ELEY Geoff A história da esquerda na Europa 441-463

12
11 · , ". '~""':" . ~.~ ,- 1 ELEV, Geoff. A História da Esquerda na Europa. São Paulo: Abramo, 2005. pp.441-463 '.'~'. :.:' I CLASSE E POLÍTICA TRABALHISTA ,f, DESDE A DÉCADADE 1860 ATÉ o TERÇOFINAL do século xx, a centralidade da classe operária foi um axioma do pensamento socialista. Ela se baseava na dualidade entre movimentos reais e compreensão social visionária - a ascensão dos movimentos traba- lhistas e a crença de ser a classe operária o arauto da história, o indispensável agente coletivo da mudança progressista. Desde Marx e Engels, as origens dos sindicatos ea fundação dos partidos socialistas, essa dialética de movimento e representação deu forma às perspectivas da democracia na Europa. A política centrada em classe foi uma constante da autodefinição da esquerda. Essa ação coletiva da classe trabalhadora foi o referente definidor da compreensão sociopolítica da esquerda; fundamental para a so- ciologia dos partidos socialistas e comunistas; o elemento-chave do papel do sindica- lismo como vetor de mudança social progressista; decisiva para o eleitorado popular da esquerda; e básica para a iconografia e para o cenário social manifesto da imagina- ção democrática nos cem anos que se seguiram à década de 1860. O número sempre crescente dos membros da classe trabalhadora e o aprofundamento da exploração fo- ram a garantia a longo prazo do sucesso político socialista. Antes de 1914, isso significou um determinismo evolutivo, o marxismo automático da Segunda Internacional, em que o desenvolvimento capitalista faria dos trabalhadores a massa esmagadora da sociedade e portanto (sob a democracia parlamentar) a fonte de uma maioria socialista impossível de ser contida. A conjuntura revolucionária de 1917 alterou dramaticamente essa inevitabilidade, mas, já em 1930, ela havia retomado nas suas variantes socialdemocrata e stalinista. Após 1945, os partidos comunistas mantive- ram vivas as idéias de polarização da sociedade e de pauperização do proletariado, ainda que com relevância decrescente para a prosperidade capitalista de então. Por sua vez, os socialdemocratas aceitaram o realismo das reformas no âmbito de um capitalismo estabi- lizado, Mas, de urna forma ou de outra, a classe operária ainda era o fulcro. ~~, f, .. Ji. } ~'. 441

Transcript of ELEY Geoff A história da esquerda na Europa 441-463

Page 1: ELEY Geoff A história da esquerda na Europa 441-463

11·,". '~""':" .~.~ ,-

1ELEV, Geoff. A História da Esquerda na Europa. São Paulo: Abramo, 2005. pp.441-463

'.'~'. :.:'

I

CLASSE EPOLÍTICA TRABALHISTA

,f,DESDE A DÉCADADE 1860 ATÉo TERÇOFINAL do século xx, a centralidade da classeoperária foi um axioma do pensamento socialista. Ela se baseava na dualidade entremovimentos reais e compreensão social visionária - a ascensão dos movimentos traba-lhistas e a crença de ser a classe operária o arauto da história, o indispensável agentecoletivo da mudança progressista. Desde Marx e Engels, as origens dos sindicatos e afundação dos partidos socialistas, essa dialética de movimento e representação deuforma às perspectivas da democracia na Europa. A política centrada em classe foi umaconstante da autodefinição da esquerda. Essa ação coletiva da classe trabalhadora foi oreferente definidor da compreensão sociopolítica da esquerda; fundamental para a so-ciologia dos partidos socialistas e comunistas; o elemento-chave do papel do sindica-lismo como vetor de mudança social progressista; decisiva para o eleitorado popularda esquerda; e básica para a iconografia e para o cenário social manifesto da imagina-ção democrática nos cem anos que se seguiram à década de 1860. O número semprecrescente dos membros da classe trabalhadora e o aprofundamento da exploração fo-ram a garantia a longo prazo do sucesso político socialista.

Antes de 1914, isso significou um determinismo evolutivo, o marxismo automáticoda Segunda Internacional, em que o desenvolvimento capitalista faria dos trabalhadoresa massa esmagadora da sociedade e portanto (sob a democracia parlamentar) a fonte deuma maioria socialista impossível de ser contida. A conjuntura revolucionária de 1917alterou dramaticamente essa inevitabilidade, mas, já em 1930, ela havia retomado nassuas variantes socialdemocrata e stalinista. Após 1945, os partidos comunistas mantive-ram vivas as idéias de polarização da sociedade e de pauperização do proletariado, aindaque com relevância decrescente para a prosperidade capitalista de então. Por sua vez, ossocialdemocratas aceitaram o realismo das reformas no âmbito de um capitalismo estabi-lizado, Mas, de urna forma ou de outra, a classe operária ainda era o fulcro.

~~,f,ló

..Ji.}

~'.

441

Page 2: ELEY Geoff A história da esquerda na Europa 441-463

FORJANDO A DEMOCRACIA

DECLíNIO DA CLASSE TRABALHADORA?

A partir dos anos 1960, as premissas indiscutíveis reJativas à centralidade da classetrabalhadora foram colocadas em discussão. Na maior parte da Europa, a força dasmanufaturas ainda se expandia durante a década de 1950, mas depois o proletariadoindustrial encolheu. Em 11 economias industriais da Europa Ocidental, o número deempregados na indústria variava, no início da década de 1950, entre um máximo dequase 50% na Grã-Bretanha e na Bélgica até um mínimo de 25,1% na Espanha. AAlemanha Ocidental e a Suécia estavam na ponta superior e a Itália na inferior dessahierarquia, ficando o restante, Áustria, Dinamarca, França, Holanda e Noruega, nomeio do intervalo. Após 1973-74, esses números caíram violentamente. Na Grã-Bretanha, o emprego industrial caiu de 49,2% para 30,2% em 1985-87; na Bélgica, de48,3% para 28,7%; na Noruega, de 36,5% para 26,5%; e na Suéciade 40,6% para30,2%1. O setor manufatureiro revelou um padrão igualmente assustador. Entre 1970 e1993, a indústria rnanufatureira britânica caiu de 32,4% para meros 18,9% dos empre-gos; a belga, de 32,1% para 17,7%; a norueguesa, de 26,7% para 14,3%; e a sueca de28,3% para 16,8%. Mesmo as economias mais fortes, como a alemã e a austríaca,sucumbiram, enquanto a Itália, ainda em processo de industrialização, teve uma quedade 31,1% para 19,8%. Somente nas economias em desenvolvimento de Portugal eGrécia os níveis se mantiveram modestamente".

Ocorreram outras transformações. Os empregos no campo caíram maciçamente,confinando os camponeses em 1980 às periferias mais distantes da Europa. Simulta-neamente expandiam-se os serviços, com suas legiões de colarinho branco empregadasno varejo e em escritórios; floresciam empregos nas áreas de s_tp~!:"J~o, g~çia eadl!!lnis!!~2-ão; proliferavam funções tecnoprofissionais em pes911!~~'_e~~~~'t~ e c~-municações; e se ~::'J2~~i~nL~()rte.nl~.~~~_~sJ~.~~CI.fl9~~"..P,.QEJj.s.as.Na Suécia, serviços eindústria cresceram modestamente durante os anos 1950, mas entre 1960 e 1980 osserviços cresceram para até 61 % do emprego total, enquanto a indústria caía para 34%.Na Dinamarca, repetiu-se o mesmo padrão: os dois setores cresceram modestamentenos anos 1950, mas depois afastaram-se desproporcionalmente. O caso austríaco foiespecialmente claro: o setor de serviços permaneceu estável em 30% durante os anos1950, enquanto a indústria crescia de 37% para 46%; mas a proporção se reverteu apartir de 1980, quando os serviços passaram a predominar com 54% e a indústria caiupara 37%. Esse padrão foi universal, ainda que com variações. Quanto mais avançadoo capitalismo, maior a alteração estrutural.

Essa transformação contemporânea teve implicações profundas' . Primeiro, as ecO-nornias capitalistas se desindustrializararn, à medida que decaíam indústrias "velhas",como c~ªo, siderurgia, f~r:rQ..YÍils,"C9J1.fi~IuçªopaY<l1,~O!t()s, .!11áquil~~§.::f~IT~~as e

__tê.~te2s, e "novasindústrias", como ail..1J!R.rngbilística" dispararam. Segundo, apesar docrescimento high-tech das indústrias de computadores, farmacêutica, ele_t~~nica e

442

;1.. CLASSE E POLíTICA TRAllALHlSTA

i.

aeroespacial, os novos empregos surgiram principalmente em três setores terciários:

~}j.rn~tos eJ~§.\illILl!!!!es,~l!úd~Y~~:~Ôs.Q.L~mPJ~~ªºª-i,u:~Q.~jNJlD.nª,<ã.9·Terceiro, esse!~abªl!lo novo - em tempo parcial, desprotegido, inseguro, geograficamente concentra-ctQ09.;'~~L~~~§ ...~ll;~º~~~J~~2.~Ji~-.cçfl.li~.m - ~sta,,':l alé~' d~ 'aic~;;ce est~b~le~i<!p~~.~_C2.~iE1~.!92._tra.~~I~is!~~ç_f!.IJ.ªs~I:lItura.~_ejnstitujs~1.: Quarto, esses mercados detrabalho ~ram tp~c~r:.!.~nte "femjD.Í:G~ a maior parte dos novos empregos para mu-lheres era em tempo parcial", Finalmente, "serviços comunitários, sociais e pessoais"cresceram com especial rapidez, abrangendo o emprego público associado ao Estadode bem-estar. Essa área se expandiu em todos os países após 1960. Nos Países Baixose na Escandinávia. já representava entre 31 % e 38% do emprego total em 19925

O exemplo britânico foi dramático". Eleito em 1979, o governo conservador deMargaret Thatcher desindustrializou irresponsavelmente. Após quatro anos, a partici-pação da indústria britânica no emprego total havia caído para 34%. Entre 1978 e1983, perderam-se 179 mil empregos na indústria automobilística, 173 mil na têxtil,11O mil na siderúrgica, 51 mil na mineração de carvão, 42 mil na indústria naval e 23mil na de máquinas-ferramentas. Mesmo nas indústrias em crescimento, ocorreu a he-morragia: 25 mil empregos se perderam na engenharia de instrumentação, 21 mil naaeroespacial e 11 mil na eletrônica. Mais de 28% dos empregos industriais desaparece-ram no Norte, em Gales, no Oeste e na Irlanda do Norte; 23% a 27% na Escócia e noresto do Norte; 18% a 21 % no Leste, em Londres e no Sudoeste. De 300 mil operáriosem 1974, a indústria siderúrgica britânica caiu para 183 mil em 1983. Na automobilís-tica, meio milhão de trabalhadores se reduziram a 290 mil. A mineração de carvãodesapareceu: depois da nacionalização em 1947, ela se reduziu, em virtude de raciona-lização, demissões e fechamentos, de 690 mil mineiros em 1950 para 287 mil 20 anosdepois. E em 1989 havia apenas 60 mil.

Na Grã-Bretanha também houve a transferência para o setor de serviços. Se oemprego industrial caiu de 49% para 34% entre 1963 e 1983, em serviços ele aumen-tou de 48% para 64%. Se 2,2 milhões de empregos industriais se perderam entre1971 e 1983, houve a criação de 1,7 milhão no setor terciário, a maioria em hotéis e ,restaurantes, serviços para empresas, saúde e educação. O mercado de trabalho bri- i

tânico submeteu-se a uma reestruturação clamorosamente desordenada, com enor-mes custos sociais. Os empregos terciários também foram prejudicados após 1979.No setor público, o emprego no Estado de bem-estar se estagnou. De 1971 a 1981,entre ataques ao gasto público, esses empregos caíram de 27,3% para 23,7% donúmero total de empregos, antes de experimentarem uma leve recuperação até 25,5%em J 992. A maioria dos empregos no setor terciário foi oferecida para mulheres, enão para homens, e em tempo parcial. Aumentaram as disparidades regionais, con-centrando-se as oportunidades em Londres e aguçando as desavenças entre o Sulmetropolitano e os desertos industriais do Norte. Não se criou trabalho onde eleestava mais em falta.

11-ft:tif.

.v.'~""

l:~"~

j.,;:t.;

,":!o,

l~ 443-;',

Page 3: ELEY Geoff A história da esquerda na Europa 441-463

FORJANDO A DEMOCRACIA

f Assim, a mudança do trabalho industrial qualificado para o emprego de colarinho\ 1 branco no setor de serviços produziu ou tras mudanças - preferência pela mulher, tra--{I balho em tempo parcial, aumento do desemprego, grandes disparidades entre regiões,

/. ! novas indústrias de alta tecnologia baseadas em computadores e o colapso do velho

Ilnúcleo manufatureiro da economia industrial. A desindustrialização redesenhou o mapada economia capitalista. A fuga da indústria dos centros urbanos já vinha ocorrendodesde 1939-45, mas então se generalizou. Na Grã-Bretanha, entre 1951 e 1976,40% a60% dos empregos na indústria manufatureira, setor por setor, abandonaram os centrosdas cidades. Já na década de 1980, grandes economias urbanas, como Clydeside,Tyneside, Teesside, Liverpool, Manchester, Leeds-Bradford e Londres, no East End eao sul do rio, foram esvaziadas de indústrias. Em compensação, os campos em torno sebeneficiaram. Entre 1960 e 1981, os empregos na indústria manufatureira rural aumen-taram em 24%. Mas o declínio foi grande em Londres, nas áreas metropolitanas e emoutras cidades importantes.

Chegavam ao fim diversos padrões industriais históricos. Entravam em declínio ascapitais, com seus tradicionais mercados de massa, consumo de luxo e manufaturasespecializadas, além de infra-estruturas mais completas de construção, transporte ecomunicações. O mesmo se deu nas cidades portuárias, com suas docas, seus estalei-ros, armadores e indústrias auxiliares que se desenvolviam em tomo do comércio deimportação e exportação. Começaram também a desaparecer concentrações urbanasmais antigas do século XIX, tais como lavouras de milho, pátios ferroviários de mano-bras e indústrias siderúrgicas, substituídas por engenharia pesada, manufatura especia-

I lizada leve e têxteis. Finalmente, dE-ªipaV:~lJªmº~m.!J?roduçãQ ~m massa "fordista" ,que havia marcado os anos entre 1930 e 1960 com suas fábricas monstruosas e enor-mes populações dominando urna cidade ou região, por vezes como cidade pertencente

.•. i a uma empresa e invariavelmente contando com forte apoio do Estado. O t()!:djs_~o seI baseara nas novas tecnologiª-~~ç!s:..e.JlQ p"t@eo,em.lugar:...de~a-

i .E<?!~exércitosde tmb~lha.<1-ºrf§~~~~!'islios Q.!1.s_emqu.a)_Lflçª~ e em processosI de trabalho organizados em tomo da linha de montagem. Agora, tudo isso tambémI entrava em declínio".

\

OS SINDICATOS E A CRISE DO CORPORATIVISMO

Para entender as implicações políticas, temos de examinar a mudança de lugar dossindicatos. Durante a reestruturação capitalista da recessão pós-1973, variaçõescorporativistas influenciaram de forma vital o futuro da esquerda. Onde os sindicatoseram fracos, como na França e na Itália, o ccrporativismo era fortemente estatizante.interligando negócios e governo e excluindo o trabalho organizado. Na Alemanha Oci-dental, na Áustria e na Escandinávia, pelo contrário, com maior densidade sindical eforça organizacional, os movimentos trabalhistas ajudaram a formar o sistema resul-

444

CLASSE E POLÍTICA TRABALHISTA

rt

tante. Após 1973, os acordos do pós-guerra sobreviveram melhor onde havia essa es-trutura trabalhista-corporativista. A Grã-Bretanha foi um caso intermediário, com sin-dicatos especialmente fortes gerando crises políticas em que poderia ocorrer um vio-lento recuo antikeynesiano".

Após a derrota dos trabalhistas nas eleições de 1951, os governos conservadoresadotaram uma postura de conciliação corporativista. A figura emblemática foi R. A.Butler, cujo nome se juntou ao do líder trabalhista Hugh Gaitskell no termo"butskellismo", um nome novo para consenso", Da mesma forma, graças a indicaçõessucessivas para os ministérios da Saúde, Trabalho e das Colônias no intervalo entre1952 e 1961, Iain Macleod também preservou continuidades importantes que vinhamde antes de 1951. Ele conseguiu evitar greves com processos conciliatórios, tratandoos líderes sindicais como participantes responsáveis na empresa nacional do cresci-mento. Os grandes sindicatos também foram implacavelmente governados por umaoligarquia de direita: policiavam alegremente seus próprios associados, exercendo ri-gidamente seu anticomunismo enquanto sufocavam a dissensão numa culturaeconomicista de conformidade e aperfeiçoamento movido a salários.

As coisas mudaram quando a militância no chão-de-fábrica fugiu desse controle.O número de greves mais que dobrou entre 1963 e 1970, quando as iniciativas passa-ram dos comandos sindicais para os representantes do chão-de-fábrica. Entre 1961 e1978, o número de representantes de chão-de-fábrica na Grã-Bretanha subiu de 90 milpara um quarto de milhão, enquanto os sindicatos de empregados do setor público seexpandiam maciçamente: o NUPE (Sindicato Nacional de Empregados Públicos) cres-ceu de 200 mil filiados para 700 mil, e a NALGO (Associação de Funcionários dosGovernos Local e Nacional), de 274 mil para 782 mil; em uma década, o número deempregados sindicalizados nos serviços de saúde passou de 370 mil para 1,3 milhão ea densidade sindical, de 38% para 74%. Tudo isso representou um desafio aos arranjosexistentes, que se apoiavam nas lideranças sindicais das indústrias clássicas, leais aoPartido Trabalhista, moderadas mas também dotadas de consciência de classe. A pre-sença dos representantes de fábrica introduziu uma nova volatilidade nas relações en-tre lideranças sindicais e filiados, relocalizando a militância e o lugar efetivo de nego-ciação. O sindicalismo do setor público ao mesmo tempo aumentava o ônus do Estadocomo empregador. Em resposta, os governos trabalhistas de 1964-70 e 1974-79 tenta-ram fortalecer o corporativismo nacional, apostando politicamente na autoridade cen-tralizada do rue [Congresso dos Sindicatos]".

A forma desejada desse corporativismo era uma política voluntária de rendas como TUC, cujo fracasso gerou a Lei de Preços e Rendas de 1966 como uma alternativalegal. Em 1967, ela também entrou em colapso. Persistiam as greves não-oficiais, euma revolta salarial liderada pelos trabalhadores do setor público finalmente enterrouessa política. Em 1969, os sindicatos também derrubaram uma proposta de regulaçãode greves pelo Estado, que dividiu duramente o Partido Trabalhista. Depois de um

;1li

IIliII!!

,~

.~

~.:1

I

i.'!'-.

'?;

f.~

l-~..

'irI~·~.X';

'(

:~ 445~.

~.

Page 4: ELEY Geoff A história da esquerda na Europa 441-463

FORJANDO A DEMOCRAC1A

\I/

período intermediário com os conservadores no governo entre 1970 e 1974, cuja debãcleelevou ainda mais as apostas, os novos governos trabalhistas de Harold Wilson (1974-76) e James Callaghan (1976-79) repetiram a busca da cooperação sindical, dessa vezpor meio do "Contrato Social", cujo arquiteto foi o líder do Sindicato dos Trabalhado-res em Transporte e em Geral (TGWU), Jack Jones!'.

O Contrato Social propunha uma contenção salarial em quatro estágios, começan-do com um aumento salarial único em favor dos salários mais baixos, que era revertidoem vantagem no terceiro estágio. Os sindicatos apoiaram esse acordo mas, em julho de1978, o qUaJto estágio propôs aumentos salariais irrealisticamente baixos de 5%. AFord Motor Company abriu uma fenda nessa política ao negociar o final de uma grevede dois meses oferecendo um aumento de 16,5% em novembro de 1978, que foi segui-da por uma greve nacional de caminhoneiros cujo término foi obtido com aumentos de17% a 20%. Os sindicatos do serviço público reagiram com uma greve de um dia eparalisações publicamente desastrosas dos trabalhadores na saúde, lixeiros, funcioná-rios públicos e coveiros. Esse "inverno de desesperança" matou o governo Callaghan,e o Partido Trabalhista perdeu as eleições seguintes em maio de 1979, trazendo nova-mente os conservadores ao poder - o que perdurou pelos 18 anos seguintes.

O fracasso se deu no resultado político. Uma política de rendas não compensadapor resultados políticos se tomou apenas uma restrição salarial punitiva. Duas décadasantes, o antecessor de Jones no TGWU, Frank Cousins, ao suceder ao direitista ArthurDeakin em 1956, havia declarado com toda clareza essa esperança, ligando essa coo-peração ao avanço socialista: "quando tivermos conquistado certo grau de planejamen-to e um governo socialista, e se eu tiver de dizer aos meus companheiros 'temos deaceitar as restrições', eu o direi e, quando disser, será para valer?". De acordo comessas premissas, o Contrato Social era válido. Ele previa a abolição da Lei de RelaçõesIndustriais de Heath, de 1971, estendendo os direitos sindicais e criando condições

I para a democracia industrial. Essa proposta exigia um keynesianismo radical que in-cluía controles de preço, investimento público, nacionalização, controle do capital efortalecimento do Estado de bem-estar, com subsídios para alimentos e transportes,ampliação da oferta pública de moradias, melhoria dos serviços sociais e justiça socialredistributiva que priorizasse os aposentados e os com menor remuneração. Jack Jonesapoiava esse programa, dando à "Estratégia Econômica Alternativa" os necessáriosidealismo social e ímpeto ético!".

Mas o governo trabalhista só se interessava pelo controle da crise. Jones nunca foiadmitido nos conselhos de governo e, após o Referendo da CEE em junho de 1975 e acrise do Fundo Monetário Internacional (FJvII) em dezembro de 1976, a esquerda dopartido foi marginalizada". Algumas leis foram aprovadas - a respeito de relaçõessindicais e trabalhistas, discriminação sexual, saúde e segurança no trabalho e proteçãoao emprego, ao lado de algumas medidas destinadas ao emprego de jovens. Mas essafoi a lua-de-mel, antes de o governo capitular diante da recessão e abandonar a esquer-

~

446

CLASSE E POLÍTICA TRABALHIS1i\

.i da. Em 1978, nada sobrava daquela visão. Callaghan havia perdido toda autoridademoral necessária para enfrentar as greves politicamente enfraquecedoras de 1978-79,que produziram enorme desacerto na vida diária.

Na falta das compensações políticas, os sindicatos reverteram ao economicisrnopor omissão. "Não aceitamos restrições salariais, não importa [... ] quem as proponha anós", Cousins havia dito". Essa visão foi fundamental para os acordos do pós-guerra,legitimada pela celebração socialdemocrata do Ocidente: "livre negociação coletiva"foi o axioma do compromisso do trabalhismo britânico com a democracia. A "imposi-ção legal de salário e níveis salariais" era "inaceitável por homens livres que negociamlivremente numa sociedade livre". Quando um governo "tira esse princípio básico dademocracia [...] a democracia deixa de existir". A negociação industrial estava "forados limites da lei": "não se pode ter uma socialdemocracia e ao mesmo tempo controlarpor lei a atividade de um movimento sindical livre" , o que seria um desvio para o "tipode controle totalitário". Essas atitudes estavam profundamente arraigadas no pós-1945:a "frase já desgastada de que o governo tem de governar" era "tão repetitiva que jácomeçamos a pensar que estamos em Portugal ou na Espanha, ou na Europa Oriental",e não no Mundo Livre":

Para tirar os sindicalistas dessa obstinação, seriam necessários ganhos sociopolíti-cos, retomando-se o avanço progressista de 1945. As linguagens anteriores de produti-vidade e reconstrução econômica foram acompanhadas exatamente por essa visão defortalecimento da democracia, Estado de bem-estar, padrões de vida crescentes e umaética universalista de bem público. Se assim fosse, os sindicalistas de esquerda e dedireita teriam menos problemas em enfrentar restrições e sem dúvida encontraóamnovamente maiores racionalizações progressistas. Caso contrário, os sindicatos se fe-chariam no seu terreno de luta para defender seus princípios. Como perguntou o presi-dente do sindicato dos mineiros em 1974, o rigidamente direitista Joe Gormley: "Quemsão eles, como governo, para dizer quanto deveriam ser os salários de homens quetrabalham cinco dias por semana diante de um veio de carvão? Quem são eles paraimpor a lei nessa sociedade democrática que temos'!" 17

~i~~r:

>-r;.

1$!,

il'~~'

t

THATCHERISMO, "SINDICALlSMO EMPRESARIAL'E O MERCADO DE TRABALHO DUAL

• ~c

Se uma reação ao representante de fábrica foi a confiança corporativista no TUC, umasegunda foi o oposto de um sistema nacional de negociação por indústria - ou seja,acordos por empresa ou fábrica. Um meio de neutralizar os representantes de fábricafoi fazer voltar o poder sindical para a sede central, mas outro foi absorvê-los na admi-nistração e envolvê-los em regras. Uma pesquisa descobriu que os locais de trabalhoque tinham regras escritas haviam aumentado de 50% para 80% durante a década de1970. Retirar das negociações com representantes de fábrica os temas de saúde e segu-

447

Page 5: ELEY Geoff A história da esquerda na Europa 441-463

FORJANDO A DEMOCRJ\ClA

\/

rança, intervalos para o chá e demissões p<lSSOUa ser o objetivo da gerência. Portanto,ao regulamentar os representantes de fábrica, a nova legislação de 1974 também impôsrestrições ao seu poder. Os esquemas de produtividade e de avaliação de desempenhoatenderam ao mesmo objetivo. A negociação por empresa solapou a força dos sindicatoscontra toda uma indústria, como se deu com os sindicatos de mecânicos e o TGWU, etambém o papel dos representantes de fábrica. Nos acordos que se seguiram, certos sin-dicatos aceitariam as prerrogativas da gerência (inclusive o compromisso de evitar gre-ves) em troca de salários mais altos e benefícios oferecidos pela empresa, como fundosde pensão, esquemas de propriedade de ações e seguros privados. Esse modelo de nego-ciação liberou as grandes companhias do sistema nacional de relações industriais.

Mas ele também exigia feroz confrontação e forte vontade política. Os represen-tantes de fábrica e os sindicatos colocavam muita coisa em jogo!", Abandonar os pre-ceitos corporativistas significava repudiar o consenso do pós-guerra, ,o que foi feitoapós 1979 durante o governo direitista de Margaret Thatcher, Fortalecida pela comuni-dade empresarial e pela opinião da classe média, Thatcher fez guerra implacável con-tra os sindicatos, por serem sindicatos. As leis de emprego de 1980, 1982 e 1984 ataca-ram a formação de piquetes de greve e outros direitos, regulamentaram as eleições edecisões sindicais e definiram a "negociação coletiva livre" por regras quase ilegais. Apeça principal foi a extraordinária greve de mineiros de 1984-85, quando o mais mili-tante dos grandes sindicatos, cujas greves de 1972 e 1974 haviam coberto de vergonhao governo Heath, foi escolhido para ser destruído. Thatcher encenou uma confronta-ção, acumulando estoques de carvão e preparando um policiamento maciço contra ospiquetes. A questão se transformou numa batalha em torno do exercício da autoridadena Grã-Bretanha. A própria visão dos mineiros da greve como um teste da democraciae da sobrevivência do movimento trabalhista não conseguiu atrair o Partido Trabalhis-ta ou o TUC. A derrota da greve em março de 1985 baniu os sindicatos dos conselhos degoverno. As lutas sindicais posteriores - o ataque aos sindicatos dos gráficos em 1985-86 ou a destruição final dos mineiros de carvão em 1992-93 - foram apenas o arremate.

Na Grã-Bretanha, o desemprego cresceu continuamente durante a década de 1970,mas explodiu durante o governo Thatcher, chegando a 13,2% em 1984. Tomou-se umdesemprego de longo prazo, mais pesado para os jovens e regionalmente desigual. Afiliação aos sindicatos inicialmente se manteve: a densidade sindical britânica perma-neceu constante entre 1953 e 1968, superando 50% em 1974 e chegando ao máximo de55,4% em 1979, com 13,5 milhões de filiados. Mas a partir de então o declínio foirápido, chegando a 37,7% da força de trabalho, ou 9,9 milhões de filiados, em 1990 eapenas 30% em 19971" • Alguns sindicatos foram enormemente afetados: o dos minei-ros de carvão havia praticamente desaparecido em 1993; nos cinco anos após a eleiçãode Thatcher, o TGWU perdeu 29% de seus filiados; outros grandes sindicatos perderamentre um quarto e um quinto. No restante da Europa, os sindicatos também sofreramcom a recessão pós-1973. Mas, se o declínio foi igualmente rui m na França, na Holanda,

448

ti:4t.~~~11-~~,'/t

.t}t'W'./:',:

CI ,ASSE E POLÍTICA TRABALHISTA

na Áustria, na Espanha, em Portugal e na Itália, em outros países a densidade sindical

chegou a aumentar. Onde u governo os ..?P2iªY-ªS_.9..§_~)_~!.~~..p_ú.~licos_p~o~~g~.all1?! /pleno emprego, os ~indica~os sobreviver,a~JQ~~.rll ..Q~governantes socialistas o~ con- ,!servadores. A densidade sindical da Suécia aumentou de 67,7% em 1970 para 82,5% I é'

i"\

em 1990. Mesmo na Bélgica desindustrializada, onde o desemprego chegava a 14% Iem 1984, a densidade sindical aumentou de 45,5% para 55,9% durante a década de i1970, mantendo-se em 51,2% em 19902°.

Assim, a p-olf.tica.de perseguiçãoaos si!1dicatos_~.x,p"ljc:.a~1.n.9~tllªg~.?_~d.~U:.l!.Ç_naGrã-Bretanha, tal como se deu com as políticas anti-sindicais menos virulentas queac~~p;;;h;;:;:;;m o declínio sindical comparável na França, na península Ibérica e naHolanda. Enquanto o trabalhismo era forçado a cair na defensiva, sofrendo com odesemprego, os ataques legais e a greve dos mineiros, os sustentáculos do eixo maisprogressista do TUC após 1967-68, os trabalhadores em mecânica e transportes se des-locaram para a direita. O terceiro maior sindicato, o dos eletricistas e.bqmbcims. (EETPU), \

abraçou agressivamente as mudanças, identifi~ª-pg.Q::.S.e.Ç~~.\~J'L~!.a.~j.~jQ?ºl!AacQIUpa-inl!ia e buscando o melhor acordo, sem se importar com a ética da solidariedade. Nego- :.•... - ..•~-' .•.•.,.••. ~ ~·_.~,.~:_~ .• _ ...•••••.~;'''••.••;•.,...A,.,'.,..... .•._ciou seguro-saúde privado, traindo o apOIo aXlomiÚ1co' Jüs 'Crâ15ãJlUS"fasao Sistema '(

-"""~--Nacional de Saúde. Quando os sindicatos dos gráficos foram derrotados em 1985-86,ele recrutou parte da nova força de trabalho, violando tabus contra furar greves e ali-: \ciar filiados de outros sindicatos. O EETPU foi--º-.I2iQneirodo sindicalismQ empresarial: '----"'Estamos num mercado Iivre.para.o ..si.uQicalismo', disse um de seus líderes. Os maisapto~~;;~~'I~:·~Sº.lJt!"Q!i.y'ªº-'para o paredâo'l" :---- .....-- ... _-.-_.--- .._)

Essa éti."..~ thatcJ~e!~~mostrou a facilid;Ie com que o tz~_~~º.rIP.~.~litante se \(;voltava contra~q~!~ma vez desmontada a estrutura de apoio corporauvista criada rnos acordos do pós-guerra, Logo a metade dos acordos de negociação coletiva passou a ser]..feita com um único empregador, fosse por companhia, fosse por instalação industrial. Ostrabalhadores sob con~mHH.oletiYQJambém decresceram de. 6~_~p'ar~illr~_1984 e.1990. Grandes sindicatos industriais abandonaram o coletivismo por indústria em favor de

~~~1e.itgS ..-S~~1.e!J1P~~~(l~,m.9t41paiS,'f;~~~~~~~_~~~~.<:~~s<llj~ii;tt:o!~~i~res·nos setores ma\~!~a~vos cla§Qn9D2ia. Em contraste com esse novo modelo, os acordos .-nacionais passaram a valer para os f!1~!:l~-.9..u~lp~.a..d..0.~e de menores_~~fuLos, que nãotinham força industrial e mercados de trabalho favoráveis que beneficiassem sua ação indi-vidual. A proposta de acordos nacionais havia sempre gerado visões coletivistas do interes-se geral iguais a essa, para a qual o Contrato Social foi a tentativa final.

Para o capital, manter as negociações na companhia ou, melhor ainda, nas fábricas "individuais minirnizava problemas. Os sindicatos ficaram impossibilitados de mobili- :

I

zar sua força nacional, enquanto os empregadores mantinham seu próprio controlecentralizado ..Os acordos por fábrica eI2fªtiz.a'-.:am odesempeI?~.<?_local, e não os reSUl-_

1)

tados nacionais para aquela atividade. A remuneração exigia P~~~!_cada vez maIores:de bônus e acordos de participação nos lucros. com a redução do salário-base no paco---~--. -_ _ _- _ ..~_.__ ._.._--_.-_ "--",,,,--.,.- _., ..-. -,_ , _, '"

'~./'I.~i::'\'~,.

'j~.:':~'..:.".~

tt.~.:~".~.:~~'

iIí,~:~':

i.;1>'

~

I··~··!. .~

i"

.~.

..,\;i;(:*.~~::::~.

,-~."",'jJ;•~t~

449,~>' ... :::~.

Page 6: ELEY Geoff A história da esquerda na Europa 441-463

FORJANDO I\. DEMOCRACIA

\\~~~~~~!!1~.I1~~a.ç~()~~.tnl.Q}I,rilt1~~a.qéca~a.d~.19.§º?,~~s~.L~!2~~2!.~írarn de 1590 detodos os acqrd(),~.Ç.2Ie!iYQ~,.!1lt~.lt.'DÇJll,çI.Ç_g$!!~~s empresas reduziram sua força detrabalho direta a um "núcleo" protegj,g.Q.çJJ.~l!1.PJ!&9,"terceirizando" o restante,c:ujaL

c:oJJçliçº~s .doesegljrªnçªnº-~1.D'p,n~gC>..~.sI~. ~~~~!'5~~.Nf~r~0~!lnd9_~~. Para onúcleo, ~i~~~ficaçã~ com a empresa era solidificada por aposentadori~s e planos de

~~,~~~~~~,~ci<!~~elo em~~~or, instal~~e~E':!~~~ prop'rieda~.~_~~~~ç!?~ort parte do empregado, ~~~~~i~~~~~:~~:~~~~.;'~:::r:!S22.

...

A AÇÃO PROGRESSISTA E O SETOR PÚBLICO

A

o exemplo britânico indicava uma tendência geral: nesse período, o capitalismo daEuropa Ocidental passou a ler mercados de trabalho crescentemente duais, Os traba-lhadores mais bem pagos foram separados dos outros por contratos negociados por

, empresa, fora das antigas regras corporativas que haviam resultado na negociação co-letiva por setor industrial, na força nacional dos grandes sindicatos, no seguro social,num sistema nacional de saúde e no Estado de bem-estar universalista, Essas antigasrelações industriais certamente não chegaram a desaparecer e, em 1990, metade danegociação coletiva na Grã-Bretanha ainda era nacional ou regional de acordo comaquelas regras, No ~.e~?~.P~~jco,a negºçiªs:iQ,ç.9J~JÁ.Yij,_aj.O),I~g@ e, em virtude

i da mudança de indústria para serviços e da ascensão dos sindicatos de serviços, ela eraI

l..vital. Depois do TGWU e do sindicato de mecânicos, os três maiores sindicatos eramagora o dos Trabalhadores Gerais e Municipais (GMB), com 1,1 milhão de filiados, aNALGO, com 796 mil, e o NUPE, com 704 mil. Os três tinham base no setor público,organizaram as mulheres e cresceram expressivamente a partir de 196023,

r Conforme os grandes sindicatos industriais recuavam para o localismo, os sindica-, tos do setor público assumiam seu papel progressista. Enquanto o thatcherismo cele-i brava o individualismo e o mercado, o sindicalismo empresarial do EETPU era aplaudi-! do como o arauto da modernização, atraindo outros sindicatos qualificados, como o! dos mecânicos". Mas os trabalhadores menos remunerados reagiram fortemente con-

tra as traições do governo Callaghan, os ataque de Thatcher ao Estado de bem-estar e àsua própria percepção arraigada de valor público. Os órgãos locais do movimento tra-balhista (conselhos profissionais, diretórios locais do Partido Trabalhista) já refletiamo crescimento dos sindicatos do setor público, que naquele momento começaram a sedeslocar para a esquerda. O secretário-geral do GMB, David Basnett, conhecido como"a face tranqüilizadora do baronato sindical", fora sinônimo de centrisrno sem imagi-nação, um trabalhista leal que nunca balançava o barco. Mas um quadro de filiadosativos provocou mudanças, que culminaram na eleição do sucessor de Basnett, JohnEdrnunds, em 19852.\.

Esses sindicatos Jid.~rarama defesa do setor público - ç.ol1Jr.u.-ª!.f!ÇJ1les.uasgQY.k!1!QS_~º.c:.<,tis,cortesno s.egl!J9.59.E!.~1e no be~=~~i;;:f~cha';n;nto de hospitais e privatização

", .--'------.---.. O''". • ~,-._, ..• _ •• - •• -. ~ _

<~

450

CLASSE E POLfTlCA TRARALHISTA

ele serviços; o NUPE tomou-se a principal força do Partido Trabalhista. Em 1987, seusecretário-geral, Rodney Bickcrstaffe, era o presidente do Comitê Econômico do rue,e seu vice, Tom Sawyer, do Comitê de Políticas Internas do Partido. O NUPE davaprioridade ?..?~~lário mínimo, pel()._9~~~~.~!litân~~.a, .s.i~l?!~altraciici()n.aln-:ente tinhapouco interesse, e enfatizava igu~~~~~-ªg'!.J!l~I!!p,_alltiçli.scrÜn.ill-,~.ção, 91t:TIfLQt;_C(iç~Le_.2.~~~~~..9.uestões importantes para as mulheres trabalhadoras (622'o,de .~eusf~!<t.~.9seram mulh'~~s):b~~7o";~;o-a-~:~-p-;:-~~~;taçii~"~b'i;~~'d~';';';;~iheres26. Era com-

__ •••••• ••••• ,,~ __ ,. •• ~_ ••••••• ~ ••• __ •••• _ •••• _~ __ • __ r ._.~ •• ,J._ ..,..,..." .....•.,•......,..~••.._ ..•.,._~,•..,

prometido com a formação política, com ênfase no ~tiyismo, na participação e na re~-

ponsabiliza~~~~0.9~~!ica,Contra o sindicalismo empresarial do EETPU, ~~~~~ismo_9?_ ~~,t.9!,P'g,~li~~.p~-

t~e uma ética de solidl!!:iedade trabalhista - organiZaJLciQ_.a..furça..de-trabalhQ._n~,gQ:,ciando coletivamente salários, benefícios e condições, assegurandoregras e direitos no

tra!?~\b~.t?J?::::.~~~?!l.<:~~..,~'~~~~t~";!!-;:Pf9mj.~.l!1b.l~~.!iS~a.·Mas tu'd~-;s~~'~~t~~aligado ao bem público mais amplo que o Contrato Social não conseguira expressar, Àmedida que a esquerda perdia força no setor industrial, a ação progressista migravapara o setor público, De fato, sindicatos semelhantes ao NUPE tinham de discutir nasmais amplas frentes políticas, Eles ofereciam serviços ao público em geral, não produ-ziam bens para o mercado, Isso mudou o impacto das greves sobre as pessoas comuns(tais como o "público", os contribuintes, consumidores, clientes de serviços, cidadãos),de uma forma que os sindicatos não poderiam se dar ao luxo de desconsiderar, comoaprenderam, em seu próprio prejuízo, os sindicatos do setor público em 1978-79. Em-pregados públicos não tinham acesso a esquemas privados e benefícios oferecidos pelasempresas que o EBTPU optou por buscar. Eles enfrentavam um mercado de trabalhodiferente. Precisavam do Estado de bem-estar para si mesmos - tanto para o segurosocial como para seus empregos.

Em>:i!!ll~~ Da estmtura oç~ug), a ascensão dos sindicatos dosetor público incentivou idéias de reviver o velho estilo da socialdernocracia. Se ossindicatos industriais tinham perdido o ânimo, ou recuado para ° localismo, os sindica-tos do setor público em ascensão poderiam preencher a lacuna. Se a velha economiaindustrial do fordismo e da produção em massa estava chegando ao fim, então a econo-mia pós-fordista de serviços e teEn.9.1()~~~~_~ein~~f!2.~tinha seu próprio proletaria-do, que apoiava a organização coletiva do movimento trabalhista de formas consagra-das no tempo. Se havia mudado a sociologia da classe trabalhadora, esperava-se quesobrevivessem as coordenadas tradicionais da política da classe operária. Qualquerque fosse a forma da economia e da estrutura de classes em mudança, era possívelreafirmar a política socialista associada ao acordo do pós-guerra - corporativisrno sin-dical, pacote keynesiano de gerência da demanda, investimento público c pleno empre-go, redução da desigualdade social por meio do Estado de bem-estar, tributação pro-gressiva e planejamento. Na década de 1990, era chegada a hora de julgar a forçades~e~?..a!:~:-,~eny:~~: " ...----,-,-. .....--- .. '- '. -.. .... >---

JIÍ~

~l

~'

;i:">r:I'rt~'.~i-~.'.~

..::~

~.;~

451

·iç.

Page 7: ELEY Geoff A história da esquerda na Europa 441-463

FORJANDO A DEMOCRACIA

SEM RETORNO

Analiticamente, a "classe" manteve sua centralidade. Ela era necessária para entendera sociedade sob o capitalismo - desde a organização da vida social e o mapcamentodas diferenças humanas até a representação gráfica das desigualdades na distribuiçãosocial do valor produzido na economia, O núcleo das definições socialistas da classetrabalhadora, o trabalho remunerado - o que significa a venda da força de trabalho emtroca de remuneração, como fonte de subsistência sob relações de dependência e su-bordinação, sem meios alternativos de sustento -, tomou-se progressivamente univer-sal. Evidentemente, mudaram os indicadores visíveis e os significados culturais maisevidentes do fato de alguém pertencer à classe trabalhadora, Onde e como viviam,comiam, bebiam e se divertiam as pessoas, bem como a natureza do local de trabalho,o tipo de trabalho que executavam e como o executavam, tudo isso se transformoudurante o século xx, quer se avalie a partir da Primeira Guerra Mundial, dos acordospós-I 945 ou das transformações aceleradas das últimas décadas. Mas o fato organizadorcentral do trabalho em troca de remuneração (mesmo quando a remuneração se reduziaao salário), bem como a necessidade material direta de realizá-Io continuaram maisverdadeiros para mais pessoas do que em qualquer época anterior, ainda que mediadose obscurecidos por formas sutis e complexas.

"Classe" talvez tenha permanecido como uma categoria analítica e como condiçãoorganizadora da vida social, mas sua estrutura e suas formas ostensivas mudaram pro-fundamente. Com novos padrões de emprego, mudaram a geografia e o gênero dacondição de membro da classe trabalhadora, assim como se deu com as arquiteturas davida diária em aspectos como moradia, família, sexualidade, amizade, instrução, re-creação e lazer, gosto e estilo. Mudaram também as culturas de identificação, Faziadiferença se os representantes sindicais eram mineiros de carvão, estivadores, rnetalúr-gicos, construtores de máquinas e outros homens que aplicavam sua inteligência e suaforça muscular em tarefas fisicamente árduas ou se, pelo contrário, eram homens emulheres sentados diante de um computador, trabalhadores na lavanderia ou na cantinadas instituições públicas ou auxiliares de enfermagem nos hospitais das grandes cida-des. As valências de classe como base política eram diferentes.

"Classe" tomou seus significados das circunstâncias históricas em que se forma-ram seus limites e capacidades, seus termos de inclusão e exclusão, suas restrições epromessas. Portanto, em 2000, não se poderia mais revi ver a socialdernocracia basea-da em classes de J 945-68. Uma presença organizada da classe trabalhadora na políticaenvolvia mais que a multiplicação das posições de remuneração numa estrutura social,a produção sistemática de desigualdades sociais ou a existência cultural de identidadescoletivas da classe trabalhadora em si. As histórias da classe trabalhadora pós-1945haviam sido formadas pelas experiências comuns de ação governamental, reforma so-cial, melhoria material e memória coletiva, resumidas neste livro como o acordo do

452

:J,i~..ii.~·,·,....

'~(t;;

'-:.:

CI ASSE E POLÍTICA TRABALHISTA

"I~'i,~~.

~

pós-guerra. Guerra, libertação e reconstrução após 1945, no momento da oportunidadeantifascista e sua posterior normalização, numa estrutura duradoura de restrições epossibilidades, definiram classe no seu alcance político.

Havia então uma dimensão política na formação de classe sob o acordo do pós- ,guerra, que ajudou a estabelecer quais poderiam ser os limites e potenciais da condição'de membro da classe trabalhadora. O boom do pós-guerra também foi essencial paraessa história política, entrando na experiência popular européia por volta de .1960 gra-ças ao aumento das rendas disponíveis, ao acesso aos bens de consumo duráveis, às :novas formas de lazer comercial e à mercantilização dos costumes e da moda. O fordis- !

mo, como regime distinto de acumulação que combinava produção em massa e consu- 'mo de massa em pacotes de negociação de produtividade no local de trabalho e altasremunerações, ofereceu a infra-estrutura do consenso social que essa prosperidade sus-tentava. No entanto, os arranjos políticos nacionais pós-1945 fizeram uma diferençacrucial. Era importante o regime de acumulação do pós-guerra ser administrado porum Estado socialdemocrata comprometido com a regulação do capitalismo e a expan-são da democracia - cujo exemplo mais forte foi a Escandinávia -, ou ser gerenciadonas costas dos trabalhadores depois da derrota do movimento trabalhista, como se deuno Sul da Europa, quer pelas ditaduras, quer pelas coalizões que excluíam a esquerda.'

Em vez de fluir logicamente das economias de crescimento e das sociologias demelhoria que acompanharam a prosperidade do pós-guerra, a importância do trabalhismofoi construída pela política. Foi construída em parte pelo anticomunismo e pela GuerraFria, num sistema que se opunha às esperanças mais radicais de 1945 - ou seja, pelaslimitações ao avanço democrático. Mas foi também eonstruída pelas conquistashumanizadoras das reformas - a regulação keynesiana do capitalismo, a cultura políti-ca do Estado de bem-estar, a prática da cidadania social e a predisposição a um idealdemocrático em expansão. Entre as reformas do pós-guerra e o final dos anos 1960houve um hiato político definido pela Guerra Fria, pelo trabalho duro e pelasautoprivações da reconstrução. Mas, quando essas conformidades começaram a se afrou-xar e a imaginação política a se agitar, a estrutura corporativista havia se aglutinado eos hábitos haviam se endurecido em normas de consulta entre governo e sindicatos. Osciclos britânicos de negociação relativa às políticas de renda, a partir do governo Wil-son até o Contrato Social, tinham essa história como premissa, quando a influência dotrabalhisrno era coerente com as reformas do pós-guerra.

Quando se removeu sua moldura institucional pró-trabalhista, o acordo do pós-guerra desmoronou. Os governos penhoraram os benefícios do longo período de pros-peridade em troca de melhorias materiais e reconhecimento sociopolítico - remunera-ção real e padrão de vida crescentes, de um lado, e, de outro, promessas de reforma,entre as quais se incluíam em 1960 oportunidades educacionais e acesso ao lazer, alémde ampliação da justiça social, do Estado de bem-estar e da democracia em operação,Essas reformas teriam de se realizar, sob pena de naufrágio do compromisso corpora-

.~ ..

.J;:.

'~:~.

tli;~r.'~

',:1.

l

453

Page 8: ELEY Geoff A história da esquerda na Europa 441-463

FORJA NDO 1\ DEMOCRACIA

/

\tivista, Quando o a_llmentO,QünDação e a redução da produtividade estragaram o oti-

, rnismo popular com relação à economia, aume;;t~;;;~'~;-~postas políticas, especial-\ \ mente pela imposição de_r.~st!"Íçge.sJ r~Ill~fl~r~ç1.iº-.Sem uma ou outra, sem reforma ou

:\melhoria econômica, o acordo do pós-guerra não poderia sobreviver. E nessa lacuna'entrou a militância interesseira da onda de greves da Europa Ocidental de 1968-74. por;vezes energizando o radicalismo socialista, mas à custa do rompimento iu~b~l~todas!estruturas de representação sindical nacional em novos repertórios de mobilização do,

f'chão-de-fábrica.

Entre 1965 e 1975, caiu o suporte do acordo do pós-guerra. O fracasso de Brettoni Woods e da ordem monetária internacional, as dificuldades norte-americanas em ra-I zão da Guerra do Vietnã, combinadas com a crise do governo Nixon, o embargo doi petróleo e a recessão mundial - tudo isso enfraqueceu a estrutura internacional doi keynesianismo, O regime fordista de acumulação baseado na produção em massa

entrou numa crise de longo prazo, levando à reestruturação capitalista. A formahegemônica de autoridade rnacroeconôrnica no Estado-nação, o keynesianismo, foiabandonada. Ao planejamento, ao investimento público e ao financiamento do défi-cit, passaram a se opor o monetarismo, a privatização e as ideologias neoliberais demercado. Sistemas redistributivos de tributação direta associados à justiça socialpassaram a ser condenados. O gasto público e a alta carga tributária tornaram-seobjeto de hostilidade pública. A socialdernocracia foi estigmatizada por sua política

o de "tributar e gastar". O Estado de bem-estar foi reduzido e até desmontado, com a. negação do universalisrno ("seguro social do berço ao túmulo"k_ª-.l.~Yersão-ao~-: c!iY!º.!Jal!~mQ._eà_~~!jdad~_~ a volta dos serviços ao mercado, desde a assistência à

saúde até as aposentadorias.Ademais, depois de atingir, na década de 1970, o máximo em densidade e filiação,

os sindicatos perderam legitimidade, com restrições legais, tensões com os partidossocialistas e fortes atritos com o quadro de filiados por causa da recessão. Os sindica-tos perderam sua relação especial com o governo conforme o corporativismo se dissol-via. Chegava ao fim a economia de altos salários e pleno emprego do fordisrno e do

keynesianisrno, garantida p~1~~2.:~~<;:~?_~gktixª_Qº!~~2I. in~~I- e por-acordosnacionais, com vigorosas culturas de rnilitância de chão-de-fábrica. Dissolveram-se ossistemas nacionais de relações industriais ligados ao corporativismo e os movimentostrabalhistas unificados, substituídos por novos dualismos: trabalhadores bem remune-rados em indústrias dinâmicas, dotados de flexibilidade e qualificações valorizadas,optavam por acordos com a companhia; para os mal remunerados, sem qualificação,empregados em pequenas indústrias e serviços públicos, a negociação coletiva tradi-cional e os acordos nacionais continuaram a ser a norma necessária.

A evolução dos acontecimentos na Europa não foi uniforme. Na Escandinávia, adensidade sindical permaneceu alta, chegando mesmo a crescer. Na França, em Portu-gal e na Espanha, ela naufragou catastroficamente. Na Escandinávia e na Áustria, as

./

454

o~

i\i.J1·r- :.r:,·~:~

CLASSE F.POI .ÍTICA TR ABALBlSTA

~;\=t.'

federações sindicais nacionais mantiveram sua influência. Na Alemanha, na Áustria,na Holanda e na Escandinávia manteve-se o consenso eleitoral favorável aos serviçossociais. O abandono do keynesianismo pelos franceses ocorreu durante o governo so- ')cialista eleito em 1981. As revoltas contra os impostos não se fizeram tardar e foramvirulentas e bem-sucedidas na Grã-Bretanha e na Dinamarca. Mas a principal variávelda Europa Ocidental foi a força política do corporativismo da década de 1950. Onde okeynesianismo do pós-guerra foi construído sobre o movimento trabalhista por inter-médio de federações sindicais e suas unidades políticas, as conseqüências da recessão,da desindustrialização e da reestruturação pós-fordista foram menos danosas à sobre-vivência política da esquerda. Mas, se o corporativismo se baseou na eXflmãQ do mo-v1l!:'!.e_l!.t2..!ra~~~LIlÜ'1g>.oupresumiu sua derrota no início da Guerra Fria, os partidos deesquerda perderam o controle sobre a ~ris~, adotando políticas econômicas neoliberaismesmo quando no poder. A Grã-Bretanha foi um caso intermediário, combinando umforte salário e um corporativismo relacionado com o trabalho e organizado em torno daforça industrial dos sindicatos e de um keynesianismo na administração pública. Mas ogoverno Wilson foi incapaz de integrar o rue nas instituições nacionais da economiakeynesiana, produzindo uma fratura entre O Partido Trabalhista e os sindicatos e adébãcle do Contrato Social". ----.-- '.. .. 0000· 00

-. h ~ •••• __ .0.. •• _ "h ." ~ __ ••

:'Jf/

A DESCONSTRUÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA

·•.~d'

Por volta da década de 1970, a esquerda tinha um problema central. Em virtude de suacondição de partidos tradicionalmente baseados na classe trabalhadora industrial, ossocialistas e comunistas atraíam populações cada vez menores. Além disso, os traba-lhadores fiéis já não se viam coletivamente da mesma maneira. Como identidadeoperativa - como mito organizador da tradição socialista, capaz de inspirar a açãocoletiva, de unir categorias diferentes de trabalhadores numa mesma solidariedade,com eficácia duradoura na política -, a "classe trabalhadora" estava perdendo a força

motriz.Nesse duplo sentido - na estrutura social e nas compreensões sociais, como grupo

social de posições remuneradas nas economias industriais e como identidade políticaorganizada -, a classe trabalhadora estava em declínio. Foi uma história complexa. Aspercepções do declínio refletiam a morte de um tipo de grupo da classe trabalhadora-os proletários do sexo masculino qualificados ou semiqualificados das "velhas" indús-trias e do complexo eletroquímico da "Segunda Revolução Industrial". Afinal, de acor-do com definições mais estritas de trabalho remunerado, os empregos da classe operá-ria ainda estavam em expansão. O declínio no número de camponeses, cornerciários,comerciantes e outras formas de emprego autônomo, bem como a entrada das mulherescobriam com folga o crescimento da força de trabalho remunerada. As premissas rela-tivas à identidade da classe trabalhadora não acompanharam as mudanças no trabalho

>~.

;~;:,.$;};,"'?',~~'.

',:':.

.~

455

Page 9: ELEY Geoff A história da esquerda na Europa 441-463

I'ORJANDO A DEMOCRACIA

/

e a contínua criação de novos tipos de trabalhador, como ficou claro pelo crescimentodo setor de serviços e do emprego público. No entanto, o "declínio da classe trabalha-dora" não era apenas uma ilusão.

\- A classe trabalhadora nunca se resumiu a uma categoria homogênea de assalaria-dos. Em todos os estágios do capitalismo. a classe trabalhadora esteve sempre em pro-cesso de formação. Foi necessário que ela se transformasse numa unidade operativa _dotada de significados públicos reconhecidos e presença política ativa. Ela foi sempreum complexo de comunidades e ocupações, dividida por gênero, idade, experiência,

; qualificação, formação, tipo de trabalho, religião, língua, etnicidade e origem nacional,residência, região e outras distinções. Somente graças a esforços criativos e contínuos

•...ela se tomou uma coletividade para fins políticos.j A passagem de classe como fatos sociais para classe como compreensões

sociopolíticas - de um agregado de assalariados em localizações estruturalmente dis-. persas de classe para um ag9}le_ço)etivÇ>_na política - nunca foi um "dado'?". Envolveuhistóriasp.olílicas.imprevis~is. A fixaç-ã~~Útica de classe poderia evidentementeadquirir estabilidade em estruturas institucionais sólidas, como o Estado keynesiano debem-estar e as estruturas corporativas do acordo do pós-guerra. Mas a manutenção de

l divisões multiformes em meio a tensões em avanço, no âmbito de solidariedades co-muns abrangentes, permaneceu inevitavelmente incompleta. Em termos puramente re-I muneratórios, muitas categorias de trabalhadores estavam fora da unidade percebida

I como "classe trabalhadora" em determinadas épocas. Muitos resistiram aos apelos à

L'consciência de classe". A ambivalência de interesses múltiplos e conflitantes há de sersempre vista operando eloqüentemente nas vidas individuais.

Eram evidentes algumas generalizações relativas às diferenças que complicavamou impediam a "unidade" da classe trabalhadora no presente". Uma divisão separavaos t.rab.a)h.ªº9r~s.d~J!!~S.?~~0dos de c.?!~rin~g,}?!~~ O pessoal de colarinho branconos escritórios tinha c9!.l(j}ç!~~ociale eJ5.p~[i.êl}~as diferentes das dos trabalha-dores nas minas ou fábricas. A sindicalização ou a convocação de todas essas distin-ções gerou tensões. Diferenças entre pessoas da própria classe trabalhadora manualtambém se ampliaram após a década de 1970. A dualidade do mercado de trabalhocolocou os trabalhadores qualificados mais bem remunerados, com condição privile-giada de negociação e benefícios oferecidos pela empresa, contra a reserva de traba-lhadores temporários e sem qualificação, sujeitos a trabalho irregular e de baixa remu-neração e à falta de segurança no emprego. Essa emergente "sociedade de dois terços eum terço" estigmatizou a minoria ernpobrecida na condição de "subclasse", como o"resíduo" do período anterior a 1914 ou os "pobres sem merecimento". Pior ainda,numa análise alternativa, a "terceira sociedade do terceiro terço", ao levar para osestratos superiores a sua insegurança, atingindo os "recém-inseguros", deixou apenas oterço superior livre de riscos'", Entraram em declínio as categorias intermediárias detrabalhadores semiqualificaclos, a massa de recrutas dos primeiros sindicatos indus-

456

CLASSE EPOLfTICi\ TRABALHISTA

.~y.,.

triais. A fragmentação social passou a complicar as tradicionais racionalizações dasolidariedade, tanto entre os sindicatos como na causa política do trabalhismo.

Essas diferenças se revelaram num terceiro conjunto, as que existiam entre ho-mens e mulheres. As mulheres dominavam as novas áreas de emprego terciário. Elastambém se juntaram aos trabalhadores menos qualificados, temporários e de menorremuneração da indústria. A presença crescente de mulheres nos sindicatos, o recru-tamento para governos locais e parlamentos e seu peso eleitoral forçaram a esquerdaa uma importante reatribuição das funções dos gêneros. Todavia, as lideranças es-querdistas permaneceram esmagadoramente masculinas. Os movimentos trabalhis-tas ainda estavam entravados pelo sexismo. A priorização pela esquerda dos interes-ses femininos no local de trabalho foi penosamente irregular com relação a segrega-ção no emprego, contratação discriminatória, assédio sexual, creches ou desigualda-de de remuneração" .

6jQ'.lª~fo.Lºutrodiyj~9L~~~is.<L.Reduziu-se o aprendizado, ainda que pennane- r

cessem as hierarquias associadas à idade para os colarinhos brancos e outras catego-rias. Os trabalhadores empregados foram separados dos idosos e jovens que nunca seempregavam; a dependência dos primeiros de gastos sociais crescentes (aposentadori-as, assistência à saúde, serviços sociais) e as agressões subculturais dos últimos produ-ziram tensões que as antigas solidariedades de farrulia, vizinhança e comunidade, elaspróprias destruídas pelas mudanças, não puderam conter. A desindustrialização - afu_~_a_~smanufaturas das çjQades ••o colapso das velhas indústrias e dos mercados detrabalho auxiliares, aE1_~~.QT.!!.~.!ligJ!ili:~IJga~<l~~"<~_~~~nicail}.9~ - tambémrepresentou enormes desigualdades entre regiões, que também entravaram a aglutinaçãopolítica. Entre os exemplos se encontravam o declínio econômico de longo prazo (fe-c~~~-º-~ regiões inteir'!§.A~Jl1ineração _de carvãoHe...JÍU<$talei_r:.Q.§),a mudançatecnológica (a adoção de contêineres nos portos), a perda de população rural (o Sul daItália) e o colonialismo interno (a Alemanha Oriental pós-unificação a partir de 1990)32.

Finalmente, as id~!1tidade~lla.çjºnai~e deraçªQi.Y.im.ramnitidamente as solidarie-gades no.interior d~clas;'·tr;balhadoraJJ. A carência de ~b~Th~d~aâs-ecoriomI.ªsocidentais em expansão atraiu imigrantes do Mediterrâneo paJa aAlemanha Ocidental,0;PafSe-d~:ií3§S'e ~E~~~~Úi~~;'~,o~~~a;a~tiga~ c~I.ºl)i_~i"~~~_~iSi;Ai@:-nõNorte daA~Q_Cariºe para a Grã-Bretanha e a França. Por volta de 1990, os países daUnião Européia (UE) tinham 1}_l1Jill1õesdi~?i~!.ú2éiros, com tensões continuamentecrescentes. lrrornpeu a violência contra estrangeiros na Alemanha após a unificação, eos partidos de esquerda evitaram em grande parte o desafio representado por essasegregação popular. Mas os trabalhadores tambémapoiavam as iniciativas [Icúfªscjsta§.,tais como aFrente Nacio~arri~:f;~nç;.6racismo da classe trabalhadora infestou aÁustria, a Alemanha, a Bélgica e a Grã-Bretanha. Conflitos semelhantes marcaram aEuropa Oriental pós-comunista a partir do final da década de 1980, chegando na Iugos-lávia ao ponto de desintegração do Estado, colapso social e guerra civil. Essas divisões

,1;

't":'~'

~~·;.S'.i-,(-

~'~'

"'::,,::'~.s:~~.

i'·,t::"

457

I.I'.;

-,

Page 10: ELEY Geoff A história da esquerda na Europa 441-463

FORJANDO A DEMOCRACIA

\J~

às vezes se fundiam com disparidades regionais, como no caso dos ataques de motiva-: ção política contra os emigrantes do Sul no Norte da Itália. As divisões culturais -L~Il!m(HQ?s.e!ll.JennQs ..uacionalis.tas.-ét.niros.,.Lacia.is.J2U.Jfligi~sos - ~i~~_às..l.i.I)-! gua~ns superiores da ~(]lic.l.mie.Q.ª-d~_!,Le_çJa~.§e34.! -,,- -....._...-_.......-'

A DESAGREGAÇÃO DA FILlAÇÃO DE CLASSE

A mobilização pela solidariedade geral de classe, fosse para manifestações, eleições oulevantes, sempre encontrou divisões entre os trabalhadores. A unidade da classe traba-lhadora sempre foi uma projeção, um objetivo da política socialista,e-não...uma dada

..:f condi~terml!J.!'i:u>.s:!!l eCI~.I:!~~,Q!l.R~lfLçI~~jgualdade social. Como agente cole-tivo, a classe trabalhadora sempre esteve em movimento tanto nacional como local-mente, afetada por flutuações econômicas, contingências da vida diária:e ação gover-

, namental. Ela sempre esteve no processo de ser "formada".A partir do final do século XIX, porém, houve uma lógica para essa formação. Ela

uniu a lealdade dos trabalhadores em tomo da causa política do trabalho, no âmbito deuma consciência socialista de concepção ampla que amadureceu entre as guerras, ape-sar das lutas partidárias internas do período 1914·23. Os acordos do pós-guerra entãosolidificaram essa aglutinação após 1945, enquanto os efeitos sociais da nova prospe-ridade do pós-guerra solapava seus apoios comunitários existentes, desordenando len-tamente as solidariedades da classe trabalhadora por meio de um novo processo defragmentação. O final do século XX trouxe assim uma mudança importante: desde afundação dos partidos socialistas até a maré alta do antifascismo, a tendência principalfoi a aglutinação de classe; a partir da década de 1960, a história emergente foi dedesintegração. As mudanças contemporâneas deram nova valência política às divisõesda classe trabalhadora. Foi quebrado o esteio principal dessa filiação de classe.

Por volta de 1960, sociólogos e críticos culturais já mostravam o desaparecimentoda "classe trabalhadora tradicional" nos debates sobre a "afluência" e os efeitos doboom do pós-guerra. Contudo, essa fora uma formação de classe trabalhadora muitoespecífica, que se aglutinou por meio da industrialização do final do século XIX, adqui-rindo uma aparência de maior força ao longo das décadas seguintes e estabilizando-se

; na vigência dos acordos pós-1945. Nesse sentido, a organização confiante e bern-suce-

e' J., dida das aspira0_e2:Q.e_'.:la~~c~:p.~~i!}r_~~i.Xão_~.~~i~I!~!~.foi o efeito finito de um período\fdistinto, que durou cerca de oito décadas." Essa classe trabalhadora-;;-histórica" se desenvolveu menos a partir da indústria e

--._------------~-~muito mais desde sua localização espacial em comunidades especiais - pequenas vilasindustriais em tomo de fábricas ou minas, grandes metrópoles cofiio portos ou capitais,e especialmente cidades médias ou distritos urbanos limitados, tais como West Ham ouWoolwich em Londres, Wedding em Berlim, Sesto San Giovanni em Milão, ou Sansem Barcelona". Até 1914, o socialismo municipal nessa escala comunitária foi vital

. .' -"'-~-458

CLASSEE POLÍTICA TRABALHISTA

para o movimento. Os quadros socialistas, os trabalhadores sindicalizados, a força detrabalho administrativa e direta da cidade e as populações que se beneficiavam dessesserviços deram à esquerda poderosas máquinas políticas. A franquia democrática após1918 colocou-as em operação. ~!ltJ.'e J92.0. e 196.0,_otrabalhismo conquistou a cidade.D..9Jninou os governos.locais nas capitais e regiões industriais muito antes de participardo poder nacional. A formação de classe foi um processo de aglutinação social poliii-

.~ .~ ,', "_~ __ ..- •. '.~~'_'_' __ ' ._. ~ __ , __ , __ ._,_,., •.•..••• ' .~_ •.. _ •• __ ~_ •. A.~ o," . . - " _, __ -., •• ;_

c1!Rent~~~~o, "gestadono útero.do.govemo mwúcip~:'. Uma identidade coletiva"foi forjada para a classe trabalhadora e, por reação, para al:>ªixa classe média" nesses... ...-,..'---_ ... ".,------...--.novos cenários urbanos: "A sociedade urbana percorreu um longo caminho durante operíodo entreguerras, t.ransformal1~o.::s~><i_e_l1Illª--sºç,ieilad.e_çdl)I?L~rnl!1na .socied~_dede classes=" .--------

Ao organizar b~~rr..<?~~.~~~l1o~e distritos centrais das cidad~s, os partidos socialis>,tas se tornaram "agentesda formação de classe'27. [)~sen_~())yjd-ª-eI1tre1880 e 1939,essatradiç~()_s()b[~:-:i:-:~!-!_-ª~..condições.que p_ermitir~J1l.~u~_~s~e.l1~ão.A predominânciada esquerda continuou até as décadas de 1950 e 1960, exemplificada nos governostrabalhistas de grandes áreas da Escócia, de Gales do Sul e do Norte, ou nas do PCF no"cinturão vermelho" de Paris. Mas essas hegemonias urbanas passaram a ser continua-mente erodidas. As culturas políticas locais da classe trabalhadora tornaram-se cadavez mais difíceis de encontrar. Entre as guerras, a suburbanização, às vezes promovidapela remoção de cortiços e por novos desenvolvimentos urbanos, solapou as comuni-dades onde haviam se formado os socialismos municipais". Esses processos foramacelerados a partir da década de 1970, com o deelínio da indústria manufatureira, afuga de indústrias, a desindustrialização de regiões, a recomposição da força de traba-lho e a desorganização dos Estados de bem-estar. Na Grã-Bretanha, foi destruída aestrutura de financiamento e oferta de serviços dos governos locais que dera sustenta-ção às primeiras experiências, como o "poplarismo" e a visão socialista da cidade,sendo o caso mais notável a dissolução do Conselho da Grande Londres em março de198639. Tr:a_balho~Jesidência passaram a estar cada vezJ1la.i~~ist~n_t~.s_e.~t~<?~i.O lazerse deslocou dos music halls, cinemas, teatros e clubes para a privacidade de "centros.de.lazer'~.~21~; Os centros das cidades f~r.'lm abandonados ao desenvolvimento. co-~t:rcial,-_~Jl.!:~~!'?~_cl~J1lelh0riapara._(l0.asse média e a fOrmas diversas.de ..pobreza.

Após 1945, classe passou lentamente a ser um indicador menos confiável de vota-çã040• Em regiões como Áustria, Escandinávia eGrã-Bretª-n~ha, aclasse havia sempredeterminado a forma de votar, ao passoque n; AÍ~~~-;ha Ôcid~~tal, n~França enaItáli~~~~.r.~.~-;;~pli~~ªapela religião e nos Países Baixose na Espanha, um indicaC!.orfraco. Mas a partir de então seu declínio passou a ser uma tendência geral. Na Suécia,"a importância da classe para previsão caiu de 23% da variância em 1956 para 34% em.)985,com os eleitores jovens e as mulheres meI10!'i}ltllJenciad.os_p.eLap9siçãº.d~ elas-Sé4J~ À medid;q-;:;~ía o-núm~;~e-'t~;baíhadores, os partidos socialistas também

-passaram a ter mais dificuldade em manter o apoio dessa parcela decrescente". Entre

<;'

459

Page 11: ELEY Geoff A história da esquerda na Europa 441-463

I 'ORJ ANDO A DEMOCRACIA

1945 e 1983, a parcela dos trabalhistas no eleitorado britânico caiu de 62% para 42%.Em 1983-87, quando seis em cada dez trabalhadores sindicalizados votavam em outrospartidos. apenas 39% dos trabalhadores sindicalizados apoiavam o Partido Trabalhis-ta, um quarto abaixo do apoio de 1979; o partido só conquistou um quinto do eleitora-do de colarinho branco e menos da metade dos eleitores serniqualificados e não-quali-ficados - números que não chegaram a melhorar muito em 1992, quando cresceu ovoto popular do Partido Trabalhista. Durante a década de 1980, o thatcherismo haviareduzido efetivamente o eleitorado trabalhista a uma minoria desmoralizada da classetrabalhadora".

Assim, o voto de classe se tornou mais fraco: "o eleitorado do Partido Trabalhistaestá em sua maioria na classe trabalhadora; mas a classe trabalhadora deixou de sermajoritariamente trabalhista"?". Os novos trabalhadores eram ambivalentes em relaçãoàs tradições do movimento trabalhista, enquanto os velhos leais preferiam se afastar.Em 1979, a parcela dos empregados qualificados que se voltou contra o Partido Traba-lhista estava entre 10% e 11%. As fórmulas da velha esquerda haviam perdido a eficá-cia. Os altos impostos, a burocracia dos serviços sociais, a ineficiência das indústriasnacionalizadas e outros aspectos desabonadores do acordo do pós-guerra desgastaram

I.a lealdade dos trabalhadores. Exauriram-se as velhas propostas. O dualisrno emergente

:/ do mercado de trabalho provocou uma profunda cisão em determinadas indústrias,C :.:)! lançando trabalhador contra trabalhador: "os de te!~po parcial contra os de tempo inte-i gral, o C~I1trocontra a p~tiferia, a produção f9rdi.stâcontra aRQ.s~Q.rdista, o emprego

~ temporário contra o perm~nte, os ef~ti'loscontl'a os te!f.§i!:kados etc.":".'I Com essas mudanças. o sindicalismo perdeu suas credencia~rça progressis-I i ta. Os sindicatos sempre estiveram intimamente ligados ao socialismo. Além das rela-!! ções entre partido e sindicatos havia o sentido maior do sindicalismo como a arma dosij fracos, mobilizando a força dos trabalhadores coletivamente organizados como sua~ única defesa contra a exploração, as desigualdades sociais e a força do capital. O sindi-

I calismo era uma possibilidade de classe, pela qual as massas agindo de modo unidoeram capazes de gerar efeitos. A força industrial era essencial para a melhoria imediatadas remunerações e condições de trabalho. Mas o sindicalismo era também uma visãomaior. um ideal coletivista do bem geral, um desejo de melhorar a sociedade, uma éticageral de solidariedade social. Até 1914, os militantes da classe trabalhadora sonhavamcom a quimera revolucionária da greve geral. Nas versões mais radicais, geralmenteligadas ao sindicalismo revolucionário, isso deveria dar início à transição socialista.De modo mais geral, forçou as classes dominantes recalcitrantes à mudança política,como se deu na greves gerais pelo direito de voto anteriores a 1914. A ação industrialtambém trouxe esperanças políticas mais modestas: com a força do sindicato, trabalha-dores ajudavam trabalhadores mais fracos, porque padrões mais altos de remuneraçãoe condições de trabalho resultariam no nivelamento por cima. Os sindicatos eram osportadores da tocha da reforma progressista.

460

CLASSE F. POLÍTICA TRABALHISTA

Depois de 1918, e especialmente a partir de 1945, a centralidade do sindicalismopara a consciência política dos trabalhadores sofreu uma mudança sutil. Enquanto ospartidos socialistas não conseguiram mudar a lei, a segurança social dos trabalhadoresexigia suas organizações coletivas na economia. No intervalo entre as guerras, a es-querda só raramente formou governos fora da Escandinávia. Mas O direito democráti-co de voto fez dos sindicatos um bloco legítimo de interesses, de forma que seus direi-tos legais sobreviveram até mesmo à depressão (nos lugares onde o fascismo não osdestruiu completamente). Depois da denota maciça do trabalhismo britânico na GreveGeral (1926), do colapso do governo trabalhista (1929-31) e da tragédia do desempre-go em massa, os sindicatos foram poupados do ataque legal reacionário. Pelo contrá-rio, eles ressurgiram com força renovada durante as mobilizações patrióticas da Segun-da Guerra Mundial. Atraíram as esperanças progressistas generalizadas, não apenasdos que já eram seus filiados, mas também dos ainda não sindicalizados e da grandemassa de trabalhadores pobres.

No âmbito do Estado de bem-estar, contudo, o .sindicalismo deixou de defen.der -,eS~ª~_~l'Qe.r~l1ças_do~PQ.I?g!~:.J'l'ovosapoios nos serviços sociais e nos sistemas nacio-nais de saúde liberaram os sindicatos para a negociação de remunerações e a defesados interesses dos empregados. Com as idéias de cidadania social e salário social, obem-estar dos trabalhadores resultava de uma responsabilidade pública maior, a ofertade medidas autênticas de segurança. A negociação coletiva caiu mais facilmente nolocalismo, menos atenta ao interesse geral da classe trabalhadora ou aos efeitos sobreoutros sindicatos e categorias de trabalhadores. Cabia ao Estado de bem-estar enfren-tar o problema da pobreza. Se ela fosse o resultado de baixos salários, então a militância

do~e.nu:emunerad.QÜIÜ!.p-uxar os 0.uII9§ .P~,~_~,i?;n.a.Mas a pobreza era ago!:!!~emonizada nas patologias de regiões e centros de cidade decadentes, desde as mãessolteiras e minorias étnicas até a juventude violenta e viciada em drogas, nas econo-mias ocultas do trabalho temporário e do subemprego permanente. Nesse discurso decunho racial e criminalizante, movimentos formados historicamente pela participaçãode tr~~s homens..brancos.C.OI1l ~IDPregQJ.egJ.lla.Itinham cada vez menos a dizer.Os sindicalistas mais visionários ainda expressavam uma ética de solidariedade, comose deu na idéia do Contrato Social de Jack Jones ou nos esforços mais persistentes dossindicatos suecos nas décadas de 1970 e 1980. Sa~ário~ iguais e leg islaçãoantidi~cril!l.~~a.!.óri~e ap?jo._~i.n~!r,:ªUlOSdireitos das mulheres), tomaram-se as nov~~formasde compromissocom uma causa geraL0as o mais comum foi o sindicalismo sefechar no localismo.

·-lo~

ADEUS À CLASSE TRABALHADORA?

Por volta de 1980, a política centrada em classe do socialismo estava em crise. Nasnovas democracias da Espanha e da Grécia, os partidos socialistas tinham ascendência.

461

Page 12: ELEY Geoff A história da esquerda na Europa 441-463

FORJANDO A DEMOCRACIA

o,.0.,1

!,

Na França, pela primeira vez os socialistas ganharam a Presidência e a maioria parla-mentar. Na Áustria, os socialistas continuaram a ser a força dominante. Na Noruega ena Suécia, eles voltaram ao poder depois de um breve período na oposição, No entanto,na Alemanha Ocidental, um SPD cansado e sem brilho deixou o governo após 13 anos,em 1982. O Partido Trabalhista Britânico deixou o governo em 1979 para passar 18anos na oposição, Mas, mesmo no governo, os socialistas sentiam dificuldades cres-centes para evitar políticas patrocinadas por seus adversários conservadores. Os pila-res da soci<lldernocracia - plenoemprego e economia ..!s~~siana, E~tados_~m-~st~.,e setores público~em.expa.1)s?g) corpora~~~is.~~_~_~.9_i_catos fortes _ estavamdesmoronando e sob ataque. Na Europa comunista, as coisas também estavam áridas.A principal fonte de otimismo crítico da socialdemocracn, o eurocomunismo do PCI,

também batia em retirada. O maior movimento de massa a surgir num país socialista, oSolidariedade, na Polônia, foi suprimido pelos militares. O comunismo da Europa Orien-tal havia perdido toda a criatividade. A Wn.iãQ$oviéticaera.sinÔnimQ de..€.SUlgIl<lÇ.ãa., Atradição intelectual marxista estava em perigo.

Os principais comentadores assumiram tons apocalfpticos. "O socialismo estámorto", declarou o sociólogo Alain Touraine. "Adeus à classe trabalhadora", ecoou oteórico social radical André Gorz". Ainda abalados pelos desapontamentos da década

de I970, Q~li~~'!.~...bEl~Qj~.os_~~rever~ profu~...::yi~º~.sAo pens~-p1~n!.Q.QQ!i!.i.ç.Stçl~~,~~s-ºe() ll1~~~19.<ia9Q.,ó.e. .pw-ti99~.atéª~a automática do'p~p'~l~~(!_!~e.:~~':..<:!..as~~ trabalhqçl.()l~,47.Refletindo sobre a desindustriulização, oradicalismo de direita do ataque de Thatcher e a recomposição da classe trabalhadora,eles conclufram que "o mundo mudou, não apenas quantitativamente, mas tambémqualitativamente". A nova ordem social se "caracterizava por diversidade, diferencia-ção e fragmentação, e não por homogeneidade, padronização e economias e organiza-ções de escala que haviam caracterizado a sociedade modema'r". A transição pós-

; fordista estava mudando de lugar na política da classe trabalhadora. O regime fordista, de produção em massa implicava um tipo de política, e o regime pós-fordista de "espe-cialização flexível", que se generalizava durante a década de 1980, implicava outro:

"A enorme fábrica de produção em massa construída em torno da linha de montagem, acidade ou região dominada por uma única indústria, como Detroit ou Turim o eram pelaautomobilística, a classe trabalhadora local unida, solidificada pela segregação residenciale pelo local de trabalho numa unidade multifacetada - essa parece ter sido a característicada era industrial clássica. [...) As clássicas regiões industriais 'pós-fordistas' _ por exemplo,o Veneto, Emilia-Romagna e Toscana no Norte e Centro da Itália - não tinham grandescidades industriais, empresas dominantes, fábricas enormes. JT'!rn .mosaicos ou teias De

'o ,e!'llpresas que varial'al))_º~§.flfa pequena oficina até afábric;,ullOde$liÚmasde alta tecnologia)!! e se espalhavam pela cidade pelo campo"-:?. 0,,_-

462

J1jfo~oaJI

~o

I~oio!'.~..'.~

'I4.,

t~"

CLASSE E POLÍTICA TRA BALHISTA

• o

Por vulta de 1990, a esquerda se dividia entre os que advogavam a mudança e os oque defendiam a fé. Os primeiros venceram. As transformações contemporâneas nãorepresentavam a "m0I1e da classe" ou o "fim da classe trabalhadora" em si, Eram opassarnento de um tipo de sociedade de classes, que fora marcado pela formação daclasse trabalhadora entre as décadas de 1880 e 1940 e os al inhamentos políticos resul-"'~"-'.,:,:,,-,,=::-~ __~.':J'-;'"'"

tantes, com seu apogeu no acordo do pós-guerra. A medida que as mudanças de longoprazo na economia se combinavam com o ataque ao keynesianismo, a unidade da clas-se trabalhadora deixou de estar presente na forma antiga e experimentada como o ter-.reno natural da política de esquerda.

Enquanto declinavam os ~~<:Jl~t..ru.-jo,scl~s~.i~0~9a mine~_aç~(?"dos ~ªIl§Pº(te_sedªs.!2-.!2ricas,c~rn seu~ sindicatos, c~!Ic~ntL<:x?~~_r.~~.i.ªe.n.ciai.se vida familiar, outra classetrabalhadora, composta principalmente de trabalhadoras de colarinho branco e de ser-viços braçais do setor de serviços e de todos os tipos de emprego público, se materia-lizava de forma desigual em seu lugar. A unidade operacional dessa nova agregaçãode classe trabalhadora - sua ação ativa como presença política organizada - continua-va em formação. A formação da primeira classe trabalhadora por meio da ascensãodos movimentos trabalhistas havia exibido a necessária dimensão política, que deuforma à tradição socialista numa política centrada em classe de democracia e reformasocial emancipadora, como um impulso igualitário para civilizar o capitalismo. Parareconstruir a tradição socialista seria necessária uma ~~~_9.ª-ªªº-lillllti.cjl.s.ok-

~, que se ajustasse às condições da produção e da acumulação capitalista do iníciodo século XXI. Era necessário reformar, remontar a classe, reuni-Ia mais uma vez deformas políticas. Para usar a frase de Gramsci: o velho morria, mas o novo ainda nãohavia nascido .

I';'

463