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III SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2014 299 299 Efeitos da Fragmentação Florestal sobre a Densidade Populacional de Dinoponera lucida Emery (Formicidae: Ponerinae) S. S. Simon 1* , J. H. Schoereder 2 , M. da C.Teixeira 3 , F. P. Vargas 4 & S. S. Simon 4 1 Programa de Pós-Graduação em Ecologia; Departamento de Biologia Geral; UniversidadeFederal de Viçosa. 2 Departamento de Entomologia; Universidade Federal de Viçosa. 3 Universidade Federal do Espírito Santo – CEUNES 4 Profissionais independentes *Email para correspondência: [email protected] Introdução O termo “fragmentação florestal”, muito comum nos meios de comunicação e científico abrange dois conceitos mais precisos: A fragmentação per se, que consiste na diminuição do tamanho dos fragmentos, e a perda de habitat, que se refere à extinção de porções ou fragmentos inteiros (Benderet al., 1998). A perda de uma porção do habitat causa, além da redução da área, o isolamento sobre a dispersão dos organismos com efeitos fortemente negativos sobre a biodiversidade, enquanto a fragmentação per se produz efeitos bem mais fracos, às vezes negativos, outras vezes positivos, como a resistência a eventos catastróficos alastrantes como fogo ou epidemias(Fahrig, 2003). O processo de fragmentação aumenta número de remanescentes de habitat e diminui suas dimensões. Por isso espera-se que espécies de interior de mata sofram declínios populacionais em número e densidade devido à fragmentação mais do que o esperado pela simples reduçãode área, pois a razão entre área de centro e área total diminui com o decréscimo da área total do fragmento, criando uma maior proporção de borda em relação ao habitat de interior(Bender et al., 1998). Na literaturaé também verificada uma forte relação entre a complexidade da forma do fragmento e a resposta das espécies à área do fragmento, fenômeno conhecido como efeito geométrico. (Ewers et al., 2007; Gomes et al., 2010). A combinação entre a área e a forma do fragmento é um fator determinante da magnitude do efeito de borda. Uma porção de mata de forma mais regular terá maior proporção de interior de mata (core) do que um fragmento de mesma área com formato irregular, pois a complexidade da forma aumenta a zona de contato com a matriz diminuindo a área protegia ao centro (Dramstadet al., 1996). Um dos biomas brasileiros mais ameaçados pela fragmentação é a Mata Atlântica, que se distribui pela costa brasileira em uma vasta extensão pelas regiões tropical e subtropical,

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Efeitos da Fragmentação Florestal sobre a Densidade Populacional de Dinoponera lucida Emery (Formicidae: Ponerinae)

S. S. Simon1*, J. H. Schoereder2, M. da C.Teixeira3, F. P. Vargas4 & S. S. Simon4

1Programa de Pós-Graduação em Ecologia; Departamento de Biologia Geral; UniversidadeFederal de Viçosa. 2Departamento de Entomologia; Universidade Federal de Viçosa. 3Universidade Federal do Espírito Santo – CEUNES 4Profissionais independentes *Email para correspondência: [email protected]

Introdução

O termo “fragmentação florestal”, muito comum nos meios de comunicação e científico

abrange dois conceitos mais precisos: A fragmentação per se, que consiste na diminuição

do tamanho dos fragmentos, e a perda de habitat, que se refere à extinção de porções ou

fragmentos inteiros (Benderet al., 1998). A perda de uma porção do habitat causa, além da

redução da área, o isolamento sobre a dispersão dos organismos com efeitos fortemente

negativos sobre a biodiversidade, enquanto a fragmentação per se produz efeitos bem mais

fracos, às vezes negativos, outras vezes positivos, como a resistência a eventos

catastróficos alastrantes como fogo ou epidemias(Fahrig, 2003).

O processo de fragmentação aumenta número de remanescentes de habitat e diminui suas

dimensões. Por isso espera-se que espécies de interior de mata sofram declínios

populacionais em número e densidade devido à fragmentação mais do que o esperado pela

simples reduçãode área, pois a razão entre área de centro e área total diminui com o

decréscimo da área total do fragmento, criando uma maior proporção de borda em relação

ao habitat de interior(Bender et al., 1998).

Na literaturaé também verificada uma forte relação entre a complexidade da forma do

fragmento e a resposta das espécies à área do fragmento, fenômeno conhecido como efeito

geométrico. (Ewers et al., 2007; Gomes et al., 2010). A combinação entre a área e a forma

do fragmento é um fator determinante da magnitude do efeito de borda. Uma porção de

mata de forma mais regular terá maior proporção de interior de mata (core) do que um

fragmento de mesma área com formato irregular, pois a complexidade da forma aumenta a

zona de contato com a matriz diminuindo a área protegia ao centro (Dramstadet al., 1996).

Um dos biomas brasileiros mais ameaçados pela fragmentação é a Mata Atlântica, que se

distribui pela costa brasileira em uma vasta extensão pelas regiões tropical e subtropical,

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contendo aproximadamente 1 a 8% de todas as espécies do planeta. Sua área original

cobria cerca de 150 milhões de hectares, da qual restam hoje apenas 11,7%. Entre todos os

fragmentos atuais, 83,4% possuem menos de 50 hectares. Da área remanescente, apenas

14,4% estão sob proteção legal, o que representa 1,6% da área original. O isolamento

médio entre fragmentos para toda a Floresta Atlântica é de 1440 metros. Entre os estados

brasileiros que lideram a lista dos que mais desmatam a Mata Atlântica estão a Bahia (em

segundo lugar) e o Espírito Santo (em quinto lugar), regiões consideradas pontos quentes

da biodiversidade e endemicidade (INPE, 2011; Silva e Castelleti, 2003;Ribeiro et al.,

2009).

Entre as espécies endêmicas da Mata Atlântica está a formiga Dinoponera lucida, uma das

oito espécies do gênero Dinoponera, as maiores formigas do mundo, que são restritas à

América do Sul. Dinoponera lucida, encontra-se restrita à Mata Atlântica do sul da Bahia e

norte do Espírito Santo (Paiva e Brandão, 1995; Campiolo e Delabie, 2008). Sua atual

distribuição geográfica é consequente de múltiplos processos que alteraram a paisagem.

Existe uma alta variabilidade genética entre as populações do Espírito Santo resultado da

fragmentação da Mata Atlântica desde o Pleistoceno,quecontribuiu com o isolamento das

populações remanescentes. As áreas que abrigam as populações remanescentes

representam refúgios modernos comhaplótipos exclusivos (Mariano et al., 2004; Mariano

et al., 2008; Resende et al., 2010; Santos et al., 2012).

Este estudo tem como hipóteses a resposta positiva da densidade populacional à área,

cobertura vegetal e abundância de recursos, bem como um decréscimo da densidade

populacional em função do aumento do isolamento e da complexidade na forma do

fragmento.

O objetivo geral é relacionar a área, o isolamento, a forma do fragmento e a borda com a

densidade populacional de D. lucida em duas diferentes escalas espaciais: A escala

dopitfalle a escala que corresponde ao fragmento florestal. Também foi investigada a área

efetiva e a borda do fragmento à qual a espécie responde. Os resultados apresentados

podem compor um conjunto de informações relevantes para o manejo e práticas de

conservação da espécie.

Material e Métodos

Área de Estudo. O estado do Espírito Santo está inserido no Domínio Morfoclimático dos

Mares de Morros (Ab'Sáber, 1970), ou Bioma Mata Atlântica.

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Figura 1: Mapa de isolamento das áreas de estudo.

A coleta de dados foi realizada entre os meses de janeiro e abril de 2013 em fragmentos de

Mata Atlântica no ES, que faz parte da região de ocorrência de D. lucida.O limite sul da

área de estudo está entre as coordenadas 20° 16.357'S 40° 28.782'W e ao norte por 18°

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21.692'S e 40° 09.988'W (Figura 1). A altitude dos pontos de coleta variou entre 15 e 948

metros acima do nível do oceano. Dez fragmentos de mata foram selecionados no estado,

cujas áreas variam entre 4,67 e 55.000 hectares, entre remanescentes protegidos e não

protegidos (autorizações fornecida pelo Instituto Chico Mendes –ICMBio, no35895-1 e no

35947-1). Entre eles estão quatro Reservas Biológicas (Rebio), três Reservas Particulares

do Patrimônio Natural (RPPN), uma Floresta Nacional (Flona) e duas áreas particulares

sem proteção legal.

Coletas. Para a coleta de D. lucida foram instaladas armadilhas de queda (pitfalls) no solo

com capacidade para 250 mL. Cada recipiente continha aproximadamente 50 mL de álcool

combustível (Szinwelski et al., 2012), e foi mantido no campo por 48 horas.

Uma vez nos fragmentos, as armadilhas foram dispostas em transectos de 450 metros

composto por 10 armadilhas, com 50 metros de distância entre uma e outra. No total foram

utilizadas 300 armadilhas. O número de transectos realizados por fragmento foi

proporcional ao logaritmo da área.

As variáveis resposta deste estudo foram a presença e ausência de D. lucidana armadilha e

destes dados obteve-se uma porcentagem de ocorrência por fragmento, que representam a

densidade populacional da espécie em cada fragmento, conforme metodologia elaborada e

aplicada por Schoerederet al. (2004). As variáveis explicativas foram a abertura de dossel,

utilizada como indicador das condições ambientais e a biomassa animal como indicador de

recursos. Tais medidas foram obtidas para cada armadilha e calculada uma média por

fragmento. Além disso, as medidas de área, forma e isolamento obtidas constituíram

variáveis explicativas por fragmento.

Densidade populacional. A densidade populacional de D. lucida foi estimada pelo

número de registros de indivíduos nos pitfalls onde se atribui 1 para a presença e 0 para

ausência. Foi então calculada a porcentagem de ocorrência de D. lucida para cada

fragmento, que foi relacionada à área e utilizada como indicador da densidade

populacional da espécie. Para as análises em escala pontual foram utilizados os dados de

presença e ausência, uma vez que estes constituem resposta pra cada armadilha, enquanto

os dados percentuais foram utilizados para as análises na escala do fragmento, pois

apresentaram uma medida por fragmento.

Condições ambientais. Sobre cada armadilha foi obtida uma fotografia hemisférica do

dossel, utilizando uma lente Fisheye 0.45x 28mm acoplada a uma câmera digital Nikon

Coolpix 4500 4Mpx. A câmera foi posicionada no solo e direcionada sempre para o norte

com o auxílio de uma bússola. As fotografias foram analisadas no software Gap Light

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Analyser (GLA) versão 2.0, para calcular a abertura do dossel, utilizada como indicador

das condições ambientais da floresta.

Recursos. Todo o conteúdo da armadilha, composto por invertebrados e pequenos

vertebrados, foi utilizado para obtenção da biomassa animal como indicador da abundância

de recursos. O conteúdo do pitfall foi triado, seco em estufa a 45 ºC por 16 horas, e peso

em balança analítica Gehaka, modelo AG200 com quatro casas decimais.

Análises espaciais. Para a elaboração dos mapas foram utilizados os dados de 14 cenas de

imagens do satélite CBERS 2B, sensor CCD - Bandas 2, 3 e 4, fornecida pelo Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) pelo sistema ArcGis® versão 10.1, e os

cálculos com o auxilio do Excel®.

De posse dos dados de perímetro e área dos fragmentos, procedeu-se o cálculo do Índice de

forma de Pantton adaptado para unidades métricas, por meio da equação:

If = P/[200.(π.At)0.5]

Onde P corresponde ao perímetro em metros e At à área total do fragmento em hectares.

Este índice mede a forma como um desvio da circularidade, pois os círculos exibem a

menor razão perímetro-área possível. O valor de Ifse aproxima de 1.0 quando o polígono

exibe forma próxima à circular, e aumenta com a complexidade do contorno (Laurance e

Yensen, 1991).

Para as análises de isolamento foi feita uma classificação visual de todos os fragmentos de

Mata Atlântica presentes em um raio de 10 quilômetros a partir do limite de cada unidade

estudada, conforme ilustrado na Figura 1. O índice de conectividade é reduzido para

regiões com alto número de fragmentos pequenos, enquanto regiões com poucos

fragmentos grandes possuem um valor maior.

Análises estatísticas. Para a escala local, cada armadilha foi considerada uma amostra

independente, que foram analisadas utilizando modelos mistos por meio do software R

versão 3.0 (R Development Core Team, 2013). A variável resposta foi relacionada às

variáveis de abertura de dossel e biomassa, cujos dados foram coletados para cada ponto. A

simplificação do modelo foi realizada com a remoção das variáveis que não tiveram

influência significativa sobre a variável resposta até atingir o modelo mínimo adequado.

Para avaliar a resposta a partir dos dados de área total e efetiva, forma e isolamento dos

fragmentos, que constituem uma única medida por fragmento, foram utilizados modelos

lineares generalizados (GLM) com distribuição binomial. Os dados de presença de D.

lucida foram transformados numa resposta percentual por fragmento, enquanto que para as

variáveis abertura de dossel e biomassa animal foram utilizados valores médios por

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fragmento.Um modelo completo foi proposto partir do qual procedeu-se a simplificação

em que variáveis cuja influência não foi significativa foram removidas até a aquisição do

modelo mais simples possível.

Adicionalmente foi realizado o cálculo do coeficiente de variação entre os valores de

abertura de dossel para cada fragmento e para cada transecto, usado como indicador da

heterogeneidade da vegetação no conjunto de dados, e a relação entre a frequência de D.

lucida e esta variável analisada por meio de modelos lineares generalizados.

Resultados e Discussão

O número absoluto de registros de D. lucida nas armadilhas foi de 129, o que significa sua

presença em 45% dos pitfalls utilizados neste estudo. O maior registro de D. lucida foi a

Floresta Nacional de Goytacazes (98%) seguida da Reserva Biológica de Duas Bocas

(87%). Por outro lado, nos três menores fragmentos estudados não foi registrada presença

de D. lucida.

Em relação à cobertura vegetal, a Figura 2 mostra a resposta obtida para a presença de D.

lucida considerando dados binários (presença/ausência) por armadilha utilizando modelos

mistos. Neste caso, o maior número de registros foi para fragmentos com maior abertura

percentual de dossel (X2= 51.577; p < 0,001), mostrando uma resposta significativa e

positiva. Nenhuma relação significativa foi verificadaentre a biomassa animal e a presença

de D. lucida (Chi = 2.3414; p = 0.126).

Figura 2. Número de registro de Dinoponera lucida em relação à abertura de dossel (X2= 51.577; p < 0,001).

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Analisando a resposta de D. lucida aos valores médios de abertura de dossel e biomassa

por fragmento, não houve resposta significativa, ao contrário dos resultados obtidos pela

análise com Modelos Mistos. Da mesma forma, não houve resposta significativa para os

atributos de área total, forma e isolamento dos fragmentos.

D. lucida apresentou uma resposta positiva à abertura de dossel. Como se tratam de

ambientes florestais, essa abertura é limitada, entre 5% (para ambientes mais sombreados)

e 38% (em ambientes mais claros). Este aspecto pode estar relacionado ao hábito de

forrageio diurno da espécie, onde a luz seria um fator determinante na atividade de caça e

na orientação espacial, assim como verificado em Odontomachusbauri (Raimundo et al.,

2009). Adicionalmente sugere-se que a estrutura da vegetação seja uma variável relevante

em relação à frequência de D. lucida, uma vez que pode caracterizar o estágio de sucessão

e a estabilidade ecológica da floresta.

A formulação do pressuposto de que D. lucida tem preferência por ambientes mais

sombreados teve por base a observação de que, frequentemente, os ninhos se situam

próximos à base de árvores (Peixoto et al., 2010). Entretanto os resultados mostram a

tendência dessas formigas em procurar ambientes mais claros para caçar, uma vez que os

pitfalls capturam indivíduos durante o forrageio, o que não influencia no tipo de ambiente

preferencial para a instalação dos ninhos. Dessa forma a relação de D. lucida com a

vegetação se apresentaria em duas vias. Esta hipótese seria confirmada pela maior

frequência de D. lucida em fragmentos com maior coeficiente de variação da abertura de

dossel, mas tal relação não foi verificada. O estabelecimento de ninhos na base das árvores,

muito próximo ou às vezes até dentro das próprias raízes (Teixeira et al., 2009), pode não

estar relacionada, necessariamente, às condições deste microambiente decorrentes do

sombreamento, mas ligada simplesmente à arquitetura dos ninhos ou à serapilheira, que

parece atuar como um tampão na manutenção da temperatura e provavelmente da umidade

próximo ao solo (Ehmer&Hölldobler, 1995). Portanto, a instalação dos ninhos sob árvores

pode estar relacionada à camada de serapilheira e sua contribuição para a sua homeostase.

O coeficiente de variação para cada fragmento variou entre 0.21 e 0.44, com média de

0.27. Embora tais valores sejam considerados altos para conjuntos de dados provenientes

de experimentos em condições controladas, não foi encontrada uma relação significativa

entre a presença de D. lucida e a amplitude deste coeficiente entre as amostras (F=0.17;

p=0.7). Da mesma forma na análise entre transectos, cuja variação oscilou entre 0.12 e

0.48, não houve relação significativa com a frequência de D. lucida (F=0.16; p=0.22).

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306 SIMON ET AL.: DENSIDADE POPULACIONAL DE DINOPONERA LUCIDA

A ausência de resposta da densidade populacional de D. lucida aos atributos físicos do

fragmento diferem notavelmente daqueles encontrados por Cruz et al. (2011) na mesma

região do estado do Espírito Santo. Nesse estudo os autores buscaram uma relação entre a

densidade de ninhos de D. lucida e o número de árvores e a área dos fragmentos. Nenhuma

resposta à vegetação foi encontrada, mas densidade respondeu positivamente à área.

Embora os métodos utilizados tenham diferido dos aplicados neste estudo, pode-se discutir

que, aparentemente, a resposta da densidade de D. lucida à área é mais forte em

fragmentos pequenos e torna-se difusa à medida que a disponibilidade de espaço aumenta,

como as áreas utilizadas no presente estudo, ou seja, esta resposta é dependente da escala.

Se comprovado, este fenômeno poderia confirmar a ideia de que D. lucida pode não

apresentar uma resposta populacional a áreas grandes por ser uma espécie adaptada a

pequenas áreas.

Esta idéia é sugerida por Resende et al. (2010) sob o argumento de que, ao evoluir sob a

pressão da fragmentação e área limitada, D. lucida pode ter se tornado adaptada a

pequenos remanescentes, processo que teria ocorrido nos Refúgios durante o Pleistoceno,

quando as condições climáticas hostis causaram a redução das florestas a fragmentos

pequenos, isolando e restringindo as populações. Entretanto, diante desta ideia deve-se

ponderar que os menores refúgios no Pleistoceno e Plioceno poderiam não ser tão

pequenos quanto os menores fragmentos encontrados na Mata Atlântica atual. Nos

menores remanescentes presentes neste estudo não foi registrada a ocorrência da espécie,

embora ela tenha sido encontrada em fragmentos vizinhos.

Schoerederet al. (2004) afirmam que populações de formigas com baixa densidade de

ninhos são mais propensas a eventos de extinção local do que aquelas com altas

densidades. Baixas densidades de ninhos podem afetar a taxa reprodutiva diminuindo a

probabilidade de encontro ente machos e fêmeas durante as épocas de acasalamento que

podem levar a população a minguar gradativamente até a sua extinção. Este fenômeno de

retroalimentação é conhecido como efeito Allee (1931). Embora não tenha sido verificada

a relação direta entre densidade populacional de D. lucida a área dos fragmentos, é

provável que esta variável resposta seja, sim, afetada pela área reduzida pelos menores

fragmentos deste estudo, mas tenham sido extintas nestes locais antes que pudessem ser

detectadas.

É provável que a causa da extinção local seja a pequena área dos remanescentes,

relacionada às condições microclimáticas da borda, mas a persistência da ausência de D.

lucida nesses fragmentos deve-se ao isolamento, que determina sua taxa de recolonização.

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Embora distâncias muito curtas representem uma grande barreira para a migração de

colônias (Vasconcelos et al., 2006), elas não representam a mesma dificuldade para um

macho de D. lucida, que é alado, capaz de alimentar um fluxo gênico entre fragmentos

habitados por fêmeas da espécie. Dessa forma, a fragmentação pode aumentar a

variabilidade genética em tempo evolutivo, mas a perda de habitat causa a diminuição

dessa variabilidade devido às extinções locais.

O modelo de predição de distribuição espacial proposto por Teixeira et al. (2011) mostra

que D. lucida possui dois pontos quentes na sua distribuição, um ao sul da Bahia e outro à

margem sul do Rio Doce, no Espírito Santo. Sobre estes focos estão localizados os

municípios de Belmonte, BA, e Linhares, no ES, que estão entre as dez cidades com maior

índice de desmatamento da Mata Atlântica (INPE, 2011), embora juntos, estes estados

constituam o Corredor Central da Mata Atlântica.

Portanto argumenta-se que, para D. lucida, o investimento em manejo e conservação das

florestas remanescentes é muito mais significativo do que a ligação entre áreas isoladas.

Não é possível prever, por estes dados, algum prejuízo decorrente da criação de corredores

ecológicos, mas considerando que as populações não apresentam resposta ao isolamento do

fragmento, também não se verifica um benefício considerável. A preocupação adequada

para direcionar as atitudes conservacionistas a este respeito deve ser relacionada à perda de

habitat que causam a extinção local, além das perturbações ambientais sobre o habitat.

Estudos anteriores realizados pela mesma equipe em Aracruz, no estado do Espírito Santo

registraram a presença de uma população de D. lucida no Parque Natural Municipal David

Victor Farina, que possui 120 hectares (dados não publicados), preenchendo parte da

lacuna de dados com respeito aos fragmentos entre 20 e 300 hectares neste estudo.

Portanto, recomenda-se ampliar a busca na verificação da presença de D. lucida para

definir, com precisão, qual é a área mínima exigida pela espécie.Entretanto no mesmo

estudo foi também registrada a presença de D. lucida em fragmentos de 2,7 a 10 hectares,

embora dados sugiram que tais populações estejam à beira da extinção local e por isso

demandam urgentemente de atenção especial.

Conclusão

As populações atuais de Dinoponera lucida mantêm uma relação complexa com a

cobertura vegetal, preferindo áreas relativamente iluminadas como campo de forrageio e ao

mesmo tempo, áreas com cobertura vegetal mais densa onde estabelecem seus ninhos.

Entretanto, não está claro se esta relação inclui as condições microclimáticas propiciadas

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pela vegetação ou a sua estrutura em si. Também não há uma dependência da densidade

populacional em relação à oferta de recursos alimentares.

As populações de D. lucida não são diretamente influenciadas pelo isolamento entre os

fragmentos e a sua forma, mas a resposta à área é um pouco mais complexa. Por não ter

apresentado influência sofrida pelo isolamento dos fragmentos, percebe-se que, para esta

espécie, não há benefícios diretos na construção de corredores ecológicos, mas a

manutenção e conservação dos remanescentes onde ela ocorre representam atitudes

suficientemente úteis para a sobrevivência da espécie, principalmente nas regiões do sul da

Bahia e margens do Rio Doce, no Espírito Santo.

Agradecimentos

Agradeço aos amigos que auxiliaram na coleta, aos gestores e funcionários das Unidades

de Conservação envolvidas e à Capes pelo financiamento estudantil.

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