EM DEFESA DO PATRIMÔNIO CULTURAL: A CONSTRUÇÃO … · tipo de pichação que coloca em evidencia...

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EM DEFESA DO PATRIMÔNIO CULTURAL: A CONSTRUÇÃO MIDIÁTICA DA PICHAÇÃO. BRUNO STROHMEYER MARQUES 1 ILANIL COELHO 2 Desde o primeiro momento que nos enveredamos a problematizarmos a prática da pichação em seu contexto histórico, nos vimos surpreendidos pelas sensibilidades envoltas na lida com as representações sobre o tema. No momento em que se depositam as esperanças nos espíritos do passado, atribui-se uma determinada quantia de fé nas estruturas de outrora e estes acabam por serem reivindicadas conforme as disputas do tempo presente. Desta forma a violência contra estes alicerces, que suportam as narrativas de memória, não é apenas uma agressão a um determinado bem, mas sim, a toda uma rede de valores onde grupos disputam a legitimidade do hoje a partir dos discursos sobre o ontem. Neste contexto de mobilizações em torno destas falas sobre o passado, os ataques a essas estruturas que sustentam a legitimidade do antigo, acabam por estimular muitas vezes mais do que sentimentos de pesar sobre uma obra destruída. Quando a imagem do busto de Dona Francisca, após a sua decapitação, é divulgada no meio virtual os comentários não apenas lamentam uma obra danificada, mas também tentam apontar os supostos responsáveis pelo assassinato da nobre 3 . Pessoas vindas de fora e que não possuem as raízes do tradicional passado joinvilense são os principais alvos das acusações do crime e estes vestígios de devastação poderiam ser indícios da presença de sujeitos que desestabilizam a estrutura do presente a partir dos ataques aos alicerces do passado. O historiador Clovis Gruner constata uma cidade de angustia na Joinville da década de 70, onde pairava a idéia de que “nos logradouros do centro a imagem cada vez mais presente é a da decadência, com a horda de bárbaros tomando de assalto a cultura e a civili zação” (GRUNER, 2003: p.177). O crime, de forma geral seria o grande responsável pela 1 Bolsista CAPES e mestrando do Programa em Patrimônio Cultural e Sociedades pela Universidade da Região de Joinville UNIVILLE. 2 Doutora em História Cultural pela Universidade Federal de Santa Catarina UFSC e professora do Programa de Mestrado em Patrimônio Cultural e Sociedades e departamento de História da Universidade da Região de Joinville UNIVILLE. 3 Tal interpretação é fruto da análise do grupo: Joinville de Ontem do Facebook, que possui a função de vincular imagens de outrora, bem como de patrimônios que tangenciem o passado da cidade de Joinville. Link para acessar a postagem:

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EM DEFESA DO PATRIMÔNIO CULTURAL: A CONSTRUÇÃO MIDIÁTICA DA

PICHAÇÃO.

BRUNO STROHMEYER MARQUES1

ILANIL COELHO2

Desde o primeiro momento que nos enveredamos a problematizarmos a prática da

pichação em seu contexto histórico, nos vimos surpreendidos pelas sensibilidades envoltas na

lida com as representações sobre o tema. No momento em que se depositam as esperanças nos

espíritos do passado, atribui-se uma determinada quantia de fé nas estruturas de outrora e

estes acabam por serem reivindicadas conforme as disputas do tempo presente. Desta forma a

violência contra estes alicerces, que suportam as narrativas de memória, não é apenas uma

agressão a um determinado bem, mas sim, a toda uma rede de valores onde grupos disputam a

legitimidade do hoje a partir dos discursos sobre o ontem.

Neste contexto de mobilizações em torno destas falas sobre o passado, os ataques a

essas estruturas que sustentam a legitimidade do antigo, acabam por estimular muitas vezes

mais do que sentimentos de pesar sobre uma obra destruída. Quando a imagem do busto de

Dona Francisca, após a sua decapitação, é divulgada no meio virtual os comentários não

apenas lamentam uma obra danificada, mas também tentam apontar os supostos responsáveis

pelo assassinato da nobre3. Pessoas vindas de fora e que não possuem as raízes do tradicional

passado joinvilense são os principais alvos das acusações do crime e estes vestígios de

devastação poderiam ser indícios da presença de sujeitos que desestabilizam a estrutura do

presente a partir dos ataques aos alicerces do passado.

O historiador Clovis Gruner constata uma cidade de angustia na Joinville da década de

70, onde pairava a idéia de que “nos logradouros do centro a imagem cada vez mais presente

é a da decadência, com a horda de bárbaros tomando de assalto a cultura e a civilização”

(GRUNER, 2003: p.177). O crime, de forma geral seria o grande responsável pela

1Bolsista CAPES e mestrando do Programa em Patrimônio Cultural e Sociedades pela Universidade da Região

de Joinville – UNIVILLE. 2 Doutora em História Cultural pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC e professora do Programa

de Mestrado em Patrimônio Cultural e Sociedades e departamento de História da Universidade da Região de

Joinville – UNIVILLE. 3 Tal interpretação é fruto da análise do grupo: Joinville de Ontem do Facebook, que possui a função de vincular

imagens de outrora, bem como de patrimônios que tangenciem o passado da cidade de Joinville.

Link para acessar a postagem:

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disseminação do sentimento, bem como a atividade da imprensa4 que não desempenhava

apenas sua função de informar a população, “mas de cumprir uma espécie de serviço de

utilidade publica, alertando ao máximo a população a cerca dos riscos cotidianos” (GRUNER,

2003: p.178). Este sentimento de angustia se renova hoje, não mais apenas pelo crescimento

do crime, mas agora pelo medo da insurgência dos vândalos. Estes últimos vistos como

destruidores dos alicerces das virtudes da sociedade joinvilense, afinal estes “outsiders”

viriam de outras paragens e não compartilhariam as raízes do tradicional passado joinvilense.

Ainda em Joinville, no ano de 2014, a Prefeitura Municipal se dedicou a construir uma

campanha contrária ao vandalismo. Um pequeno vídeo fora vinculado a televisão bem como

uma imagem colocada em outdoors e divulgada tanto na mídia impressa quanto em redes

sociais. Esta campanha apontava a prática do vandalismo como uma destruição deliberada do

espaço e convocava os munícipes a denunciarem os atos. Fato é que o poder público tem o

direito e o dever de zelar pela segurança e preservação dos espaços públicos e campanhas de

conscientização vêm de encontro a esta perspectiva. Entretanto o conteúdo abordado não se

constrói a partir de uma idéia de “uso sustentável” do espaço, onde os munícipes deveriam

zelar pelo local, ela se baseia na pura criminalização e cerceamento das práticas de

vandalismo e pichação, elenca inimigos sociais que seriam os reais responsáveis pelos

espaços deteriorados e atribui a responsabilidade do cidadão comum (aquele que não se

enquadra como vândalo) de denunciar todo e qualquer tipo de prática neste sentido.

Primeiramente a propaganda partiu da homogeneização das práticas consideradas

vandalismo, tratando a pichação e a quebra de objetos como atividades irracionais que partem

de uma necessidade de um sujeito de destruir qualquer coisa que veja pela frente. Não que não

haja expressões que caminhem por este viés, entretanto será que elas representam o todo ou

até mesmo a maioria? Será que uma pichação pode ter um efeito para além da destruição

deliberada? Para além do estigma do vandalismo? Ou até mesmo construir relações sensíveis

e dialógicas com a cidade, expressando sentimento e representações sobre a mesma?

Outro ponto que destacamos na propaganda da Prefeitura é a forma com que tentam

construir a figura do pichador ou do vândalo colocando na imagem central uma família

tradicional, em um típico café da manhã até terem a sua tranqüilidade roubada e atacada pela

invasão de vândalos ao seu espaço privado. Esta propaganda materializa a presença do

transgressor e o coloca em oposição a valores tradicionais em uma afronta direta a família e

4Leia aqui os jornais impressos analisados pelo historiador em sua obra.

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ao espaço privado do lar. Assim como Gruner (2003) localiza a partir da década de 70 que o

“temor caminha lado-a-lado com o joinvilense” (2003: p.177) e a ameaça não se restringe

apenas ao espaço público mas evidencia que a “ameaça da violência invade também a

intimidade das famílias, de seus lares”, e acaba por construir o imaginário de que “ninguém

está a salvo”. (2003: p.177 - 178)

A propaganda reformula o status de “medo”, não seriam mais apenas os crimes

violentos que ameaçam a vida da população Joinvillense, mas agora os crimes contra o

patrimônio assumem lugar de destaque desestabilizando o presente a partir da demolição dos

pilares das referencias de passado e supostamente coloca em risco a vida dentro do espaço

privado. Desta forma acaba por construir uma dicotomia entre pessoas de bem, famílias

tradicionais em oposto aos vândalos delinquentes destruidores da ordem. A propaganda inicia

a construção de um inimigo social, aquele sujeito que deve ser amplamente combatido, pois

acaba por ser responsabilizado por uma série de problemas encontrados em nossa sociedade e

novamente evidencia a criminalização como único mecanismo utilizado pelos dispositivos de

estado para solucionar a problemática do vandalismo.

Mediante a estas intempéries do tempo presente nos dedicamos neste artigo a análise

dos discursos construídos por um segmento da imprensa joinvillense sobre a prática da

pichação no espaço urbano. Mais do que pensar a cidade em si, tivemos o cuidado em analisar

o contato que o leitor teria com os termos pichação, grafite, vandalismo e perceber em que

contexto estes estavam relacionados ou não e desta forma procuramos compreender diferentes

aspectos e perspectivas que buscavam atribuir sentidos diversos a prática estudada.

Ao pensarmos a pichação em meio aos complexos urbanos contemporâneos, nos

recordamos dos escritos de Calvino sobre a cidade de Tamara, afirmando que os olhos

daqueles que adentravam pelas ruas não viam “coisas mas figuras de coisas que significam

outras coisas” (CALVINO, 1972 :p.8). Assim ao percorrer uma cidade você não se da conta

dela em si, mas dos símbolos imbricados em representações sobre os aparatos materiais,

placas nos guiam, letreiros comunicam eventos, outdoors anunciam bens a serem consumidos.

Os complexos urbanos comunicam mensagens e representam sentidos sobre o real, assim as

pichações podem simbolizar mais do que mera tinta na parede e seus sentidos podem ser

interpretados a partir das narrativas constituídas pela imprensa sobre os escritos urbanos.

Inicialmente buscamos analisar e definir uma noção de discurso e para tanto nos

enveredamos para o estudo da linguista Eni P. Orlandi (1999). Para a autora o discurso “não

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se trata de transmissão de informação apenas” (1999: p.21), desta forma não pensamos os

artigos jornalísticos como meros transmissores de informação “pois, no funcionamento da

linguagem, que põem em relação o sujeito e sentidos afetados pela língua e pela história,

temos um complexo processo de constituição desses sujeitos e produção de sentidos e não

meramente de informação” (1999: p.21). Imbricadas neste discurso estão complexos jogos de

relações sociais e simbólicas e estes acabam por mobilizar processos de identificação e

edificam sentidos argumentativos sobre o real. Analisar os recortes jornalísticos sobre a

pichação é mais que compreender o teor informativo das notícias, é verificar como as formas

de abordagens sobre o tema vão sendo alteradas perante os jogos de identificação com o

objeto de análise, ou seja, não pretendemos considera-los mensagens a serem decodificadas

por sujeitos que leem o jornal, mas sim como efeito de sentidos que são criados sobre a

temática analisada.

Ainda na perspectiva de Orlandi (1999) nos inclinamos em pensar o discurso

compreendendo que “as margens de dizer o texto também fazem parte dele” (1999: p.22), ou

seja, pensamos o dito assim como o não dito, presente dentro de contextos históricos. O que é

dito sobre um determinado fato se insere em uma trama a partir da necessidade de enunciação

do tempo em que é falado, assim como pode ser esquecido ou alterado seu significado

mediante necessidade do seu tempo. Não se trata, portanto em pensar a partir da prática da

analise de discurso, nos propomos a refletir o discurso dentro do campo da história, a partir do

ponto de que o discurso, como fonte para a pesquisa em história, pode ser pensado de forma

qualitativa e não apenas quantitativo.

Como marco temporal de análise buscamos recolher o material jornalístico a partir do

ano 1980 considerando dois motivos fundamentais na escolha: o primeiro, partindo da

atribuição das práticas de vandalismo e desrespeito com o patrimônio aos não nascidos na

cidade. Sendo assim analisamos se, a partir dos anos 80, ano que segundo a historiadora Ilanil

Coelho “Joinville passou a se destacar no cenário catarinense, entre outros aspectos, como a

cidade mais populosa, em função da vinda e do estabelecimento de migrantes” (2011: p.19), a

figura do migrante estava de certa forma ligada a prática da pichação.

No segundo aspecto levamos em consideração as memórias de pichadores da cidade

de São Paulo e nos utilizando do documentário “Pixo”5 pudemos compreender mais sobre o

5 O documentário “Pixo” retrata a o fenômeno como expressão cultural na cidade de São Paulo, mobiliza

principalmente memória de pichadores e pessoas ligadas a prática. O documentário mostra a realidade dos

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fenômeno urbano a partir das narrativas dos próprios pichadores. Segundo o documentário o

tipo de pichação que coloca em evidencia uma guerra de imagens que se intensificou nas

ultimas décadas nos grandes centros urbanos acompanhando a emergência juvenil no

protagonismo cultural teria tido início nos anos de 1980. Este tipo de pichação se distingue

das anteriormente realizadas, como durante o maio de 68 em Paris ou nos movimentos de

contestação da ditadura civil-militar no Brasil. A pichação se distingue por apresentar um

conteúdo implícito a uma comunidade de pichadores e por ser uma prática territorial onde os

grupos passam a demarcar os espaços a partir das grafias nos muros. Não cabe a nos neste

artigo verificar os diferentes tipos de pichações, ou de grafias urbanas, nem tampouco

verificar a validade da gênese da prática, entretanto a presença das pichações são

fundamentais no debate sobre os indícios destes sujeitos em meio aos complexos urbanos e

suas grafias como apropriações táticas da urbe e das narrativas históricas que atravessam os

patrimônios culturais urbanos.

No início da década de 80 o Jornal A Notícia segue em sua empreitada de denunciar os

casos que evidenciavam a calamidade vivenciada pela cidade de Joinville. O formato de

denuncia tomado por ele tem quase função de o jornal tomar para si a prática de não apenas

comunicar os ocorridos, mas servir como veiculo protetor da ordem vigente. A matéria de que

os jovens que se encontravam próximos ao cemitério municipal da cidade, acabavam

“perturbando o sono de todos os moradores das imediações, e num aciente vergonhoso aos

nossos mortos, ali sepultados” (A NOTÍCIA, 1980), ecoa sob o caos em uma nova Joinville,

esta por sua vez tomada pelo efeito do desrespeito as suas supostas tradições, onde nem mais

os mortos estariam livres daqueles que conduzem o espírito devastador.

No mês seguinte o jornal se encarrega de uma matéria sobre o vandalismo nas praças

da cidade. Os aspectos de denúncia misturados com a propaganda das belezas naturais do

espaço evidenciam novamente a função discursiva de colocar os comportamentos desviantes

em antagonismo ao que se espera da imagem de uma cidade bela e organizada. Para Osni

Alvaro de Oliveira, membro do departamento de parques e jardins a única solução seria “a

Prefeitura investir em campanhas educativas para evitar o que vem acontecendo

pichadores, acompanha algumas ações, os conflitos com a polícia e mostra um outro olhar sobre algumas

intervenções já muito exploradas pela mídia. O filme não traz respostas, mas fornece argumentos para o debate.

O documentário está disponível gratuitamente no link: https://www.youtube.com/watch?v=JjS0653Gsn8

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(vandalismo)” (A NOTÍCIA, 1980). Apenas através de uma conscientização as pessoas

saberiam na necessidade de manter os espaços conservados.

A ideia de uma campanha de conscientização é reforçada no dia seguinte a matéria

anteriormente abordada quando, no editorial, o jornal A Notícia afirma no título que o que

vem ocorrendo com as praças da cidade é “Questão de educação” (A NOTÍCIA, 1980), o

artigo inicia-se afirmando que “de nada adianta a prefeitura investir recursos vultuosos na

conservação de praças e jardins e determinar campanhas de plantio de arvores nas vias

públicas se, sistematicamente, persistirem as agressões e de vandalismo contra o patrimônio

público” (A NOTÍCIA, 1980). A reportagem claramente aponta não para uma falta de a

municipalidade atuar junto aos espaços públicos e favorecer a convivência nos ambientes,

mas ao fato da existência do vandalismo não permitir que as atividades de conservação sejam

duradouras.

Ao final, tendo apontado o problema, a existência de práticas de vandalismo que

devastavam as praças, e a solução, uma mistura de denuncia e práticas educativas que

fortalecessem o sentimento de valorização e atribuição de “importância do verde”, o editorial

enuncia o grande problema das práticas de vandalismo, estas obviamente se envolvem no

campo da depredação, mas estão amplamente ligadas aos discursos sobre a cidade e o

enfeiamento que ela passa a partir da presença da destruição deliberada em áreas que

deveriam ser ocupadas pelo colorido da natureza. Segundo o jornal:

Com campanhas de esclarecimento e mesmo com a formação de uma opinião

pública mais civicamente constituída, é que o Município conseguirá diminuir este

indicie de destruição, fator que tão negativamente depõem contra a imagem de uma

Joinville ordeira e pacata, imagem que há poucos anos ainda desfrutávamos

perante o Estado e o País.(A NOTICIA, 1980)

Assim para o Jornal A Notícia, a imagem da Joinville ordeira e pacata passava a se

estraçalhar, vítima da ação devastadora dos grupos que seguem assolando não apenas os

espaços públicos, mas toda a segurança ancorada em uma suposta tradição de uma cidade

ordeira.

No mesmo corpo em que fora escrito o artigo anteriormente citado a presença de uma

charge torna a opinião do escrito ainda mais emblemática. Ao apresentar o que seria,

aparentemente, um palestrante que traria “a solução (...) para a conservação de praças e

jardins” (A NOTICIA, 1980), em um cartaz demonstraria a presença de um policial,

devidamente armado fazendo a guarda de uma praça. Percebe-se o pensamento do jornal

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voltado a um discurso de necessidade de contenção pelos aparatos policiais a estas práticas

desviantes. Sendo assim a solução apresentada não é apenas uma questão de educação, mas da

transferência de um conhecimento imposto, onde aquele que detém o poder da norma,

“educa” através da vigilância e da punição daquele que tenta burlar a ordem de um local, e

assim a educação deveria vir através da repressão.

A primeira menção a pichação no jornal A Notícia só veio no ano de 1985, Clio sorria

para nós e nos colocava a analisar uma coluna que pouco chamava atenção. Que importância

teria à coluna sobre moda na escrita sobre pichação? Neste caso os escritos do Jornal A

Notícia sobre uma tendência do verão de 85 nos fez refletirmos sobre a ausência dos escritos

sobre pichação na primeira metade de década dos 80. Esta ultima fora dedicada a evidenciar

os fatores que vinham minando as tradições joinvilenses e transformando-a em uma

localidade decadente, o vandalismo se apresenta ali como um dos indícios dos assaltos

realizados a cultura e a civilização, entretanto será que neste período o jornal relacionaria a

presença de pichações à prática do vandalismo?

Segundo os escritos do A Notícia sobre as tendências de 85 os graffitis “não invadiram

apenas os muros da cidade. Agora eles ocupam novo espaço nas camisetas do verão 85” (A

NOTICIA, 1985), não seria novidade, hoje, a utilização do grafite como mecanismo

publicitário, afinal ele já ocupa protagonismos em campanhas de perfumes, roupas, relógios,

óculos e demais bens de consumo bem como de ações de revitalização de espaços urbanos

idealizados por vários governos municipais e estatuais. Entretanto na continuidade do artigo o

jornal em questão evidencia que: “Depois de estimularem a imaginação de pichadores, eles

atraíram a atenção de confecções” (A NOTÍCIA, 1985), sendo assim, aparentemente, a ideia

que se forma sobre o que seria pichação não distingue claramente a diferenciação entre grafite

e pichação. De acordo com Pimentel (2012, p.56) “o Brasil é o primeiro país a promover

dentro da subcultura do grafite a separação entre grafite e pichação e também o primeiro a ter

uma lei que privilegia um em detrimento do outro”. Vale lembrar também que a lei que

criminaliza a pichação e o grafite entra em vigor apenas em 19986 e a que diferencia pichação

de grafite passa a vigorar apenas em 20117. Partindo destes indícios pode-se pensar que a

6O art. 65 da lei 9.605/98 define a pichação como crime, sujeitando o seu praticante de três meses a um ano de

detenção e multa. 7A partir de uma reformulação de 2011, com a lei 12.408/11, cria-se uma diferenciação entre o grafite e a

pichação, no qual o primeiro assume um caráter legal, desde que autorizado pelo proprietário do lugar grafitado e

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pichação não possui, num primeiro momento, a representação distante do grafite bem como

pode ser considerada um elemento que não se enquadra no conceito de vandalismo.

Em 1986 o texto de Valentina Nunes, também publicado pelo jornal A Notícia,

distancia ainda mais a pichação do conceito de vandalismo. Sua abordagem parte das

manifestações da década de 60 e 70, em especial 1968, quando a juventude pelo mundo ousou

estampar nos muros dos complexos urbanos seus sentimentos, visões de mundo e desejos de

justiça e de igualdade. A autora utilizou as pichações da cidade de Florianópolis como

material empírico, entretanto as representações sobre o tema são lidas e apropriadas na cidade

de Joinville. Segundo ela, “nos últimos anos, as pichações voltam com força total,

principalmente nos grandes centros” (NUNES, 1986) e o principal motor desta suposta

retomada dos muros seriam as eleições inevitáveis que vinham sendo debatidas e o processo

de abertura política que colocaria fim a ditadura civil-militar em vigência desde 1964.

De acordo com a autora “para serem fiéis ao termo pichar, existem aqueles que atacam

com mais contundência: ‘chora PDS’, ‘estamos sendo enganados pelo Ulisses’, ‘Amim, testa

de ferro da oligarquia’, ‘tantos e tortos’, e por ai afora” (NUNES, 1986). Desta forma fica

explicito que a relação construída ao termo pichação está imbricada não ao vandalismo, mas

sim a liberdade de expressão, aparentemente em voga em um período em que o Brasil passa a

exercitar seus primeiros momentos (legais) do exercício de uma política plena e assim a

existência de pichações e escritos nos muros estão ligadas a um sentimento inevitável de

anseio por participação política, da possibilidade de poder bradar os desejos de futuro.

Não podemos concluir também que existe um pensamento hegemônico no referente as

representações construídas sobre pichação pois este tipo de prática muitas vezes mobiliza

sentimentos variados dependendo de como são interpretadas, por não concordarem com o que

está escrito, por não compreenderem o sentido da mensagem ou até mesmo por se sentirem

lesados na necessidade de re-pintar o local. A autora do artigo ainda deixa pistas para pensar

esta prática no âmbito da individualidade: “e para essas pessoas que gostam de reprimir a

liberdade de expressão dos cidadãos, já bolaram uma resposta: ‘quem mandou pintar o muro

de branco...” (NUNES, 1986). Ela evidencia neste instante a existência de sujeitos que se

portavam contrários às mensagens nos muros, entretanto coloca que simbolicamente a

mensagem extrapola o seu sentido enquanto frase a ser decodificada por um leitor,

pelos órgãos públicos responsáveis. Já a pichação continua enquadrada restritivamente na categoria de crime

ambiental, contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural.

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evidenciando este período em que o que está em voga não é a manutenção dos muros brancos

(que representam a inexistência do pensamento diferente), mas sim a liberdade de colorir os

muros alheios, dando visibilidade ao pluralismo cultural e as perspectivas de mundo a tanto

tempo censuradas nos porões da ditadura.

Seguindo as pistas de percebermos os pensamentos contrários a prática da pichação,

nos reportamos no ano seguinte a matéria anteriormente citada, a outra que retrata a cidade de

São Bento do Sul e a ação de um grupo autointitulado “combatente de pichadores” (A

NOTÍCIA, 1987). Este artigo atribui a pichação uma característica depreciativa, onde um

grupo de civis teria de se unir para evitar que jovens “de pincel em punho (...) sujem muros,

portas e paredes” (A NOTÍCIA, 1987). Entretanto, o fato da matéria não se localizar no

espaço destinado as denuncias policiais, bem como não apresentar um caráter de denúncia, me

faz refletir que a pichação não apresentava um pânico generalizado no referente a segurança,

mas apenas um descontentamento daqueles que acabavam por ter seus muros manchados pela

tinta ou pelos materiais anexados.

A cidade de Joinville segue em seu silencio absoluto no referente a problemática da

pichação. Em um artigo escrito para o jornal A Notícia, Gert. R. Fischer destaca abertamente

os mau bocados vividos pelos joinvillenses, seu tom não é mais denunciativo, aparentemente

vê uma Joinville entregue ao descaso e a perda completa de suas tradições, um caminho

aparentemente sem retorno, entretanto deposita no espírito de outrora um sentimento

nostálgico, o caminho que deveria ser seguido. O artigo é desenvolvido tendo como ponto de

análise a praça Castelo Branco, localizada no centro de Joinville nas imediações do serviço de

correio e telégrafos da época. O autor atribui o fato das “coisas irem de mal a pior”

(FISCHER, 1987) a presença de sujeitos indesejados nos espaços públicos joinvillenses,

primeiramente a de um senhor que não desempenha a finco as perspectivas de trabalho da

suposta tradição joinvillense, segundo ele: “O encarregado da limpeza da praça, um senhor

mulato aparentando uns 55 anos (...) passa o dia inteiro sob o manto da Aleurites molucana,

uma frondosa nogueira” (FISCHER, 1987). O segundo apontamento desenvolvido pelo autor

do artigo atribui a presença de “mariposas” que atuam até mesmo durante o dia e identifica

um certo constrangimento daqueles que necessitam utilizar os serviços de correio e telégrafos

ao serem “abordados pelas mulheres-de-vida-fácil, para programinhas relâmpagos”

(FISCHER, 1987).

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A lógica da tradição do trabalho seria acionada contemporaneamente através de

algumas pichações realizadas em Joinville, espalhadas por vários locais da cidade. A

intencionalidade discursiva impulsionando heranças culturais que tem como base a lógica do

trabalho pode ser posta em cheque a partir do momento em que uma intervenção urbana nos

evidencia sujeitos que não foram assujeitados por este discurso. A pichação é novamente um

sintoma de uma cidade praticada de outra forma, onde uma parede não representa apenas um

mecanismo para separar aqueles que estão dentro de um determinado espaço daqueles que

estão do lado de fora, mas também espaço de divulgação de ideias e elemento comunicacional

de memórias de pichadores. Em sua profusão estética esta pichação busca evidenciar uma

memória não retratada nos patrimônios da cidade, suscitando a crítica diante de vivências,

cuja única lógica entre o nascer e o morrer é a do trabalho, bem como evidenciar a

possibilidade de existência de um formato organizacional novo, uma nova possibilidade de

mundo que subverta a lógica do trabalho e da disciplina.

O ato vandálico evidencia como as narrativas que atravessam os monumentos

históricos podem ser interpeladas pela ação do homem comum, que se apropria muitas vezes

dos antigos discursos históricos e através de sua intervenção atribui um sentido que para o

interventor represente melhor uma fala possível. Fica evidente que para o pichador os

monumentos que construíram uma narrativa pedagógica não fazem coro às memórias e

vivencias protagonizadas por ele em meio a cidade e assim homogeneizar a problemática do

vandalismo é desconsiderar as invenções cotidianas do homem/mulher comum, suas

reivindicações e desejos.

Em 1998 o jornal A Notícia divulga a distribuição de cartilhas de leis ambientais,

colocando em vigor, em fevereiro daquele ano, um projeto que promove uma alteração

substancial às representações sobre a pichação, considerando esta prática crime ambiental

onde o infrator poderia receber uma penalidade de 3 meses a um ano de detenção e em caso

de dano a algum patrimônio cultural tombado, de seis meses a um ano. É a primeira vez que a

constituição passa a se preocupar diretamente com os escritos nos muros e acaba por atribuir

uma penalidade específica tanto ao grafite quanto a pichação e é necessário estar atento a

alguns aspectos deste momento. Fato primeiro é que a lei não promove a dicotomia entre

grafite e pichação, mesmo aparentemente já existindo uma diferença (visto que ambas foram

citadas), ambas passam a serem consideradas crimes ambientais. Para analisar o segundo

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ponto é necessário um entendimento maior do que seria a pichação, partimos então da

compreensão do filosofo Nestor Garcia Canclini:

O grafite é [...] uma escritura territorial da cidade, destinada a afirmar a presença

e até mesmo a posse sobre um bairro. As lutas pelo controle do espaço se

estabelecem através de marcas próprias e modificações dos grafites de outros. Suas

referências sexuais, políticas ou estéticas são maneiras de enunciar o modo de vida

e de pensamento de um grupo que não dispõe de circuitos comerciais, políticos ou

dos mass media para expressar-se, mas que através do grafite afirma seu estilo. Seu

traço manual, espontâneo, opõe-se estruturalmente ás legendas políticas ou

publicitárias ‘bem’ pintadas ou impressas e desafia essas linguagens

institucionalizadas quando as altera. O grafite afirma o território, mas desestrutura

as coleções de bens materiais e simbólicos (CANCLINI, 2013, p.336-337)

Canclini considera a pratica da pichação (que o autor se refere como grafite visto que o

Brasil é o único país a construir uma dicotomia entre pichação e grafite conforme

anteriormente mencionado) como uma escrita territorial, afirmação de presença, composta por

um discurso político de anunciação a um modo de vida e de pensamento de um determinado

grupo, tal pratica desafia a linguagem institucionalizada, afinal ela passa a ser questionada

pela inventividade de sujeitos que no cotidiano se utilizam de ações táticas para burlar tais

estratégias de controle.

Se durante a década de 80 a pichação estava diretamente ligada aos anseios inevitáveis

por abertura política, bem como pela possibilidade de poder esbravejar as intenções de futuro,

quais os motivos levariam a transformação de concepção durante o ano de 1998? Para

responder tal pergunta nos fazemos valer da ideia do grego Chatzigiannis, quando o mesmo

(re)pensa o vandalismo e sua relação com o patrimônio cultural, segundo o autor: “O conceito

de contexto é crucial para interpretação dos eventos históricos” visto que “É formado por

ideias socio-politicas de uma determinada sociedade e constitui em um valor comum”. Se

pensarmos o ano de 1998 dentro de uma lógica de estabilidade democrática brasileira e que a

prática da pichação, como coloca Canclini se contrapõe aos circuitos comerciais de mídia, a

existência destas práticas nos muros dos complexos urbanos demonstram sentimentos

desfavoráveis aos grupos políticos em vigência.

Este pensamento se reforça, quando no ano 2000, o jornal A Notícia publica um artigo

que denuncia um “tapume de praça pichado novamente” (A NOTÍCIA, 2000). Durante uma

manifestação realizada na capital do estado de Santa Catarina, contrária a situação econômica

vivida pela sociedade brasileira, com mensagens escritas por todos os espaços do tapume o

grupo declarou o seu descontentamento com a situação atual do país, bem como com o atual

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governo. Diferentemente daquilo que ocorre durante a segunda metade da década de 1980

onde as críticas (através da pichação) são vistas como parte das projeções de futuro e estas

surgem como parte do jogo democrático, durante a manifestação a “PM não tinha ordem para

reprimir o protesto, mas apenas deveria evitar a eventual baderna” (A NOTÍCIA, 2000).

Percebemos então que a alteração de perspectiva faz com que a pichação e o grafite passem a

carregar uma característica pejorativa e depreciativa.

Esta representação depreciativa da pichação é vista nos jornais referentes à cidade de

Joinville, apenas no ano 2001. É importante pontuar que este ano representa um marco para os

patrimônios da cidade que foram fundamentais para a estruturação de um discurso de

retomada das supostas tradições joinvilenses. Os alicerces do passado ancoraram os discursos

que refletiriam as origens do povo, todos seriam bem vindos, entretanto, deveriam conhecer,

respeitar e valorizar os costumes narrados pelos prédios tombados, museus e monumentos.

Diego Finder Machado afirma que através do processo pedagógico das festividades do

sesquicentenário o processo linear da história joinvilense levaria todos os seus moradores a

um futuro grandioso. Desde os primeiros imigrantes que ergueram a cidade a partir do nada

até a tentativa de “impelir as pessoas a tentar superar este passado de agruras na construção de

um mundo melhor para se viver, que se imaginava em um pensamento bastante otimista,

possível em tempos futuros” (MACHADO, 2009, p.95), buscou-se constituir uma narrativa,

onde a grandeza da cidade se daria pela entrega disciplinar ao trabalho duro.

Diego Finder Machado (2009), ao analisar as comemorações dos 150 anos da cidade,

reflete acerca dos sentidos históricos que foram criados a partir de seus discursos e marcos

patrimoniais. A visão de que Joinville teria iniciado de um “vazio demográfico”, e que, com o

esforço dos imigrantes, se constituiu como a grande cidade do Sul do Brasil, visão esta que já

havia sido retratada pelo monumento “Os Pioneiros”, passa a ser reforçada quando da

inauguração em 2001 do monumento “A Barca”, numa menção a histórica barca Colon que

teria trazido os primeiros imigrantes a Joinville. Esta seleção temporal e étnica não se

configura como mero acaso. De acordo com Pollak (1989: p.4), a sociedade se constitui em

“verdadeiras batalhas da memória” onde grupos distintos disputam no discurso o

protagonismo da história. Assim, o aviso nos dado por Machado (2009: p.35) evidencia uma

seleção de marcos com a finalidade de constituir um discurso sobre o processo imigratório:

“Épreciso advertir aqui, tentando ao menos sinalizar alguns caminhos, que as histórias das

terras de Joinville excedem, em amplitude e complexidade, o processo colonizador iniciado

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em meados do século XIX”. É importante frisar também que para Machado tais discursos e

comemorações teriam um “desejo pedagógico aos ‘forasteiros’”. Estes, que teriam vindo fazer

parte da cidade no decorrer de sua existência, seriam bem vindos, desde que assimilassem a

história e se integrassem ao projeto de futuro da mesma.

A matéria de Arlei Zimmermann (2001) já parte de um pressuposto de que em

Joinville “Pichadores exageram”, mesmo tentando conciliar posteriormente afirmando que a

prática “divide opiniões”, o texto, que aborda dois pontos de vistas sobre as escritas nos

muros, é carregado de palavras que atribuem à pichação uma condição subversiva e

depreciativa. Outro fator marcante no artigo se dá pela presença de uma preocupação com as

pichações localizadas em prédios históricos. Esta visão sobre a pichação pode estar atrelada a

proposta das festividades do sesquicentenário, afinal se uma estética urbana é proposta a partir

da presença de monumentos que valorizem o passado e a tradição de Joinville, a presença de

sujeitos indesejados, bem como, de marcas que apontem a um caminho contrário a esta

estetização deveriam ser apagadas e condenadas.

Primeiramente podemos constatar como as atribuições de sentidos estão relacionadas

às narrativas tradicionais da cidade. A reportagem constrói uma dicotomia entre a pichação e

o grafite, algo comum na contemporaneidade, entretanto tal concepção se da a partir de uma

construção histórica, chegando até mesmo a ter a diferenciação explicita pela constituição

federal8. Neste artigo, publicado pelo jornal A Notícia, interpretamos que o grafite recebe uma

característica de arte e é encarado como uma profissão a ser seguida, através dele o grafiteiro

conseguiria superar o anonimato do vandalismo e de certa forma se adaptar a sociedade

através da adequação a lei, segundo a reportagem o grafite deve ser feito apenas em locais

autorizados “caso o contrário vira pichação, que é só depredação” (ZIMMERMANN, 2001).

Desta forma vislumbramos que a pichação segundo o autor está diretamente ligado a

desordem, anonimato, vandalismo, depredação e destruição, por outro lado o grafite oferece

uma saída a quem, por algum motivo, tenha optado pelo primeiro caminho. As festividades do

sesquicentenário não fecham à cidade de Joinville a presença do diferente, entretanto reforça

as tradições pioneiras para que essas sejam respeitadas e seguidas, sendo assim, a grafitagem

8 A partir de uma reformulação de 2011, com a lei 12.408/11, cria-se uma diferenciação entre o grafite e a pichação, no qual o primeiro assume um caráter legal, desde que autorizado pelo proprietário do lugar grafitado e pelos órgãos públicos responsáveis. Já a pichação continua enquadrada restritivamente na categoria de crime ambiental, contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural.

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se apresenta como a versão redentora a quem opta pela arte urbana, onde o seu praticante teria

uma profissão e seguiria a lei, ou seja seguiria as tradições de ordem e trabalho.

Considerações Finais:

Atentar o olhar às marcas urbanas é estabelecer uma preocupação com o saber fazer do

morador comum. É perceber como suas memórias se relacionam com as grandes narrativas

oficiais. Até mesmo algo que poderia parecer uma demonstração de “desrespeito” a um

patrimônio público pode ser analisado como passível de um sentido histórico. É necessário

então estender o olhar, compreender uma pichação para além do seu conceito criminal,

percebendo nela uma forma de territorialização na cidade. É a retomada do discurso, da

palavra por intermédio da escrita nos muros. Escritas que podem nos instigar a perceber a

intencionalidade do praticante do urbano e ver que o patrimônio cultural está inserido em uma

rede de poder do tipo estratégico e tático dinâmico. Podemos concluir desta forma que o ato

de pichar deve extrapolar o discurso do vandalismo e ser compreendido como um elemento

comunicacional e de apropriação de lugares e objetos patrimoniais. O pichador, ao inscrever

uma assinatura em um monumento ou construção, toma pra si aquele objeto, conferindo- lhe,

a partir da marca de sua presença, um novo uso. Demonstra sensibilidades destoantes em

relação ao valor estabelecido durante o processo de patrimonialização, definindo que aquele

discurso e aquela marca de identificação patrimonializada não o pertence.

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