da Educação Física irão reper-

curtir na pedagogia que norteará a ação docente do professor

dessa disicplina.

Há quatrocentos anos os sistemas social e educacional têm sido

regidos pelo cartesianismo, pelo modo de pensar cada vez mais

especializado, reducionista, simplificado, fragmentado e dualista.

Esse pensamento fez com que os docentes tivessem sua atuação

voltada para a transmissão de conhecimentos e o ensino de técni-

cas, em escolas que priorizam a dimensão racional, a repetição de

movimentos e a mera reprodução de ideias, não potencializando,

portanto, o desenvolvimento global do ser.

Na atualidade, muito se tem questionado sobre essa forma de

educar. Os avanços tecnológicos nesta era da informação e do

conhecimento vêm requerendo que a escola tenha novos posicio-

namentos, que sejam revistas suas funções e o papel do professor.

Assim, pensar a educação como essência do desenvolvimento do

ser humano é um desafio que vai além da avaliação ao fim de um

bimestre, em que se mede o desempenho do aluno por meio de

uma nota. É preciso pensar no processo de formação de cidadãos

críticos e atuantes, no que diz respeito à solidariedade, à justiça,

à liberdade, a valores éticos, entre outros aspectos.

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Como desejar alunos pensantes e críticos se também não o so-

mos? Daí a necessidade de o professor pensar sobre a sua impor-

tância na construção do conhecimento próprio e de seus alunos

e buscar a sua constante renovação, com a capacidade de refletir,

avaliar processos e criar. Alguns padrões e crenças, que muitas

vezes estão enraizados nas concepções do professor quanto ao

ensino, à escola e à educação, precisam ser rompidos para evoluir-

mos para uma nova forma de agir, em oposição ao cartesianismo

dualista, linear e reducionista.

A seguir, apresentaremos os caminhos que buscamos para

responder à problematização sobre o que ensinar sobre a dança

no currículo da Educação Física escolar e o porquê da seleção de

determinada dança, e não de outras.

2.1 O conhecimento da dança no currículo da Educação Física

A história mostra que os progressos técnico, social e cultural evo-

luem e, com eles, a dança também se desenvolve; assim, as inú-

meras possibilidades e combinações desta não poderiam ficar de

fora da escola, como forma de movimento e, principalmente, de

conhecimento.

Existem diferentes estilos de dança na sociedade: a dança aca-

dêmica, as danças do lazer, as danças representativas (étnicas,

folclóricas e populares) e as danças veiculadas na mídia televisiva.

No entanto, Marques (2007) enfatiza que não faz sentido o pro-

fessor propor algum desses estilos de dança na escola sem levar

em consideração a quem ele está ensinando, sem estar atento à

identidade que os alunos trazem para a escola.

A seleção de qual dança deve compor o currículo da Educação

Física precisa partir da realidade na qual os alunos estão inseridos.

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Cada aluno traz para a escola suas opções de movimento e, com

base nelas, pode criar e improvisar, explorando as possibilidades

de seu corpo em movimento e também na relação com os outros.

Esses aspectos são apontados nos dizeres de Marques (2007, p. 32):

Os alunos na sala de aula têm seus próprios repertórios de dança,

suas escolhas pessoais de movimento para improvisar e criar,

assim como formas diferentes de apreciar danças trabalhadas

em sala de aula ou sociedade. Para que possamos fazer escolhas

significativas para nossos alunos e para a sociedade, seria inte-

ressante levarmos em consideração o contexto dos alunos. [...]

Estes contextos nos dão elementos para a escolha de conteúdos.

Acreditamos que os apontamentos da referida autora devem ser

considerados, pois, se o professor ficar atento aos contextos nos

quais os seus alunos estão inseridos, conseguirá trabalhar de forma

dialógica com os pressupostos escolares e sociais. Nessa direção,

será um criador, articulador e interlocutor entre os contextos so-

ciais e os conteúdos dançados, proporcionando, então, conexões

reflexivas entre os conteúdos de dança, as representações sociais

dos alunos sobre diversos estilos de dança e o conhecimento da

área propriamente dito.

A concepção que acabamos de defender está em consonância

com a proposta pedagógica elaborada por Sborquia e Neira (2008),

a qual apresenta possibilidades e desafios para o ensino das danças

populares e folclóricas no currículo da Educação Física.

Sob a visão de educação que compreende a escola como espaço

determinado socialmente para a produção, a reconstrução e a

ampliação cultural, cabe à Educação Física escolar proporcionar

aos alunos experiências pedagógicas significativas com as danças

presentes no universo cultural próximo do aluno e no afastado.

Cabe-lhe possibilitar também a reflexão crítica acerca das diversas

formas de representação cultural veiculadas nessas manifestações,

oferecendo a cada aluno a oportunidade de posicionar-se como

produtor de cultura corporal.

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Para Garcia (2001), ao situar no currículo os conhecimentos que

o aluno traz quando ingressa na escola, o professor o reconhece

como sujeito de conhecimento, sujeito capaz, capacidade reve-

lada e reconhecida no já sabido, e capacidade potencial para se

apropriar de novos conhecimentos que a escola pode […] oferecer.

(Neira, 2011, p. 56)

A conexão da dança com o contexto do aluno requer o mapeamento

tanto da cultura corporal presente na família e na rua quanto da

cultura da escola, sem hierarquizá-las, embora mostre o que as

distingue, viabilizando a importância de que todos se reconheçam

como sujeitos históricos.

Um professor comprometido mostrará como os homens e mulhe-

res construíram historicamente sua cultura corporal, que por ser

resultado de sua ação, o acesso a ela é direito de todos, e a escola

[…] [tem de assumir] a função de socializá-la. Pouco a pouco, con-

vém explicar que o conhecimento é parte da luta pelo poder e que

[...] é preciso lutar pela garantia de acesso e apropriação, como

parte da luta pela democratização da sociedade. (Neira, 2009, p. 8)

Uma construção curricular baseada nos princípios apontados

promoverá um ambiente pedagógico favorável à participação

equitativa das múltiplas identidades e à apropriação crítica da

dança, aspectos fundantes de uma escola comprometida com a

construção de uma sociedade mais democrática e menos desigual.

Os apontamentos apresentados nos direcionam a responder a

outra indagação: Como ensinar a dança no currículo da Educação

Física? O caminho para se chegar à resposta não é tarefa fácil, pois

o trabalho pedagógico é um constante diálogo entre o professor,

o aluno e o conhecimento.

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2.2 O ensino da dança

A aplicação dos aspectos didáticos e pedagógicos ao ensino da

dança dependerá dos objetivos e das finalidades da ação do pro-

fissional de Educação Física. Todo profissional, ao privilegiar

determinados procedimentos didáticos, assume determinada

pedagogia, ou seja, uma teoria de ensino e aprendizagem.

Se a finalidade do ensino da dança estiver centrada na espeta-

cularização e no aprimoramento técnico, então será privilegiado

o ensino de técnicas codificadas. O procedimento didático-peda-

gógico visará aprimorar, controlar e vencer o corpo e seus limites

físicos. Nesse contexto, a pedagogia tecnicista é a que norteará

as ações educativas, pois ela está centrada nos pressupostos de

que a ciência é neutra e a racionalidade e a produtividade são

princípios a serem seguidos.

A fundamentação filosófica que norteia a pedagogia tecnicista

faz parte do projeto moderno que teve suas origens no Iluminismo,

o qual defendia a ideia de que o corpo é instrumento da razão,

algo a ser controlado, uma “máquina” para a produção artística.

A pedagogia tecnicista tem por objetivo a instrumentalização, a

padronização e a estereotipação dos movimentos corporais. A base

teórica dessa concepção está atrelada ao pensamento positivista,

no qual a episteme da dança é reduzida ao conhecimento técnico

e científico; os estudos se voltam para a análise mecânica do

movimento humano. A dança selecionada para essa concepção

pedagógica é o balé clássico.

Por outro lado, se o ensino da dança tiver como objetivo a

expressividade e a educação integral do ser humano, se for um

meio de desenvolvimento das capacidades humanas de expressão

e criação, se a finalidade da dança estiver voltada ao aluno, para

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que ele descubra seu vocabulário pessoal de movimento, então a

teoria pedagógica a ser seguida é identificada como romanticista

e está enraizada nas ideias da Escola Nova.

Nessa concepção pedagógica, toma-se como exemplo rudolf

Laban (1879-1958), dançarino nascido no Império Austro-Húngaro

que esteve presente nas duas grandes guerras mundiais e, com

outros artistas de sua época, buscou novos rumos para a expressão

artística. Laban foi um artista, pesquisador do movimento e da

dança; é considerado, junto a Martha Graham e Mary Wigman,

um dos fundadores da dança moderna. Suas teorias foram intro-

duzidas em nosso país na década de 1940 por Maria Duschenes

(rengel; Mommensohn, 1992).

O trabalho desenvolvido por Laban está enraizado na filosofia

da dança moderna e nas ideias da Escola Nova, difundidas pelo

americano John Dewey. Suas propostas, associadas aos princípios

das teorias críticas e pós-críticas, reconhecem a importância da

construção do movimento e da participação do aluno. Laban ti-

nha uma “preocupação explícita de fazer do ensino de dança um

meio de desenvolvimento das capacidades humanas de expressão

e criação; objetivava uma educação essencialmente através da

dança” (Marques, 1999, p. 71).

Marques (1999) propõe a relação da dança com o mundo socio-

cultural, ou seja, a ação e o pensamento nas suas inter-relações

políticas, pedagógicas e filosóficas que nortearam as intervenções

no ensino da dança. Desse modo, a autora busca transcender a

teoria romanticista com a teoria crítica da educação.

As propostas educacionais de Laban (1990) tinham como base

a preocupação de desenvolver potencialmente as capacidades de

criação e expressão do homem, permitindo um diálogo entre o

conhecimento intelectual e as potencialidades criativas por meio

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da dança. Essas propostas poderiam ser aplicadas no ensino da

dança no contexto da Educação Física, visto que Laban (1985)

utilizou amplamente o binômio “dança educativa”* quando di-

vulgou seu trabalho educacional na Inglaterra, com o intuito de

contrapor as ideias formais de dança da época, como o balé clás-

sico (Marques, 1999). Para Laban (1990, p. 14), a dança possibilita

a “expressão na riqueza das formas do movimento liberado, nos

gestos, nos passos, como aqueles que o homem contemporâneo

utiliza em sua vida cotidiana”.

Em seu vasto trabalho de análise do movimento**, Laban criou

uma nova técnica que revolucionou o mundo da dança e da educa-

ção, a chamada dança livre, que foi aplicada à dança moderna com

o propósito de promover o domínio do movimento nos aspectos

corporal e mental.

O idealizador da nova técnica enfatiza que a dança na educa-

ção é variada, já que o “impulso inato das crianças ao realizar

movimentos similares aos da dança é uma forma inconsciente

de descarga, que reforça suas faculdades naturais de expressão”

(Laban, 1990, p. 18). Dessa forma, cabe à escola fazer com que a

criança tome consciência desse impulso, com o objetivo de que

ele venha a ser governado por ela.

Em sua obra Dança educativa moderna, Laban (1990) destaca

que, na escola, o que se fomenta na educação artística não é o

desenvolvimento do potencial criativo do aluno em execuções

de danças sensacionais, mas a busca pelo efeito benéfico que a

atividade criativa da dança tem sobre o aluno. Outra tarefa da

educação destacada na referida obra é a preservação da esponta-

neidade do movimento inerente às crianças até que elas cheguem

à idade adulta.

* O termo utilizado na publicação de Laban de 1985 foi modern educational dance.

** Ver obras de rudolf Laban dos anos de 1947, 1966, 1978 e 1985.

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Nesse sentido, segundo Laban (1990, p. 18), a escola tem dois

objetivos: “ajudar na expressão criativa das crianças, represen-

tando danças adequadas aos seus dons naturais e ao grau de seu

desenvolvimento; outro é cultivar a capacidade de tomar parte na

unidade superior das danças coletivas dirigidas pelo professor”.

Scarpato (2001) enfatiza que a dança na escola deve negar a

execução de movimentos técnicos, corretos e perfeitos, para

excluir o sentido de competitividade entre os alunos. A autora

sugere que se deve partir do pressuposto de que o movimento é

uma forma de expressão e comunicação do aluno, cujo objetivo

é o de se formar opinião crítica, um cidadão ativo, participativo

e responsável, capaz de se expressar em várias linguagens, entre

as quais a expressividade em termos de movimento.

Isso denota o ensino da dança com a finalidade de represen-

tação da sociedade e de sua diversidade cultural e a necessidade

de haver uma conexão da dança com o mundo sociocultural.

Nessa concepção, os pressupostos filosóficos concebem o corpo

socialmente construído em intensa relação com o outro, como

expressão de nosso gênero, etnia, faixa etária, crença espiritual,

classe social etc. A conexão dos alunos com a sociedade traz as

primeiras aproximações com a teoria crítica do currículo.

Com base nas propostas de Laban (1990) e nas prudentes ênfases

de Marques (2007), verificamos ser necessário ampliar os concei-

tos de dança para a sociedade em geral; portanto, é preciso que

se comecem na escola a quebra de paradigmas e a apresentação

da dança como forma de autoconhecimento, e não como técnica

acabada. A dança é a arte de expressar, por meio de movimentos

corporais ritmados, situações imaginárias ou acontecimentos

reais; é uma forma de conhecimento, de comunicação e de ex-

pressão corporal.

É pertinente destacar que o Coletivo de Autores (1992) eviden-

cia o trabalho com a dança na escola com base na abordagem

crítico-superadora, segundo a qual a dança é considerada em seus

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aspectos estéticos, em confronto com a formalidade da técnica

para sua execução. Na referida obra, os autores demonstram que o

ensino da dança na escola deve ser uma escolha entre privilegiar

o ensinamento da técnica e valorizar a expressão espontânea do

aluno, e que seu desenvolvimento decorre primeiramente do fa-

vorecimento de diferentes manifestações de dança, inicialmente

sem a ênfase da técnica formal. Esta, por sua vez, deve ocorrer

paralelamente ao desenvolvimento abstrato, permitindo, desse

modo, a compreensão clara dos significados da dança e das ver-

dadeiras expressões nela contidas.

Muitos são os aspectos positivos quando se proporcionam

propostas pedagógicas com a dança. Elas permitem a aquisição

de vocabulário motor com o desenvolvimento da criatividade,

das qualidades do movimento expressivo, como leve/pesado,

forte/fraco, rápido/lento, fluido/interrompido, e de sua intensi-

dade, duração e direção. Além disso tais propostas possibilitam

o conhecimento de técnicas de execução de movimentos e a

utilização delas, a capacidade de improvisar, de coreografar e de

“adotar atitudes de valorização e apreciação dessas manifestações

expressivas” (Educação Física, 2012, p. 211).

Segundo Darido e rangel (2008), o trabalho com a dança pode

ser iniciado pelo resgate das manifestações culturais mais antigas

ou com as manifestações rítmicas e expressivas que os alunos

conhecem, bem como com as afinidades musicais, com o objetivo

de aproximá-los dos conteúdos da dança.

A dança, como componente da cultura corporal, permite que o

aluno conheça várias formas de expressão e manifestação de diver-

sas culturas; também proporciona análises históricas, discussões

e a apreciação das diferentes possibilidades de movimentações

rítmicas e expressivas. Os conteúdos de dança possibilitam que o

aluno não só se manifeste por meio da reprodução de movimen-

tos corporais ritmados, como também que ele mesmo crie sua

própria forma de comunicação.

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O trabalho com a dança em aulas de Educação Física permite

ao aluno conhecer seu corpo e suas possibilidades de movimento

como forma de comunicação não verbal e rítmica, ampliando a

capacidade criativa, a improvisação e a composição coreográfica.

No entanto, evidenciamos que a dança no contexto escolar deve

apresentar sistematização específica, forma, conteúdo, didática

e significação adequados ao contexto sociocultural, buscando

desenvolver nos alunos percepções mais críticas sobre os mais

diversos assuntos da sociedade e da cultura corporal. É de suma

importância que, no desenvolvimento da dança na escola, o pro-

fessor contextualize os conhecimentos para que sua prática não

seja reduzida a mera cópia de movimentos.

Em função de nossas experiências nas escolas, podemos afirmar

que o ensino da dança deve ter como ponto de partida e de chegada

os problemas oriundos da vida cotidiana dos próprios alunos. Por

conseguinte, o conhecimento da dança deve ser construído, traba-

lhado, desvelado, problematizado, transformado e desconstruído

em uma ação educativa crítica, transformadora e emancipatória.

A pedagogia capaz de responder a essas questões deve ser

aquela que valorize o papel do profissional como mediador entre

o aluno e o mundo cultural, por meio de processos de reflexão

sobre a vida cotidiana e de transmissão e assimilação crítica dos

conhecimentos no contexto da prática social coletiva, o que, por

sua vez, implica a transformação da natureza e da sociedade.

Nessa pedagogia, o aspecto didático deve privilegiar o método

dialético que propicia a compreensão das conexões entre a dança

e os processos sociais, por meio das relações entre o concreto e

o abstrato, entre o lógico e o histórico e entre a teoria e a prática.

Ensinar a dança como manifestação da cultura corporal é um

ato dinâmico e permanente de conhecimento centrado na desco-

berta, na análise e na transformação da realidade por aqueles que

a vivenciam (Lima; Neira, 2010, p. 5). Assim, pretendemos “não só

a valorização identitária, como, também, a ampliação cultural e o

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reconhecimento das diferenças” (Neira, 2010, p. 788), promovendo

um diálogo cultural que contribua para a construção do autocon-

ceito positivo e do respeito pelo outro, elementos indispensáveis a

uma relação verdadeiramente democrática (Sborquia; Neira, 2008).

2.3 Aprendendo a dançar

A dança no contexto escolar deve ser promovida nos primeiros

anos da educação básica, pois na faixa etária da educação infantil

a criança traz consigo o impulso e a espontaneidade do movimento

da dança. Cabe ao professor cultivar essa qualidade, estimular sua

capacidade criativa e ajudá-la em sua movimentação.

Assim, a criança adquire consciência corporal e passa a dominar

e aperfeiçoar seu movimento, perceber o seu corpo e o do outro,

bem como o espaço no qual está inserida, estabelecendo relações

com as diversas situações e lugares da vida em sociedade. Dessa

forma, uma atividade de dança desperta outros valores, como a

autoconsciência, a independência e a autonomia (Proscêncio, 2008).

É fundamental termos em mente que, como arte do movimento,

a dança não se limita a técnicas específicas, corpos perfeitos ou

a determinada idade, como muitos pensam, mas abrange muito

mais do que isso. rengel (2004, p. 56) afirma que “todos os corpos

dançam, expressam-se por meio do movimento. [...] Não existe

um modelo de corpo. O que existe é um diálogo do/com o corpo

e outros corpos”.

A dança desenvolvida na escola amplia a capacidade de

expressão do professor e do aluno. É uma linguagem artística

não verbal que faz uso do corpo como forma de comunicação e

expressão para com o mundo. Muitas vezes, a escola é “o único

lugar/meio/contexto de acesso à educação que pode possibilitar as

mínimas condições de inserção de um ser/cidadão na sociedade”

(rengel, 2006, p. 61). Como aponta Marques (1997, p. 23), “o corpo

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em movimento, [...] assume papel fundamental hoje em dia, e a

dança, enquanto forma de conhecimento, torna-se praticamente

indispensável para vivermos presentes, críticos e participantes

em sociedade”.

De acordo com Strazzacappa (2001, p. 71), “A dança no espaço

escolar busca o desenvolvimento não apenas das capacidades

motoras das crianças e adolescentes, como de suas capacidades

imaginativas e criativas”. Complementando esse pensamento,

rengel (2004, p. 58) expõe que “o conhecimento passa pelo corpo,

é preciso sempre reforçar que a expressão e a consciência do corpo

[...] no ensino têm, entre outras funções, o papel de acabar com

o distanciamento entre aprendizado intelectual e aprendizado

motor”.

Aprender a dançar na escola não significa, para os alunos, que

eles se tornarão “bailarinos ou dançarinos profissionais, mas é

interessante que […] [lhes] sejam apresentadas [...] as variadas mo-

dalidades de dança, e melhor ainda se puderem experimentá-las

como enriquecimento de seu vocabulário de movimento” (Dança

nas Escolas, 2009, p. 5), “estimulando a experiência do sistema

corporal em um amplo sentido: experiência, criação/produção e

análise/apreciação artística” (rengel, 2004, p. 58).

A dança na escola não deve priorizar a execução de movimentos

corretos e perfeitos dentro de um padrão técnico imposto, gerando

a competitividade entre os alunos. Deve partir do pressuposto de

que o movimento é uma forma de expressão e comunicação do

aluno, objetivando torná-lo um cidadão crítico, participativo e

responsável, capaz de expressar-se em variadas linguagens, de-

senvolvendo a autoexpressão e aprendendo a pensar em termos

de movimento. (Scarpato, 2001, p. 59)

Podemos dizer que ao aluno que permanece grande parte do

tempo na escola, sentado em sala de aula, é demandado muitas

vezes apenas o sistema cognitivo, limitando sua aprendizagem

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em relação ao movimento e ao espaço e, consequentemente, sua

expressão e criatividade.

Aprender a dançar é experimentar, sentir, explorar movimentos

e fazer a dança. É desvelar seus sentidos e significados ao longo da

história presente nos mais diversos grupos da sociedade, pensar

sobre os impactos que as mudanças sociais acarretam constan-

temente na maneira de expressar a dança.

Com base nos aspectos lúdicos do trabalho em dança, a criança

aprende a conhecer a si própria, aos outros, ao mundo ao seu redor;

o seu corpo expressa sua relação com o meio. Corroborando a ideia

de Fernandes (2001), podemos afirmar que a dança no contexto

escolar, conforme os objetivos do professor, pode proporcionar,

entre outros aspectos:

• o desenvolvimento da percepção corporal (O que se move?) –

autoconhecimento quanto ao seu corpo e a suas possibilidades

de movimento, compreensão do gesto, coordenação motora,

melhoria do equilíbrio e da postura;

• noções de espaço (Onde se move?) – o espaço que a criança

ocupa, o que está ao redor do seu corpo (individual) e aquele

no qual ela se encontra (geral); noções dos contrastes: alto/

baixo, longe/perto, presença/ausência, grande/pequeno etc.;

• a individualidade e a coletividade no movimento (Com quem

se move?) – socialização;

• a fluência (Como se move?) – movimentação baseada no ritmo

de seu próprio corpo (interno e pessoal) ou no do outro (ex-

terno e coletivo), exercitado ou não ao som da música; pois,

na criança, o ritmo parte dos seus movimentos naturais e

espontâneos;

• o desenvolvimento dos modos de organizar a convivência

e adaptar-se às situações e da autoestima dos alunos – ele-

mento transformador, aceitação de si e maior receptividade

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em relação aos outros; percepção das diferenças de gênero,

respeito ao próximo;

• o desenvolvimento da emoção – expressividade por meio dos

movimentos; o corpo fala por meio da expressão corporal,

amplia a percepção e o controle de aspectos emocionais e

psicológicos da criança;

• o estímulo à criatividade – uso da imaginação, desenvolvi-

mento de habilidades naturais por meio da improvisação;

• a dança como arte (área do conhecimento) – o fazer artístico.

Para explorar todo o potencial da dança em sala de aula, é neces-

sário que o professor esteja preparado, tenha algum conhecimento

e vivência nessa área, do modo a poder compreender os corpos

e os movimentos de seus alunos. O professor deve se tornar um

intérprete e entender que o movimento é uma forma pela qual o

homem se relaciona com o mundo.

Para desenvolver o trabalho com a dança, buscamos em Laban

(1990), grande estudioso do movimento e da dança, considera-

ções a respeito do corpo. De acordo com ele, o corpo tem vários

aspectos (espirituais, mentais e emocionais do movimento) e

não há separação entre corpo, mente e espírito. Essa proposta

de corpo-mente-espírito ele chamou, em alemão, de Erlebnis, que

quer dizer “experiencialmente”, “[..] um conceito unificador que

trata do todo de uma pessoa” (Laban, citado por rengel, 2003).

Em sua proposta, Laban, ao analisar o movimento humano,

classificou quatro fatores que compõem qualquer movimento:

fluência, espaço, tempo e peso. Esses elementos são

inerentes a cada pessoa e é o que diferencia uma da outra. Há

crianças com movimentos lentos (fator tempo), leves (fator peso),

diretos (fator espaço) e controlados (fator fluência) e outras total-

mente opostas a estas em termos de movimento, os quais podem

ser rápidos, firmes, flexíveis, libertados. Não existe movimento

que não possua esses quatro fatores, seja no ato de pegar um lápis,

seja no de apagar uma lousa.

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O movimento com suas diferentes formas, ritmos, pesos e fluên-

cias é revelador e possibilita demonstrações da personalidade de

cada um. (rengel; Mommensohn, 1992, p. 103, grifo do original)

Tendo por base os conhecimentos propostos por Laban (1990)

na análise do movimento humano, é possível que os alunos se

apropriem das mais variadas manifestações da dança. Capri

(2010) chama a atenção para o fato de que o Brasil apresenta uma

diversidade cultural bastante ampla e tem na dança, considerada

um fenômeno social, uma das suas mais variadas e significativas

diferenças culturais.

Por conseguinte, como um exemplo possível de trabalho pe-

dagógico, na educação infantil o trabalho da dança pode partir

da movimentação da própria criança, que, sob as orientações

do professor, cria e recria seus movimentos, utilizando-se dos

quatro fatores (peso, tempo, espaço e fluência), com o intuito de

exploração, investigação e observação de seu próprio movimento.

Assim, ela percebe seu corpo e seu movimento, suas capacidades

e seus limites, tentando superá-los e construindo ou ampliando

seu repertório de movimento.

O professor dos anos iniciais do ensino fundamental pode levar

os alunos a relacionarem o trabalho da dança com temas do coti-

diano e, gradativamente, a analisarem e interpretarem danças de

vários grupos sociais, que incluem os movimentos, os símbolos

sociais e suas manifestações culturais. É daí que o movimento

passa a se constituir como gesto, como forma de linguagem e

comunicação com o mundo.

Nos anos finais do ensino fundamental, os alunos podem anali-

sar os aspectos históricos e culturais das diferentes manifestações

da dança, ampliar seu repertório cultural e ressignificar as diver-

sas linguagens da dança. Podem, ainda, refletir sobre as questões

da diversidade por meio das manifestações corporais e rítmicas,

pois em cada região do país a cultura se diferencia em algum

aspecto e influencia diretamente o estilo de vida da população

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local. Já no ensino médio, os alunos podem refletir criticamente

sobre as relações de poder presentes nas manifestações culturais

expressas na dança e na sociedade.

Para que o professor, como educador, utilize a linguagem da

dança adequadamente, é necessário que tenha preparo, conheci-

mentos básicos da “linguagem do movimento”, vivência na área.

No desenvolvimento do trabalho pedagógico, ele deve permitir ao

aluno a vivência de possibilidades infinitas do universo do mo-

vimento, estimulando a experiência corporal em amplo sentido,

a qual inclua a criação/produção e a análise/apreciação artística

(rengel, 2006).

O professor deve ser capaz de relacionar a dança com os con-

teúdos da escola, com o mundo à sua volta, buscando significação

baseada na realidade dos alunos e atrelando o papel desses sujeitos

na sociedade. Parafraseando Lima (2000), podemos dizer que a

experiência do professor de se inter-relacionar com as diversas

formas de linguagem muda sua maneira de ensinar.

No início de um processo de dança educativa para crianças e

mesmo para adultos, as pessoas sentem vergonha de dançar. À

medida que estimulamos suas ações corporais, as crianças passam

a se movimentar sem constrangimentos e aos poucos se libertam

para a sua própria dança.

A dança educativa é um método no qual não há nem um mo-

delo a ser copiado, nem uma competição acirrada. (rengel;

Mommensohn, 1992, p. 104)

Assim, a criança ou o adulto sente-se livre para criar seus próprios

movimentos. Nesse contexto, destacamos que o ensino de dança

na escola pode ter como finalidade que a criança compreenda o seu

corpo e tenha domínio sobre ele, sobre sua movimentação, descu-

bra novos espaços, formas, enfim, possa enfrentar novos desafios

com o intuito de perceber suas limitações e buscar superá-las.

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63

2.4 Tecendo as relações entre a dança e a Educação Física escolar

Podemos perceber que são muitas as discussões a respeito do

espaço que a dança ocupa na Educação Física escolar. Inúmeros

trabalhos desenvolvidos por profissionais sobre essa proble-

mática enfatizam somente a falta do trabalho com a dança,

bem como dos objetivos para o seu desenvolvimento na escola,

ofuscando, muitas vezes, a análise de outros feitos importantes

para uma abordagem significativa da área como conhecimento

no contexto escolar.

Sendo ou não uma prática utilitarista, do tipo “dancinhas”,

como em festas de fim de ano, performática ou mera cópia de

movimentos oriundos da massificação da mídia, é fato, como foi

discutido neste texto, que a dança revela sua importância no de-

senvolvimento geral dos alunos e apresenta-se como identidade

cultural de nosso povo; não pode, portanto, ser desconsiderada

como conhecimento da Educação Física escolar, tampouco ser

trabalhada na escola de forma isolada, ou seja, como se não fizesse

parte dos saberes da cultura corporal de movimento.

As concepções expressas neste texto não só defendem a im-

portância da dança no currículo da Educação Física escolar, como

também enfatizam que a dança é para todos, tanto sob a óptica

do “aprender a dançar” quanto do “ensinar a dançar”.

No sentido de contribuirmos para a construção da tão sonhada

sociedade democrática, justa e igualitária, devemos nos posicionar

politicamente e pedagogicamente. Por conseguinte, as nossas

ações didáticas refletirão um posicionamento crítico e uma meto-

dologia de trabalho dialética. Assim, ao olharmos para a educação

contemporânea, esperamos, no mínimo, uma ação geradora de

conhecimento, reconhecendo na dança a educação e vice-versa.

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3A ginástica como conteúdo da Educação Física escolar: uma reflexão sobre sua prática*Alfredo Cesar Antunes

Ricardo Domingues Ribas

Acreditamos que a realidade das aulas de Educação Física nem

sempre é, ou foi, composta por atividades diversificadas com vistas

a desenvolver nos alunos todas as potencialidades e interações

possíveis no ambiente escolar.

Podemos atribuir essa realidade a fatores comprometedores,

como as condições do espaço físico, a falta de materiais e a forma-

ção do professor. Particularmente para o professor comprometido

com a educação, as aulas de Educação Física não devem resumir-se

a um mero “jogar bola”; mesmo diante de todas as dificuldades, o

desenvolvimento de um trabalho pedagógico significativo é pos-

sível e necessário, pois contamos com a necessidade de descobrir

“coisas” novas, inerentes aos alunos e a seus contextos sociais.

* Este texto resulta das contribuições dos autores relacionadas aos estudos e às práticas pedagógicas realizadas no âmbito escolar.

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Visando à efetivação das mudanças necessárias em relação

às concepções de Educação Física escolar, precisamos aproveitar

as experiências vivenciadas pelos alunos para, embasados nelas,

construir um novo caminho que proporcione significado e valor

aos escolares.

Os conteúdos da Educação Física escolar estão pautados em

expressões da cultura corporal, como a ginástica, o esporte, o

jogo, as lutas e a dança. Essas expressões devem ser exploradas ao

máximo pelo professor na elaboração do planejamento das aulas.

No entanto, neste texto, a nossa intenção é possibilitar uma refle-

xão sobre a ginástica como conteúdo da Educação Física escolar.

Ao abordarmos a ginástica no ambiente escolar, é fundamental

destacarmos seu papel como embrião da atual área acadêmica

e profissional da Educação Física. A esse respeito, Figueiredo e

Hunger (2010, p. 193-196) destacam:

Inegável, portanto, a contribuição das Ginásticas para o desen-

volvimento histórico da Educação Física escolar. Foi utilizando a

nomenclatura Ginástica que as atividades relacionadas ao corpo e

ao movimento penetraram em âmbito educacional compondo os

currículos obrigatórios […] a partir de um amplo desenvolvimento

tecnológico e de mudanças epistemológicas no campo Educação

Física, as Ginásticas passam a ser uma subárea da Educação Física,

sendo divididas em campos distintos de atuação.

As escolas alemã, sueca e francesa influenciaram de maneira

decisiva a Educação Física no Brasil. O caráter científico no qual

se fundamentaram as escolas de ginástica, principalmente em

relação aos conhecimentos de Anatomia, Biologia e Fisiologia, foi

determinante para a concepção da então futura área de Educação

Física.

rui Barbosa, por exemplo, preferiu o método sueco, enquanto

o método francês foi obrigatório nos estabelecimentos de en-

sino em 1929, com o nome de Regulamento Geral de Educação Física

(Soares, 2004).

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Na visão de Soares (2002, p. 20),

O Movimento Ginástico Europeu foi, portanto, um primeiro es-

boço deste esforço e o lugar de onde partiram as teorias da hoje

denominada Educação Física no Ocidente. Balizou o pensamento

moderno em torno das práticas corporais que se construíram fora

do mundo do trabalho, trazendo a ideia de saúde, vigor, energia e

moral coladas à sua aplicação.

A importância da ginástica para a Educação Física é inquestio-

nável; porém, é importante frisarmos que seus objetivos estive-

ram atrelados aos interesses dominantes da sociedade da época.

A ginástica trouxe em seu âmago, principalmente, a preocupação

com a disciplina, a moral, o esforço individual, a obediência e a

ordem. De acordo com Soares (2004, p. 67), os métodos ginásticos

estavam, portanto, direcionados

para o desenvolvimento físico e para a saúde, o que se evidencia é

que esses métodos ginásticos convêm à burguesia, porque trazem,

marcadamente, a possibilidade de enaltecer o indivíduo abstrato,

deslocado das relações sociais, e são porta-vozes de uma prática

neutra, cultuando ainda o “mito do homem natural e biológico”.

Essa preocupação com os aspectos biológicos marcou a área

com o paradigma da saúde e da aptidão física. Com esse modelo,

a Educação Física negligenciou as análises sociais e culturais durante

o seu processo de desenvolvimento e percorreu sua trajetória dessa

maneira até meados da década de 1980, quando novas propostas

surgiram na tentativa de superação desse paradigma biológico.

Algumas abordagens pedagógicas surgiram no debate acadêmico

e possibilitaram novos olhares para a área*. Entre essas abordagens,

a denominada crítico-superadora (Coletivo de Autores, 1992) apre-

senta a ginástica como um dos principais conteúdos da Educação

Física e realiza uma análise aprofundada sobre seu conceito

* Neste texto, não pretendemos apresentar e discutir essas propostas. Para uma análise mais detalhada sobre o tema, sugerimos o texto de Bracht (1999).

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e metodologia de ensino. As demais abordagens não apresentam

uma reflexão específica sobre a ginástica, apesar de o tema estar

inserido nas discussões de forma implícita ou pontual, exatamente

por se tratar de um dos conteúdos da área de Educação Física.

Na abordagem crítico-superadora (Coletivo de Autores, 1992),

a Educação Física é tratada como cultura corporal e apresenta

como conteúdos o jogo, a ginástica, o esporte e a capoeira.

De acordo com o Coletivo de Autores (1992), a falta de instala-

ções e de aparelhos específicos de ginástica, somada à tendência

da esportivização, reflete alguns dos obstáculos para a prática da

ginástica no contexto escolar. Ao destacar e analisar a ginástica

como conteúdo da Educação Física, a obra mostra a importância

desse conteúdo, decorrente de seu significado cultural como prá-

tica corporal.

Assim, a presença da ginástica no programa se faz legítima, à me-

dida que permite ao aluno a interpretação subjetiva das atividades

ginásticas, através de um espaço amplo de liberdade para vivenciar

as próprias ações corporais. No sentido da compreensão das re-

lações sociais, a ginástica promove a prática das ações em grupo

onde, nas exercitações como “balançar juntos” ou “saltar com os

companheiros”, concretiza-se a “coeducação”, entendida como

forma particular de elaborar/praticar formas de ação comuns

para os dois sexos, criando um espaço aberto à colaboração entre

eles para a crítica ao “sexismo” socialmente imposto. (Coletivo

de Autores, 1992, p. 77-79)

Contudo, apesar de “novas” perspectivas para a área com o sur-

gimento de novas abordagens pedagógicas, ainda permanece

certo distanciamento da ginástica como conteúdo na Educação

Física escolar.

Betti (1999) já havia alertado a respeito da hegemonia do esporte

como conteúdo desenvolvido na Educação Física escolar e sobre

o fato de outras modalidades como a ginástica serem raramente

trabalhadas, apesar da presença desse conteúdo na formação

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acadêmica dos professores. Na visão de Venâncio e Carreiro (2005),

o esporte ainda é o conteúdo mais trabalhado no contexto esco-

lar, enquanto a ginástica tem pouco espaço nesse ambiente. Em

estudo realizado por Beggiato e Silva (2007) sobre os conteúdos

mais valorizados por alunos do ensino fundamental, os autores

verificaram que o esporte permanece associado à imagem da

Educação Física.

Entretanto, é importante notarmos que a ginástica, como prática

regulamentada, faz parte, também, do conteúdo esporte. O equí-

voco está, justamente, no modo de abordagem desse conteúdo

no contexto escolar, além do paradigma tradicional. Desse modo,

buscando explorar as novas abordagens, a proposta deste texto

está na perspectiva da motricidade humana.

É necessário frisar que o conteúdo ginástica está presente nos

Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (Brasil, 1998) como

parte da Educação Física escolar. O referido documento apresenta

os conteúdos organizados em três blocos: esportes, jogos, lutas

e ginásticas; atividades rítmicas e expressivas; conhecimentos

sobre o corpo. Segundo o documento, “os três blocos articulam-se

entre si, têm vários conteúdos em comum, mas guardam especi-

ficidades” (Brasil, 1998, p. 35).

Os PCN definem as ginásticas como:

técnicas de trabalho corporal que, de modo geral, assumem um

caráter individualizado com finalidades diversas […] como pre-

paração para outras modalidades, como relaxamento, para ma-

nutenção ou recuperação da saúde ou ainda de forma recreativa,

competitiva e de convívio social. Envolvem ou não a utilização

de materiais e aparelhos, podendo ocorrer em espaços fechados,

ao ar livre e na água (Brasil, 1998, p. 37).

No entanto, apesar de a literatura específica da área e de documen-

tos, como é o caso dos PCN (Brasil, 1998), apresentarem a ginástica

como um importante conteúdo da Educação Física escolar, ainda

existe resistência sobre o seu desenvolvimento no contexto das

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escolas. Acreditamos que outro olhar torna-se necessário para que

a ginástica seja compreendida e valorizada no contexto educacional.

Desse modo, apresentamos como possibilidade para a valo-

rização dos diferentes conteúdos da Educação Física escolar e

da ginástica a compreensão do movimento como uma busca da

evolução humana, ou seja, a motricidade como o caminho para

a transcendência (Sérgio, 1989). É importante esclarecer que, ao

optarmos pela motricidade humana para a análise da ginástica,

não estamos depreciando outras perspectivas ou abordagens,

mas entendemos que os pressupostos da motricidade humana

permitem olhar o objeto (ginástica) de um lugar e uma posição

diferentes, que consideramos mais adequados para esta análise.

Entendemos que determinado conhecimento é valorizado por

apresentar elementos que possibilitem transformação e evolução,

não apenas em relação aos aspectos motores, mas também no que

diz respeito às possibilidades de relações pessoais e profissionais,

significados culturais e sociais.

Apresentar outras possibilidades de movimento aos alunos nas

aulas de Educação Física não deve apenas proporcionar novas

técnicas, mas também possibilitar a percepção de novas sensações

não percebidas ou não experimentadas anteriormente.

A motricidade humana pode ser uma possibilidade para com-

preendermos esses novos significados. Ela é apresentada por

Sérgio (1989, p. 48) como parte das ciências humanas e é definida

pelo autor como “a ciência da compreensão e da explicação das

condutas motoras”.

Para compreendermos a teoria da motricidade humana, é im-

portante entender antes as relações que existem entre ser humano,

transcendência e motricidade. Para Sérgio (1989, p. 44-45),

O homem é matéria […] sempre em vias de se completar; porque o

homem não deixa de sentir, com uma força que traz em si mesma a

evidência, o sentimento da incompletude e, com igual intensidade,

um consequente anseio de transcender-se ou de confundir-se

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com a transcendência; porque o homem transcende-se, inova e

verdadeiramente projeta, agindo e re-agindo, com intencionali-

dade e criatividade, isto é, como sujeito da práxis (a categoria do

possível é sua e de mais nenhum outro animal); porque o viver

humanamente implica uma convivência e uma consciência so-

ciais; porque é pela motricidade que o homem manifesta a sua

cognoscibilidade em ato, manifesta o sentido da sua corporeidade

e a raiz sensível do inteligível […] o Homem como um ser aberto

à transcendência e, como tal, um ser práxico que, na totalidade

sociopolítica e pela motricidade, a persegue.

Outro elemento fundamental para a compreensão da motricidade

humana é a intencionalidade operante. Para compreendermos

melhor o conceito, Sérgio (1989, p. 41-42) apresenta as ideias de

Merleau-Ponty sobre o “corpo-próprio”:

O corpo-próprio é um envolvimento indiscernível do interior e do

exterior, sempre aberto ao mundo por uma intencionalidade ope-

rante, por um saber que se define pela situação do corpo frente a

uma tarefa e não pela sua posição objetivamente determinada em

relação a outras posições ou coordenadas exteriores [...]. Trata-se

de uma intencionalidade motora, não sinônima de adaptação

mecânica ao espetáculo do mundo.

Vista dessa forma, é com a motricidade que a Educação Física se

constitui. Betti (2005, p. 1) esclarece esse argumento ao explicar

o seguinte:

É a exercitação intencionada, e em geral sistemática, da motricidade

humana [...] que foi construindo, ao longo da história, as formas

culturalmente codificadas que hoje conhecemos como esporte,

ginásticas, dança etc., as quais constituem os meios e conteúdos

que a Educação Física (que não surgiu previamente a estas formas)

articula a partir de diferentes intencionalidades pedagógicas.

Merleau-Ponty (1999) entende que toda expressão humana é

gestual, e os gestos produzem significações que se investem, re-

pentinamente, “de um sentido figurado e o significam fora de nós”,

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no plano da intersubjetividade (Merleau-Ponty, 1999, p. 263, citado

por Betti et al., 2007, p. 43 , grifo do original).

De acordo com Betti et al. (2007, p. 44), “É na transcendência,

no fluxo da temporalidade, que podemos confirmar a pertinência,

ou não, das nossas intuições; portanto não existe a coisa ‘em si’,

o que existe são relações que possibilitam as significações ou

ressignificações sobre algo no mundo”.

Tais conceitos da motricidade humana permitem a superação

da visão exclusivamente técnica que tradicionalmente marcou o

ensino da Educação Física escolar. Ao entendermos que o movi-

mento humano depende das relações com o outro, com o mundo

e com o ambiente no qual o indivíduo está inserido, é possível que

proporcionemos aos alunos novos conhecimentos por meio da

motricidade e de suas diferentes possibilidades, como a ginástica.

A visão de uma prática apenas mecânica sem que sejam consi-

deradas as relações sociais e culturais pode ser superada por meio

de atividades que levem o aluno a vivenciar novos significados

para aquilo que realizar em termos de movimento. Essa ressigni-

ficação permitirá que ele evolua para algo melhor em todos os

seus aspectos, ou seja, motores, cognitivos, sociais e culturais.

O movimento humano é a própria transcendência, pois, pela

atualidade da percepção, coberto por uma intencionalidade, o

indivíduo parte em direção ao futuro, à criação e à expressão.

Sobre esse assunto, Merleau-Ponty (citado por Betti et al., 2007,

p. 43) afirma que “Perceber é, a partir do passado, que não me

é totalmente conhecido (corpo habitual), e apoiado na materiali-

dade do presente (corpo atual), lançar-se ao futuro, que não me é

totalmente previsível (corpo perceptivo).” A partir desses conceitos,

conclui Müller (2001, citado por Betti et al., 2007, p. 43): “Portanto,

o corpo perceptivo é virtual, nós percebemos como uma possibi-

lidade futura; sou sempre corpo atual, mas dirigido por hábitos

que retomo de maneira expressiva pela motricidade.”

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Assim, a prática da ginástica no ambiente escolar deve estar pau-

tada no movimento intencional (intencionalidade operante) que

ultrapasse os aspectos mecânicos e possibilite ao aluno estabelecer

relações com o outro, com o mundo e com o contexto que o cerca.

Catunda (2009-2010, p. 88) apresenta uma reflexão sobre a possibi-

lidade do movimento intencional e manifesta-se do seguinte modo:

O professor deverá compreender os saberes produzidos na

Educação Física, utilizando os conhecimentos da biomecânica

somente como referência de segurança para a execução dos mo-

vimentos. Os gestos a serem apreendidos apresentados já como

modelo pronto preestabelecido deverão ser observados como in-

formação para que os alunos busquem sua maneira de realizá-los.

Será o aluno a identificar, assim, um modo autônomo de sua ação

nas aulas, pois serão identificados como sujeitos capazes de auto-

criação, partindo de um movimento consciente e percebendo sua

capacidade no momento da realização da atividade.

A ginástica como conteúdo integrante da Educação Física escolar

abrange vários conhecimentos e articula-se com os demais con-

teúdos, pois, pela amplitude e diversidade dos movimentos que a

compõem, abrange tanto os esportes quanto o conteúdo que dá o

seu nome, ginástica. No entanto, faz-se necessário esclarecermos

as dimensões da ginástica como suporte aos conteúdos a serem

trabalhados pelos professores de Educação Física.

Conforme indicamos anteriormente, a ginástica, como prática

regulamentada, faz parte do conteúdo esporte e apresenta as

seguintes modalidades: ginástica artística masculina, ginástica

artística feminina, ginástica rítmica, ginástica de trampolim,

ginástica acrobática, ginástica para todos, entre outras. Portanto,

com base na perspectiva da teoria da motricidade humana, serão

apresentadas algumas das possibilidades pedagógicas da ginástica

no contexto escolar.

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Tomando por base essa perspectiva teórica, no contexto escolar

o termo Educação Física deve ser substituído por Educação Motora

(EM), pois se entende que

ninguém escapa à ação educativa e que a educação processa-se no

corpo todo e não só “na cabeça de alunos”. A EM seria assim, uma

experiência profundamente humana e deixaria de ser a mera

transmissão de conteúdos programados rigidamente com antece-

dência, preparados para diferentes estágios do desenvolvimento

físico humano. (Barreto; Zoboli, 2009-2010, p. 120), grifo do original)

Cada uma das modalidades de ginástica que mencionamos tem

suas especificidades em relação a histórico, fundamentos básicos,

regras, técnicas, táticas e características gerais. As possibilidades

da ginástica devem ser apresentadas e vivenciadas pelos alunos

com as devidas adaptações em relação a local, materiais e apa-

relhos. Os limites e as potencialidades dos praticantes devem ser

considerados e respeitados, para que, assim, os alunos tenham a

oportunidade de exploração de seus conhecimentos sobre o corpo.

“Se trabalhamos com pessoas (e não só com físicos) é evidente

que é ao nível do humano que a impropriamente denominada

Educação Física e ainda o Desporto se situam e onde decorrem.”

(Cunha, 2009-2010, p. 14, grifos do original).

As atividades ginásticas, quando relacionadas com outras dis-

ciplinas do currículo escolar, contribuem significativamente no

processo de ensino-aprendizagem. Visam, também, à imitação

ou reprodução de situações habituais dentro do espaço ginástico,

levando em consideração o grupo no qual o aluno está inserido,

para que assim ele possa construir sua própria compreensão e

suas interações sociais, pois “O ritmo padronizado e uníssono da

prática de atividades físicas cede lugar ao respeito, ao ritmo próprio

executado pelos participantes da EM” (Barreto; Zoboli, 2009-2010,

p. 121).

A ginástica como conteúdo do currículo escolar deve contem-

plar exercícios globais, preconizando a execução e mantendo

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o desempenho* em segundo plano. Com isso, torna-se uma prática

muito acessível e prazerosa, com a presença de contínuos desafios

e de ações e situações em posições incomuns vivenciadas pelos

alunos. Os movimentos solicitados motivam a participação e

promovem o domínio de elementos afetivos, como a emoção, a

atenção, a concentração e o medo**. Assim, “A busca frenética do

rendimento esportivo e da aptidão física da EF [Educação Física]

cede lugar para a prática prazerosa e lúdica da EM.” (Barreto;

Zoboli, 2009-2010, p. 121)

O ambiente de desafios interfere na tomada de decisões, na

autoconfiança, no instinto de autopreservação, na capacidade

de resolução de problemas em que o movimento é o objeto de

resolução. Além disso, segundo os PCN (Brasil, 1998), a vivência

da ginástica permite aos alunos a descoberta e o reconhecimento

de possibilidades e limitações de movimentos, bem como o papel

de cada um no grupo em que está inserido.

De acordo com Hostal (1982, citado por Bassani; Silva, 2012, p. 7),

“A ginástica [...] ensina [o aluno] a enfrentar progressivamente,

a partir de situações seguras, outras mais perigosas, a lutar para

vencer sozinho a dificuldade do problema proposto, a superar e a

sentir o prazer de sair-se vitorioso”. É a afirmação própria e a da

vontade de empreender a educação das qualidades de coragem,

vontade e audácia.

Esses elementos afetivos são manifestados pelos alunos por

meio de vivências diversificadas, que também promovem o de-

senvolvimento da consciência corporal. Por meio da diversidade

e do caráter estimulante, os exercícios de ginástica representam

* Desempenho aqui se refere ao rendimento técnico-desportivo, “em segundo plano”, pois entendemos que, primeiramente, os alunos devem estar motivados a aprender uma nova prática, e deter-se na performance dos gestos técnicos num primeiro momento pode causar desinteresse.

** A referência sobre o medo tem caráter importante no que diz respeito a controle e superação, mas também surge a intenção de que os mais novos sejam alertados sobre as precauções que devem ser tomadas em determinadas situações.

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uma verdadeira ajuda aos alunos, no sentido de possibilitar que

eles sejam capazes de se inserir mais adequadamente no mundo,

conquistando realizações pessoais e modificações de comporta-

mento. Mas, para tanto, os objetivos devem ser bem determinados,

a fim de que proporcionem aos alunos vivências de sucesso.

O professor deve estar sempre atento para o quanto pode e deve

exigir de seus alunos, para que tais vivências sejam bem suce-

didas, entendendo primeiramente que é importante considerar

aquilo que o aluno faz e, num segundo momento, preocupar-se

com o como e para que faz. Segundo Barreto e Zoboli (2009-2010,

p. 121, grifos do original), “lutar por uma EM é lutar pelo princípio

de uma aprendizagem humana e humanizante, em sua comple-

xidade estrutural, entendendo o homem um ser biopsicossocial.

Seria esta uma preocupação com o que fazer e para que fazer”.

Principalmente na escola, mesmo na forma individual, podemos

considerar a ginástica como coletiva, partindo do pressuposto de

que, em uma aula de Educação Física, as relações interpessoais

estão ou devem estar presentes o tempo todo (Leguet, 1987).

No formato em grupos, as relações também se tornam mais pró-

ximas, principalmente porque as atividades promovem situações

de interdependência e autonomia. Ao promovermos atividades de

natureza moral*, estamos condicionando os alunos a uma prática

diferenciada e que se tornará usual na escola. Quando nós, pro-

fessores, direcionarmos o olhar dos alunos para que percebam

o outro como ser humano, eles saberão agir de forma a serem

aceitos no grupo em que estão inseridos.

Considerando a importância da aplicação das atividades ginás-

ticas na escola, surge o seguinte questionamento: Como aplicar

atividades de ginástica na escola de forma motivadora, no sentido

de atender às necessidades atuais de ensino-aprendizagem?

* Entendemos por atividades de natureza moral aquelas que possibilitam o desenvolvimento do espírito de equipe, da solidariedade, do respeito, da justiça, da empatia etc.

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Assim, sugerimos uma metodologia fundamentada em circuitos

ginásticos, que consistem na distribuição das atividades a serem

trabalhadas em áreas específicas chamadas de estações ou zonas.

Cada estação deve conter uma atividade específica, mas o circuito

ginástico pode conter atividades de diversas naturezas ginásticas.

A quantidade de estações pode variar conforme o número de

alunos e o espaço físico disponível (Marinho et al., 2007).

O professor deve preocupar-se com o nível de dificuldade das

atividades, a fim de atender às necessidades dos alunos com

menos desenvoltura e, ao mesmo tempo, proporcionar situações

desafiadoras aos mais habilidosos. “O conhecimento (e a motri-

cidade revela-o radicalmente) não é um puro exercício da razão,

mas uma relação entre a razão e a vida, entre o corpo e o mundo”

(Cunha, 2009-2010, p. 15).

Para as turmas de alunos mais irrequietos, o circuito deve

ser elaborado com um número maior de estações, para que eles

fiquem o mínimo de tempo em espera.

Inicialmente, o circuito deve ser realizado no sentido horário ou

anti-horário ou apresentar indicações da sequência de estações.

Após algumas aulas, os alunos estarão familiarizados com a sis-

temática, porém, sempre que alterações forem feitas, os alunos

deverão ser orientados sobre as modificações.

A forma de iniciar as atividades no circuito ginástico depende

da quantidade de alunos participantes. Como geralmente as tur-

mas de alunos são numerosas, sugerimos a formação de grupos

de quatro a seis alunos por estação. Esses alunos, ordenadamente,

podem realizar determinado movimento seguidamente, até que

o professor sinalize, ao mesmo tempo, para todos os grupos,

a mudança de uma estação para outra, ou seja, a transição. Outra

possibilidade seria a seguinte: após a execução do sinal de início,

o primeiro aluno de cada grupo realiza uma vez a atividade na

estação e, em seguida, vai para a próxima estação, e assim su-

cessivamente, realizando várias voltas no circuito.

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A forma de trabalho que descrevemos tem como finalidade per-

mitir uma análise das relações possíveis enquanto a dinâmica dos

circuitos acontece, o que estabelece referenciais e possibilidades

de práticas pedagógicas que, muitas vezes, são pouco exploradas

nas aulas de Educação Física.

O caráter do trabalho com circuitos, por ser essencialmente

flexível, promove a autonomia do grupo. O professor, ao orientar

os alunos divididos em pequenos grupos, propicia interações

mais significativas e promove a observação entre os colegas ao

permitir que cada um, tanto o executante quanto o observador,

possa agir, criar, mostrar, ajudar, avaliar e organizar (Leguet, 1987).

Assim, cada uma dessas ações refletirá no desenvolvimento dos

conteúdos e na formação afetiva e social dos alunos, ou seja,

“O ato mecânico, de cunho cartesiano no trabalho corporal da EF

cede lugar para o ato da corporeidade consciente da EM” (Barreto;

Zoboli, 2009-2010, p. 121).

A motricidade humana, ou seja, o corpo em ato, é um espaço de

signos e donde emergem a carne, o sangue, o desejo, o prazer,

a paixão, a rebeldia, emoções e sentimentos do mais variado

tipo. E tudo isto visando à transcendência, ou à superação. Mas,

porque é transcendência, a conduta motora (a ação) acrescenta

alguma coisa ao Mundo, através do inesperado, do novo, do insólito.

(Cunha, 2009-2010, p. 18)

Enfim, o que propusemos aqui é que a ginástica, de acordo com

suas diversas finalidades e com base nos aspectos da motricidade

humana, deve ser um conteúdo valorizado nas aulas de Educação

Física, não apenas por seus aspectos técnicos e biológicos, mas

também por permitir novas possibilidades aos alunos, que a

vivenciarão – e, como consequência, vivenciarão a Educação

Física, ou EM, como prefere Cunha (1989) – como um conteúdo

com significados para sua formação humana.

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Os esportes individuais na Educação Física escolar: o atletismo e algumas possibilidades de ensino*Clóvis Marcelo Sedorko

A realização do trabalho pedagógico com os esportes individuais

no ambiente escolar pode ser fundamental para o desenvolvimento

dos alunos, na medida em que exige destes um comportamento

diferenciado durante sua prática em comparação com aquele

solicitado nos esportes coletivos. Sentimentos como insegurança,

medo e nervosismo devem ser administrados individualmente, de

maneira a contribuir para que os alunos desenvolvam a personali-

dade e competências como autoconfiança, autonomia e liderança,

* Este texto origina-se de algumas reflexões acumuladas ao longo da realização do Curso de Especialização em Esporte Escolar, da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), no qual foi possível compreender e conferir novas possibilidades de desenvolvimento dos esportes individuais na Educação Física escolar.4

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facilitando a tomada de decisões e o enfrentamento das pressões,

que serão constantes no decorrer da vida.

Entre diversas alternativas de abordagem de modalidades indi-

viduais na Educação Física escolar (EFE), encontra-se o atletismo,

considerado um esporte de base, precursor das demais modali-

dades desportivas, “devido a suas características de trabalhar as

habilidades naturais do homem como o correr, saltar e arremessar”

(Sedorko; Distefano, 2012). Por ter regras mais simples, que nor-

malmente são repetidas em suas diferentes provas, o atletismo

pode ser considerado o desporto mais acessível para a iniciação

esportiva de qualquer estudante.

O aprendizado do atletismo pode oferecer a todos os alunos,

principalmente às crianças, “a oportunidade de descobrir pelo

menos um tipo de aptidão esportiva” (Sedorko; Distefano, 2012).

Trata-se de um esporte constituído de movimentos naturais

aperfeiçoados (correr, saltar, lançar), o que facilita sua aprendi-

zagem. Assim, sua prática não fica impossibilitada pela carência

de infraestrutura esportiva, em razão da facilidade de adaptações

de materiais e espaços físicos (Kirsck; Koch; Oro, 1984).

No entanto, apesar de ser considerado um conteúdo clássico

da Educação Física (EF), Matthiesen (2005, 2007) ressalta que o

atletismo ainda é pouco explorado no Brasil, sobretudo no meio

escolar, no qual grande parte dos profissionais da área pratica-

mente ignora essa modalidade. A autora discute alguns impasses

que poderiam tentar justificar essa situação, tais como a falta de

espaços e materiais adequados, a formação profissional deficiente

e o desinteresse dos alunos e dos professores pela modalidade.

Diante desse quadro, muitos estudos vêm surgindo na literatura

especializada, no que concerne ao atletismo e à sua utilização como

conteúdo da EFE, na busca pela apuração de possíveis dificuldades

e limitações para sua abordagem no âmbito da escola (Kirsch;

Koch; Oro, 1984; Matthiesen, 2005, 2007; Justino; rodrigues, 2012;

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Mendonça; Costa, 2009; Furbino et al., 2010; Sedorko; Silva, 2011;

Bomfim, 2011; Melo et al., 2011).

Nesse contexto, o objetivo deste estudo é realizar uma breve

discussão e reflexão sobre a utilização de modalidades individuais

pela EFE, enfatizando o atletismo, com o intuito de contribuir para

a maior difusão desses conhecimentos.

4.1 A Educação Física escolar em discussão

Nos últimos anos, os debates em relação à EF vêm ganhando

destaque, sendo amplamente abordados por diversos autores. No

entanto, para Mendonça e Costa (2009), o foco de estudo dessas

discussões está relacionado, na maioria das vezes, aos objetivos e

às metodologias dessa disciplina no ambiente escolar. Os autores

lembram que, no decorrer da história da EF, muitos pensamentos

relativos à área surgiram e foram sugeridos para a sociedade,

com embasamento em diferentes matrizes teóricas, na tentativa

de encontrar o método mais apropriado para a EFE, enquanto as

discussões relacionadas aos conteúdos para as aulas da disciplina

acabaram ficando em segundo plano.

Historicamente, é possível perceber que a EFE, na condição de

componente curricular na escola, apresentou diferentes finalida-

des e, mesmo nos dias atuais, parece não existir uma proposta

predominante. De acordo com Darido (2001, 2003a), a EF, em sua

origem, esteve centrada na preocupação com os hábitos de higiene

e saúde, sendo caracterizada como higienista, a qual adotava os

métodos ginásticos franceses e suecos como referências. Em se-

guida, surgiu o modelo militarista, em que os objetivos estavam

baseados na formação de indivíduos fortes e saudáveis, capazes

de defender a pátria em caso de guerras com outros países.

O modelo esportivista se estabeleceu durante o governo mili-

tar, a partir da década de 1960, convertendo a EF na escola como

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sinônimo de esporte. Nessa concepção, os conteúdos relacionados

aos esportes eram abordados com vistas ao aprimoramento físico

e à identificação de possíveis talentos esportivos para representar

o país em competições internacionais. Sua prática tinha, por-

tanto, um caráter excludente. Segundo Castellani Filho (1994),

durante esse período, o esporte foi um elemento importante para

o governo, pois tinha inclusive a tarefa de desviar a atenção da

população brasileira do ambiente coercitivo vivenciado durante

a ditadura militar.

No fim da década de 1970 e início de 1980, o Brasil começou

a vivenciar um período de grandes transformações políticas.

Com o enfraquecimento do regime ditatorial, ocorreu a abertura

para a democracia e, paralelamente, surgiram novas corren-

tes pedagógicas para a educação e a EF (Castellani Filho, 1994;

Alves, 2003; Darido, 2001, 2003a; Darido; rangel, 2005). Tal época

foi caracterizada como um momento de mudanças, pois os con-

teúdos, os objetivos e os métodos de ensino começaram a ser

debatidos nos diferentes currículos educacionais. No âmbito da

EF, novas tendências pedagógicas apareceram, com o intento de

legitimar e ressignificar o papel dessa disciplina na escola. Entre

as diversas abordagens sugeridas, podemos citar: psicomotrici-

dade, desenvolvimentista, construtivista, crítico-superadora e

crítico-emancipatória, além da saúde renovada e dos Parâmetros

Curriculares Nacionais – PCN (Darido, 2003a).

Para Darido (2003a), todas essas abordagens representam im-

portantes avanços para a área da EF. A autora discute os aspectos

mais relevantes de cada uma dessas concepções e, em relação aos

PCN, lembra que estes se apresentam de forma bastante eclética,

abarcando diferentes possibilidades para o desenvolvimento da

EF na escola.

Os PCN apresentam os conteúdos da EF divididos em três blo-

cos de conhecimentos. No primeiro bloco, aparecem os esportes,

os jogos, as lutas e as ginásticas. No segundo bloco, estão as

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atividades rítmicas e expressivas e, no terceiro, os conhecimentos

sobre o corpo (Brasil, 1998).

Para Finck (2010), os PCN propõem uma ampliação dos con-

teúdos a serem trabalhados nas aulas de EF, porém, apesar disso,

a autora ressalta que o esporte continua sendo o conteúdo mais

desenvolvido, principalmente nos anos finais do ensino funda-

mental e no ensino médio.

Betti (1999) relata que apesar do esporte ser o meio mais utilizado

na difusão do movimento corporal nas escolas, somente algumas

modalidades esportivas são utilizadas, normalmente as coletivas

como o futebol, voleibol e basquetebol, sendo que modalidades

individuais como o atletismo por exemplo, raramente são apresen-

tadas aos escolares. A autora conclui elencando diversas hipóteses

para a não utilização de outras modalidades esportivas no contexto

escolar, entre as quais: a ausência de materiais, falta de espaço e

motivação, comodismo dos professores e falta de aceitação destes

conteúdos pela sociedade. (Sedorko; Distefano, 2012)

Apesar das inúmeras possibilidades de conhecimentos a serem

desenvolvidos nas aulas de EF, Mendonça e Costa (2009, citados

por Sedorko; Silva, 2011) lamentam a inexistência de uma divisão

adequada desses conteúdos em relação às diferentes fases de

escolarização da educação básica. Segundo os autores, esse fato

contribui para que os conteúdos da EF sejam transmitidos de forma

desordenada e incoerente, pois o direcionamento das aulas fica

ao encargo de cada professor e de seu planejamento específico,

prejudicando, desse modo, a compreensão desses conhecimentos

pelos alunos de maneira sistematizada.

A sistematização dos conhecimentos em EF é um dos temas

em constante discussão entre os profissionais da área (rosário;

Darido, 2005; Impolcetto et al., 2007), evidenciando a ausência

ou inexistência de programas curriculares devidamente defini-

dos e organizados. É comum, em outras áreas de conhecimento,

a presença de aspectos históricos tradicionais na organização do

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currículo escolar, como na Matemática, em que podemos notar

uma estruturação muita antiga de seus saberes (Valente, 2000).

Já na EF, poucos autores se posicionam em relação à organização

dos conteúdos dessa disciplina (Freire; Scaglia, 2003; Gallardo;

Oliveira; Aravena, 1998; Darido, 2003b; Darido; rangel, 2005;

Palma; Oliveira; Palma, 2008).

Kunz (1994) acredita que a elaboração de um programa mínimo

para a EF, com uma hierarquia de complexidade e objetivos bem

definidos para cada série de ensino, seria fundamental para resol-

ver a “bagunça” interna presente nesse meio. Segundo o autor, é o

professor quem decide, com base em alguns fatores, como o seu

bom ou mau humor, o que vai ensinar. Ele pode escolher conteúdos

idênticos para a quinta série do ensino fundamental e a segunda

série do ensino médio e, se assim preferir, a complexidade no

ensino também pode ser igual nas duas situações. De acordo com

Kunz (1994, p. 151), o mesmo não acontece nas demais disciplinas.

Por exemplo, em Matemática, Geografia ou Português, os alunos

não indagam o professor sobre o que irão fazer nas aulas, como

geralmente ocorre em uma aula de EF.

Oliveira (2004), ao apresentar uma possibilidade de estrutura-

ção da EF, conclui que estudo e esforço são fundamentais para

adequar a organização dos conteúdos da área. Caso contrário,

pouco se avançará no sentido de legitimar essa disciplina no

âmbito educacional.

Em contrapartida, Daolio (citado por rosário; Darido, 2005) acre-

dita que pode ser um equívoco estruturar um currículo fechado

e inflexível para todas as escolas, pois é necessário considerar

os aspectos culturais e o contexto em que elas estão inseridas. No

entanto, a autora observa a necessidade de planejamento, quando

determinados conteúdos são apresentados como referência e não

como “única verdade”. Na opinião de Daolio, os conteúdos devem

constantemente ser atualizados, debatidos e construídos com a

participação dos alunos, bem como devem estar relacionados

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com o projeto político-pedagógico da escola e com o contexto no

qual serão inseridos e desenvolvidos.

4.2 Os esportes individuais na Educação Física escolar

Existem inúmeros esportes individuais possíveis de serem de-

senvolvidos nas aulas de EF. Assim, a abordagem de modalidades

diferentes daquelas consideradas “tradicionais” pode favorecer

o conhecimento e a comparação reflexiva dos alunos em relação

às diferenças entre os países e as culturas em que tais esportes

se originaram.

Entre os conteúdos da EF apresentados pelos PCN (Brasil, 1998),

no primeiro bloco de conhecimentos encontram-se as lutas, com

diversas possibilidades de abordagem, como a capoeira, o judô,

o karatê e o taekwondo. Apesar de não estar determinado nos

referidos documentos oficiais quais modalidades de luta são as

mais indicadas para a EFE, de modo geral a capoeira parece ser a

mais acessível, pois, além de ser considerada uma arte marcial

genuinamente brasileira, não necessita de espaços específicos ou

roupas especiais. A capoeira apresenta movimentos centrados na

música, no ritmo e na dança, característica que lhe confere grande

poder de socialização, aumentando a autoestima de qualquer

praticante; além disso, é reconhecida como patrimônio cultural

brasileiro (Midlej, 2008).

As ginásticas e os esportes também são conteúdos sugeridos

nos PCN (Brasil, 1998) como possibilidades para a EF na escola.

Contudo, para o Coletivo de Autores (1992), no contexto da EFE,

a ginástica foi sendo historicamente construída com base em

determinados modelos, especialmente o europeu. Durante o go-

verno militar, a partir da década de 1960, o caráter esportivista

da EF apresentou características marcantes, que influenciaram a

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formação dos profissionais da área. Dessa forma, muitos profes-

sores abordaram a ginástica com base nesses modelos, ou então

optaram pela sua exclusão, alegando a ausência de instalações e

equipamentos adequados. Isso impossibilitou a distinção entre a

ginástica em si e as modalidades gímnicas de competição, como

a artística, a olímpica e a rítmica, causando certa elitização de

sua prática.

Em contrapartida, Ayoub (citado por Seron et al., 2007), consi-

dera a ginástica um importante meio de promover divertimento

e integração entre seus praticantes. Para a autora, no âmbito

escolar, o fator competição não necessita ser o foco principal,

pois a prática da ginástica favorece também a criatividade e a

liberdade de expressão, facilitando a socialização e o trabalho em

grupo, principalmente na elaboração de coreografias. Segundo

Souza (1997), a ginástica pode ser classificada da seguinte forma:

de competição, de condicionamento físico, de conscientização

corporal, fisioterápica e de demonstração. Embora pertençam ao

mesmo núcleo inicial, esses tipos de ginástica podem apresentar

finalidades diferenciadas, de acordo com seus variados aspectos.

Os esportes de raquetes, como o tênis, o badminton, o squash

e o tênis de mesa, são outros exemplos de esportes individuais

que podem ser aproveitados pela EFE. Essas modalidades exi-

gem habilidades motoras pouco exploradas no ambiente escolar,

como as técnicas de rebater, que auxiliam o desenvolvimento da

coordenação motora, a resistência, a agilidade, a discriminação

visual e a percepção espaçotemporal (Guaranha, 2009).

Entre essas modalidades de raquetes, o tênis de mesa parece ser

a mais popular, pois grande parte das escolas brasileiras apresenta

ao menos uma mesa para a prática desse esporte. No entanto,

com algumas adaptações dos recursos materiais (bolinhas de

borracha, raquetes de madeira e redes com cordas ou elásticos),

é possível abordar também as demais modalidades desse gênero,

contribuindo para o aumento da cultura corporal dos escolares.

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A natação também se enquadra no eixo esporte dos PCN

(Brasil, 1998), sendo uma modalidade individual muito indicada

para a prevenção e o tratamento de doenças como bronquite e

asma, pois sua prática contribui para o aumento do consumo

de oxigênio, resultando na melhora da mecânica respiratória

(Duchini; Ferracioli; Ferracioli, 2010). Atividades aquáticas também

contribuem para o desenvolvimento de habilidades psicomotoras

e da capacidade cardiorrespiratória, além de melhorar o tônus e

a coordenação geral do organismo. Entretanto, no âmbito escolar,

a abordagem da natação se torna muito difícil, em virtude da au-

sência de espaços próprios, principalmente em escolas públicas.

Modalidades como o boliche, a bocha e o bolão são também

alternativas de esportes individuais possíveis de serem desenvol-

vidos na escola. Além da facilidade de adaptações em seus imple-

mentos, essas modalidades apresentam atividades que exigem

menor esforço físico dos praticantes, facilitando a participação

de indivíduos com diferentes perfis.

Podemos constatar que todas essas modalidades mencionadas,

somadas ao atletismo, formam um variado leque de opções para a

utilização do conteúdo esporte na EFE. Todavia, o que se percebe,

de modo geral, é o predomínio dos esportes coletivos nas aulas,

pois eles detêm maior prestígio nacional, seja pela característica

lúdica inerente a essas modalidades, seja pela presença da bola

como recurso principal para o desenvolvimento de suas ações,

seja pela influência da mídia, principalmente a televisiva.

Na cultura popular, o Brasil é o país do futebol, o esporte de

massa, fato que influencia para que ele seja, muitas vezes, o con-

teúdo mais desejado da aula de EF. Aliado a essa condição, é im-

portante destacar, ainda, a intensa exploração da mídia em relação

a esse e a outros esportes coletivos, como o vôlei, de modo que se

torna difícil convencer os alunos de que outros tipos de esporte

também podem ser abordados. Esses aspectos contribuem mini-

mamente para o entendimento do porquê da pouca ou nenhuma

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abordagem das modalidades individuais nas aulas de EF, sobretudo

do atletismo, embora este seja considerado por muitos o esporte

mais acessível para a iniciação esportiva na escola.

4.3 Atletismo na escola: barreiras e obstáculos para sua difusão*

Diversos estudos que abordam o desenvolvimento do atletismo

como conteúdo da EFE evidenciam a falta de materiais e/ou espaço

físico adequado nas escolas como os maiores obstáculos para a

não difusão desse conhecimento nas unidades de ensino (Noll;

Suñé; Oppermann, 2008; Furbino et al., 2010; Sedorko; Silva, 2011;

Bomfim, 2011; Melo et al., 2011).

Os dados obtidos por Noll, Suñé e Oppermann (2008) revelam

que, além da ausência de materiais e espaços físicos, a falta de

apoio da Secretaria de Educação, do mesmo modo, dificulta o

desenvolvimento do atletismo nas escolas de Teutônia (rS), pois,

apesar de oferecer uma competição para os alunos, as escolas não

recebem ajuda financeira.

Furbino et al. (2010, citados por Sedorko; Distefano, 2012) desta-

cam que “Mesmo em instituições particulares, onde geralmente

existem melhores condições em instalações e equipamentos es-

portivos, os professores justificam a não utilização do atletismo

devido à falta de infraestrutura em relação a materiais e locais

adequados”.

Segundo Melo et al. (2011), entre os problemas que dificultam

o desenvolvimento do atletismo em escolas da cidade do rio de

Janeiro estão a falta de infraestrutura e também de materiais

* Trechos desta seção foram retirados e adaptados de Sedorko e Distefano (2012).

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específicos, os quais representam 65% das indicações e são os

itens mais evidenciados pelos professores.

resultados semelhantes foram encontrados nas pesquisas de

Bomfim (2011), em que 87% dos entrevistados revelaram apresentar

dificuldades no ensino desse esporte em virtude da inexistência

de espaços físicos e implementos adequados.

Para Kunz (citado por Bomfim, 2011), problemas relacionados

à infraestrutura e a materiais podem ter relação com a formação

profissional do educador. O autor lembra que na formação inicial

(na graduação), para a prática do atletismo, os professores forma-

dores utilizam equipamentos diferentes daqueles existentes nas

escolas, o que não permite que os futuros professores obtenham

preparação para atuarem em conformidade com a realidade escolar.

Em entrevista realizada com docentes de Educação Física de 19

escolas de Ipatinga (MG), Justino e rodrigues (2012) relataram

que mais de 36% deles encontram problemas para ensinar o

atletismo na escolaem razão da própria falta de conhecimento

desse conteúdo.

No estudo de Netto e Pimentel (2008), envolvendo professores

de 25 escolas do Núcleo regional de Educação de Cianorte (Pr),

foi possível constatar que os profissionais da área necessitam se

atualizar e buscar novas metodologias e práticas para o ensino

do atletismo, pois, segundo os autores, poucos são os professores

que trabalham esse conteúdo em suas aulas de uma maneira

sistematizada. Dessa forma, podemos concluir que o conheci-

mento insuficiente dos docentes em relação ao atletismo também

contribui para a pouca difusão desse esporte no contexto escolar.

Sedorko e Silva (2011), ao investigarem o desenvolvimento do

atletismo como conteúdo da EFE nas escolas estaduais da cidade

de Ponta Grossa (Pr), concluíram que a qualidade do ensino-apren-

dizagem dessa modalidade deve ser repensada, pois, apesar de

a maioria dos professores trabalhar esse esporte nas aulas, boa

parte dos alunos não sabe reconhecer esse conteúdo e a maioria

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encontra dificuldade em explicar como se pratica uma prova

dessa modalidade.

Para os autores, essa divergência entre o que foi ensinado

pelo professor e o aprendido pelo aluno ocorre em virtude da

não especificidade na abordagem desse esporte. Muitas vezes,

os docentes aplicam atividades que utilizam corridas e saltos

e acreditam que dessa forma estão trabalhando com provas do

atletismo. No entanto, as crianças e os adolescentes que partici-

pam dessas atividades geralmente não conseguem relacioná-las

às modalidades do atletismo.

O raciocínio de Betti (1999, p. 26-27) ilustra bem esse fato:

Se o aprendizado dos esportes restringir-se ao processo en-

sino-aprendizado de técnicas, gestos automatizados, onde so-

mente o professor-técnico as conhece e domina, ou seja, seu

Sentido/Significado é compreendido somente pelo professor e ao

aluno cabe executá-las da melhor forma, não será possível um

questionamento sobre esta prática, a qual pode parecer “natural”.

Perceba que, diante desse quadro, a formação do profissional

de EF parece também se constituir em um problema para o não

ensino desse esporte, pois é comum que seja identificado um

elevado número de acadêmicos que têm o primeiro contato com o

atletismo apenas na graduação. Segundo Matthiesen (2007, p. 17),

“para exagerar bem [...] é na universidade que ele aprenderá que

o martelo é um implemento totalmente diferente da ferramenta

em si e que o disco não toca”.

No trabalho de Calvo (2005), foi possível verificar que a maio-

ria dos estudantes do curso de Educação Física tem o primeiro

contato com o atletismo durante a sua formação inicial, ou seja,

apenas no ensino superior.

Matthiesen (2007) evidencia que existe o risco de que nem

mesmo na universidade o aluno aprenda atletismo de fato, seja

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por não ser obrigatório cursar essa disciplina durante o período

de formação, seja porque existem realmente sérias deficiências

em seu ensino nos cursos de Educação Física, nos quais, muitas

vezes, determinados conteúdos, como as corridas e os saltos, são

priorizados, enquanto outros, como os lançamentos e a marcha

atlética, são deixados de lado. De acordo com Gomes (2008), o fato

de as universidades, por diversas vezes, não oferecerem um en-

sino do atletismo com possibilidades concretas de abordagem no

âmbito da escola também contribui para que o professor exclua

esse conteúdo da EFE.

Para Kirsch, Koch e Oro (1984), as justificativas levantadas para

a não exploração do atletismo na EFE, no que se refere à falta

de materiais e espaço físico adequado nas escolas, na verdade

indicam que o problema básico do atletismo brasileiro é mais de

natureza cultural e educacional do que social e econômica, pois

se percebe que o brasileiro não observa no esporte (nesse caso,

o atletismo) um valor cultural, na medida em que relaciona cultura

com expressão de intelecto e esporte com jogo de bola.

Como explicar, de outra maneira, que o atletismo, tecnicamente

descomplicado, extensivamente ensinado nas escolas de todos

os sistemas e níveis, [...] adaptável a qualquer área livre, não

alcança maior iniciativa de uma população que não pode ou não

tem onde se associar a clubes esportivos, mas vai à escola e en-

contra meios de adquirir equipamento para jogar bola. (Kirsck;

Koch; Oro, 1984, p. 4)

Essa constatação demonstra que as barreiras existentes para a

difusão do atletismo como conteúdo da cultura corporal na EF

não são fáceis de transpor, sendo necessária uma reorganização

das propostas didáticas para o ensino do atletismo no Brasil,

levando-se em consideração os aspectos culturais passíveis de

mudanças.

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Para Kirsch, Koch e Oro (1984), essa reformulação deve ser in-

teressante e atraente, capaz de criar uma atmosfera motivadora

e favorável, para indicar novos valores e rumos para o desenvol-

vimento do atletismo. Ao contrário, pouco contribui um acervo

com livros requintados, ilustrativos e com detalhada metodo-

logia, se a abordagem desse esporte se der de forma desconexa

do contexto social e dos valores esperados pelo brasileiro nas

atividades esportivas.

4.4 A importância do atletismo na Educação Física escolar e algumas possibilidades pedagógicas

Segundo Jonath et al. (citado por Oliveira, 2006), os exercícios de

atletismo se apresentam como um importante meio para melhorar

a capacidade de rendimento físico geral, desenvolvendo qualidades

físicas básicas, como força, resistência, velocidade, flexibilidade

e agilidade. De acordo com Schmolinski (1982), a prática desse

esporte pode aperfeiçoar a coordenação geral do organismo, re-

sultando na melhora da condição física e na capacidade de rea-

lizar as tarefas diárias. Já Ozolin e Markov (1991) afirmam que o

atletismo, além de contribuir para o desenvolvimento motor das

crianças, é também utilizado por algumas políticas de governos

para aperfeiçoar a forma física da população e fortalecer sua saúde,

preparando-a para o trabalho e a defesa da pátria.

No âmbito escolar, o atletismo pode ser de fundamental im-

portância, em decorrência de suas características que requerem

capacidades e habilidades consideradas como base para o desen-

volvimento de outros esportes (Bragada, 2000).

A iniciação ao atletismo, conforme Kirsch, Koch e Oro (1984),

é observada como um conjunto de habilidades específicas que

compõem o começo do processo de ensino-aprendizagem e que,

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em seguida, evoluem para um correto caminhar, correr, saltar e

lançar, presente no atletismo de rendimento. Para esses autores,

esse processo representa a transição das atividades básicas do

estágio de padrões gerais para o de formas grossas dos movimen-

tos convencionais do atletismo.

As corridas, os saltos, os lançamentos e os arremessos são

habilidades físicas presentes em quase todas as modalidades

esportivas. Dessa forma, Kirsch, Koch e Oro (1984) entendem que

os movimentos atléticos, em si, não são desinteressantes; o que

pode torná-los não atraentes seria sua interpretação e sua siste-

matização didática quando vinculadas ao atletismo convencional.

Em virtude da pouca exploração do atletismo nas escolas, grande

parte dos alunos não usufrui da construção dos conhecimentos

e do debate sobre esse esporte. Entre as diversas possibilidades

pedagógicas dessa modalidade na EFE, também podemos destacar

como importante a abordagem dos aspectos históricos, fisiológicos,

políticos e antropológicos.

A origem do atletismo é fascinante. Seu surgimento está rela-

cionado ao do próprio homem, confundindo-se muitas vezes com

a mitologia. A discussão dos aspectos históricos com os alunos

pode ser de grande valia, pois temas relacionados à influência

cultural desse esporte podem ser abordados, como a figura do

Discóbolo de Míron e suas representações e significados*.

Em relação aos fatores fisiológicos, é possível enriquecer as aulas

com debates sobre os benefícios da atividade física para a saúde,

levantando questões a respeito da obesidade, do desenvolvimento

muscular, da frequência respiratória e dos batimentos cardíacos.

* Estátua grega de bronze, esculpida por Míron no século V a.C., que representa um atleta pronto para lançar o disco nos jogos esportivos da Grécia antiga. A reprodução detalhada da musculatura revela um amplo conhecimento da anatomia masculina e traduz a natureza do movimento. Foi escolhido o símbolo da Educação Física, por retratar a força e o dinamismo característicos dessa profissão (Fernandes, 1978; Confef, 2002).

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No que se refere aos fatores políticos e antropológicos, é pos-

sível propiciar aos alunos reflexões sobre temas relacionados à

utilização do esporte como veículo publicitário de alguns países

e de seus regimes políticos (como os Jogos Olímpicos de Berlim,

em 1936, e o período da Guerra Fria), além de favorecer a discussão

e a compreensão sobre o uso de substâncias químicas (doping) nos

esportes de rendimento e o papel da mídia em todo esse processo.

De acordo com Gomes (2008), para possibilitar a inserção do

atletismo no conteúdo pedagógico da EF e sua utilização nas es-

colas, é necessário que observemos suas dimensões conceituais,

procedimentais e atitudinais (Brasil, 1998). A dimensão conceitual

está relacionada com “o que se deve saber”; a procedimental, com

“o que se deve saber fazer”; e a atitudinal, ao “como se deve ser”.

Nesse contexto, Gomes (2008) sugere a inclusão de alguns objetivos

e conteúdos para a abordagem do atletismo na escola.

Na dimensão conceitual, o referido autor aponta os seguintes

objetivos: reconhecer a origem das provas do atletismo e as mu-

danças histórico-culturais ocorridas ao longo dos tempos; discutir

o corpo humano durante o movimento, abordando conceitos

básicos de biodinâmica ou comparando o contexto esportivo e

as mudanças necessárias para inseri-lo no ambiente escolar; e

debater questões como a influência da mídia no imaginário social.

Em relação à dimensão procedimental, os objetivos sugeridos

por Gomes (2008) são: inserir a aprendizagem de algumas moda-

lidades básicas do atletismo; relacionar sua prática às atividades

corporais; saber efetuar e adaptar os movimentos; e organizar

competições esportivas, ou também participar delas.

Em relação à dimensão atitudinal, segundo Gomes (2008), se-

riam estabelecidos os seguintes objetivos para o desenvolvimento

do atletismo: relacionar o atletismo aos valores, no sentido de

ressignificar sua prática no contexto educacional; buscar reco-

nhecer e valorizar atitudes de respeito mútuo; resolver problemas

por intermédio do diálogo, em vez da violência; e favorecer uma

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melhor compreensão do corpo em sua complexidade, buscando

uma prática esportiva mais consciente.

Considerando essas três dimensões do ensino, a autora acredita

que o professor de EF tem condições de propiciar aos seus alunos

a aprendizagem dos conteúdos do atletismo por meio da vivência,

de debates, de leituras e reflexões, que contribuem para formar

cidadãos integrados e embasados em aspectos mais amplos da

cultura corporal (Gomes, 2008, p. 7).

Com base nas contribuições desses autores, podemos afirmar

que, apesar das dificuldades existentes para o não desenvolvi-

mento do atletismo no âmbito escolar, muitos deles defendem

e justificam a abordagem desse esporte, sugerindo alternativas

diversas em seus tratamentos pedagógicos. Kunz (1994), Betti

(1999) e Matthiesen (2005), reconhecendo a pouca difusão desse

esporte na EFE, defendem uma transformação na abordagem dessa

modalidade, ressaltando a importância de adaptações nas regras

e nos implementos, de modo a adequá-los ao ambiente escolar.

Segundo Kunz (1994), ao ser sugerida uma transformação didá-

tico-pedagógica do esporte, a intenção não é alterar o significado

dos movimentos desse esporte (por exemplo, em uma corrida de

velocidade o objetivo é ser o mais rápido), mas considerar que os

sentidos individual e coletivo podem mudar. Para o autor, outros

sentidos podem ser buscados; por exemplo, nas corridas, é possível

reduzir o tempo em duplas, trios ou grupos, favorecendo, dessa

forma, a participação de todos os alunos, independentemente de

suas limitações físicas e técnicas.

Oliveira (2006) entende ser fundamental que as condições do

ensino do atletismo sejam adequadas de acordo com a realidade

de cada escola, para que seu aprendizado efetivamente aconteça

na EF. A adaptação de implementos alternativos se apresenta como

um importante facilitador no ensino desse esporte, podendo o

professor incluir os próprios alunos na elaboração desses materiais.

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Entre as diversas possibilidades de adaptações, podemos des-

tacar as seguintes:

• um cabo de vassoura pode ser usado para a confecção de

bastões para as corridas de revezamentos e nos lançamentos

de dardo. Quando apoiados em cadeiras, os cabos podem

também servir de barreiras para a corrida com barreiras;

• caixas e bancos de madeira podem ser facilmente utilizados

pelo professor e pelos alunos nas corridas com obstáculos;

• para os lançamentos e arremessos, é possível confeccionar

bolas de meia com serragem ou areia, para serem arremes-

sadas em alvos como pneus ou bambolês;

• um martelo pode ser feito com garrafas PET (politereftalato

de etileno) ou sacos plásticos com areia, para ser lançado por

cima de elásticos dispostos em diferentes alturas.

Demais materiais, exercícios, atividades e jogos podem ser ela-

borados de acordo com o conhecimento e a criatividade de pro-

fessores e alunos. A abordagem do atletismo por meio de jogos e

brincadeiras, com ênfase nos aspectos lúdicos, pode torná-lo uma

modalidade mais atrativa e agradável nas escolas, contribuindo

para a ampliação da cultura esportiva dos alunos (Oliveira, 2006).

Considerações finais

A utilização de modalidades esportivas individuais variadas na

EFE, além de favorecer o aperfeiçoamento das habilidades motoras

dos alunos, pode contribuir para o desenvolvimento da autonomia

e da autoconfiança destes, pois normalmente a prática desses

esportes está relacionada a um adequado preparo psicológico

do praticante e à capacidade deste de se autossuperar e acreditar

em si mesmo.

Especificamente em relação ao atletismo, entendemos que este

seja o esporte mais acessível ao ensino nas escolas, em razão de

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suas características que envolvem habilidades naturais de fácil

execução, como o correr, o saltar e o lançar. Além da facilidade

de adaptações de materiais, de espaços físicos e de suas regras,

esse esporte possibilita a todos os praticantes a oportunidade de

vivenciar momentos de êxito nas atividades, pois permite desco-

brir ao menos uma forma de aptidão esportiva, uma vez que, em

função de sua diversidade de provas, haverá sempre uma delas

que poderá corresponder a determinado perfil de aluno.

Como principais obstáculos para a difusão do atletismo no con-

texto escolar, percebemos questões relacionadas às indefinições na

sistematização dos conteúdos curriculares da EF, bem como proble-

mas de infraestrutura e falta de materiais adequados nas escolas.

No que se refere à sistematização dos conhecimentos, concor-

damos com Kunz (1994), que defende uma organização curricu-

lar para a EF, pois acreditamos que, desse modo, será possível

legitimá-la no contexto educacional, justificando-a e igualando

seu grau de importância ao das demais disciplinas.

Quanto às questões relacionadas à falta de materiais adequados

para o ensino do atletismo, lembramos que a Constituição Federal

brasileira (Brasil, 1988) define como atribuição do Estado a obriga-

ção de fornecer condições para que ocorra o ensino-aprendizagem

nas escolas. No entanto, na ausência de materiais específicos,

o professor deve buscar, em um primeiro momento, a confecção de

materiais alternativos para atender aos alunos e, posteriormente,

lutar para que sejam adquiridos materiais adequados, pois, de

acordo com Betti (1999), se o docente ficar “de braços cruzados”

até a aposentadoria, esse quadro jamais será alterado.

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5O esporte na escola: reflexões necessárias e possibilidades para a mediação do seu ensinoSilvia Christina Madrid Finck

Marcelo José Taques

Lisiane de Paula Ripka

Diante das diversas manifestações do esporte como fenômeno po-

lissêmico, nosso intuito neste texto é identificá-lo como elemento

multicultural na qualidade de conteúdo a ser desenvolvido nas

aulas de Educação Física (EF), elemento esse que, de acordo com

Stigger (2001, p. 69), “expressaria uma diversidade de manifesta-

ções, além daquela que tem maior visibilidade social, o esporte de

rendimento”. Essas manifestações ocorrem de forma vinculada

ao contexto cultural em que o esporte é praticado, assim como

às características de seus praticantes.

Nesse sentido, é possível que o esporte possa ser identificado

como um conteúdo heterogêneo, pois tem suas especificidades de

acordo com o meio cultural em que é desenvolvido e vivenciado.

Dessa forma, sem o objetivo de esgotar a temática, fazemos um

recorte limitado ao ensino do esporte no âmbito escolar, buscando

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desvelar elementos que possam subsidiar as possibilidades de

caracterização e intervenção desse saber no contexto educacional.

Parte dos professores de EF busca por estratégias teórico-me-

todológicas que possam auxiliar na práxis pedagógica efetivada

na escola. Assim, temos aqui o propósito de possibilitar algumas

análises sobre a atual discussão relacionada ao esporte na escola*

e suas possibilidades de intervenção nas aulas de EF, buscando

contextualizar o referencial sobre o tema com as formas metodo-

lógicas de ensino que os professores podem estar desenvolvendo

nas aulas. Nesse sentido, buscamos fornecer subsídios para a

ação docente que contribuam para atender às necessidades edu-

cacionais dos alunos.

“O esporte é um dos principais fenômenos sociais, culturais,

econômicos e políticos [na atualidade], causador de instigantes

debates principalmente no [campo acadêmico], [...] sendo [...] um

dos temas mais abordados por pesquisadores” (Taques, 2011b,

p. 63). Nessa linha de raciocínio sobre o esporte na escola, é ne-

cessário compreendermos os aspectos metodológicos que têm

sido desenvolvidos tanto na área de EF como em diversas outras

áreas do conhecimento, buscando fornecer propostas que possam

atender às exigências do quadro atual de ensino (Oliveira, 1997).

Com base no exposto, como pressuposto básico deste estudo,

questionamos: As diversas propostas metodológicas historica-

mente desenvolvidas auxiliam o trabalho docente em relação

ao ensino do esporte na escola? Essas propostas possibilitam ao

professor criar novas formas para o desenvolvimento dos saberes

sobre o esporte no contexto escolar?

Acreditamos que, para uma intervenção mais efetiva, são ne-

cessárias mudanças nas estratégias de ação, alterações que pos-

sibilitem pensar em uma escola que contribua para a educação

* Neste texto, a intenção é enfatizar o esporte na escola, ou seja, que seu desenvolvimento ocorra de acordo com as necessidades e a realidade escolar.

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de sujeitos críticos e autônomos e, ainda, que lhes proporcione

acesso ao conhecimento de forma reflexiva e criativa.

Nessa perspectiva de análise, evidenciamos algumas interro-

gações a respeito dos pressupostos metodológicos para o ensino.

Logo, podemos corroborar o pensamento de Oliveira (1997, citado

por Taques; Honorato, 2009, p. 2), que destaca:

a falta de preparo […] [dos] professores para o enfrentamento

de novas estratégias metodológicas; a falta de interesse [dos

professores] em estimular novas abordagens metodológicas;

a condição de refratário diante do conhecimento que os docentes

assumem no ensino; entre outros, são fatores que podem estar

impedindo [grande parte dos] professores de colocar em prática

novas abordagens [para o desenvolvimento] de conteúdos […]

[no] âmbito escolar.

Diante dessas questões, é fundamental pensarmos sobre novas

possibilidades para o ensino, em específico, nesse recorte sobre o

ensino do esporte na escola. A EF é uma área de conhecimento e,

como disciplina, compõe o currículo escolar. Dessa forma, deve

contribuir para que os alunos possam refletir e ampliar suas ações,

pois a falta de um trabalho pedagógico ampliado compromete a

visão deles sobre a leitura do contexto e da realidade. Trata-se de

uma interdisciplinaridade, que leva o aluno a constatar, a inter-

pretar, a compreender e a explicar a realidade social complexa

(Coletivo de Autores, 1992).

Nossa intenção é desencadear algumas reflexões acerca do refe-

rencial teórico sobre o tema e sobre as possibilidades de caracte-

rização do esporte na escola, no sentido de que sejam pensados

elementos diferenciados para a abordagem metodológica desse

fenômeno, a fim de que tal diferenciação componha os conteúdos

da EF, contribuindo, assim, tanto para a formação quanto para a

intervenção do professor de EF na escola.

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Na sequência, apresentaremos uma análise sobre o ensino do

esporte voltado para um conhecimento de valor educativo, que

contribua para o desenvolvimento criativo e reflexivo dos alunos

no processo de ensino-aprendizagem. Assim, evidenciamos que

o professor deve considerar, no fazer pedagógico, a cultura e a

história de vida dos alunos, com a finalidade de levá-los a refletir

sobre suas ações. O grande desafio da EF na escola é o de promover

ações e mudanças que possibilitem aos jovens uma reflexão crí-

tica sobre o quadro social contemporâneo, principalmente sobre

os modelos transmitidos pelos meios de comunicação de massa.

Desse modo, “busca-se [...], como princípio básico, o predomínio

dos significados e dos valores de nossas práticas corporais histo-

ricamente construídas tendo por finalidade a reflexão crítica dos

alunos e a transformação social.” (Taques, 2011a, p. 6)

5.1 A (des)caracterização do esporte na escola: elementos conservadores para o ensino

O esporte apresenta várias possibilidades de manifestação,

as quais estão relacionadas, principalmente, como lazer, rendi-

mento e educação, mas seu caráter hegemônico, relacionado a

padrões de desempenho, gera conflitos e polêmicas na comunidade

acadêmica da área de EF. No entanto, nossa intenção é “buscar

responder algumas interrogações a respeito da (des)caracteriza-

ção do esporte enquanto conteúdo da EF” (Taques, 2011b, p. 63).

Ao tratarmos de questões polêmicas que envolvem o esporte,

especificamente no contexto escolar, é importante fazermos algu-

mas considerações pertinentes sobre o conteúdo da EFE veiculado

a uma perspectiva crítica do fenômeno esportivo.

Percebemos que há uma busca por estratégias de ação que

podem auxiliar no processo de intervenção na escola. Assim,

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procuramos instigar reflexões sobre alguns elementos que (des)

caracterizam o esporte como conteúdo curricular, no intuito de

possibilitar que o aluno amplie sua visão sobre o sistema espor-

tivo, pois, conforme Bracht (1997, p. 81), “o sistema esportivo é um

parceiro dos governos federais, que oferece como retorno, basica-

mente, um produto simbólico que é o prestígio/reconhecimento

internacional com repercussões internas de caráter legitimador

e, secundariamente, um retorno econômico” Assim,

Diante desse quadro apresentado por Bracht (1997), percebemos

que, em muitos contextos, a Educação Física na escola vem desem-

penhando bem a parceria com o modelo de esporte predominante

em nossa sociedade por meio do sistema esportivo, uma vez que

seu desenvolvimento na escola estabelece parâmetros relacionados

à aptidão e capacitação física, viabilizando o alto rendimento ou

ensinando como conteúdos exclusivos os esportes considerados

de maior impacto na sociedade. Portanto, devemos (re) inventar o

esporte na escola, pois de acordo com Bracht e Almeida (2003, p. 98),

“[…] o esporte escolar só faz sentido se for pedagogizado, ou seja,

submetido aos códigos da escola. Em termos mais concretos, isso

significa que não basta, para a realização da função da escola, que

o esporte seja aprendido e praticado nos seus espaços, é preciso

também que o esporte escolar instrumentalize o indivíduo a com-

preender o fenômeno esportivo”. (Finck; Taques, 2011, p. 3911-3912)

Podemos observar que, em muitas ações, a metodologia apre-

sentada para o ensino do esporte na escola segue certo ranço

da pedagogia tecnicista, na qual o objetivo seria o aprimora-

mento da técnica e do gesto esportivo de acordo com um padrão

de movimento, havendo, ainda, a busca por uma melhoria do

condicionamento físico do indivíduo na perspectiva do rendi-

mento. Por outro lado, muitas vezes o professor deixa a critério

dos alunos a decisão sobre o que, quando e como fazer na aula,

limitando, assim, o desenvolvimento e o aprendizado sobre o

esporte (Finck, 1995, 2010).

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Tal encaminhamento metodológico revela que, muitas vezes,

na formação inicial, os professores não adquirem os conhecimen-

tos necessários para desenvolver o esporte numa perspectiva

pedagógica, o que limita, portanto, a abordagem desse conteúdo

em uma dimensão apenas orientada pelas técnicas (Finck, 2010).

Esses resquícios paradigmáticos da aptidão/capacitação física,

além de estarem presentes nas ações dos professores, constam

na legislação, como podemos observar a seguir, no trecho da

Lei nº 10.793, de 1º de dezembro de 2003, que altera a redação

do art. 26, parágrafo 3º, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional – LDBEN – Lei nº 9.394/1996 (Brasil, 1996):

A Educação Física, integrada à proposta pedagógica da escola, é

componente curricular obrigatório da educação básica, sendo sua

prática facultativa ao aluno:

I – que cumpra jornada de trabalho igual ou superior a seis horas;

II – maior de trinta anos de idade;

III – que estiver prestando serviço militar inicial ou que, em situa-

ção similar, estiver obrigado à prática da Educação Física;

IV – amparado pelo Decreto-Lei nº 1.044, de 21 de outubro de 1969;

V – (vetado);

VI – que tenha prole.

A LDBEN de 1996 (Brasil, 1996) coloca a EF como componente cur-

ricular, entendido neste estudo como “a forma de organização do

conteúdo de ensino em cada fase, nível ou série [hoje chamado

ano], compreendendo aquilo sobre o qual versa o ensino, ou em

torno do que se organiza o processo de ensino-aprendizagem”

(Saviani, 1994, p. 116). Esse fato “exigiu um novo pensar dos pro-

fessores, pesquisadores e estudantes, pois se a EF é componente

do currículo, porque ser facultativa* para alguns alunos?” (Taques;

Honorato, 2009, p. 6). Podemos perceber que na lei há resquícios

* Vale ressaltar que é facultativa ao aluno apenas a prática de atividade física, e não a participação na disciplina em si.

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de “uma visão ultrapassada da Educação Física, ela é caracterizada

pela ideia de capacitação física, a qual visa diferenciar o indiví-

duo apto do não apto para a realização das práticas corporais.”

(Taques; Honorato, 2009, p. 6)

Nesse sentido, Finck (2010, p. 21) assim se manifesta:

Percebemos que, de certa forma, retrocedemos, pois o texto da

“nova lei” é muito semelhante àquele da antiga Lei n° 5.692/1971,

na qual os alunos eram dispensados da prática da Educação Física

em situações quase que idênticas a estas já mencionadas. Ao

possibilitar que a prática da Educação Física seja facultativa para

uma parcela significativa dos alunos, a lei preconiza justamente o

contrário do que é veiculado pelos meios de comunicação e vali-

dado pela classe médica e científica, que vem a ser a necessidade

de toda pessoa, independentemente de idade, realizar atividade

física e/ou esportiva de forma regular em benefício de sua saúde

e em busca de uma melhor qualidade de vida. Portanto, aos alu-

nos é dado “suporte legal” para que iniciem uma vida sedentária

ainda na escola.

Justificamos também a necessidade de se construírem parâmetros

significativos que incluam debates sobre o esporte como saber

escolarizado, tema que vem mobilizando vários profissionais

no intuito de compreender os equívocos que esse conhecimento

gera na escola.

A princípio parece haver um paradoxo, pois ao mesmo tempo em

que o conteúdo esporte é aquele que os alunos mais incorporam

no cotidiano escolar, é também, muitas vezes, o que mais os exclui

nas aulas. Isso ocorre devido a alguns mal entendidos [...] que se

cristalizam na escola, os quais advogam a ideia de que: quem cri-

tica o esporte é contra o esporte; tratar criticamente o esporte nas

aulas de EF é ser contra a técnica esportiva; a crítica da pedagogia

crítica da EF era destinada ao rendimento enquanto tal, e que a

este contrapunha, em posição diametralmente oposta, o lúdico;

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tratar criticamente do esporte na escola é abandonar o movimento

em favor da reflexão. (Bracht, 2000, citado por Taques, 2011b, p. 65)

Esses elementos são causadores de polêmicas e estão presentes

na escola em muitos contextos, descaracterizando o esporte

como conteúdo que tem vários significados e valores educativos.

Contudo, vale ressaltarmos que a crítica é contra a forma como

o esporte muitas vezes é desenvolvido na escola, pois, por um

lado, são priorizados aspectos como a competição exacerbada,

a supervalorização da vitória, da técnica e do rendimento e, por

outro, o professor praticamente se isenta do processo de ensino

e aprendizagem, deixando sob a responsabilidade dos alunos o

desenvolvimento das aulas (Finck, 1995, 2010).

Assim, torna-se necessária uma nova postura diante do ensino

do esporte, para que possíveis transformações e mudanças possam

surgir à luz desse conhecimento na escola. Tratar criticamente

do esporte na escola não implica a questão da contradição de sua

existência ou permanência na escola, pois ele é essencial para a

disciplina de EF e “nossa defesa não é por sua abolição das aulas,

mas sim por um trato pedagógico do esporte – analisando o tipo

de educação veiculado por uma ou outra forma de manifesta-

ção esportiva – para que se torne educativo numa determinada

perspectiva (crítica) de educação.” (Bracht; Almeida, 2003, p. 97)

Evidenciamos um segundo equívoco que também pode estar

interferindo no processo de ensino-aprendizagem do esporte:

a técnica esportiva. Como já citamos, o esporte pode ser com-

preendido como um fenômeno polissêmico, pois apresenta várias

formas de manifestação e tem características específicas de acordo

com o contexto em que se faz presente.

Dessa forma, consideramos a escola uma instituição com caráter

democrático de ensino, que tem uma população com diferentes

características e habilidades; a intervenção pedagógica não pode

se restringir exclusivamente ao ensino das técnicas do esporte,

as quais, sem dúvida, são importantes, porém esse não deve ser

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o único conhecimento a ser desenvolvido pelo professor. Antes

de qualquer intervenção pedagógica, é necessário elaborar um

planejamento, organizar o trabalho pedagógico. Logo, é funda-

mental que as características dos alunos sejam identificadas,

bem como suas capacidades e necessidades, criando-se, assim,

meios para um ensino de qualidade. O processo de ensino exige

reflexão, conhecimento e criatividade, no sentido de buscarmos

uma transformação didático-pedagógica do ensino do esporte

(Kunz, 2003), para que a proposta de intervenção não se caracte-

rize como uma aprendizagem parcial, mecânica e conservadora.

Considerando-se o esporte como patrimônio cultural, de acordo

com Bracht (2000), o trabalho em relação às técnicas esportivas

deve ser repensado. Nossa intenção não é a defesa da não apren-

dizagem dessas destrezas nas aulas, e sim a busca do desenvolvi-

mento de ações que possam refletir em novas propostas de ensino,

subordinadas a novos objetivos, construídos coletivamente no

âmbito da escola, para um novo esporte/jogo* que terá caracte-

rísticas próprias desta.

O próximo elemento de nossa discussão diz respeito ao debate

sobre o esporte de rendimento/alto nível e o esporte educacional/

lúdico. Vale ressaltarmos que a ideia não é contrapor um saber ao

outro, e sim desvelar elementos que possam contribuir para as

duas formas culturais de expressão corporal por meio do esporte.

Pensando no esporte como um conteúdo heterogêneo, devemos

refletir sobre as diversas possibilidades de atuação, conside-

rando que em cada contexto e cultura ele tem suas objetividades

e legitimações. Assim, torna-se necessário olharmos além da

* Diante desse contexto, fazemos um breve recorte do conteúdo jogo relacionado ao esporte da escola, pois, nessa perspectiva, buscam-se o caráter lúdico e algumas estratégias de ação que podem contribuir para a transformação de regras, do espaço e do número de participantes, pensando-se no ensino da técnica com outra postura e nos sentidos.

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perspectiva de monocultura* e usufruirmos do movimento no

esporte com as mais variadas possibilidades de transformação

no contexto escolar.

Diante desse processo didático-pedagógico, há outro questiona-

mento a respeito da sobrepujança da reflexão contra o movimento

humano no esporte. Analisando essa circunstância, buscamos

refletir sobre uma possibilidade de aproximação dos elementos

do esporte** para uma caracterização desse conteúdo no cotidiano

escolar. É preciso organizar o trabalho pedagógico com o intuito

de que, por meio do movimento, possa existir a reflexão, pois,

de certa forma, a expressão do corpo é uma linguagem que traz

consigo vários significados, comportamentos e valores indispen-

sáveis para o processo de ensino e aprendizagem na escola. O que

não pode existir nesse contexto é uma compreensão equivocada

de prevalência de questões sociológicas e filosóficas sobre as ex-

pressões e linguagens da cultura corporal do esporte. Buscamos,

então, uma complementação/articulação desses dois elementos

para uma objetivação e uma compreensão mais amplas dos alunos

sobre esse fenômeno presente na escola.

5.2 (Re)pensando o esporte na escola:

* Segundo Stigger (2001, p. 69), o termo monocultura expressaria uma única maneira de esporte, independentemente dos locais em que fosse praticado, assim como as características, os interesses e as motivações únicas de seus praticantes.

** De acordo com o Coletivo de Autores (1992, p. 41), os elementos do esporte seriam os elementos técnicos e táticos que se relacionam com outras determinações, como espaços físicos, materiais, processos pedagógicos, relações sociais (posição que cada qual ocupa no esporte e como cada jogador se relaciona com o outro – cooperando ou explorando) com as instituições sociais (normas, campeonatos).

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em busca da caracterização desse fenômeno com base em uma intervenção polissêmica*

Manifestamos, neste momento do estudo, certa preocupação com

a necessidade de mudança e transformação do esporte como con-

teúdo escolar, no intuito de evidenciar, com base nas discussões

anteriores, uma nova configuração metodológica para o processo

de ensino e aprendizagem.

Nessa perspectiva de (re)pensarmos o ensino do esporte, vale

destacar que a nossa intenção é apresentar uma discussão que

transmita o caráter de valor educativo desse conteúdo, sem re-

futar, porém, o conhecimento dos alunos sobre outras formas de

manifestações esportivas. Desse modo, buscamos uma possível

aproximação entre as diferentes manifestações desse fenômeno

no processo de ensino e aprendizagem, tendo por base uma pro-

posta progressista de intervenção. Nessa linha de análise, de

acordo com Bracht e Almeida (2003, p. 98),

o esporte escolar só faz sentido se for pedagogizado, ou seja,

submetido aos códigos da escola. Em termos mais concretos, isso

significa que não basta, para a realização da função da escola, que

o esporte seja aprendido e praticado nos seus espaços, é preciso

também que o esporte escolar instrumentalize o indivíduo a

compreender o fenômeno esportivo.

Considerando o teor dessa reflexão, pretendemos apontar

subsídios para a ação docente que possam contribuir para

suprir as novas necessidades educacionais geradas por essas

posições distintas de como ensinar o esporte, justificando,

assim, a prática deste no contexto escolar por meio de uma

análise teórico-prática. Segundo Tojal (1995, p. 18), tal análise

pode ser definida, em relação à teoria, como um “conjunto de

* Alguns trechos desta seção foram extraídos e adaptados de Taques (2011b).

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conhecimentos sistematizados que se propõe explicar a ocor-

rência de determinados fenômenos de acontecimentos”; já em

relação à prática, seria um “conhecimento aplicado resultante

de um saber advindo de um conjunto de conhecimentos siste-

matizados sobre determinados fenômenos”.

Aparentemente, a teoria se caracteriza pela ciência, ou seja,

pelo conhecimento científico, e a prática pela aplicação desse

conhecimento, mas é importante evidenciarmos que essas dife-

renças existem somente em conceitos, pois ambas se referem ao

conhecimento, seja ele experimentado ou não.

Por meio dessa relação teórico-prática, é possível uma com-

preensão sobre as manifestações do esporte em seus diversos

contextos, com objetivos e prerrogativas. No entanto, para esse

entendimento, é necessária a mediação do professor, pois, apesar

de o esporte ter propósitos distintos em seus diversos contextos,

tais propósitos têm uma relação recíproca com o análogo sentido

e valor em se tratando de conhecimento histórico. Diante dessa

mediação docente, de acordo com Finck (2010, p. 91),

O professor deve ter clara a diferença e não confundir esporte na

escola (aula de Educação Física) e equipe escolar (treinamento

esportivo); ambos podem e devem ser incentivados, mas são

momentos diferenciados. Entende-se que no primeiro momento

o esporte é conteúdo curricular da Educação Física, e no segundo

passa a ser instrumento alternativo educacional e de marketing.

Podemos perceber que, nesse processo de intervenção, a intenção

é diferenciar esses dois contextos durante as vivências e expe-

riências desenvolvidas, porém, quando se trata de conhecimento

ou saber científico, torna-se necessário proporcionar aos alunos

essa aprendizagem, no sentido de ampliar-lhes a visão em relação

ao esporte como um fenômeno social polissêmico.

Nesse sentido, buscando uma compreensão mais ampla das

manifestações do esporte, além do caráter prático, corroborando

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o entendimento de Soares, Taffarel e Escobar (citados por

Finck, 2010, p. 96), acreditamos que

ensinar um esporte, enquanto conteúdo escolar, implica consi-

derar desde os seus fundamentos básicos, os seus métodos de

treinamento, o seu “jogar” propriamente dito, até o seu enraiza-

mento social e histórico, passando é claro pela sua significação

cultural enquanto fenômeno de massas em nossos dias. Desse

modo, o futebol, o voleibol, o basquetebol ou outra modalidade

esportiva, deixam de ter um caráter apenas prático e passam a

ter um caráter histórico e social. O aluno nas aulas de Educação

Física saberá não apenas praticar uma determinada modalidade

esportiva, mas, também, o que é praticar uma modalidade espor-

tiva num mundo que transformou isso em profissão.

Portanto, buscamos elementos diferenciados para o ensino do es-

porte, pois se entende que esse conteúdo, “nas aulas de Educação

Física, deve ser tematizado de forma ampla e lúdica, sendo con-

textualizado numa perspectiva crítica e participativa” (Finck, 2010,

p. 96), assumindo, assim, características próprias do conteúdo da

EFE. Freire (2000, p. 94) contribui apontando alguns princípios

que, segundo ele, são fundamentais e deveriam ser seguidos pelo

professor para o desenvolvimento de uma pedagogia do esporte:

Ensinar esporte a todos – desenvolver competências para ensi-

nar todas as pessoas, não apenas aquelas que julgamos ser mais

talentosas [...].

Ensinar esporte bem a todos – não basta ensinar de qualquer jeito,

mas sim com a preocupação de que o praticante aprenda bem o

esporte a que se dedica;

Ensinar mais que esporte a todos – [...] O aluno que aprende es-

porte tem o direito de ser informado, de teorizar sobre o esporte

e viver um processo metodológico que lhe permita levar ao plano

da reflexão suas práticas;

E ensinar a gostar do esporte – As práticas devem ser dinâmicas,

alegres, livres, de acordo com as características típicas de uma

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criança ou de um adolescente. As práticas mecânicas, rotineiras

e monótonas acabam por ensinar a não gostar do esporte.

Ainda segundo Freire (2000), o professor deveria dispor do patri-

mônio lúdico das crianças, das brincadeiras, adaptando-as para

a aprendizagem dos esportes. Nessa direção, Finck (2010, p. 95)

afirma que:

Alguns elementos e características do jogo podem ser utilizados na

tematização do esporte na escola, entre eles a ludicidade (esporte

escolar lúdico), a alegria (esporte escolar alegre), o prazer (esporte

escolar prazeroso), a competição (competir com o adversário/

companheiro), a tensão (resultado incerto e de solução difícil,

mas competitivo e apaixonante).

Em virtude da reflexão de Finck (2010), acreditamos que todo cuidado

é necessário para que o esporte não seja excludente e para que as

aulas de EF não se configurem numa “esportivização”. É preciso

haver embasamento teórico na aplicação de qualquer prática espor-

tiva, sendo que o professor não deve dar ênfase somente aos gestos

técnicos – que, sem dúvida, são fundamentais como elementos dos

esportes, mas não podem ser a única preocupação do docente. Isso

porque, de acordo com Bracht e Almeida (2003, p. 97-98),

promover a alfabetização esportiva vai muito além da aprendi-

zagem de destrezas; o exercício da plena cidadania no plano da

cultura corporal de movimentos e, especificamente, no plano do

esporte, exige o desenvolvimento de competências que vão além

dessas habilidades e que abranjam também a capacidade de si-

tuar histórica e socialmente essa prática humana, de perceber e

analisar os valores que a orientam, os benefícios e os prejuízos

de uma ou outra forma da prática esportiva.

Acreditamos que essas são algumas considerações relevantes e

consistentes para o processo ensino-aprendizagem do esporte,

as quais podem e devem ser balizadas de acordo com a realidade

de cada escola.

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Esses são alguns dos motivos que levam à busca de um apro-

fundamento nas investigações, indo além das críticas, pois a EF,

como área de conhecimento, carece de uma identidade acadêmica

e profissional justificável socialmente, com o propósito de valorizar

o esporte na qualidade de conteúdo curricular, capaz de auxiliar

em uma possível mudança de comportamento dos alunos, visando

à transformação da realidade na qual estão inseridos.

Para esse enfrentamento, o esporte deve ser pensado sociologi-

camente, de forma crítica e criativa, porém sem a desvalorização

do movimento. “Crítico porque, afastada a crítica, só resta inércia

e submissão. Criativo porque, sem a criatividade, tornamo-nos

apenas reprodutores de ideias e problemáticas que não são as

nossas, mas de outros tempos e lugares, ou de outras competên-

cias” (Betti, 2001, p. 168).

Nesse contexto, cabe, por meio de um estudo crítico, contribuir-

mos para que novas discussões possam ser desenvolvidas à luz do

conhecimento do esporte, no intuito de atender às necessidades

dos alunos e, ainda, subsidiar e trazer propostas para a interven-

ção e formação de professores nos âmbitos escolar e acadêmico.

Desse modo, na sequência apresentaremos um projeto desen-

volvido em uma escola do município de Palmeira (Pr) para alunos

do ensino médio e que teve como foco a abordagem do esporte

em uma perspectiva crítico-emancipatória (Kunz, 2004).

5.3 A abordagem crítico-emancipatória como possibilidade metodológica para o ensino do esporte nas aulas de Educação Física

No exercício da docência, percebemos que ocorre o afastamento

de um número significativo de alunos do ensino médio das aulas

de EF, principalmente quando o conteúdo desenvolvido é o esporte.

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Muitas vezes, só os alunos “atletas” querem protagonizar o

momento da aula, que, na verdade, é, ou deveria ser, para todos.

Esse fato acaba afastando e prejudicando um número considerá-

vel de alunos, principalmente aqueles que mais necessitam de

atividades físicas e que têm apenas os momentos das aulas de

EF para praticá-las.

O acesso ao conhecimento é um direito de todos os alunos;

dessa forma, a aula é o momento pedagógico principal na escola,

no qual ocorre o processo de ensino-aprendizagem. Portanto, to-

dos devem participar efetivamente desse processo, e não apenas

um grupo elitizado de alunos, que, muitas vezes, além das aulas,

participam também de equipes esportivas representativas da

escola em competições.

Cabe ao professor organizar as aulas em um contexto que via-

bilize as descobertas de seus alunos por meio de suas próprias

experiências, permitindo, assim, a participação com sucesso em

atividades que estimulem o movimento no esporte.

Nesse sentido, o desenvolvimento do esporte nas aulas de EF,

numa abordagem crítico-emancipatória (Kunz, 2004), visa, prin-

cipalmente, que o aluno, pela experimentação e pela vivência de

diferentes movimentos, supere seus próprios limites por meio

da aprendizagem que possibilita uma vivência que viabiliza o

aprender a fazer; da criatividade, que proporciona alternativas

que apontam para a solução de problemas. Assim, acreditamos

que o esporte, ao ser discutido nas aulas de EF, de acordo com a

referida abordagem, pode contribuir para a construção da auto-

nomia dos alunos.

Partindo do princípio de que é inconcebível o desenvolvimento

de aulas em que o professor se limita a deixar os alunos praticando

uma atividade física ou esportiva sem orientação, destacamos

que há uma série de possibilidades metodológicas que podem ser

desenvolvidas para pensarmos a EF em suas dimensões esportivas,

formativas e pedagógicas.

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Podemos perceber que uma parcela significativa de alunos do

ensino médio não participa muito das aulas quando o assunto é

esporte. Geralmente, tais alunos não dominam bem os fundamen-

tos de algumas modalidades esportivas, fato que contribui para

que eles se excluam do processo de ensino-aprendizagem, uma vez

que não querem correr riscos de insucesso perante situações em

que se sentem inseguros em relação à realização das atividades.

Os alunos precisam ter segurança em relação ao que será rea-

lizado em aula, para não serem colocados diante de situações

que, na visão deles, são, muitas vezes, constrangedoras, pois na

fase de desenvolvimento em que se encontram, a adolescência,

a aprovação do grupo é muito importante. O desenvolvimento de

atividades e exercícios nas aulas de EF deve ter um caráter desa-

fiador que motive os alunos à sua prática, mas essas atividades

também devem ser organizadas de maneira diversificada em

relação ao grau de dificuldade, para que todos tenham possibili-

dades de vivenciar e aprender mais sobre o esporte.

Todo esse aprendizado visa contribuir para o processo de for-

mação dos alunos, pois, na vida, eles terão de enfrentar situações

conflitantes, problemáticas e desafiadoras, tanto no âmbito pro-

fissional quanto no social e no familiar.

O aprendizado e a vivência do esporte nas aulas de EF devem

apresentar situações pedagógicas nas quais o conflito, a supe-

ração, o desafio, o lúdico e o prazer estejam presentes, devendo

ser evidenciados como elementos determinantes no processo de

ensino e aprendizagem dos conhecimentos esportivos.

O esporte é um fenômeno social e também patrimônio cultural

da humanidade e, na escola, deve ser abordado como um conhe-

cimento da cultura corporal de movimento, tornando-se, assim,

extremamente relevante nas aulas de EF.

Nessa direção, as aulas de EF devem ser planejadas e organiza-

das de acordo com um encaminhamento metodológico que inclua

todos os alunos. Outro aspecto importante a ser considerado pelo

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professor, nessa abordagem, é a diversidade de conhecimentos

que devem ser desenvolvidos nas aulas, pois, quanto mais o

aluno puder aprender e vivenciar, maior será a possibilidade de

escolha para a prática de atividades físicas e esportivas nas suas

horas livres, tornando-se um sujeito social mais seguro de si. A

EF deve ser pensada de uma forma democrática, que dê ênfase

à participação.

Devemos divulgar e explorar a educação pelo esporte com base

em uma metodologia que venha a suplantar a forma tradicional

que se caracteriza pela busca por talentos e recordes. É preciso

que os alunos tenham liberdade de expressar seus movimentos

e sentimentos, independentemente de terem ou não habilidades

específicas para a prática de determinados esportes. Dessa forma,

o trabalho do professor será direcionado para o estabelecimento

da autonomia e da plena utilização social do esporte com finali-

dades educativas.

No ambiente escolar, portanto, o esporte deve ser tratado pe-

dagogicamente, visando ao desenvolvimento de uma postura

crítica nos alunos, ampliando o conhecimento deles, favorecendo

atitudes que os levem a um envolvimento real na construção de

políticas culturais de esporte que beneficiem a todos.

As manifestações da cultura e dos conhecimentos produzidos

para além da escola vão depender, em termos, das decisões do

coletivo da escola – do professor principalmente – no processo

de seleção, organização e sistematização dos conhecimentos e

dos conteúdos. Existe na sala de aula uma certa autonomia dos

professores e estudantes, assim como existe uma certa autonomia

do coletivo da escola. São nestes espaços do trabalho pedagógico

que se configuram as possibilidades metodológicas, ou seja, as

possibilidades do caminho a ser trilhado para ensinar algo e para

que os estudantes aprendam algo. (Alcântara, 2007)

Segundo as Diretrizes Curriculares de Educação Física para a

Educação Básica – DCE (Paraná, 2006, p. 33), “o esporte individual

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e coletivo é uma atividade teórico-prática e um fenômeno social.

Em suas várias manifestações e abordagens, pode contribuir

para aprimorar a saúde, bem como integrar os sujeitos em suas

relações sociais”. Desde muito novas, as pessoas entram em

contato com o esporte, embora, por diversas razões, ele não seja

igual para todos. Para Assis (2005, p. 6), “É sobretudo, embora não

exclusivamente, na escola que se estabelece uma relação especial

com o esporte, afinal, é ali que o conhecimento produzido pelo

homem é pedagogizado e tratado metodologicamente para que

o aluno venha a aprendê-lo ou apreendê-lo”.

Assim, refletindo sobre as questões pedagógicas do esporte e

considerando as situações que se apresentam no contexto das

aulas de EF para o ensino médio, optamos por fazer um relato

sobre o desenvolvimento de um projeto escolar de interven-

ção que tem como objeto de estudo o esporte numa abordagem

crítico-emancipatória (Kunz, 2004).

O projeto de intervenção* foi realizado numa escola pública,

em 2009, no município de Palmeira (Pr), por meio do Programa

de Desenvolvimento Educacional (PDE) do Estado Paraná, para

todas as turmas dos primeiros anos (1ª série) do ensino médio

do período noturno, nas quais a professora responsável pelo de-

senvolvimento do projeto atua como docente.

A opção pelo desenvolvimento do projeto de acordo com a

abordagem metodológica crítico-emancipatória (Kunz, 2004)

ocorreu pelo fato de percebermos que as questões relacionadas

à prática pedagógica do esporte na escola precisam ser repensa-

das e revistas. Na abordagem em questão, encontramos suporte

teórico-metodológico para o desenvolvimento do esporte nas aulas

de EF sob uma concepção crítica, sendo este seu principal objetivo.

* O projeto em questão foi desenvolvido pela coautora Lisiane de Paula ripka, sob a orientação da coautora Silvia Christina Madrid Finck. A opção dos autores foi pelo relato do projeto neste texto, visto que trata do desenvolvimento do esporte na escola numa perspectiva educacional.

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Nessa perspectiva, apontamos estratégias para ampliar a parti-

cipação e o envolvimento dos alunos do ensino médio nessas aulas.

No projeto, foram priorizadas situações pedagógicas desenca-

deadas pelo envolvimento dos alunos na busca de estratégias para

solucionar a temática problematizadora apresentada pelo professor.

Em um primeiro momento, foi realizada a identificação da

população e da amostra que participaria do estudo. Em seguida,

foi realizada a coleta de dados propriamente dita, para a qual

utilizamos um questionário com perguntas fechadas e abertas,

incluindo vários aspectos, desde a identificação, como nome,

idade e sexo, até as questões norteadoras que deram suporte a

esse estudo.

Na abordagem crítico-emancipatória, as estratégias didáticas

para o ensino principiam por uma sequência denominada trans-

cendência de limites, na qual o aluno é confrontado com a realidade

do ensino e seu conteúdo especial, baseado em graus de dificul-

dades, sendo eles:

• a forma direta de “transcender limites”, no sentido da manipu-

lação direta da realidade pelo simples explorar e experimentar

possibilidades e propriedades dos objetos, bem como as próprias

possibilidades e capacidades e, ainda, vivenciar possibilidades

comunicativas, descobrir e experimentar relações socioemocio-

nais novas, entre outras;

• a forma aprendida no âmbito das possibilidades de “transcender

limites” pela imagem, pelo esquematismo, pela apresentação

verbal de situações do movimento e do jogo e que o aluno refle-

xivamente deverá acompanhar, executar e propor soluções;

• a forma criativa ou inventiva de uma “‘transcendência de limites”,

em que a partir das duas formas anteriores da representação de

um saber, o aluno se torna capaz de, “definida uma situação”, criar/

inventar movimentos e jogos com sentido para aquela situação.

(Kunz, 2004, p. 123)

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Assim, a forma de ensinar pela “transcendência de limites”, se-

gundo Kunz (2004, p. 123-124), deve atuar concretamente sobre

o aluno, possibilitando:

• que os alunos descubram, pela própria experiência manipulativa,

as formas e os meios para uma participação bem-sucedida em

atividades de movimentos e jogos;

• que os alunos sejam capazes de manifestar pela linguagem ou pela

representação cênica, o que experimentaram e o que aprenderam,

numa forma de exposição que todos possam entender;

• por último, que os alunos aprendam a perguntar e questionar sobre

suas aprendizagens e descobertas, com a finalidade de entender

o significado cultural dessa aprendizagem, seu valor prático e

descobrir, também, o que ainda não sabem ou aprenderam.

Desse modo, desenvolvemos o projeto em questão na escola,

tendo como suporte teórico-científico esse enfoque metodológico

apontado por Kunz (2004).

Iniciamos nossas atividades primeiramente expondo para a

direção da escola o trabalho que seria desenvolvido, seus objeti-

vos, a metodologia proposta e para quais turmas seria executado,

ficando, assim, direção e equipe pedagógica cientes dos procedi-

mentos adotados.

Em seguida, realizamos a explicação e a exposição do tema e dos

objetivos do trabalho para os alunos, a fim de dar-lhes ciência de

que participariam de um projeto de estudos no âmbito do governo

estadual, cuja finalidade seria a busca de um encaminhamento

metodológico diferenciado para o desenvolvimento do esporte

nas aulas de EF.

O encaminhamento pedagógico do trabalho teve início por

meio de uma aula teórica ministrada em cada turma, na qual foi

utilizado o Monitor Educacional (TV Pendrive) para a apresentação

de slides com sugestões para o trabalho. Optamos pelo desenvol-

vimento da modalidade esportiva do basquetebol em forma de

cursos. Fizemos a apresentação do programa para discussão e

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reconhecimento da modalidade em questão. A aula despertou

bastante interesse nos alunos, pois debatemos sobre algumas

questões relacionadas ao esporte, a fim de possibilitar uma vi-

são mais ampla desse fenômeno, abordando o esporte praticado

pelos alunos na escola, o esporte que “entra” na escola por meio

da mídia e o esporte de alto nível.

Dando sequência às estratégias de ações do projeto, aplicamos

aos alunos um questionário com perguntas fechadas e abertas,

com o objetivo de obter respostas para as seguintes questões:

Qual a importância que os alunos atribuem às aulas de EF? Por

que às vezes não participam das aulas de EF? Como gostariam

que fossem essas aulas? O questionário foi respondido por 45 es-

tudantes dos primeiros anos (1º série) noturnos do ensino médio

da escola. Os resultados foram considerados para a obtenção de

subsídios para a análise da problemática apontada no projeto.

Posteriormente, desenvolvemos a atividade do segundo dia

da primeira semana, em que a temática foi a prática do jogo de

basquetebol da forma como os alunos o identificam no contexto

escolar. Para tanto, foi realizada a análise da relação desses jogos

com as atividades do mundo vivido e, respectivamente, do mundo

de movimentos e jogos de cada um dos alunos.

Na continuidade do curso, no primeiro dia da segunda semana,

foi realizada uma aula teórica na qual foi feita uma análise so-

bre a evolução do basquetebol desde a sua criação, os primei-

ros praticantes, a inclusão dos negros no basquete profissional

americano, os principais aspectos do esporte até a atualidade.

Ao fim da aula, os alunos elaboraram, no quadro, um painel com

uma síntese construída por eles referente a regras, elementos

constitutivos e materiais e espaço físico para desenvolver essa

modalidade esportiva. No segundo dia da segunda semana, tra-

balhamos com o jogo, aplicando as sugestões elencadas pelos

alunos na aula anterior. Essa ação teve como objetivos ampliar

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o conhecimento dos alunos sobre o esporte e desenvolver uma

visão crítica acerca deste.

Na etapa seguinte do trabalho, as ações se deram por meio do

desenvolvimento do curso em forma de encenação do jogo. No

primeiro dia da terceira semana, os alunos fizeram a encenação

dos fundamentos básicos do basquetebol; no segundo dia, foi

proposta a encenação de uma atividade coletiva em que os alunos

deveriam resolver uma situação problema, como a recuperação

de bolas no rebote.

No primeiro dia da quarta semana, foi feita a encenação em

relação aos posicionamentos de ataque e defesa em jogos coletivos;

também foi realizada a análise da aplicação e da necessidade de

tais posicionamentos. Até esse ponto, todos os alunos presentes

participaram de todas as atividades, embora apresentassem

certa resistência no momento de fazer as análises. Já no segundo

dia da quarta semana, ao desenvolvermos a encenação de um

treinamento de basquetebol para jogos oficiais, houve mais resis-

tência e alguns alunos se recusaram a participar. Ao fim da aula,

analisamos as exigências de treinamento e o debate foi muito

proveitoso, pois os alunos conseguiram fazer a relação do que foi

trabalhado no início das aulas, comparando aspectos do esporte

de rendimento com o esporte praticado na escola.

No primeiro dia da quinta semana, realizamos a encenação

final do basquetebol. Os alunos foram separados em grupos e,

por livre escolha, fizeram as apresentações e a análise dos jogos

de que mais gostaram. As atividades propostas nessa etapa do

trabalho foram direcionadas no sentido de proporcionar aos

alunos a manifestação, por meio da linguagem ou pela repre-

sentação cênica, daquilo que experimentaram e aprenderam. Na

sequência ao enfoque metodológico, os alunos foram orientados

a resolverem situações problema de forma inventiva, buscando

soluções criativas. No segundo dia de aula da quinta semana,

passamos para o encaminhamento final: Como organizar os jogos

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de basquetebol interaula*? Definimos com cada turma a divisão

das equipes, os organizadores, o sistema de jogo, a arbitragem,

a duração das partidas e a premiação.

Na sexta semana de curso, o primeiro dia foi dedicado à orga-

nização do campeonato interaula, conforme definições acertadas

na aula anterior. As aulas seguintes, a segunda da sexta semana

e as duas primeiras da sétima semana, foram utilizadas para a

realização das competições.

No desenvolvimento das aulas, procuramos estimular nos

alunos uma visão crítica do esporte e sua relação com a “vida

vivida”. Nesse sentido, optamos pela apresentação do filme Coach

Carter: treino para a vida (2005), com o objetivo de despertar nos

estudantes a noção sobre a importância das vitórias que derivam

do estudo, da realização das tarefas escolares, da presença e da

participação em sala de aula e da superação dos obstáculos pre-

sentes não só no esporte, mas também na vida. Esses aspectos

podem ser percebidos no enredo do filme. Para a exibição, foram

utilizadas três aulas; os alunos receberam um roteiro próprio para

realizarem sua análise, a qual foi precedida de discussões entre

eles e finalizada com a síntese individual elaborada por escrito e

entregue na aula seguinte. Esse trabalho não foi realizado pelos

discentes durante o horário de aula, mas como atividade extra-

classe. Na aula seguinte, após a entrega dos trabalhos escritos,

realizou-se um debate, no qual foram comparadas as situações

exibidas no filme com aquelas vivenciadas e percebidas em nossa

realidade escolar. Além disso, foram destacadas as relações entre

professores e alunos e demais segmentos da escola e da socie-

dade, assim como a valorização da EF no cotidiano escolar e na

vida acadêmica.

* Interaula refere-se à realização de jogos competitivos na forma de torneio/campeonato, os quais são disputados, durante as aulas de Educação Física, entre os alunos de cada turma.

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Finalizando o projeto, foi feita a avaliação da proposta de

intervenção. Nessa ação, solicitamos aos alunos a elaboração

de um texto sobre a modalidade desenvolvida, obedecendo ao

seguinte roteiro: O que você aprendeu sobre o esporte? Do que

você mais gostou? Do que não gostou? Como foi a participação

da turma? Quais as principais dificuldades que você percebeu no

desenvolvimento das aulas?

Após a leitura dos textos, concluímos que os alunos relacionaram

a prática de esportes a benefícios à saúde e puderam entender

melhor os fundamentos e as regras do basquetebol; além disso, o

trabalho em equipe motivou a turma, principalmente para os jogos.

Os alunos demonstraram gostar mais de se organizar e jogar

em forma de competição, assim como da forma como foram tra-

balhados os fundamentos, do esporte, além de afirmarem que

preferem aulas práticas, embora tenham achado o filme muito

interessante. Os estudantes informaram que não gostaram da não

participação de alguns colegas em certas atividades e das aulas

realizadas na sala. Quanto à participação da turma, a maioria dos

alunos classificou como boa, principalmente quando organizaram

as competições.

Entre as dificuldades descritas pelos alunos, a que mais chamou

a atenção é o fato de considerarem a turma muito desorgani-

zada. Segundo eles, perdia-se muito tempo até que conseguissem

realizar as atividades. Considerando que as turmas nas quais

desenvolvemos o projeto são as que apresentam maiores índices

de indisciplina no período noturno, percebemos que, ao desen-

volvermos o esporte de acordo com a abordagem crítico-eman-

cipatória, propiciamos aos alunos uma participação mais ativa

e responsável no processo ensino-aprendizagem, contribuindo,

assim, para sua formação.

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Considerações finais

Durante o desenvolvimento do projeto, percebemos que a maio-

ria dos alunos ainda vê a Educação Física como uma disciplina

essencialmente prática, pois apresentam relutância quando são

convidados a participar de debates sobre o que está sendo de-

senvolvido nas aulas. No entanto, apesar dessa dificuldade, com

muita cautela, procuramos incutir nos alunos o gosto por novas

descobertas, fazendo-os perceber que praticar um esporte não

é apenas “jogar bola”, mas que, como conhecimento, deve ser

entendido e vivenciado em suas múltiplas possibilidades, para

que dele possam usufruir em diversas situações e momentos da

vida, como praticantes e/ou expectadores.

Diante desses pressupostos sobre o esporte [e sua (des)caracteri-

zação na escola], podemos compreender suas diversas possibili-

dades de ensino por meio de uma perspectiva crítica, que possa

ir além do desenvolvimento de seus elementos técnicos e táticos.

O processo de trabalho docente é intencional, deve ser refletido,

compromissado, planejado e sistematizado, considerando tam-

bém o contexto e a realidade dos alunos no intuito de desenvolver

uma cultura escolar que inclua um conhecimento amplo sobre o

esporte. (Finck; Taques, 2011, p. 3914)

Finalizando, as discussões sobre o esporte precisam ser reali-

zadas de forma organizada e comprometida pela comunidade

acadêmica – agentes praticantes e não praticantes –, com o in-

tuito de que defendam a ideia de ruptura e não a de reprodução.

As aulas de Educação Física necessitam ter um encaminhamento

metodológico em uma perspectiva transformadora. O ensino do

esporte, nessa visão, deve assumir um caráter político-pedagógico

que constitui o redimensionamento de uma abordagem crítica e

politizada durante seu processo.

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139

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6As lutas: uma proposta para a sistematização pedagógica do karatê-dô*William Lopes da Silveira

Gonçalo Cassins Moreira do Carmo

A produção teórico-científica da área da Educação Física (EF), em

grande parte, nas últimas décadas, está voltada para a organização

dos conteúdos e para o modo de estruturar pedagogicamente os

saberes da Educação Física escolar (EFE). Esse assunto é abordado

nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (Brasil, 1998) e, es-

pecificamente no Estado do Paraná, nas Diretrizes Curriculares da

Educação Básica: Educação Física – DCE (Paraná, 2008). Este texto

tem o objetivo de resgatar, nesses documentos educacionais ofi-

ciais, o que é indicado para o desenvolvimento dos conhecimentos

referentes às lutas e, com base nessa argumentação, sistematizar

* Este artigo resulta de reflexões que contribuíram para a elaboração do trabalho de conclusão de curso de graduação em Educação Física (Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG) de William Lopes da Silveira (2009).

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pedagogicamente o karatê-dô* como uma prática pertinente ao

meio escolar.

O Livro Didático Público de Educação Física – LDPEF (Paraná, 2006)

apresenta as lutas como um dos conteúdos estruturantes da

disciplina e evidencia que tal conhecimento não é comumente

desenvolvido nas aulas de EF na escola. Entendemos que, sendo

as lutas um dos conhecimentos da cultura corporal, assim como

outros saberes (jogos, esporte, ginástica e dança), elas devem ser

desenvolvidas no contexto escolar.

Dessa forma, buscamos justificar o tratamento científico da

temática em questão seguindo as notas de relevância de Salomon

(1979), que são apresentadas da seguinte forma: a operativa, quando

a pesquisa produz novos conhecimentos; a contemporânea, que

se refere à necessidade para o momento atual; e a humana, que

representa a utilidade do conhecimento desenvolvido por meio

da pesquisa para o homem. Assim, ao discorrermos sobre as lu-

tas, especificamente sobre o karatê-dô, podemos propiciar novos

conhecimentos tanto sobre essa modalidade quanto sobre as

demais, pois elas podem ser consideradas um conteúdo espe-

cífico e relevante para a EFE. Isso contribui para a perspectiva

educacional do esporte, promovendo, além do desenvolvimento

de habilidades no plano motor, o respeito, a disciplina e o controle

de atitudes agressivas, como formas de prevenir a violência entre

os estudantes.

O presente estudo refere-se a uma pesquisa bibliográfica na qual

primeiramente discutimos como o tema das lutas é tratado na

qualidade de conhecimento da EFE nos documentos educacionais

oficiais (Brasil, 1998; Paraná, 2006; Paraná, 2008) e, na sequência,

apontamos algumas possibilidades para a sistematização peda-

gógica do karatê-dô.

* Também denominado simplesmente karatê ou, especificamente no Brasil, caratê. A tradução literal da conjunção dos termos kara (“vazio”), te (“mão”) e dô (“caminho”) é “caminho das mãos vazias”. Utilizaremos a denominação karatê-dô, por apresentar maior fidelidade às suas origens.

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6.1 Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)

Como documento oficial para subsidiar a educação em âmbito

nacional, temos os PCN (Brasil, 1998, p. 15), que

trazem uma proposta que procura democratizar, humanizar e

diversificar a prática pedagógica da área, buscando ampliar, de

uma visão apenas biológica, para um trabalho que incorpore

as dimensões afetivas, cognitivas e socioculturais dos alunos.

Incorpora, de forma organizada, as principais questões que o

professor deve considerar no desenvolvimento de seu trabalho,

subsidiando as discussões, os planejamentos e as avaliações da

prática de Educação Física.

Os PCN (Brasil, 1998, p. 15) apontam uma síntese dos princípios

para o desenvolvimento da EF na escola no ensino fundamental,

“localiza as principais tendências pedagógicas e desenvolve a con-

cepção na área, situando-a como produção cultural”. O referido

documento trata das contribuições para a formação da cidadania,

sugere possíveis interfaces com os temas transversais*, discute a

natureza e a especificidade do processo de ensino e aprendizagem

e indica os objetivos gerais para o ensino da EFE.

O documento apresenta os objetivos, os conteúdos e os critérios

de avaliação, além de indicar as categorias de conhecimento, orga-

nizando e explicitando os possíveis enfoques da ação do professor.

Contempla, também, os aspectos didáticos gerais e específicos

da prática pedagógica em EF que podem auxiliar nas questões

do cotidiano das salas de aula e servem como ponto de partida

para as reflexões e discussões sobre tais práticas (Brasil, 1998).

* Os temas transversais devem ser abordados por todas as disciplinas na escola, a fim de que sejam considerados no contexto escolar os assuntos que envolvem problemas sociais e a maneira de tratá-los. O objetivo de tal abordagem é contribuir para a formação integral do aluno, no intuito de que este possa exercer sua cidadania de forma plena. Como temas, são sugeridos: ética, saúde, meio ambiente, pluralidade cultural, orientação sexual, trabalho e consumo.

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Os PCN (Brasil, 1998) contribuem para a sistematização dos

objetivos, dos conteúdos e de suas categorias, dos processos de

ensino e aprendizagem e da avaliação, considerando os princípios

da inclusão e da diversidade. O primeiro princípio tem por objetivo

incluir o aluno na cultura corporal*, por meio da participação e

da reflexão. Já o princípio da diversidade direciona para a cons-

trução de processos de ensino e aprendizagem que orientem a

escolha de objetivos e conteúdos, ampliando as relações entre os

conhecimentos da cultura corporal e os sujeitos da aprendizagem:

o professor e o aluno.

Os conteúdos são divididos nas categorias conceitual (fatos,

conceitos e princípios), procedimental (fazer) e atitudinal (normas,

valores e atitudes). As categorias conceitual e procedimental têm

como objeto o fazer, o compreender e o sentir por meio do corpo,

incluem os processos de aprendizagem, organização e avaliação.

Já a categoria atitudinal apresenta-se como objeto de ensinar e

aprender e aponta para a necessidade da vivência no cotidiano

escolar. Segundo os PCN (Brasil, 1998, p. 45), esses aspectos

Apontam para uma valorização dos procedimentos sem res-

tringi-los ao universo das habilidades motoras e dos fundamentos

dos esportes, incluindo procedimentos de organização, siste-

matização de informações, aperfeiçoamento, entre outros. Aos

conteúdos conceituais de regras, táticas e alguns dados históricos

factuais de modalidades somam-se reflexões sobre os conceitos

de ética, estética, desempenho, satisfação, eficiência, entre outros.

E, finalmente, os conteúdos de natureza atitudinal são explicitados

como objeto de ensino e aprendizagem e propostos como vivências

concretas pelo aluno, o que viabiliza a construção de uma postura

de responsabilidade perante si e o outro.

* Configurada como temas ou formas de atividades, particularmente corporais, historicamente acumulados e socialmente transmitidos. Essas produções culturais incluem o jogo, o esporte, a dança, a ginástica e a lutas.

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A sistematização pedagógica dos conteúdos é elaborada com a

organização destes em três “blocos” e evidencia objetos de ensino

e aprendizagem, os quais devem ser trabalhados de acordo com

as possibilidades de cada contexto escolar. É uma forma de dispor

o conjunto de conhecimentos a serem abordados, segundo seus

diferentes enfoques, sendo eles: esportes, jogos, lutas e ginásticas;

atividades rítmicas e expressivas; conhecimentos sobre o corpo

(Brasil, 1998, p. 68). Esses três blocos articulam-se entre si, têm

conteúdos em comum, mas também apresentam especificidades.

De acordo com os PCN (1998, p. 70), as “delimitações utilizadas

[...] têm o intuito de tornar viável ao professor e à escola opera-

cionalizar e sistematizar os conteúdos da forma mais abrangente,

diversificada e articulada possível”, incluindo as informações

históricas sobre as origens, as características, a valorização e a

apreciação da prática corporal.

O bloco de conhecimentos sobre o corpo trata dos “conheci-

mentos e conquistas individuais que subsidiam as práticas cor-

porais dos outros dois blocos, e […] [proporciona] recursos para o

[…] [aluno] gerenciar sua atividade corporal de forma autônoma”

(Telles, 2008, p. 26).

Como explicitam os PCN (Brasil, 1998, p. 71), entendemos que

todas as práticas corporais da cultura corporal de movimento,

mais ou menos explicitamente, possuem expressividade e ritmo.

Em relação à expressão, essas práticas se constituem em códi-

gos simbólicos, por meio dos quais a vivência individual do ser

humano, em interação com os valores e conceitos do ambiente

sociocultural, produz a possibilidade de comunicação por gestos

e posturas, [além do ritmo, que é um] ajuste com referência no

espaço e no tempo. Este bloco [...] inclui as manifestações [...] que

têm como característica comum a intenção explícita de expres-

são e comunicação por meio dos gestos na presença de ritmos,

sons e da música na construção da expressão corporal. Trata-se

especificamente das danças, mímicas e brincadeiras cantadas.

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Com esta pesquisa, buscamos uma sistematização para o karatê-dô,

considerado uma arte marcial, como conteúdo da EFE inserido no

bloco de esportes, jogos, lutas e ginásticas, para o qual será dado

nosso enfoque. Nos PCN (Brasil, 1998, p. 70), as lutas são definidas

da seguinte forma:

são disputas em que o(s) oponente(s) deve(m) ser subjugado(s),

com técnicas e estratégias de desequilíbrio, contusão, imobili-

zação ou exclusão de um determinado espaço na combinação de

ações de ataque e defesa [...]. Podem ser citados como exemplos

de lutas desde as brincadeiras de cabo de guerra e braço de ferro

até as práticas mais complexas da capoeira, do judô e do caratê.

A organização dos conteúdos nos PCN é sugerida e vinculada a

conceitos, procedimentos e atitudes, segundo os quais apresen-

tamos as lutas.

Na categoria atitudinal são apresentadas as normas, que são

as regras de comportamento do ambiente sociocultural no qual o

aluno está inserido, os valores referentes às ideias sobre condutas

e as atitudes, que seriam as formas de o indivíduo expressar tais

ideias. Assim, a aprendizagem da prática da cultura corporal que

não considerar a categoria atitudinal provavelmente se tornará

uma simples apresentação e repetição de técnicas.

As categorias conceitual e procedimental estão distribuídas

nas especificidades de cada bloco. Os conceitos constituem as

generalizações, as deduções, as informações e as sistematiza-

ções do ambiente sociocultural, e os procedimentos expressam

o saber-fazer, envolvendo decisões e ações ordenadas.

Os conceitos e procedimentos que constam para as lutas en-

volvem a compreensão das relações nos aspectos históricos e

sociais, a participação no contexto escolar de forma recreativa

e competitiva e a aquisição e o aperfeiçoamento de habilidades

específicas desse conteúdo. Com o objetivo de acrescentar o que

se deseja ressaltar nessa prática, soma-se ao que foi tratado

anteriormente a ideia de que os aspectos histórico-sociais das

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lutas devem direcionar a compreensão do aluno para questões

que envolvem o ato de lutar (por que, com quem, contra quem ou

contra o que lutar). No aprendizado e na vivência das lutas nas

aulas de EF, o professor deve considerar o contexto escolar, levar

os alunos a apreciar as lutas e refletir sobre elas e a mídia, analisar

suas práticas e as questões relacionadas à violência.

Em conformidade com os PCN (Brasil, 1998, p. 97), evidenciamos

que a construção do gesto nas lutas deve ocorrer por meio de

• vivência de situações que envolvam perceber, relacionar e de-

senvolver as capacidades físicas e habilidades motoras presentes

nas lutas praticadas na atualidade (capoeira, caratê, judô etc.);

• vivência de situações em que seja necessário compreender e

utilizar as técnicas para resoluções de problemas em situações

de luta (técnica e tática individual aplicadas aos fundamentos de

ataque e defesa);

• vivência de atividades que envolvam as lutas, dentro do contexto

escolar, de forma recreativa e competitiva.

Essas são as principais características evidenciadas nos PCN em

relação à definição, à função, aos objetivos e à forma de tratamento

das lutas. Desse modo, destacamos o karatê-dô como possibilidade

pedagógica para as aulas de EFE.

6.2 As Diretrizes Curriculares da Educação Básica: Educação Física (DCE)

Para viabilizar um projeto mais amplo de educação no Estado do

Paraná, foram elaboradas as DCE (Paraná, 2008, p. 49), que apre-

sentam os fundamentos teórico-metodológicos de uma proposta

de inserção da EF na escola por meio de seu objeto de estudo e de

ensino, a cultura corporal, garantindo aos alunos

acesso ao conhecimento e à reflexão crítica das inúmeras mani-

festações ou práticas corporais historicamente produzidas pela

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humanidade, na busca de contribuir com um ideal mais amplo de

formação de um ser humano crítico e reflexivo, reconhecendo-se

como sujeito, que é produto, mas também agente histórico, polí-

tico, social e cultural.

As DCE (Paraná, 2008, p. 62) definem seus conteúdos estruturan-

tes como “os conhecimentos de grande amplitude, conceitos ou

práticas que identificam e organizam os campos de estudos de

uma disciplina escolar, considerados fundamentais para com-

preender seu objeto de estudo/ensino”, os quais são constituídos

historicamente e legitimados nas relações sociais.

Para a EF, foram propostos como conteúdos estruturantes o

esporte, os jogos e as brincadeiras, a ginástica, as lutas e a dança,

que são tratados

sob uma abordagem que contempla os fundamentos da disci-

plina, em articulação com aspectos políticos, históricos, sociais,

econômicos, culturais, bem como elementos da subjetividade

representados na valorização do trabalho coletivo, na convivên-

cia com as diferenças, na formação social crítica e autônoma.

(Paraná, 2008, p. 62-63)

De acordo com as DCE (Paraná, 2008, p. 68), as lutas devem “fazer

parte do contexto escolar, pois se constituem das mais variadas

formas de conhecimento da cultura humana, historicamente

produzidas e repletas de simbologias”.

No desenvolvimento desse conteúdo, o professor deve “valo-

rizar conhecimentos que permitam identificar valores culturais,

conforme o tempo e o lugar onde as lutas foram ou são praticadas”

(Paraná, 2008, p. 68), procurando, ainda, esclarecer as funções

das lutas e apresentar as transformações pelas quais passaram.

Segundo as DCE (Paraná, 2008, p. 69), as lutas não podem ser

resumidas apenas à execução de técnicas, as quais são impor-

tantes e devem ser transmitidas, mas como um conhecimento

historicamente construído,

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pois os alunos devem ter acesso ao conhecimento que foi histo-

ricamente construído. O desenvolvimento de tal conteúdo pode

propiciar além do trabalho corporal, a aquisição de valores e

princípios essenciais para a formação do ser humano, como, por

exemplo: cooperação, solidariedade, o autocontrole emocional,

o entendimento da filosofia que geralmente acompanha sua prática

e, acima de tudo, o respeito pelo outro, pois sem ele a atividade

não se realizará.

As lutas devem ser vivenciadas de maneira crítica e consciente.

As DCE apontam os jogos de oposição como uma das possibili-

dades para se trabalhar as lutas na escola. O objetivo desse tipo

de jogo é vencer o companheiro de maneira lúdica, preservando,

assim, a integridade física dos alunos. Os jogos de oposição po-

dem aproximar os participantes, mantendo-os em contato direto

(corpo a corpo) ou a distância, como no karatê-dô, ou, até mesmo,

utilizando-se um instrumento mediador.

Como exemplo de trabalho fundamentado nas DCE (Paraná, 2008),

temos o LDPEF (Paraná, 2006), que se refere ao material pedagó-

gico produzido por professores de EF da rede pública de ensino

na organização dos conteúdos estruturantes, de acordo com os

pressupostos da cultura corporal. O LDPEF (Paraná, 2006, p. 10)

“tem por objetivo principal desenvolver uma abordagem histórica

de como, por que e a partir de que interesses o conhecimento

que compõe o campo de estudos desta disciplina foi produzido e

validado”. O LDPEF também visa subsidiar a prática docente dos

professores com reflexões sobre a teoria e a prática da área de

Educação Física. Os conteúdos estruturantes são apresentados

considerando-se os seus aspectos técnicos, táticos, históricos,

sociais, políticos e culturais, possibilitando a compreensão e a

crítica das propostas para a EF

Entendemos que tanto as DCE (Paraná, 2008) quanto os PCN

(Brasil, 1998) têm a cultura corporal como seu objeto de estudo

e de ensino, sendo este o principal ponto em comum entre os

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referidos documentos, além de apontarem como caminho para

desenvolver as metodologias de ensino os aspectos históricos,

sociais, filosóficos e técnicos, os quais devem “atender por meio

das práticas corporais na escola, conceitos, categorias e explica-

ções científicas reconhecendo a estrutura e a gênese da cultura

corporal, bem como condições para construí-la a partir da escola”

(Paraná, 2008, p. 70).

Assim, veremos a seguir o conceito de cultura corporal, antes de

propormos uma abordagem pedagógica de ensino do karatê-dô

com base nos documentos educacionais oficiais aqui apresentados.

6.3 A Educação Física escolar na perspectiva da cultura corporal

A EF como disciplina trata, pedagogicamente, de uma área de co-

nhecimento denominada cultura corporal, a qual está “configurada

com temas ou formas de atividades, particularmente corporais”

(Coletivo de Autores, 1992, p. 62). Para os autores citados, o “homem

se apropria da cultura corporal dispondo sua intencionalidade

para o lúdico, o artístico, o agonístico, o estético ou outros, que

são representações, ideias, conceitos produzidos pela consciência

social” (Coletivo de Autores, 1992, p. 62).

Para os PCN (Brasil, 1998, p. 28), “Derivaram daí conhecimen-

tos e representações que se transformam ao longo do tempo.

ressignificadas, suas intencionalidades, formas de expressão

e sistematização constituem o que se pode chamar de cultura

corporal de movimento”.

Entre as produções dessa cultura corporal de movimento estão

o jogo, o esporte, a dança, a ginástica e as lutas, os quais foram

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incorporados pela EF como objetos de ação e reflexão, que repre-

sentam corporalmente diversos aspectos da cultura humana.

A proposta dos PCN (Brasil, 1998, p. 29)

aborda os conteúdos da Educação Física como expressão de produ-

ções culturais, como conhecimentos historicamente acumulados

e socialmente transmitidos.

Portanto, entende-se a Educação Física como uma área de conhe-

cimento da cultura corporal de movimento e a Educação Física

escolar como uma disciplina que introduz e integra o aluno na

cultura corporal de movimento, formando o cidadão que vai

produzi-la, reproduzi-la e transformá-la, instrumentalizando-o

para usufruir dos jogos, dos esportes, das danças, das lutas e das

ginásticas em benefício do exercício crítico da cidadania e da

melhoria da qualidade de vida.

As DCE (Paraná, 2008) apontam a cultura corporal como objeto de

estudo e ensino da EF que deve ter sua ação pedagógica voltada

para “desenvolver uma reflexão pedagógica sobre o acervo de

formas de representação do mundo que o homem tem produzido

no decorrer da história, exteriorizadas pela expressão corporal:

jogos, danças, lutas, exercícios ginásticos, esporte” (Coletivo de

Autores, 1992, p. 38). “Trata-se, portanto, de localizar em cada uma

dessas modalidades (jogo, esporte, dança, ginástica e luta) seus

benefícios humanos e suas possibilidades de utilização como ins-

trumentos de comunicação, expressão de sentimentos e emoções,

de lazer e de manutenção e melhoria da saúde” (Brasil, 1998, p. 29).

A EFE deve dar oportunidades a todos os alunos para que desen-

volvam suas potencialidades, de forma democrática e não seletiva,

visando ao seu aprimoramento como seres humanos, proporcio-

nando o acesso às práticas da cultura corporal e oferecendo uma

base motora adequada para que estas possam ser desenvolvidas

de acordo com as possibilidades de cada contexto (Brasil, 1998).

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6.4 Uma proposta de sistematização pedagógica para o karatê-dô

O conteúdo lutas é, sem dúvida, o que enfrenta um maior entrave

para seu desenvolvimento na escola, pois, além das dificuldades

aqui discutidas, a literatura sobre o tema é ainda restrita. Nesse

sentido, acreditamos que trabalhar as lutas como conhecimento

da cultura corporal, nas três dimensões (conceitual, atitudinal,

procedimental) indicadas pelos PCN (Brasil, 1998), pode se confi-

gurar em uma oportunidade singular para pensarmos em ações

pedagógicas sobre o tema.

6.4.1 Categoria conceitualNesta categoria serão apresentados aspectos históricos e sociais

que envolvem o karatê-dô, tendo como objetivo proporcionar ao

aluno reflexões sobre as relações dessa arte marcial com o seu

ambiente sociocultural de origem, o porquê de seu surgimento,

o significado de seu nome e as transformações pelas quais passou.

A arte marcial conhecida como karatê-dô tem a sua origem

no Japão, especificamente na ilha de Okinawa, na qual foi ela-

borada como uma luta com as mãos livres, sem armas – e, por

isso, significa “caminho das mãos vazias” (Lautert et al., 2005).

Segundo Torres (2006), as técnicas de lutas já estavam presentes

em Okinawa antes do século XV, e Jocélis (2004) afirma que foi a

partir desse século que começaram a denominar de Te (mão, em

japonês) os estilos de lutas que havia na ilha. Com o intercâm-

bio cultural entre os povos orientais, o Te se desenvolveu com

influências vindas, principalmente, da China, originando, assim,

o karatê-dô.

Neste ponto, é importante expormos um pouco sobre a Okinawa

do século XV, para poder relacionar melhor os fatos que levaram

ao surgimento do karatê-dô.

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Segundo Torres (2006), Okinawa é a maior ilha da cadeia

ryu-Kyu, situada a leste da China e ao norte do Japão. O local foi

palco de diversas guerras civis e tribais e também um centro de

inúmeras rotas comerciais, o que tornou essa ilha um ponto de

encontro de povos, culturas e artes marciais asiáticas.

Para Lautert et al. (2005), as ilhas ryu-Kyu mantinham relações

comerciais com a província de Funkien, na China, e provavelmente

foi dessa fonte que o kenpo (boxe) chinês foi introduzido nas ilhas.

Acredita-se, então, que o karatê-dô atual seja a evolução das formas

de lutas que já existiam em Okinawa, como o boxe chinês. Sabe-se

também que, naquela época, o Japão era constituído por feudos em

guerra constante, havendo a ação de inúmeros assaltantes, o que

motivava os japoneses a procurarem meios para se defenderem.

Além disso, Torres (2006) explica que, na metade do século XV,

o governo de Okinawa determinou a proibição do uso de armas e

o treinamento de artes marciais pelo povo da ilha, com o objetivo

de evitar revoltas populares. Para se defender, a população praticava

em segredo o karatê-dô; assim, os adeptos tiveram de treinar sozi-

nhos e, por isso, desenvolveram as formas de lutas denominadas

kata, tendo até mesmo incorporado seus movimentos nas danças

folclóricas locais para confundir inspetores do governo.

Torres (2006) conta que o grande organizador do karatê-dô foi

Ginchin Funakoshi (então líder da Sociedade Okinawa de Artes

Marciais), o qual, em 1906, época em que não havia mais segredo

sobre a prática de lutas, comandou uma grande demonstração

em Okinawa. Tal demonstração obteve sucesso e serviu de aber-

tura para outras apresentações públicas, além de fazer com que

o ministério da educação chinês autorizasse a prática de lutas

nas escolas da ilha.

Em 1922, Ginchin Funakoshi fez uma demonstração em Tóquio,

capital do Japão, e foi, então, convidado a ensinar o karatê-dô nessa

cidade. Assim, em 1930, Funakoshi adota o sistema de graduação

de faixas coloridas e pretas do judô. Em decorrência da guerra

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do Japão contra a China, em 1932, Funakoshi muda o sentido da

palavra karatê, que de “mãos chinesas” passou a significar “mãos

vazias”. Após alguns debates em Okinawa, em que estiveram

presentes vários mestres de artes marciais japonesas, houve

aceitação geral dessa mudança de significado (Torres, 2006). Dessa

forma, as artes marciais praticadas em Okinawa passaram a ser

conhecidas como karatê-dô.

6.4.2 Categoria atitudinalNo âmbito da categoria atitudinal serão tratados os aspectos filo-

sóficos do karatê-dô, os quais envolvem as atitudes em diferentes

contextos, as normas de comportamento e os valores éticos, esta-

belecidos pelo fundamento filosófico dessa arte marcial.

Jocélis (2004) entende o karatê-dô como uma forma de propor-

cionar a formação de um caráter reto e uma personalidade forte,

por meio de seus ensinamentos filosóficos, com o objetivo de

tornar o aluno autoconfiante e equilibrado.

De acordo com o mesmo autor, os objetivos do karatê-dô são

definidos pela filosofia budô japonesa, a qual tem como princípío

a busca pelo aperfeiçoamento pessoal, bem como a harmonização

do meio onde o praticante está inserido. As técnicas do budô têm

sua essência na conquista da estabilidade e da autoconfiança

com base na prática corporal. Assim, o karatê-dô não tem como

objetivo sobrepujar o outro fisicamente, mas canalizar ou anular a

agressividade. Funakoshi (citado por Jocélis, 2004) afirma que no

karatê-dô não existe atitude ofensiva. Isso mostra claramente que

essa arte marcial busca, por meio do controle da agressividade, a

prevenção da violência. As normas estabelecidas pelo karatê-dô

formam um conjunto filosófico denominado dojo kun (Torres, 2006),

que é definido por cinco fundamentos, explicitados seguir:

1. O praticante deve esforçar-se para a formação do cará-

ter – construção do caráter e aperfeiçoamento por meio da

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repetição de técnicas. Com essa prática, surgirá a autocon-

fiança e, assim, será possível superar problemas pessoais.

2. Fidelidade ao verdadeiro caminho da razão – “o […] [aluno]

deve sempre ser fiel [...] ao seu professor [...] e ele será recom-

pensado com novos ensinamentos e a confiança do sensei,

que lhe proporcionará mais sabedoria, fruto da confiança

mútua do relacionamento aluno/sensei [professor]” (Clube

de Karate União, 2012).

3. O aluno deve criar o intuito de esforço – a dedicação com-

pleta e os esforços demonstrados pelo aluno devem ser em

caráter de doação, e não superficialmente, o que irá gerar

maior disposição do professor em relação a ele.

4. respeito acima de tudo – o respeito para com o seu seme-

lhante é um item fundamental. Para Funakoshi (citado por

Jocélis, 2004), a cortesia é essencial no ambiente escolar.

O aluno, o professor e todos, de forma geral, devem demons-

trar respeito em todos os seus atos, por menores que se-

jam, em qualquer lugar e circunstância (Clube de Karate

União, 2012).

5. repressão do espírito de agressão – o aluno deve ter sábia

noção de que deve usar a sua força somente para fins justos,

sem exibição incorreta de suas potencialidades. A expressão

do mestre Funakoshi, “Karatê-dô ni senti nashi” (citado por

Jocélis, 2004), explica claramente o objetivo do karatê-dô, ou

seja, conter o espírito de agressão.

Assim, segundo Torres (2006), esse contexto filosófico evidencia

o valor do respeito que o praticante do karatê-dô tem para com os

demais seres humanos, levando-o a um controle da agressividade.

6.4.3 Categoria procedimentalOs aspectos técnicos são relacionados aos procedimentos, que

têm como objeto o fazer, o compreender e o sentir do praticante

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pelo corpo, envolvendo decisões e ações de forma ordenada, de

maneira a adquirir habilidades específicas desse conteúdo.

O karatê-dô como arte marcial provém de técnicas de defesa

pessoal desenvolvidas há séculos, não podendo, assim, ser deixado

de lado o seu trato pedagógico. A prática do karatê-dô é dividida

em três partes: o kihon, o kata e o kumite.

O kihon, para Souza (2008), compreende os fundamentos,

em que se procura aperfeiçoar as bases (posturas de pernas),

as defesas, os socos e os chutes por meio da repetição de movi-

mentos, para o desenvolvimento da coordenação motora. Para

Jocélis (2004), é nessa etapa que se desenvolvem, além de uma

base firme, a velocidade e a força nos golpes e, principalmente,

a concentração, pois o aluno deve direcionar toda a sua atenção

à execução do movimento.

O kata, de acordo com Nakayama (2003, citado por Souza, 2008),

é uma luta imaginária contra dois ou mais oponentes, na qual se

simulam movimentos em uma determinada sequência de ataques

e defesas. Jocélis (2004) afirma que os exercícios coreografados

representam a essência do karatê-dô, fase em que o aluno tem

contato com a tradição e as técnicas ancestrais dessa arte mar-

cial. Ao executar um kata, por exemplo, o aluno vai desenvolver

a memorização de sequências de ataques e defesas, a respiração,

a capacidade de concentração, a força e a velocidade dos movi-

mentos, bem como o entendimento de suas funções. Essa luta visa,

ainda, ao desenvolvimento de bases firmes, de força e explosão

muscular, de agilidade, de contração muscular e de respiração; daí

se conclui que o kata não se constitui apenas em movimentos sem

sentido ou meras lutas simuladas, pois tem objetivos claramente

determinados, além de reunir a coreografia e a beleza do karatê-dô.

O kumite é a luta na qual são utilizados todos os movimentos do

kihon e do kata de forma dinâmica; o aluno, em constante movi-

mentação, deve usar os braços e as pernas para atacar, defender

e contra-atacar (Souza, 2008). Essa luta pode ser praticada em

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diferentes níveis de dificuldade. Lautert et al. (2005) caracterizam

o kumite como uma luta entre dois oponentes que tentam tocar o

adversário com golpes, mas sem feri-lo.

6.5 Restrições e possibilidades quanto ao desenvolvimento das lutas no contexto escolar

Segundo o LDPEF (Paraná, 2006, p. 154), “As lutas sempre estive-

ram presentes na história da humanidade nas atitudes ligadas às

técnicas de ataque e de defesa; e vinculadas à instituição militar,

além de serem consideradas, por alguns povos, como sabedoria

de vida”. Mas, no próprio LDPEF, afirma-se que o tema lutas não

é comumente desenvolvido na EFE. Nesse sentido, Nascimento e

Almeida (2008) concordam e apontam a falta de vivência em lutas

e a preocupação com a violência como as principais justificativas

dos professores para o fato de esse tema não ser desenvolvido

na escola.

As lutas, assim como os demais conteúdos, devem ser abordadas

de maneira reflexiva, direcionada a propósitos mais abrangentes

do que somente desenvolver capacidades e potencialidades físicas.

Dessa forma, os alunos precisam perceber e vivenciar essa ma-

nifestação corporal de maneira crítica e consciente, procurando,

sempre que possível, estabelecer relações com a sociedade em

que vive [sic]. (Paraná, 2008, p. 69)

Em relação às restrições da prática das lutas, Nascimento e Almeida

(2008) entendem que não há a necessidade de o professor ter ampla

experiência para trabalhar com esse conteúdo na EFE, desde que

os objetivos não estejam relacionados à formação de atletas ou

lutadores, mas à produção de conhecimentos nessa área.

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Abordar as lutas nas categorias conceitual e atitudinal propor-

ciona que o aluno se aproprie dos elementos constituintes dessa

prática, como as origens históricas e sociais e os embasamentos

filosóficos, o que pode ser feito pelos próprios alunos, por meio de

trabalho de pesquisa, além da análise de vídeos. Já na categoria

procedimental, podem ser desenvolvidos os jogos de lutas, também

conhecidos como lutas lúdicas, que não envolvem nenhuma técnica

específica, como o cabo de guerra, a briga de galo, a exclusão de

espaço com ombro ou mãos, a conquista da quadra do oponente e

a conquista de objetos com oposição (Nascimento; Almeida, 2008).

No que se refere à associação da violência com as lutas, qual-

quer atividade que não seja desenvolvida pedagogicamente pode

criar situações violentas, pois a violência é um elemento que está

inserido no cotidiano escolar. Olivier (citado por Nascimento;

Almeida, 2008, p. 101) refere-se à violência como:

“inerente às relações sociais”, e a concebe como “[...] modos de ex-

pressão e de comunicação”, que surgem em situações de conflito,

de ameaças, de incerteza. O autor posiciona-se no sentido de que as

atividades de luta na escola, sistematizadas e metodologicamente

pensadas e conduzidas, servem como importantes elementos

de estruturação motora, psico-afetiva e social, que ajudam “[...]

a criança a gerir e a controlar a complexidade das relações vio-

lentas no interior do grupo social”.

Isso nos indica que o tema lutas envolve, sim, a violência, mas de

forma a trazer reflexões e mecanismos para prevenir e controlar a

agressividade, pois é essa tendência humana que leva o indivíduo

a cometer atos violentos.

Para explanarmos melhor o trabalho com lutas na escola, especi-

ficamente o karatê-dô, é interessante citar a pesquisa de Silva (2007),

que faz uma investigação da prática educacional do karatê-dô em

escolas que trabalham esse conteúdo, apontando para a impor-

tância educacional desse esporte e sustentando a sua presença na

escola. Outra pesquisa sugere o desenvolvimento do karatê-dô em

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turmas escolares que não têm vivência nessa prática, buscando

situar esse esporte como prática educacional (Silva, 2008).

rangel (citado por Silva, 2007) propõe o karatê-dô como uma

ciência que dá a cada momento um conhecimento novo do corpo,

por meio dos movimentos de ataque e defesa executados. Sasaki

(citado por Silva, 2007) afirma que, quando essa atividade é tra-

balhada com finalidade educativa, pode-se obter equilíbrio, tran-

quilidade física, mental e social.

Manoel (citado por Silva, 2007) afirma que a relevância do

karatê-dô, como outras lutas, ocorre principalmente no plano motor,

em que as capacidades físicas e motoras são amplamente solici-

tadas. As atividades motoras características das artes marciais

proporcionam a conquista de habilidades diferentes no que diz

respeito a locomoção, estabilização e manipulação. São atividades

capazes de contribuir para a diminuição da agressividade, propor-

cionar autoconhecimento, promover a melhoria do autoconceito

e permitir o conhecimento de outras culturas e conceitos sobre

aprendizagem do movimento e através do movimento.

Para o Coletivo de Autores (1992), o desenvolvimento dos co-

nhecimentos da cultura corporal nas escolas deve ser ampliado

e adequado às condições socioeconômicas, regionais e culturais

de cada realidade.

De acordo com Velte (citado por Silva, 2008, p. 2), o karatê-dô

tem “embasamento filosófico na busca pelo equilíbrio do corpo,

mente e espírito através do budô, o caminho através da vida que

os japoneses compreendiam como o caminho para se chegar ao

desenvolvimento espiritual por meio de uma prática marcial

como o karatê-dô”. Silva (2008, p. 2) define o karatê-dô como “uma

luta benéfica para todas as idades e sua filosofia corresponde

aos valores propostos pelas escolas, portanto, acreditamos que

essa ferramenta é um conteúdo de ensino educativo e em fim

pedagógico”. Além disso, o referido autor considera o karatê-dô

como um promovedor de respeito, socialização e confiança, sendo

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uma forma de conscientizar os alunos, com intuitos educativos

e recreativos, sobre a prática das lutas na EFE.

O karatê-dô é uma prática corporal da cultura oriental que tem

como característica, segundo Velte (citado por Silva, 2008, p. 2), “o

embasamento filosófico que busca o equilíbrio do corpo, mente e

espírito”. Manoel (citado por Silva, 2007, p. 2) corrobora essa visão,

quando afirma que “a relevância dessa atividade, como outras

lutas, ocorre principalmente no plano motor, onde as capacidades

físicas e motoras são amplamente solicitadas”. Complementando,

Silva (2007, p. 4) afirma que a prática do karatê-dô contribui para a

diminuição da agressividade e é uma forma de socializar/promover

o saber, pois “sua prática é viável, exequível na escola enquanto

prática educacional”. Ferreira (citado por Souza, 2008, p. 6) afirma

que “as lutas lúdicas [...] ajudam na liberação da agressividade

das crianças, além de serem trabalhados todos os fatores psico-

motores nestas [sic] atividades”. Para esse autor,

as lutas trazem inúmeros benefícios [...], destacando, no aspecto

motor, a lateralidade, o controle do tônus muscular, o equilíbrio,

a coordenação global, a ideia de tempo e espaço e a noção de corpo;

no aspecto cognitivo, a percepção, o raciocínio, a formulação de

estratégias e a atenção, no aspecto afetivo-social, se observa [...]

a perseverança, o respeito e a determinação, além de oferecer a

criança desenvolver o sentido do tato, extravasar e controlar a agres-

sividade, aumentar a responsabilidade, pois ajuda o aluno a cuidar

da integridade do colega[...] (Ferreira, citado por Souza, 2008, p. 6-7).

Coforme Funakoshi (citado por Silva, 2008), a prática de lutas

deve estar incluída na escola para ajudar a criança a superar suas

limitações físicas. Nakayama (citado por Silva, 2008) confirma essa

ideia ao afirmar que, por meio de tal prática, é possível dominar

todos os movimentos corporais, além da combinação única de

ações dos membros superiores com os inferiores.

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De acordo com Nascimento e Almeida (2008) e Silva (2008), na

categoria conceitual, deve ser exposto o histórico do karatê-dô,

mencionando-se a sua origem, o seu desenvolvimento e os fatos

sociais relacionados à sua prática. Na categoria atitudinal, a filo-

sofia do karatê-dô deve receber destaque na busca pela prevenção

de intenções violentas e desleais entre os alunos, levando-os a

refletir sobre situações em que poderiam utilizar as atitudes de

respeito e disciplina que são características desse esporte.

Na categoria procedimental, Silva (2008) realizou, durante o

desenvolvimento de seu estudo, a aplicação prática das técnicas

específicas do karatê-dô, seguindo o ensino do kihon. As técnicas

eram explicadas e demonstradas para que, em seguida, os alunos

realizassem os movimentos. Primeiro foram ensinadas as bases,

utilizadas para que os alunos se movimentassem. Em seguida,

as defesas foram executadas em posição normal e, depois, reali-

zadas com o avanço nas bases. Os chutes foram realizados com

movimentação normal (andando). Nessa sequência de ensino,

poderiam ser acrescentados também os socos, como forma de

aplicação das técnicas de defesa, e os chutes, que, após serem

realizados em movimentação normal (andando), também deve-

riam ter sua movimentação nas bases.

As lutas podem também ser trabalhadas de maneira lúdica,

propiciando que os alunos vivenciem as disputas em forma de

brincadeiras. Os exemplos indicados por Silva (2008, p. 11) incluem:

“luta dos polegares, luta do saci, luta de empurrar, luta dos pre-

gadores, luta da esgrima, uga-uga, cheque-mate, luta do resgate,

luta do equilíbrio, luta passar costas, luta do pescador”. De acordo

com Souza (2008), para o desenvolvimento do trabalho pedagó-

gico com o karatê-dô, as lutas lúdicas podem ser utilizadas para

que seja feita uma ligação gradual com técnicas mais específicas.

Para o autor, o lúdico estimula fatores psicológicos (autoestima,

confiança, relações interpessoais etc.), além de fatores físicos

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e sociais, ajudando no processo de aprendizagem do karatê-dô.

Ferreira (citado por Souza, 2008, p. 6) explica que:

as lutas lúdicas são sucesso em todos os níveis e que para os pe-

quenos, as lutas dos animais (luta do sapo, luta do jacaré etc.) ou

a luta do saci, ajudam na liberação da agressividade das crianças,

além de serem trabalhados todos os fatores psicomotores nessas

atividades. Segundo o mesmo autor, as lutas trazem inúmeros

benefícios ao usuário, destacando-se, no aspecto motor, a latera-

lidade, o controle do tônus muscular, o equilíbrio, a coordenação

global, a idéia de tempo e espaço e a noção de corpo; no aspecto

cognitivo, a percepção, o raciocínio, a formulação de estratégias e a

atenção; no aspecto afetivo social, se observam nos alunos alguns

aspectos importantes, como a reação a determinadas atitudes, a

posturas sociais, a perseverança, o respeito e a determinação [...]

Assim, fica claro que é possível ao professor trabalhar com as

categorias conceituais e atitudinais mesmo que não tenha tido

nenhuma vivência com lutas. Na categoria procedimental, o tra-

balho com as lutas lúdicas seria uma forma de o docente superar

sua falta de experiência com o tema e também o ponto de partida

adequado para aquele que já tem essa vivência. O que se necessita,

então, é a sistematização de intervenções para uma abordagem

pedagógica das lutas, que fazem parte dos conhecimentos da

cultura corporal de movimento e constam nos documentos edu-

cacionais oficiais.

Considerações finais

Os documentos educacionais oficiais referentes à EFE – PCN

(Brasil, 1998) e DCE (Paraná, 2008) – têm como objeto de ensino e

aprendizagem a cultura corporal, considerada como o “acervo de

formas de representação do mundo que o homem tem produzido

no decorrer da história” (Coletivo de Autores, 1992, p. 38). Entre

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essas produções que foram incorporadas pela EF, o tema lutas,

por meio do karatê-dô, desenvolvido de forma pedagógica, pode

contribuir para a formação de um aluno crítico, que reflita sobre

os aspectos dessa arte marcial, na busca pela compreensão de

conceitos, atitudes e procedimentos. Afirmamos, então, que o

karatê-dô deve fazer parte dos conhecimentos desenvolvidos nas

aulas de EF, pois é indicado como uma das formas de abordar a

cultura corporal, sendo uma prática pertinente por suas caracte-

rísticas de controle de atitudes agressivas, disciplina e respeito.

A sistematização pedagógica para o karatê-dô, baseada nos

documentos educacionais oficiais e em estudos sobre o ensino

desse conteúdo, aponta para a busca de um trabalho consciente,

abordado nas categorias conceitual e atitudinal. Consideramos

alguns elementos que constituem essa prática – como as origens

históricas e sociais, com destaque para os embasamentos filo-

sóficos –, buscando, assim, a prevenção da violência e o desen-

volvimento das lutas lúdicas na categoria procedimental, como

possibilidade para a falta de vivência do professor com essa arte

marcial e, também, como forma de promover, gradativamente,

uma aproximação, tanto do professor quanto do aluno, no que

diz respeito a técnicas específicas de lutas.

Assim, fica claro que é possível ao professor abordar conhe-

cimentos sobre as lutas nas categorias conceitual e atitudinal

sem que tenha, necessariamente, uma vivência prévia com tal

conteúdo. A categoria procedimental pode ser desenvolvida por

meio de atividades lúdicas que envolvam oposição, as quais

também podem propiciar ao aluno um aprofundamento técnico.

Acreditamos, desse modo, que, com base no karatê-dô, a EFE pode

promover o conhecimento de uma cultura diferente da vivenciada

pelo aluno e proporcionar reflexões sobre questões relacionadas

a agressividade e violência, aspectos tão presentes na sociedade,

além de propiciar a construção de valores, como o respeito e a

reflexão crítica.

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A prática educativa aqui apontada é apenas uma das várias

possibilidades pedagógicas para o trabalho com o karatê-dô; assim,

defendemos a busca por abordagens adequadas a cada realidade

escolar, superando-se as restrições que possam existir em cada

contexto, para que o tema lutas seja desenvolvido sob uma pers-

pectiva educacional nas aulas de EFE.

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Parte II

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7Educação para a paz: aspectos conceituais necessários ao processo de reflexão na Educação Física escolar*Nei Alberto Salles Filho

Rafael Trentin Scremin

A ideia de Educação para a paz (que trataremos por EP ao longo deste

texto) ainda é considerada, pelo senso comum, e até mesmo por

muitos professores, como algo apenas simbólico ou como sinô-

nimo de formação de sujeitos para serem “boas pessoas”. Essa

forma equivocada de pensar acaba por prejudicar todo o processo

de entendimento positivo e pedagógico sobre a EP, fazendo com

que seja tomada por algo irrelevante ou menos importante no

ambiente escolar. Nesse sentido, há uma contradição na própria

forma de se compreender o tema, uma vez que as questões da

violência são sobrevalorizadas na escola, mas sem que sejam

* Este texto resulta de reflexões e práticas realizadas no Núcleo de Estudos e Formação de Professores em Educação para a paz e Convivências (NEP/UEPG), por meio de trabalho direcionado à formação de professores.

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buscadas alternativas pedagógicas, que estão contidas justamente

no universo dos estudos da EP. Assim, apenas se denunciam as

diversas violências escolares, mas não são pensadas alternativas

pedagógicas concretas para seu enfrentamento.

Nesse cenário, apareceu e cresceu, nos últimos anos, a discussão

sobre uma possível EP, entendida como um processo dinâmico,

multidimensional, e não apenas como “alguma coisa legal” que pode

ou não ser trabalhada no âmbito escolar. A EP é por si só a práxis

escolar vista com um olhar mais humano, solidário e capacitado

em relação aos conflitos e às violências que permeiam a escola.

Para uma melhor compreensão de tal temática, dividimos este

artigo em dimensões que são consideradas como pilares básicos

para a estruturação e a permanência de uma EP na escola, sendo

elas: a compreensão da distinção dos conceitos de paz negativa e

paz positiva; a importância da mediação dos conflitos escolares de

forma qualificada; o entendimento e o enfrentamento da violência

em suas manifestações; e a relação da EP com a Educação Física

escolar (EFE), apresentando algumas aproximações iniciais entre

elas. Com essa estrutura, pretendemos contribuir para a reflexão

sobre uma EP nos processos de formação de professores de Educação

Física (EF), bem como sobre metodologia de ensino que aos poucos

incorpore tais fundamentos, procurando rever e incorporar novos

significados.

7.1 Educação para a paz: conceitos e contextos

Existem manifestações constantes em todo o mundo sob a “ban-

deira da paz” para acabar com as inúmeras formas de violência,

motivadas por questões religiosas, políticas ou ideológicas. O fato

é que os resultados dessas manifestações acabam não tendo muita

repercussão na mobilização das pessoas. Os símbolos clássicos

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da paz, como a cor branca e a pomba da paz, figuram mais como

promessas de início de ano do que como atitudes concretas de

mobilização contra as diferentes violências cotidianas, inclusive

nas escolas. Intolerância com as diferenças, individualismo cres-

cente e falta de mudanças efetivas são fatores que causam dúvida

sobre a efetividade das questões da paz.

A questão inicial aqui tratada não remete apenas aos aconte-

cimentos sensacionalistas, utilizados de forma mais acentuada

pela mídia, como as manifestações constantes no Oriente Médio,

os tumultos urbanos na Europa ou a violência frequente em países

africanos, mas também à luta constante das minorias, em relação

aos direitos humanos, às injustiças e desigualdades sociais, que

fomentam tanto a violência direta entre pessoas quanto a vio-

lência estrutural ou indireta, que afeta o equilíbrio das relações

comunitárias e sociais. O fato é que o real significado da palavra

paz e de sua abrangência ainda é mal compreendido pela maioria

das pessoas, justamente por considerarem que paz é um conceito

pronto, único, fechado e positivo.

De acordo com os estudos da EP, a paz apresenta dois significa-

dos, um numa concepção tradicional, que Callado (2004) chama

de paz negativa, e outro numa concepção mais aprofundada, que

o autor chama de paz positiva. Basicamente, a paz negativa é

aquela idealizada, pensada sob a lógica da “harmonia interior”, da

paz ingênua, utópica, que até pode existir em pensamento, mas

que objetivamente não encontra caminhos na complexa trama

de relações sociais e problemas do século XXI. Já a paz positiva

é aquela que coloca o sujeito como protagonista da paz em sua

vida, nas suas atitudes, que prevê a complexidade, que entende

que as relações humanas são marcadas por conflitos cotidianos e

que considera a violência como algo a ser tratado e enfrentado de

maneira crítica e proativa. Com base nessas definições, podemos

compreender o porquê de muitas manifestações, eventos ou movi-

mentos em favor da paz acabarem por diversas vezes fortalecendo

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uma paz com concepção negativa, fragilizando o real significado

e camuflando os reais problemas, deixando uma sensação de que

ela é apenas uma ideia distante de nossas próprias ações.

Nesse sentido, Jares (2002, p. 122) argumenta que a paz nega-

tiva apresenta a seguinte característica: “A paz é essencialmente

um conceito negativo, ao ser definido como ausência de conflito

bélico ou como estado de não guerra”. Ainda para o autor, “a con-

cepção tradicional de paz dominante é um conceito limitado

quase que exclusivamente ao sentido de pactos entre Estados”

e “outra característica que aparece muito presente na tradição

popular quando se fala de paz como harmonia, serenidade ou

ausência de conflitos”.

Essa concepção tradicional/negativa ainda é a dominante.

Quantas vezes não vimos passeatas com camisetas brancas

com a estampa de algum ente querido assassinado, com as

quais muitas vezes a mídia se alimenta para compor o noticiário,

caindo no senso comum ou provocando pena nas pessoas, quase

sempre sem fomentar a discussão sobre os motivos da violência

e apenas pedindo mais policiamento ou justiça? Ainda podemos

questionar se alguém, em princípio, pode ser contra a paz? No

limite, podemos dizer que até o maior traficante acredita que

suas ações, ao ajudar pessoas nas favelas (em troca de proteção),

também proporcionam a paz que o Estado não consegue com as

políticas públicas. Por isso essas percepções são consideradas

negativas. Até porque, como discorre Galtung (1985, p. 27), “Poucas

palavras tem sido usadas tão frequentemente e de poucas se tem

abusado tanto, devido, talvez, a que a paz sirva de meio para

se obter um consenso verbal: é difícil estarmos por completo

contra a paz’’. Observe que essa citação de Galtung é de 1985;

parece que ainda hoje as ideologias e as mesmas ideias para a

paz continuam muito parecidas, infelizmente nessa perspectiva

estritamente relacionada ao senso comum.

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Já na paz positiva, como vimos, há uma proposta de olhar mais

atentamente para fenômeno, implicando um processo dinâmico

de cooperação e trabalho com valores, além de reconhecer a

violência nas suas mais diversas manifestações, e não apenas

como ausência de guerra ou paz ingênua. Afirmando a questão

e na mesma linha de pensamento, Callado (2004, p. 23) enfatiza:

Definitivamente, uma concepção positiva da paz implica um

processo dinâmico orientado não só para a ausência das condi-

ções e circunstâncias desejadas, mas que busque a presença das

condições e circunstâncias desejadas. A paz converte-se, assim,

num dos valores máximos da existência humana e, como tal, afeta

todas as dimensões da vida: interpessoal, intergrupal, nacional,

internacional e mundial. Deixa de ser uma utopia irrealizável,

um ideal inalcançável, para converter-se num processo contínuo

e acessível, baseado na justiça, em que a cooperação, o mútuo

entendimento e a confiança em todos os níveis assentem as bases

das relações. Deixa, em definitivo, de ser uma questão de Estado,

para converter-se em um fato social do qual todos podemos par-

ticipar e ao qual todos podem contribuir.

Conforme vamos nos aprofundando na temática da paz, bem como

nessas relações – que há mais de cinquenta anos são estudadas

na Europa, onde se constituíram os primeiros grupos de pesquisa

sobre a EP –, e tendo como referência o trabalho realizado pelo

norueguês Johann Galtung (1974, 1985), observamos que os con-

ceitos não são necessariamente novos como campo de estudo.

No Brasil, somente nos primeiros anos do século XXI essas

ideias passaram a ser pesquisadas e discutidas. Nesse cenário,

alguns conceitos vão se agregando para a EP, como o entendi-

mento de conflito e violência. A paz deve ser encarada não como

ausência de guerra, mas sim como ausência de sua antítese, que

é a violência (Jares, 2002). Logo, para supor uma efetiva EP, é pre-

ciso, também, saber como cultivar essa cultura da paz. Para um

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processo de consolidação de uma EP, é necessário, sobretudo, não

apenas entender o conceito de EP, mas, principalmente, refletir e

agir sobre ele para que seus efeitos possam realmente impactar a

todos os envolvidos. Assim, a EP, para Sánchez et al. (1997, p. 22),

“Configura-se como uma estratégia social transformadora, na

qual todo o mundo participa sem imposições nem submissões e

implica uma atitude ativa de não cooperação com a injustiça, de

luta contra ela, demonstrando a coerência entre os fins e procu-

rando uma relação igualitária de forças”.

Seguindo a mesma linha de pensamento e inserindo a noção

de desenvolvimento humano, Callado (2004, p. 32) afirma:

A Educação para Paz parte da análise da realidade, entendida como

o conjunto das relações que o ser humano pode estabelecer, con-

sigo mesmo, com os demais e com as instituições por ele criadas,

e com a natureza ou o meio ambiente em que transcorre a vida.

Neste sentido, a Educação para a paz trabalha a partir de uma

perspectiva integradora do conjunto destas relações orientadas

a favorecer processos de desenvolvimento igualitário que sejam

compatíveis com o desenvolvimento pessoal, com o desenvolvi-

mento social e com o respeito ao meio ambiente.

Em toda essa gama de conhecimentos que a EP envolve, fica

nítida a grande importância de um trabalho efetivo com o tema

nas escolas e na formação de professores, pois apresenta vários

sentidos, entre eles “preparar as pessoas para a convivência num

modelo de sociedade em que a paz seja uma atitude participativa

que promova o enfrentamento de responsabilidades, para gerar

mudanças em nossa sociedade” (Lozano; rueda, 1997, p. 37).

Nesse sentido, é partindo dos conceitos da EP que podemos

entender mais facilmente o real significado da paz e, com isso,

observar que ela continua entrelaçada de maneira muito forte com

a prática educativa, como se paz e educação fossem praticamente

um binômio. Segundo Boff (1994, p. 36),

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A paz semeia a paz, atitudes de integração dos valores humanos no

contexto educativo proporcionam o desenvolvimento de sujeitos

cada vez mais conscientes de seu modo de estarem no mundo,

capazes de agir de forma ativa, criativa e transformadora, numa

teia multiplicadora de paz e solidariedade.

Tendo por base os conceitos anteriores, entendemos que o grande

desafio é a busca por um referencial que consiga, ao mesmo tempo,

ser tão belo em sua teoria quanto efetivo em sua prática. Nesse

sentido, o grande educador brasileiro Paulo Freire (2006, p. 388),

ao receber um prêmio da Unesco sobre EP, fala em seu discurso:

De anônimas gentes, sofridas gentes, exploradas gentes aprendi

sobretudo que a paz é fundamental, indispensável, mas que a

Paz implica lutar por ela. A paz se cria, se constrói na e pela su-

peração de realidades sociais perversas. A paz se cria, se constrói

na construção incessante da justiça social. Por isso, não creio

em nenhum esforço chamado de Educação para a paz que, em

lugar de desvelar o mundo das injustiças, o torna opaco e tenta

miopizar as suas vítimas.

A força do pensamento freiriano na discussão sobre a EP está

justamente em aderir a uma percepção de paz na realidade social,

uma paz que não está apenas nos pensamentos e palavras, mas

em ações efetivas, críticas, criativas, que vai encontrar justa-

mente nos problemas e nas violências sua forma mais concreta.

Compartilhando desse pensamento, Macedo e Matos (2010, p. 66)

destacam:

Educar para a paz requer, portanto, a utilização de uma metodo-

logia de ensino específica: a metodologia da educação dialógica.

A relação entre alunos e professores tem se submetido à força do

“conhecimento científico”, numa experiência em que a afetividade

e a espiritualidade deveriam ser consideradas.

É essa prática efetiva de uma EP nas escolas que vai proporcionar

a todos os envolvidos a assimilação e aprimoramento das ideias

segundo as quais a perspectiva de prevenção de violência possa

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ser mais forte que a simples declaração destas. Uma postura a

favor da EP faz com que sejamos mais proativos e protagonistas

em relação à paz que pode ser construída, alicerçada numa reno-

vação de valores e em formas de entender as relações humanas

e a sociedade, em vez de tratarmos a violência como fatalismo e

com a ideia de que “o mundo é assim mesmo, as pessoas são vio-

lentas”, não nos colocando como o centro, ou seja, como agentes

na produção ou reprodução de paz ou violências.

Tratando especificamente do conceito de EP, Callado (2004,

p. 35) explica:

A Educação para a paz é um processo de conscientização da pessoa

e da sociedade, contínuo e permanente que, partindo da concepção

positiva da paz e do tratamento criativo do conflito, tende a de-

senvolver um novo tipo de cultura, a Cultura da Paz, caracterizada

por uma tríplice harmonia do ser humano consigo mesmo, com

os demais e com o meio ambiente onde vive.

As dimensões colocadas até aqui podem ser pensadas para nossa

vida pessoal, nas relações familiares, nos contextos comunitários

mais diretos e na sociedade em geral. No entanto, é no âmbito

escolar que essas questões podem aflorar de maneira mais rica e

organizada, em razão de ser o ambiente propício para a base forte

de uma EP e, naturalmente, de uma cultura de paz. Embasando

essa proposta, Macedo e Matos (2010, p. 68) afirmam que:

Embora a educação para a paz possa ocorrer em diversos contextos

sociais, insistimos mais uma vez que é na escola que melhor se

desenvolve, pois este é o espaço onde os valores humanos podem

ser ensinados; onde os métodos de ensino podem servir de meio

para a aprendizagem de valores pacíficos; onde os enfoques multi-

direcionais e multidisciplinares encontram espaço na relação com

o currículo. Além disso, a escola é um espaço em que os conflitos

podem ser aproveitados para a aprendizagem.

Em suma, o trabalho para uma EP na escola não é um processo

fácil e rápido, ainda mais quando sofre a resistência de paradigmas

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educacionais enraizados, políticas públicas insuficientes e, o

mais difícil e complexo desafio dessa proposta e de tantas ou-

tras, o diálogo e a aceitação da mudança no olhar do ser humano.

Desse modo, todos esses aspectos acabam ocasionando muitos

conflitos, que, assim como o conceito de paz, também têm seu

significado distorcido.

7.2 A perspectiva do conflito: um conceito fundamental para a Educação para a paz

Assim como acontece com o conceito de paz, o conflito também

apresenta dois significados: o primeiro em uma concepção tra-

dicional e o segundo com característica voltada a um caminho

que leva à EP. Basicamente, podemos definir o conflito como uma

situação de incompatibilidade de metas ou como a percepção de

que estas são incompatíveis, conflito que ocorre nos planos intra-

pessoal, interpessoal ou intergrupal (Amani, 1994). Decorrente do

entendimento básico a esse respeito, Jares (2002, p. 135) afirma que

o conflito caracteriza-se por um tipo de situação em que “as pes-

soas ou grupos sociais […] [procuram] ou percebem metas opostas,

afirmam valores antagônicos ou têm interesses divergentes”. Para

Lederach (1984), o conflito envolve pelo menos duas pessoas ou gru-

pos independentes que buscam objetivos incompatíveis, sofrendo

a interferência um do outro na realização de suas metas. O que

observamos claramente, já de início, é que o conflito é um conceito

e, em si, não tem relação direta com a violência. Normalmente e

equivocadamente, tratamos o conflito como sinônimo de “violência

entre as pessoas”. Segundo Callado (2004, p. 24),

A partir da concepção de paz negativa, vê-se o conflito como uma

realidade não desejável, como algo que se deve evitar de qualquer

jeito. De fato, a concepção tradicional da paz a define como au-

sência de conflito. Popularmente, o conflito é interpretado como

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um fato negativo. Falamos de “pessoas conflitantes” para nos

referirmos àqueles que manifestam condutas diferentes e tem

críticas a determinados valores ou comportamentos estabelecidos.

Essa visão negativa do conflito é levada para dentro da escola, na

qual é visto de maneira ruim, improdutiva, quando, na verdade,

se dá o oposto, pois podemos entender o conflito como elemento

pedagogicamente positivo, por buscar uma mediação de percep-

ções diferentes, mas que podem ser complementares. Mas, nessa

noção de paz negativa, ainda existe dificuldade em compreendê-lo.

Como afirma Jares (2002, p. 133), “No âmbito escolar, o conflito

configura-se igualmente de uma perspectiva negativa. A partir de

opções ideológico-científicas tecnocrático-positivistas, o conflito

apresenta-se como disfunção ou patologia e, consequentemente,

como uma situação que é preciso corrigir e, sobretudo, evitar”.

Nesse sentido, vemos a ideia errônea de conflito no âmbito

escolar, a desordem da sala e o desacordo relativo a diferentes

necessidades (Jares, 2002), o que geralmente leva à perturbação

(ativa ou passiva) da efetividade da aula (Pearson, 1984).

Nessa reestruturação do entendimento do conceito de conflito

como fundamento pedagógico para uma possível prática, “o conflito

deve enfocar-se, não como um fator distanciador, mas como elemento

que se una às partes enfrentadas, obrigando-as a trabalhar juntas,

cooperando na busca das soluções” (Lozano; rueda, 1997, p. 31).

Assim, podemos dizer que enfrentar o desacordo ou os conflitos

não equivale a um processo autodestrutivo, como normalmente

pensamos. O conflito não é um mal em si, embora as pessoas

possam responder a ele de forma negativa (Pallares, 1982). Além

disso, o conflito não é apenas uma realidade e um fato mais ou

menos cotidiano nas organizações, é necessário também encará-lo

como um valor, pois, como salienta Escudero (1992), o conflito e

as divergências geram debates e servem como uma crítica peda-

gógica. Isso leva a uma disputa ideológica e à criação de novas

práticas sociais e educativas.

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A Figura 7.1* mostra claramente essa perspectiva: temos o

conflito como um traço definidor das relações humanas. Nesse

processo, se os conflitos são mediados, encaminhados positi-

vamente, aproximamo-nos da não violência ou da paz, mas, ao

contrário, se os conflitos são mal administrados ou não tratados

nem resolvidos, temos, inevitavelmente, a violência.

Figura 7.1 – Modelo integrativo nas relações entre conflito,

violência e paz

MEDIAÇÃO

CONFLITO

PAZ POSITIVAVIOLÊNCIA

Assim, podemos definir que a mediação possibilita a resolu-

ção dos conflitos, o que se aproxima da noção de paz positiva,

mas, ao mesmo tempo, pode tomar um viés negativo. Quando

a mediação não ocorre, temos a violência na perspectiva da paz

negativa. reafirmamos, portanto, que o estudo do conflito é o

elemento-chave para pensarmos em EP e supormos os primei-

ros indicativos de uma Educação Física para a paz. Na discussão

* Modelo constituído pelos autores para organizar a reflexão sobre o conflito como elemento pedagógico da Educação para a paz.

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sobre os conflitos, surge o olhar necessário sobre o processo de

mediação. A mediação dos conflitos é a dimensão pedagógica de

construção e reconstrução de pontos de vista, de diferenças, na

aproximação de processos produtivos. De acordo com Schnitman

(1999, p. 17-18),

Os contextos de resolução alternativos à confrontação, ao pa-

radigma ganhar-perder, à disputa ou ao litígio direcionam-se

à coparticipação responsável, admitem-se a consideração e o

reconhecimento da singularidade de cada participante no con-

flito, consideram-se a possibilidade de ganhar conjuntamente, de

construir o comum e assentar as bases de soluções efetivas que

legitimem a participação de todos os setores envolvidos.

Como podemos perceber, o processo de mediação é altamente

pedagógico, se pensado no contexto da escola, uma vez que busca

nos motivos as situações de desacordo, de provocação, de vio-

lência, que tanto prejudicam o cotidiano desse ambiente. Ainda

em relação à mediação de conflitos temos dois processos: o da

mediação social e o da mediação interpessoal, sendo eles os

caminhos para uma mediação de violência antagônica a uma

mediação de paz positiva.

A mediação social na dimensão negativa caracteriza-se pela

omissão, pela não ação do ser humano como agente transformador

dos acontecimentos negativos e de violência ocorridos no meio

em que ele está inserido. Sendo a mediação social positiva oposta

à mediação social negativa, ela é caracterizada pela participação

ativa dos agentes, no sentido de buscar a resolução não violenta

e a perspectiva de restauração de situações.

A mediação interpessoal no sentido negativo caracteriza-se

pelos seguintes elementos: falta de diálogo, ausência de enfren-

tamento dos conflitos, autoritarismo exacerbado, autossuficiência

em todos os aspectos, não aceitação do ponto de vista alheio e

preconceito, seja ele qual for. Já a mediação interpessoal positiva

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é o contrário da negativa, com diálogo qualificado, tolerância,

trabalho colaborativo e respeito às diferenças.

Assim, entendemos o conflito não de forma negativa, mas em

uma concepção que busca o diálogo e a mediação das situações.

Para Arenal (1989, p. 26), “O conflito é um processo natural e

necessário em toda a sociedade humana, é uma das forças moti-

vadoras da mudança social e um elemento criativo essencial nas

relações humanas”. Essa concepção positiva do conflito como um

desafio, uma das forças motivadoras de nossa existência, como

possibilidade de transformação, como elemento necessário para

a vida social é compartilhada por Galtung (1974) e Jares (2002).

Após a conceituação e a contextualização de elementos essen-

ciais para uma EP, as concepções de paz positiva e paz negativa e

a noção sobre conflitos, é preciso, também, enfrentar a antítese

da paz, que é a violência, tendo a consciência de compreendê-la,

saber sobre a dimensão de sua influência em um processo de EP

e, principalmente, refletir sobre sua presença no ambiente escolar.

7.3 A violência e sua relação com conflitos e a Educação para a paz na escola

Ao longo do texto, evidenciamos tantas questões relativas à paz e

ao conflito justamente por argumentar que outra abordagem é não

só possível quanto necessária ao pensamento sobre as violências

escolares. Tais violências devem ser entendidas sob múltiplos

olhares, pois, assim como a EP é feita com vários significados e

objetivos, a violência entra numa relação direta e indireta com

a EP, sendo que a busca inicial por esta começa justamente com

sua antítese, a violência.

Para Abramovay et al. (2003), “A violência surge como conse-

quência da ruptura de pactos sociais, por meio da força física ou

simbólica, apresentando-se em uma multiplicidade de situações

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capazes de, muitas vezes, esgaçar os laços sociais”. É importante

constatar que diversos autores confirmam que o termo violência

é polissêmico, com diferentes significados constituídos histórica

e culturalmente.

Todo ato de agressão – física, moral, institucional – que tenha

como alvo a integridade do(s) indivíduo(s) ou grupo(s) é conside-

rado ato de violência (Abramovay; rua, 2002). Portanto, quando

pensamos em EP e na mediação de conflitos, estamos pensando

justamente no trabalho preventivo em relação à integridade dos

alunos. Uma percepção muito clara é apresentada por Gadotti e

romão (2000, p. 43):

Vale sublinhar que a questão da violência, particularmente a que

perpassa o universo escolar, vem sendo abordada nos cenários

nacional e internacional como um dos grandes desafios para a

construção de uma Cultura de Paz. Para entender estas dificuldades,

é importante ressaltar que o termo violência é provido de múltiplos

sentidos e significados, acolhendo diferentes situações que fazem

menção a realidades distintas e heterogêneas. Estes múltiplos

sentidos vão ecoar tanto no processo de aprendizado do aluno e

nas relações no interior da escola quanto na imagem da institui-

ção escolar como espaço protegido, de direito e responsável pela

educação das novas gerações, precioso para o desenvolvimento

autossustentado do país.

As relações entre violência e escola, segundo Debarbieux (1998),

estão na base da constituição da instituição escolar, como os cas-

tigos físicos e a humilhação pública, que só foram modificados a

partir de meados do século XX. Assim, para Corti e Batista (2002),

passou-se de um estado em que a violência era instrumento para

garantir a autoridade para outro em que ela passa a ser evitada.

Nesse sentido, podemos afirmar que a instituição escolar nas

últimas décadas sofreu um processo de ajuste em relação às

violências como conduta pedagógica.

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Mas, ao mesmo tempo que a violência nos processos pedagó-

gicos é transformada em metodologias de ensino mais positivas

e humanizadoras, temos o conjunto da cultura de violências, da

violência estrutural da sociedade que cada vez mais, nas últimas

décadas, foi levada para dentro das instituições escolares. As re-

lações humanas violentas, a intolerância, a pobreza cultural, as

injustiças sociais, o individualismo, fruto da cultura atual, che-

gam e entram com os alunos nas escolas, nas quais se somam

às crenças dos professores sobre as violências, a paz, as relações

entre a comunidade escolar, o processo de gestão, todos também

com seus conflitos e violências particulares.

O contexto estabelecido nos faz apontar que a escola, portanto,

é uma instituição conflituosa por natureza. Os conflitos apare-

cem, pois são vários pontos de partida e olhares diferentes sobre

o processo de educação. No entanto, o fato de a escola ser um

local de conflitos em essência não quer dizer que precise ser um

local violento; basta recordarmos os conceitos de paz positiva

e negativa, além da discussão sobre a noção de conflito. Nesse

sentido, podemos dizer que algumas formas de conflito são re-

solvidas naturalmente pelos alunos, na convivência diária, mas

concordamos com Nunes (2011, p. 16), quando fala de conflitos

que se transformam em violência:

Muitos tomam rumos indesejados e transformam-se em agressi-

vidades, atos de indisciplina, indiferença, depredação do patrimô-

nio escolar, atitudes de preconceitos e discriminação. Esses nos

preocupam mais, e vários são os fatores que os desencadeiam

entre os alunos na convivência escolar: a rivalidade entre grupos;

as disputas de poder; as discriminações e intolerâncias com as di-

ferenças; a busca da afirmação pessoal; as resistências às regras;

os desentendimentos e brigas, o bullying; os conflitos de interesses;

os namoros; as perdas ou danos de bens escolares; os assédios;

o uso de espaços e bens; a falta de processos para a construção

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de consensos; as necessidades de mudanças; a busca por novas

experiências; as reações e manifestações injustas, entre outras.

Assim, uma EP busca trazer essa crítica e a reflexão sobre pro-

cessos de violência, conflito e paz. Não existe uma cultura de paz

sem que a escola tenha disposição para educar para a paz. É fun-

damental criar estratégias para qualificar as convivências e que

isso esteja na pauta dos processos, de modo que essas estratégias

não fiquem restritas a meras ações pontuais, como concursos de

desenhos, passeatas pela paz ou jogos da paz. Podemos dizer que,

se a escola é espaço de conflitos, é também um local especial de

convivências, no qual os participantes (professores, funcionários

e alunos) podem aprender a viver juntos e com relações posi-

tivas. Por todas essas questões, vemos que a violência escolar

vem se mostrando no cenário nacional e internacional como um

dos grandes desafios para a constituição de uma EP. No entanto,

observa-se uma grande dificuldade para encontrar explicações

para as origens e as causas dos atos de violência praticados na

escola (Abramovay et al., 2003), justamente pelo universo plural

das relações que são estabelecidas.

Vale destacar que o tema violência nas escolas comporta múltiplos

olhares, percepções e modelos de análise, [...] a necessidade de

se proceder a estudos multidisciplinares e transnacionais, como

forma de confrontar experiências distintas e encontrar afinida-

des que levem a uma maior compreensão do fenômeno (ramos;

Coelho; Francisco, 2009, p. 77)

Por outro lado, a escola passa por transformações no que se re-

fere à sua identidade, ao seu papel e à sua função social. “Alinhar

perspectivas macrossociais sobre juventudes, violência e exclusão

social com estudos etnográficos sobre o universo escolar pode con-

tribuir de forma significativa para a constituição de alternativas à

violência” (Abramovay, 2003, p. 33). Enquanto essas perspectivas

vão sendo encaminhadas, acreditamos que a dimensão da EP

pode ser usada como mecanismo não só reflexivo, mas também

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na relação das práticas escolares permeadas por convivências não

violentas e positivas. Assim, podemos dizer que a EP nas escolas

não apenas deriva de uma compreensão e um estudo sobre o que

é paz, conflito ou violência, mas também trabalha com valores

e tem uma postura ética nas condutas, transformando ações e

projetos isolados em atos dinâmicos e contínuos. Além disso,

também demonstra o repúdio a todos os tipos de violência. A EP

pode e deve ser trabalhada nas mais variadas disciplinas escolares,

particularmente na Educação Física.

Como comenta Nunes (2011, p. 17), “Os conflitos, portanto, aca-

bam possibilitando caminhos alternativos à violência, por per-

mitem [sic] meios de resolução que podem levar a um convívio

mais saudável, facilitador de uma melhor aprendizagem, e a uma

melhor estruturação das relações sociais”. Assim, também acre-

ditamos que a EP, como um processo de resolução não violenta

de conflitos, tem hoje, seguramente, uma dimensão pedagógica

fundamental na escola.

7.4 A Educação para a paz e a Educação Física escolar: aproximações iniciais

Ao longo deste texto, discorremos sobre várias questões concei-

tuais sobre paz, violência e conflito, que emergem como necessi-

dade na educação atual. Não podemos abrir mão dessas questões

conceituais, sob o risco de observar a noção de paz com um olhar

de senso comum e de reprodução de práticas que pouco têm ser-

vido à efetiva prevenção das violências escolares.

O momento é de pensar a Educação Física escolar (EFE) nesse

universo e, para isso, iniciamos com uma metáfora que remete a

esse contexto plural e complexo das relações entre paz e violências.

Imaginemos uma enorme roda-gigante, com várias cabines, cada

uma delas com vários lugares. Pois bem, consideremos que essa

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enorme roda-gigante seja a “cultura da paz” e que cada cabine

sejam os elementos que a constituem, como as questões religio-

sas voltadas para a paz, filosofias, ideologias, bons pensamentos

e práticas, todas relacionadas ao que dizemos ser a cultura da

paz. Agora, imaginemos que uma dessas cabines seja a EP, que,

assim como as outras, também faz parte desse processo e tem

seu papel de sustentação das demais, uma vez que é pedagógica

e pode gerar nos alunos essa noção de mediação de conflitos e

prevenção das violências, fazendo a roda continuar girando. Ao

abrirmos a cabine da EP, sentada em algum dos lugares está a

EFE, que terá a possibilidade de ser uma força transformadora a

mais no processo educacional orientado para a EP.

De acordo com essa metáfora, podemos perceber que a EP não

é uma grande salvação para a questão das violências escolares.

Ao mesmo tempo, entendemos que é uma abordagem muito in-

teressante e positiva de pensar crítica e criativamente a violência

e os conflitos, supondo um processo de mediação e crescimento

dos envolvidos. Assim, fazendo uma retrospectiva conceitual dos

elementos trabalhados, como o conceito positivo de paz, a busca

pela resolução positiva dos conflitos e a busca incessante e di-

nâmica pela não violência, podemos dizer que esses elementos

de nada irão servir se não forem pensados em uma prática real

e concreta na escola.

Uma EF que contemple elementos necessários para uma intro-

dução e continuidade da proposta de EP na escola deve iniciar com

a formação de uma base conceitual rica na diversidade sobre a

temática e sólida em seus princípios e objetivos, começando pelo

professor. Não se pode pensar em qualquer forma de metodologia

ou estratégia de ensino sem que antes haja uma formação inicial

sobre o que se busca. A questão é que não se pode ter uma EFE

orientada para a EP se o professor não tiver interesse nos aspectos

conceituais básicos e não conhecê-los, pois estes fazem muita

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diferença na abordagem. Por isso a necessidade e a importância

dos estudos da EP no âmbito da EFE. De nada adianta o profes-

sor estar repleto de “atividades de paz” se não souber sobre a

implicação dos conflitos e da sua mediação para o crescimento

individual e coletivo dos alunos.

Essa dimensão da EP, em conjuntura com a EFE, é retratada

em uma proposta de Educação Física para a paz, que Callado

(2004, p. 51) assim define: “A Educação Física para a paz trata de

descobrir o que é, o que pode contribuir para a área da Educação

Física na concepção global da educação para a paz, quer dizer,

tenta responder quais aspectos da educação para a paz podem

ser trabalhados a partir da área de Educação Física”.

Tendo a EP uma característica interdisciplinar, não pretendemos

buscar todos os assuntos e aspectos relacionados à EF, mas sim

filtrar e escolher de acordo com a realidade em que se encontram

conteúdos ou assuntos que, por sua própria dimensão na EF, pos-

sam ser convertidos e reestruturados em um referencial básico

da EP (Callado, 2004). Ou seja, não há um currículo pronto para as

atividades da paz em EF, o que existe é uma predisposição para

aliar conteúdos às questões mais explícitas das relações humanas

e aos valores de convivências estabelecidos entre os alunos, nos

momentos das práticas relacionadas a esportes, jogos, danças,

lutas e ginásticas, isto é, entre todos os conhecimentos da cultura

corporal do movimento. Nessa análise, Callado (2004) expõe a ne-

cessidade de se trabalhar com âmbitos inter-relacionados: pessoal,

social e ambiental. Assim, a proposta é a de colocar elementos

condutores da EP, bem como da EF, até o ponto de se converterem

em seus eixos condutores.

O Quadro 7.2 apresenta o exemplo de uma proposta de como

se trabalhar com os âmbitos pessoal, social e ambiental com a

utilização de aspectos da EP, da EFE e da junção desses dois tipos

de educação, formando a Educação Física para a paz.

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Quadro 7.1 – Proposta de Educação Física para a paz

ÂMBITOS/ TIPOS DE EDUCAÇÃO

Âmbito pessoal

Âmbito social Âmbito ambiental

EDUCAÇÃO PArA A PAZ (EP)

• Educação moral e cívica

• Educação sexual

• Educação para a saúde

• Educação do trânsito

• Educação intercultural

• Educação para a igualdade de oportunidades para ambos os sexos

• Educação ambiental

• Educação do consumidor

EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAr (EFE)

• Educação social e de convivência

• Educação para a qualidade de vida

• Educação de cidadania

• Educação sobre gêneros

• Educação sobre o meio ambiente e a diversidade

EDUCAÇÃO FÍSICA PArA A PAZ

• Educação sexual visando à convivência entre as diferenças

• Educação ampla do conceito de qualidade de vida

• Educação multidimensional sobre a cultura de gêneros

• Educação ambiental holística, envolvendo a realização de atividades físicas, visando à sustentabilidade e ao respeito às diversidades

Fonte: Adaptado de Callado, 2004, p. 51-57.

Ao observarmos o Quadro 7.1, percebemos que a proposta de

Callado (2004) busca ampliar o contexto sobre as possibilidades

de relacionar aspectos gerais da EP, apresentando, em seguida,

uma percepção sobre a EFE para, na sequência, fazer uma síntese

de qual seria o caminho de uma Educação Física para a paz. No

contexto apresentado – cabendo a ressalva de que se trata de uma

proposta pensada, inicialmente, para a realidade da Espanha –,

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Callado (2004) aponta questões relacionadas a ética e valores na

discussão ampla sobre a qualidade de vida, além de questões de

gênero, educação ambiental sob o princípio da sustentabilidade

e, especialmente, respeito à diversidade.

A ideia entrelaçada que gera a Educação Física para a paz es-

tabele uma relação reflexiva, dinâmica e humana sobre a práxis

escolar. Não há um manual a ser seguido rigorosamente, e sim

propostas diferenciadas e inovadoras que podem ser adaptadas,

renovadas e criadas pelo professor. A proposta de Callado (2004)

apresenta, ainda, aprofundamento na questão dos jogos coopera-

tivos* como elemento privilegiado de convivências escolares. Na

concepção desse jogos, a lógica do “ganha-perde”, muito usada

tradicionalmente na EF, é redirecionada para uma nova perspectiva,

a do “ganha-ganha”, em que todos participam e colaboram, não

eliminando o aspecto da competição, mas redirecionando o aluno

para a superação de si mesmo e não com foco na derrota do outro.

O que podemos destacar da proposta de Callado (2004) é a

construção de alternativas não apoiadas em “atividades”, mas

numa concepção de trabalho, na busca da EP. Obviamente, en-

tendemos que tal proposta merece aprofundamento de estudos,

de adequação à realidade brasileira, bem como devem ser perce-

bidos os impactos dela na formação de pessoas mais solidárias,

cooperativas, participativas e que consigam solucionar melhor os

conflitos, construindo caminhos para uma sociedade que vise à

cultura de paz. Ao mesmo tempo, é necessário reconhecer esse

caminho realizado por Callado (2004) e seus colaboradores na

Espanha para orientarmos uma Educação Física para a paz em

nossa realidade, ainda mais carente de alternativas para prevenir

e minimizar as violências escolares.

* Para saber mais sobre jogos cooperativos, consulte as obras de Brotto (2001) e Soler (2005).

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Considerações finais

Em grande parte deste artigo, ocupamo-nos em levantar concei-

tos e perspectivas da EP, por meio dos conceitos de paz, conflito

e contextos de violência. Uma parte mais sintética foi dedicada à

análise de uma proposta de EP. Esse encaminhamento não foi ao

acaso, justamente para não corrermos o risco de, na proposta, as

atividades serem mais importantes que os fundamentos. Sabemos

que no cotidiano da EFE se pensa muito nas atividades a serem

realizadas na prática com os alunos, tomando-se os aspectos

conceituais como “teoria vazia” ou “descolada da realidade”.

Em relação às violências escolares, existe a preocupação de

que sejam forjadas “práticas” que vendam a paz nas aulas de EF.

Sabemos que uma cultura de paz é fruto de um processo que en-

volve o educar para a paz, devendo ser uma preocupação constante

na abordagem do professor, construída numa concepção dialógica

dos envolvidos na aula, remetendo-os às reflexões sobre os con-

flitos surgidos nos jogos, nos esportes e nos demais conteúdos.

Além disso, deve-se permitir que todos possam aprender com a

mediação dos conflitos, exercitando a tolerância, o respeito às

diferenças, a convivência pacífica e a busca da cidadania, que são

elementos fundamentais da educação no século XXI.

Esperamos que o estudo mais aprofundado da EP sirva como

auxílio e suporte para que os professores de EF se apropriem

das questões básicas sobre paz, conflito e violência, para que

possam refletir sobre sua prática profissional, não buscando

grandes transformações, mas evidenciando aspectos relacionais

que qualifiquem as convivências escolares e que contribuam na

prevenção das violências escolares. Essa dimensão é reforçada

por Salles Filho (2010, p. 132):

Se conhecer implica em mudança de atitudes, os saberes sobre a

paz contribuem para que os olhares sobre a vida e o mundo sejam

redimensionados. Falar em paz traz, por um lado, o imaginário

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de ser uma “boa pessoa”, estar em harmonia consigo e com o

mundo. Por outro lado traz a própria negação da possibilidade

desses aspectos na sociedade, considerando impossível interferir

nesses termos, na vida atual. Essa contradição, muito comum

pela falta de reflexão profunda sobre o tema, vai sendo revista à

medida que os professores acessam a discussão conceitual sobre

paz, violências e convivências, estabelecendo relações e vínculos

com sua própria vida, sua percepção de paz e violências com sua

família, alunos, com as convivências estabelecidas na escola.

Nesse caminho seguimos, pensando em EP e em uma Educação

Física para a paz que surja das necessidades reais e que se aprimore

pela reflexão conceitual, para voltar à realidade e transformá-la.

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8Movimento, saúde e qualidade de vida: espaço necessário na Educação Física escolarSilvia Christina Madrid Finck

Ademir Testa Junior

É observável que estamos em uma época em que o avanço tecno-

lógico possibilita às pessoas, além do acesso às informações

em um curto espaço de tempo, a simplificação das atividades

comumente realizadas no dia a dia. Essa facilitação, somada

aos anseios pessoais, favorece em grande escala a diminuição

quantitativa e qualitativa das práticas correspondentes à cultura

corporal de movimento, as quais estão relacionadas a medidas

preventivas e de manutenção da saúde. Uma pesquisa realizada

por Farias Júnior (2006) aponta que 62,2% dos jovens da cidade

de Florianópolis (SC) são fisicamente inativos; destaca, também,

que, com o avanço da idade, a quantidade de pessoas inativas

tende a aumentar.

Outra pesquisa desenvolvida por Petroski e Pelegrini (2009)

demonstra a existência de estreita relação entre os percentuais

de gordura corporal dos pais e dos filhos, favorecendo a com-

preensão sobre o fato de os pais serem fortes influenciadores nos

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200

hábitos dos filhos, o que acaba definindo as condições de saúde

corporal destes.

De forma semelhante aos resultados da pesquisa de Farias

Junior (2006), Guedes et al. (2001) analisaram os níveis de prática

de atividade física de adolescentes e constataram que os jovens não

praticam atividades suficientes para atingir benefícios considerá-

veis à saúde. De acordo com essa pesquisa, 46% dos rapazes e 65%

das moças envolvidos no estudo são classificados como inativos.

Assim, os autores concordam que a incidência de sedentarismo

é preocupante e, apesar das limitações regionais da pesquisa,

relatam que, aparentemente, os adolescentes não estão sendo

estimulados adequadamente em relação à prática de atividades

físicas que venham a repercutir favoravelmente em sua saúde.

Como sabemos, o sedentarismo corresponde a diminuição do

esforço físico realizado, menor gasto calórico corporal, maior

acúmulo de lipídeos e aumento da incidência das doenças crôni-

cas degenerativas. Dessa forma, esses fatores apresentam-se em

uma sequência lógica, ou seja, como uma cadeia de reações que

surgem e se agravam constantemente.

Considerando que o sedentarismo é um dos fatores de risco

para o desenvolvimento de doenças crônicas degenerativas e

totalmente suscetível de intervenção das próprias vítimas, pre-

cisamos pensar em maneiras de conscientização, de aquisição

de conhecimentos, bem como na adoção da prática de atividades

corporais que causem alterações no organismo humano, a ponto

de favorecer, mesmo que parcialmente, a aproximação das pessoas

ao estado de saúde desejável.

Certamente, o aumento do índice de pessoas fisicamente ina-

tivas está intimamente ligado à educação, no sentido de que

as vivências de cada pessoa, durante toda a vida, definem seus

comportamentos, suas ações, a maneira como resolvem situa-

ções e problemas e seu estilo de vida. Por isso os hábitos de cada

pessoa podem estar vinculados aos seus costumes locais, às suas

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201

vivências familiares e percepções próprias acerca do mundo. Da

mesma forma, o aumento da possibilidade de adoção de um estilo

de vida mais ativo, ou seja, de transformação dos hábitos de uma

pessoa, também pode estar relacionado a contato, conhecimentos

e vivências acerca das práticas corporais de movimento.

Tendo em vista a adoção de um estilo de vida ativo como compo-

nente derivado da educação, podemos reconhecer que a Educação

Física escolar (EFE) não pode deixar de eleger a educação para

a saúde como espaço de atuação. Por todas as situações e pen-

samentos até aqui explicitados, talvez a educação para a saúde

seja a perspectiva da EFE que mais possa ser justificada para o

trabalho educacional diante das necessidades de conhecimentos

de crianças e jovens. Mas o que a escola deve e pode trabalhar

com os alunos acerca dos aspectos inerentes à saúde?

De acordo com essa perspectiva, Sallis (citado por Guedes et

al., 2001) determina quatro razões que podem favorecer a partici-

pação dos jovens na prática de atividades físicas: o conhecimento

prático referente à realização de atividade física; a disponibilidade

de espaço físico; a intenção de praticar atividades físicas; e a ca-

pacidade, percebida pelo próprio sujeito, para praticá-las.

No mesmo sentido, Freire e Oliveira (2004) estabelecem que o

conhecimento aprendido deve ser transformado em uma forma

de agir, na qual os alunos possam tomar as decisões que julgarem

necessárias, utilizando dados e informações articuladas de forma

significativa. Os autores complementam enfatizando que, para isso,

é necessário que os estudantes compreendam as vantagens e as

desvantagens da prática regular de atividade física, bem como

as diversas implicações do movimento humano, a fim de que

saibam executar as atividades de maneira correta e saudável e

que tenham atitude para adotá-las em sua vida cotidiana.

Portanto, o trabalho escolar acerca da saúde, durante as aulas

de Educação Física (EF), deve ser encarado como necessário, sendo

a saúde não somente tema transversal proposto nos Parâmetros

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202

Curriculares Nacionais – PCN (Brasil, 1998, 1999), mas também

conteúdo específico da EFE. Contudo, o trabalho acerca da saúde

nas aulas de EF precisa ser pensado a partir da complexidade do

conceito do termo saúde.

A Organização Mundial da Saúde – OMS (WHO, 1999, 2003) define

saúde não só como a ausência de doenças, mas como o completo

bem-estar físico, mental e social. Para a aplicabilidade escolar

na EF, precisamos revisitar esse conceito, a fim de pensarmos de

maneira ampla, no sentido de considerar que a saúde é o estado

resultante das condições de que o indivíduo dispõe com relação

a alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, traba-

lho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso à terra e posse

desta e acesso aos serviços de saúde (Farias Júnior, citado por

Bagrichevsky; Palma; Estevão, 2003).

Dessa forma, ao pensarmos a saúde em sua complexidade, inevi-

tavelmente surgirá a necessidade da abordagem sobre outros temas

relacionados ao conceito de saúde, como aptidão física, alimentação

e exercícios físicos. Considerando que o conceito de saúde é formado

pelo resultado de várias e diferentes condições, é necessário pensar-

mos nesses temas não como único meio, mas como requisito parcial

para o alcance do completo bem-estar do indivíduo.

Talvez o trabalho acerca da importância da prática de exercí-

cios físicos seja um dos pontos principais para a abordagem de

conhecimentos pertinentes à EF na escola, uma vez que praticar

os conhecimentos aprendidos implica reconhecer sua importância

para a vida de quem os pratica.

Dessa forma, quando se trata da EF trabalhada com base na

perspectiva de uma educação para a saúde, é indispensável

que se tenha como objetivo maior a iniciativa autônoma por

parte dos jovens, para a adoção de hábitos condizentes com a

ideia de saúde. Isso significa que, além de favorecer a aquisição

de conhecimentos acerca dos conceitos, da importância e dos

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203

procedimentos em saúde, é interessante que as aulas de EF

conduzam os alunos à prática daquilo que vierem a aprender.

Mas será possível, por meio das aulas de EFE, influenciar os

estudantes a ponto de levá-los às mudanças comportamentais?

O que, de fato, está ao alcance do educador físico que atua no

ambiente escolar? De que maneira as aulas de EFE, na perspectiva

da educação para a saúde, podem favorecer a adoção de hábitos

saudáveis por parte dos jovens atualmente? Até que ponto o tra-

balho acerca da saúde, durante as aulas de EF, pode contribuir para

a diminuição da incidência de doenças crônicas degenerativas?

Na tentativa de responder às questões mencionadas, podemos

nos remeter à pesquisa de Testa Junior e Finck (2011), na qual se

observou que, por meio da intervenção didático-pedagógica na

escola, nas aulas de EF, é possível contribuir para que os alunos

adquiram conhecimentos de ordem conceitual e procedimental so-

bre o tema saúde relacionado às práticas corporais de movimento.

Uma maneira interessante de ajudar os estudantes na descoberta

e na compreensão acerca dos temas peculiares à saúde é utilizar

outros assuntos em detrimento da ideia de educação para a saúde.

Testa Junior e Zuliani (2011) detectaram no estudo sobre o fute-

bol, esporte fortemente espetacularizado e gerador de diferentes

tipos de conflitos, uma possibilidade para a compreensão e o

estabelecimento de relações sobre diferentes temas e conceitos

intimamente ligados à saúde. No entanto, de acordo com Testa

Junior e Finck (2011), o “saber sobre” e o “saber fazer” parecem

não garantir que os estudantes adotem hábitos saudáveis.

Talvez a formação dos hábitos esteja muito mais ligada à educa-

ção familiar do que à educação escolar, especialmente às aulas de

EF. Indício dessa hipótese é demonstrado na pesquisa de Petroski e

Pelegrini (2009) que já mencionamos, na qual os autores apontam

que os pais influenciam os hábitos dos filhos, determinando as

condições de saúde destes.

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204

Por outro lado, entendemos que a aprendizagem sobre conceitos

e procedimentos não garante a prática das atividades físicas de

forma regular, mas pode contribuir para que os estudantes se

tornem mais conscientes sobre sua própria situação diante do

conceito de saúde. Assim, ao terem consciência sobre o que são e

fazem, os alunos passam a ser pessoas mais suscetíveis de adotar

hábitos saudáveis autonomamente.

Dessa forma, inicialmente podemos compreender que o trabalho

acerca da saúde nas aulas de EF pode contribuir para a adoção de

hábitos dirigidos à ideia de saúde, na medida em que favorece o

aprendizado conceitual e procedimental por parte dos estudantes,

tornando-os mais conscientes das suas ações ou omissões.

Contudo, acreditamos que um trabalho em longo prazo nas aulas

de EF, visando ao educar para a saúde, pode provocar mudanças

comportamentais por parte dos estudantes, ou seja, mudanças

de hábitos, partindo para o que se entende ser considerado mais

saudável. Talvez, se conseguirmos levar os estudantes a compreen-

derem a inatividade física, a alimentação inadequada, o uso de

drogas, entre outros, como situações problemáticas que atingem

maléfica e diretamente o próprio corpo, poderemos pensar que

passariam a tentar resolvê-las. Mas, se os alunos aprendessem

sobre o que e como fazer, não estariam, portanto, capacitados

para compreender certos hábitos relacionados à saúde como

desencadeadores de problemas em sua vida? Considerar uma

situação como problema não requer somente entender a situação,

mas identificá-la como acontecimento que deve ser resolvido, que

deve ser sanado.

Portanto, parece-nos que contribuir para o “aprender sobre” e o

“aprender a fazer” acerca das práticas pertinentes à cultura corporal

de movimento está ao alcance das aulas de EF, e o “aprender a ser”,

a dimensão atitudinal do conhecimento, emerge como o desafio

da proposta de uma educação para a saúde e uma metodologia

baseada na resolução de problemas, como uma possibilidade nesse

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205

contexto. Consideramos que o trabalho acerca da saúde, a ser de-

senvolvido nas aulas de EF, só poderá ser considerado favorecedor

da diminuição da incidência de doenças crônicas degenerativas

à medida que contribuir para que os alunos venham a adotar es-

tilos de vida mais condizentes com o chamado completo bem-estar.

Referências

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9

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209

9Educação Física, escola e inclusão: como avaliar essa relação?Janaína Mayra de Oliveira Weber

Gilmar de Carvalho Cruz

A intervenção da Educação Física em ambiente escolar impõe

o relacionamento com grupos heterogêneos, constituídos por

crianças e jovens com diferentes níveis de habilidade motora. Essa

situação torna-se ainda mais evidente se levarmos em conta a

possibilidade de termos em nossas aulas pessoas que apresentam

necessidades educacionais especiais. A necessidade de implemen-

tar uma participação efetiva da Educação Física em nosso sistema

de ensino nos remete à Declaração de Salamanca (Brasil, 1994,

p. 10), que apela aos governos para que adotem “com força de lei

ou como política, o princípio da educação integrada que permita

a matrícula de todas as crianças em escolas comuns, a menos

que haja razões convincentes para o contrário”.

Desde 1994, com a publicação da referida declaração (Brasil, 1994),

fazemo-nos acompanhar pelo fantasma do fechamento das

escolas especiais. Mais recentemente, uma espécie de “efeito

Salamanca” ressurgiu. Com a publicação da versão preliminar da

Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação

Inclusiva (Brasil, 2007) e de sua versão final, de 2008 (Brasil, 2008),

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210

presenciou-se novamente a mobilização de algumas escolas

especiais em virtude do fantasma de seu fechamento. Há uma

proposição manifestada nos referidos documentos de criação/in-

cremento de Centros de Atendimento Especializado. Nessa direção,

tanto as Diretrizes da Educação Especial para a Educação Básica

(Brasil, 2001) quanto a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (LDBEN) – Lei nº. 9.394/1996 (Brasil, 1996) apontam para

a figura do atendimento especializado.

No que diz respeito à inclusão escolar, importa compreendê-la

como a oferta de um efetivo processo de escolarização a todos

os alunos – inclusive aqueles que apresentam algum tipo de de-

ficiência, seja ela física, intelectual, sensorial ou múltipla. [...] A

inclusão escolar de todas as pessoas que compõem nosso cenário

social – a despeito do quão específicas sejam suas necessidades

especiais – demanda um esforço coletivo que vai da reflexão teórica

à intervenção pedagógica, e deve guardar como foco a educação

escolarizada de todos os alunos.

[…]

A inclusão escolar deve traduzir um conjunto de reflexões e ações

que garantam ingresso, permanência e saída de todos os alunos,

devidamente instrumentalizados para a vida em sociedade. Caso

contrário, pode-se, a pretexto de promoção da inclusão, confirmar

práticas pedagógicas excludentes ou, no mínimo, dissimuladoras

de uma realidade que prima pela exclusão. A articulação do sistema

de ensino como um todo – educação básica, educação superior e

a educação especial, na condição de modalidade de ensino – pos-

sibilita a reunião de competências necessárias ao enfrentamento

dos desafios presentes no cotidiano escolar. Desafios estes que se

tornam inequívocos numa perspectiva educacional inclusiva e

nos permitem focar a inclusão escolar, antes, como expressão da

responsabilidade e do compromisso social da escola. (Cruz, 2005b,

p. 16; 22)

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211

Uma das contradições presentes no cenário educacional brasileiro

diz respeito à intervenção escolar com vistas ao atendimento de

pessoas que apresentam necessidades educacionais especiais,

isto é, que se encontram à margem do sistema regular de ensino

por questões de ordem biológica, psicológica, social, cultural ou

econômica. Em um cenário social complexo e dinâmico como

este em que convivemos, as necessidades educacionais especiais

podem traduzir demandas específicas, desde crianças e jovens

que apresentam algum tipo de deficiência até aqueles em situação

de conflito com a lei. O assunto adquire maior densidade se consi-

derarmos inclusão e exclusão como conceitos mediados por uma

tênue linha representada por instituições sociais que assumem

a responsabilidade de reabilitar, recuperar, ressocializar. Essas

instituições são componentes de uma realidade social excludente

(Gentili, 2007) e definem ações compensatórias (Cury, 2005) e, por

vezes, assistencialistas de toda ordem, em uma tácita perspectiva

de regeneração e redenção social.

Nesse contexto, a escola é uma das instituições que vêm sendo

provocadas no sentido de assumir, em suas proposições peda-

gógicas cotidianas, as demandas sinalizadas por seus alunos

(Arroyo, 2004, 2007; Pino, 2007). Uma política educacional que se

pretenda inclusiva deve buscar a coerência no relacionamento

entre questões particulares e gerais, entre o indivíduo e a cole-

tividade, entre os componentes curriculares e a escola, entre a

própria política educacional e seu entorno social, “a fim de que

se potencialize a ampliação do espaço de participação social

de parcelas da população” (Cruz, 2005a) excluídas de processos

formais de ensino. Desse modo, instituições paralelas sugerem

alternativas para lidar com consequências, mas não necessaria-

mente enfrentam ou elucidam as possíveis causas da ausência

de êxito em determinados processos por elas deflagrados ou dos

quais participam.

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212

Se considerarmos que os debates relacionados à escola brasileira

têm apontado para uma preocupação com a sua função em nosso

contexto social, não podemos perder de vista, portanto, o processo

de construção e organização das demandas contemporâneas de

crianças e jovens. Apenas poderemos pensar em um sistema de

ensino coerente com as demandas sociais que se manifestam nas

demandas particulares de crianças e jovens se aprofundarmos

nossa compreensão sobre os processos de inclusão/exclusão que

permeiam suas trajetórias. O relacionamento estabelecido entre

políticas educacionais inclusivas e cenários sociais excludentes,

existentes em nossa realidade social, define uma contradição que

urge ser superada.

No caso específico da Educação Física, o tema inclusão repre-

senta uma evidente provocação para a área, principalmente se

ampliarmos a ideia de inclusão para além do atendimento escolar

de pessoas com necessidades especiais. Tradicionalmente, nos-

sas aulas são inclusivas? Elas garantem a participação efetiva de

todos os alunos? Pensar nesse assunto exige profundidade para

que consigamos alcançar, na discussão, a própria Educação Física.

Para instigar o aprofundamento nessas questões, relevantes para

nosso aprimoramento acadêmico profissional, vale compartilhar

a reflexão elaborada por Gomes, Almeida e Bracht (2010) sobre

os desafios decorrentes das contradições presentes na tensão in-

clusão/exclusão e suas implicações no campo da Educação Física

escolar, no que diz respeito ao trato às diferenças manifestadas

pelos alunos que dela participem. “O fato de esses autores não se

intitularem da ‘Educação Física Adaptada’ permite uma reflexão

desterritorializada” (Caparroz et al., 2011, p. 3, grifo do original).

Portanto, o ensaio supracitado, assentado no pensamento de

Bauman (citado por Gomes; Almeida; Bracht, 2010), não se desgarra

de questões viscerais da Educação Física, ao mesmo tempo que

não a adjetiva. Para os referidos autores, “não basta que a escola

assuma o discurso da diferença, mas precisa colocar a própria

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213

diferença em discussão. Pois novas formas de inclusão podem [...]

estar acompanhadas de práticas pedagógicas de exclusão” (Gomes;

Almeida; Bracht, 2010, p. 13). Os debates a respeito desse assunto

indicam a Educação Física adaptada como o ramo da Educação

Física que tem por objetivo “o estudo e a intervenção profissional

no universo das pessoas que apresentam diferentes e peculia-

res condições para a prática das atividades físicas” (Pedrinelli;

Verenguer, 2008, p. 4).

Diante do calor presente nas discussões relacionadas à inclusão

escolar de pessoas com necessidades especiais, chamam a atenção

algumas formas de se compreender o ordenamento legal referente

ao assunto, o qual pode ser percebido como algo novo no cenário

nacional brasileiro. No entanto, se nos reportarmos ao Decreto

nº 3.298/1999 (Brasil, 1999), ao Decreto nº 914/1993 (Brasil, 1993) e

à Lei nº 7.853/1989 (Brasil, 1989), observaremos que a preocupação

com a efetivação da escolarização de pessoas com necessidades

especiais não surge no Brasil após a Declaração de Salamanca.

Entretanto, essa preocupação não apresenta correspondência em

termos de avaliação da efetividade tanto das políticas públicas

quanto das práticas profissionais.

9.1 Avaliar (considerando a complexidade contextual) é preciso! Avaliar não é preciso

Não podemos perder de vista, no entanto, que a produção aca-

dêmico-científica, fruto desse diálogo com demandas sociais

historicamente construídas e de algum modo traduzidas nesses

textos legais, vem se adensando nas últimas duas décadas – e isso

concomitantemente ao adensamento da produção científica e das

discussões acerca da Educação Física como área de conhecimento

acadêmico e de intervenção profissional.

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214

A Educação Física passou por discussões e reflexões nas últi-

mas décadas que culminaram em reorganização, reformulação e

até ressignificação de seus conteúdos e objetivos, e desde então

seu papel na sociedade adquire cada vez mais abrangência e es-

pecificidade ao mesmo tempo. Desse movimento, é importante

destacar a elaboração das tendências, ou linhas de abordagem,

da Educação Física, como uma forma de sistematização de seus

conteúdos, procurando oferecer reflexões e formulações teóri-

cas que possam subsidiar a prática pedagógica do professor no

contexto escolar, num esforço de conceber a atividade física por

meio do conceito de práxis, ou seja, como manifestação corporal

cultural impregnada de sentido e significados.

Os significados das práticas corporais podem ser edificados

tanto como campo estratégico de exercício do poder disciplinar

sobre os corpos – partindo de uma análise dessas práticas, ba-

seada em Foucault (1979), as quais se põem a serviço da seleção,

da classificação, do condicionamento, da dominação, da alienação,

da higienização, da homogeneização e da coisificação do ser hu-

mano – quanto como elemento fundamental contribuinte para a

emancipação do sujeito, mediando as relações do homem com o

meio e com o outro por intermédio do movimento.

Podemos fazer a leitura da primeira forma de se conceber a ati-

vidade física supracitada, principalmente dos exercícios militares

e do eixo esportivo, nos quais predomina o tecnicismo como

metodologia principal para o aprendizado dos gestos de forma

“correta”. Por mais que duas décadas de reflexões e discussões

tenham se passado, as quais desencadearam a elaboração de um

quadro teórico para a Educação Física, ainda permeiam muitos

resquícios do tecnicismo nas nossas aulas.

Mesmo assim, nesse movimento geral causado, de uma ma-

neira ou de outra, pelos princípios de uma educação inclusiva,

a Educação Física busca enquadrar-se nos princípios humanistas

e democráticos que norteiam a educação para todos, firmada nos

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documentos oficias inicialmente citados e nos aspectos seletivos

e classificatórios das manifestações corporais na escola que de-

veriam ter perdido o espaço gradualmente. Contudo, a prática

pedagógica do professor parece ainda estar impregnada dessas

formas de intervenção, muitas vezes por força não só do profis-

sional em questão, mas também das representações sociais que

a própria Educação Física tem no imaginário social.

Para se criar um ambiente no qual as necessidades dos alunos

venham a ser atendidas, é de suma importância que, analisando

as características peculiares dos alunos − inclusive as dos que

apresentam deficiência −, o professor assuma sua responsabili-

dade na consecução dos objetivos relacionados ao programa de

Educação Física por ele implementado. Nesse sentido, a avaliação

do processo ensino-aprendizagem tem inestimável relevância na

oferta desses serviços no âmbito escolar.

Devemos atentar às considerações de Carmo (1994), Omote (1996)

e Goffman (1988), resguardando as diferenças de ordem episte-

mológica e conceitual, ao mencionarem que fatores constitutivos

do sujeito e aqueles relacionados ao ambiente físico e social no

qual ele se encontra inserido atuam de modo interdependente no

processo de construção da deficiência. É importante percebermos

que o relacionamento entre a pessoa que apresenta deficiência,

o seu ambiente físico e social e as restrições impostas pelas tarefas

que lhe são apresentadas não pode ser ignorado na avaliação das

possibilidades de intervenção do trabalho com esses indivíduos.

Do ponto de vista do comportamento motor, podemos dizer que

“uma pessoa – com algum tipo de deficiência – possui desenvolvi-

mento diferente, podendo, inclusive, manifestar um alto nível de

competência motora” (Manoel, 1994, 1996, citado por Cruz, 2007).

[...] se na base do nosso entendimento de Educação Física estiver

uma ideia ampla do que seja movimento – capaz de nos permitir

valorizar desde equilibrar-se numa determinada postura até

locomover-se e manipular objetos [...] – assumimos a possibilidade

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de que pessoas portadoras de necessidades educativas especiais, –

que apresentam algum tipo de deficiência, no caso – possam ser

incluídas em nossas listas de alunos. (Cruz; rodrigues, 2002, p. 128)

Cruz e Soriano (2012) evidenciam que, ao tratarmos da inclusão

escolar de alunos que apresentam necessidades especiais, consi-

derando a intervenção profissional em Educação Física, devemos

levar em conta os contextos que configuram o ambiente escolar.

Nessa direção, Cruz (2005b, p. 36) afirma que:

Em se tratando das implicações da inclusão de pessoas que apre-

sentam necessidades especiais – deficiência física, mental ou

sensorial; condutas típicas; altas habilidades; obesidade; cardio-

patia; asma; etc. – por ocasião da participação em programas de

Educação Física, há de se perceber o quão inapropriado é pensar

nessa atuação da Educação Física sem a companhia de criteriosa

reflexão a respeito do processo de preparação profissional.

A esse respeito, é possível afirmar com tranquilidade que pessoas

com condições peculiares quanto a suas participações em servi-

ços ofertados pela Educação Física (Pedrinelli; Verenguer, 2008)

podem participar, por exemplo, de aulas de Educação Física em

boa parte das escolas brasileiras – a despeito das (de)formações

e/ou (des)informações dos profissionais responsáveis pelos con-

teúdos relativos a esse componente curricular. Afinal de contas,

a Educação Física, particularmente na escola, lida já há muito

tempo com alunos que compõem a “turma da enfermaria”: jovens

semanalmente menstruadas ou com dores de cabeça, jovens se-

manalmente desapontados com sua falta de habilidade, ambos

desencorajados a experimentar movimentos que lhes sejam de-

safiadores, ambos desprovidos de experiências de aprendizagem

que lhes permitam encarar tais desafios.

Em estudo realizado por Cruz et al. (2009), foi analisada a inter-

ferência de um ambiente inclusivo de aprendizagem em aulas de

Educação Física. Do ponto de vista do processo de escolarização,

naquilo que diz respeito aos movimentos corporais realizados

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217

pelos alunos, observou-se uma participação mais intensa dos

alunos da escola especial, mas não um incremento de aprendiza-

gem propriamente dita. A participação mais intensa dos alunos

da escola especial em ambiente inclusivo pode ser explicada pelo

fato de que, no caso específico do componente curricular Educação

Física, algumas tarefas e atividades ficam comprometidas com

um número muito reduzido de alunos. Uma aula de Educação

Física de 45 minutos com a presença de cinco alunos pode se tor-

nar cansativa e monótona, dificultando a utilização de algumas

alternativas organizacionais para a realização de determinadas

atividades/tarefas.

A percepção inicial de que nada ocorreu em termos de apren-

dizagem foi confrontada com informações mais objetivas, como

as decorrentes das avaliações do movimento de arremessar, que

serviram de referência para a reflexão realizada. Mais do que

qualquer tentativa de comprovação que pudesse ser depreendida

das informações obtidas no estudo de Cruz et al. (2009), a despeito

das intervenções promovidas com foco específico no movimento

de arremessar, cabe destacar a possibilidade objetiva de avaliação

do desempenho de alunos em ambientes inclusivos, levando-se

em consideração aspectos específicos do componente curricular

Educação Física. Desse modo, o movimento de arremessar pôde

servir de referência para uma análise mais criteriosa das impli-

cações de um ambiente inclusivo de aprendizagem no compor-

tamento motor dos participantes do estudo.

O contexto no qual ocorre a intervenção pedagógica da Educação

Física apresenta peculiaridades que o tornam inequivocamente

complexo. Uma experiência vivenciada em uma escola municipal

do Estado de São Paulo ilustra essa assertiva. Ao avaliar a aprendi-

zagem do bimestre de uma turma de 5º ano do ensino fundamental,

a professora de Educação Física atribuiu a um aluno usuário de

cadeira de rodas – sem qualquer comprometimento intelectual

ou sensorial – uma nota maior que a de outros alunos da turma.

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O pai de um dos alunos discordou dos critérios de avaliação, que

implicavam tolerância, liderança, resolução de problemas, trabalho

em equipe, iniciativa, e não uma avaliação física. Ele questionou

“como alguém que nem mesmo anda” obteve uma nota maior que

a de seu filho – atleta de futebol em um clube da cidade e melhor

jogador da equipe.

Essa situação serve tanto para ilustrar o imaginário social que

ainda permeia a Educação Física quanto para mostrar como ainda

é difícil assimilar a deficiência como diversidade em um sentido

qualitativo e não como uma diferença no sentido quantitativo,

de “resto”, de “menos”, de déficit. Nesse viés da incapacidade

e do aleijamento, alijam-se determinados alunos de vivências

relacionadas a manifestações culturais do movimento corporal

relevantes ao seu processo de desenvolvimento humano.

Outro aspecto que vale a pena destacar na situação mencionada

com relação ao aluno com uma restrição motora objetiva, usuário

de cadeira de rodas, é o fato de se poder diversificar a perspectiva

avaliativa nas aulas de Educação Física, frisando, por exemplo, sua

dimensão atitudinal. No que se refere a questões relacionadas à

efetiva participação dos alunos com deficiência no ambiente da

escola, ampliam-se e aprofundam-se as finalidades da Educação

Física para além da análise de movimento, em consonância com

a produção teórica da área para sua (re)configuração como área

de saber escolar.

A avaliação em Educação Física escolar em si já é objeto de muita

discussão e pouco consenso, como já há algum tempo apontam au-

tores como Neira e Nunes (2009), Betti e Zuliani (2002) e rodrigues

(2003). Esses autores pontuam que os professores dessa disciplina,

muitas vezes, não têm muito claros o conceito de avaliação e sua

função no processo ensino-aprendizagem, e a força de nosso com-

plexo contexto social tende a utilizar os parâmetros avaliativos

no seu modo classificatório ou de forma subjetiva e casual, com

base em critérios genéricos, como presença ou participação. Desse

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modo, o professor, esquecendo-se ou alienando-se do caráter de

instrumento de verificação da aprendizagem e do ensino, passa

a avaliar o aluno, e não o processo de aprendizagem.

Um estudo realizado por Vitaliano (2007) sobre o processo de

inclusão do ponto de vista do professor do ensino superior expli-

cita dúvidas, anseios e inseguranças que corroboram os estudos

de Senna (2008), Monteiro e Manzini (2008) e Laplane (2006),

os quais registraram, em suas pesquisas com professores do en-

sino fundamental, argumentos sustentados principalmente na

falta de preparo para receber alunos com necessidades especiais

como a principal dificuldade enfrentada pelos docentes.

Mantoan (2008), por sua vez, pondera que o processo de inclu-

são implica necessariamente uma mudança de paradigma da e

na educação – “da” porque vai dar novos significados a ela e “na”

porque essa mudança perpassa todos os aspectos da educacio-

nais –; da infraestrutura aos métodos de ensino, das relações

sociais dentro e fora da escola e de seus desdobramentos aos

objetivos e os instrumentos da avaliação.

Essa mudança paradigmática acompanha as transformações

da contemporaneidade, na qual a contradição, a ambiguidade,

a abrangência, a complexidade e a diversidade são conceitos-chave

na tentativa de se definir ou caracterizar a época, de forma que

esses conceitos têm afetado, e muito, nos últimos anos, diferentes

campos do saber humano (Lampert, 2005, p. 7).

Os preceitos do ensino inclusivo configuram exatamente essa

afirmação e mostram, também, que as demandas da escola por

parte da sociedade não só aumentaram, mas mudaram, e onde

se postulava a hegemonia da uniformidade e da padronização

ganharam lugar a diversidade e o multiculturalismo. Nesse ce-

nário, um dos desafios é promover o ensino de qualidade para

alunos que apresentam diferenças significativas no processo de

educação escolarizada. Para tanto, faz-se necessário promover a

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desconstrução do “mito da homogeneidade/homogeneização dum

grupo de alunos” (Cruz, 2010, p. 38) dentro da escola.

Essa série de transformações requeridas pelo contexto do ensino

inclusivo vai em direção contrária a muitos dogmas específicos

da Educação Física que, apesar de ultrapassados, persistem nas

práticas docentes de boa parte dos professores, como nos aponta

Mantoan (2008). Diante da discussão sobre avaliação levantada

e desenvolvida por Perrenoud (1999) e Hoffmann (2010) e sua

transposição para a discussão sobre avaliação em Educação Física

escolar, rodrigues (2003) ilustra, em seu estudo, um cenário no

qual professores parecem ainda se debater entre o biológico e o

psicossocial no momento de avaliar, cenário que se desdobra em

resultados como a classificação ou em critérios muito genéricos,

como a mera averiguação de participação equivalente à presença.

9.2 (Não nos esqueçamos de) Avaliar... a própria prática profissional!

Apoiada na percepção da complexidade da “ação avaliativa”,

Hoffmann (2010, p. 22) propõe “gerar um estado de alerta do pro-

fessor sobre o significado de sua prática, discutindo, avaliando,

refletindo”. É imprescindível que a leitura profissional do processo

de ensino e aprendizagem se dê assentada em dados do contexto

da intervenção que nos permitam uma interpretação adequada

das demandas de nossos alunos.

Independentemente do local no qual se realiza a intervenção –

escola especial, escola regular, escola comum, ou, quem sabe,

simplesmente escola –, questões organizacionais do ambiente de

aprendizagem são centrais nas reflexões realizadas. O argumento

de que instituições especializadas estão mais bem preparadas

para o atendimento educacional de alunos que apresentam ne-

cessidades especiais em virtude da redução de 30 para 5 alunos,

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por exemplo, não define por si só um ambiente de aprendizagem

mais efetivo. Apesar de ainda nos esforçarmos para buscar turmas

de alunos que se assemelhem em relação ao nível de habilidades

apresentado, esse nível é, e sempre será, muito diferente, seja em

uma turma de 30, seja em uma turma de 5 alunos.

Se assumirmos que a inclusão escolar diz respeito à efetivação

do processo de escolarização de alunos que apresentam condições

peculiares de aprendizagem, o parâmetro para definir a escola

mais adequada é o êxito no processo de escolarização. Nesse

sentido, não é o espaço físico, o nome ou o tempo de existência

da escola que vai indicar o ambiente físico-social mais adequado

para a escolarização de alunos surdos, por exemplo. Mais do que

estar na escola A, B ou C, interessa a todo e qualquer aluno fre-

quentar uma escola que lhe garanta a apropriação do patrimônio

cultural acumulado pela humanidade, traduzido na forma de

saber escolarizado.

A esse respeito, chama a atenção o que sugere ser uma grande

contradição na era da inclusão, mas que pode ser compreendido

como um lúcido encaminhamento dessa controversa discussão a

respeito da escolarização de alunos com necessidades especiais

em uma perspectiva educacional inclusiva. O Conselho Municipal

de Educação de Porto Alegre, ao fixar as “normas para a oferta

de Ensino Fundamental na rede Municipal de Ensino” (Porto

Alegre, 2006, p. 1), determinou que o projeto pedagógico das ins-

tituições de ensino deve abranger “o atendimento aos educandos

com necessidades educacionais especiais, assegurando as con-

dições adequadas à educação inclusiva de qualidade, conforme

resoluções próprias da educação especial” (Porto Alegre, 2006,

p. 3). Na sequência, o mesmo conselho “manifesta-se favorável à

criação de Escola Municipal de Ensino Fundamental Bilíngue de

Surdos” (Porto Alegre, 2008, p. 1). O que pode parecer contradição

representa de fato a compreensão de inclusão escolar assentada

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menos no espaço ocupado pelo aluno do que pelo modo como

esse espaço repercute em seu processo de escolarização.

As discussões e os estudos acerca da inclusão apontam para

uma releitura do conceito de deficiência, de forma que esta apareça

na escola como apenas uma das diversas identidades que temos

no contexto escolar. Quando nos referimos à inclusão, devemos

pensar de maneira mais abrangente em termos do diverso, e não

somente nas situações que envolvam alunos que apresentam

determinada deficiência. Somente os alunos com deficiência são/

estão excluídos de aulas de Educação Física? Quantas meninas,

alunos acima do peso considerado ideal, menos habilidosos, com

baixa estatura, desatentos ficam de fora na hora da composição dos

times, ano após ano? Por quanto tempo perdurará essa situação?

As reflexões sobre inclusão escolar implicam uma grande mu-

dança axiológica na educação, e não só metodológica, como muitos

insistem em tratar, pois implica a ideia de uma escola para todos,

uma escola que foque o aluno, e não somente o cumprimento do

currículo; uma escola que vise à aprendizagem quando se discutir

o ensino, que agregue em vez de simplesmente selecionar, clas-

sificar e rotular. Assim, passa-se a (re)pensar os propósitos e os

objetivos do ensino; passa-se a exigir da escola uma forma mais

orgânica e visceral de se organizar. E os moldes padronizadores

tradicionais da escola vão sendo amplamente questionados e

frontalmente atacados em muitas ocasiões.

Manter o discurso da falta de capacitação e preparo para rece-

ber os alunos com deficiência, quando se tem pelo menos 11 anos

da resolução CNE/CEB nº 2/2001 (Brasil, 2001), que em seu art. 2º

trata da inserção de todos os alunos no ensino regular, torna-se

um tanto inconveniente. Essa resolução postula que “os sistemas

de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas

organizar-se para o atendimento aos educandos com necessidades

educacionais especiais, assegurando as condições necessárias

para uma educação de qualidade para todos” (Brasil, 2001, p. 1).

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No momento, encontramo-nos diante de demandas socioe-

ducacionais gritantes no que diz respeito à escolarização de

pessoas que apresentam condições peculiares de aprendizagem.

Compreendendo as implicações dessas demandas nos proce-

dimentos de ensino, a questão da preparação dos professores

e das escolas já deveria ter dado lugar às questões levantadas

por Mantoan (2008): Se não estamos preparados, quando é que

vamos nos preparar? O que estamos fazendo pra nos preparar?

Do que precisamos pra nos preparar? O que se pode observar na

história são os vários processos de exclusão e segregação de todos

aqueles que, de alguma forma, destoavam do padrão comporta-

mental, social ou estético vigente (Meneghetti, 2004). A inclusão,

no entanto, no sentido de equiparação de oportunidades, ainda

é uma novidade.

Para que essa preparação aconteça, é necessário visualizá-la

como um processo dialético, dinâmico, de edificação do ato de

ensinar como prática reflexiva, e não como um sistema fechado

com receitas e roteiros de procedimentos e métodos inclusi-

vos. Ainda é comum, particularmente no âmbito da Educação

Física escolar, a existência de análises subjetivas, apoiadas em

pseudoavaliações assistemáticas desprovidas de critérios claros

e objetivos – desprovidas, aliás, de objetivo(s). É fundamental

que nossos procedimentos avaliativos nos apontem pistas sobre

adequações e inadequações da intervenção pedagógica efetuada.

Precisamos avaliar, para além de nossos alunos, a nós mesmos,

nossas práticas e nossos discursos – sejam eles de ordem política,

sejam de ordem acadêmica ou profissional.

Para que percebamos avanços no estabelecimento da relação

entre Educação Física, escola e inclusão, é imprescindível, tanto

quanto a crítica, colocarmo-nos no centro dessa crítica. Quer

estejamos no topo ou na rabeira da cadeia alimentar – que bem

nos permite caricaturar a divisão social na qual se insere o tra-

balhador brasileiro –, quer estejamos na educação superior ou

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na educação básica, é fundamental que a crítica, alimentada por

uma avaliação criteriosa e autoquestionadora, não perca de vista

nossas próprias intervenções acadêmico-profissionais. Desse modo,

podemos refletir sobre a avaliação no contexto da inclusão escolar

com o intuito de que as reflexões vindouras levem à otimização

da prática pedagógica deflagrada no campo da Educação Física.

Estabelecer metas que não sejam definitivas, mas definidoras

dos pontos aos quais se quer chegar, do que se quer construir, é

um passo a ser considerado nesse processo de evolução de nos-

sas formas de avaliação. E, parafraseando Colker (2012), talvez a

Educação Física um dia venha a assumir como sua a inequívoca

tarefa de pensar e emocionar na construção de corpos que tenham

prazer em se movimentar, quaisquer que sejam suas formas e

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A mídia: influências, contribuições e possibilidades para a Educação Física escolarMarcelo José Taques

Silvia Christina Madrid Finck

O propósito deste artigo é levantar algumas discussões a respeito

das influências e das contribuições que a mídia pode trazer para

o ensino da Educação Física na escola, tendo em vista o cenário

atual, em que as tecnologias colaboram para o acesso aos diversos

meios de comunicação. Diante dessa perspectiva, com base em

um estudo crítico, nosso intuito é buscar discutir alguns elemen-

tos que possam balizar as ações pedagógicas, com o propósito

de aproximar essa relação existente entre a mídia e a Educação

Física na escola.

Sabemos que essa temática é uma das mais abordadas por

professores, estudantes e pesquisadores e, nesse sentido, nossa

intenção é contribuir para ampliar as discussões a respeito, sem

a intenção de esgotá-la.

Nessa linha de análise, justificamos o fato de pretender, com

base nessas discussões, mostrar a contribuição dos recursos 10

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midiáticos para o ensino da Educação Física na escola e as in-

fluências que estes podem estabelecer no convívio dos alunos.

Pretendemos, ainda, por meio deste estudo, contribuir para

um aprofundamento teórico dos professores, buscando fornecer

subsídios para a práxis pedagógica na escola, à luz da perspectiva

da cultura corporal.

Assim, apresentaremos uma proposta sistematizada, que pode

auxiliar o trabalho do professor na escola, pois o grande desafio

da Educação Física escolar reside em como fazer para que as

propostas pedagógicas sejam incorporadas pela prática dessa

disciplina na escola (Bracht, 1999, p. 82).

10.1 A cultura escolar e a influência da mídia no contexto da Educação Física

A cultura é muito importante para o processo de desenvolvimento

humano no contexto escolar, pois, por meio de relações dialéti-

cas, o homem produz sua própria existência com base em uma

relação de trabalho homem/homem e homem/natureza. Dessa

forma, Geertz (1989, p. 33) afirma que “A cultura é um padrão

de significados, transmitidos historicamente, incorporado em

símbolos, um sistema de concepções herdadas, expressas em

formas simbólicas por meio das quais os homens comunicam,

perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades

em relação à vida”.

Diante dessa definição de cultura, acreditamos que a “escola, na

perspectiva de uma pedagogia crítica superadora aqui defendida,

deve fazer uma seleção dos conteúdos da Educação Física. Essa sele-

ção e organização dos conteúdos exige coerência com o objetivo de

promover a leitura da realidade.” (Coletivo de Autores, 1992, p. 63)

Com base nessas afirmações, observamos que em muitos

contextos esses elementos ficam distantes, ou seja, a seleção e

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a organização dos conteúdos são feitas de maneira isolada da

cultura e da experiência dos alunos, causando certa fragilidade

ao processo de ensino e aprendizagem na escola. Nessa mesma

linha de análise, podemos corroborar a ideia de Candau (2000,

p. 68), o qual reforça que a distância entre a escola e a sociedade

contemporânea pode ser algo prejudicial, pois os alunos têm con-

tato com tudo o que ocorre no mundo e, desse modo, é “ possível

detectar um congelamento na cultura da escola que, na maioria

dos casos, a torna estranha a seus habitantes”.

A sociedade contemporânea, com a evolução das tecnologias

da informação e comunicação (TICs), proporciona à comunidade,

aos professores e aos alunos uma ampla bagagem de conhecimen-

tos por meio dos diversos veículos de informação. Diante disso,

torna-se necessário que a escola reconheça essa transformação e

desenvolva uma ação comunicativa e uma contraposição de sabe-

res no contexto educacional, fazendo que informações alienantes

e fragmentadas possam se tornar conhecimentos científicos que

contribuam para uma reflexão mais crítica sobre os recursos

midiáticos existentes na atualidade.

Nesse sentido, por meio da seleção, da organização e da siste-

matização dos conteúdos a serem desenvolvidos na escola, deve

haver a relação da cultura com o movimento humano e com o

corpo no contexto da Educação Física, pois, como afirma Daolio

(1997, p. 52), “o corpo é uma síntese da cultura, porque expressa

elementos específicos da sociedade da qual faz parte. O homem,

por meio de seu corpo, vai se apropriando de valores, normas e

costumes sociais, num processo de inCOrPOração”.

No entanto, vale ressaltar que, durante esse processo, é in-

dispensável uma reflexão a respeito dos discursos que a mídia

apresenta nesse contexto de incorporação, pois ela, ao veicular

discursos sobre esportes, corpo, saúde, entre outros, propicia a

constituição de saberes acerca desses elementos para a população.

No entanto, devemos “ressaltar que nem sempre tais discursos

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apresentam a totalidade dos fenômenos abordados, reduzindo-os

a concepções fragmentadas, de fácil entendimento e por isso

mesmo limitadas.” (Mendes, 2006, p. 6)

10.2 A mídia e as possibilidades para a Educação Física na escola: de uma prática alienante para uma prática transformadora

Na perspectiva de considerarmos a possibilidade de ampliar a

visão dos alunos sobre os veículos de comunicação e sobre suas

possíveis contribuições para a Educação Física escolar, partimos da

reflexão da cultura corporal, entendendo-a como uma transmissão

de valores, normas e comportamentos para os indivíduos ao longo

de gerações, buscando contribuir para a defesa dos interesses

das classes populares. Isso possibilita aos alunos uma reflexão

crítica sobre a forma de como atuar na sociedade contemporânea

com base nesses conteúdos historicamente construídos, os quais,

segundo Libâneo, (1990, p. 39),

são realidades exteriores ao aluno, que devem ser assimilados e

não simplesmente reinventados, eles não são fechados e refratários

às realidades sociais. Não basta que os conteúdos sejam apenas

ensinados, ainda que bem ensinados; é preciso que se liguem, de

forma indissociável, à sua significação humana e social.

Apesar de essa proposta à luz da perspectiva da cultura corporal

sofrer algumas críticas, trata-se de uma possibilidade para com-

preendermos o ensino de Educação Física sob outras perspectivas,

as quais nos fornecem subsídios pertinentes para a intervenção

docente, proporcionando uma práxis pedagógica diferenciada

para os conhecimentos dessa área do saber. E isso com o intuito

de sempre olhar a educação com outra perspectiva: a do sujeito

que busca a reflexão crítica e emancipada sobre suas ações.

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Nesse contexto, as discussões apresentadas têm o formato

de análises pautadas em referenciais teóricos acerca do tema,

buscando-se deixar clara ao leitor a possibilidade de intervenção

baseada numa proposição crítica, sendo que, para a relação entre

teoria e prática, utiliza-se uma didática pautada na pedagogia

histórico-crítica (Gasparin, 2009).

Com o propósito de contribuir para o trabalho do professor no

âmbito escolar, buscamos apresentar subsídios para as aulas de

Educação Física, visando à compreensão de que, durante o pro-

cesso de intervenção, a teoria se alimenta da prática e a prática

se fundamenta na teoria. Nesse sentido, buscando contribuir para

uma sistematização das aulas de Educação Física e sua relação

com a mídia, apresentamos a seguir, com base nos estudos de

Gasparin (2009), cinco eixos que podem subsidiar a práxis pedagó-

gica nas aulas de Educação Física, com base na ação-reflexão-ação

ascendente dos alunos.

Analisando as diversas discussões desenvolvidas no campo

acadêmico sobre a mídia, não podemos negar a contribuição

desta para o processo de ensino e aprendizagem; mas, para poder

utilizá-la, é necessário nos educarmos para ela, aprendermos a

empregá-la diante do processo de ensino, para depois proporcionar

uma educação/um conhecimento por meio dela.

Assim, para que possamos traçar essa relação qualitativa entre

os veículos de comunicação e o ensino da Educação Física, antes

de tudo, “talvez a contribuição mais importante que as escolas

podem dar para a educação de nossos jovens seja dar a eles um

senso de coerência em seus estudos, um senso de propósito,

sentido e interconexão com o que aprendem” (Postman, 1993,

p. 188). Com essa visão, o andamento das atividades pode ter

mais qualidade, com mais significados para os alunos, por meio

de uma ação comunicativa e reflexiva sobre a mídia em questão.

Nessa mesma perspectiva, Vasconcellos (1993, p. 42, citado por

Gasparin, 2009, p. 13) nos diz que “o trabalho inicial do educador

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é tornar o objeto em questão, objeto de conhecimento para aquele

sujeito, isto é, para o aluno”. Nesse sentido, primeiramente é im-

portante realizar com os alunos a prática social inicial do conteúdo,

a qual se caracteriza por uma preparação do aluno para a cons-

trução do conhecimento escolar: “o educando deve ser desafiado,

mobilizado, sensibilizado; deve perceber alguma relação entre o

conteúdo e a sua vida cotidiana, suas necessidades, problemas e

interesses” (Gasparin, 2009, p. 13).

Esse momento é importante, pois assim se respeita o que o aluno

traz consigo para a escola, sobre a cultura no contexto do seu lar,

do seu bairro, da sua cidade, de suas vivências e experiências de

mundo. Portanto, torna-se necessário que o educador conheça o

que os alunos pensam e sentem, pois, segundo Vasconcellos (1993,

p. 48, citado por Gasparin, 2009, p. 15), “Conhecer a realidade dos

educandos implica em fazer um mapeamento, um levantamento

das representações do conhecimento dos alunos sobre o tema de

estudo. A mobilização é o momento de solicitar a visão/concepção

que os alunos têm a respeito do objeto (senso comum, ‘síncrese’)”.

Esse diálogo inicial com os alunos sobre o que lhes chama a

atenção na mídia em relação aos conteúdos que serão abordados

é extremamente importante, pois gera no estudante confiança

em relação àquilo que vai fazer e, ainda, possibilita um relacio-

namento agradável entre ele e o professor no processo de ensino

e aprendizagem.

O segundo passo do trabalho do educador é a problematiza-

ção: “um elemento-chave na transição entre a prática e a teoria

[...] é um desafio, ou seja, é a criação de uma necessidade para

que o educando, através de sua ação, busque o conhecimento”

(Gasparin, 2009, p. 33). Nesse momento, após a seleção dos conteú-

dos, tem início a interpretação da teoria com a prática, mas é pre-

ciso notar que essa seleção não deve ser realizada de maneira rígida

ou imposta. Segundo Wachowicz (1991, p. 100), a problematização

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Não pode ser apenas uma estratégia pela qual um conjunto de

conteúdos pré-elaborados, dado ao professor, passaria por um pro-

cesso de seleção em função das questões relevantes para a prática

social. Haveria então um enlaçamento artificial entre os conteúdos

necessários em uma determinada cultura e aqueles pontos que

a prática social de um determinado grupo considera relevantes.

Com base na articulação teórica elaborada até este ponto, podemos

perceber que o conteúdo não pode ser predeterminado, ter ordens

burocráticas; o ideal seria que os saberes fossem definidos pelas

áreas do conhecimento dos professores, tendo sempre como fun-

damento básico as necessidades sociais contemporâneas. Nessa

perspectiva, o docente deve fazer com que os alunos reflitam sobre

a influência da televisão, das revistas e dos jornais no esporte, na

dança, na ginástica, na estética corporal, entre outros aspectos.

De acordo com Gasparin (2009, p. 49), o terceiro passo do mé-

todo é a instrumentalização, a qual se realiza

nos atos docentes e discentes necessários para a construção do

conhecimento científico [...] todo o processo ensino-aprendizagem

é encaminhado para, explicitamente, confrontar os sujeitos da

aprendizagem – os alunos – com o objeto sistematizado do co-

nhecimento – o conteúdo. [...] Os sujeitos aprendentes e o objeto

da sua aprendizagem são postos em recíproca relação através da

mediação do professor. É sempre uma relação triádica, marcada

pelas determinações sociais e individuais que caracterizam os

alunos, o professor e o conteúdo.

No que diz respeito às ações didático-pedagógicas para a aprendi-

zagem nesse processo, conforme indica Vasconcellos (1993, p. 64,

citado por Gasparin, 2009, p. 50), “parte-se do conhecimento que

se tem (sincrético) e aos poucos (pela mediação da análise) este

conhecimento anterior vai se ampliando, negando, superando,

chegando a um conhecimento mais complexo e abrangente (sin-

tético = ‘concreto’)”.

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O processo de ensino e aprendizagem não é pensado por etapas,

em que os conteúdos são fragmentados; pelo contrário, eles são

desenvolvidos simultaneamente, identificando-se os progressos

dos alunos, possibilitando-lhes o confronto entre os aspectos do

conhecimento relacionados com o seu cotidiano e o conhecimento

científico. No entanto, tal processo não ocorre de forma linear, mas

inicia com o trabalho mais simples até chegar ao trabalho mais

complexo; portanto, “o conhecimento não é pensado por etapas.

Ele é construído no pensamento de forma espiralada e vai se am-

pliando.” (Varjal, citado por Coletivo de Autores, 1992, p. 32-33)

Portanto, “A Instrumentalização é o caminho pelo qual o con-

teúdo sistematizado é posto à disposição dos alunos para que o

assimilem e recriem e, ao incorporá-lo, transformem-no em ins-

trumento de construção pessoal e profissional” (Gasparin, 2009,

p. 51). Assim, a aula pode ser mais significativa, incluindo debates

sobre o alto rendimento e a mídia, discussões sobre mídia e saúde,

uso da internet, análises de vídeos, entre outros, com foco nas

influências e reais contribuições que os recursos tecnológicos

podem trazer para o processo ensino-aprendizagem.

A quarta etapa dessa proposta é a catarse, que, segundo Saviani,

(citado por Gasparin, 2009, p. 124), é:

a expressão elaborada da nova forma de entendimento da prática

social a que se ascendeu. [...] Trata-se da efetiva incorporação dos

instrumentos culturais, transformados agora em elementos ativos

de transformação social. [...] Daí porque o momento catártico pode

ser considerado como o ponto culminante do processo educativo,

já que é aí que se realiza pela mediação da análise levada a cabo

no processo de ensino, a passagem da síncrese à síntese; em con-

sequência, manifesta-se nos alunos a capacidade de expressarem

uma compreensão da prática em termos tão elaborados quanto

era possível ao professor.

Nesse sentido, percebemos que a operação fundamental é a sín-

tese do cotidiano e do científico, do teórico e do prático a que o

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educando chegou, é o momento de avaliação em que o aluno pode

demonstrar corporalmente, oralmente ou pela escrita o que com-

preendeu durante todos os momentos anteriores (Gasparin, 2009).

Esse momento de incorporação dos saberes trabalhados é im-

portante para os alunos, pois é por intermédio dele que podemos

perceber o novo nível de aprendizagem e, referente à temática em

questão, analisar as reflexões que foram realizadas diante desse

processo e a nova visão de mundo que os alunos podem ter a

respeito dos usos e abusos dos recursos midiáticos na atualidade.

E, por fim, o ponto de chegada do processo pedagógico na pers-

pectiva histórico-crítica é o retorno à prática social. Conforme

Saviani, citado por Gasparin (2009, p. 139), a prática social inicial

e a final são a mesma, embora não sejam; por outro lado, podem

ser consideradas a mesma prática quando se constituem como

o suporte e o contexto, o pressuposto e o alvo, o fundamento e a

finalidade da prática pedagógica. [E não são a mesma prática] se

considerarmos que o modo de nos situarmos em seu interior se

alterou qualitativamente pela mediação da ação pedagógica; e já

que somos, enquanto agentes sociais, elementos objetivamente

constitutivos da prática social, é licito concluir que a própria

prática social se alterou qualitativamente.

Percebemos, então, a importância dessa etapa para o trabalho

docente, pois por meio dela se busca a modificação intelectual e

qualitativa do professor e do aluno em relação às suas concepções,

assim como a análise e a compreensão mais ampla e crítica da

realidade sobre a utilização da mídia como conteúdo e estraté-

gia de ensino. Portanto, trata-se de uma proposta que pode ser

balizada de acordo com cada realidade escolar; porém, a prática

pedagógica deve ser desenvolvida por meio da práxis, buscando a

reflexão do aluno. Por isso, Veiga (citado por Gasparin, 2009, p. 141)

afirma que:

a prática pedagógica é teórico-prática e, nesse sentido, ela deve

ser reflexiva, crítica, criativa e transformadora. [...] A prática é

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a própria ação guiada e mediada pela teoria. A prática tem que

valer como compreensão teórica. Dessa forma, a teoria responde

às inquietações, indagações da prática. [...] A teoria e a prática pe-

dagógicas devem ser trabalhadas simultaneamente constituindo

uma unidade indissolúvel.

Nesse sentido, pensemos em elementos diferenciados para tra-

balhar com a Educação Física e a mídia na escola, no intuito de

relacionar sempre a teoria com a prática, sem divorciá-las, visando

a uma práxis pedagógica diferenciada para os saberes da área, com

o intuito de sempre olhar a educação com a perspectiva de um

sujeito que busca a reflexão crítica e emancipada sobre suas ações.

Considerações finais

Sabemos que a busca por estratégias metodológicas é uma cons-

tante; assim, esperamos, de alguma forma, que este texto possa

contribuir para as reflexões acerca da prática pedagógica dos

professores na escola e também para a formação de professores

no âmbito acadêmico.

A Educação Física ainda é vista com certo desprestígio no con-

texto escolar, recebendo, muitas vezes, um menor status acadêmico,

ocupando um espaço pequeno na grade curricular em relação às

outras disciplinas. Esses aspectos acabam influenciando de forma

negativa a concepção dos alunos quanto às aulas de Educação

Física, que para eles são momentos para relaxar, conversar, esco-

lher o que querem fazer, ou seja, são aulas menos importantes do

que as demais (Finck, 2010). Assim, concordamos com Oberteuffer

e Ulrich (1977, citados por Oliveira; Betti, Oliveira, 1988, p. 57-58)

quando afirmam que:

A Educação Física tem sido prejudicada pela avalancha de práticos,

pouca ou nenhuma atenção tem sido dada à teoria e ao raciocínio.

A história da Educação Física está eivada de erros cometidos por

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aqueles que voltaram as costas ao desenvolvimento e ao progresso

e se contentaram em fazer sempre a mesma coisa, ano após ano,

meramente porque funcionava e era fácil. Ideias novas, alterações,

raciocínio dinâmico são a espinha dorsal de qualquer esforço edu-

cacional. O que foi bom ontem não é, necessariamente, bom hoje.

Qualquer disciplina deve mudar com os tempos, e à medida que

esta mutação ocorre, a forma de agir do educando será alterada.

realizar um trabalho pedagógico significativo, comprometido

com o desenvolvimento do conhecimento no contexto escolar

é possível e necessário. Para tanto, devemos considerar a reali-

dade e as necessidades dos alunos. Nessa direção, não podemos

desconsiderar os recursos que a mídia oferece; devemos, sim,

utilizá-los como ferramentas em prol do desenvolvimento dos

conhecimentos nas aulas de Educação Física.

É necessário considerar ainda, para além da intervenção pe-

dagógica na escola, a formação de professores voltada para o

desenvolvimento da área, no sentido de não reproduzir na escola

saberes fragmentados e sem significado para os alunos.

Com base nessa análise, ressaltamos a importância de o pro-

fessor buscar uma identidade profissional e trazer para a sala de

aula conteúdos relevantes para o processo de ensino, com o pro-

pósito de valorizar a disciplina, o saber e a cultura dos alunos e,

também, de buscar novas perspectivas para si mesmo na condição

de agente educador. Essas são algumas considerações pertinentes

que apontam para o “saber fazer” do professor, entendido como

o domínio do conteúdo do saber e dos métodos adequados para

transmitir esse conteúdo do saber escolar para os estudantes que

não apresentam as precondições idealmente estabelecidas para

a aprendizagem da Educação Física (Mello, 1982, p. 145).

Portanto, essas reflexões baseadas na didática para a pedagogia

histórico-crítica são possibilidades para a Educação Física e para o

trabalho com a mídia na escola, pois acreditamos em possíveis mu-

danças de comportamento dos alunos, na perspectiva de contribuir

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para que sejam agentes de transformação da realidade social em

que estão inseridos. Para tanto, o professor deve promover, por

meio de práticas corporais historicamente construídas, a reflexão

crítica do aluno sobre os usos e os abusos dos diversos veículos

de comunicação, na busca por uma sociedade justa e igualitária.

Assim, esperamos contribuir para que várias outras discussões

possam ser realizadas à luz desse conhecimento, com o intuito

de trazer novas análises e subsídios da mídia para o processo de

intervenção nas aulas de Educação Física.

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11Pressupostos da organização do trabalho pedagógico na Educação Física escolarAmauri Aparecido Bassoli de Oliveira

Claudio Kravchychyn

Apesar de a Educação Física escolar (EFE) ter sido reconhecida

como componente curricular da educação básica (Brasil, 1996),

ela ainda carrega a sua sina histórica de ser considerada uma

atividade paralela ao processo educacional.

Entretanto, podemos afirmar que, mesmo diante do quadro

situacional de pouca consideração no meio educacional, muito já

se fez e se propôs para a área nesse setor. As duas últimas décadas

configuraram-se como um tempo de reflexão e proposição, o que

acabou também por instigar novas visões do processo formativo

do profissional da Educação Física (EF) e, consequentemente, de

sua intervenção no setor educacional.

Nesse sentido, muitas ações foram executadas a fim de atender

ao reconhecimento legal provocado e a uma redefinição organiza-

cional e curricular. Os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN

(Brasil, 1997), respondendo à propositura acadêmica, procuraram,

ao enfocar a EFE, retirar a prioridade absoluta dada ao esporte nas

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aulas, oferecendo-lhe novos conteúdos, assim como indicativos

de enfoques metodológicos participantes.

Segundo Oliveira (2004), na condição de componente curricular,

a EF passa a ter um papel pedagógico composto das condições

formativa e informativa no contexto educacional, com vistas a con-

tribuir para o desenvolvimento físico, cognitivo, social e psicológico

de crianças e jovens (condição formativa) e para a transmissão e

produção do conhecimento (condição informativa).

A área tem buscado a produção continuada de conhecimentos e

investido muito esforço no processo de uma formação profissional

reflexiva e contextualizada. É evidente que muito foi feito e que

avanços foram conquistados. Mas ainda há muito a se construir

em prol da consolidação da EF como componente curricular e

área do conhecimento imprescindível ao processo formativo das

futuras gerações e da qualidade de vida de todos.

Nesse sentido, para a consolidação da condição de compo-

nente curricular, é necessário que os profissionais identifiquem

e elejam o seu objeto de estudo. Apesar dos muitos avanços, essa

área – assim como tantas outras – tem suas vertentes e defesas

contundentes para uma ou outra visão. É evidente que cada uma

das vertentes ou linhas apresenta, para sua constituição ou es-

truturação, uma base teórica que a sustenta. Em se tratando do

objeto de estudo da EF, pode-se nomear o movimento humano,

a motricidade humana, a cultura corporal, entre outros, que os

pesquisadores defendem como sendo o foco da área.

Neste artigo, utilizamos os pressupostos das propostas de es-

truturação curricular apresentadas por Oliveira (2004) e por Palma,

Oliveira e Palma (2010), que têm como referências a motricidade

humana e o movimento culturalmente construído.

Palma, Oliveira e Palma (2010, p. 51) ressaltam:

Os professores, de maneira geral, têm muita dificuldade em siste-

matizar os conteúdos. Quando ensinar, o que ensinar e para que

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ensinar em cada uma das séries. As demais matérias possuem

conteúdos sistematizados que indicam claramente o que ensinar

ao longo dos anos escolares, mas a educação Física não o possui,

e isso acaba por gerar dúvidas e procedimentos de ensino desar-

ticulados e sem sequência lógica.

Nesse sentido, o objetivo deste texto é apresentar um modelo de

evolução de conteúdos ao longo das séries escolares, com base

numa proposta específica de organização curricular.

11.1 Proposta e desenvolvimento de uma organização curricular

Os professores de Educação Física, em função de suas histórias e

vínculos exacerbados com o esporte, muitas vezes centram suas

ações única e exclusivamente nesse enfoque, ou seja, no esporte.

Contudo, a riqueza do mundo do movimento não se limita só a

essa manifestação cultural. Nesse sentido, para a assunção dessa

nova visão e organização, os professores precisam ampliar sua

estrutura conceitual e metodológica, o que implica um processo

de planejamento e organização que a suporte.

Inicialmente, há a necessidade de visualizarmos como objeto

de estudo o movimento humano, que pode ser contemplado em

uma organização de planejamento. Para tanto, Oliveira (2004)

sugere pensar a organização com base no movimento humano

em suas possibilidades de estudo: o movimento em construção e

estruturação, o movimento nas manifestações lúdicas e esportivas,

o movimento em expressão e ritmo e, por fim, o movimento e a

saúde. Para que você entenda melhor essa organização, apresen-

tamos o Quadro 11.1.

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248

Quadro 11.1 – Organização dos núcleos temáticos

e respectivos conteúdos

Núcleos Conteúdos básicos

a) O movimento em construção e estruturação

Habilidades motoras de base (locomotoras, não locomotoras, manipulativas, coordenação visomotora), esquema corporal, percepção corporal.

b) O movimento nas manifestações lúdicas e esportivas

Jogos (motores, sensoriais, criativos, intelectivos e pré-desportivos), esporte institucionalizado (basquetebol, voleibol, handebol, atletismo, futsal, ciclismo e outros) e esportes alternativos (capoeira, escaladas, caminhadas, passeios, betes, malha, peteca e outros).

c) O movimento em expressão e ritmo

Ginástica, dança, brinquedos cantados, cantigas de roda e outros.

d) O movimento e a saúde

Higiene e primeiros socorros, ergonomia, bases anatomofisiológicas do corpo humano, bases nutricionais, aspectos básicos da metodologia do treinamento, avaliações do crescimento, desenvolvimento, composição corporal e aptidão física.

Fonte: Adaptado de Oliveira, 2004, p. 25-55.

Faz-se necessário salientar que, mesmo nessa organização em

núcleos, a ideia é a de que os conhecimentos afetos a cada um

deles se interligam continuamente com o propósito de comple-

mentaridade e aprofundamento. Essa distribuição é para efeito

de organização e visualização do docente em relação ao enfoque

de suas aulas e temas.

É imperioso entender a ideia central de tal organização, ou

seja, defende-se que a área da EF assuma a responsabilidade

pedagógica de proporcionar a autonomia aos alunos sobre o

movimento humano. Os alunos, ao finalizarem o ensino médio,

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249

devem ser autônomos em relação ao movimento humano e

devem usufruir de uma vida ativa, sempre conscientes da sua

condição de responsabilidade sobre o seu próprio bem-estar.

Nesse caminho formativo, os alunos devem entender como o

movimento é importante para nossa vida e o quanto somos

dependentes dele e de sua boa execução. Para tanto, devemos

estudar o movimento humano para além da sua execução, indo

mais a fundo nos conhecimentos próprios e adjacentes que o

constituem. Só para efeito de exemplificação, temos: aprender

a andar, correr, saltitar e outras habilidades motoras de base e,

junto a elas, os conhecimentos relacionados a centro de gravi-

dade, musculatura envolvida, exigências ergonômicas e tantos

outros que poderiam ser contemplados.

Com isso, estaríamos transcendendo a lógica simplista que a

área carrega da atividade com fim em si mesma, pois os alunos

poderiam levar consigo, ao término das aulas, conhecimentos

que sustentam as vivências motoras para além delas e usufruir

deles em sua vida cotidiana. É com essa intencionalidade que re-

forçamos a ideia central de uma organização e um planejamento

consistentes para a EFE, pois do contrário entendemos que pouco

se avançará.

Partindo da organização básica e legal, podemos verificar que

a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) – Lei

nº 9.394/1996 (Brasil, 1996) determina que o ano escolar deve ser

composto de 200 dias letivos. Com isso, temos 40 semanas, uma

média de duas horas-aula por semana, resultando em um total

anual de 80 horas-aula para esse componente curricular. Assim,

a proposta de Oliveira (2004), apresentada no Quadro 11.2, está

centrada nessa estimativa, que pode ser alterada dependendo da

realidade de cada escola.

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251

Para consolidar uma proposta que contemple a organização cur-

ricular em todos os ciclos da EFE, é necessário organizar os con-

teúdos de acordo com as características e as capacidades dos

alunos em cada fase, considerando-se, ainda, as possibilidades

de interação entre os núcleos propostos por Oliveira (2004) e as

possibilidades de trabalho interdisciplinar, devendo-se observar

sempre os percentuais de aulas propostos para cada ciclo.

Eleger temas e conteúdos como elementos para construção do

currículo de uma disciplina na escola não é tarefa fácil, especial-

mente para a Educação Física, que luta para romper o paradigma

da “atividade”. Podemos afirmar que se trata de uma tarefa difícil

para quem sempre teve o norte esportivo como meta finalística

da área, inclusive no setor educacional.

Para tanto, a construção pode e deve ser feita levando-se em

consideração as particularidades de cada escola. Para Sacristán

(1998, p. 15),

O currículo relaciona-se com a instrumentalização concreta que

faz da escola um determinado sistema social, pois é através dele

que lhe dota de conteúdo, missão que se expressa por meio de

usos quase universais em todos os sistemas educativos, embora

por condicionamentos históricos e pela peculiaridade de cada

contexto, se expresse em ritos, mecanismos etc., que adquirem

certa especificidade em cada sistema educativo.

Por isso, não se deve entender a proposta de conteúdos – “pinça-

dos” dentre as várias possibilidades existentes – e de sua evolução

como uma “receita” pronta. É, pois, um exercício reflexivo, que

pode servir e apoiar aos professores quando da elaboração de

suas matrizes curriculares.

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252

11.1.1 Exemplos de evolução em dificuldade e complexidade dos conteúdos ao longo das séries escolaresDiante do exposto até aqui, como forma de ilustrar e demonstrar

como os professores podem idealizar a organização curricular, tra-

balhamos alguns temas e um indicativo de evolução ao longo das

séries escolares de forma muito pontual, apenas para demonstrar

a riqueza que existe na área e que precisa ser utilizada e desenvol-

vida por esse componente ao longo de todo o processo formativo.

Os exemplos de desenvolvimento de conteúdos estão demons-

trados nos Quadros 11.3 a 11.6.

Quadro 11.3 – Núcleo 1: O movimento em construção

e estruturação

Tema: habilidades e capacidades motorasConteúdos: andar e correr

Edu

caçã

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Ed. infantil I

Andar e correr de frente, de lado, para trás, com apoio da ponta do pé e do calcanhar.

Ed. infantil II

Andar e correr com elevação do joelho e dos calcanhares, com passadas largas e curtas, em situações de equilíbrio rudimentar (sobre linhas, meio-fio, bancos).

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no

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1º ano Andar e correr com alternância de velocidade e ritmo, em saídas rápidas e paradas bruscas.

2º ano Andar e correr explorando a lateralidade corporal.Andar e correr com alternância de velocidade e ritmo, em saídas rápidas e paradas bruscas.

3º ano Andar e correr em combinação com habilidades locomotoras elementares (saltar, rolar, rastejar, escorregar, girar, escalar, quadrupedar, entre outras).

4º ano Andar e correr em combinação com habilidades não locomotoras essenciais (sentar, levantar, puxar, empurrar, sustentar, balançar, adução e abdução, extensão e flexão dos segmentos corporais).

5º ano Andar e correr em combinação com habilidades manipulativas elementares (pegar, receber, lançar, arremessar, quicar, golpear, conduzir e transportar, escrever, desenhar).

(continua)

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253

Tema: habilidades e capacidades motorasConteúdos: andar e correr

Ensi

no

fun

dam

enta

l6º ano Andar e correr explorando as várias habilidades

manipulativas em combinação com as possibilidades de equilíbrio dinâmico (mudanças de direção, fintas, giros).

7º ano Andar e correr explorando velocidade, agilidade e resistência em situações diversas. Exploração das capacidades coordenativas e trabalho de braços no auxílio à eficiência dos movimentos.Exigência de força no andar e correr em aclives e declives; grupos musculares envolvidos.

8º ano Calçados apropriados para a caminhada e a corrida.O ritmo e a respiração como fatores otimizadores da caminhada e da corrida.

9º ano Técnicas de caminhada (marcha atlética) e corrida visando ao desempenho atlético.Técnicas de caminhada e corrida visando à promoção e manutenção da saúde.

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1º série Influência do treinamento de capacidades físicas: força, resistência, velocidade, equilíbrio, flexibilidade e coordenação no desempenho da corrida e da caminhada visando à saúde e ao desempenho.

2º série Influência da nutrição no desempenho da corrida e da caminhada.Influência das condições climáticas na corrida e na caminhada.

3º série O valor social da caminhada e da corrida (formação de grupos de atividade).

Fonte: Adaptado de Oliveira, 2004, p. 25-55.

O exemplo que escolhemos para ilustrar o Núcleo 1 oferece uma

visualização de sua característica essencialmente prática. Contudo,

mostra também que ele não se desenvolve isoladamente, mas sim

de acordo com a complexidade dos demais núcleos. No Quadro 11.3,

estão presentes as expressões treinamento, técnica, desempenho,

ritmo, capacidades físicas e saúde, entre outras relacionadas aos

demais núcleos.

(Quadro 11.3 – conclusão)

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Oliveira (2004, p. 31) observa que “este núcleo tem um desenvolvi-

mento crescente, passando pela vivência e construção com a intenção

de se chegar à fase de exploração e reconstrução do mundo motor”.

Corroborando, Betti (1992, p. 286) afirma:

Não basta aprender habilidades motoras e desenvolver capacidades

físicas, que evidentemente são necessárias em níveis satisfatórios

para que o indivíduo possa usufruir dos padrões e valores que

a cultura física nos legou após séculos de civilização, mas não

constituem uma ação suficiente. Não basta melhorar a condição

física do aluno, é preciso ensiná-lo a construir um programa de

condicionamento físico, mesmo porque o professor não estará

sempre ao seu lado para dizer-lhe o que fazer.

Isso nos leva à reflexão crucial para o entendimento desse núcleo

e de sua importância para o trabalho dos demais núcleos. De que

adiantaria o professor se dedicar exaustivamente a conceituar movi-

mentos e orientar seus alunos a aprimorar as técnicas de locomoção

se não houvesse aplicação ao cotidiano? Por isso, há um entrelaça-

mento, um “trânsito de informações” entre temas e conteúdos dos

núcleos, o que pode auxiliar o professor a enfatizar a importância,

por exemplo, do controle fisiológico do exercício (pressão arterial,

frequência cardíaca etc.), por meio de uma abordagem didática sobre

as formas de se exercitar autonomamente e de forma correta. Na

situação apresentada, fazem-se claramente presentes os processos

formativos e informativos aplicados ao conteúdo.

Os exemplos do Núcleo 2 estão demonstrados no Quadro 11.4,

a seguir.

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Quadro 11.4 – Núcleo 2: O movimento nas manifestações

lúdicas e esportivas

Tema: jogos e esportesConteúdos: jogos pré-desportivos e esportes de invasão

Educação infantil Ed. infantil I Jogos de perseguição.

Ed. infantil II Jogos de perseguição de travessia (mãe da rua, pique bandeira, abriu a porteira etc.).

Ensino fundamental

1º ano Jogos de perseguição e de estafeta com condução de bola de frente (com as mãos: transportando, quicando, rolando; com os pés: chutando, passando o pé por cima da bola).

2º ano Jogos de perseguição e de estafeta com condução de bola de frente, de costas, lateralmente, com obstáculos (com as mãos: transportando, quicando, rolando; com os pés: chutando, passando o pé por cima da bola).

3º ano Jogos de arremesso e chute ao alvo (alvos variados, que aumentam progressivamente em dificuldade).Bola queimada (variações: rei ou rainha, duplas, queimando das laterais, em três campos, em círculo).

4º ano Futsal (fundamentos, regras básicas e adaptações para crianças).

5º ano Minibasquete e mini-handebol (convencionais e/ou adaptados), rugby.

6º ano Basquetebol, futebol, futsal, handebol e rugby: conceitos e introdução à prática (regras básicas, fundamentos técnicos básicos, opções para a prática em conjunto de meninos e meninas).

(continua)

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Tema: jogos e esportesConteúdos: jogos pré-desportivos e esportes de invasão

7º ano Futebol, futsal, basquetebol: aprimoramento de fundamentos técnicos, sistemas defensivos e ofensivos.

8º ano Handebol e rugby: aprimoramento de fundamentos técnicos, sistemas defensivos e ofensivos.Ética nos esportes coletivos de invasão: foco no fair play.

9º ano Esportes inventados ou adaptados dos esportes de invasão tradicionais (corfebol, street-ball, beach-handebol, beach-soccer, polo aquático, futebol 7, rugby seven).

Ensino médio 1º série Aspectos técnicos e táticos (aprofundamento).Aspectos políticos e socioeconômicos do esporte.

2º série Esportes adaptados, papel social e vivências: goal ball, futebol para cegos, basquetebol e handebol para cadeirantes.A prática da atividade física e/ou esportiva como lazer ativo em todas as idades.

3º série A prática de esportes coletivos de invasão: benefícios à saúde, sistemas energéticos envolvidos.Planejamento e desenvolvimento de festivais intra e interturmas de modalidades trabalhadas em aula.

Fonte: Adaptado de Oliveira, 2004, p. 25-55.

O exemplo de evolução do Núcleo 2 trata dos esportes coletivos,

tema que, embora seja reconhecidamente o mais enfocado na

EFE, por vezes carece de organização mais adequada. A falta de

planejamento acarreta o improviso, causando a condenável prá-

tica de “dar a bola”, descaracterizando o papel do professor, que

acaba por não intervir na atividade (Darido; Souza Júnior, 2008).

(Quadro 11.4 – conclusão)

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A escolha dos jogos pré-desportivos e dos esportes coletivos

de invasão acontece diante da dificuldade que os professores

apresentam em sair da “zona de conforto” do esporte, que Kunz

(1998, p. 127) chama de “síndrome de rotinas esportivas”, cen-

trada no ensino de regras e fundamentos – quando acontece –,

sem a preocupação de adoção de metodologias participantes e

de oferecimento de alternativas de ampliação de conhecimentos

e vivências. Sem contar que não é raro observar professores que

ensinam apenas as modalidades com as quais se identificam.

Apresentamos, pois, uma possibilidade de trabalho com os jo-

gos e os esportes e suas múltiplas variações. Iniciamos, nas pri-

meiras séries, com os jogos (principalmente os de perseguição),

passando aos desafios de condução de bola e outros materiais, os

pré-desportivos, os esportes no seu formato institucionalizado –

que precisam ser tratados na disciplina – e suas “reinvenções”,

algumas já transformadas em esportes.

Assim como no exemplo do Núcleo 2, que trata dos esportes

coletivos, há relação dos conteúdos desse núcleo com os demais,

especialmente com o Núcleo 1 (o movimento em construção e

estruturação), por meio dos jogos, bastante trabalhados na edu-

cação infantil e nos primeiros anos do ensino fundamental, e com

Núcleo 4 (o movimento e a saúde), por meio do aprofundamento

nas questões do controle das respostas fisiológicas dos exercícios.

Os exemplos do Núcleo 3 estão demonstrados no Quadro 11.5,

a seguir.

Quadro 11.5 – Núcleo 3: O movimento em expressão e ritmo

Tema: dançaConteúdos: danças folclóricas, danças individuais e danças de salão

Educação infantil

Ed. infantil I • Noção básica do que é dança.• Variação de ritmos musicais.

Ed. infantil II

• Danças imitativas: imitação de animais e situações do cotidiano.

• Criação de movimentos e coreografias.

(continua)

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258

Tema: dançaConteúdos: danças folclóricas, danças individuais e danças de salão

Ensino fundamental

1º ano • Danças folclóricas da região Nordeste.• Criação de movimentos e coreografias.

2º ano • Danças folclóricas da região Sul.• Criação de movimentos e coreografias.

3º ano • Danças folclóricas da região Norte.• Criação de movimentos e coreografias.

4º ano • Danças folclóricas da região Sudeste.• Criação de movimentos e coreografias.

5º ano • Danças folclóricas da região Centro-Oeste.

• Criação de movimentos e coreografias.

6º ano • Danças individuais: funk.• Criação de movimentos e coreografias.

7º ano • Danças individuais: axé.• Criação de movimentos e coreografias.

8º ano • Danças individuais: street dance, hip-hop e rap.

• Criação de movimentos e coreografias.

9º ano • Danças individuais: country, samba no pé.

• Criação de movimentos e coreografias.

Ensino médio 1º série • Danças de salão: forró e samba.• Criação de movimentos e coreografias.

2º série • Danças de salão: xote e vanerão.• Criação de movimentos e coreografias.

3º série • Danças de salão: bolero, tango.• Criação de movimentos e coreografias.

Fonte: Adaptado de Oliveira, 2004, p. 25-55.

O Núcleo 3 apresenta um grande leque de atividades possíveis de

serem trabalhadas em aula, mas parece ser o que maior dificul-

dade apresenta aos professores da área. Em pesquisa realizada

com professores experientes do ensino fundamental, rosário

e Darido (2005) verificaram que poucos professores incluem as

atividades rítmicas e a dança em seus planejamentos, em razão

da falta de domínio do conteúdo, de condições de segurança, de

(Quadro 11.5 – conclusão)

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259

adesão e também da forte resistência por parte dos alunos, es-

pecialmente dos meninos.

Nesse caso, o que se apresenta ao professor é um grande desafio,

especialmente na introdução dos conteúdos desse núcleo em tur-

mas sem vivências anteriores. Contudo, o estudo de Kravchychyn,

Oliveira e Cardoso (2008) relata uma experiência positiva com

alunos do ensino médio, especialmente com relação ao conteúdo

danças de salão.

ressaltando a importância das temáticas relativas ao Núcleo 3,

Oliveira (2004, p. 29, grifo do original) observa:

O corpo e suas possibilidades motoras é tema muitas vezes es-

quecido em sua beleza e condição expressiva. realçar esta faceta

de fundamental importância na estruturação biopsicológica de

nossos alunos é função desse núcleo. A escola é um dos poucos

espaços sociais onde as habilidades artístico-motoras podem ser

vivenciadas, exploradas e, assim, contribuir para a formação de

um sujeito que consiga perceber e entender um pouco melhor a

arte, o seu próprio corpo e suas possibilidades.

Para a introdução dos conteúdos de atividades rítmicas e dança,

Mattos e Neira (2008) sugerem que o professor inicie pelo resgate

do que seus alunos conhecem e por um levantamento dos estilos

de música que ouvem e dançam, partindo para a inserção de pe-

quenos momentos das aulas, desenvolvendo atividades ritmadas,

para depois elaborar aulas em que o conteúdo principal seja a

movimentação com ritmo.

Já o trabalho com os conteúdos desde os anos iniciais (sugerido

como exemplo no Núcleo 3) pode contribuir, em médio e longo

prazos, para a quebra desse paradigma.

O tema ritmo está associado ao nosso dia a dia, bem como às

modalidades esportivas, aos jogos, às lutas e a muitas outras ativi-

dades da cultura corporal do movimento presentes nos Núcleos 1

e 2. Vale frisar que a dança, por suas claras características de

socialização, constitui-se no principal ou único tipo de exercício

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físico praticado por muitas pessoas, fator que a identifica à questão

da promoção da saúde, tratada no Núcleo 4.

Os exemplos do Núcleo 4 estão demonstrados no Quadro 11.6,

a seguir.

Quadro 11.6 – Núcleo 4: O movimento e a saúde

Tema: socorros urgentes e prevenção de lesõesConteúdos: cortes, hemorragias, picadas, traumas, episódios mal súbito, lesões

Educação infantil

Ed. infantil I Pequenos cortes e escoriações.

Ed. infantil II Picadas de insetos.

Ensino fundamental

1º ano Hemorragia nasal.

2º ano Hematomas em geral.

3º ano Tonturas e desmaios.Batidas na cabeça e na barriga.

4º ano Câimbras e torcicolos.Fraturas, entorses e luxações: como evitar, socorrer e tratar.

5º ano Choque elétrico: como evitar (pipas, fios caídos e descascados etc.).

6º ano Queimaduras (1º, 2º e 3º graus).

7º ano Tratamento de lesões em geral: utilizar calor ou frio?

8º ano Uso de calçados e roupas adequadas a cada esporte e exercício físico.

9º ano Cuidados com a temperatura corporal e o equilíbrio hídrico.

Ensino médio

1º série Coma alcoólico e consumo excessivo de álcool.

2º série Episódios de mal súbito: insolação, internação (exposição ao calor) e choques por causas diversas.

3º série Episódios de mal súbito (convulsões e desmaios): hipo e hipertensão arterial, hipo e hiperglicemia.Episódios de mal súbito(infarto e AVC): como identificar e socorrer.

Fonte: Adaptado de Oliveira, 2004, p. 25-55.

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261

Oliveira (2004) atribui uma grande importância aos conteúdos

relativos ao mundo motor e suas possibilidades ligadas à promo-

ção da saúde por meio do exercício físico regular. Dessa forma, o

Núcleo 4 apresenta os temas relativos à saúde, ganhando espaço

no currículo da EFE ao longo das séries, de forma que, no ensino

médio, os conhecimentos sobre a saúde associados ao movimento

humano já devam estar assimilados pelos alunos e fazendo parte

do seu dia a dia.

No entanto, o comprometimento da saúde das crianças e dos

adolescentes pela inatividade física é uma preocupação contem-

porânea. Ocasionadas especialmente pela inatividade física e pela

nutrição inadequada, as doenças crônico-degenerativas vêm se

manifestando cada vez mais precocemente.

ramos e Ferreira (2000) nos lembram que os PCN (Brasil, 1997)

fundamentam a concepção de saúde no exercício da cidadania,

ressaltando a necessidade de capacitar os sujeitos a se apropria-

rem de conceitos, fatos, princípios, a tomarem decisões, agirem

e gerarem atitudes saudáveis na realidade na qual se inserem.

Para Mattos e Neira (2008), o público jovem encontra-se aberto a

discussões sobre alimentação, ingestão de produtos farmacológicos

e toda espécie de dietas. Os autores enfatizam a função da EFE

de constituir-se em um polo de discussões sobre a veracidade e a

aplicabilidade de pseudoconhecimentos e mitos sobre o exercício

físico, a saúde e a estética.

Especificamente sobre o tema socorros urgentes e prevenção

de lesões, escolhido para nossa exemplificação no Núcleo 4

(Quadro 11.6), a relação com os demais núcleos e a progressão

em dificuldade e complexidade ao longo das séries são fatores

bastante evidenciados. Na vida diária, os conhecimentos rela-

cionados a essa temática são de utilidade incontestável, fator

que aumenta a responsabilidade do professor da disciplina de

trabalhá-los adequadamente.

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262

Considerações finais

A intenção de realizar um exercício de organização curricular,

atribuindo graus crescentes de complexidade e dificuldade aos

conteúdos, foi suscitada em função da dificuldade histórica dos

professores do componente curricular EF em trabalhar dessa

forma, ao contrário do que acontece em outras disciplinas, que

já apresentam tal característica.

Procuramos trabalhar com exemplos, entendendo que a cons-

trução de um currículo deve levar em consideração as caracterís-

ticas de cada comunidade, mas que também deve ser composto

de forma responsável e reflexiva, elegendo-se temas e conteúdos

significativos aos alunos e que possam ser úteis para sua vida.

Embora não tenhamos tratado especificamente da temática

metodológica, vale frisar a importância da adoção de metodolo-

gias participantes, nas quais os alunos são levados à descoberta

de suas possibilidades de movimento sob orientação e constante

mediação do professor.

Vale, ainda, ressaltarmos as possibilidades de trabalho inter-

disciplinar com os conteúdos apresentados. O caminhar e o correr

estão diretamente relacionados à questão histórica, pois a sobre-

vivência do homem sempre teve ligação com sua capacidade de

locomoção: inicialmente, na busca pelo alimento e, atualmente,

no combate ao sedentarismo. Nesse sentido, na progressão do

conteúdo, aparece o controle dos aspectos fisiológicos e nutri-

cionais do caminhar e do correr, ligados aos estudos da Biologia.

Além disso, o movimento humano, seus ângulos e impactos es-

tão intimamente relacionados às questões tratadas na Física. Os

jogos e os esportes, além dos aspectos biológicos envolvidos na

prática, oferecem uma riqueza de elementos ligados à História,

mas vivemos uma época de retomada da ênfase nos valores éticos

e morais, conteúdos da Filosofia que encontram nos embates dos

esportes de invasão um rico campo para debates em sala de aula.

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263

As danças têm sua ligação natural com a disciplina de Artes, mas

as disciplinas de História e Geografia podem ser enriquecidas pelo

trabalho com as tradições e características regionais. Já as medidas

de prevenção e socorros estão bastante relacionadas à Biologia.

Por fim, entendemos que a proposta de Oliveira (2004) pretende

contribuir para a legitimação e a consolidação do componente

curricular EFE, mas é uma semente que só encontrará um “solo

fértil” na intenção clara dos professores da área em fazer a dife-

rença na educação das crianças e jovens que cursam a disciplina.

Entendemos que essa diferença se faz principalmente pelo rom-

pimento com alguns paradigmas da área, que ainda a caracte-

rizam como “atividade”, uma “prática pela prática”. Esperamos,

pois, suscitar essa superação, servindo de apoio aos professores

de Educação Física em sua missão educativa, que tem no plane-

jamento um alicerce imprescindível.

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12Preparação profissional em Educação Física: reflexão sobre as diretrizes curriculares*Alfredo Cesar Antunes

A resolução CNE/CP nº 01/2002 (Brasil, 2002d) institui Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação

Básica, em nível superior, curso de licenciatura e de graduação

plena. O Parecer CNE/CP nº 09/2001 (Brasil, 2002b) expõe comen-

tários e posicionamentos do legislador sobre a referida resolução.

O primeiro ponto para a reflexão sobre a preparação profissional

em Educação Física (EF) está relacionado à superação da forma-

ção tradicional de professores, isto é, a que acontecia até aquele

momento. Os documentos apresentam a licenciatura com termi-

nalidade e integralidade próprias, alterando a tradição da EF como

formação generalista, principalmente por meio da habilitação em

* O presente texto tem por base parte da análise documental sobre as diretrizes curriculares realizada em minha tese de doutorado, denominada A dimensão prática na preparação profissional em Educação Física: concepção e organização acadêmica (Antunes, 2012).

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licenciatura. Mesmo havendo a oferta do bacharelado, a habilitação

em licenciatura prevalecia nos cursos de formação profissional,

visto que a ideia de profissional generalista é a que predominava.

O próprio Parecer CNE/CES nº 58/2004 (Brasil, 2004a) atesta que

a nova percepção de terminalidade e integralidade próprias em

relação ao bacharelado atingiu, substancialmente, a tradição da

formação do professor e do profissional de EF, pois demandou a

construção de currículos e projetos pedagógicos específicos para

a licenciatura que não se confundiriam com o bacharelado ou

com a antiga formação pautada no modelo 3 + 1*.

Essa mudança de modelo oferece a possibilidade e a necessidade

de repensar o ensino e a aprendizagem de conceitos e procedi-

mentos nos cursos de preparação profissional da área de acordo

com o campo de atuação profissional, ou seja, nos ambientes

escolar e extraescolar.

Portanto, segundo essa nova orientação, de terminalidade e

integralidade próprias da licenciatura em relação ao bacharelado,

são analisados os pontos importantes, a interação entre teoria e

prática e a compreensão da prática para o processo de preparação

profissional, como se destacam nos documentos citados.

É possível perceber que se sobressaem os seguintes pontos

no que se refere à relação entre teoria e prática no processo de

preparação profissional em EF: pesquisa e práticas investigativas;

princípio metodológico da ação-reflexão-ação; relação com diferen-

tes contextos; resolução de situações-problema; e conhecimento

advindo da experiência.

* Com a possibilidade da formação do bacharel, exposta na resolução CFE nº 03/1987 (anterior às atuais diretrizes de formação profissional em EF), surgiu a possibilidade da formação 3 + 1, ou seja, a conclusão do curso de licenciatura concomitantemente com o de bacharelado. Esse modelo tolerava a aquisição das duas habilitações com o mesmo tempo de integralização (4 anos). O Parecer CNE/CES nº 58/2004 alerta que, com a terminalidade e a integralidade da licenciatura em relação ao bacharelado (apresentado nas novas diretrizes curriculares para a formação de professores – resolução CNE/CP nº 01/2002), esse modelo fica impraticável, conferindo identidade própria para a licenciatura.

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269

O Parecer CNE/CP nº 09/2001 (Brasil, 2002b) destaca o preparo

inadequado dos professores e a manutenção do formato tradicio-

nal no processo de formação; não era contemplado, entre outros

elementos, o desenvolvimento de práticas investigativas e de

projetos para rever conteúdos curriculares.

Portanto, quando aponta a construção das diretrizes, o art. 2º

enfatiza a importância das práticas investigativas. O art. 6º re-

força essa orientação, ao apontar a atualização como competência

e a pesquisa como aprimoramento da prática profissional. No

comentário do parecer, relativo ao art. 7º, essa ideia também é

apresentada quando o parecerista orienta quanto à necessidade

de prever atividades coletivas, estudos e investigações para a

organização institucional e a formação.

Com relação à pesquisa no processo de preparação profissional,

Souza Neto, Alegre e Costa (2006) propõem que as 400 horas de

estágio curricular supervisionado sejam organizadas em três

disciplinas: Práticas de Ensino (específicas), Práticas de Ensino

Integradas (iniciantes e concluintes) e Pesquisa em Ensino. Esta

última aborda as práticas escolares sob o ponto de vista da pes-

quisa, correspondendo às atividades de campo e à sua inserção

no trabalho de conclusão de curso.

O Parecer CNE/CP nº 09/2001 (Brasil, 2002b) assinala um pro-

cesso de reflexão sobre concepções e práticas na construção das

diretrizes. A reflexão é o ponto central para a superação da visão

tradicional da prática no processo de preparação profissional em

EF. Dessa forma, para que exista evolução nesse processo, é indis-

pensável que as instituições de ensino superior (IESs) reavaliem

a forma como as práticas foram tratadas até este momento.

São ressaltados, no parecer, outros dois pontos que igualmente

se tornam fundamentais para o processo de ação-reflexão-ação:

enfatizar a resolução de situações-problema e valorizar o conhe-

cimento advindo da experiência (art. 6º e comentários).

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Carreiro da Costa et al. (citados por Nascimento, 2006, p. 64)

apontam

como prioridade na formação inicial a necessidade de uma

discussão crítica sobre a experiência escolar anterior e as condi-

ções futuras dos locais de trabalho. Os autores são unânimes em

destacar a importância de a formação inicial lidar, tanto com “as

seguranças do passado” quanto com “as inseguranças do presente”

e “as incertezas do futuro”.

No caso específico da EF, é fundamental a superação de um currículo

que trata de forma estanque as disciplinas teóricas e práticas, como

se essas dimensões não fizessem parte do mesmo fenômeno. Essa

compreensão está relacionada com os currículos “técnico-científico

e tradicional – esportivo” (Betti; Betti, 1996, p. 10-11).

A superação dessa dicotomia também vai ao encontro da visão

de reflexão apresentada por Merleau-Ponty, ou seja, para ser com-

pleta, deve estar diretamente ligada à existência, ao real.

A própria reflexão sobre uma doutrina só será total se ela conse-

guir fazer sua junção com a história da doutrina e com as expli-

cações externas, e se conseguir recolocar as causas e o sentido

da doutrina em uma estrutura de existência […] Porque estamos

no mundo, estamos condenados ao sentido, e não podemos fa-

zer nada nem dizer nada que não adquira um nome na história.

(Merleau-Ponty, 1999, p. 17-18)

A compreensão do mundo é a realização de uma verdade, não

com base em uma razão preexistente ou uma verdade prévia,

mas na conexão das experiências. A afirmação da racionalidade

sustenta-se nos conhecimentos e na comunicação com o mundo

(Merleau-Ponty, 1999, p. 19).

Essa compreensão do mundo baseada na experiência deve estar

presente nos cursos de preparação de profissionais em EF, para que

a ideia de “reflexão entre concepções e práticas”, como exprime

o Parecer CNE/CP nº 09/2001 (Brasil, 2002b), realmente se efetive.

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Nascimento (2006, p. 69-70), ao apresentar o conceito de alter-

nância na formação inicial, explica que “esta deve ser visualizada

como uma tentativa de conjugar duas experiências distintas, ou

seja, a experiência de formação e a experiência de trabalho”. E

completa:

Ao buscar o estabelecimento de um casamento entre dois con-

textos, a alternância se utiliza de diferentes práticas que visam

familiarizar os estudantes com os meios profissionais, propor-

cionar alternativas à formação universitária e que buscam fazer

do exercício de uma atividade profissional o lugar central dos

processos de aquisição e desenvolvimento de competências pro-

fissionais. (Nascimento, 2006, p. 70)

A constante ênfase e o forte destaque sobre o processo de interação

entre teoria e prática na resolução CNE/CP nº 01/2002 (Brasil, 2002d)

e no Parecer CNE/CP nº 09/2001 (Brasil, 2002b) são claramente

percebidos em diferentes momentos. Primeiro, conforme dis-

cutido anteriormente, e com base no princípio metodológico da

ação-reflexão-ação e do conhecimento advindo da experiência,

essa interação é reconhecida e defendida. No entanto, além des-

ses aspectos, o da relação com diferentes contextos também é

apresentado como fundamental e acaba fortalecendo a visão da

interação entre teoria e prática nos referidos documentos.

Na organização curricular, são ressaltados a diversidade e o

enriquecimento cultural (art. 2º e comentários) e, na organização

institucional, a interação com escolas, parcerias culturais e recur-

sos pedagógicos, além das investigações (art. 7º e comentários).

É possível observar que, nos princípios norteadores, são enfa-

tizados: a preocupação com as dinâmicas culturais; os contextos

escolares; a interação com o meio social; a coparticipação e a

construção do conhecimento (art. 3º e comentários). Na avaliação

dos cursos (art. 8º), é destacada a qualidade da vinculação com

escolas. É possível observar também que, na definição dos eixos

articuladores da matriz curricular, merecem um lugar distinto

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os diferentes âmbitos de conhecimento, as formas de ensino e

a interação com o ambiente educacional (art. 11 e comentários).

Todos esses aspectos apresentados reforçam a perspectiva da

interação entre teoria e prática percebida nos documentos. No

que concerne a esse respeito, a simetria invertida (comentários

ao art. 3º) é tomada como aspecto primordial. De acordo com o

Parecer CNE/CP nº 09/2001 (2002b), no processo de preparação

profissional, o professor aprende a profissão em lugar semelhante

àquele em que irá atuar, porém em uma situação invertida (si-

metria invertida).

Um problema apresentado pelo Parecer CNE/CP nº 09/2001

(Brasil, 2002b) é a ênfase na transposição didática dos conteúdos

sem ampliação e solidificação – esse fato caracteriza o pedago-

gismo. O referido parecer também apresenta o destaque quase

exclusivo a conhecimentos que o estudante deve aprender, sem

analisar a importância e a relação com os conteúdos que ele deverá

ensinar no ambiente educacional, o que caracteriza o conteudismo.

Assim, é exposta nos documentos a necessidade da relação entre

conhecimento do objeto de ensino e expressão escolar, ou seja,

entre o currículo da graduação e o que deve ser ensinado no ensino

fundamental e médio. Novamente, fica evidente a ênfase sobre

o contexto de atuação no processo de preparação profissional.

De acordo com o Parecer CNE/CP nº 09/2001 (2002b), no processo

de preparação profissional, numa situação invertida (simetria

invertida), deve haver coerência entre os conhecimentos e as

habilidades adquiridos no processo de formação e o que do pro-

fessor se espera como profissional. Assim, “a experiência como

aluno, não apenas no curso de formação docente, mas ao longo de

toda a sua trajetória escolar, é constitutiva do papel que exercerá

futuramente como docente” (Brasil, 2002b, p. 24).

O conceito de simetria invertida possibilita outra perspectiva

para o próprio conceito de prática no processo de preparação

profissional, pois a concepção de prática como uma atividade

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extenuante na qual “os alunos são retirados das salas de aula

para se esforçarem, gastar energia e se aquietarem no retorno

[…] que foi, por muito tempo, e por que não dizer, ainda é, por

muitos trabalhada e entendida […]” (Oliveira, 2006, p. 18) passa

por uma transformação radical. Assim, Oliveira (2006) chama a

atenção para a possibilidade de atendimento da simetria invertida

defendida no Parecer CNE/CP nº 09/2001. “A compreensão desse

fato evidencia a necessidade de que o futuro professor experien-

cie, como aluno, durante todo o processo de formação, atitudes,

modelos didáticos, capacidades e modos de organização que se

pretende venham a ser concretizados nas suas práticas pedagó-

gicas” (Brasil, 2002b, p. 24).

O art. 12 da resolução CNE/CP nº 01/2002 (Brasil, 2002d) apre-

senta uma concepção de prática que não deve ser reduzida a um

espaço isolado ou ao campo de estágio. O objetivo é superar a visão

tradicional da preparação de professores, na qual a prática era

deslocada apenas para o fim do curso. Essa nova visão permite às

IESs remodelar e transformar a prática no principal instrumento

de aquisição de conhecimentos e competência profissional no

processo de preparação profissional.

Um ponto fundamental dessa perspectiva é a determinação de

que todas as disciplinas do curso terão a dimensão prática, a qual

deve estar presente desde o início do curso. Nota-se, assim, que

o mencionado parecer faz uma crítica à concepção restrita de

prática cujos conhecimentos são divididos em dois polos isolados:

sala de aula e estágio. O primeiro abandona a prática, e o segundo,

a teoria, configurando-se a visão aplicacionista das teorias e a

visão ativista das práticas.

Ainda se destaca, no art. 13, que a dimensão prática deve trans-

cender o estágio e articular diferentes práticas (perspectiva inter-

disciplinar). Também é salientada a “prática como componente

curricular”. Esses conceitos são fundamentais, pois caracterizam

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uma nova possibilidade de interação entre teoria e prática no

processo de preparação profissional em EF.

Após explanar essas questões sobre a relação entre teoria e

prática, os referidos documentos ressaltam qual deve ser a con-

cepção de prática no processo de preparação de professores.

A nova distribuição das atividades curriculares, de acordo com

a resolução CNE/CES nº 02/2002 (Brasil, 2002a), prevê 400 horas

de práticas pedagógicas curriculares (práticas como componente

curricular) e 400 horas de estágio curricular supervisionado. De

acordo com Oliveira (2006), as práticas pedagógicas devem favo-

recer a aproximação do acadêmico do futuro lócus de intervenção

profissional desde o início do curso, enquanto os estágios, a partir

da segunda metade do curso, devem proporcionar a relação ade-

quada entre o processo formativo e o contexto escolar.

A fim de compreender ainda melhor a concepção de prática na

preparação profissional em EF, é importante realizar a análise

da resolução CNE/CES nº 07/2004 (Brasil, 2004b), que institui as

Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação

em EF, em nível superior de graduação plena, e do Parecer CNE/

CES nº 58/2004 (Brasil, 2004a), sobre as Diretrizes Curriculares

Nacionais para os cursos de graduação em EF.

A resolução CNE/CES nº 07/2004 (Brasil, 2004b), no art. 10, com-

plementa a análise sobre a questão da prática na preparação do

profissional de EF. Essa resolução decide que o aspecto da “prática

como componente curricular” será vivenciado em diferentes

contextos desde o início do curso, o que não indica que se refira

à aplicação de prática física somente, mas sim ao conhecimento

identificado nas práticas, sejam elas pedagógicas, sejam labora-

toriais e aplicativas ou outras formas com que sempre surgem

no contexto das profissões.

Por sua vez, o estágio profissional curricular representa um dos

aspectos da prática no processo de formação; ele será vivenciado

e intervirá em diferentes campos a partir da segunda metade do

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curso, sob a supervisão de profissional habilitado e qualificado.

No caso de núcleos temáticos de aprofundamento, “40% da carga

horária do estágio profissional curricular supervisionado deverão

ser cumpridas no campo de intervenção acadêmico-profissional

correlato” (Brasil, 2004a, p. 20).

A resolução CNE/CES nº 07/2004 (Brasil, 2004b), no art. 10, afirma

que a formação do graduado em EF deve assegurar a indissocia-

bilidade entre teoria e prática e propõe, como mecanismos para

atingir este objetivo, a “prática como componente curricular, o

estágio profissional/curricular supervisionado e as atividades

complementares” (Brasil, 2004b, p. 4).

A prática concebida como componente curricular deverá ser con-

templada e explicitada no projeto pedagógico, podendo ser viven-

ciada em diferentes contextos de aplicação acadêmico-profissional

desde o início do curso. Sendo assim, ela poderá estar inserida e

explicitada no contexto programático das diferentes unidades de

conhecimento constitutivas da organização curricular do curso, ou

poderá ser viabilizada sob a forma de oficinas, laboratórios, entre

outros tipos de organização que permitam aos (às) graduandos(as)

vivenciarem o nexo entre as dimensões conceituais e a aplicabi-

lidade do conhecimento. (Brasil, 2004b, p. 13)

Souza Neto, Alegre e Costa (2006) avançam com uma proposta que

se refere à articulação entre a estrutura horizontal (disciplinas de

cada ano do curso), essa vertical (articulação entre os diferentes

anos) e a transversal; essa articulação é evidentemente integradora,

apta a inserir as práticas como componente curricular (PCC). Para

os autores, essa prática deve se direcionar para os procedimentos

de observação e reflexão, registro de observações realizadas e

resoluções de situações-problema. Eles também propõem a orga-

nização sob a forma de projetos integradores, como seminários

de integração, vivências práticas ou oficinas experimentais.

A relação entre teoria e prática, no processo de prepara-

ção profissional, está vinculada diretamente ao processo de

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ensino-aprendizagem, ou seja, ela consta como forma que sem-

pre dinamiza a ação do profissional de EF quando ele transmite

os seus conhecimentos aos alunos, tanto no ambiente escolar

quanto fora dele.

Fica explícito no Parecer CNE/CES nº 58/2004 (Brasil, 2004a) que

é “imprescindível que haja coerência entre a formação oferecida,

as exigências práticas esperadas do futuro profissional e as ne-

cessidades de formação”.

Anteriormente, na preparação profissional na área da EF, em

virtude da falta de definições mais claras e objetivas da legislação,

os estágios curriculares eram desenvolvidos em conjunto com a

disciplina Prática de Ensino, o que acabava ocasionando certas

distorções no processo. Contudo, a nova legislação estabeleceu

a separação entre os estágios curriculares supervisionados e o

conhecimento, e o estágio passou a ser identificado como práticas

no âmbito do componente curricular.

Assim, vem sendo considerado como de fundamental impor-

tância conseguir entender que, de acordo com as atuais diretrizes

estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) para os

cursos de graduação em EF, seja no bacharelado, seja na licen-

ciatura, o estágio passa a existir em recíproca interação com a

prática de ensino (PCC).

É essencial compreender o que aqui se considera: as práticas de

ensino têm relação íntima e necessária com os estágios e ambos

os elementos são fundamentais no processo de preparação para

a fase de formação profissional, ou seja, é fundamental o papel

que as práticas desempenham como componente curricular (PCC),

pois preparam o acadêmico para um envolvimento profundo, tanto

nas práticas aplicadas quanto nos momentos de participação no

aprendizado, nas horas de realizar o seu estágio supervisionado.

Tendo como objetivo, junto com a prática, como componente cur-

ricular, a relação teoria e prática social tal como expressa o Art. 1º,

§ 2º da LDB, bem como o Art. 3º, XI e tal como expressa sob o

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conceito de prática no Parecer CNE/CP 9/2001, o estágio curricular

supervisionado é o momento de efetivar, sob a supervisão de um

profissional experiente, um processo de ensino-aprendizagem que,

tornar-se-á concreto e autônomo quando da profissionalização

deste estagiário. (Brasil, 2002c, p. 7, grifo do original)

Segundo Tojal (1995, citado por Antunes, 2007, p. 144),

O papel da Instituição de Ensino Superior (IES) não é só o de formar,

ou o de preparar pessoal qualificado para o mercado de trabalho;

ela também deve pelas suas possibilidades extensionistas e de

pesquisa, antecipar soluções. Portanto, a organização do currículo

não é feita apenas do momento da análise do vivido, mas das

diferentes possibilidades para um tempo futuro.

Entretanto, o que se tem constatado, no processo da preparação

profissional existente, bem pode representar o entendimento

que perpassa os cursos de graduação na área. ressurge com

frequência uma questão importante, que sempre merecerá ser

debatida: O que se entende por prática no atual processo de en-

sino e aprendizagem profissional em EF? A resposta, seja qual for,

ainda exigirá novas análises.

O Ministério da Educação, por meio do Conselho Nacional de

Educação, procurou, com base no Parecer CNE/CP nº 28/2001

(Brasil, 2002c), dar o sentido com que deve a prática ser efetivada

nos cursos, definindo que:

A prática não é uma cópia da teoria e nem esta é um reflexo daquela.

A prática é o próprio modo como as coisas vão sendo feitas, cujo

conteúdo é atravessado por uma teoria. Assim a realidade é um

movimento constituído pela prática e pela teoria como momentos

de um dever mais amplo, consistindo a prática no momento pelo

qual se busca fazer algo, produzir alguma coisa e que a teoria

procura conceituar, significar e com isto administrar o campo e

o sentido desta atuação. (Brasil, 2002c, p. 6)

Esse mesmo parecer também define que, como componente cur-

ricular, a prática produz algo de transformação e preparação do

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futuro profissional no âmbito do ensino e deve estar em articulação

intrínseca com o estágio supervisionado e com as atividades de

trabalho acadêmico.

Essa perspectiva investigativa é explicitada no art. 7º (e co-

mentários); trata-se da formação ampliada e específica, quando

se faz a abordagem do diálogo e do debate com o conhecimento

científico e específico da área e se busca, com renovado empenho,

uma formação inquiridora e crítica. Além disso, o art. 4º do parecer

(e comentários) também lembra o rigor científico para conformar

o perfil do graduado.

É indicado que as questões de pesquisa a serem investigadas

se originem da adequada relação do acadêmico com o ambiente

real de trabalho, visando proporcionar a ele contatos e envolvi-

mento com esse universo operacional desde os primeiros anos

de sua formação.

Compete ao pesquisador sair do laboratório e buscar os pro-

blemas da realidade prática, e cabe ao profissional a busca da

produção e da utilização do conhecimento científico/acadêmico

em sua prática profissional (Barros, 2006).

É oportuno, neste momento, destacarmos a busca da competên-

cia como concepção nuclear do projeto pedagógico e também da

valorização da experiência; situações de intervenção equilibrada

com posicionamentos reflexivos permitirão a concretização dessa

competência – art. 6º e comentários do Parecer CNE/CP nº 28/2001

(Brasil, 2002c).

Barros (2006, citado por Antunes, 2007, p. 146) apresenta a com-

petência profissional como a “capacidade de identificar, articular

intelectualmente e colocar em prática os conhecimentos, valores,

técnicas e habilidades necessárias ao desempenho eficiente e eficaz

requerido no exercício profissional de Educação Física”.

Com referência à construção de competências na prepara-

ção profissional, uma afirmação de Lawson (1984, citado por

Antunes, 2007, p. 146), de certa forma, foi um alerta para essa

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busca. O autor já havia orientado que os programas dos cursos de

EF, em sentido amplo, “não devem ser planejados exclusivamente

para acompanhar os conhecimentos da prática atual, mas deviam

preparar […] [os profissionais] para as mudanças futuras”. Para

Feitosa e Nascimento (2006), precisa ficar claro que a competência

profissional requer conhecimentos conceituais, procedimentais

e contextuais, tudo isso historizado em aquisições de saberes,

“saber fazer”, “saber ser” e “saber tornar-se”.

Perrenoud (2002, p. 19) explica o papel da formação inicial para

o desenvolvimento da competência:

Atualmente, define-se competência como a aptidão para enfrentar

uma família de situações análogas, mobilizando de uma forma

correta, rápida, pertinente e criativa, múltiplos recursos cogni-

tivos: saberes, capacidades, microcompetências, informações,

valores, atitudes, esquemas de percepção, de avaliação e raciocínio

[...] todos esses recursos não provêm da formação inicial e nem

mesmo da contínua. Alguns deles são construídos ao longo da

prática – “os saberes de experiência”. [...] Entretanto, a formação

inicial deve desenvolver os recursos básicos, bem como treinar

as pessoas para que possam utilizá-los.

Parece que já é lugar comum falar da relação entre teoria e prática

na EF e defendê-la, principalmente no processo de preparação

profissional; no entanto, não é comum, e nem seria consenso,

dobrar-se sobre o significado e as implicações desses conceitos.

Como já foi abordado, a concepção sobre tais conceitos é funda-

mental para entender, planejar, implementar e avaliar o processo

de preparação profissional.

Assim, fica entendido que “a realidade acadêmica dos cursos de

Educação Física deve ser marcada por novas propostas no sentido

de aperfeiçoar a formação profissional” (Antunes, 2007, p. 146).

O curso buscará contemplar, em sua especificidade e com o má-

ximo de qualidade, a amplitude dos objetivos que organizam a

associação entre a teoria e a prática para a capacitação profissional.

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Por força da realização dos objetivos, o profissional, na sua ati-

vidade futura, entenderá cada vez mais e melhor a inter-relação

entre ambas e conseguirá afastar qualquer dicotomia.

A prática, associada com o conhecimento teórico, é fundamental

para a atuação profissional. O profissional de EF prossegue cons-

truindo seu próprio conhecimento, denominado conhecimento de

trabalho ou operacional. Essa construção é silenciosa; o profissional

aprende com outros colegas, aprende na dinâmica ensaio-erro e,

na sequência das atividades, adapta seu proceder de acordo com

o contexto e reutiliza/refaz os conhecimentos aprendidos na sua

formação acadêmica. Vemos em Antunes (2007):

O profissional reflete antes, durante e após a ação de ensinar.

Elabora o seu próprio conhecimento ao incorporar e transcender

o conhecimento técnico-científico. A aprendizagem deverá ser

orientada pelo princípio metodológico da ação-reflexão-ação, con-

siderando a resolução de situações-problema como uma das estra-

tégias didáticas privilegiadas para a construção do conhecimento.

Assim, as experiências práticas adquirem novos sentidos quando

associadas aos conhecimentos e conteúdos técnicos, científicos e

didático-pedagógicos (Betti, 1996, citado por Antunes, 2007, p. 147).

[…]

Além do próprio ensino, a preocupação também deve estar na

aprendizagem, ou seja, desenvolvimento de suas capacidades

intelectuais, habilidades humanas e profissionais, atitudes e va-

lores integrantes à vida profissional. O professor terá um papel de

mediador ou orientador do processo de aprendizagem do futuro

profissional. (Antunes, 2007, p. 147)

Tojal (1995, p. 57-58) advoga que:

O Profissional de Educação Física deve ser capaz de identificar que,

pela transcendência ou superação, o homem torna-se sujeito e não

objeto da história e, portanto, as relações a serem resgatadas pelo

Profissional devem privilegiar, no biológico, a atenção, a estrutura,

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o funcionamento e as possibilidades do corpo do indivíduo; no

social, a dinâmica da sociedade, a condição de estrutura e herança

cultural e o sistema de valorização da sociedade, no sentido da

eficácia individual; na natureza, as diferentes possibilidades de

criação e adaptação a determinada cultura em relação ao meio

e ao clima, enfim, esse profissional deverá conhecer todas as

possibilidades de desenvolvimento do homem, suas condições

física e emocional, principalmente diante de condições e situações

diferentes e inusitadas.

Observando-se a prática sob esse foco e entendimento, a sua

presença será considerada indispensável na preparação do futuro

profissional de EF. A profissionalização será totalmente voltada

para o exercício profissional aplicado, não apenas para cumprir

uma determinação legal no que se refere à carga horária, mas

porque se trata do preparo do futuro profissional, de um conhe-

cimento fundamental para possibilitar a interação crítica do

acadêmico com a realidade do seu presente e a futura interação

com situações vindouras similares às atuais. No futuro campo de

atuação, sem agora fazer antecipações, terá os conteúdos, teóricos

e práticos, como meios e suportes para a constituição dinâmica

de “habilidades e competências, isto é, levando-se em conta a

indissociabilidade teoria-prática como um elemento fundamental

para orientação do trabalho” (Antunes, 2007, p. 145).

Enfim, para todos que se envolvem com o processo de prepara-

ção profissional em EF, é evidente a necessidade de desenvolver

um ambiente de corresponsabilidade entre docente e graduando,

o que exige deste uma atitude mais ativa no seu processo de

profissionalização.

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13O currículo cultural da Educação Física: contexto, fundamentos e ação*Marcos Garcia Neira

O terceiro milênio encontrou o mundo convertido em um cenário

de expressões plurais, no qual complexas realidades multiculturais

se inserem e entrecruzam em uma ampla diversidade de tradi-

ções políticas, étnicas, sociais, religiosas e de gênero. Na Europa,

como decorrência da herança de uma sociedade pós-colonial, já

se visualizam múltiplas etnias alusivas às ondas migratórias das

últimas décadas. Nos países da América do Norte, algo semelhante

ocorre em função dos movimentos migratórios e da constituição

heterogênea do seu povo, enquanto na América Latina a explica-

ção para essa pluralidade é a sua histórica constituição cultural

e socialmente diversificada. Assim, a problemática da diversidade

cultural e do multiculturalismo constitui um dos grandes temas

abertos ao debate na atualidade.

* Este texto é produto da pesquisa “Possíveis influências do currículo da Educação Física na construção de identidades: um estudo das representações dos sujeitos acerca das manifestações corporais e dos seus praticantes”, realizada com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo nº 401255/2010-7. Alguns trechos deste artigo foram extraídos e adaptados também de Neira (2011).

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Novos movimentos sociais surgidos a partir da década de 1970

e várias políticas atuais se sustentam no paradigma da diferença

e do desenvolvimento de políticas de identidade, refletindo, nos

últimos anos, no incentivo à igualdade de oportunidades ou

ações afirmativas para minorias, mulheres, migrantes, idosos,

crianças e afrodescendentes. Os marcos referenciais da diversi-

dade cultural baseados na construção de diferentes identidades

coletivas, às vezes contestadas, converteram-se em um dos eixos

das dinâmicas sociopolíticas do mundo na atualidade.

Os significados das diferenças culturais se constroem conforme

as circunstâncias políticas, sociais e culturais. Com impactos

desiguais, em função do marco da cultura política e civil, da

história e do reconhecimento de diferenças existentes em cada

sociedade, tais diferenças se constituiriam em função dos eixos de

Estado-nação, religião e etnia. Esse grupo pode ser expandido para

todos aqueles que em determinados espaços sociais compõem as

minorias e os grupos subjugados que se encontram desprovidos

de poder. Em todos os casos, as representações culturais que en-

volvem o outro incorporam essa dinâmica de construção da iden-

tidade por meio das chamadas inclusão e exclusão da comunidade

imaginária que sustenta a identidade assumida (Anderson, 1993).

A imagem do outro se consolida pela representação, mediante

múltiplos dispositivos simbólicos cujos registros não somente

enunciam, como também reafirmam as diferenças, embora al-

gumas colocações veiculadas pelo senso comum apresentem as

identidades como fruto da construção dos próprios grupos de

migrantes, mulheres, homossexuais, afrodescendentes etc.

A descolonização e os processos culturais que dela emergiram

questionam há décadas a primazia do modelo hegemônico ocidental

do homem branco, macho, europeu, heterossexual e cristão como

o sujeito único do pensamento político universal. Ao questionarem

a autoridade do pensamento masculino ocidental, os movimen-

tos sociais dos direitos civis, as feministas, os ambientalistas,

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os sem-terra, os sem-teto, o poder negro, a comunidade gay, os

movimentos de descolonização, além de outras forças sociais,

destacam a complexidade das relações hierárquicas de poder que

podem sustentar-se na suposta pluralidade das diferenças.

O desafio do século XXI é o pleno exercício dos direitos humanos

com a garantia do princípio da igualdade por meio do reconhe-

cimento da diversidade, ou seja, a equidade. Nessa perspectiva,

Souza Santos (1997) nos convida a refletir sobre o exercício dos

direitos humanos universais no mundo globalizado e a impli-

cação do conceito de cidadania em sociedades nas quais atuam

poderosos mecanismos excludentes, postos em ação por setores

crescentes, vitimando parcelas cada vez maiores de minorias

sem direito à cidadania.

O ponto a ser ressaltado, no presente momento, é o da visibili-

dade crescente de diferentes identidades em diversos contextos

que, até pouco tempo atrás, procuravam preservar-se da mistura.

O reconhecimento da diversidade existente e a atuação de forma

plural, pela constatação das diferenças de classe social, etnia,

idade, local de moradia, gênero, religião ou trajetória escolar,

permitem abordar a complexidade sociocultural da sociedade

atual. Ao se evitarem pressupostos universalistas da experiência

humana, abrem-se horizontes às identidades sociais e culturais

particulares. O embate com a falsa ideia de homogeneização ela-

borada pelo mercado facilita a identificação, em cada momento e

contexto concreto, das iniciativas de subjetividade coletiva que

surgem pelo reconhecimento de identidades específicas. Nesse

sentido, a eclosão de propostas que levam em conta a necessi-

dade de construção de sociedades mais plurais e democráticas,

“corrigindo injustiças” contra identidades específicas, tem gerado

modificações nas políticas educacionais.

A institucionalização do discurso do direito à educação esco-

lar e à igualdade de oportunidades de acesso à escola, ao lado

de outras políticas públicas, pretende responder positivamente

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ao multiculturalismo crescente. Muito embora a expansão do

atendimento à população seja um aspecto louvável, a progressão

geométrica do número de vagas representou tão somente a re-

produção do mesmo ensino para todos, indistintamente. Na ótica

de García Canclini (2009), esse processo é decorrente do utópico

projeto da modernidade ilustrada, obviamente não realizado, que

pretendia garantir que as manifestações julgadas mais valiosas

fossem conhecidas e compreendidas por todas as sociedades e

todos os setores.

A nova demanda social teve repercussão na população escolar,

fazendo avolumar-se a contradição já existente entre a cultura

historicamente privilegiada pelo currículo e as culturas dos alunos.

A situação ganhou maior visibilidade após o ingresso, na escola,

dos filhos dos grupos até então dela excluídos. É fácil constatar

que o aumento do número de alunos tem sido acompanhado de

um acréscimo da diversidade nas instituições escolares. Públicos

antes não escolarizados, de distintas origens sociais e culturais,

começam progressivamente a se constituir como uma parcela

importante do corpo discente. A ampliação da heterogeneidade

da população escolar desencadeou um problema curricular con-

cretizado no constante enfrentamento com o outro. “O outro é o

outro gênero, o outro é a cor diferente, o outro é a outra sexua-

lidade, o outro é a outra raça, o outro é a outra nacionalidade,

o outro é o corpo diferente” (Silva, 2000a, p. 97). Enfim, o outro,

agora, está ao lado.

Procurando minimizar o problema, ao menos em caráter ofi-

cial, a política curricular brasileira vem atentando às questões

da diversidade cultural. Para além da produção de documentos

norteadores, a legislação reivindicou alterações curriculares

significativas, tendo em vista o reconhecimento do patrimônio

cultural de grupos minoritários (Brasil, 2007), e um amplo conjunto

de iniciativas, nas esferas municipal, estadual ou federal, gradati-

vamente vem sendo posto em prática. O estopim dessas medidas

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pode ser atribuído ao confronto entre a realidade desajustada dos

currículos monoculturais das escolas e os efeitos do progressivo

multiculturalismo da sociedade. O desajuste – aliado aos ideais

democráticos que passaram a orientar as políticas educativas e

que assumiram o princípio da “escola para todos” – evidenciou a

necessidade de se analisar o currículo e nele intervir diante das

condições que oferece aos novos estudantes. De fato, quando a

educação escolar é considerada um bem público, justifica-se a

exigência de que todos sejam seus beneficiários – e, se não forem

todos, que se questione a razão de tal improcedência.

Caracterizando a situação do ponto de vista das práticas educati-

vas desejadas, podemos dizer que a ideologia democrática começou

a apontar para a necessidade de se desenvolverem situações peda-

gógicas que, em substituição à cultura do silêncio, fizessem ecoar

as vozes das minorias. Ao mesmo tempo, o princípio da igualdade

de oportunidades veiculado em termos não só de acesso à educação

escolar, mas também de sucesso, tornou evidente que já não basta

a matrícula escolar de crianças, jovens e adultos provenientes de

grupos sociais, culturais e econômicos diversos; é necessário in-

tervir de modo a democratizar as condições de sucesso.

Se aceitarmos que a escola, como instituição a serviço do bem

público (ou do bem do público), tem de se adequar ao princípio da

igualdade no acesso e na permanência dos alunos, isso significa

dizer que o projeto de manutenção das condições sociais que a

vêm caracterizando desde o seu surgimento, por meio da garantia

dos seus serviços a determinados grupos, precisa urgentemente

ser substituído. Diante da demanda, a escola parece pouco à von-

tade. O desconforto tem sido atribuído à tentativa de reproduzir

os objetivos e as práticas da época em que a escola se destinava a

poucos em uma escola que, embora seja considerada para todos,

ainda continua sendo para poucos.

Estudiosos do assunto suspeitam que, na maioria das vezes,

o discurso da igualdade é traduzido pela oferta de um só currículo,

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aquele em que predominam os significados culturais dos grupos

favorecidos. Pragmaticamente, essa é a visão que parece predomi-

nar. Se considerarmos que a experiência escolar privilegia a cultura

hegemônica, as pessoas oriundas dos setores economicamente

privilegiados da população encontram na escola as melhores

condições de sucesso. O acesso ao mesmo ensino faz com que os

estudantes de origem desprivilegiada saiam em desvantagem

ou pressionem por espaço para que seus conhecimentos sejam

reconhecidos como legítimos. Isso demonstra que a alentada

igualdade na escola está focada no sentido de uniformização,

e jamais em uma igualdade no sentido crítico.

Candau (2002) pondera que tratamento igual não significa

tratamento que uniformiza, desrespeita, padroniza e apaga as

diferenças. O que se deseja é uma igualdade pautada no diálogo

entre os diferentes, que explore a riqueza oriunda da pluralidade

de tradições e culturas. Enquanto a diversidade cultural for um

obstáculo para o êxito escolar, não haverá respeito às diferenças,

mas produção e reprodução das desigualdades.

Se o aumento da demanda não inspirou de imediato uma re-

configuração dos currículos com vistas a incluir as experiências

de vida dos novos alunos, nestes tempos em que os princípios

neoliberais instalaram-se também no interior da escola, é ilusó-

rio aguardar que o reconhecimento e a valorização das variadas

formas pelas quais os diferentes grupos manifestam sua cultura

sejam tranquilamente assumidos como princípios curriculares.

Há que se lutar: “Pode-se resistir a estas ideologias neoliberais a

partir da própria escola, ao estreitar sua colaboração com todos

os coletivos sociais que tentam frear o avanço do pensamento

único” (Torres Santomé, 2001, p. 77).

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293

13.1 Em defesa da democratização curricular

As tentativas de construir uma escola democrática têm como ponto

de partida a compreensão do contexto, das coisas do mundo e

do próprio currículo, transformados em objetos de estudo passí-

veis de leitura e interpretação, além da abertura para incluir os

conhecimentos produzidos pelos grupos minoritários. Não raro,

os trabalhos que se debruçam sobre o assunto apoiam-se na pro-

dução teórica dos Estudos Culturais e do multiculturalismo crítico.

Os Estudos Culturais são resultantes de uma movimentação

teórica e política que surge como um conjunto de análises que

revolucionaram a teoria cultural nos anos de 1950. O que está

em jogo é a noção de cultura. Para seus primeiros autores, inte-

lectuais oriundos das classes operárias britânicas que acessa-

ram a universidade, a oposição entre “cultura alta” e “cultura de

massa” não passa de um etnocentrismo cultural dominante que

descarta qualquer produção ou realização humana não submetida

à tradição letrada. Nessa visão, a tentativa do domínio de uma

concepção estética está ligada ao domínio político das relações

sociais. A produção cultural é uma forma de distinção social, e não

algo melhor, realizado por grupos que se autoafirmam superiores.

Para Hall (1997), um de seus mais proeminentes interlocutores,

os estudos da cultura reconhecem que as sociedades capitalistas

marcam divisões de classe, gênero, etnia, gerações e orientação

sexual, entre outras. Nos Estudos Culturais, a cultura é um terreno

no qual são estabelecidas as divisões, mas também é uma arena

em que elas podem ser contestadas. Como território de luta pela

significação, é na cultura que os grupos minoritários tentam re-

sistir aos interesses dos grupos dominantes. Consequentemente,

os textos culturais são compreendidos como produções sociais,

locais e práticas em que o significado é negociado, traduzido, fixado

e ressignificado. Ou seja, nos textos da cultura, as identidades

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e as diferenças são produzidas, representadas e marcadas. É na

cultura, na luta pela significação, que nasce a desigualdade social.

Os Estudos Culturais constituíram-se por diferentes vertentes

que, superando seu modelo inicial neomarxista e preocupado com

aspectos de hegemonia e ideologia, incorporaram outras ferra-

mentas de análise do social para operar em variadas esferas da

política cultural. Como resultado, extrapolaram sua condição de

produção teórica e transformaram-se em forma de intervenção

política que expõe os mecanismos de subordinação, controle e

exclusão que produzem efeitos indesejados no mundo social.

Nelson, Treichler e Grossberg (2008) definem Estudos Culturais

como um termo de conveniência para uma gama bastante dis-

persa de posições teóricas e políticas. Sendo profundamente

antidisciplinares, podemos dizer que, sinteticamente, partilham

o compromisso de examinar práticas culturais do ponto de vista

de seu envolvimento com e no interior de relações de poder, o que,

segundo os autores, exige um esforço no sentido de teorizar e

capturar as mútuas determinações e inter-relações das formas

culturais e das forças históricas.

Fundamentado nos Estudos Culturais, o currículo também pode

ser imaginado sob o modelo da textualidade. Como texto, o cur-

rículo envolve práticas, estruturas institucionais e as complexas

formas de atividade que estas requerem, condições legais e políti-

cas de existência, determinados fluxos de poder e conhecimento,

bem como uma organização semântica específica de múltiplos

aspectos. Simultaneamente, esse texto só existe em uma rede de

relações intertextuais (a rede textual da cultura escolar, da prá-

tica pedagógica etc.). Trata-se de uma entidade ontologicamente

mista e para a qual não pode haver nenhuma forma “correta” ou

privilegiada de leitura.

Os Estudos Culturais fornecem subsídios para afirmar o caráter

político do currículo. Incitam uma investigação mais rigorosa

que busque desvelar como se dão os processos de identificação/

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diferenciação travados no e pelo currículo. Para os Estudos

Culturais, revelar os mecanismos pelos quais se constroem de-

terminadas representações é o primeiro passo para reescrever os

processos discursivos e alcançar a formação de outras identidades

(Nelson; Treichler; Grossberg, 2008).

Em virtude de seu compromisso com o exame das práticas

culturais por meio de seu envolvimento com e no interior das

relações de poder, os Estudos Culturais contribuem para as aná-

lises do currículo. Sua recusa em desvinculá-lo da política do

poder reforça a ideia de que não se pode ignorar os fatores que

interferem na definição dos significados e das metas da educação.

Parafraseando Silva (2007), depois dos Estudos Culturais, não

podemos mais olhar para o currículo com a mesma inocência

de antes; nele, travam-se lutas por significação. Sendo texto e

discurso, o currículo forja identidades.

À semelhança do que ocorreu com os Estudos Culturais, o mul-

ticulturalismo também se originou no hemisfério norte. Após a

Segunda Guerra Mundial, os países ricos presenciaram um intenso

fluxo migratório proveniente das ex-colônias, como decorrência de

problemas sociais e econômicos gerados à época da sua exploração

pelas metrópoles. A nova configuração social forçou a convivência

com os diferentes, ampliando o contato entre culturas distintas.

Bhabha (1998) atribui o surgimento do multiculturalismo ao

embate de grupos no interior de sociedades cujos processos his-

tóricos foram marcados pela presença e pelo confronto de povos

culturalmente diferentes. Esses povos, submetidos a um tipo de

poder centralizado, tiveram de viver a contingência de, juntos,

construírem uma nação moderna. Sob os auspícios da homoge-

neização cultural do grupo dominante, os grupos subalterniza-

dos viram nos movimentos reivindicatórios uma alternativa de

manifestação de voz e de representatividade de fato.

Nos Estados Unidos, em especial, o multiculturalismo surgiu

como um movimento educacional de reivindicação dos grupos

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culturais subordinados contra o currículo universitário tradicional

e a política de segregação das escolas, que marcou os anos de 1960

com violentos conflitos étnicos. O currículo da escola americana

de então, compreendido como a cultura comum, dada a ausência

das vozes reprimidas, consistia, na verdade, na expressão do pri-

vilégio da cultura branca, europeia, heterossexual, masculina e

patriarcal, isto é, uma cultura bem particular. “Foi nesse contexto

que a força propositiva de grupos segregados, e de professores

e de estudantes que questionavam a estrutura social injusta e o

monopólio do saber por alguns, levou à formulação de políticas

multiculturais” (Gonçalves; Silva, 2003, p. 115).

Nas duas últimas décadas, o termo multiculturalismo passou a

constar em inúmeros documentos e discursos, padecendo diante

de constantes ressignificações. Hall (2003) sinaliza para os riscos de

sua utilização universal e adverte que tamanha expansão tornou-o

um significante oscilante. É o que leva Kincheloe e Steinberg (1999)

a dispararem que o multiculturalismo pode significar tudo e, ao

mesmo tempo, nada, pois pode abranger desde a luta dos diversos

grupos culturais em busca de reconhecimento social até a sensação

de apagamento das diferenças por conta de seu aspecto “multi”.

Silva (2001) postula que, tal como ocorre com a cultura contempo-

rânea, o multiculturalismo é fundamentalmente ambíguo.

Por um lado, é um movimento legítimo de reivindicação dos

grupos culturais subjugados, para terem suas formas culturais

reconhecidas e representadas no espaço público e, por outro, pode

ser visto como uma solução para os “problemas” trazidos para a

cultura dominante, pela presença de distintos grupos étnicos no

interior das nações que se consideravam monoculturais. De uma

forma ou de outra, o multiculturalismo não se separa das rela-

ções de poder que, antes de tudo, obrigaram diferentes culturas

a viverem no mesmo espaço ou tomarem contato por meio da

compressão espaço-tempo. Seja qual for seu sentido, o multicultu-

ralismo nutre o atual momento histórico com intensas mudanças

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e conflitos culturais e marca a presença da complexa diversidade

cultural decorrente das diferenças relativas à multiplicidade de

matizes que caracterizam os grupos que coabitam o cenário

contemporâneo. O multiculturalismo, em suma, pode ser visto

como uma política inescapável à sociedade multicultural de hoje.

Inversamente ao que ocorreu com os Estudos Culturais, Candau

(2008, p. 18) enfatiza que o multiculturalismo não é um produto

acadêmico. “São as lutas dos grupos sociais discriminados e

excluídos, dos movimentos sociais […], que constituem o locus

de produção do multiculturalismo”. Mediante uma concepção

descritiva, a autora afirma que a configuração de cada socie-

dade depende de seu contexto histórico, político e sociocultural.

A descrição tenciona reconhecer diferentes regiões, comunidades,

grupos, instituições, escolas, gerando elementos para análise e

compreensão da constituição de cada contexto específico. Por

outro lado, em uma concepção propositiva, o multiculturalismo

deixa de ser apenas a análise da realidade construída e passa

a ser visto como um modo de agir na dinâmica social.

Nas diversas classificações existentes do multiculturalismo, inde-

pendentemente dos adjetivos que o acompanhem, ficam evidentes

três projetos políticos de atuação: conservador, assimilacionista e

intercultural ou crítico. No primeiro, mediante uma forte conota-

ção segregacionista, reforça-se o reconhecimento das diferenças e

afirma-se a necessidade de uma identidade pura. Os diferentes gru-

pos devem manter sua matriz cultural e dispor de espaços próprios

para garantir sua liberdade de expressão e a continuidade de suas

tradições. Essa visão essencialista e estática de identidade cultural

privilegia a formação de grupos homogêneos, que se instalam nos

mais variados recantos sociais, de escolas a condomínios residen-

ciais, passando por agremiações, partidos políticos e empresas. Na

prática, consolida-se uma forma de segregação social, pois alguns

grupos têm poder para alocar os outros em espaços desfavoráveis,

reiterando posturas de preconceito e superioridade para com os

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afastados. Emergem daí o extremismo odioso e o fechamento de

fronteiras realizado por grupos fundamentalistas.

Para o projeto político assimilacionista, é clara a ideia de que

os grupos desprivilegiados nas relações sociais não dispõem da

mesma oportunidade de acesso a determinados bens e serviços

e, ainda, sofrem discriminações. Procurando escapar das prová-

veis consequências e promover uma convivência amistosa entre

os diferentes, a política de assimilação promove ações visando

incorporar todos à cultura hegemônica. As causas que geram

desigualdades e preconceitos permanecem intocadas, pois os

grupos dominantes continuam determinando o modo de ver as

coisas. Ou seja, combate-se a desigualdade com a homogeneização.

O multiculturalismo é também influenciado por um terceiro

projeto político, o intercultural ou crítico (Candau, 2008), ao qual

nos alinhamos. Nele, a cultura é concebida como espaço de con-

flito, de permanente construção e negociação de sentidos. A di-

ferença não fica isolada em sua matriz, tampouco se afirma uma

identidade homogênea baseada no princípio da universalidade.

O multiculturalismo crítico trata de um locus teórico e prático,

que busca compreender as razões da opressão, da construção das

desigualdades e diferenças e dos estereótipos. Apresenta o diálogo

e o hibridismo entre as culturas como formas de rompimento com

o projeto iluminista da educação moderna, em que o preconceito

e a discriminação cultural aparecem como condição inescapável

do mundo social (Moreira, 2001).

Para o multiculturalismo crítico, a sociedade é permeada por

intensos processos de hibridização cultural, o que supõe a não

existência de uma cultura pura, tampouco de uma cultura “melhor”,

que mereça assumir para si um caráter universal. As relações

culturais são construídas nas e pelas relações de poder, marcadas

por hierarquias e fronteiras em contextos históricos e sociais

específicos, gerando a diferença, a desigualdade e o preconceito.

O multiculturalismo crítico, corrobora Silva (2001), enfatiza os

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processos institucionais, econômicos e estruturais que estariam

na base de produção dos processos de discriminação e desigual-

dade baseados na diferença cultural.

Nessa vertente, o multiculturalismo faz lembrar que a igual-

dade não pode ser obtida simplesmente por meio do acesso ao

currículo hegemônico, conforme solicitam as reivindicações edu-

cacionais de cunho neoliberal. A obtenção da igualdade depende

de uma modificação substancial do currículo existente. Caso não

sejam encaminhadas situações didáticas que permitam refletir

sobre as formas pelas quais a diferença é produzida por relações

sociais assimétricas, dificilmente podem formar-se identidades

democráticas.

Se estamos em uma época “pós” e “multi”, como afirma a profes-

sora García Canclini (2009), o trabalho conceitual precisa aproveitar

diferentes contribuições teóricas, debatendo suas intersecções. O

encontro entre os Estudos Culturais e o multiculturalismo crítico

visa compreender a formação de identidades culturais híbridas,

contrapondo-se às visões “congeladas” a respeito de pessoas, gru-

pos e práticas culturais. Uma ação didática atenta às diferenças e

aos processos discriminatórios é um desafio a ser enfrentado por

professores e pesquisadores da área que acreditam na transfor-

mação da realidade social e escolar. Por meio da compreensão da

multiplicidade de identidades culturais e das articulações entre

diferentes culturas e sujeitos, vislumbramos possibilidades, bus-

cando, entre inúmeras questões, uma ressignificação do processo

de construção e desenvolvimento curricular da Educação Física.

13.2 O currículo cultural da Educação Física

Ao analisar o caráter multicultural de nossa sociedade em pro-

cesso de globalização e o modo como as questões das diferenças

de classe social, gênero, etnia, orientação sexual, cultura e religião

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se expressam em diferentes contextos sociais, Moreira (2001,

p. 66) refere-se à educação multicultural como a “sensibilidade

para pluralidade de valores e universos culturais no interior de

cada sociedade e entre diferentes sociedades”. Ângelo (2002, p. 39)

entende que a educação multicultural “pode ser um dos instrumen-

tos pedagógicos sociais para construir as relações interculturais

baseadas no diálogo entre as culturas”. Por sua vez, Willinsky

(2002) reivindica uma educação multicultural que conteste as

linhas divisórias e a importância da diferença, que não aceite as

divisões entre os seres humanos como um fato da natureza, mas

como uma categoria teórica produzida por quem está no poder.

A educação em uma perspectiva multicultural crítica não só

valoriza e reconhece as diferenças, como também assegura a diver-

sidade cultural, superando processos discriminatórios, opressão,

injustiça social e naturalização das diferenças, apontando focos

de resistência e de construção da identidade cultural.

Os estudos demonstram ser esse o panorama curricular na

maioria das escolas. O problema é que tanto as práticas peda-

gógicas quanto as manifestações corporais veiculadas atuam

decisivamente na formação de subjetividades, disseminando

determinadas representações e produzindo discursos sobre nós,

sobre o outro e sobre as diferenças (Gomes, 2008).

Quando o currículo está desvinculado das mudanças culturais,

ele corrobora o processo de dominação, subalternização, discrimi-

nação e conflito entre culturas. Vejamos, por exemplo, as propostas

curriculares convencionais da Educação Física. Com aulas focadas

nas habilidades motoras, na aprendizagem esportiva ou nas noções

monoculturais de saúde e cuidado com o corpo, dificilmente se

possibilitará a construção de subjetividades mais abertas ao trato

da diversidade. Isso porque “a linguagem corporal dominante é

‘ventríloqua’ dos interesses dominantes” (Bracht, 1999, p. 81).

Antes que os professores sejam responsabilizados pela hegemo-

nia de certos conhecimentos nos currículos, convém recordar que,

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como alunos da educação básica, dos cursos de licenciatura ou

mesmo de formação continuada, os docentes também construí-

ram (e continuam construindo) representações acerca do ensino

de Educação Física, ou seja, acessaram determinada identidade

desse componente, o que implicou a legitimação de determinados

saberes e formas de proceder.

Considerando-se que toda decisão curricular é uma decisão

política e que o currículo pode ser visto como um território de

disputa em que diversos grupos atuam para validar conhecimen-

tos (Silva, 2007), é lícito afirmar que, ao promover o contato com

determinados textos culturais, o currículo, além de viabilizar o

acesso aos conhecimentos veiculados e sua gradativa compreensão

destes, influencia as formas de interpretar o mundo, interagir e

comunicar ideias e sentimentos.

Partindo do pressuposto de que entre os direitos humanos

mais fundamentais está o de se expressar, temos uma ideia da

importância da elaboração de currículos que estimulem também

o trabalho sistemático com a variedade de manifestações produ-

zidas pela linguagem corporal.

É mediante as práticas corporais que a linguagem corporal

possibilita aos indivíduos interagirem entre si, comunicando-se

pelo seu teor expressivo (Daolio, 1995). É sabido que a lingua-

gem corporal resulta das interações sociais e que seu significado

se constrói em função de diferentes necessidades, interesses e

possibilidades corporais presentes nas diferentes culturas, em

diferentes épocas da história (Sant’Anna, 2001). No ato de brin-

car, dançar, lutar, fazer ginástica ou praticar esportes, os seres

humanos também se apropriam de um repertório gestual que

caracteriza a cultura corporal na qual estão inseridos.

Os produtos da gestualidade sistematizada, conforme Wiggers

(2005), podem ser entendidos como artefatos culturais de deter-

minado grupo, como elementos distintivos das suas gentes, como

traços da identidade cultural dos seus praticantes.

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302

No âmbito escolar, ao menos no caso brasileiro, a reflexão pe-

dagógica sobre a cultura corporal tem ficado a cargo do currículo

da Educação Física. Por empregarem uma gestualidade carregada

de sentidos, as práticas corporais são concebidas como textos que

veiculam formas de expressão, produzem e reproduzem signifi-

cados culturais (Bracht, 2007).

As manifestações culturais corporais, ao materializarem a lingua-

gem corporal, proporcionam um contexto de criação, transgressão,

produção de sentidos e significados que fornecem aos sujeitos, auto-

res ou contempladores, alternativas de inteligibilidade, comunicação

e relação com a vida, reproduzindo-a e tornando-a objeto de reflexão.

Se o currículo sensível à formação de sujeitos democráticos deve

trabalhar com o patrimônio de chegada dos alunos, um currículo

de Educação Física com o mesmo propósito deve acolher e atribuir

relevância semelhante às manifestações corporais pertencentes

aos distintos grupos que coabitam a sociedade.

Dada a importância política e pedagógica do compromisso de

formar identidades culturais democráticas e atender à diversidade

cultural da sociedade, são bem-vindos todos os currículos que

rompam com a tradição da área (elitista, excludente, classifica-

tória e monocultural). Tradicionalmente, explica Daolio (2010),

a Educação Física escolar se pauta nas explicações naturalistas,

objetivando padrões físicos e homogeneizando os alunos. Nessa

relação pedagógica biologicamente fundada, qualquer diferença

percebida é justificada por características congênitas. O outro,

portanto, é o inábil, o incapaz, o lento, o descoordenado. Tendo

como objetivo unicamente comportamentos motores e padrões

físicos, a diversidade cultural é ocultada, retirando-se dos alunos

seus traços identitários.

Quando olhamos o ser humano com óculos naturalistas, diz

Daolio (2010), enxergamos primeiramente as semelhanças físicas

entre os indivíduos. Por essa razão, os currículos que adotaram

uma matriz psicobiológica para definir o objeto de estudo da

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303

Educação Física (Bracht, 2007) – esportivista, desenvolvimentista,

psicomotor e da saúde, entre outras características em comum –

estabelecem um rol de conteúdos considerados necessários a

todos os sujeitos, indistintamente, e baseiam seus procedimentos

didáticos nas teorias psicológicas da aprendizagem – que, segundo

Silva (1993, citado por Bracht, 2007), implicam necessariamente

sua despolitização.

Como campo de luta pela significação e afirmação de identi-

dades, Neira e Nunes (2009) concebem esses currículos como

“espaços genderizados, classizados e racializados”. Ao afirmarem

a ginástica e o esporte como um modelo de saúde, os padrões de

movimento e as funções perceptivas oferecem formas corretas de

ser; tais propostas não apenas validam seus pressupostos, como

instituem identidades e diferenças. Os discursos presentes nesses

currículos afirmam a feminilidade desejada, a masculinidade

adequada, a classe social digna e a etnia verdadeira, renegando

qualquer outra possibilidade.

Ora, se quisermos corresponder às demandas da contempora-

neidade e adotar inclusão, justiça, diálogo, reconhecimento, dife-

rença e equidade como princípios pedagógicos da Educação Física,

temos de romper com o continuísmo que asfixia o componente,

adotar a cultura corporal como objeto de estudo (Bracht, 2007) e,

conforme defendemos anteriormente (Neira, 2006), desenvolver

currículos multiculturalmente orientados.

Em sua contestação das pretensões modernas que caracte-

rizam os currículos influenciados pelas teorias não críticas e

críticas, as teorias pós-críticas não apontam nenhum caminho

perfeccionista, salvacionista ou progressista. Elas não se arrogam

a pretensão de oferecer a interpretação mais coincidente com

a realidade. “Não constituem uma doutrina geral sobre o que é

‘bom ser’, nem um corpo de princípios imutáveis do que é ‘certo

fazer’” (Corazza, 2001, p. 56). No campo curricular, não ofere-

cem nenhuma proposta de modificação dos comportamentos ou

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sentimentos calcada em ideais regulatórios; contentam-se com

problematizar a cultura em que vivemos e o tipo de subjetivação

promovida pela experiência escolar.

A análise dos currículos desenvolvimentista, psicomotor, espor-

tivista e da educação para a saúde com base na teorização crítica

denunciou que os conhecimentos e métodos neles corporificados

carregam as marcas indeléveis das relações sociais em que foram

forjados (Neira; Nunes, 2006). Cada qual, ao seu modo, reproduz

a estrutura de classes da sociedade capitalista. Funcionando

como aparelhos ideológicos, esses currículos transmitem a ideo-

logia dos grupos mais bem posicionados na escala econômica.

resumidamente, as teorias críticas denunciaram a reprodução

da desigualdade pelo sistema educacional e suas consequências

para os sujeitos da educação (Silva, 2007).

A teorização crítica também afirmou a necessidade de uma

reflexão mais profunda acerca do que ensinam os currículos,

a quem pertencem os conhecimentos neles veiculados, quais

identidades legitimam e quais negam. Segundo Silva (2000b),

centrada no questionamento do papel que a escola, o currículo e

a pedagogia exercem na produção de formas de dominação, com

ênfase na dominação de classe, a teorização crítica alertou-nos

sobre a ideologia embutida nas práticas curriculares e o papel

determinante da escola na reprodução cultural e social.

Na década de 1990, esse debate alcançou o campo da Educação

Física e fez emergir propostas que procuravam denunciar e re-

verter a desigualdade social fundamentadas nos construtos con-

ceituais da tradição marxista (Grupo de Trabalho Pedagógico

UFPE – UFSM, 1991; Coletivo de Autores, 1992) e da teoria da ação

comunicativa de Habermas (Kunz, 1991, 1994).

Por sua vez, as teorias pós-críticas ampliaram as análises das

teorias críticas, fortaleceram a resistência aos ditames da so-

ciedade classista e alertaram que as relações de poder operam

também por meio de outros marcadores sociais: etnia, gênero,

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religião, tempo de escolarização, local de moradia etc. As teorias

pós-críticas, afirma Silva (2000b), colocam em questão alguns

dos pressupostos das teorias críticas, por exemplo, o conceito

de ideologia, por seu comprometimento com noções realistas de

verdade. Também se distanciam da noção polarizada de poder e

colocam em dúvida as noções de emancipação e libertação, por

seus pressupostos essencialistas.

Inspirando-se na teorização pós-crítica, Silva (2007) aponta

formas alternativas de conceber a educação e o sujeito social.

reafirma o ideal de uma sociedade que considere prioritário o

cumprimento do direito que todos os seres humanos têm de ter

uma vida digna, ou seja, de ter uma vida em que sejam plenamente

satisfeitas suas necessidades vitais, sociais e históricas. Nesse

cenário, sinaliza o autor, a educação está estreitamente vincu-

lada à construção de uma sociedade em que riqueza, recursos

materiais e simbólicos e condições adequadas sejam mais bem

distribuídos. A educação deve ser construída como um espaço

público que promova essa possibilidade e como um local em que

se forjem identidades sociais democráticas.

Um currículo de Educação Física comprometido com essa

visão, denominada cultural, multicultural crítica ou pós-crítica,

procura impedir a reprodução consciente ou inconsciente da

ideologia dominante, presente, por exemplo, nas propostas

que deixam de questionar as relações de poder que perpas-

sam a produção e a reprodução das manifestações corporais

(Neira, 2009; Neira; Nunes, 2009). O currículo cultural tem

como pressuposto básico a recorrência à política da diferença

por meio da valorização das vozes daqueles que são quase

sempre silenciados (Giroux, 2008). Trata-se de um apelo para

que se reconheça que, nas escolas, assim como na sociedade,

os significados são produzidos por experiências que precisam

ser analisadas em seu sentido político-cultural mais amplo.

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Um currículo cultural da Educação Física prestigia, desde seu

planejamento, procedimentos democráticos para a decisão dos

temas que serão estudados e das atividades de ensino. Valoriza

a reflexão crítica sobre práticas sociais da cultura corporal do

universo vivencial dos alunos para, em seguida, aprofundá-las e

ampliá-las mediante o diálogo com outras vozes e outras manifes-

tações corporais (Neira, 2009). No currículo cultural, a experiência

escolar é um terreno aberto ao debate, ao encontro de culturas

e à confluência da diversidade de manifestações corporais dos

variados grupos sociais. É um campo de disseminação de senti-

dos, de polissemia, de produção de identidades voltadas para a

análise, a interpretação, o questionamento e o diálogo entre e as

culturas e com base nelas.

Os Estudos Culturais e o multiculturalismo crítico promovem

as vozes dos professores, analisam criticamente as relações de

poder entre as culturas e seus sujeitos, rompem com o precon-

ceito de ideias sobre as condutas e decisões dos alunos, com as

comparações entre eles e suas culturas e com a hierarquização e a

dicotomização (global/local e científico/senso comum). Além disso,

valorizam as posturas reivindicatórias em oposição ao modelo

neoliberal de formação da cidadania que exalta o consumidor,

criticam a essencialização, o etnocentrismo e a naturalização

do currículo fundamentado pelo discurso tecnicista; criticam

ainda o modelo de cultura universal, desafiam a formação de uma

identidade única que não distingue a pluralidade de identidades

e diferenças dos sujeitos e valorizam as lutas pela equidade edu-

cacional (Moreira, 2001).

O currículo cultural promove entrecruzamentos culturais e a

superação de processos discriminatórios pela reflexão crítica e

multicultural do professor. O que se espera é a organização e o

desenvolvimento de encontros letivos nos quais os alunos sejam

convidados a refletir sobre a própria cultura corporal, o patrimônio

disponível socialmente e a bagagem veiculada por outros grupos.

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307

Nos dizeres de Mizukami (1986, p. 94), “a educação se dá, en-

quanto processo, em um contexto que deve necessariamente ser

levado em consideração”. A educação, segundo a autora, é uma

pedagogia do conhecimento, e o diálogo, a garantia desse ato de

conhecimento. Assim, o currículo cultural deve comprometer

constantemente os alunos com a problemática de suas situações

existenciais. Evidentemente, isso implica a busca permanente pela

explicitação das possibilidades e dos limites oriundos da realidade

sociopolítica, cultural e econômica enfrentada pelos cidadãos

no seu cotidiano, realidade esta que condiciona e determina a

construção, a permanência e a transformação das manifestações

da cultura corporal.

O currículo cultural da Educação Física tenciona posicionar os

estudantes como sujeitos da transformação social e contribuir com

a construção de uma sociedade mais democrática e justa. Esse

currículo prioriza a construção de práticas atentas à pluralidade

de identidades dos alunos, assim como enxerga a escola como

espaço-tempo multicultural de formação (Candau, 2002).

Consequentemente, a prática pedagógica deve: articular-se

ao contexto de vida comunitária; apresentar condições para que

sejam experimentadas e interpretadas as formas como a cultura

corporal é representada no cenário social; ressignificar as práticas

corporais conforme as características do grupo; aprofundar os

conhecimentos acerca do patrimônio cultural corporal; e ampliar

os saberes dos alunos a respeito das temáticas estudadas.

Esse currículo cultural pretende fazer “falar”, por meio do estudo

das manifestações corporais, a voz de várias culturas no tempo e

no espaço, além de problematizar as relações de poder explícitas

e implícitas. Por esse prisma, pode ser concebido como terreno

de luta pela validação dos significados atribuídos às práticas cor-

porais pelos diversos grupos, visando à ampliação ou conquista

de espaços na sociedade.

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Considerações finais

Sob influência dos Estudos Culturais e do multiculturalismo

crítico, o currículo cultural da Educação Física é concebido como

espaço-tempo de encontro de culturas corporais, construção de

identidades e diferenças, questões de discriminação e preconcei-

tos étnicos e de gênero, orientação sexual, habilidade ou padrão

corporal, entre outros. Assim, esse currículo possibilita uma lei-

tura dos grupos de pequena representação, hierarquizados pelos

sistemas hegemônicos – econômico, político, social e cultural – e

diferenciados pelas suas atitudes e interesses, e intenta identificar

a opressão e a subalternização de culturas e sujeitos e os erros

históricos no processo de formação identitária dos negros, da

mulher, dos homossexuais, dos pobres, dos deficientes e daqueles

vistos como incapazes, molengas, fracos, lerdos etc.

O currículo cultural da Educação Física cumpre também a função

de expor as hipóteses ingênuas que normalmente permeiam as

ressignificações sofridas por uma prática corporal qualquer. Se

o que se pretende é formar cidadãos para uma sociedade menos

desigual, como não debater as questões de gênero presentes na

trajetória do futebol ou do voleibol? Ou as questões de classe e

etnia presentes na trajetória do hip-hop e do rap? Como não inda-

gar as questões de classe, gênero, cultura e etnia incrustadas no

percurso histórico das ginásticas? A carência de atividades que

proporcionem a análise dos artefatos existentes fará persistir

a cegueira cultural que impede o reconhecimento das relações

sociais do mundo vivencial.

A pedagogia que caracteriza o currículo cultural dá visibilidade

à gênese e ao desenvolvimento contextual das práticas corporais.

Essas revelações preparam o ambiente para a desconstrução dos

significados implícitos nos discursos que desqualificam certas

manifestações pertencentes à cultura popular. Quando o processo

de construção das expressões pejorativas dirigidas à cultura

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corporal subjugada vem à tona, é possível tomar consciência de

que certas danças, lutas, ginásticas, brincadeiras ou esportes

são vistos pelo viés de estereótipos e das influências geradas

pelas relações de poder. Comumente, o patrimônio pertencente

aos grupos dominantes é exaltado, enquanto as práticas oriun-

das dos grupos subordinados são desqualificadas. É importante

lembrarmos que a desigualdade não é um simples preconceito ou

fenômeno cultural, e sim uma diferenciação baseada na forma

pela qual certos grupos se localizam econômica e politicamente

na sociedade.

Uma vez que a história da subordinação foi propositadamente

“enterrada” ou disfarçada, convém desenterrar os conhecimentos

subordinados. Seus conflitos e suas opressões foram perdidos

sob uma estrutura teórica dominante, erradicada por uma triun-

fante história de ideias, ou, talvez, seus conhecimentos tenham

sido desqualificados e considerados primitivos, por não estarem

à altura das definições dominantes do que se reconhece como

científico, correto ou benéfico. As manifestações corporais dos

culturalmente diferentes coincidem com este último significado,

já que a cultura dominante os considerou estranhos, curiosos,

indignos de lógica, primitivos, exóticos e subalternos.

Basta verificar que, entre a imensa quantidade de jogos de

tabuleiro existentes, em sua maioria pertencentes às culturas

subordinadas, é o xadrez, com suas atribuições cognitivistas,

que ocupa um lugar de destaque no currículo escolar. Também

é comum conferir significados pejorativos a algumas danças ur-

banas, a certos esportes radicais, à farra do boi, à rinha de galos

ou a determinados jogos de cartas que se encontram entre as

manifestações corporais cujas histórias de disputas sociais foram

“enterradas”. O currículo cultural exorta a cultura dominante a

interromper a supressão do papel do conflito na história e, para

tanto, procura descrever o processo de recordar e incorporar as

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memórias dos conhecimentos subordinados, os conflitos vividos

e as dimensões de poder que se revelam nas lutas atuais.

Mediante a especificação da natureza dos saberes e significa-

dos excluídos, o currículo cultural prepara os indivíduos para a

luta estratégica entre o conhecimento subordinado e o conhe-

cimento dominante. Esse é o princípio que rege uma pedagogia

da política e uma política da pedagogia. Se a insurreição dos

conhecimentos subordinados já existe entre os oprimidos, não

cabe aos intelectuais da cultura dominante teorizarem sobre es-

ses saberes visando convertê-los em existência curricular. Não é

o professor de Educação Física quem deve descrever e relatar as

práticas corporais dos subordinados, atribuindo-lhes, conforme

lhe pareça, os significados para que os alunos os assimilem. O

currículo cultural cria espaços e constrói as condições para que

as vozes e as gestualidades subjugadas possam ser reconhecidas

pelos estudantes.

A prática fundamentada na história do conhecimento subor-

dinado começa pela denúncia das formas pelas quais as escolas

se estruturam em torno de determinados silêncios e omissões.

Uma observação atenta da arquitetura escolar permite constatar

o silenciamento forçado de certas práticas corporais mediante a

ausência total de espaços e condições para o desenvolvimento de

manifestações para além das conhecidas brincadeiras, danças e

modalidades esportivas dominantes. Quais escolas disponibilizam

mais que uma quadra ou pátio para as aulas? Quais adquirem

outros artefatos além de bolas e redes? Como reagem os diversos

sujeitos escolares quando o professor busca promover atividades

de ensino em sala de aula, sala de vídeo, biblioteca, laboratório, sala

de informática ou outros ambientes “menos convencionais”? Que

empecilhos surgem quando o currículo quer contemplar bocha, jogo

de damas, maculelê, lutas, danças indígenas ou de origem africana?

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Na perspectiva cultural, os docentes estabelecem vínculos com

as comunidades marginalizadas, a fim de incorporar o conheci-

mento subordinado, mas não com os elementos exitosos dessas

comunidades tal como são definidos pela cultura dominante, e

sim com uma variedade de grupos e subgrupos que convivem

no seu interior. A valorização dos saberes de representantes dos

diversos grupos que habitam cada comunidade proporciona ao

currículo escolar uma diversidade de tradições, particularidades

históricas, práticas sociais e culturas por vezes desacreditadas

pela tradição escolar.

Os educadores que atuam inspirados pelos valores do currículo

cultural reescrevem diariamente e durante as aulas uma nova

prática pedagógica de cunho democrático. Essa redação inovadora

leva à inclusão dos conhecimentos das manifestações da cultura

corporal dos grupos subordinados e a uma nova perspectiva dos

olhares dos alunos sobre si próprios e sobre seu grupo, possibi-

litando uma prática em constante fluxo entre o local e o global,

entre a comunidade e a sociedade em geral. No currículo cultural,

os educadores medeiam o processo e fazem com que os alunos

percebam os hibridismos e as mestiçagens, tornando-se, eles

próprios, pesquisadores do cotidiano.

Enfim, ao situar no currículo os conhecimentos que os alunos

trazem consigo quando entram na escola, o professor os reco-

nhece como sujeitos que detêm saberes legítimos, como sujeitos

capazes – ou seja, com capacidade revelada e reconhecida no já

sabido e capacidade potencial para se apropriar de novos conhe-

cimentos que a escola pode e deve oferecer. Com isso, temos não

só a valorização identitária, como também a ampliação cultural e

o reconhecimento das diferenças. Somente o diálogo cultural con-

tribuirá para a construção do autoconceito positivo e do respeito

ao outro, elementos indispensáveis a uma relação democrática.

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Sobre os autores

Ademir Testa Junior

Mestre em Educação pela Universidad del Salvador (US – Argentina)

e especialista em Psicopedagogia Educacional e Clínica pela

Faculdade de Artes de Itápolis (Facita – SP) e em Educação Física

Escolar pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG – Pr),

Ademir Testa Junior atua como professor na rede pública de

ensino do Estado de São Paulo e na Escola Superior de Educação

Física de Catanduva (Esefic), das Faculdades Integradas Padre

Albino (Fipa – SP).

Alfredo Cesar Antunes

Doutor em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas

(Unicamp – SP), Alfredo Cesar Antunes é docente da Universidade

Estadual de Ponta Grossa (UEPG – Pr), atuando nos cursos de

licenciatura e bacharelado em Educação Física e no ensino a

distância (EaD). É pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas

em Educação Física Escolar e Formação de Professores (Gepefe) –

UEPG, filiado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico

e Tecnológico (CNPq).

Amauri Aparecido Bassoli de Oliveira

Professor associado do Departamento de Educação Física da

Universidade Estadual de Maringá (UEM – Pr), Amauri Bassoli

de Oliveira atua nos cursos de licenciatura e bacharelado em

Educação Física dessa instituição, além de integrar o quadro

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docente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação

Física da UEM e da Universidade Estadual de Londrina (UEL – Pr).

Claudio Kravchychyn

Além de lecionar como professor assistente no Departamento de

Educação Física da Universidade Estadual de Maringá (UEM – Pr),

Claudio Kravchychyn é doutorando do Programa de Pós-Graduação

Stricto Sensu em Educação Física da UEM e da Universidade Estadual

de Londrina (UEL – Pr). É professor de Metodologia dos Esportes

na UEM, atuando nos cursos de licenciatura e bacharelado em

Educação Física da instituição.

Clóvis Marcelo Sedorko

Graduado em licenciatura em Educação Física pela Universidade

Estadual de Ponta Grossa (UEPG – Pr) e especialista em Esporte Escolar

pela na mesma instituição, Clóvis Sedorko é mestrando do Programa

de Pós-Graduação em Educação da UEPG e professor da rede pública

municipal de ensino de Ponta Grossa (Pr), além de pesquisador do

Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Física Escolar e Formação

de Professores (Gepefe) – UEPG, filiado ao Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Gonçalo Cassins Moreira do Carmo

Mestre em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas

(Unicamp – SP), Gonçalo Cassins Moreira do Carmo é docente da

Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG – Pr), atuando no

curso de licenciatura e bacharelado em Educação Física e no ensino

a distância (EaD). É também pesquisador do Grupo de Estudos e

Pesquisas em Educação Física Escolar e Formação de Professores

(Gepefe) – UEPG, filiado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento

Científico e Tecnológico (CNPq).

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Fabiane Distefano

Especialista em Políticas Públicas para o Lazer e o Esporte pela

Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG – Pr), Fabiane

Distefano é mestranda do Programa de Pós-Graduação em

Educação da UEPG e professora colaboradora dessa instituição.

Fabíola Schiebelbein Capri

Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Ponta Grossa

(UEPG – Pr), Fabíola Schiebelbein Capri é docente no curso de licen-

ciatura e bacharelado da Instituição de Ensino Superior Sant’Ana

(Iessa – Pr) e no ensino a distância (EaD) da UEPG. É também pesqui-

sadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Física Escolar

e Formação de Professores (Gepefe) – UEPG, filiado ao Conselho

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Gilmar de Carvalho Cruz

Doutor em Educação Física pela Universidade Estadual de

Campinas (Unicamp – SP), Gilmar de Carvalho Cruz é docente do

Departamento de Educação Física e do Programa de Pós-Graduação

em Educação da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro –

Pr), do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade

Estadual de Ponta Grossa (UEPG – Pr) e do ensino a distância

(EaD) da UEPG.

Janaína Mayra de Oliveira Weber

Graduada em licenciatura em Educação Física pela Universidade

Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste – Pr), Janaína Mayra

de Oliveira Weber é especialista em Psicopedagogia Clínica e

Institucional e pós-graduanda em Educação Física Adaptada pela

Universidade Gama Filho (UGF – rJ). É mestranda do Programa

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de Pós-Graduação em Educação pela Universidade Estadual de

Ponta Grossa – UEPG (Pr) e docente das Faculdades Integradas

de Itararé (Fafit – SP) e da rede municipal de ensino de Itararé

(SP). Atua como pesquisadora no Grupo de Estudos e Pesquisas

em Educação Física Escolar e Formação de Professores (Gepefe) –

UEPG, filiado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico

e Tecnológico (CNPq).

Lisiane de Paula Ripka

Licenciada em Educação Física pela Universidade Estadual de

Ponta Grossa (UEPG – Pr), Lisiane de Paula ripka é especialista em

Metodologia do Ensino de 1º e 2º Graus pela Faculdades Integradas

Espírita (Fies – Pr). Além disso, é docente da rede pública de en-

sino do Estado do Paraná.

Marcelo José Taques

Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Ponta Grossa

(UEPG – Pr), Marcelo José Taques é especialista em Educação Física

Escolar pela Faculdade Guairacá (Guarapuava – Pr). É professor da

rede pública de ensino do Estado do Paraná e da Faculdade Guairacá,

no curso de licenciatura e bacharelado em Educação Física. É pesqui-

sador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Física Escolar

e Formação de Professores (Gepefe) – UEPG, filiado ao Conselho

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Marcos Garcia Neira

Doutor em Educação, pós-doutor em Currículo e Educação Física

e Livre-Docente em Metodologia do Ensino de Educação Física,

Marcos Garcia Neira é professor da Faculdade de Educação da

Universidade de São Paulo (USP – SP) e coordenador do Grupo de

Pesquisas em Educação Física Escolar – USP, atuando como docente

de Educação Física, pedagogo e livre-docente em Metodologia do

Ensino de Educação Física. Além disso, é bolsista em produtividade

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em pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico

e Tecnológico (CNPq) e orientador de pesquisas de iniciação cien-

tífica, mestrado e doutorado.

Nei Alberto Salles Filho

Mestre em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba

(Unimep – SP) e docente da Universidade Estadual de Ponta Grossa

(UEPG – Pr), Nei Alberto Salles Filho é doutorando do Programa

de Pós-Graduação em Educação da UEPG e coordenador do Núcleo

de Estudos e Formação de Professores em Educação para a paz

e Convivências (NEP) – UEPG. É também pesquisador do Grupo

de Estudos e Pesquisas em Educação Física Escolar e Formação

de Professores (Gepefe) – UEPG, filiado ao Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Patrícia Alzira Proscêncio

Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Londrina

(UEL – Pr), Patrícia Proscêncio atua como professora de dança

no curso de licenciatura em Pedagogia da Faculdade Norte

Paranaense (Uninorte – Pr) e é coordenadora de projetos na

área de dança da Escola Municipal de Dança (Funcart), na qual

integra o corpo docente.

Rafael Trentin Scremin

Licenciado em Educação Física pela Universidade Estadual de

Ponta Grossa (UEPG – Pr), rafael Trentin Scremin é especialista

em Educação Física Escolar pela Pontifícia Universidade Católica

do Paraná (PUCPr) e mestrando em Educação pelo Núcleo de

História e Filosofia da Educação da Universidade Metodista de

Piracicaba (Unimep – SP). Foi professor colaborador da UEPG e de

cursos no ensino a distância (EaD) da mesma instituição, além

de membro do Núcleo de Estudos e Formação de Professores em

Educação para a paz e Convivências (NEP). Atua como pesquisador

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do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Física Escolar e

Formação de Professores (Gepefe) – UEPG e do Grupo de Estudos

Teoria Crítica e Educação – Unimep, ambos filiados ao Conselho

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Ricardo Domingues Ribas

Professor especialista em Ciência e Técnica da Ginástica Olímpica

(Artística) pela Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e

Artes da Pontifícia Uninversidade Católica de São Paulo (Facicla –

SP), ricardo Domingues ribas leciona no curso de licenciatura e

bacharelado em Educação Física da Instituição de Ensino Superior

Sant’Ana (Iessa – Pr) e no ensino a distância (EaD) da Universidade

Estadual de Ponta Grossa (UEPG – Pr). É membro do Núcleo de

Estudos e Formação de Professores em Educação para a paz e

Convivências (NEP) – UEPG e atua também como pesquisador

do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Física Escolar e

Formação de Professores (Gepefe) – UPEG, filiado ao Conselho

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Silvia Christina Madrid Finck

Doutora em Ciência da Atividade Física e do Esporte pela

Universidade de León (Unileón – ES) e mestre em Educação pela

Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep – SP), Silvia Christina

Madrid Finck atua no curso de licenciatura em Educação Física

e nos Programas de Pós-Graduação, Mestrado e Doutorado em

Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG – Pr).

É coordenadora de curso de especialização e docente no ensino

a distância (EaD) da UEPG, além de líder do Grupo de Estudos e

Pesquisas em Educação Física Escolar e Formação de Professores

(Gepefe) – UEPG, filiado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento

Científico e Tecnológico (CNPq).

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Silvia Pavesi Sborquia

Doutora na área de Educação Física pela Universidade Estadual de

Campinas (Unicamp – SP), é docente do Departamento de Educação

Física do Centro de Educação Física e Esportes da Universidade

Estadual de Londrina (UEL – Pr). É líder do Grupo de Estudos

em Gestualidade, Ludicidade e Cultura (Gesluc) – UEL, filiado ao

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

(CNPq), e pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em

Educação Física Escolar e Formação de Professores (Gepefe) –

Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG – Pr).

William Lopes da Silveira

William Lopes da Silveira é licenciado em Educação Física pela

Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG – Pr).

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Impressão: BSSCARD

Outubro/2013