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EFEITOS DO ÁLCOOL NA GESTANTE, NO FETO E NO RECÉM-NASCIDO Conceição A. M. Segre* INTRODUÇÃO O álcool é considerado sem a menor dúvida um agente teratogênico capaz de causar alterações físicas bem como efeitos comportamentais sobre o feto e o recém-nascido sendo a causa mais frequente de retardo mental não congênito. Esse conjunto de alterações na sua apresentação mais grave é conhecido como síndrome alcoólica fetal (SAF) (1). No entanto há diferentes graus de intensidade com que o álcool ingerido pela gestante pode lesar o feto, desde a forma mais grave que é a SAF, até formas mais específicas, como distúrbios do neurodesenvolvimento ou defeitos congênitos, constituindo o chamado “espectro de alterações fetais devidas ao álcool”, ou fetal alcohol spectrum disorders - FASD, na sua sigla em inglês. O espectro de alterações fetais devidas ao álcool é definido, segundo o Centers for Disease Control and Prevention (CDC) americano, como sendo um grupo de condições físicas, comportamentais e de aprendizado que pode ocorrer em pessoas que foram expostas ao álcool durante a gestação (2). Efetivamente, vale salientar que FASD não é um diagnóstico, mas um termo “guarda-chuva” que engloba várias entidades: a SAF, a SAF parcial, os distúrbios do neurodesenvolvimento e os defeitos congênitos ligados ao álcool. Considerando-se os efeitos do álcool na mulher pode-se verificar que são diversos daqueles apresentados pelo homem, para quantidades equivalentes de álcool ingeridas por ambos, pois a biodisponibilidade do álcool na mulher é maior que no homem em função de (3): maior capacidade de absorção; maior proporção de gordura corpórea; menor quantidade de água corpórea; menor atividade da álcool-desidrogenase. A consequência é a maior concentração de álcool no sangue da mulher em relação a um homem de mesmo peso para idênticas quantidades ingeridas. Por outro lado, a diferença quantitativa e qualitativa entre as enzimas fetais e maternas que metabolizam o álcool, ao lado do fato do feto eliminar o álcool para o líquido amniótico, fazem com que fique submetido à uma ação muito prolongada do álcool (1,3). *Livre docente em Pediatria Neonatal pela Escola Paulista de Medicina. Membro da Academia Brasileira de Pediatria. Membro da Academia de Medicina de São Paulo. Coordenadora do Grupo #álcool e gravidez da Sociedade de Pediatria de São Paulo e da campanha #gravidez sem álcool da Sociedade Brasileira de Pediatria.

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EFEITOS DO ÁLCOOL NA GESTANTE, NO FETO E NO RECÉM-NASCIDO

Conceição A. M. Segre*

INTRODUÇÃO

O álcool é considerado sem a menor dúvida um agente teratogênico capaz de causar

alterações físicas bem como efeitos comportamentais sobre o feto e o recém-nascido sendo a

causa mais frequente de retardo mental não congênito. Esse conjunto de alterações na sua

apresentação mais grave é conhecido como síndrome alcoólica fetal (SAF) (1).

No entanto há diferentes graus de intensidade com que o álcool ingerido pela gestante pode

lesar o feto, desde a forma mais grave que é a SAF, até formas mais específicas, como

distúrbios do neurodesenvolvimento ou defeitos congênitos, constituindo o chamado

“espectro de alterações fetais devidas ao álcool”, ou fetal alcohol spectrum disorders - FASD,

na sua sigla em inglês.

O espectro de alterações fetais devidas ao álcool é definido, segundo o Centers for Disease

Control and Prevention (CDC) americano, como sendo um grupo de condições físicas,

comportamentais e de aprendizado que pode ocorrer em pessoas que foram expostas ao

álcool durante a gestação (2). Efetivamente, vale salientar que FASD não é um diagnóstico,

mas um termo “guarda-chuva” que engloba várias entidades: a SAF, a SAF parcial, os distúrbios

do neurodesenvolvimento e os defeitos congênitos ligados ao álcool.

Considerando-se os efeitos do álcool na mulher pode-se verificar que são diversos daqueles

apresentados pelo homem, para quantidades equivalentes de álcool ingeridas por ambos, pois

a biodisponibilidade do álcool na mulher é maior que no homem em função de (3):

• maior capacidade de absorção;

• maior proporção de gordura corpórea;

• menor quantidade de água corpórea;

• menor atividade da álcool-desidrogenase.

A consequência é a maior concentração de álcool no sangue da mulher em relação a um

homem de mesmo peso para idênticas quantidades ingeridas.

Por outro lado, a diferença quantitativa e qualitativa entre as enzimas fetais e maternas que

metabolizam o álcool, ao lado do fato do feto eliminar o álcool para o líquido amniótico, fazem

com que fique submetido à uma ação muito prolongada do álcool (1,3).

*Livre docente em Pediatria Neonatal pela Escola Paulista de Medicina. Membro da Academia

Brasileira de Pediatria. Membro da Academia de Medicina de São Paulo. Coordenadora do

Grupo #álcool e gravidez da Sociedade de Pediatria de São Paulo e da campanha #gravidez

sem álcool da Sociedade Brasileira de Pediatria.

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O álcool atua como agente teratogênico por meio de vários mecanismos (1):

• presença de espécies reativas de oxigênio;

• diminuição dos níveis de antioxidantes endógenos;

• lesão mitocondrial;

• peroxidação líquida;

• alteração na adesão celular neuronal;

• vasoconstricção placentária;

• inibição de fatores necessários ao crescimento e desenvolvimento fetal.

No entanto, ainda são identificados outros fatores de risco como: influências genéticas; estado

nutricional materno; fatores demográficos e o estilo de vida; saúde mental e fatores

psicológicos; padrões de consumo de álcool; e uso de outras drogas (4).

PAPEL DO PAI

O papel paterno tem sido muito pouco estudado. Trabalhos experimentais recentes concluem

que a ingestão paterna de álcool afeta a expressão cerebral do fator de crescimento nervoso e

do fator neuro trófico derivado do cérebro (5). Zuccolo et al. (6), em publicação de 2016,

encontraram associação entre alcoolismo paterno anterior à gestação atual e microcefalia

fetal.

A GESTANTE

A definição de exposição pré-natal da gestante ao álcool, segundo Hoyme et al. (7), engloba os

seguintes parâmetros:

• ingestão de ≥6 drinks* /semana por ≥2 semanas durante a gestação;

• ingestão de ≥3 drinks por ocasião em ≥2 ocasiões durante a gestação;

• documentação de problemas com a lei por dirigir embriagada ou história de

tratamento por condição relacionada ao álcool;

• documentação, por meio de testes de intoxicação durante a gestação, realizados no

sangue, ou ar expirado ou urina;

• teste de biomarcadores positivo para exposição ao álcool, durante a gravidez, ou ao

nascimento;

• aumento de risco pré-natal associado à ingestão de álcool durante a gestação por meio

de um teste de triagem validado.

Prevalência do consumo de álcool durante a gestação

Nos Estados Unidos, de acordo com o Centers for Disease Control and Prevention (8), a

percentagem de mulheres grávidas que consumem álcool aumentou de 7,6% em 2012 para

10,2% em 2015 e o número de mulheres que reportaram embriagues aguda (“binge drinking”)

ou ingestão de uma só vez de quatro ou mais “drinks”, que era de 1,4% em 2012 aumentou

para 3,1% em 2015.

Em 2017, a prevalência global do uso de álcool durante a gravidez foi estimada por Popova et

al. (9) em 9·8% (95% CI 8·9-11·1) e em 15.2% (95%CI) para o Brasil. Esses mesmos autores

concluem que 1 em cada 67 mulheres que consumiu álcool durante a gestação, no mundo,

dará à luz um filho com síndrome alcoólica fetal, o que corresponderia ao nascimento anual de

119.000 crianças afetadas (9).

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Pesquisa realizada em maternidade de periferia da cidade de São Paulo identificou que entre

1964 gestantes 33,3% ingeriam alguma quantidade de álcool durante a gestação e 21,4% o

faziam até o final do período gestacional (10).

*drink = medida de qualquer bebida que contenha 14g de álcool puro. National Institute of

Alcohol Abuse and Alcoholism (NIAAA) [homepage on the Internet]. Overview of alcohol

consumption [cited 2020 Feb 3]. Disponível em: www.niaaa.nih.gov/alcohol-health.

Como identificar a gestante alcoolista

Não é fácil avaliar o consumo de álcool durante a gestação, seja pela omissão ou negação

desse hábito que, muitas vezes, não é sequer averiguado durante as consultas de pré-natal.

Para tanto poderia se recorrer a marcadores indiretos como transaminases, gama GT, VCM,

porém, embora traduzindo comprometimento hepático, não são específicos. Ou ainda

marcadores de exposição: acetaldeído, transferrina deficiente em carboidratos que poderiam

ser valorizados somente para cifras muito elevadas, ou a alcoolemia, que não avalia exposição

no longo prazo (4).

Avanços na detecção do alcoolismo na gestante dizem respeito à pesquisa de derivados do

metabolismo não oxidativo do álcool (etil ésteres de ácidos graxos – FAEEs) que incluem o

etilglucoronideo, o etilsulfato e o fosfatidiletanol, que podem se constituir em uma janela

temporal na detecção de ingestão de álcool pela gestante (4). O etilglucoronideo pode

desempenhar papel importante na confirmação de ingestão de álcool, sendo a pesquisa em

cabelo mais eficiente que em urina ou sangue de gestantes, permitindo medida retrospectiva

até de vários meses (11).

Contudo, ainda não dispomos dessa metodologia em nosso meio.

Assim, lança-se mão de perguntas diretas ou de questionários. Há vários deles destinados a

avaliar consumo de álcool e são conhecidos na literatura médica por suas siglas em inglês,

AUDIT, CAGE, T-ACE, TWEAK (C), CRAFFT (4).

Um deles, o T-ACE foi proposto e validado especificamente para ser utilizado em obstetrícia e

tem sido largamente empregado (quadro 1). Tem a vantagem de ser de aplicação rápida.

Tabela 1 – Questionário T-ACE (12)

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Mais de 2 pontos = ingestão de risco

Tratamento

A gestante consumidora de álcool pode apesentar uma enormidade de problemas sociais,

psicológicos e co-morbidades que indicam o encaminhamento a uma equipe multidisciplinar,

incluindo psiquiatra, assistente social, especialista em drogadição, além do obstetra.

O emprego de farmacoterapia, principalmente o uso de benzodiazepínicos, é controverso pois

há o risco de ocorrerem malformações fetais (13).

A indicação de intervenções breves tem se mostrado uma opção bem-sucedida (14).

Orientação quanto ao consumo de álcool na gestação

Álcool e gravidez, eis aí um coquetel perigoso!

Como não se conhece um nível seguro de alcoolemia, abaixo do qual não ocorram

manifestações de fetopatia alcoólica (8) a recomendação é de tolerância ZERO para álcool

durante a gravidez.

Mesmo a ingestão moderada de bebida alcoólica durante a gestação leva a risco, como prematuridade, baixo peso ao nascer e asfixia neonatal (15,16). À equipe de saúde cabe enfatizar à gestante repetidamente que nenhuma quantidade de

álcool ingerida é segura, que não há nenhum trimestre seguro para ingestão de bebidas

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alcoólicas, que todas as formas de álcool representam um risco semelhante e que a

intoxicação aguda (bebedeira) representa um risco fetal relacionado à dose (7).

A Organização Mundial de Saúde (OMS) (17) publicou em 2014 uma série de recomendações à equipe de saúde:

• a equipe de saúde deve perguntar a todas as gestantes sobre o uso de álcool e outras drogas (presente e passado) tão logo quanto possível e a cada consulta pré-natal;

• a equipe de saúde deve, na primeira oportunidade, aconselhar a gestante dependente a cessar o hábito e de oferecer serviços de desintoxicação sob supervisão médica;

• como a eficácia do tratamento para dependência do álcool não tem segurança garantida, uma análise individual caso-a-caso de risco-benefício deve ser conduzida;

• mulheres em aleitamento materno devem ser aconselhadas e apoiadas a cessar o hábito.

O FETO O espectro de alterações fetais ligadas ao álcool ocorre enquanto o feto está se desenvolvendo in útero. Isto significa que se pode tratar como sendo um distúrbio do desenvolvimento.

Quando a gestante ingere uma bebida alcoólica as concentrações de álcool no sangue fetal são equivalentes aos níveis maternos uma a duas horas depois da ingestão pela gestante (18). O tempo de exposição do feto ao álcool ingerido pela gestante acha-se prolongado quer pela reduzida capacidade metabólica fetal ou pelo fato de que sua eliminação para o líquido amniótico o torna em verdadeiro reservatório de etanol (19). Durante o período embrionário (da nidação até a 8ª semana de idade gestacional), o álcool atua provocando alteração na divisão, proliferação, migração e diferenciação celular que se traduzem pelo aparecimento de malformações grosseiras. Durante o período fetal (da 9ª até a 14ª semana de idade gestacional) sua ação provoca alterações principalmente no sistema nervoso central (19). Sendo o cérebro um órgão bastante complexo, com vários tipos de células, como células do córtex, do lobo frontal, do cerebelo e ponte, seu comprometimento pode se apresentar de diversas maneiras. Outrossim, são vários os possíveis mecanismos de ação do álcool no sistema nervoso central, incluindo alteração da expressão genética devida a modificações epigenéticas, interferência na migração das células da crista neural, toxicidade celular através das espécies reativas de oxigênio, apoptose neuronal, danos à glia e astrócitos tróficos (células que orientam a migração dos neurônios) interrompendo ou alterando sua migração de modo que esses neurônios não estarão nos seus lugares adequados em fase precoce do desenvolvimento, e ativação inapropriada da microglia (20). Mas talvez o mais importante seja a morte neuronal. Os principais locais onde ocorrem as lesões são: cerebelo (hipoplasia), corpo caloso (alteração da forma, tamanho ou até agenesia), diminuição do volume dos gânglios da

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base, córtex, hipotálamo, tálamo, hipocampo e área septal, sendo que as primeiras cinco semanas constituem o período de maior risco (19). Essas alterações se traduzem clinicamente como microencefalia e microcefalia (19,20). Por outro lado, o tipo e gravidade dos defeitos congênitos induzidos pela exposição pré-natal ao álcool são largamente dependentes do padrão de exposição, da dose, e do estágio de desenvolvimento do embrião ou do feto no momento da exposição (21). O RECÉM-NASCIDO

Prevalência A prevalência estimada de SAF na população geral, segundo referem Lange et al. (21) em estudo de metanálise publicado em 2017 é de 7,7/1000 habitantes, apresentando contudo grandes variações de país a país, ou taxas maiores que aquelas globais entre populações específicas (indígenas, crianças institucionalizadas, população carcerária, população de baixo nível socioeconômico e população sob cuidados psiquiátricos). Para a região das Américas em geral a taxa relatada é de 8,8/1000 habitantes. No caso específico do Brasil, não há dados oficiais. Quadro clínico O recém-nascido com SAF completa apresenta três características básicas: dismorfismos faciais, deficiência de crescimento e comprometimento neurológico (22). 1 - Os dismorfismos faciais são os seguintes: fissuras palpebrais pequenas, ausência de filtro nasal e borda vermelha do lábio superior fina. Figura 1. FIGURA 1

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Figura 1 – Recém-nascido com dismorfismos faciais. Ausência de filtro nasal. Borda vermelha do lábio superior fina. Foto obtida logo após o nascimento mostra pálpebras edemaciadas prejudicando a avaliação do seu tamanho. Foto do arquivo particular de Mesquita MA, com permissão. Curvas de percentil foram construídas para o tamanho da fissura palpebral e da borda fina do lábio superior em população de maternidade da cidade de São Paulo onde constam os percentis 10,50 e 90 (23). Figura 2. Figura 2 . Curvas de percentil para medida da fissura pálpebra e da borda vermelha do lábio superior

O fenótipo facial resultante da exposição pré-natal ao álcool corresponde às anormalidades cerebrais, de modo que quanto mais acentuada for a dismorfia facial mais intenso será o comprometimento neurológico (24). Outras malformações faciais são também assinaladas como fronte estreita, hipoplasia hemifacial, hipotelorismo ou hipertelorismo, hipoplasia maxilar e mandibular, prognatismo, ptose palpebral, prega epicantal, nariz pequeno e antevertido, ponte nasal larga e rebaixada, palato em ogiva, aplasia de úvula, hipoplasia de esmalte, dentes pequenos, má oclusão dentária, fenda labial e/ou palatina, micrognatia e orelhas em abano, mal posicionadas e malformadas (21).

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2 - A deficiência de crescimento implica no peso ao nascer abaixo do percentil 10 da

curva de crescimento intrauterino, comprimento ao nascer abaixo do 10º. percentil da

curva de crescimento e índice de massa corpórea também abaixo do percentil 10 (21).

3 - A identificação do comprometimento neurológico no período neonatal baseia-se principalmente na ocorrência de perímetro cefálico inferior ao percentil 10 e presença de anomalias estruturais do cérebro (25). Dentre estas, pode-se encontrar hipoplasia até agenesia do corpo caloso que é descrita como uma das anomalias do SNC mais frequentes (26). Essa ausência leva desde a inexistência de sintomas até quadros de deficiência mental de graus variados, convulsões e déficits motores. Na criança maior verifica-se envolvimento cognitivo, que pode variar desde grave

comprometimento intelectual (QI<70) a déficits selecionados, como o déficit de atenção e

hiperatividade (presente em 50% a 80% dos casos), déficit de funções executivas, de memória,

habilidade visual-motora diminuída e pobre performance acadêmica (27-29). São frequentes

os problemas no aprendizado de matemática, atrasos na linguagem e motricidade,

dificuldades de integração social e comunicação, e risco aumentado de doenças psiquiátricas

na vida adulta, problemas com a lei, abuso de álcool e uso de drogas ilícitas (27). Uma alta taxa

de autismo, bem acima daquela esperada, é também observada (30).

A exposição pré-natal ao álcool altera o desenvolvimento do sistema imune e as respostas imunes aos agravos do início da vida extrauterina com consequências para a saúde pelo resto da vida (31).

Outras anomalias congênitas também podem ocorrer como: defeitos cardíacos (transposição de grandes vasos, defeitos septais), problemas renais, alterações oculares, esqueléticas (pé torto), hemangiomas, espina bífida (32). Diagnóstico

O diagnóstico de FASD não é fácil. Por um lado, as dismorfias faciais vão esmaecendo

com os passar dos anos e, por outro, as equipes de saúde não estão preparadas para

identificar os casos. Além do mais requer uma equipe multidisciplinar e tem início com

a história materna aonde vai se buscar a informação sobre a ingestão de bebida

alcoólica, que pode ser obtida da gestante por meio de questões diretas sobre esse

hábito ou utilizando-se questionários validados, como por exemplo o T-ACE (11),

conforme anteriormente referido.

O diagnóstico deve ser o mais precoce possível, caso contrário será negado ao

portador de FASD o acesso a serviços especializados, ao tratamento adequado e à

reabilitação.

No período neonatal, o diagnóstico é realizado por meio de critérios clínicos, dados de

neurimagem e exames laboratoriais (pesquisa dos FAEEs) no mecônio, ou cabelo do recém-

nascido.

Há vários critérios para o diagnóstico de espectro de desordens fetais alcoólicas e de acordo

com Hoyme et al. (7,22) os seguintes parâmetros devem ser observados:

I - Síndrome alcoólica fetal (SAF)

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Com ou sem exposição prévia ao álcool documentada

O diagnóstico de SAF requer todas as características descritas de A-D:

A. Padrão característico facial, incluindo duas ou mais das seguintes características:

1. Fissura palpebral pequena (<10º. percentil)

2. Borda vermelha do lábio superior fina (classificação 4 ou 5 do guia

lábio/filtro nasal de acordo com a raça, se disponível)

3. Filtro nasal liso (classificação 4 ou 5 do guia lábio/filtro nasal de

acordo com a raça, se disponível)

B. Deficiência de crescimento pré-natal e/ou pós-natal:

1. Comprimento e/ou peso ≤ 10º percentil (de acordo com a curva de

crescimento racial ou etnicamente apropriado)

C. Déficit de crescimento cerebral, morfogênese anormal ou neurofisiologia anormal,

incluindo uma ou mais das seguintes características:

1. Perímetro cefálico ≤ 10º.percentil

2. Anomalias estruturais do cérebro

3. Convulsões não febris frequentes (outras causas de convulsões

foram descartadas)

D. Alterações neurocomportamentais:

1. Para crianças com três ou mais anos de idade (a ou b):

a. Com alteração cognitiva:

- Evidência de comprometimento global (habilidade conceitual geral ≥ 1,5 DP

abaixo da média ou QI de desempenho ou QI verbal ou QI espacial ≥ 1,5 DP

abaixo da média)

OU

- Déficit cognitivo em pelo menos um domínio neurocomportamental ≥ 1,5 DP

abaixo da média (funcionamento executivo, deficiência específica de

aprendizagem, comprometimento da memória ou comprometimento visual-

espacial)

b. com alteração do comportamento sem alteração cognitiva:

- Evidência de déficit comportamental em pelo menos um domínio ≥ 1,5 DP

abaixo da média em deficiências de autorregulação (comprometimento do

humor ou da regulação comportamental, déficit de atenção ou de controle de

impulso)

2. Para crianças com menos de três anos de idade:

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- Evidência de atraso no desenvolvimento ≥ 1,5 DP abaixo da média

II -Síndrome alcoólica fetal parcial

Para crianças com exposição pré-natal documentada, o diagnóstico de PFAS requer as

características A e B:

A. Padrão característico facial, incluindo duas ou mais das seguintes características:

1. Fissura palpebral pequena (≤ 10º. percentil)

2. Borda vermelha do lábio superior fina (classificação 4 ou 5 do guia

lábio/filtro nasal de acordo com a raça, se disponível)

3. Filtro nasal liso (classificação 4 ou 5 do guia lábio/filtro nasal de acordo com

a raça, se disponível)

B. Alterações neurocomportamentais:

1. Para crianças com três ou mais anos de idade (a ou b):

a. com alteração cognitiva:

- Evidência de comprometimento global (habilidade conceitual geral≥

1,5 DP abaixo da média ou QI de desempenho ou QI verbal ou QI

espacial ≥ 1,5 DP abaixo da média)

OU

- Déficit cognitivo em pelo menos um domínio neurocomportamental

≥ 1,5 DP abaixo da média (funcionamento executivo, deficiência

específica de aprendizagem, comprometimento da memória ou

comprometimento visual-espacial)

b. com alteração do comportamento sem alteração cognitiva:

(comprometimento do humor ou da regulação comportamental, déficit de

atenção ou de controle de impulso)

2. Para crianças com menos de três anos de idade:

- Evidência de atraso no desenvolvimento ≥ 1,5 DP abaixo da média

Para crianças sem exposição prévia ao álcool documentada, o diagnóstico de PFAS requer

todas as características de A-C:

A. Padrão característico facial, incluindo duas ou mais das seguintes características:

1. Fissura palpebral pequena (≤ 10º. percentil)

2. Borda vermelha do lábio superior fina (classificação 4 ou 5 do guia

lábio/filtro nasal de acordo com a raça, se disponível

3. Filtro nasal liso (classificação 4 ou 5 do guia lábio/filtro nasal de acordo com

a raça, se disponível)

B. Deficiência de crescimento ou déficit de crescimento cerebral, morfogênese

anormal ou neurofisiologia anormal:

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1. Comprimento e/ou peso ≤ 10º. percentil (de acordo com a curva de

crescimento racial ou etnicamente apropriado, se disponível)

OU

2. Déficit de crescimento cerebral, morfogênese anormal ou neurofisiologia

anormal, incluindo uma ou mais das seguintes características:

1. Perímetro cefálico ≤ 10º.percentil

2. Anomalias estruturais do cérebro

3. Convulsões não febris frequentes (outras causas de convulsões

foram descartadas)

C. Alterações neurocomportamentais:

1. Para crianças com três ou mais anos de idade (a ou b):

a. com alteração cognitiva:

- Evidência de comprometimento global (inteligência global ≥ 1,5 DP abaixo da

média ou QI de desempenho ou QI verbal ou QI espacial ≥ 1,5 DP abaixo da

média)

OU

- Déficit cognitivo em pelo menos um domínio neurocomportamental≥ 1,5 DP

abaixo da média (funcionamento executivo, deficiência específica de

aprendizagem, comprometimento da memória ou comprometimento visual-

espacial)

b. com alteração do comportamento sem alteração cognitiva:

- Evidência de déficit comportamental em pelo menos um domínio ≥ 1,5 DP

abaixo da média em deficiências de autorregulação (comprometimento do

humor ou da regulação comportamental, déficit de atenção ou de controle de

impulso)

2. Para crianças com menos de três anos de idade:

- Evidência de atraso no desenvolvimento ≥ 1,5 DP abaixo da média

III - Desordens de neurodesenvolvimento relacionadas ao álcool

Requer as características A e B (esse diagnóstico não pode ser feito de forma definitiva em

crianças menores de três anos de idade):

A. Exposição pré-natal ao álcool documentada

B. Alterações neurocomportamentais:

Para crianças com três ou mais anos de idade (a ou b):

a. com alteração cognitiva:

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- Evidência de comprometimento global (inteligência global ≥ 1,5 DP abaixo da

média ou QI de desempenho ou QI verbal ou QI espacial ≥ 1,5 DP abaixo da

média)

OU

- Déficit cognitivo em pelo menos dois domínios neurocomportamentais ≥ 1,5

DP abaixo da média (funcionamento executivo, deficiência específica de

aprendizagem, comprometimento da memória ou comprometimento visual-

espacial)

b. com alteração do comportamento sem alteração cognitiva:

- Evidência de déficit comportamental em pelo menos dois domínios ≥ 1,5 DP

abaixo da média em deficiências de autorregulação (comprometimento do

humor ou da regulação comportamental, déficit de atenção ou de controle de

impulso)

IV. Defeitos congênitos relacionados ao álcool

Requer características A e B

A. Exposição pré-natal ao álcool documentada

B. Uma ou mais malformações maiores específicas demonstradas em modelos animais

e estudos em humanos como resultado da exposição pré-natal ao álcool:

- Cardíaca: defeitos do septo atrial, vasos aberrantes, defeitos do septo

ventricular, defeitos cardíacos conotruncais;

- Esqueleto: sinostose radioulnar, alteração da segmentação vertebral, grandes

contraturas articulares, escoliose;

- Renal: rins aplásicos/hipoplásicos/displásicos, rins em “ferradura”,

duplicações ureterais;

- Olhos: estrabismo, ptose palpebral, anomalias vasculares da retina,

hipoplasia do nervo óptico;

- Orelha: perda auditiva condutora, perda auditiva neurossensorial.

Neurimagem – Exames de neurimagem demonstram que a espessura cortical das crianças

expostas ao álcool na vida intrauterina acha-se diminuída (33) levando aos vários déficits

funcionais que ocorrem nas crianças portadoras de FASD.

Diagnóstico diferencial

Várias síndromes genéticas podem ser consideradas no diagnóstico diferencial, como

síndromes de: Aarskog, Cornelia de Lange, Dubowitz, Noonan, Williams, hidantoina fetal

(filantina), valproato fetal, fenilcetonuria materna, embriopatia do tolueno, (34), todos,

porém, muito raros.

A embriopatia do tolueno é a entidade que mais se aproxima da fetopatia alcoólica, pois no

seu quadro clínico são também descritas as três características de dismorfismo facial presentes

na SAF: fissuras palpebrais pequenas, filtro nasal liso, e borda vermelha do lábio superior fina.

Além disso também ocorrem nessa embriopatia, hipoplasia medial da face, micrognatia,

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fontanela anterior ampla, cantos da boca voltados pra baixo, anomalias auriculares e

estreitamento da fronte. A história materna faz o diagnóstico (34).

Tratamento

Tratamento curativo não há, mas o reconhecimento precoce das ações do álcool permite a

possibilidade de reabilitação e melhora do prognóstico (30).

Atualmente algumas opções têm sido exploradas na fase pré-natal com o objetivo de proteger

o feto dos agravos do álcool, como administração de antioxidantes (vitaminas C, E),

suplementos alimentares como ácido fólico, colina, peptídeos neuroativos e fatores de

crescimento neurotróficos (35) cujos resultados ainda não estão consolidados.

O tratamento pós natal é principalmente voltado às lesões cerebrais pois considera-se que

FASD é principalmente um distúrbio causado por esse dano e os achados clínicos são as

consequências dessa disfunção cerebral.

Essas lesões se apresentam com diferentes graus de intensidade e suas consequências

poderão ser deterioradas por uma atenção pós natal inadequada, agravadas pelo fato dessas

crianças viverem em circunstâncias sociais instáveis (30), o que torna a conduta frente ao

problema bastante complexa.

O tratamento demanda, portanto, uma série de intervenções, que podem ser ou não

medicamentosas.

As intervenções não medicamentosas incluem reabilitação, educação especial e suporte social,

o que é efetivado por meio de uma equipe multidisciplinar, composta por pediatras,

psicólogos, psiquiatras, equipes de saúde treinadas, aliados a professores que conheçam esse

problema (30). É programa para toda uma vida, não apenas da criança atingida, mas de toda a

família.

O tratamento medicamentoso é meramente sintomático e dirigido principalmente às

manifestações do déficit de atenção e hiperatividade. Medicações neurolépticas podem

melhorar os resultados, segundo Petrenko e Alto (36). Há controvérsias, porém, quanto ao

uso de medicações estimulantes: Peadon et al. (37, 38) assinalam que estimulantes mostram

algum benefício e que os melhores resultados são obtidos com o uso de dexanfetamina do que

com o metilfenidato. Murawski et al. (38) referem, porém, até mesmo piora nos resultados

com o seu uso. Os de ação curta teriam ainda a desvantagem de poder levar à drogadição

(40).

O tratamento dos indivíduos acometidos por FASD é para toda a vida e deve contar com o

envolvimento da família e de toda a equipe de saúde.

Lactação

O álcool é transferido para o leite materno em 30-60 minutos após a ingestão, atingindo níveis

semelhantes aos do soro materno. O álcool não é galactagogo e seu uso reduz a duração da

amamentação (41,42).

O tempo médio para que o leite materno possa zerar a presença de álcool após a ingestão de

um “drink” padrão é de aproximadamente 3 horas (175 minutos) (43).

Os efeitos imediatos sobre o recém-nascido são: sonolência, sono profundo, transpiração

excessiva, ganho anormal de peso e diminuição do crescimento linear (44).

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No longo prazo, crianças cujas mães que consumiram álcool durante ao período de

aleitamento, examinadas aos sete anos, apresentaram resultados negativos em testes

comportamentais (43).

A exposição de crianças ao álcool através do leite materno pode causar diminuição dose-

dependente em suas habilidades cognitivas (45).

O CDC americano recomenda que a abstinência de álcool durante a lactação é a melhor opção

para mães que amamentam (46). De acordo com a Academia Americana de Pediatria

(American Academy of Pediatrics) o aleitamento materno é permitido, aparentemente

dependendo da dose diária de álcool ingerida (44).

Seguimento

As alterações encontradas no FASD, ou seja, os dismorfismos faciais, a restrição de

crescimento, o comprometimento do neurodesenvolvimento, a morbidade psiquiátrica, enfim

todas as anomalias ligadas ao FASD se estendem durante a vida do indivíduo acometido (30),

de modo a impedir que consigam emprego estável, obter uma graduação acadêmica, enfim a

viver de maneira independente (47).

Crianças com FASD apresentam maior número de internações hospitalares e maior tempo de

internação que controles não portadores de FASD. Os problemas mais encontrados são: otite

média, pneumonia, desidratação, anemia, falência de crescimento, abuso sexual, problemas

com alimentação, gastroenterite e bronquite (48).

Pouco se conhece a respeito do futuro de indivíduos acometidos além dos 30 anos de idade.

Modelos animas sugerem que estejam mais sujeitos a apresentarem doenças autoimunes,

diabetes, hipertensão e câncer. Em adultos com FASD, além do alto risco de distúrbios

psiquiátricos e de personalidade, também ocorrem com grande frequência problemas com

interrupção escolar (61%), dificuldades com a lei (60)%, aprisionamento (50%), conduta sexual

inapropriada (49%), uso de álcool e drogas ilícitas (35%) (47).

A probabilidade de escapar desses efeitos adversos depende de um diagnóstico precoce, que

seja feito antes dos seis anos de idade, que essas crianças sejam criadas em lares acolhedores

e tenham acesso a serviços especializados (49).

Custos

Os custos que a ocorrência de FASD traz para a sociedade são elevados, não apenas pela sua

alta prevalência como também aqueles devidos à falta de produtividade dos indivíduos

afetados, além do incalculável sofrimento familiar. Nos Estados Unidos da

América do Norte variou de USD $74,6 milhões em 1984 a USD $4 bilhões em 1998. No Canadá

o custo anual estimado foi de USC$ 5,3 bilhões em 2007 (50).

Na Suécia, Ericson et al. (51) referem que os custos relativos à

SAF por ano e por criança de 0-17 anos são de €7.600; para faixa etária entre 18-74 anos são

de €110.000; o total de custos é de €1.6 bilhões por ano, calculando a prevalência em 0,2% da

população.

No Brasil, como não temos dados a respeito da afecção, quanto à prevalência, a cuidados e

consequências, não temos dados referentes a custos.

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Mortalidade

O diagnóstico de FASD é um importante marcador de risco para mortalidade precoce, quer

seja do indivíduo afetado, mas também para suas mães e irmãos não afetados. Mães de

crianças com FASD têm 44,82 vezes mais risco de morte do que a população geral e 87%

dessas mortes ocorrem em mulheres com menos de 50 anos (52). A taxa de mortalidade para

irmão não afetados de crianças com FASD é de 114/1000, enquanto entre controles pareados

é de 19/1000 (53).

Indivíduos portadores de FASD têm nove vezes mais o risco de morte do que outros não

afetados da mesma idade e que quase metade de todas essas mortes ocorre entre jovens

adultos (53).

A expectativa de vida para indivíduos com SAF completa é de 34 anos. As principais causas de

morte são: suicídio, acidentes, uso de drogas ilegais ou álcool, doenças dos sistemas

respiratório, nervoso, circulatório e digestivo, mal formações congênitas, distúrbios

comportamentais e mentais (54).

Prevenção

Os efeitos do álcool sobre o feto e o recém-nascido constituem uma afecção comum.

Atualmente estima-se que diariamente no mundo haja 1726 casos novos! Contudo não se

consegue diagnosticar sequer 1% desses casos (55). Essa imensa falha nos diagnósticos

provavelmente é secundária a vários fatores como: complexidade do diagnóstico,

dependência da presença de dismorfias faciais, sobreposição de diagnóstico com outras

entidades (por exemplo déficit de atenção e hiperatividade) e pelo fato de que muitos

indivíduos afetados apresentam poucos sinais e sintomas e não despertam atenção clínica

(56).

A prevenção consiste basicamente em informação! Deve-se informar à população geral, em

particular às mulheres em idade reprodutiva e, definitivamente, às gestantes e às mulheres

que estejam tentando engravidar que elas devem se abster do consumo de álcool: a meta é

tolerância zero para álcool na gravidez e na lactação! Somente assim poderemos eliminar por

completo o aparecimento de novos casos dessa entidade (55) que poderíamos mesmo chamar

de “epidemia silenciosa” ... As autoridades de saúde, as universidades em particular e as

escolas em geral, enfim, todos os meios de comunicação de que se dispõe atualmente

deveriam estar envolvidos nessa verdadeira cruzada moderna.

Conclusões

A razão fundamental para o estudo dos efeitos do álcool no feto e no recém-nascido reside no

fato de se tratar de entidade totalmente prevenível. Qualquer quantidade de álcool ingerida

em qualquer período da gestação pode ser lesiva ao feto.

A abstinência do álcool durante a gravidez e para mulheres que desejam engravidar previne o

aparecimento de novos casos da entidade.

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RECOMENDAÇÕES

1 – Os efeitos do álcool no feto e no recém-nascidos são totalmente preveníveis se a gestante

não ingerir álcool durante a gravidez.

2. Durante a gestação nenhuma quantidade de álcool é considerada segura.

3 . Não há trimestre seguro para ingestão de qualquer forma de álcool

4 – As consequências dos efeitos do álcool são para toda a vida.

5 – A identificação, diagnóstico e estabelecimento de uma terapêutica precoces podem

melhorar os resultados nos indivíduos afetados.

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