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A PESQUISA SOBRE AS PRTICAS DE EDUCAO INFANTIL:INVESTIGANDO AS MICRO RELAES SOCIAISSILVA, Sandra Cristina Vanzuita da UNIVALI [email protected], Cila Alves dos Santos UNIVALI [email protected]: Educao de Crianas de 0 a 6 anos / n.07
Agncia Financiadora: Sem Financiamento
Percebe-se atualmente no desenvolvimento de pesquisas de carter qualitativo na
rea educacional, uma forte tendncia de trabalhos sobre as prticas pedaggicas na
Educao Infantil. Andr (2003) assinala ser importante estudar essas prticas, pois elas
podem nos revelar as formas com que os sujeitos interpretam sua realidade e os
significados que atribuem determinada situao, que podem se descortinar por meio
de diferentes linguagens1.
A autora sugere que nesse processo necessrio considerar algumas questesrelevantes, dentre estas podemos relacionar: a articulao entre a teoria e a prtica; os
saberes e as experincias dos professores e a ao da criana. necessrio ainda levar
em conta a complexidade e as mltiplas inter-relaes produzidas nesses espaos, pois
este um campo de investigao complexo a ser mais explorado no contexto
educacional.
Nesse sentido entendemos que a pesquisa na educao requer explicaes micro-
sociais para que seja possvel avanar sobre as questes que se desenvolvem no interiordas instituies de Educao Infantil. no cenrio da sala de aula que professores e
crianas nos momentos de inter-relao constroem cenas nicas. Esses atores tomam
atitudes e saberes que s podero ser revelados por meio de uma observao com rigor
cientfico. Os instrumentos utilizados devem permitir a captao de singularidades tais
como: palavras, gestos, smbolos, figuras e tambm as diversas expresses e
manifestaes humanas.
Gamboa (2003) e Andr (2003) afirmam que, a utilizao de um plano detrabalho mais aberto e flexvel da a possibilidade da constante reviso de instrumentos
de coleta de dados, dos fundamentos tericos, no sentido de alcanar a descoberta de
conceitos e relaes, compreendendo a realidade de forma interpretativa.
Porm ao desenvolvermos um trabalho de pesquisa sobre as prticas
pedaggicas, precisamos de cautela, pois ao mesmo tempo em que a pesquisa
qualitativa abre um leque potencial de se perceber as mltiplas vozes que esto
1
Entendemos por linguagens significados que possibilitam os participantes das aesproduzirem no somente uma funo comunicativa, mas tambm uma produo social em quese estabelecem relaes sociais de conflitos e de confrontos ideolgicos. (BAKHTIN, 1995)
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2presentes nesses contextos, tambm pode suprimir idias. Assim preciso que o
pesquisador torne-se o coordenador dessas vozes sem hierarquiz-las e no momento da
interpretao possa dar lugar a todos assegurando a participao dos atores de modo
mais pleno.
Por isso a preocupao na coleta de dados s far sentido se compreendermos
que, as aes produzidas em sala so construdas em redes de significaes marcadas
por encontros contnuos traduzindo-se na polivocalidade. Considerando estes aspectos a
sala de aula torna-se campo profcuo onde possvel captar as mltiplas vozes, que so
constitudas pelas professoras e as crianas.
Segundo os estudos etnogrficos, a polivocalidade se traduz nos modos como a
linguagem se faz presente nas interaes que ocorrem no contexto da sala de aula
Erickson (2001), o que torna fundamental conduzirmos a compreenso dessas
interaes que se processam na e pela heterogeneidade das vozes e saberes.
Assim este trabalho, pretende trazer as reflexes resultantes de duas pesquisas
produzidas a partir da utilizao de procedimentos que priorizaram as aes conjuntas
entre professores e crianas dando a possibilidade de visualizao das micro-relaes
estabelecidas no decorrer das prticas pedaggicas nas salas de Educao Infantil.
Capturando as aes produzidas no interior das salas de EducaoInfantil
As pesquisas priorizavam em seus objetivos, investigar como professoras da
Educao Infantil de duas redes municipais de ensino organizavam suas prticas quando
desenvolviam um projeto e como as estratgias pedaggicas para aquisio da
linguagem escrita eram propostas e utilizadas.
Realizamos as pesquisas no cenrio da sala de aula para compreender como se
constitua a dinmica das aes prticas de seis professoras2 efetivas, formadas em
Pedagogia com as crianas de 4 a 6 anos que compem as seis turmas.
Os eixos de observaes foram os mesmos definidos para as anlises,
os quais foram inspirados em Becchi e Bondioli (2003) e Gariboldi (2003)
quanto: organizao do cenrio as aes dos participantes no cenrio.
Compreendemos nesse trabalho que o cenrio assume significados que so
qualificados pelo tipo de aes que nele se realiza, de forma que, diz respeito
2Os participantes adultos desta pesquisa so todas do gnero feminino.
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3s caractersticas intencionais das professoras e a constituio do ambiente
educativo.
Esses eixos deram origem a micro-elementos que segundo Becchi e
Bondioli (2003), so fundamentais para decompor e sintetizar a prtica
educativa, o que possibilita ao pesquisador elaborar anlises interpretativas
sobre algo que no pode ser compreendido separadamente. A seguir
apresentamos os micro-elementos que compuseram cada eixo:
- A organizao do cenrio
Quais os materiais? Como esto dispostos? Como est disposto o mobilirio?
Como as crianas participam da organizao e utilizao dos materiais disponveis?
Como a professora se posiciona no cenrio? Como as crianas esto agrupadas?
- As aes dos atores no cenrio
Qual o papel da professora e das crianas no desenrolar das atividades? Como as
crianas participam das decises? Qual a nfase dada ao conhecimento da criana em
relao ao assunto trabalhado? Quais os tipos de interao? Quem fala com quem?
As descries das observaes foram anotadas no dirio de campo. Ao final de
cada sesso3, foi realizada a leitura dos registros para a complementao das descries
iniciadas na sala, de forma mais detalhada, ou seja, descrevendo o cenrio e os materiais
utilizados, bem como a linguagem da professora e das crianas (verbal e no verbal),
assim como toda a movimentao dos atores.
A partir desses registros, organizamos um quadro para cada professora e sua
turma, que continha os seguintes itens: um cabealho que identificou a instituio de
Educao Infantil (fictcio), a turma, o nome da professora (fictcio), a atividade
desenvolvida, a data, o tempo de incio e de trmino da atividade. Para o registro dasaes das professoras e das crianas, o quadro foi dividido em duas clulas, cada ao
foi numerada para que permitisse a visualizao das aes simultneas dos atores. A
este conjunto de aes denominamos episdio. Ainda foi descrito o cenrio, que
englobou dados sobre a organizao do espao, do material e dos agrupamentos.
Os dados coletados foram descritos e sistematizados no quadro com o intuito de
identificar elementos que subsidiassem a etapa de anlise geral. Em cada episdio,
3Cada sesso correspondia observao de uma atividade do inicio ao fim.
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4demarcamos a fala espontnea4dos participantes que esta destacada em negrito, itlico e
aspas para que no seja confundida com as outras descries.
A organizao do cenrio na prtica das professoras
A preparao do cenrio para o desenvolvimento das atividades na Educao
Infantil, um momento de muita significao. neste cenrio, por meio dos materiais e
arranjos que professoras e crianas tm a possibilidade ou no de atingir seus objetivos.
Por isso, na preparao desse espao a professora demonstra o quanto observou as
atitudes das crianas, as relaes que elas estabeleceram com os materiais, assim como
suas preferncias. Na literatura, encontramos emReggio Emliauma postura que d um
significado interessante ao ambiente e ao material. Edwards et al. (1999) afirma que as
escolas deReggiosurgem como um lugar de partilha, em que se estabelecem vnculos e
mltiplas relaes entre adultos e crianas, na complementao de tarefas e esforos.
Por isso nesta perspectiva materiais e os espaos so, fonte de aprendizagem e
inter-relaes que do prioridade autonomia das crianas. Lino (1996) descreve que a
proposta pedaggica de Reggio Emilia pretende encorajar as crianas a explorarem
ambientes e a expressarem-se por meio das diferentes linguagens, sendo capazes de
representar a partir dessas linguagens observaes, idias, memrias, sentimentos e
novos conhecimentos que vo desde o jogo dramtico ao desenho.
No que se refere organizao do cenrio, nas sesses que observamos a prtica
das professoras, foi perceptvel que a disposio dos materiais e do mobilirio, seguiu
sempre a mesma organizao da primeira a ltima sesso. Essa organizao pode
demonstrar o quanto as professoras, no momento das pesquisas, buscavam controlar as
iniciativas das crianas, condicionando e centralizando toda movimentao na figura do
adulto.
Os cenrios estavam textualizados por meio de um cronograma de rotinas,calendrios, cartazes com o nome do grupo e das crianas, combinados da turma,
pensamentos e oraes. Ressaltamos ainda que os objetos e mobilirios estavam
identificados por etiquetas, como por exemplo na porta escrito porta, no interruptor
luz entre outros. Essas etiquetas pouco imprimem significado social a escrita, pois
numa porta deve-se informar a sua finalidade (nas portas dos banheiros pblicos
encontramos escrito: masculino e feminino ou ele ela e no encontramos
4Entendida aqui como a fala dos atores sem a interferncia do pesquisador.
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5escrito porta). De acordo com Bernardin (2003), propiciar uma cultura de escrita na sala
significa estabelecer relao entre dois contextos da escrita: o extra-escolar e o escolar,
remetendo assim as crianas a prticas de linguagem escrita em suas condies reais.
Frawley (2000) argumenta que o cenrio o ambiente em que se configuram as
mltiplas ralaes nas quais possam se explicitar o porqu, o que, de quem, onde,
quando e como. De modo que um cenrio organizado permite concentrar a ateno dos
atores.
Em algumas turmas, durante o perodo de observao, foram expostos os
trabalhos desenvolvidos palas crianas em parceria com a professora, o que denotou a
preocupao das mesmas em dar visibilidade aos contedos desenvolvidos, porm
preciso salientar que durante as demais atividades as professoras no retomavam o que
estava exposto.
Destacamos ainda que o registro do cenrio nos permitiu identificar o
movimento inicial dos atores, a posio destes no cenrio, bem como as diferenas entre
as turmas, conforme o que descreve as transcries a seguir:
CENRIO (1)
Para iniciar a atividade a professora chama a ateno das crianas que esto pela salaconversando, correndo, riscando em folhas de sulfito. Outras esto sentadas nas cadeiras. Aprofessora chama todas para sentarem-se no cho prximas ao quadro do calendrio... Ascrianas esto na sala pulando, correndo uma atrs da outra, conversando em duplas e algumassozinhas mexendo em seus pertences. A professora avisa s crianas que vai contar-lhes umahistria e pede que se sentem no cho... A professora diz: vou colocar uma msica porque equero que vocs percebam sobre o que fala a msica (Vamos brincar de ndio). Assim quecomea a msica algumas crianas levantam-se das cadeirinhas e comeam a danar. Aprofessora pede s crianas que sentem. Logo aps sai da sala e as deixa escutando a msica.As crianas levantam-se e comeam a danar e a pular.
CENRIO (2)
As mesinhas esto espalhadas pela sala e as crianas esto sentadas... A professora fala turma: trouxe uma surpresa para vocs. Explica que vai passar um saco, e elas devem tocar no
que est dentro para descobrir o que , mas no podem falar para os outros colegas... Ascrianas esto sentadas s mesinhas de quatro em quatro... A professora organiza as crianassentadas em crculo no cho e aps senta-se junto a elas. Coloca uma cartolina a sua frente econversa a respeito do tema: os dentes... As crianas que estavam conversando alto tocando-se. A professora muda-as de lugar escolhendo outro lugar para sentar... A professora organiza ascrianas sentadas nas cadeiras em crculo e canta com as crianas uma msica sobre os dentes.Em seguida explica sobre o que se refere o texto (cuidados com os dentes) e inicia a leitura emvoz alta.
No cenrio (1) percebemos que as crianas tinham certa liberdade no espao da
sala, focalizamos nesse momento um fluxo de vai-e-vem transparecendo um
afrouxamento do controle da professora. Contudo quando ela anunciava verbalmente,
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6ou por gestos que estava na hora da atividade, as crianas iam assumindo os seus
lugares e o papel de aluno.
O cenrio (2) apresenta um outro ritual muito mais rgido. As crianas sempre a
espera, organizadas para atividade. Ao iniciarem as atividades as professoras
informavam as crianas, o que deveriam fazer, evidenciando que, o comando do cenrio
ficava por conta dela e s crianas cabia apenas realizar o que tinha sido organizado.
Sendo assim, a organizao destes cenrios limitou de forma contundente a autonomia
das crianas. Cremos que em cenrios como estes, centralizados nas aes e
procedimentos da figura do docente a criana torna-se quase sempre um figurante.
Sarmento (2005, p. 373) afirma que, as crianas so competentes e tm
capacidade de formularem interpretaes da sociedade, dos outros e de si prprios, da
natureza, dos pensamentos e dos sentimentos, de os fazerem de modo distinto e de
usarem para lidar com tudo o que as rodeia.
Considerando o que diz o autor, ao pensarmos em trabalhar com as crianas,
necessrio que tenhamos em mente que a organizao dos espaos deve promover a
cooperao e acima de tudo a autonomia. Para Jolibert (1994), a partir dos espaos e
dos materiais que so organizados para o desenvolvimento das atividades que as
mesmas vo se inserindo de forma significativa nos grupos, desenvolvendo sua
autocrtica, diante das proposies e das interaes proporcionadas pelo grupo e pela
professora. Assim, as crianas vo construindo a cooperao atravs da experimentao,
da realizao e do conflito vivenciando as situaes sociais.
Ao considerarmos o que diz a referida autora e olharmos a prtica das
professoras, perguntamos: O que levou essas professoras a organizarem o mobilirio de
suas salas da mesma forma e sempre da mesma maneira, independentemente de cada
atividade? Porque no consideravam a opinio das crianas e a possibilidade dessas
tambm organizarem e transitarem por esses espaos? Alm da organizao dosmobilirios e espaos da sala, outros materiais estavam, nos dias das sesses, sempre
dispostos no mesmo lugar. Ento, o questionamento anterior serve igualmente para este
caso.
Perez (1987) faz algumas consideraes para tentar responder a estas questes.
O autor diz que ao planejar e organizar seus espaos, o professor mobiliza processos
cognitivos traduzidos nas suas expectativas, nas suas concepes e nas suas percepes
do entorno. Salienta ainda que, ao elaborar freqentemente suas atividades, o professorno consciente dos processos cognitivos utilizados para planejar e nem dos fatores
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7internos e externos que mobilizam suas decises. Esses fatores internos, aos quais ele se
refere, so as crenas, os estilos, as estruturas e os conhecimentos materializados pelo
professor ao desenvolver seu planejamento.
As situaes sinalizadas nas transcries do cenrio so confirmadas nos
episdios que registravam as aes das professoras e das crianas:
EPISDIOS
AO DA PROFESSORA AO DAS CRIANAS7. Chama as crianas para organizar novamente asmesas nos lugares.
7.1. Chama a ateno das crianas, pede que sesentem e diz que vai colar o cartaz com a letra damsica na parede e todos iro ilustrar.
7.2. A professora chama novamente as crianas ediz: Mateus, guarda o livro, depois a gente l, fazfavor, seno no conseguiremos fazer aatividade.
7.3. Segue at o quadro e escreve a letra Bmaiscula e minscula, dizendo: Qualquer umdos dois serve para escrever a palavra bicicleta.Continua escrevendo a palavra completa, tantomaiscula quanto minscula.
7.4. A professora responde: Duas bolinhas no o B. Escreve novamente a letra ao lado da escrita
de Guilherme.
7. Algumas crianas no querem parar de danar,tentam pegar os instrumentos musicais da prateleirae fogem da professora, correndo dentro da sala.
7.1. Algumas crianas sentam, outras guardam osinstrumentos. Mateus est com um livro na mo.
7.2. Mateus guarda o livro e senta-se junto soutras crianas que esto olhando para a
professora.
7.3 Guilherme se aproxima do quadro e diz: O B duas bolinhas.Mateus diz: um o minsculo.Guilherme escreve a letra B no quadro.
7.4. Guilherme apaga o que escreveu e vai sentar.
O mesmo pode ser observado em parte da transcrio de outra sala.
EPISDIOS
AO DA PROFESSORA AO DAS CRIANAS17. Viram assim que vocs vo fazer, s quecada um na sua folha. Pega as folhas de sulfite edistribui para as crianas.
17.1. A professora responde: No, faz com a tuamozinha, vocs vo conseguir, so inteligentes.Prossegue explicando que o espao que sobrar
para fazer o desenho de coisas de criana,lembrando que coisas de criana so brincadeiras,dizendo: Andar de bicicleta, soltar pipa e muitomais.
17.2. Imediatamente responde: No, no , isso contra a lei, olha o que t escrito l. Aponta parao quadro.
17. As crianas pegam a folha e comeam acopiar o que est no quadro. Algumpergunta: Posso fazer com a rgua?
17.1. As crianas concordam, respondendoque sim, alguns pegam o lpis e tentamorganizar o material para comear a escrever.Algum pergunta: Tatuagem coisa decriana?
17.2. As crianas respondem: Coisas decriana e comeam a copiar.
Como pode ser observado destacamos que o quadro negro, foi
praticamente de uso exclusivo da professora.Em outros episdios, nas raras
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8vezes que as crianas usaram-no para escrever ou desenhar, necessitaram
subir em uma das cadeirinhas, devido altura (1,15 m) que o quadro se
encontrava do assoalho. Verificamos como demonstra a transcrio anterior
que as folhas de papel sulfito constituram-se no material didtico relativamente
mais utilizado pelas crianas em situaes individuais com a finalidade de
copiar do quadro.
Lendo os episdios transcritos nos questionamos: como os espaos de
Educao Infantil so conceitualizados para a aprendizagem das crianas?
Segundo Hohmann e Weikart (1997, p. 216), necessria que a organizao
do ambiente, possa se traduzir em um conjunto diversificado de reas de
interesse bem organizadas e equipadas com materiais abundantes e
acessveis. Os autores enfatizam que, assim, as crianas podem trabalhar
para atingir os seus prprios objetivos e aes.
Ao considerar as idias deste autor e registrando a movimentao das
crianas nos dias de observao, foi possvel perceber que mesmo com os
materiais fora do alcance, trancados nos armrios ou em prateleiras altas, as
crianas transgrediam a ordem das professoras e arriscavam buscar outros
materiais. O que revelado tambm em parte da transcrio de um episdio: -
nesse dia, algumas crianas estavam sentadas, cantando e brincando, a partir
da proposta feita pela professora; porm outras mexiam nos livros que estavam
na prateleira e no participavam da atividade. A professora diz: Quem quiser
ler vai sentar l naquela mesa, quem quiser brincar vai ficar aqui e prestar
ateno na proposta.
Pensamos que ao desenvolver suas prticas na Educao Infantil, as
professoras poderiam considerara o que Graves (1996) sugere como
estratgias:
Organize a sala em reas bem definidas que estejamequipadas com materiais que as crianas possam ver emanipular. Ajude as crianas a aprenderem os nomes dasreas, dos materiais e das outras crianas da aula. Reforceo conceito de fazer escolhas em todos os momentos do diaque puder. Finalmente, isto o mais importante de tudo,recorde-se de que cada criana tem as suas capacidadesprprias (p. 117-119).
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9Para o autor, o desenvolvimento desse trabalho poder gerar
incongruncias entre os atores envolvidos no processo. Ele diz que as crianas
precisam ser encorajadas a centrarem sua ateno nas brincadeiras ou na
resoluo de problemas e os adultos, por sua vez, devem observar apoiar e
ajudar quando necessrio. Os materiais como os livros de literatura, o guache,
as folhas de papel sulfito so objetos que podem estar provocando,
estimulando a imaginao criativa das crianas, divertindo-as. Para tanto esses
objetos poderiam ser disponibilizados em todos os momentos.
As aes dos atores no cenrio
A organizao em episdios nos possibilitou acompanhar o fluxo das
aes desenvolvidas pelas crianas e pelas professoras, no sentido de verificar
as aes integradas ou no aos procedimentos, aos recursos e as condies
em que se desenvolviam estas aes, numa percepo espao-temporal do
cenrio.
A organizao dos dados referentes s aes dos atores no cenrio, nos
forneceu indicadores em que foi possvel perceber de forma mais global e
particular, as prticas desenvolvidas pelas professoras nos dias que se
sucederam as observaes. Fica claro o quanto a ao pedaggica na
Educao Infantil, precisa ser pensada como um sistema complexo que
contnuo e constitudo por processos que so interligados e interdependentes.
Contudo as prticas desenvolvidas pelas professoras por vezes se
distanciavam de tal perspectiva. A centralizao na figura do adulto fica
tambm visvel em vrios episdios envolvendo as professoras que, com
bastante freqncia, chamavam a ateno das crianas, solicitando queficassem em silncio ou comparando com outra turma, como na transcrio do
episdio que apresentamos a seguir:
EPISDIOSAO DA PROFESSORA AO DAS CRIANAS
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108. Aps o lanche, a professora permite que ascrianas brinquem por mais 15 minutos.
8.1. A professora intervm e comenta: Na turmada manh ningum brigou, todos colaboraram ebrincaram direito sem fazer barulho alto; por
favor, vamos diminuir o barulho.
8.2. A professora pede para as crianas organizaremtudo novamente e irem para a sala.
8. Brincam mais um pouco nos cantos, surgemalguns conflitos, pois querem os mesmos
brinquedos ou as mesmas fantasias.
8.1. As crianas continuam brincando semconflitos.
8.2. As crianas arrumam tudo e se dirigem salade aula, caminhando sem fazer fila.
O mesmo pode ser observado em parte de outra transcrio:
EPISDIOSAO DA PROFESSORA AO DAS CRIANAS
4. A professora tira a caixa e pede que todossentem, falando: Agora todo mundosentadinho. A gente vai fazer votao. Por isso
todos devem prestar ateno, Gabriela, olhapra c, Larissa, tu tambm.!!!
4.1. A professora comea a ler tudo que anotouna folha, enquanto as crianas esto falando. Aauxiliar tenta ajeitar as crianas, fala perto delas
bem baixinho para ouvirem a professora.
4.2. A professora fala: Agora fechem os olhos,pensem numa coisa bem legal pra genteestudar, bastante concentrao.
4.3. A professora espera alguns minutos e fala:
Deu, agora vamos ouvir. Aponta para ascrianas e solicita que cada uma fale o quepensou.
4.4. A professora diz: No cheguei a ainda,espera a tua vez de falar. Vai anotando o votode cada um ao lado das opes elencadas pelascrianas anteriormente.
4.5. Aponta para um menino e pede que elefale.
4.6. A professora no entende, aponta para
outro menino e diz: Tu ainda no votasse.
4.7. A professora fala: No quer votar emnada? Comea a contar os votos e diz: Olha,o que deu mais voto foi a bicicleta. Todosconcordam?
4.8. A professora responde: Mas a maioriaescolheu, tu no deu idia! E continua: Oque vocs sabem sobre a bicicleta?Pega umafolha e comea a escrever.
4.9. A professora fala: Devagar, estou
escrevendo.
4. As crianas voltam aos seus lugares, vo seempurrando, tentam se ajeitar. Gabriela e Larissasentam-se na mesa e esto brincando de bater palmas.
4.1. As crianas se mexem, parecem inquietas pelotempo que j esto sentadas no tapete, tiram os casacos,mexem nos livros, falam com os amigos. Algunsrepetem o que a professora vai dizendo.
4.2. Todos abaixam a cabea.
4.3. As crianas vo falando sobre bonecas, carrinho,
casinha, bicicleta. De repente um aluno fala, sem serescolhido: brincadeira de roda.
4.4. As crianas se mexem, mexem nos livros,batem uns nos outros, alguns se levantam parachegar perto da professora.
4.5. Ele fala sobre um brinquedo e ela noentende. Ele repete: Aquele que tem um pra-quedas.
4.6. O menino responde: No quero votar em nada.
4.7. Algumas crianas concordam, o mesmo meninoque no quis votar diz: Eu no quero a bicicleta.
4.8. Algumas respondem: Saber andar sem rodinha,quando andar e atravessar a rua tem que olhar paraos lados, a bicicleta legal de andar...
4.9. Poucos olham para a professora, algumasmeninas fazem tranas em seus cabelos, outrosse deitam no tapete, outros se levantam para
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4.10. A auxiliar tenta organizar as crianas,pede que fiquem quietas. A professora fala:Que mais vocs sabem, Fernanda, Larissa?
4.11. A professora pergunta: Mais algum?.
Faz outra pergunta: Vocs sabem do que feita a bicicleta?
chegar perto da professora.
4.10. As meninas viram-se para a professora erespondem: bom andar, quando pequenotem que andar de rodinha.
4.11. Algumas crianas respondem: De ferro, tembanco. Outras se mexem, querem levantar.
Ao analisarmos esta ltima transcrio que descreve o momento de
explorao do tema do projeto, fica evidente que a professora procura conduzir
o trabalho com as crianas direcionando a atividade. Esta ao leva-nos a
supor que ela realmente se preocupavam em descobrir o interesse das
crianas, porm em outros momentos no vimos a mesma anotando ou
observando as atitudes das crianas para uma tomada de deciso posterior.Ento, estas observaes nos incitam a refletir sobre algumas questes, dentre
elas: Em que se baseiam as professoras para descobrir qual o interesse das
crianas? Como fazem para investigar sobre seus conhecimentos prvios?
Parece-nos que esse interesse est baseado na votao para a escolha do
tema e na questo-problema apresentada pelas crianas.
Nesse sentido, compartilhamos com Montandon (2005) a idia de que a criana
no passiva, ela constri cultura com seus pares, seleciona, interpreta as experincias,constri estratgias que podem conduzir a mudanas nas suas relaes com seus pares,
incidindo um efeito da experincia da criana sobre as prticas que so desenvolvidas
no interior das instituies onde esto inseridas. Ao considerarmos a fala da autora nos
convencemos de que ouvir as crianas, compreender sua cultura fator preponderante
para o desenvolvimento de uma prtica de qualidade na Educao Infantil.
Observando os dados acima, argumentamos tambm que as
professoras desenvolvem suas prticas pautadas em um modelo escolarizante5
que representado nas suas atitudes. Adotam modelos curriculares que no
levam em conta a diversidade e nem as especificidades do trabalho nas
instituies de Educao Infantil, muito menos o posicionamento e as atitudes
das crianas.
Desvela-se, assim, um trabalho que caminha em direo contrria ao
que postula Jolibert (1994), para quem necessrio, pensar em competncias
5
Utilizamos a expresso escolarizante para nos referirmos a um modelo de prticapedaggica convencional nas escolas de ensino fundamental.
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12como antecipar e se organizar adequadamente, estar aberto s proposies
dos outros, construir seu princpio de realidade no confronto, ser autnomo e
saber que, apesar da multiplicidade das ajudas, ningum pode percorrer o
caminho no nosso lugar.
Os dados organizados nos quadros ajudaram a perceber que na prtica
das professoras no era possvel desenvolver nenhum desses pontos
assinalados por Jolibert, pois como as crianas poderiam antecipar e se
organizar se todos os materiais e atividades eram planejadas pelas
professoras? Como se abrir a proposies e confrontar idias se as interaes
propostas no possibilitavam essas aes? Como poderia a criana ser
autnoma se as proposies das atividades, os materiais e a disposio do
mobilirio no proporcionavam situaes favorveis?
Assim como Jolibert (1994), Niza (1996) sugere que a ao pedaggica
voltada para o ensino-aprendizagem e o desenvolvimento sociocultural deve
ocorrer por meio da comunicao em circuito de informaes e de troca
sistemtica entre as crianas, como um espao de iniciao s prticas de
cooperao e solidariedade de uma vida democrtica (NIZA, 1996, p. 141).
As professoras necessitam entender que as situaes que se criam no
desenvolvimento das prticas devem ser direcionadas no apenas
construo de conceitos e habilidades, mas tambm, como afirma Oliveira
(2002, p. 204) construo de uma tica, uma esttica, uma noo poltica e
de identidade pessoal.
O professor deve instigar a criana para que esta possa construir novos
significados diante do que aprende nas instituies de Educao Infantil,
relacionando-os com outras experincias fora desses ambientes. Para Oliveira
(2002, p. 205), isso inclui interagir com elas, mesmo com as muito pequenas,assumindo papis estratgicos para acalm-las, motiv-las, ajud-las a
discriminar, conceituar e argumentar.
A autora acrescenta que o dilema de lidar com todas essas contradies
e com toda essa complexidade no trabalho educativo da Educao Infantil
pode ser superado na organizao de currculos que priorizem momentos em
que as crianas possam se expressar com alegria, integradas e envolvidas em
trabalhos que lhes possibilitem a reflexo sobre seus contextos sociais.
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13Leekeenan e Nimmo (1999) afirmam que necessrio o envolvimento, fazer
conexes de relacionamentos entre sentimentos, idias, palavras e aes, porque um
processo de aprendizagem envolve, acima de tudo, a construo de conexes e relaes
entre criana, pai ou me, professor e comunidade. Diante destes condicionantes sociais,
a cultura infantil est presente, ou seja, em articulao com a cultura e a sociedade
adulta. Conforme a sociologia da infncia, as crianas tm sua dimenso simblica
expressada atravs das culturas infantis. Estas se constituem na sua capacidade de
construrem de forma sistematizada modos de significao do mundo e de ao
intencional. As culturas da infncia transportam as marcas dos tempos, exprimem a
sociedade nas suas contradies, nos seus estratos e na sua complexidade.
(SARMENTO, 2003)
Tratando-se da interao entre as crianas, preciso perceber que elas
necessitam se comunicar entre si, ora trabalhando sozinhas, ora em grupos, o que ir
produzir interaes contnuas e permitir a construo de redes de trocas de experincias
que se estendem para a famlia e para a comunidade. Para Corsaro, (1997) (2002) as
crianas interpretam e produzem sentidos nas culturas em que participam, o que o autor
chama de reproduo interpretativa.
O autor afirma que est reproduo no apenas uma forma de imitao, mas as
crianas produzem suas culturas e seus processos sociais em pares culturas de pares -
essa produo no individual, somente entre si, mas participam da teia social, da
sociedade adulta mais ampla. Sua produo corresponde cultura das crianas e a dos
adultos, portanto no so indissociveis, pois as duas culturas esto inter-relacionadas.
Para Morin (1996), essas interaes precisam ocorrer num emaranhado de aes
complexas de ordem, desordem e organizao, concebidos no isoladamente -
preciso conceb-los juntos como termos ao mesmo tempo complementares,
concorrentes e antagnicos (MORIN, 2002, p. 78-79).Considerando o que pontua o autor preciso ento que as professoras olhem
para as crianas e busquem compreender a estrutura do conhecimento produzido por
elas. Necessitam de aes que possam fazer com reflitam sobre o que as crianas sabem
e sobre os materiais que so colocados disposio delas. Outro ponto importante ter
conhecimento do entorno da escola, das caractersticas scio-culturais das crianas.
Sarmento (2005, p.370), diz que as crianas so seres sociais e, como tais,
distribuem-se pelos diversos modos de estratificao social: a classe social, a etnia a quepertencem, a raa, o gnero, a regio do globo em que vivem. O autor ainda
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14complementa alertando que estes diferentes espaos estruturais diferenciam
profundamente as crianas.
Acreditamos que com esta compreenso, as professoras poderiam superar a
forma fragmentada de pensar as prticas. Para isso necessrio que estejam conscientes
de que premente encorajar as crianas, propondo-lhes novas e diferentes situaes as
quais tenham um espao de participao amplo e diversificado. Isto no significa
implantar um modelo nico de ao pedaggica, mas se ter clareza de alguns
pressupostos e sabres observados e refletidos nesse trabalho como: o planejamento para
organizao de materiais e mobilirios, a gesto do tempo e do espao, a organizao de
agrupamentos, a interao, entre outros.
Consideraes Finais
A forma como organizamos os registros para a sistematizao das duas
pesquisas, nos permitiu denotar as inter-relaes das aes dos participantes e
a forma de como e o porqu o cenrio foi produzido. Assim, elaborar um
quadro contendo a organizao do cenrio e a ao dos atores contribuiu para
que percebssemos a articulao do cenrio com a ao da professora e a
ao das crianas. Cabe salientar que cada um dos micro-elementos que
elegemos para a anlise, no foi considerado de modo estanque, mas nesses
momentos empreendemos tambm pontos de viso mais especficos em cada
um deles. No sentido de olhar o todo e as unidades que compe esse todo.
Levando em conta a inter-relao produzida entre cenrio e ao,
podemos dizer que tanto a organizao quanto as aes que nele so
produzidas so interdependentes, pois a forma de organizao pode ampliar ou
limitar a ao desses atores.Ao centrarmos o olhar nas aes das professoras foi possvel perceber
como elas dirigiram passo a passo as aes das crianas, do incio ao trmino
das atividades, permitindo pouca participao das mesmas na tomada de
decises, as quais em vrias situaes esperavam a professora inform-las o
que deveriam fazer.
No mesmo momento ao direcionarmos o foco para a ao das crianas,
identificamos na organizao dos pequenos grupos para desempenhar asatividades que as crianas faziam comentrios entre si, porm as professoras,
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15no demonstraram acompanhar estas situaes, pois apenas verificavam se as
crianas estavam cumprindo a tarefa a seu contento.
Considerando os dados empricos podemos dizer que houve dificuldade
das professoras em lidar com a diversidade de movimentos ocorridos nas salas
produzidos por cada criana ou pela turma. Pareceu-nos que as professoras
tm cristalizada a idia de que elas so as protagonistas da rede de
significaes contida na sala de aula. A falta de uma maior compreenso da
funo social das atividades propostas, tornou-se um impeditivo para que as
crianas pudessem identificar as diferentes linguagens como um produto
social.
Diante do exposto at o momento, podemos dizer que as professoras
esto inseridas num turbilho de crenas, estruturas e conhecimentos que se
traduzem num emaranhado de orientaes, proposies, idias, teorias e
metodologias produzidas pelos saberes prticos e saberes cientficos (TARDIF,
2003). Podemos dizer que vrias so as fontes de conhecimentos dos
professores, mas a construo do saber profissional ainda continua ocorrendo
de forma solitria e individual.
Outra questo a que estes dados nos remetem se refere formao inicial e
continuada, que precisam ser discutidas. Os rgos municipais, quando propem um
trabalho especfico, comeam a articular a formao continuada ou a formao em
servio desses profissionais muitas vezes sem conceber esse trabalho como algo
contnuo, um processo que constitudo por princpios ticos, didticos e pedaggicos
comuns.
A partir destas pesquisas, entendemos que necessrio valorizar os saberes
profissionais, caminhando em parceria com as comunidades educativas, para que se
possa construir, juntamente com as universidades, centros de formao que envolvamescolas, famlias, comunidade e crianas, num processo de formao inicial que se
integre formao continuada, que melhore a qualidade da educao das crianas,
superando os desencontros na formao dos profissionais de educao infantil.
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