Elimar Pinheiro do Nascimento João Nildo de Souza …...moral do grupo e crenças que asseguram os...

17
Elimar Pinheiro do Nascimento João Nildo de Souza Vianna (Orgs.) Garamond "",",'miil " m"i" 'Imbi"",,,.intlJ\ 2222fM1/, f")5Ii)}

Transcript of Elimar Pinheiro do Nascimento João Nildo de Souza …...moral do grupo e crenças que asseguram os...

Page 1: Elimar Pinheiro do Nascimento João Nildo de Souza …...moral do grupo e crenças que asseguram os comportamentos. No mundo moderno, a moral do grupo e as tradições são menos aeleI-minantes

Elimar Pinheiro do Nascimento

João Nildo de Souza Vianna

(Orgs.)

Garamond

"",",'miil " m"i" 'Imbi"",,,.intlJ \ 2222fM1/, f")5Ii)}

Page 2: Elimar Pinheiro do Nascimento João Nildo de Souza …...moral do grupo e crenças que asseguram os comportamentos. No mundo moderno, a moral do grupo e as tradições são menos aeleI-minantes

Copyright ~ dos autores, 2006

Dircitos ccdidos p,lra csta cdição ,1

Editora Gararnond Ltda.

Caixa Postalcl6.230 Ccp 22.222-970

Te\efax: (21) 2224-9088

E-mail: [email protected]

OrganizadoresElimar Pinheiro do Nascimento

João Nildo dc Souza Vianna

AutoresAntônio Carlos Queiroz, Carlos Henrique de Abreti, Mendes,

Demetrios Christofidis, Elimar Pinheiro do Nascimento, Fausto Antonio de Azevedo,

Francisco Ubiracy de Ar,\íljo, João Nildo Vianna, José Augusto Drummond,Luiz Gonzaga Motta, MarlOLI Bursztyn, Maria Augusta Almeida Bursztyn,

Neli Aparecida de Mello e Oscar de Moraes Cordeiro Netto.

Diagramaçã()

-eandro Collares

" Capa

Êstúdio Garamond

" Revisão

Mariana Olivcira Pinto

Carina Andrade Benedcti

Edson Luiz Spcllthof

Shirlcy Lima

E22Economia, meio ambiente e comunicação I Elimar Pinheiro do Nascimento e João NildoS. Viana (orgs.). -Rio de Janeiro: Garamond,2006

184p. -(Terra Mar)Inclui bibliografiaISBN 85-7617-090-6

1. Comunicação de massa e meio ambiente. 2. Jornalismo ,- Aspectos sociais. 3.

Desenvolvimento econômico -Aspectos ambientais. 4. Desenvolvimento sustentável. I.Nascimento, Elimar Pirlheiro do, 1947-.11. Viana, João Niido de S, III. Série.

CDD 302.23CDU 316.774

06-1019.

Todos os direitos reservados. 1 reprodução não-autorizada ,desta publicação, por

qualquer mcio, seja total ou parcial, constitui violação da Lci n° 9.610/98.

Page 3: Elimar Pinheiro do Nascimento João Nildo de Souza …...moral do grupo e crenças que asseguram os comportamentos. No mundo moderno, a moral do grupo e as tradições são menos aeleI-minantes

14J}re,..entu('ão

Elimar Pin/~eiro do Na,,;cimenlo e João Nildo de Sollza y'imma 9

o,\' tra/l,\,gê/lic(}s lIa grallde i/llprell,\,a: ""'a alláli\'e de Colltelído

L/li:;; GOn:;;a~alVOlla. Jo."é .4/Ig/1."lo Df'/1mmond.

.4nlonio Caljlo." Q/1eilv:;;. Elimaf' Pinheiro do Nascimenlo

De,~en.'(Jh'imento ,~l(,~tellfál'el no Bra"il: dilema.~ e desajilJs

Neli .4parec(da de J\;lell() 39

Desen,'oh,imentf} ,'iustel,tá"el: bif}grafia de III" conceito

""'farill.4ugu",la Bur,S':::lvl1 e "l\!larcel BurS':::/1!I1"""""","",,L , " " 54

P(J/ítica Naciol~al d(} .Mei(} .4mhiente

Fronci.çco Ubiro(:v dc.4rmijo 68

Ge...tã(} anlhiental,l(} Bra...il: arcah(}u('o iI,...titllci(}llal e Íll...trument(}...

ltlari(I.41Ig11-~/a "41mei(ia Blir-'izIJ-n e !vlatt'el Blir-'iZl.Vn 85

Licenciament(J ambiental: Ilm Camp(J de luta e indejiniç'(jes

Fall.SlO .4nlOl1io de A::e~'e(fo 113

Collj/itos nu gestão de recurs(Js /,ídricos

Carlos Henrique "4 h reli Mel1de," ""'".".,' 122

Áglla lIa lJrod,lçã() de alimellt().\,: O JJapel da academia e da illdlístria II(}

alcallce do de.\,(!IIV(Jh,illlellt() .\,11,\,telltá\,eJ

Denlelrios cnri,ç/(Jjidi.ç , " "" I 41

Recttr.\'os ltídri(jo.,,: ge.'1/ã(} e colljlito."I

O.çcar de M(}rae.ç Cordeifv NelI() . 163

175

179

Sobre o,,! co(,rdenad(,re,'! e aut(,re,'!

R~rerê,1Cia,'! Bibli(,grájicas...,

"",,",'mj. " m"j" amol""'"illJd :!:!:!:!(KJ" 0951(13

Page 4: Elimar Pinheiro do Nascimento João Nildo de Souza …...moral do grupo e crenças que asseguram os comportamentos. No mundo moderno, a moral do grupo e as tradições são menos aeleI-minantes

Maricl Augu\'ta Almeida BUrS;:I.}'l1

Mclrcel BUf:\';:Z}'l1

A julgar pelos discursos políticos dos últimos anos do século XX e,

sobretudo, nesse início de milênio, é possível constatar que a proteção ao

meio ambiente é uma questão associada à idéia de um futuro melhor. Desde

os primeiros alertas quanto ao crescimento populacional e aos fatores de

pressão sobre a natureza de quatro décadas atrás, a adesão de diferentes cate-

gorias de atores sociais tem sido crescente. Não há candidato a cargo político

que não se identifique fonnalmente com a necessária sustentabilidade do

desenvolvimento. Não há entidade corporativa que afronte a avassaladoraadesão da opinião pública ao imperativo do ecologicGnlenle corre/o. E essa

afinnação se aplica inclusive a atores e representações coletivas cujas práti-

cas efetivas colidem com os princípios de sustentabilidade.

Mesmo no âmbito das idéias de promoção do progresso da economia e

sabemos que há na história dos últimos séculos uma inquietante correlação

entre crescimento econômico e degradação do meio ambiente a preocu-

pação ambiental está presente. Estudos que apontam para a necessidade de

proteção do nosso planeta evocam tradições e religiões. como f'undamento

ético e mítico da vida.

Uma pergunta (bíblica) emerge aqui: Se todos estão a favor, então

quem está contra? E justalnente a respeito do distanciamento entre discurso

e prática que algumas considerações merecem ser articuladas.

Primeiramente, é preciso ficar claro que, em geral, discursos são ex-

pressÕes que se dão fonnalmente. Mas apenas manifestações discursivas

não asseguram con1prometimento efetivo com as ações. Em sociedades

pregressas e mesmo hoje, em comunidades nas quais prevalecem as tra-

diçÕes , o comportal11ento de cada um é regulado pela coletividade. Não

54

c""num;a c n",;" ambicnlcin.J.J 54 """"(~J" (lq5113

Page 5: Elimar Pinheiro do Nascimento João Nildo de Souza …...moral do grupo e crenças que asseguram os comportamentos. No mundo moderno, a moral do grupo e as tradições são menos aeleI-minantes

são necessariamente as leis que condicionam as condutas. São. sobretudo.

moral do grupo e crenças que asseguram os comportamentos.

No mundo moderno, a moral do grupo e as tradições são menos aeleI-

minantes do que a lei. Vivemos em sociedades nonnatizadas. Tudo o que não

podemos fàzer deve estar escrito e ser in1posto a todos. A contradição é que,

quanto mais moderna a sociedade, mais rapidamente ela modifica as práticas e

sua realidade, de fom1a que as norn1as devem ser sempre atualizadas. E tal atuali-

zação só ocolTe (I porleriori, depois que efeitos indesejáveis se manifestam.

O risco maior da sociedade em que prevalece a lei é que as condutas

individuais são suscetíveis a dois tipos de desvios: a intenninável busca da

evasão às nonnas e a renlmcia dos indivíduos em tem10S de obediência às

suas próprias nonnas ou princípios (chamemos a isso de ética). No mundo do

("onlr(llo soci(ll (o crédito aqui é para o próprio Rousseau), delegamos o poder

de regulação ao Estado e, ao mesmo tempo, tentamos nos evadir, como se a re-

gtllação coletiva só tosse legítima e apenas devesse ser aplicada aos oulrQ\'.

Em segundo lugar e isso não é menos importante, o entendimento

da queslào (lmbienl(ll é ainda algo em construção. Se, por um lado, percebe-

mos claratnent~ os efeitos ou os problemas ambientais como a preoc~ante

incidência de situações climáticas atípicas, a intensificação da escassez de

energias não-renováveis, o crescente volume de lixo industrial e doméstico

de longo ciclo de decomposição, o ascendente custo do acesso à água potá-

vel, a perda dabiodiversidade e tantos outros, por outro, ainda não temos

a certeza científica em temas tão relevantes como as mudanças climáticas.

A comunidade científica discute se o efeito estufà cujas mazelas são senti-

das por nós resulta apenas das emissões de gases ou se é devido em parte

a grandes ciclos naturais. A verdade é que, enquanto isso, não se chega à

tão propalada mudança de paradign1as tecnológicos.

O processo de alteração das prlÍticas é lento, por demandar mudança

de atitudes consolidadas econômica e culturalmente. Exige tempo, convenci-

mento de grupos de interesse, confinnação científica de suposições. E requer,

sobretudo, adaptação dos mecanismos de regulação: da ética, que rege cada

indivíduo: da orientação seguida pela pesquisa científica e tecnológica e pela

inovação; das nonnas que condicionam nossas condutas na sociedade.

A cunhagem do conceito de desenvolvimento sustentável é recente e

padece de ambigilidades e incertezas. Mas é um vetor importante para en-

tender e entren~ar os problemas atuais da humanidade.

""'n"mia,, m";,, amo;"n',,;nJJ 55 1111..1/, 5113

Page 6: Elimar Pinheiro do Nascimento João Nildo de Souza …...moral do grupo e crenças que asseguram os comportamentos. No mundo moderno, a moral do grupo e as tradições são menos aeleI-minantes

Dos primeiros alertas

Mais de dois séculos já deco1Teram desde que Malthus ( 1798) cl1atnou

a atenção para o descompasso entre o rápido crescimento da população e o

não tão rápidoaUlnento dos meios de subsistência. Naquela época, houve Ulna

aceleração do crescimento demográfico,jlilltamente com um processo de urba-

nização, característico da Revoluçào Industrial. As transfonnações no sistema

produtivo, que ocolTiam nasindústlias, não haviatn ainda atingido o meio rural.

O resultado e foi isso que levou à advertência de Malthus foi um desequilí-

brio entre aulllento da demanda por mantimentos e redução da oferta.

Foi preciso esperar cerca de meio século para que novas tecnologias

fossem incorporadas à produção do campo, com destaque para a mecani-

zação (máquinas a vapor) e o uso de fertilizantes (salitre), Depois disso, a

preocupação com o excessivo crescimento populacional foi eclipsada por

um notável otimismo quanto à infinita capacidade da ciência e das técni-

cas em encontrar soluções para todos os problemas. Abria-se, então, uma

era de confiança e triunfalismo, que marca a virada do século XIX para

os anos 1900.

O século XX, em seus três primeiros quartos, foi essencialmente um

período de expansão: da população, da produção, dos mercados, do con-

sumo de matérias-pritnas, dos conflitos e dos conhecimentos. Parecia não

haver limites. Contrariamente ao que oco1Tera no século XIX, houve Ull1a

fantástica incorporação de grupos sociais ao mercado, itnplicando maior

consumo e aceleração dos ciclos (de fontes energéticas, tecnologias, pro-

dução de resíduos). Num olhar retrospectivo, era de se esperar que novos

alertas surgissem.

Aos primeiros encontros

Amobililação intelectual, militante e política em tomo dos riscos aJll-

bientais inerentes ao progresso econômico está na raiz de alguns eventos

que serviram de marco de referência ao ambientalismo. O Clube de Roma"

palitou slla relmiào de 1971 no calor da grande polêmica qlle se seguiu à

o CI/1bc dc Roma c uma ON(j quc reÍlnc cientistas. cconomi,tas. cmpre,ário,. funcionários dc

organi,mos intcrnacionais c dc govcrnos. dirigcntc, c cx-dirigcnlc, govcmamenlai, de todos os

continenles, quc esle,iam convencidos dc que o futuro da humanidade não e,I{, irrever,iveimenle

determinado e quc cada ser humano pode contribuir para a melhoria da, sociedadcs (\\!w\\.elubo'

frome.org).

56

",.'",'ml""m"i.",m"í,'11"'iI.JJ 5h 11111.)I, 1"'5113

Page 7: Elimar Pinheiro do Nascimento João Nildo de Souza …...moral do grupo e crenças que asseguram os comportamentos. No mundo moderno, a moral do grupo e as tradições são menos aeleI-minantes

Ellmor Pinheiro do Nascimento e João Nildo de Souza Vionna (Orgs.)

publicação do relatório "Limites ao Crescimento" elaborado por uma

equipe do Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT), coordenada pelo

professor Denis Meadows. A tônica da discussão foi o estrangulatnento da

oferta de matérías-primas, em geral, no auge do notável período de expansão

industríal, que ficou conhecido como os trínta anos gloriosos ( 1945-1975).O desequilíbrio entre oferta e consumo de energia estava também na agenda

dos debates. da mesma fonna que as diferentes fonnas de poluição.

Logo em $eguida,e no mesmo clima de debates, ocorreu a Conferência

das Nações Unldas sobre Meio Alnbiente Hunlano, no ano de 1972, em Es-

tocolmo. A proposta de moratória do crescimento, que constava do estudo

de Meadows, serviu de pano de fundo. Era o inícío de uma complexa fàse

de negociações e discussões internacionais em torno dos riscos ao meio

atnbiente, por um lado, e dos papéis dos diferentes países, por outro. Dali

em diante. a polêmica em torno da partilha das responsabilidades seria um

lugar-comum, tanto no âmbito díplomático quanto na academia. Afinal, se

o crescímento da economía provoca degradação ambiental, o entendimento

geral era no sentido de frear a economia. Mas seria essa fónnula justa, se

concebida de maneira isonômica a todos os países? Sería plausível supor

constrangimentos à expansão econômica dos países pobres'? Não seria essa

proposta wna qondenação fàtal dos pobres à pobreza?O fàto é que o debate provocou uma mobilização de idéias em torno

de fonnas menOs perdulárias de crescimento econômico. O conceito de eco-

desenvoh,imen(o e a busca de tecflologias aplvpriadiJs vêm daí.5

A crise do petróleo de 1973-1974 ajudou a ímpulsionar a discussão.

O que parecia pessimísmo no Relatório Meadows a falta de energia se

materializara, de fonna dramática, logo em seguida. Em tennos tecnológi-COS, os impactos daquela crise foram notáveis. Aprendeu-se a fazer muito

mais, com muito menos energia.

Às primeiras implica~ões políticas

Na década de 1970, um conj Ul1to de eventos., alguns deles já ocorrendo

desde o final dos anos 50, marcaria uma grande convergência de ações de

mobilização em torno da causa ambienta!. O mundo ainda vivia sob o espec-

tro da Guerra Fria (que vigorou dos anos 50 ao final da década de 1980).

Na v.:rdad.:. a noçào d.: .:.:od.:s.:nvolvim.:nlo .iti havia sido apr.:s.:nlada na r.:uniào pr.:parul('ria ao

.:v.:111o d.: Eslo.:olmo. r.:alizada na .:idad.: suíça d.: Foun.:x. .:m 1971.

57

",,'",'miil" m"i" am~i"",,,intJ.J 57 !222fWI/. 5114

Page 8: Elimar Pinheiro do Nascimento João Nildo de Souza …...moral do grupo e crenças que asseguram os comportamentos. No mundo moderno, a moral do grupo e as tradições são menos aeleI-minantes

ECONOMIA, MEiO AMBIENTE E COMUNICAÇÃO

o choque do petróleo de 1973-1974 apontava para outra opção: a energia

nuclear. O problema ambiental asswnia importante dimensão, tanto no con-

texto energético quanto a respeito de denúncias e conf1itos localizados. Na

Alemanha, surgia o movimento verde, que teve na luta contra a col1,.0;;trução

de nova pista do aeroporto de Frankfurt importante fàtor de mobilização.

No Japão, algo semelliante ocorria, com foco na expansão do aeroporto de

Narita. Nesse Inesmo país, o desastre da Baía de Minamata (a poluição das

águas e a con1laminação dos peixes com metais pesados ), uma década an-

tes, servira desenha para uma tomada de consciência pela sociedade. Nos

Estados Unidos, em especial na Califórnia,a sociedade pressionava pela qua-

lidade de vida e por medidas governamentais que mitigassem a poluição.

O ambiente político foi propício ao surgimento de políticas e insti-

tuiçÕes públic,as voltadas à regulação ambiental. A primeira agência go-

vernamental de proteção alnbiental surgiu nos Estados Unidos, em 1970:

a En,,'ironmental Protection Agefl(:}' (EPA). Rapidamente, essa iniciativa

foi reproduzida em outros países, principalmente como resultado das

discussões e dos compromissos internacionais assumidos em 1972, na

Conferência de Estocolmo. O Brasil criou, em 1973, no âmbito federal,

a Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA). Mesmo em uma épo-

ca de limitações orçamentárias resultante da crise fiscal que se seguiu

à do petróleo, por cerca de uma década as estruturas governamentais

passaram a dispor de instrumentos e base institucional para lidar com a

crise ambiental. Esse movimento se deu em escala mundial e também in-

ternamente, nos países, com o desdobramento do processo em organismos

estaduais e municipais.

Na escala internacional, o período ainda expressava wna certa ambigui-

dade. Se, por um lado, ganhava vulto a pressão ambientalista aos governos

nacionais, por outro, não se configurava ainda uma convergência de ações

globais. Na prática, cada país buscava adotar políticas voltadas à regulação

das atividades que degradassem o ambiente em escala nacional, mas não

havia ainda ulna preocupação com o ambiente fora de suas fronteiras. Não

importava muito se os vizinhos não estivessem cuidando de seus próprios

territórios. As iniciativas políticas eram, po11anto, respostas a demandas

locais pela qualidade de vida, muito mais do que ações voltadas à garantia

de futuro do planeta. N wn contexto de guerra fria, aliás, prevalecia até uma

certa torcida para que as coisas dessem errado para os adversários. Essa foi

58

c'C,'",'mia" m"i" ambic'fl"'inJJ 51\ 2222..", ."'5114

Page 9: Elimar Pinheiro do Nascimento João Nildo de Souza …...moral do grupo e crenças que asseguram os comportamentos. No mundo moderno, a moral do grupo e as tradições são menos aeleI-minantes

Elimar Pinheiro do Nascimenlo e João Nildo de Souza Vianna IOrgs.J

a tônica até o desastre de Tchernobil,(i quando ficou claro que poluição não

é um problema que se circunscreve às fronteiras nacionais.

Nasce um conceito

Enquanto; eclodia o acidente nuclear na Ucrânia e seus efeitos se espa-

lhavam pela Europa, para além da cortina de.ferro, lançava-se o documen-

to "Nosso Futuro Comum"" resultado dos trabalhos de uma Comissão das

Nações Unidasicoordenada pela ex-nlÍnistra da Noruega Oro H. Brundtland.O texto foi res~ltado de exaustivas reuniões com diplomatas e técnicos de

todo o mundo. Sua missão era a de servir como referência aos debates que

ocorrerialn cinco anos depois, na Conferência Rio-92.

Diferentemente da reunião de Estocolmo, em 1972, quando o foco

havia sido o Meio Ambiente Humano, agora as atenções se voltavaln

ao Meio Ambiente e Desenvolvimento. A diferença não era mera retó-

lica. Os debates fizeraln convergir a relação entre qualidade ambiental

e padrão de crescimento da economia. É nesse contexto que emerge o

conceito de desenvolvimento sustentável uma atualização do ecode-

senvolvimento , quejá havia sido evocado em estudo da ONO UniãoInternacional para a Conservação da Natureza (IUCN) no início da

década de 1980.

Em muito pouco tempo, o conceito ganhou visibilidade e seus desdo-

bramentos foram além das esferas diplomática, acadêmica e do movimento

ambientalista. A adesão da mídia, nas vésperas da megaconferência Eco-92,

ajudou a dissel11inar a idéia. Mas, de certa fonna, tornou-se uma panacéia,

como se, ao ser evocado, todos os males do mundo se resolvessem.

Pela definição estabelecida na Cotnissão Brundtland" desenvolvimento

sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem compro-meter a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas próprias

necessidades. Ele contém dois conceitos-chave: o conceito de 11ecessidades,

sobretudo as n~cessidades essenciais dos pobres no mundo" que devem

receber a máxima prioridade, e a noção das limitações que o estágio da tec-

nologia e da organização social impõe ao meio alnbiente, impedindo-o de

atender às necessidades presentes e futuras.7

VaZamcnto radioativo na Ucrània. cm 1987.

Sobrc CSSC aSSUl1to. mais dctalhcs podcm scr CI1COl1lrudoS 110 silc W\VW.CC0110miabrl1cl

59

"""",'mia " "",iú am~i""",i"JJ 5" 2222(NJó U95114

Page 10: Elimar Pinheiro do Nascimento João Nildo de Souza …...moral do grupo e crenças que asseguram os comportamentos. No mundo moderno, a moral do grupo e as tradições são menos aeleI-minantes

ECONOMIA, MEiO AMBIENTE E COMUNICAÇÃC

A partir de sua definição original, o conceito passou a ser objeto de

uma infinidade de variantes. Cada autor busca precisar, com mais detalhes,

aspectos que lhe parecem necessários inserir na tonnulação. Novas adjetiva-

ções se agregaram, em complemento à qualificação sustentável do processo

de desenvolvimento: local, sihlado, justo, solidário etc. Mas, se por um

lado, a plasticidade das definições revela preocupAção com a precisão de

aspectos que devem ser considerados, por outro, há, de uma maneira geral,

ulna forte convergência quanto à noção comum que deve ser considerada. O

desenvolvimento sustentável está, basicamente, assentado no seguinte tripé:economicamente viável socialmente justo e ecologicalnente equilibrado.

o consenso do Rio

A Conferência de 1992 foi histórica em vários aspectos: reuniu o maior

número de dirigentes políticos até então no mundo; foi o palco de fonni-

dável mobilização de ONGs, uma força que ganhava crescente espaço nas

arenas sociais em todas as escalas (local, nacional e internacional); trouxe

o mundo dos negócios para o debate ambiental. A mobilização foi grande

e, para isso, a mídia desen~enhou papel crucial. Em muito pouco tempo,

os temas da agenda de discussões já eram do conhecimento geral, embora,

evidentemente, sem aprofundamentos.Como em todo grande evento mundial, uma série de protocolos foi ne-

gociada. Foi lançada a Agenda 21, o primeiro documento de comprolnisso

internacional voltado ao horizonte de longo prazo, segundo princípios de

sustentabilidade ambientaL Ainda que tenha ficado vago o compromisso

efetivo com o pagamento da conta dos termos acordados, a agenda dos de-

vel-es de ca\-a dos dirigentes políticos identificava problemas e estabelecia

linhas de conduta.

O clima geral dos encontros (de governantes, de ONGs e de empresá-

rios) era inspirador de um certo otimismo ( quanto a mudanças de conduta) e,

ao consagrar o conceito de desenvolvimento sustentável em termos amplos,

lançava uma luz sobre uma possível maré de solidariedade.

No contexto das idéias políticas, o colapso do pólo de referência do

socialismo (o Muro de Berlim e a própria União Soviética haviam ruído

pouco antes) abria espaço para a busca de novas utopias. As coisas se encai-

xavam bem. E mais: a tnaré neoliberal que marcara o Hemisfério Norte nos

anos 80 e que se expandia ao Sul naquele momento inspirava U1n ambiente

60

"",,",'miil " m,,;,' ilmoi"",,,i""" 00 1111(XJ(, 095114

Page 11: Elimar Pinheiro do Nascimento João Nildo de Souza …...moral do grupo e crenças que asseguram os comportamentos. No mundo moderno, a moral do grupo e as tradições são menos aeleI-minantes

Elimar Pinheiro do Nascimento e João Nildo de Souza Vianna (Orgs.)

geral favorável à partilha das responsabilidades públicas entre atores não-

governamentais. Os setores empresariais reivindicavam privatizações das

empresas públicas e as organizações da sociedade civil demandavam maior

descentralização do poder de decisão.

A ressaca

o pós-testa revelaria que toda a mobilização, que alcançara seu clúnax

na Conterêncía das Nações Unidas do Rio, tinha um caráter muito mais efÇ-

mero do que se ilnaginava. É verdade que as Agendas 21 se reproduziratn

em vários contextos nacionais, regionais, locais e corporativos. Era como

wna senha para revelar boas intenções de longo prazo. É também verdade que

as instituições públicas e privadas passaram a dispor de mais instrumentos

e mecanismos que pennitiam um caráter mais ambientalmente apropriado

de suas ações, tanto por torça de regulatnentações pílblicas quanto instadas

por demandas do mercado. E é digno de nota que parte do que havia sido

acordado em tennos de compromissos internacionais foi efetivatnente con-

templado nas decisões políticas. Nesse último aspecto, cabe destacar a alo-

cação de recursos para programas voltados à proteção do ambiente natural

e um certo engajamento na implementação de protocolos diplomáticos.

No que tange à proteção do ambiente natural, ficou evidente que a cons-

ciência planetária de que "somos todos passageiros da mesma nave [ ...]"H se

traduziria em apoios a agendas voltadas à biodiversidade (florestas), aos recur-

sos hídricos e à poluição industrial. Em tennos de protocolos diplomáticos,

a recusa norte-americana em assinar a Convenção da Biodiversidade (que,

segundo o governo daquele país, contrariaria seus interesses econômicos)

é reveladora da fragilidade e da limitação do campo real da solidariedade

enunciada. Em tennos de engajamentos para a redução das mudanças cli-

mática.", foi preciso esperar quase uma década para que um compromisso

internacional o Protocolo de Kyoto entrasse em operação e, mesmo

Jsslm. sem a adesão dos Estados Unidos, o país que mais polui.

A imprensa, que nas vésperas da Rio-92 dedicava alnplo espaço a te-

mas ambientais. voltou a veicular tais matérias apenas no âmbito de suas

Em alusão à obra do cconomisla BOULDIN(j ( 1973). O cstudo cvoca a imagcm dc !lma navc (a

Tcrra) ondc tt!dO$ os pa"sagciros cstão v!llncráv.cis a acidcntc". indcpcndcntcmcnlc dc s!la situ,1Ção

O!l dc SC!l gra!l dc rcsponsabilidadc. Mais tardc. pondcro!l-sc q!lC, sc os riscos são iguais Clll caso

dc acidcntc, cnq!lanto isso não ocorrc, alg!lns passagciros viajam na primcira classc c o!ltros no

compartimcnto dc carga.

61

"",'",'m;.. " "",j" ..m!';"",,,indJ 1,1 ~~:!:!(NII, (1'):5114

Page 12: Elimar Pinheiro do Nascimento João Nildo de Souza …...moral do grupo e crenças que asseguram os comportamentos. No mundo moderno, a moral do grupo e as tradições são menos aeleI-minantes

ECONOMIA, MEiO AMBIENTE E COMUNICAÇÁ()

seções científiças ou quando da ocorrência de acidentes. O papel de fOrnla-ção, mediante matérias e al1igos de fundo educativo e de conscientização,

retraiu-se rapidamente.

No meio acadêmico, abriu-se de fato um espaço importante, com o

surgimento de cursos específicos e de uma notável demanda de tonnação

de profissionais em carreiras ligadas ao meio ambiente. Tal movimento

foi. de certa tonna, acompanhado por programas de fomento dirigidos

a pesquisas voltadas ao enffentamento dos desafios do desenvolvimen-

to sustentável.

As Agendas 21

Pouco a pouco, ficava claro que a grande adesão aos princípios inerentes

ao desenvolvimento sustentável tinha caráter muitas vezes mais retórico do que

efetivo. Exemplo disso são a.~ iníuneras Agendas 2l produzidas nos dez anos

subseqiientes à Rio-92. Expressar propósitos bem-intencionados em matéria

de meio ambiente passou a ser prática recorrente. Mas merece referência o fàto

de que a produção de tais docUlnentos muitas vezes proporcionou inusitado

processo de ausculta e participação social. Diferentemente de outros tema.~ de

interesse pílblico, objeto de regulações e mesmo pactos políticos, no ca.~o das

agenda.~ atnbientais, a mobilização de segtnentos da sociedade foi um ingredien-

te importante. lsso não significa, entretanto, que tenha prevalecido o interesse

pílblico geral em todos os aspectos: como em qualquer consulta não-plebisci-

tária, algumas forças n1ais atuantes e presentes têm n1aior sucesso na inserção

dos pontos de seu interesse do que outras, menos representadas.

Lições importantes foram extraídas do processo de elaboração da

Agenda 2l no Brasil. Primeiramente, ficou evidente, nas consultas à So-

ciedade, que alguns pontos eram objeto de diferentes e difusas manifesta-

ções, refletindo a diversidade de expectativas em relação ao fllturo. isso

evidenciou., de certa forma., uma limitação dos processos consulti vos., na

medida em que, em algum momento, o poder público teve de arbitrar o

que seria de fato inscrito como vontade coletiva. Em segundo lugar, cons-

tatou-se uma notável mobilização visando à e.xpressão de vontades, cuja

explicação maior deve ser a falta de canais de manifestação da sociedade.

Em terceiro lugar, e mesmo sendo uma consulta em torno do princípio

da sustentabilidade com indisfarçável viés dos temas ambientais, ficou

evidente que, à medida que se expressavam segmentos sociais em níveis

62

"",'",'miil " "",j" .m"i""',,indd ('2 :!:!:!:!IVII, 11"5114

Page 13: Elimar Pinheiro do Nascimento João Nildo de Souza …...moral do grupo e crenças que asseguram os comportamentos. No mundo moderno, a moral do grupo e as tradições são menos aeleI-minantes

Elimar Pinheiro do Nas(imenlo e João Nildo de Souza Vianna (Orgs.1

mais próximos do local, mais os pontos levantados eram típicos de uma

agenda de curto prazo. As idéias de filturo e de tratamento dos grandes te-

mas globais, como mudanças clilnáticas, perda da biodiversidade e mesmo

questões como esgotamento do modelo energético presentes nos debates

internacionais, perdiam importância quando o debate se dava onde aspessoas vivem e percebem o seu próplio mundo. Ali, o que importa são

questões que dizem respeito à vida no dia-a-dia: educação, saneamento,

transpolie, segurança e saúde.

Ainda é necessário um comentário quanto à Agenda 21 brasileira:

apresentada em 2002, foi vítima de uma fatalidade da cultura política

nacional. Por ter sido lançada no último ano de mandato governamental,

caiu em desuso logo depois. A agenda, que se pretendia portadora de prio-

ridades para todo o século, viveu poucos meses. Mesmo sendo um docu-

mento que expressa ampla consulta e legitimidade, acabou condenada a

ser peça de retórica.

Uma solidariedade verde (apenas)

,jm balanço dos resultados da solidariedade internacional em torno da

sustentabilidade revela que a dimensão verde do meio ambiente sobressai

como foco prioritário. Tanto em tennos de mobilização de opinião pública

como efetivam~nte na alocação de tlmdos, as florestas e a proteção da bio-

diversidade se destacam. Outros temas igualtnente ambientais, a exemplo

da salubridade dos assentamentos hun1anos, ficaram num segundo plano,

apenas como problelnas das autoridades nacionais.

Num país como o Brasil, que tem lnais de 80% de sua população resi-

dindo no meio urbano, em que a qualidade das habitações é crítica, o sanea-

mento, sob a ótica social, é crucial no curto prazo. Mas resolver problemas

de esgoto, abastecimento de água potável. drena.Qem urbana e coleta e trata-

mento de lixo não constitui atrativo à solidariedade an1biental internacional.

Para tais lacunas, não há doações internacionais, não há pressões da opinião

pílblica e não há cobrança política nos grandes fóruns mundiais. Parece que

a tàlta de prioridade política para investimentos em saneamento é menos

grave do que o descaso com a conservação das florestas. Perversamente, o

meio nattlral (cujo maltrato pode provocar mudanças climáticas em escala

planetária) adquiriu slalus de interesse maior do que as condições de vida

de populações desprovidas.

63

"",",'mi" " m"i" "m"i"",,,in.lJ " llll'M)(, f195115

Page 14: Elimar Pinheiro do Nascimento João Nildo de Souza …...moral do grupo e crenças que asseguram os comportamentos. No mundo moderno, a moral do grupo e as tradições são menos aeleI-minantes

ECONOMIA, MEiO AMBIENTE E COMUNICAÇÃO

Metas do Milênio

Um sintoma eloquente da relevância das desigualdades e do desafio

de solucionar questões de sobrevivência imediata. se se quer de fàto um

desenvolvimento sustentável, foi o estabelecimento das MeIa..' do Mi-

lêllio. ValendQ-se da visibilidade da virada do milênio. o Programa das

Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) traçou um conjunto de

compromissos a serem atingidos até o ano 2015. A iniciativa veio como

lima reação ao esquecimento a que ficou relegado o desenvolvimento

dos países mais pobres e ao crescente fosso que os separa dos mais ri~

cos. Rompendo com a tônica dos anos 90, marcados pela omissão liberalem relação à dimensão social, as Metas do Milênio recolocam no plano

político internacional questões cuja solllção era esperada ainda para oséclllo passado.

Um conjllnto de oito objetivos de desenvolvimento do Milênio foi

estabelecido pelas Nações Unidas em 2000, como estratégia para reduzir

a miséria até o ano 2015: reduzir a extrema pobreza e a tome; assegurar

a educação primária a todos; promover a igualdade entre sexos; reduzir a

mortalidade infàntil; melhorar a saúde materna; combater a Aids; assegurarllm meio ambiente sustentável; promover um comércio equitativo.

A proliferação de ONGs. intensa nos anos imediatamente anteriores

e sllbseqlientes à Rio~92, tendência que se apoiou em grande medida em

financiamentos públicos e de organismos internacionais. começoll a se rever-

ter no final do século. As prioridades típicas da ..'olidariedade em torno da

callsa ambiental foram aos pollCOS perdendo vigor frente a dois movimentos

simllltâneos: por llm lado, o pragmatismo liberal que implica curtos orça~

mentos para esse tipo de atividade; por outro. um deslocamento do eixo de

({juda internacional para o desafio que se explicita nas metas do Milênio,

do PNUD, COl111 destaque ao combate à pobreza.

o desafio da pobreza (Johannesburg)

Criou-se Uma expectativa resultante dos comprolnissos internacionais

de que, ao longo da década de 1990, os países ricos contribuiriaI11 com

0, 7% de seu PIB em ajuda ao desenvolvimento. Poucos governos, entretan-

to, cumpriram esse acerto. No al1O de 2003, com exceção de cinco países

(Noruega, Dinamarca, Holanda, Luxemburgo e Suécia), as demais nações

64

""'",'miil"""'i"ilm"i,,nl"intJJ "4 ~~~~..)(, 1)')-51-15

Page 15: Elimar Pinheiro do Nascimento João Nildo de Souza …...moral do grupo e crenças que asseguram os comportamentos. No mundo moderno, a moral do grupo e as tradições são menos aeleI-minantes

Elimar Pinheiro do Nascimenlo e João Nildo de Souza Víanna (Orgs.)

ricas ficaram bem aquém do acertado. E cabe assinalar que, do valor contabi-

lizado como ajllda ao desenvolvimento, mllito pOUCO (apenas 41 %) chega. de

fato, na ponta da linha: 38% são gastos em estlldos, 11 ~Io são contabilizados

a partir de redução de dí vidas, 7% são destinados à gestão dos programas

em curso e 3% vão para o apoio a refugiados dos países beneficiários, nos

próprios países doadores!

\~ontrariamente ao que se sllpllnha, no calor dos debates sobre de-

senvolvimento sustentável do início dos anos 90, o fim do século XX foi

marcado pelo alImento das disparidades econômicas ( entre países e entre

grupos sociais). Os pobres ficaram mais pobres, sobretudo em comparação

com os ricos, que se enriqueceram no período.

Em flmção de tal conte.xto, a tônica que marcou os debates na Con-

ferência de Johannesburg, em 2002. quando seriam revisados os compro-

missos da Rio-92, foi muito mais de enfrentamento da pobreza do que de

tratamento do meio ambiente natural. Em grande medida, por insistênciados países afiicanos, a agenda foi notadamente social. Restabeleceu-se uma

verdade que estivera obscurecida pela agenda l'el-de: antes de equacionar

minimamente as condições se subsistência das populações, no curto prazo,

é dificil tratar de temas de longo prazo,

t agora?

Quase como uma volta ao debate do início da década de 1970, o novo

século trouxe novos ares à biografia do conceito de desenvolvimento susten-

tável. Trinta anos antes foi evocada a idéia de crescimento zero, uma espécie

de moratória ao crescimento da economia diante dos alertas de que faltaria

Çilcfgia e sobraria poluição. Agora, fala-se em decrescimento da economia,nos países mais ricos.

Uma vez mais, a proposta é eminentemente alegórica e provocati-

va, sem implicações efetivas. Mas relança o foco sobre as disparidades

e, notadamente, sobre o abuso no uso do meio natural e o e"\ce.).)o de de-senvolvimento em certos países, enquanto outros se mantêm abaixo dos

patamares mínimos.

Quando exposta ao debate internacional, entretanto, a proposta é derisco, na medida em que abre espaço para teses que propõem partilha eqiii-

9 D,1dos cilados (:m Le ,\1IJnde. 7 I'.:v. 2f}(15

65

"",",'mi.. " "",i" ..m"i,..",inJJ "5 ZZZZ'Xk. ""5115

Page 16: Elimar Pinheiro do Nascimento João Nildo de Souza …...moral do grupo e crenças que asseguram os comportamentos. No mundo moderno, a moral do grupo e as tradições são menos aeleI-minantes

ECONOMIA, MEiO AMBIENTE E COMUNICAÇÃO

tativa do ônus do avanço econômico. Pennite que torças com poder político

e capacidade de expressão de seus interesses vislumbrem compromissos de

renúncia por parte de países em vias de desenvolvimento.

No contexto geopolítico mundial, é possível identificar um pequeno

grupo de grandes economias emergentes que tendem a configtlrar trajetórias

marcantes no futuro próximo. Brasil, Rússia, Índi~ China e África do Sul ( que

tonnam um grupo de nações identificadas como BRICS) tendem a assumir

importante papel no cenário mundial nas próximas décadas. Juntas, têm cerca

de metade da população mundial e detêm importante parcela dos recursos

naturais do planeta. São economias cujo crescimento, em razão de sua escala,

pode representar impactos notáveis. O grau de sustentabilidade de seu desen-

volvimento será. portanto, crucial para todo o mundo. Por isso, chamam a

atenção dos países mais ricos e dos organismos multilaterais internacionais.

De seu futuro, dependerá também o contexto ambiental do planeta.

Por conta disso. tem havido discussões internacionais a respeito dos

compromissos desses países frente aos desafios do desenvolvimento sustentá-

vel. Nwn desses tOlll11S. realiL'ldo em Berlim. em 2005. o slogan do evento toi

do mais ao melhor, em alusão ao necessário engajamento em reduzir o grau

de uso dos recursos naturais e de degradação ambiental. Passar da busca de

mai", (em tennos de produção e consumo e, consequentemente, de apropria-

ção de recursos naturais) para o paradigma do melhor (melhorar a Qualidade

de vida sem aumentar o consumo) representa mudança radical. E trocar o

crescimento econômico, como objetivo maior, pela sustentabilidade.

Na prática, entretanto, o eixo central do debate não deve estar simples-

mente nas estratégias de redução da economia. Tal consideração, que já é de

dificil aceitação nos países desenvolvidos, é rejeitada ainda mais no mundo

subdesenvolvido, que carece de crescimento para poder melhorar as con-

diçÕes básicas de vida de suas populações. Nwn quadro geral de pobreza,

sem o suprimento de demandas fimdamentais. nesses países, o slogan mais

apropriado seria: mal", para ser melhor. Em outras palavras, não se pode

aplicar. de tonna isonômica, a idéia de renlmcia ao crescunento econômico

em beneficio da qualidade ambiental.

Por tl.ás dessa evidência, está um princ(pio que deve servir de Dano de

fundo aos debates sobre desenvolvimento sustentável: o direito ao desenvolvi-

mento. Em algtl1n momento, a causa ambientalista considerou como natural

impedir cel1as populações de se valerem de seu meio para promover atividades

66

"""""mia,, m"i" amoi""",i,1clJ óó 2222(~)" OQ5115

Page 17: Elimar Pinheiro do Nascimento João Nildo de Souza …...moral do grupo e crenças que asseguram os comportamentos. No mundo moderno, a moral do grupo e as tradições são menos aeleI-minantes

econômicas que gerem riquezas e melhorem suas condições de vida. A neces-

sária preservaç~o do meio estaria acilna do bem-estar. Agora, na passagem

à maioridade d6 conceito, fica a seguinte lição: não se trata de evitar que as

populações que possuem territórios ainda preservados disponllam de seu meio

pal-a obter maior bem-estar. O que se deve fàzer é evitar que cometam os mes-

mos erros daqlleles que obtiveram riquezas às custas de danos irreversíveis

à natureza. Para isso, serão necessárias duas condutas: reverter as práticas in-

compatíveis coln a noção de sustentabilidade, onde quer que ocorram, e apoiar

iniciativas que estejam em consonância com os três pilares: economicamente

viável, socialm~nte justo e ecologicamente equilibrado.

O direito 410 desellv01vimento deve ser também o compromisso de que

çste seja suste~tável. Com quase duas décadas, o desenvolvimento susten-

tável, como referência, ainda tem um longo percurso pela frente. É de se

esperar que, quando a sustentabilidade for característica e condição intrín-

seca ao processp,.iá não será mais necessária tal adjetívaçào: vOltaremOs a('

"desenvolvimepto", touf Court.

,-""",'mia,, m.:i" amoi,'fl"'in.JJ "7 1111(M"' (1"5115