ELEMENTOS FUNCIONAIS E ORNAMENTAIS DA … necessidade de um número elevado de colunas para...

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1 ELEMENTOS FUNCIONAIS E ORNAMENTAIS DA ARQUITETURA ECLÉTICA PELOTENSE: 1870-1931. FERRAGENS. Douglas Meireles Veiga Janisse Silveira Jahnke Carlos Alberto Ávila Santos Palavras-chave: história da arte, ecletismo, ferragens Resumo: Este artigo é resultante de projeto de pesquisa realizado por alunos do Instituto de Artes e Design da Universidade Federal de Pelotas e, teve como objetivos primeiros: o estudo, a catalogação e a divulgação dos elementos funcionais e ornamentais fabricados em ferro e importados para a cidade de Pelotas, no período de 1870 a 1931. Muitas das construções do período utilizaram portões, gradis, guarda-corpos e luminárias de ferro. A variada produção era escolhida pelos compradores interessados por meio de catálogos organizados e divulgados pelas fábricas de fundições. Apresentamos um histórico sintético sobre as técnicas empregadas, sobre as fábricas de fundições e exemplificamos os diferentes artigos de ferro empregados na arquitetura eclética pelotense. Introdução O processo de fundir o ferro divulgou-se lentamente até o fim da Idade Média, o trabalho artesanal empregado no período e o elevado custo da técnica reduziram a produção. Os artigos realizados em ferro fundido eram quase tão caros quanto aqueles executados com o chumbo, o cobre, o estanho e o latão. As produções se limitavam ao fabrico de armas, ferramentas e armaduras. 1 A partir do século XV, a técnica foi disseminada pela Europa, intensificada com a invenção do alto-forno, provavelmente na Remânia. 2 O material foi então utilizado para fabricar canhões, sinos, peças para fornos, para chaminés e para as canalizações de água potável. As técnicas de fundição e moldagem foram aperfeiçoadas e novas aplicações foram tentadas. Porém, somente no final do século XVIII período pródigo em descobertas tecnológicas e científicas decorrentes da primeira Revolução Industrial o ferro fundido passou a competir com os materiais já conhecidos e sacralizados, sobretudo, no que se referia ao preço de produção. No século XIX, os materiais em ferro fundido tornaram-se constantes nas construções de engenharia, nas obras das estradas de ferro e de pontes metálicas, na fabricação das locomotivas e dos vagões dos trens. Na área da arquitetura, concorreram com o bronze e substituíram muitas vezes a pedra e o tijolo, pois permitiam a construção de espaços internos mais espaçosos sem a 1 SILVA, Geraldo Gomes da. Arquitetura do ferro no Brasil: São Paulo. Nobel, 1987. p. 13. 2 Ibid. p. 13.

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ELEMENTOS FUNCIONAIS E ORNAMENTAIS DA ARQUITETURA ECLÉTICA PELOTENSE: 1870-1931. FERRAGENS.

Douglas Meireles Veiga Janisse Silveira Jahnke

Carlos Alberto Ávila Santos Palavras-chave: história da arte, ecletismo, ferragens

Resumo: Este artigo é resultante de projeto de pesquisa realizado por alunos do Instituto de

Artes e Design da Universidade Federal de Pelotas e, teve como objetivos primeiros: o estudo, a catalogação e a divulgação dos elementos funcionais e ornamentais fabricados em ferro e importados para a cidade de Pelotas, no período de 1870 a 1931. Muitas das construções do período utilizaram portões, gradis, guarda-corpos e luminárias de ferro. A variada produção era escolhida pelos compradores interessados por meio de catálogos organizados e divulgados pelas fábricas de fundições. Apresentamos um histórico sintético sobre as técnicas empregadas, sobre as fábricas de fundições e exemplificamos os diferentes artigos de ferro empregados na arquitetura eclética pelotense.

Introdução

O processo de fundir o ferro divulgou-se lentamente até o fim da Idade

Média, o trabalho artesanal empregado no período e o elevado custo da técnica reduziram a produção. Os artigos realizados em ferro fundido eram quase tão caros quanto aqueles executados com o chumbo, o cobre, o estanho e o latão. As produções se limitavam ao fabrico de armas, ferramentas e armaduras.1

A partir do século XV, a técnica foi disseminada pela Europa, intensificada

com a invenção do alto-forno, provavelmente na Remânia.2 O material foi então utilizado para fabricar canhões, sinos, peças para fornos, para chaminés e para as canalizações de água potável. As técnicas de fundição e moldagem foram aperfeiçoadas e novas aplicações foram tentadas. Porém, somente no final do século XVIII – período pródigo em descobertas tecnológicas e científicas decorrentes da primeira Revolução Industrial – o ferro fundido passou a competir com os materiais já conhecidos e sacralizados, sobretudo, no que se referia ao preço de produção.

No século XIX, os materiais em ferro fundido tornaram-se constantes nas

construções de engenharia, nas obras das estradas de ferro e de pontes metálicas, na fabricação das locomotivas e dos vagões dos trens. Na área da arquitetura, concorreram com o bronze e substituíram muitas vezes a pedra e o tijolo, pois permitiam a construção de espaços internos mais espaçosos sem a

1 SILVA, Geraldo Gomes da. Arquitetura do ferro no Brasil: São Paulo. Nobel, 1987. p. 13.

2 Ibid. p. 13.

2

necessidade de um número elevado de colunas para sustentação do teto, como ocorria até então. Além disso, a nova matéria possibilitou que os elementos das estruturas dos prédios recebessem decorações moldadas, amplamente utilizadas.

Mais do que as potencialidades do ferro fundido, o mais importante da

técnica era a escala de produção industrial, que servia tanto para o consumo interno dos países industrializados, como para a exportação para as nações não industrializadas. Assim, dentro do sistema capitalista, criou-se um mercado para os equipamentos de ferro fundido disseminados pelo mundo inteiro, que desbancaram todo um processo de execução das obras de engenharia e de arquitetura realizadas até então.3

A técnica de fundir o ferro permitiu a reprodução infinita de um mesmo

modelo, com igual perfeição. Diferentes artistas realizaram os originais em gesso, que depois eram reproduzidos e multiplicados pelas fábricas de fundição, criando variados objetos como: corrimãos de escadarias e guarda-corpos de balcões; gradis e portões; postes e lampiões da iluminação pública; luminárias para os espaços interiores e exteriores dos edifícios; esculturas de diferentes tamanhos; fontes e chafarizes.4

Nas obras de engenharia e de arquitetura, como as colunas de ferro não

necessitavam ter a mesma seção das colunas de pedra (por sua maior resistência), era possível usar o vocabulário formal e as proporções que se elegesse. O ferro fundido prestou-se tão bem aos propósitos ornamentais ecléticos, que o ornamento passou a ter um fim em si mesmo. Ao lado dos estilemas classicizantes da Antigüidade, conviviam elementos maneiristas, barrocos, rococós, neogóticos, do art nouveau e do art déco, pois os fabricantes não estavam apegados somente aos preciosismos classicistas, e sim, à rentabilidade econômica de seus produtos, adaptando-os aos estilos e aos gostos do mercado consumidor.

Um dos primeiros prédios estruturados em ferro fundido foi o Palácio de

Cristal. (Figura 1) O edifício foi projetado pelo arquiteto Joseph Paxton e pelo engenheiro Charles Foxes,5 construtores que alcançaram renome pela criação de estufas para plantas.6 O Palácio de Cristal foi erguido em Londres, para abrigar a Grande Exposição Universal de 1851. A estrutura com cobertura em abóboda de berço foi preenchida com lâminas de vidro. As peças pré-fabricadas de ferro foram moldadas, em fragmentos, numa usina de fundição. Foram transportadas ao local

3 Ibid. p.16.

4 SANTOS, Carlos Alberto Ávila. Ecletismo na fronteira meridional do Brasil: 1870 – 1931. Tese

(Doutorado em Arquitetura e Urbanismo – Área de Conservação e Restauro) Faculdade de Arquitetura e

Urbanismo da Universidade Federal da Bahia, 2007. p. 118 5 LOYER. François. Le siècle de l’industrie. Paris: Skira, 1983. p. 74.

6 Nas estufas para plantas são duas as exigências principais: abrigar e iluminar. O ferro e o vidro juntos eram

totalmente aptos às exigências das estufas.

3

da edificação e, armadas em partes, com o ajuste de parafusos e porcas. O edifício, com 600 metros de comprimento, 120 metros de largura e 34 metros de altura, foi erguido por 80 homens em apenas 17 semanas. Foi saudado, na época, como uma façanha da técnica e do espírito empreendedor dos ingleses.7

Figura 1: O Palácio de Cristal, Londres, 1851. Na imagem à esquerda, 1: Aspecto exterior. Fonte: ARGAN.

Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p. 88. Na imagem à direita, 2: Vista do

interior do prédio. Fonte: JANSON. H. W. Historia del Arte. Barcelona: Labor, 1972. p. 557.

Essas Grandes Exposições Universais foram as responsáveis pela

divulgação das criações das indústrias e das novas possibilidades do ferro fundido. O Evento foi repetido diversas vezes em diferentes cidades durante o século XIX, tanto na Europa como nos Estados Unidos. Londres produziu uma segunda mostra no ano de 1862. Viena em 1873. A cidade de Filadélfia promoveu nova exibição em 1876 e, Chicago sediou a Exposição Internacional de 1893. A cidade de Paris organizou Exposições Internacionais nos anos de 1855, 1867, 1878, 1889 e 1900.8

Em paralelo ao aprimoramento do processo de fundição do ferro, desenvolveu-se na arquitetura européia o ecletismo historicista, estilo no qual os arquitetos utilizaram das novas técnicas e materiais arquitetônicos criados pelas indústrias (o ferro forjado e fundido, o vidro e o cimento armado) mesclados aos sistemas construtivos antigos (arcos romanos e colunatas das ordens da Antigüidade clássica, abóbodas de berço romanas e cúpulas sobre pendentes bizantinas), ao mesmo tempo em que buscavam estilemas dos mais variados lugares e de diferentes períodos da história da arquitetura, arranjados de maneira harmônica nos programas compositivos das fachadas dos prédios erguidos.

7 XAVIER, Janaína. Chafarizes e a caixa d’água de Pelotas: elementos de modernidade do primeiro sistema

de abastecimento: 1871. Monografia (Especialização em Patrimônio Cultural – Conservação de Artefatos)

Instituto de Artes e Design da Universidade Federal de Pelotas, 2006. p. 36 8 KUHL, Beatriz Mugayar. Arquitetura do ferro e arquitetura ferroviária em São Paulo. São Paulo:

Ateliê, 1998, p. 136.

4

Figura 2: A ópera Charles Garnier, Paris, 1874. Na imagem à esquerda, 1: Aspecto exterior do edifício.

Fonte: Cartão Postal. Na imagem à direita, 2: A ponte Alexandre III, Paris, 1900. Fonte:

www.panoramid.co/photo. Acesso em 12/06/2008.

Em Paris, as construções da Ópera Charles Garnier, da Ponte Alexandre III, do Grand Palais e da Estação D’Orsay apresentam as características citadas. Todas as edificações misturam a alvenaria de pedras e tijolos com estruturas metálicas. O edifício da Ópera, projetado pelo arquiteto que lhe deu o nome, foi inaugurado em 1874. (Figura 2) A cúpula em forma de uma coroa da casa de espetáculos é em ferro e aço, onde despontam esculturas de características barrocas, realizadas em ferro fundido. As outras três obras foram erguidas ou reformadas para a Exposição Internacional de 1900, onde figuraram como objetos inovadores. A ponte Alexandre III foi de responsabilidade dos engenheiros Résal e d’Alby.9 (Figura 2) A estrutura mesclou diferentes materiais construtivos: o ferro, o ferro fundido, a pedra e a alvenaria. Em ferro fundido são as decorações barrocas dos lampiões e das esculturas dos pórticos.

O Grand Palais teve projeto dos engenheiros Deglane, Louvet e Thomas. O

antigo edifício do Ministério das Relações Exteriores, edificado entre as datas de 1810 e 1838, foi transformado no complexo ferroviário da Estação D’Orsay no ano de 1900, pelo arquiteto Victor Alexandre Fréderic Laloux. No Grand Palais e na Estação d’Orsay, as caixas murais são em alvenaria, onde se fixam e se desenvolvem as estruturas de ferro e vidro das abóbodas de berço e da cúpula. (Figura 3)

9 SANTOS, Carlos Alberto Ávila. Ecletismo na fronteira meridional do Brasil: 1870-1931. Tese

(Doutorado em Arquitetura - Área de Conservação e Restauro) Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da

Universidade Federal da Bahia, 2007. p. 26.

5

Figura 3: Na imagem à esquerda, 1: O Grand Palais, Paris, 1900. Fonte: LOYER, François. Le siècle de

l’industrie. Paris: Skira, 1983. p. 96. Na imagem à direita, 2: A estação D’Orsay, Paris, reforma de 1900.

Fonte: Cartão Postal.

Essa nova maneira de construir os edifícios, os modernos materiais e

técnicas empregados e, ainda, a estética arquitetônica historicista eclética foram transpostos aos países periféricos como o Brasil. As classes dominantes na região norte, no centro do país e no sul, enriquecidas com as exportações da borracha, do café e do charque, respectivamente, se esforçaram em criar nos espaços coletivos das cidades dessas regiões uma cópia do mundo europeu, sinônimo de desenvolvimento e progresso. As elites e as administrações importaram os mais variados equipamentos urbanos e elementos funcionais e ornamentais arquitetônicos, como os objetos em ferro fundido – foco do presente estudo.

O ferro fundido na cidade de Pelotas

Em Pelotas, os mais relevantes exemplos de equipamentos urbanos em ferro fundido são os chafarizes e o reservatório de água da praça Piratinino de Almeida, fronteira à Santa Casa, instalados no espaço urbano entre 1873 e 1875. O reservatório de água é originado da Escócia.10 (Figura 5) Foi construído com a técnica de pré-fabricação de peças em ferro fundido, sua planta é em coroa circular, com a caixa elevada sobre 45 colunas dispostas em três anéis. As paredes externas e internas são feitas em painéis modulados. No topo há um mirante com ornamentação em estilo árabe, composto de colunas e cúpula e apoiado na estrutura central da caixa. Uma escada helicoidal dá acesso ao interior do reservatório e ao mirante.

10

XAVIER. Op. cit. p. 120.

6

Figura 5: Na imagem à esquerda, 1: O reservatório de água da praça Piratinino de Almeida. Fonte: Foto dos

autores, 2009. Na imagem à direita, 2: O chafariz da praça Coronel Pedro Osório. Fonte: Foto dos autores,

2009.

Os quatro diferentes chafarizes foram comprados através de catálogos da

Fundição de Antoine Durenne, localizada no departamento de Haute-Marne, na região de Champagne Ardenne, na França.11 Essa fábrica, de renome internacional, recebeu vários prêmios nas Exposições Universais. Dentre as suas realizações mais destacadas estão as decorações da ponte Alexandre III. Os chafarizes serviam à duas funções: funcional e ornamental. Contribuíram para o abastecimento de água e também para o embelezamento da cidade. Exemplo do encontro da arte com a indústria. O chafariz da atual Praça Coronel Pedro Osório é conhecido pela população como Fonte das Nereidas, foi o primeiro a ser colocado e o único que ainda permanece no lugar original. (Figura 5) Segundo a Ata da Câmara Municipal, de 1873, o chafariz recebeu autorização para ser instalado no centro da Praça Pedro II (o nome da praça na época) em 25 de junho de 1873. No ano de 1915, foi realizada a obra de levantamento da base do chafariz, o que lhe deu maior imponência.12 Completam a fonte oito postes de ferro fundido, que serviam para a iluminação do serviço noturno de abastecimento de água.

O segundo chafariz recebeu autorização para ser colocado na praça

fronteira à Igreja Matriz, no dia 11 de julho de 1873. (Figura 6) Este chafariz encontra-se desaparecido. A última informação que se tem dessa peça é do relatório da Intendência Municipal, de 1916, que registrou o ajardinamento da praça e a retirada da fonte.13

11

SANTOS. Op. cit. p. 126. 12

XAVIER. Op. Cit. p 67. 13

Ibid. p. 87

7

Figura 6: Os chafarizes de Pelotas. Na imagem à esquerda, 1: A fonte da praça da Igreja Matriz. Fonte:

NOBRE, Nelson. Acervo do Projeto Pelotas Memória. Na imagem à direita, 2: O chafariz do Calçadão.

Fonte: Foto dos autores, 2009.

O terceiro chafariz instalado foi o da praça Domingos Rodrigues, no ano de

1874. (Figura 6) Hoje ele se encontra no calçadão da rua Andrade Neves, no cruzamento com a rua 7 de Setembro, foi inaugurado neste local no dia 18 de dezembro de 1981.14 O quarto chafariz foi instalado em 1876, próximo do terreno onde se situa atualmente o Corpo de Bombeiros. Em 1914 foi transferido para a praça Cypriano Barcellos.15

Figura 7: Na imagem à esquerda, 1: O chafariz da praça Cypriano Barcellos. Fonte: Foto dos autores, 2009.

Na imagem à direita, 2: A rua Marechal Floriano, Pelotas. Fonte: NOBRE, Nelson. Acervo do Projeto Pelotas

Memória.

14

Ibid. p. 92 15

Ibid. p. 109

8

Pelotas também buscou no ferro a solução para o tráfego dos transportes urbanos. No ano de 1873, instalou-se na cidade a Companhia Ferro Carril e Caes, de capital belga, que assentou os trilhos de ferro fundido para os bondes com tração animal. No final de janeiro de 1889, a empresa estrangeira foi vendida à Sociedade Anonyma Empreza Ferro Carril e Caes de Pelotas, que atendendo as necessidades da população criou novos trajetos e aperfeiçoou os “materiais rodantes”.16 Em antiga fotografia da rua Marechal Floriano são visíveis os trilhos das linhas do bairro Fragata. (Figura 7) Os bondes serviram às populações que não dispunham de carros ou carruagens, facilitando a circulação dos habitantes entre a zona central e os bairros periféricos. Também permitiram as trocas de mercadorias entre a estação ferroviária, o porto e as casas de manufaturas e de comércio, contribuindo para o desenvolvimento econômico da cidade.

Para ligar as cidades de Bagé e Pelotas ao porto de Rio Grande,

favorecendo as exportações e importações, uma estrada de ferro teve sua construção autorizada pelo governo imperial em 1873. A via férrea foi inaugurada pela Southerm Brazilian Rio Grande do Sul Railway Company no ano de 1884.17 Para vencer arroios e rios foram fabricadas ou importadas pela Southerm Company pontes de madeira ou metálicas, como a do canal São Gonçalo, na entrada de Pelotas. A ponte de ferro com 600 metros de extensão tem vão central móvel, que era içado para a passagem dos vapores que se encaminhavam ao porto. (Figura 8)

Figura 8: Na imagem à esquerda. Locomotiva e vagões de trem na estação ferroviária de Pelotas. Fonte:

NOBRE, Nelson. Acervo do Projeto Pelotas Memória. Na imagem à direita: A ponte metálica dos trens sobre

o canal São Gonçalo. Fonte: Foto dos autores, 2009.

Outra inovação na qual o ferro se inseriu foi a implantação da iluminação

pública a gás na cidade, que ocorreu em julho de 1875.18 A companhia de capital inglês, denominada São Pedro Gaz Limited foi responsável pela instalação desta

16

SANTOS. Op. cit. p. 91. 17

Ibid. p. 76 18

Ibid. p. 131

9

novidade, que mudou os costumes noturnos da época, trazendo mais segurança às vias públicas e novas opções de lazer para a população. Sediada em Porto Alegre, a companhia construiu gasômetros em ferro e alvenaria nas cidades de Porto Alegre, Rio Grande e Pelotas. Além da construção dos gasômetros, foram instalados nas vias públicas dessas localidades novos equipamentos urbanos importados, os postes e os lampiões em ferro fundido e vidro. (Figura 9)

Figura 9: Dois antigos aspectos das ruas de Pelotas, nos quais podemos visualizar os lampiões a gás em ferro

fundido. Na imagem à esquerda, 1: A rua 15 de Novembro. Na imagem à direita, 2: O largo da Prefeitura.

Fonte: NOBRE, Nelson. Acervo do Projeto Pelotas Memória.

Elementos de ferro fundido também foram empregados nas composições

de fachadas das construções arquitetônicas ecléticas da cidade: nos portões e nos gradis dos muros das casas; nos corrimãos das escadas de acesso aos interiores dos prédios; nos balcões e guarda-corpos das portas-sacada; nas seteiras ou óculos de ventilação dos altos porões. Foram também utilizados nas ornamentações das platibandas; nas estruturas das lanternas com vidros coloridos que despontam sobre muitos telhados e servem para a iluminação dos ambientes interiores; nos tetos envidraçados dos halls das residências, dos hotéis e da Biblioteca Pública; na estrutura e cobertura do Mercado Central; nas cúpulas e telhados das casas bancárias. Segundo as distintas peculiaridades, esses elementos funcionais e ornamentais encontrados foram agrupados em variadas tipologias. Foram identificadas dezessete diferentes tipologias. Neste artigo apresentamos um exemplo considerado significativo de cada uma delas.

Corrimão - No palacete que pertenceu ao barão de São Luis, erguido em

1879, a escadaria que dá acesso à residência possui corrimão trabalhado em ferro fundido, com pequenos mascarões que representam cabeças de leões e de putti, que são representações de meninos nus e gordinhos, alados ou não, freqüentemente utilizados pelos pintores renascentistas. 19 (Figura 10)

19

BECKETT, Wendy. História da Pintura. São Paulo: Ática, 1997. p. 134.

10

Figura 10: O palacete do barão de São Luis. Na imagem à esquerda, 1: A fachada do edifício. Na imagem à

direita, 2: O corrimão da escadaria de entrada. Fonte: Fotos dos autores, 2009.

Gradil - Ainda no palacete de Leopoldo Antunes Maciel, o barão de São Luis, temos o gradis dos guarda-corpos, do muro e do portão em ferro fundido. (Figura 11)

Figura 11: Na imagem à esquerda, 1: O portão da residência do barão de São Luis. Na imagem à direita, 2:

Um dos guarda-corpos do casarão do senador Joaquim Augusto de Assumpção Junior. Fonte: Foto dos

autores, 2009.

Guarda-corpos - No casarão assobradado do senador Joaquim Augusto de Assumpção Junior, edificado entre 1884 e 1889, destacam-se nos balcões os guarda-corpos, que alternam ornamentações que representam tocheiros ou

11

pandeiros e cornetas. (Figuras 11 e 12)

Figura 12: O casarão assobradado do senador Joaquim Augusto de Assumpção Junior. Na imagem à

esquerda, 1: A fachada principal do prédio. Na imagem à direita, 2: Um dos guarda-corpos dos balcões.

Fonte: Fotos dos autores, 2009.

Lanternas - Na antiga sede da Intendência Municipal, edificada entre os anos de 1879 e 1881, sobre o telhado do edifício foi inserida a pequena lanterna metálica com vidros coloridos, com a função de iluminar e ornamentar o patamar da escada de acesso ao segundo pavimento do prédio, que ainda hoje abriga a sede da administração municipal. (Figura 13)

Figura 13: O Paço Municipal pelotense. Na imagem à esquerda, 1: A fachada principal do edifício. Na

imagem à direita, 2: A lanterna que ilumina e ornamenta o patamar da escadaria que leva ao segundo

pavimento do prédio. Fonte: Fotos dos autores, 2009.

Clarabóia - O palacete do “industrialista” Atilano Costa foi erguido entre os

anos de 1915 e 1916, está situado na esquina das ruas 15 de Novembro com D. Pedro II. O teto do hall de circulação interno é vazado por uma clarabóia de vidros coloridos apoiados em estrutura de ferro que, como no exemplo anterior, ilumina e decora o ambiente. (Figura 14)

12

Figura 14: O palacete de Atilano Costa. Na imagem à esquerda, 1: Aspecto externo do prédio. Na imagem à

direita, 2: A clarabóia de ferro e vidro do hall interno. Fonte: Fotos dos autores, 2009.

Coberturas - A sede do Grande Hotel, inaugurada no ano de 1928, possui

cúpula de cobre ornada com nervuras e lunetas e arrematada por um elemento em forma de coroa. A cúpula esconde o reservatório de água e conclui a composição do torreão de acesso ao interior. A construção foi erguida no entorno de um pátio interno, cujo teto é estruturado em armação de ferro fundido preenchida com vidros coloridos. (Figura 15)

Figura 15: O Grande Hotel. Na imagem à esquerda, 1: Vista externa do edifício. Na imagem à direita, 2: O

teto em ferro e vidro que cobre o pátio interno. Fonte: Fotos dos autores, 2009.

13

Luminárias internas - Entre as datas de 1911 e 1913, a Biblioteca Pública Pelotense passou por ampla reforma realizada pelo construtor Caetano Casaretto. O prédio ganhou um segundo pavimento e foi dotado de energia elétrica, com gerador próprio, dois anos antes da iluminação com a eletricidade ser implantada na cidade. Com isso, as salas destinadas à leitura e aos cursos noturnos receberam luminárias fixas e portáteis de ferro fundido e vidro, que podem ser vistas em fotografias da época. (Figura 16)

Figura 16: Na imagem à direita, 1: A fachada da Biblioteca Pública. Fonte: Foto dos autores, 2009. Na

imagens central e à esquerda, 2 e 3: O interiores das salas destinadas à leitura e aos cursos noturnos do

estabelecimento. Fonte: NOBRE, Nelson. Projeto Pelotas Memória.

Luminárias externas - Na antiga matriz do Banco Pelotense, cuja

construção foi finalizada no ano de 1915, ainda podemos ver as luminárias externas que ladeiam a porta de entrada do prédio. (Figura 17)

Figura 17: Na imagem à esquerda, 1. A caixa mural do antigo Banco Pelotense. Na imagem à direita, 2: A

luminária externa fixada ao lado da porta de entrada do edifício. Fonte: Fotos dos autores, 2009.

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Platibanda - No palacete do “industrialista” Martin Bidart, erguido na rua 15 de Novembro entre os anos de 1913 e 1915, destaca-se a platibanda composta com elementos de ferro. (Figura 18)

Figura 18: Na imagem à esquerda, 1: A fachada do palacete de Martim Bidart. Na imagem à direita, 2: Um

dos óculos fechado por gradil de ferro fundido. Fonte: Fotos dos autores, 2009.

Óculos - Ainda no palacete de Martin Bidart, os óculos que ventilam o porão alto são fechados por gradis em ferro fundido (Figura 18).

Figura 19: Na imagem à esquerda, 1: Vista do Mercado Público. Na imagem à direita, 2: A estrutura em ferro

fundido do telhado do edifício. Fonte: Fotos dos autores, 2009.

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Estruturas - O Mercado Central data de 1853. O prédio foi reformado entre os anos de 1911 e 1914, quando o edifício recebeu a estrutura metálica do telhado, a torre do relógio e a cobertura em dois níveis, que permitia a ventilação dos espaços internos. A estrutura do teto é formada por uma série de quatro colunas de ferro fundido, com capitéis ornamentados, que suporta sessenta e quatro tesouras onde se assentava a cobertura “moderna com telhas de fibrocimento, incombustíveis”.20 Esses equipamentos pré-fabricados de ferro fundido foram importados de Hamburgo, na Alemanha. Em Pelotas, as estruturas da cobertura e da torre foram montadas, em suas múltiplas peças, pela firma especializada Lima & Martins, de Porto Alegre. (Figura 19)

Marquises - O prédio do Teatro 7 de Abril foi inaugurado em 1833. No ano

de 1916, o edifício foi reformado interna e externamente, quando foi inserido no tímpano do frontão o vitral com as cores das bandeiras do Brasil e do Estado do RS. Este vitral originalmente era iluminado por 75 pequenas lâmpadas. Sobre o passeio onde encostavam os veículos foi disposta uma marquise de ferro fundido envidraçada. (Figura 20)

Figura 20: Na imagem à esquerda, 1: A fachada do Teatro Sete de Abril. Na imagem à direita, 2: A marquise

de ferro fundido sobre as portas de entrada. Fonte: Fotos dos autores, 2009.

Fragmentos de fachadas/Vitrines - No sobrado localizado na esquina das

ruas 15 de Novembro e 7 de Setembro, o primeiro pavimento serviu para fins comerciais, foi ocupado pela Pharmácia Homeopathica Rio-Grandense. A caixa mural do edifício é de alvenaria de tijolos, mas os marcos das portas e os espaços destinados para as vitrines foram executados em ferro fundido e vidros coloridos, que ainda se perpetuam na fachada. (Figura 21)

20

SANTOS. Op. cit. p. 226.

16

Figura 21: Na imagem à esquerda, 1: Vista do sobrado de cunho comercial situado na esquina das ruas 7 de

Setembro com 15 de Novembro. Na imagem à direita, 2: Detalhe do fragmento de fachada em ferro fundido,

onde estão encaixadas as portas de entrada e a vitrine do estabelecimento de comércio. Fonte: Fotos dos

autores, 2009.

Fachadas - Já o antigo prédio comercial da rua Marechal Floriano,

atualmente ocupado pelas Lojas MANLEC, é exemplo que ainda sobrevive de frontispício quase que totalmente executado em ferro fundido. Com exceção da platibanda e das laterais da fachada, que são de alvenaria de tijolos, a estrutura do frontispício, a marquise e os elementos ornamentais sobre a platibanda foram executados nesse material. (Figura 22)

Figura 22: Na imagem à esquerda, 1: O frontispício da antiga casa comercial da rua Marechal Floriano. Na

imagem à direita, 2: Detalhe dos ornamentos sobre a platibanda. Fonte: Fotos dos autores, 2009

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Conclusão:

Segundo as informações obtidas através de pesquisa bibliográfica e de campo, observamos a utilização do ferro fundido em variados equipamentos urbanos da cidade de Pelotas. Como também de elementos funcionais e ornamentais dos edifícios ecléticos executados com este mesmo material. Organizamos esses equipamentos urbanos e os elementos funcionais e ornamentais dos prédios em diferentes tipologias exemplificados neste artigo.

Esses equipamentos urbanos em ferro fundido registram os diferentes

melhoramentos implantados nos espaços coletivos da cidade pelas administrações que se sucederam entre o final do século XIX e princípios do XX. Exemplificam o desejo das elites em acompanhar a modernização que se instalava, simultaneamente, em outras cidades estrangeiras ou brasileiras. Por sua vez, os elementos funcionais e ornamentais inseridos nas composições de fachadas dos edifícios, complementam a estética arquitetônica historicista eclética que se desenvolveu em Pelotas no mesmo período. Ambos evidenciam as possibilidades do ferro fundido explicitadas pelas variadas tipologias de elementos criados com esse material.

Tanto os equipamentos urbanos como os elementos funcionais e

ornamentais dos edifícios foram decorrentes do crescimento do município e do enriquecimento das classes dominantes, que importaram essas peças dos países industrializados. Apesar das depredações sofridas ao longo dos anos, Pelotas ainda guarda muito de seu patrimônio histórico em ferro fundido, que identifica uma época de grande ascensão comercial advinda das criações da Revolução Industrial.

Bibliografia:

BECKETT, Wendy. História da Pintura. São Paulo: Ática, 1997.

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