Elogio da Serenidade

4
Fundação da Escola Superior do Ministério Público FMP Curso de Graduação em Direito Elogio da Serenidade e outros escritos morais Norberto Bobbio Rosemeri Munhoz de Andrade Turma A 1° Semestre/2012 Porto Alegre, 12 de abril de 2012.

description

Análise crítica sobre o texto "Elogio da Serenidade" de Norberto Bobbio

Transcript of Elogio da Serenidade

Page 1: Elogio da Serenidade

Fundação da Escola Superior do Ministério Público – FMP

Curso de Graduação em Direito

Elogio da Serenidade e outros escritos morais

Norberto Bobbio

Rosemeri Munhoz de Andrade Turma A – 1° Semestre/2012

Porto Alegre, 12 de abril de 2012.

Page 2: Elogio da Serenidade

Elogio da serenidade

Antigamente a ética se resolvia num tratado sobre as virtudes, cabe lembrar a

Ética a Nicômacos, de Aristóteles, atualmente a discussão se refere a valores e

opções (sua maior ou menor racionalidade), e a respeito de regras ou normas

(direitos e deveres). “Doutrina da virtude” de Kant, é uma das grandes obras

dedicadas ao tema da virtude, onde a ética é a ética do dever, de modo específico

do dever interno distinto do dever externo, de que se ocupa a doutrina do direito, e

que não tem nada a ver com a ética de Aristóteles.

O tema tradicional das virtudes, na época da grande filosofia européia, referia-

se aos tratados sobre as paixões e continuou a ser analisada na obra dos

moralistas, no entanto o moralista é considerado alguém que não sabe viver,

sinônimo de chorão, de alguém que prega ao vento e fustiga os costumes. Uma

tentativa de atualizar e recuperar o prestígio do tema virtude é encontrada na obra

do filósofo Alasdair MacIntyre – After Virtue. A Study in Moral Theory, como um

retorno à tradição, como um desafio à “modernidade”, onde a ética das virtudes

contrapõe-se à ética das regras.

É bastante discutível que a ética tradicional tenha sido predominantemente

uma ética das virtudes contraposta à ética das regras. Mesmo na ética antiga

encontram-se entrelaçados continuamente os temas da virtude e das leis, citando

como exemplo o mandamento “Honrai pai e mãe” que ordena a virtude do respeito.

Ao invés de promover conflitos entre a ética das virtudes e a ética dos

deveres, é mais razoável perceber que essas duas morais representam dois pontos

de vista diferentes, mas não opostos. A ideia que uma ética excluísse a outra

depende unicamente de um erro de perspectiva do observador. Em vez de contrapor

virtudes a regras, seria mais sábio analisar a relação entre elas, as diversas e não

opostas exigências práticas de que nascem e às quais obedecem.

Para definir “serenidade” é abordada a distinção entre virtudes fortes e fracas

em simetria à distinção humana de Bodei entre paixões calmas ou frias e paixões

agitadas ou quentes.

Page 3: Elogio da Serenidade

Ao escolher a virtude houve a incerteza entre “serenidade” e “mansuetude”

sendo escolhida a serenidade. A serenidade é ativa e a mansuetude é passiva; A

mansuetude é uma disposição de espírito do indivíduo, que pode ser apreciada

como virtude independentemente da relação com os outros; a serenidade é, ao

contrário, uma disposição de espírito que somente resplandece na presença de

outro. Um elogio e uma definição do filósofo turinense, Carlo Mazzantini, foi

comovente: a serenidade é a única suprema “potência” que consiste em “deixar o

outro ser aquilo que é”.

Além da distinção entre virtudes individuais e virtudes sociais, existem outras

distinções, como virtudes éticas e dianoéticas, virtudes teologais e cardeais. É

oportuno introduzir a distinção entre virtudes fortes e virtudes fracas, que não devem

ter, neste contexto, uma conotação respectivamente positiva ou negativa. São

virtudes fortes: a coragem, a firmeza, a bravura, a ousadia, a audácia, o descortino,

a generosidade, a liberdade, a clemência, que são típicas dos potentes; de outro

lado as virtudes como a humildade, a modéstia, a moderação o recato, a pudicícia, a

castidade, a continência, a sobriedade, a temperança, a decência, a inocência, a

ingenuidade, a simplicidade e entre estas e mansuetude, a doçura e a serenidade

que são as fracas, não por considerar inferiores ou menos nobres, mas porque

caracterizam aquela outra parte da sociedade onde estão os humilhados e os

ofendidos, os pobres, os súditos que jamais serão soberanos.

A serenidade é o contrário de arrogância, da insolência e da prepotência,

porém não deve ser confundida com a submissão. O homem sereno “deixa o outro

ser o que é”, não guarda rancor, não é vingativo e não sente aversão por ninguém; É

tranquilo, mas não submisso e nem mesmo afável.

A serenidade não deve ser confundida com a humildade e com a modéstia, o

que não exclui o sereno de ser humilde e modesto, mas as três características não

coincidem. Sejamos humildes e modestos para nós mesmos e serenos diante do

nosso próximo.

Como o modo de ser em relação ao outro, a serenidade incide no campo da

tolerância e do respeito, porém, destaca-se que a tolerância surge de um acordo e

permanece enquanto dura o acordo, já a serenidade é um dom a qual não vincula

limites preestabelecidos e obrigatórios.

Page 4: Elogio da Serenidade

Dever ser considerado que ao lado das virtudes afins, há as virtudes

complementares, aquelas que estando juntas, se reforçam e completam

reciprocamente. Em relação à serenidade, citam-se duas: a simplicidade e a

misericórdia (ou a compaixão); advertindo-se que a simplicidade é o pressuposto

necessário ou quase necessário da serenidade e a serenidade é um pressuposto

possível da compaixão, ou seja, para que alguém seja suave é necessário ser

simples, e somente a pessoa serena pode ser bem-disposta à compaixão.

Finalizando, as razões para a escolha da serenidade, como virtude entre

tantas outras, é o motivo da admiração às pessoas serenas, porque são elas que

tornam mais habitável o nosso “cercado”, o que idealiza a cidade não como aquela

onde reina uma justiça tão rígida e severa que se torna insuportável, mas aquela em

que a gentileza dos costumes é uma prática universal.

A escolha da serenidade é metafísica, porque está enraizada em uma

concepção de mundo que é difícil explicar. Contudo, a partir das circunstâncias que

a provocaram é uma escolha histórica, uma reação contra a sociedade violenta em

que estamos forçados a viver.

Resumindo: a pessoa serena é identificada como não violenta, e a serenidade

com a negação à violência a quem quer que seja. Serenidade é uma virtude não

política, até mesmo, a antítese da política, em um mundo marcado pelo ódio

provocado pelos grandes e pequenos potentes.