Elas na bolsa

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CAPA [ por Flávia Furlan e Tabata Pitol ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||| NúMERO DE INVESTIDORAS EM AçõES CRESCEU DEZ VEZES DESDE 2002 E ESTUDOS COMPROVAM: ELAS CONSEGUEM MAIS RENTABILIDADE DO QUE ELES NO LONGO PRAZO ELAS NA BOLSA ISTOCKPHOTO

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capa[por Flávia Furlan e Tabata Pitol

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Número de iNvestidoras em ações cresceu dez vezes desde 2002 e estudos comprovam: elas coNseguem mais reNtabilidade do que eles No loNgo prazo

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EsquEça a imagEm da mulhEr quE PEga o dinheiro que sobra a cada mês na carteira e coloca na tradicional e conservadora poupan-ça. Algumas delas têm deixado essa realidade para trás, como uma história a ser contada para gerações futuras, e têm se arriscado no mundo dos investimentos, em especial no mercado acionário.

Hoje, as mulheres já são mais de 148 mil no mercado de ações, um universo ainda domi-nado pelos companheiros do sexo masculino. Dados mais recentes da BM&FBovespa (até o fechamento desta edição) indicam que, entre os investidores pessoa física, os homens são 448 mil. Apesar de elas ainda serem minoria, há fôlego para que logo haja um equilíbrio, segundo a gerente de programas de popula-rização da BM&FBovespa, Patrícia Quadros.

Para ela, o mercado de ações ainda é mal interpretado e algumas pessoas ainda não se deram conta do quanto ele pode ser rentável. “Vivemos em um País em que, quando sobra dinheiro no final do mês, o primeiro lugar em que a pessoa pensa em guardá-lo é na pou-pança. Queremos mudar essa cultura e esta-mos conseguindo. As pessoas começam ago-ra a se familiarizar com o mercado de ações e o número de investidores cresce constan-temente, principalmente entre as mulheres”.

Para se ter ideia, o número de investidoras cresceu 900% de 2002 até agora, enquanto o número de investidores homens aumentou 480%. Para Patrícia, isso é um sinal claro de que as mulheres estão cada vez mais inte-ressadas em garantir seu futuro e ampliar o patrimônio.

Elas não ficam para trásDe acordo com a doutora em psicologia eco-nômica Vera Rita de Mello Ferreira, o equilí-brio só não foi alcançado ainda porque elas chegaram ao mercado financeiro muito de-pois deles. “Os homens estão mais acostu-mados ao mercado, mas também estão mais acostumados ao próprio uso do dinheiro. Há séculos que os homens lidam com o dinhei-ro, enquanto as mulheres tiveram acesso ao mercado de trabalho apenas mais recente-mente. Foram eles que criaram o mercado fi-nanceiro e elas só chegaram a esse mercado há duas décadas”.

Entretanto, isso não significa que as mu-lheres que ingressam no mercado de ações

ficam para trás quando o assunto é rentabili-dade. “Estudos comprovam que, embora eles sejam maioria, quando olhamos as aplicações de longo prazo no mercado de ações, as mu-lheres têm resultados melhores que os obti-dos pelos homens. Isso acontece porque elas são mais focadas em seus objetivos estabe-lecidos antes de alocarem seus recursos na bolsa de valores”, afirma Vera Rita.

A redenção das mulheres ao mundo das ações é tamanha que a Bolsa de Valores de São Paulo, percebendo que elas não estavam mais dispostas a guardar seu dinheiro “em-baixo do colchão”, criou em 2003 um progra-ma no qual ensina passo a passo como alocar recursos no mercado de capitais, o Mulheres em Ação, que, segundo Patrícia, tem conquis-tado resultados bastante positivos com as in-vestidoras.

Elas são fiéis ao mErcado acionário Não é à toa. As mulheres na bolsa costumam ser fiéis. “Pretendo continuar investindo em ações até o fim da vida”, garante a professo-ra de inglês Lilian Cantafaro. “Sempre brinco que meu investimento em Petrobras é a mi-nha aposentadoria. Se o País continuar cres-cendo, esse é um mercado promissor”.

Contudo, não é somente como investidoras que as mulheres começam a dominar o mer-cado de capitais. Elas estão, cada vez mais, conquistando cargos de destaque no mundo dos investimentos, tanto que, atualmente, já há mulheres nas mesas de operação, nos cargos de economista-chefe e chefe de de-partamento de research e até na presidência de corretoras.

As especialistas contam também que, além da diferença de quantidade de investidoras e investidores, há ainda diferenças comporta-mentais bastante significativas entre homens e mulheres na hora de investir em ações.

“Mulheres são mais meticulosas. O que mais me chama a atenção é que elas, antes de inves-tir, buscam informação. Elas querem entender o que estão fazendo. Buscam cursos, leem li-vros e notícias e só investem quando formam o conhecimento necessário para saberem exata-mente onde estão entrando. E quando colocam na cabeça que querem se tornar investidoras, nada as segura”, diz Patrícia.

Em oito anos do programa Mulheres em Ação, Patrícia descobriu que mulheres são in-

vestidoras de longo prazo, e é isso o que mais as diferencia dos homens.

“Mulheres investem de olho na formação de patrimônio e elas sabem que isso leva tem-po, por isso focam no longo prazo. Homens são mais imediatistas. Tanto isso é verdade, que o investidor que pensa no curto prazo di-ficilmente mantém suas ações durante um período de crise, como o que vivemos entre 2008 e 2009. E o que as estatísticas nos mos-traram é que alguns investidores saíram, mas elas ficaram lá. Elas entendem que você corre menos risco no mercado a partir do momento em que fica mais tempo com sua carteira de ações. E foi isso que elas fizeram na crise”. A psicóloga Vera Rita concorda: “Mulher não é tão atraída por lucro imediato e mantém seus investimentos”.

Elas Estão dE olho no longo prazoA afirmação é confirmada por uma pesquisa realizada pelo centro de estudos sobre o pú-blico feminino Sophia Mind, que mostra que 54% das mulheres se consideram conserva-doras na hora de escolher seus investimen-tos, e apenas 4% se dizem arrojadas. Mas isso muda conforme a idade. As mulheres mais novas – até 35 anos - consideram-se mais moderadas (para essas investidoras, a segu-rança é importante, porém também buscam retornos acima da média, aceitando alguns riscos). Enquanto isso, as mulheres com ida-de mais avançada da pesquisa – até 55 anos – são conservadoras. Isso significa que a se-gurança nas aplicações é um ponto decisivo. Essas investidoras não toleram a possibilida-de da perda de patrimônio.

Na prática, as entrevistadas da Invista mos-tram essa pluralidade de comportamentos na hora de investir na Bolsa.

“Eu tenho 50% de todo o meu portfólio em ações”, afirma a advogada Luciana Paixão, criadora do blog Mulheres Investidoras, que completa: “Mas eu invisto para o longo prazo, e não me importo se meus investimentos não crescerem muito no curto prazo. Não tenho a urgência de que a bolsa tenha que render tantos por cento este ano para que eu fique satisfeita, o que quero é que meu patrimônio vá crescendo aos poucos, ano a ano, e isso sempre acontece”. Por fim, Luciana faz ques-tão de incentivar as mulheres e afirma sem titubear: “Ser investidora é muito fácil”.

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maria francisca dos santos passos sachsDIRETORA DE PRIVATE BANkINg DO BANCO FATOR15% da carteira em ações

o mErcado EsTá ali Todo dia, não PrEcisa sair corrEndoDe todas as entrevistadas para esta reporta-gem, Maria Francisca é a que tem menos ações em sua carteira de investimentos, mesmo atu-ando profissionalmente neste mercado. “Hoje tenho 15% em ações, mas porque o momento não está favorável para a renda variável, senão com certeza teria mais. Hoje o mercado está fa-vorável para a renda fixa”, explica.

Investidora desde seu primeiro salário, Maria conta que, apesar de já trabalhar em banco, esco-lheu a poupança como seu primeiro investimento. “Naquela época, a bolsa não era tão divulgada e tão profissional como é hoje. As ações entraram na minha vida em meados de 1980, quando o governo permitiu usar FgTS (Fundo de garantia por Tempo de Serviço) para comprar ações. Aliás, acho que essa foi a ação do governo que mais popularizou o mercado de capitais, pena que ela parou”.

A executiva conta ainda que, embora profissio-nalmente esteja ligada ao assunto, nos primeiros momentos de investimento em ações cometeu erros e aprendeu muito com eles. “O principal aprendizado é que os ativos precisam ser esco-lhidos com calma e não se baseando na opinião do vizinho. É preciso gastar tempo estudando e fazer a escolha com calma... O mercado está ali todo dia, você não precisa sair correndo. Além dis-so, coisa boa é coisa boa, você pode até perder no curto prazo, mas se a empresa escolhida tem bom fundamento, no longo prazo você recupera tudo”.

luciana paixãoADVOgADA E BLOguEIRA50% dos investimentos em ações

não é diFícil sEr invEsTidora...Durante a infância, Luciana não contou com educação financeira. Por isso, viveu anos endi-vidada. No início de 2010, no entanto, ouviu no rádio sobre o tema e, como na época não ad-ministrava bem seu dinheiro, participou de pa-lestra em uma corretora. Foi a hora de dar a volta por cima: pagou suas dívidas, começou a investir em ações e até criou um blog, chamado Mulheres Investidoras.

“Assumi o blog para falar da experiência de vida e passar o que aprendi às leitoras”. O re-sultado foi que Luciana passou a dar assesso-ria, de forma voluntária. Com sua experiência, ela descobriu que as brasileiras temem a bolsa. “O medo delas é perder dinheiro”. E, por isso, elas pedem ajuda aos homens, porque pensam que eles sabem mais. “Mas isso está mudando e elas estão também buscando as corretoras”.

Luciana conta que tem um amigo que investe e que fica o tempo inteiro no home broker, che-cando se a ação subiu e caiu, movimentando al-tas quantias. “Vejo que o homem arrisca mais, mas não atenta aos detalhes. A mulher atenta aos detalhes e, quando investe, tem certeza do que vai fazer”.

As dicas dadas por ela às mulheres são: “Não precisa ter medo, mas estude e não siga dicas de qualquer pessoa. Para saber a decisão que vai tomar, tem de saber o que quer. Tenha metas e divida os ovos em algumas cestas, como renda fixa, ação e previdência privada”.

lilian cantafaroPROFESSORA DE INgLêS40% do patrimônio em ações

PETroBras é minha aPosEnTadoria...Lilian está no mercado de ações há quatro anos, mas sabia exatamente o que estava fazendo quando resolveu alocar parte de seus recursos na renda variável. “Lendo e avaliando o tema, eu vi que a rentabilidade do DI, onde eu tinha recur-sos alocados há mais de dez anos, estava baixa e algumas ações estavam dando um retorno muito alto, então tomei a decisão de migrar”.

Antes de chegar às ações, ela ainda passou pela poupança e pelos fundos e hoje diz acre-ditar que a diferença na quantidade de homens e mulheres na bolsa está relacionada à forma como elas lidam com o dinheiro. “Não dá para negar que as mulheres são grandes consumi-doras e não são grandes poupadoras”, afirma, mas completa: “Além disso, não podemos es-quecer que esse é um mercado de risco e nós mulheres somos mais conservadoras”.

Lilian relata ainda que, para entrar de fato no mer-cado de ações, contou com a ajuda do irmão – sete anos mais novo – e com um perfil mais arrojado. Mesmo com a ajuda, o medo não ficou de fora.

“Essa é uma modalidade bastante arriscada. Na época da crise, em 2008, quando o índice Ibovespa despencou, não consegui dormir mui-to bem”. Para ela, o mais difícil desse investi-mento é saber a hora certa de comprar papéis. “Existe muita especulação, por isso, o meu foco é o longo prazo”. Apesar de sentir essa dificul-dade, Lilian, que já teve 60% do seu patrimônio alocado em ações, hoje mantém 40% e diz que vai continuar até o fim da vida: “Meu investi-mento em Petrobras é a minha aposentadoria”.

maria paula midagliaVENDEDORA DE jOIASde 20% a 30% da renda em ações

no longo Prazo, Bolsa rEcuPEra...Há dez anos, quando os brasileiros ainda não haviam se voltado ao mundo dos investimentos, Maria Paula viu o marido aplicar na bolsa de valo-res e teve o interesse de ingressar nesse univer-so. “Ele investia e eu via que estava dando certo, então comecei. Ele foi me dando alguns toques e aprendi. Não fiz curso, aprendi na prática”.

Naquele tempo, Maria Paula lembra que eram poucas as mulheres que investiam na bolsa de valores, realidade que admite estar mudando. E, enquanto iniciante, ela assume que cometeu erros por ansiedade: “Teve uma vez que eu errei: a bolsa estava caindo, eu sai e perdi dinheiro. Mas também foi só uma vez, logo no começo, porque eu não tinha prática. Fiquei com medo que fosse só cair, mas não é assim. Pode deixar o dinheiro lá, não mexer, que no prazo longo você recupera”.

Maria Paula se considera uma investidora agressiva e diz que analisa diariamente seus in-vestimentos, junto com o marido. Mas, na hora de tomar a decisão, é cada um com seu dinheiro. “Ele tem a opinião dele e eu a minha e ninguém interfere na do outro. Agora está caindo um pou-co, então no momento eu não estou mexendo”.

A dica que ela dá para as mulheres que vão in-vestir na bolsa é não ter medo e só fazer isso com o dinheiro que não vai usar no curto prazo. “Se tiver medo, que faça cursos”, completa.

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mulhErEs mudam univErso da bolsa A chegada das mulheres na bolsa trouxe um outro jeito de investir. E, de acordo com a pro-fessora de finanças e executiva assistente do presidente da Iowa State university, Tahira Hira, isso é bastante positivo. “Homens e mu-lheres têm diferentes estilos de investimento e um pode aprender com o outro. Mulheres são menos confiantes e são conservadoras e ponderadas, inclusive na tomada de risco. Ho-mens são corajosos, muito confiantes, mais conhecedores, mas mais suscetíveis a fazer investimentos com base em dicas e a tomar mais risco”. Abaixo estão os aprendizados que uns podem passar aos outros:

o quE ElEs podEm aprEndEr com Elas Mulheres buscam mais informação antes de

investir, são mais prudentes, e isso é funda-mental segundo especialistas. Elas mantêm por mais tempo os investi-

mentos, enquanto os homens mudam mais de acordo com a realidade do mercado, usam mais o day trade, e acabam não se dando con-ta de que perdem dinheiro com taxas e impos-tos e, no fim das contas, não fazem negócios tão bons e acabam tendo retornos menos sig-nificativos que as mulheres.

o quE Elas podEm aprEndEr com ElEs A ficar mais à vontade no universo financei-

ro, já que para muitas ainda não é um lugar onde elas se sentem confortáveis em brincar e explorar. A serem mais arrojadas, confiarem mais no

“próprio taco”, como eles fazem.De acordo com Tahira, as mulheres são me-

nos confiantes por conta da falta de conhe-cimento e de experiência. “As mulheres que têm mais conhecimento e estão mais ativa-mente envolvidas nisso são mais confiantes em tomar decisões de investimento”. Por isso, a principal orientação dela é que as mu-

lheres busquem conhecimento em conceitos como risco e retorno, diversificação, como o mercado funciona e sobre as diversas formas de investir.

Em relação às características de uma inves-tidora de sucesso, ela aponta as seguintes: um claro entendimento de suas metas (renda ou acúmulo de capital), do período de investi-mento (curto, médio ou longo prazo) e de sua tolerância ao risco. “Os investidores de su-cesso esperam algum tempo antes de tomar uma decisão e nunca aplicam naquilo que não entendem”, afirma.

as quEridinhas dElas“As escolhas, encabeçadas pelas duas maiores

blue chips – ações de primeira linha - da bolsa brasileira, acabam refletindo como se comportam grande parte das mulheres na hora de investir: buscam segurança acima de tudo. A mulher cos-tuma ser conservadora, não é atraída por lucro no curto prazo, o que ela quer é garantir uma provi-são de recursos, mesmo que não dê um retorno tão alto”, afirma a psicóloga econômica Vera Rita, que, no entanto, faz uma ressalva: “Elas são mais cuidadosas, têm menos familiaridade com o mer-

cado financeiro, então ficam com mais receio. O homem já acha que sabe tudo e é mais arrojado. Mas estamos vendo que mulheres mais jovens estão começando a investir da mesma forma que eles investem”.

O segundo gráfico (abaixo) comprova a afir-mação: entre as ações mais compradas pelas mulheres, apenas as três primeiras estão no levantamento das 10 mais negociadas em Bol-sa, realizado pelo portal InfoMoney. É a geração internet provando que está se tornando também a geração dos investimentos mais arrojados.

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fonte: www.linktrade.com.br

fonte: www.infomoney.com.br