EMBRULHO DE LETRAS
-
Upload
senadecarlosfreitas -
Category
Documents
-
view
92 -
download
0
Transcript of EMBRULHO DE LETRAS
FOTO DA CAPA: MARCO VALENÇA
ESTE LIVRO É DEDICADO À MEMÓRIA
DE MEU PAI,
CARLOS AUGUSTO GARCEZ DE SENA
HOMENAGENS A:
ALDA FREITAS DE SENA
AUGUSTO FREITAS DE SENA
ALANE FERNANDES SANTANA DE SENA
NATÃ FERNANDES SANTANA DE SENA
IAGO FERNANDES SANTANA DE SENA
SUMÁRIO
EMBRULHO DE LETRAS, 09
O PORTO DA BARRA, 10
REFLEXO,11
O QUE,12
HÀ,13
PETER PAN,14
SOFRÊ,15
A CARA DO MURO,16
ACHO,17
CAMINHOS,18
LABIRINTO,19
AMOR,20
BARÍTONO,21
O PASSO ALÉM DO PASSO,22
ENIGMA,23
DESEXTENSÃO,24
PRIMAVERA,25
MINHA TERRA,26
MEU OUTRO,27
SANGUE DE MAR,28
O RIO DAS HORAS,29
MADRUGADA,30
FELICIDADE,31
DIAS DE TRISTEZA,32
ECO,33
NOITE DE SÃO JOÃO,34
MORTE DEIXADA,35
SOLIDÃO,36
SONHO OUTRO,37
VAMPIRO DE LETRAS,38
QUINTO ELEMENTO,39
SONHOS,40
SONETO DA VELA VIVA,41
ENCONTRO INCERTO,42
A FOTOGRAFIA,43
OBSESSÃO,44
EMBRULHO DE LETRAS
Busco a palavra exata
e não desata
esse nó morfológico.
Sei que no fundo do peito,
queda ansioso
o poema perfeito.
Quero seu conteúdo
substrato do todo.
Contudo confesso
ser um absurdo,
caber isso tudo
num embrulho de letras.
O PORTO DA BARRA
O Porto da Barra
é a farra da calma,
onde a alma da água
repousa e cala.
A brisa repara
o porto da barra.
O sol se recusa
a ter pressa
em se pôr...
O tempo sentado
na areia do porto,
perde sua hora,
demora e olha,
o balé preguiçoso
das águas da barra.
REFLEXO
vejo no espelho
que em mim
alguém se perdeu
meus os olhos são
o olhar não
minhas as marcas
pele
boca
dona da alma
pessoa outra
vejo no espelho
que o semblante
é casca
que ente arrasta
meu arcabouço?
O QUE
imatemáticas vezes
visitei navios naufragados,
singrei mares,
explorei céus,
frequentei planetas,
incansavelmente busquei,
espionei por cima do muro
e nem mesmo sei o que procuro.
HÁ
Há que chore a sorte
em ombros de estátuas
Há quem sussurre poemas
em ouvidos de espantalhos
Há quem busque aconchego
no colo de manequins
Há quem desfile sonhos
para olhos vitrificados
Há quem colha flores
para seres inanimados
PETER PAN
Num encontro estranho,
lá pras bandas do sonho,
vi assombra de Peter Pan.
Ela estava a esmo,
perdida mesmo,
julgava-se um fantasma.
Alfaiate da fantasia,
costurei aquela sombra na minha
e voei para a era do nunca.
nunca hei de retornar.
Serei um menino perdido,
brincando comigo,
no jogo de me achar.
Nesse encontro estranho,
nessa terra de sonho,
vi muita sombra vagar.
Espectros medonhos,
sem rumo, sem rota,
sem porta, sem chão.
Possuidor de duas sombras,
voei para a era do nunca.
Nunca hei de retornar.
Serei um menino que mimo,
a mim menino mimado,
no colo do meu achar.
SOFRÊ
Meu sofrê não tem ninho,
é passarinho que só voa.
Meu sofrê não pousa, nem ousa.
Vai com o vento, volta tormento.
Sem bando, nem canto,
nem foi ovo, nem será destino
e de novo vai com o vento,
volta lamento.
Pássaro que a duras penas,
plana sob nuvens de cinzas,
cinzas que não são de Fênix,
ave que não dorme,
não finda, nem principia,
vai com o dia, volta agonia.
(ao amigo e parceiro Marcos Soares)
A CARA DO MURO
A mancha no muro,
parece uma cara,
parece que fala,
tem olhos sofridos...
O rosto no muro
tem ar obscuro,
parece um fantasma.
É como se o mofo
retratos pintasse.
O moço grudado,
guardado no muro,
parece cansado.
Conheço alguém
que tem essa face,
ou usa um disfarce
que é a cara do muro.
Parece que olha
pedindo-me ajuda,
é só uma imagem
estática e muda.
Mas tem algo estranho
na forma do rosto,
parece desgosto.
Parece que o moço
que vem da mistura
do mofo e o vento,
padece sedento.
É só uma figura
na parede dura,
parece loucura
não ter sentimento.
A mancha no muro
não passa de puro
capricho do tempo.
ACHO
mas que diacho!
Eu não acho que é assim.
Outrossim,
não vigies meu achar.
Se misturas o que achas,
no tacho do meu achar,
há um risco do tempero azedar.
Só encaixo o que acho
no cacho do meu paladar.
O que acho só eu sei onde guardar.
CAMINHOS
minha vida
minhas esquinas
meus becos
minha dúvida
minha saída tão lógica
minhas sendas e prendas
o caminho oposto
o gosto do erro
o eterno berro
o trilho de ferro
a seta que aponta
o vento biruta
a bússola tonta
o rastro apagado
a vinda e a ida
minha vida
LABIRINTO
Poesia tem vontade própria,
escolhe o ser
que quer sorver aos poucos,
degusta cérebros
com molho de almas,
atrai sua presa
prometendo sínteses,
presenteia-o
com alguns delírios
e mergulhada em seu puro instinto,
arrasta-o para um labirinto.
AMOR
Amor é mar de pescador
ora tempestade
ora bonança
ora frutos ora lutos
Amor é mar imensidão
ora plenitude
ora solidão
BARÍTONO
Sou barítono,
não sei cantar.
Quero ser cupido,
sem ter que amar.
Poder descrever desejos
e num sopro desistir.
Poder afastar o medo
e no entanto sucumbir.
Direi que entendo a minha existência,
fantasio o tempo.
Direi que falsifico choros
e meu riso invento.
O PASSO ALÉM DO PASSO
A cada passo, apaga-se
o traço atrás do passo,
estrada destroçada
pela traça da passada,
fio que só existiu
antes do ato,
do movimento do sapato.
Tudo que o futuro guardou no escuro,
desintegra-se no passo passado,
no passo além do passo.
Toda volúpia da pisada,
da marcha desabalada,
embaraça-se na história que poderia,
que seria e será imaginação,
assim que o pé descolar do chão.
ENIGMA
Meu enigma a mim pertence
como ao mendigo, a pobreza.
Antes a Édipo coubesse,
a sina de decifrá-lo.
O preço de ser Esfinge,
é a condição de ser pedra.
Devora-me uma certeza,
é inevitável ser gente.
DEXESTENSÃO
(para Alane)
Tens a visão torta,
da porta que queres abrir?
Encontrarás neste cômodo,
incômodos segredos em mim.
Mas se desejas olhar
o mundo num caleidoscópio,
Só a você permito,
conhecer meu mito,
decifrar meus símbolos,
me desmontar.
Tua mão é minha mão,
nosso quebra-cabeças,
nossas cabeças xifópagas
entendem paixão.
Nossas matérias ocupam
o mesmo espaço,
têm a mesma porção.
PRIMAVERA
falta-me inspiração
e tantas flores no chão
falta-me regá-las
mas não tenho chuva
toda água no fundo do poço
mas não tenho lata
minha mão quebrada
não apanha a corda
minha boca seca
não apara a gota
pergunto ao céu
aonde esta a dúvida
e a garoa molha
meu jardim de dentro
MINHA TERRA
Minha terra
esta sob minhas unhas,
esta nos meus sonhos.
Me contaminou
com seu vírus,
seus vícios.
Minha terra me contém.
Mesmo navegante,
procuro tê-la ao alcance dos olhos.
Mastigo muitos temperos,
mas minha terra é que tem gosto.
Já vi muitas faces do mapa,
mas minha terra é que tem rosto.
Minha alma esta cheia de terra,
terra que trago nos bolsos,
terra que passo na cara,
maquiagem que exponho pros outros.
MEU OUTRO
Em um segundo
roubaram o mundo,
que MEU OUTRO vigiava.
Não se pode mesmo contar
com o oposto.
Êta sujeito sem rosto,
sem princípios.
Alguns indícios de felicidade,
e o besta se deleita...
Deita na cama dos sonhos.
Surdo, cego e mudo,
nem desconfia...
Quem com alma tão fria
e caráter imundo,
roubaria meu fabuloso mundo.
SANGUE DE MAR
Navegante há sete vidas,
sangue de mar,
olhos de areia,
sem porto de chegada,
nem Maria que espere.
Não há mais sinais de nortes,
nem vento que assovia.
Navegante há sete mortes?
Que sorte se fosse um corte
nesses desmedidos dias,
a derradeira morte
e seu corpo apareceria
na praia de maré vazia.
De que lhe servem tantas vidas,
desperdiçadas, compridas,
se conchas não cata mais,
se ondas não quebram em seus pés,
se o cheiro de maresia não vem da beira do cais.
(ao amigo poeta Marco Valença)
O RIO DAS HORAS
Milhares de horas passam
por baixo da ponte eterna,
levadas pela correnteza,
seguindo a certeza da água.
Muitos instantes ficam
presos aos galhos da margem,
transformando-se em árvores,
desgarradas do tempo.
Dia perene, contínuo,
carregas seu desafio,
desvendar onde mora,
a derradeira hora do rio.
Todos segundos navegam
para a foz do rio das horas,
despejam segredos cúbicos
nos oceanos afora.
Alguns momentos afundam
e nas águas profundas se afogam,
dormem na cama da calma,
jazem na alma da lama.
Dia perene, contínuo,
carregas seu desafio,
desvendar onde mora
a derradeira hora do rio.
MADRUGADA
Madrugada derramou-se no silêncio,
escorrendo pelo rosto da cidade,
evocando sentimentos naufragados,
fez-se dona do momento.
Uma sombra solitária colhe estrelas,
dança valsas de infância,
sopra folhas de outonos esquecidos,
faz de conta que é o vento.
O luar acanhado lhe corteja,
desvairada lambe gotas de orvalho,
encharcada de desejo, devaneia,
dorme nua ao relento.
Véu escuro cobre luz insinuada,
sobretudo em cores escondidas,
noite grávida bordando alvorada,
brilha o dia seu rebento.
FELICIDADE
Quem já foi feliz?
alguém que quis,
ou não tem jeito,
o perfeito não pertence ao sujeito.
DIAS DE TRISTEZA
Em dias de tristeza,
põe à mesa, um vinho barato.
Escolha como prato,
o de mais insosso paladar.
Deixe que o mofo
aromatize o ambiente,
tente simplesmente só chorar.
Não enfeite com lembranças,
o que pode ser só dor.
Deite em teu jardim, fique sozinho
e sem muito alardear,
Adormeça em tua cama de espinho.
(dedicado ao amigo Daniel Pereira de Santana)
ECO
Tudo que tenho
Cabe num corpo
Tudo que tento
Cabe no lógico
Tudo que quero
Cabe num cofre
Tudo que sei
Morre no outro
Nada que digo
Cabe no ouvido
Sempre que planto
Brota encanto
Sempre que sopro
Vento assombro
Ouço deserto
Meu próprio eco
NOITE DE SÃO JOÃO
Hoje é noite de São João
e não tenho alegria.
Hoje é noite de prazer,
noite dionisíaca,
mas minha vontade tísica,
insiste em me entristecer.
Hoje é noite demorada...
Mas como tudo acaba:
Natal, carnaval, sexta-feira da paixão,
por que não acabaria a noite de São João.
MORTE DEIXADA
Tem um corpo esticado na estrada,
de quem é essa sombra deitada?
Carne no chão espalhada,
divorciada da alma,
de quem é essa dor rejeitada?
Sobra de gente esquecida,
rosto renegado,
de que é esse resto prostrado?
Depositado à margem,
velho, cansou da viagem?
Matéria num canto jogada,
de quem é essa morte deixada?
SOLIDÃO
Não trancaram minha porta,
mas não vou abri-la.
Não disseram para ficar,
mas não vou sair.
Aqui dentro tem de tudo,
que preciso e quero.
Quando cismo em ver loucura,
vou à fechadura.
Quando sinto solidão,
simplesmente dou-lhe a mão.
Quando perco a calma,
a porta é a serventia da alma.
SONHO OUTRO
É preciso perder o rumo,
frequentar mundos,
investigar pesadelos profundos.
É preciso permutar dores,
transplantar sentimentos,
comungar amores,
ou isolamento.
É preciso odiar o óbvio,
revisitar o ócio,
rejeitar o dócil.
É preciso azedar o gosto,
caricaturar o rosto,
desmistificar agosto.
É mister misturar temperos,
vê-los pilados,
heterogeneamente ligados.
É lógico esquecer um sonho,
estranho será sempre o outro,
o fruto do futuro é oco.
VAMPIRO DE LETRAS
(ao poeta Paulo Garcez de Sena)
embriagou-se de metáfora
até a última gota de texto
alimentou-se de verbos
como um vampiro de letras
estilhaçou a palavra
em fragmentos diversos
arrumou cada pedaço
num quebra-cabeça de versos
d e c o t r u
s n s i n
d u – s e
QUINTO ELEMENTO
Se as árvores me emprestassem sabedoria,
o céu doasse plenitude
e o mar perfeição,
saberia como entender,
os planos para mim traçados,
os destinos rogados,
a contramão.
Se eu brotasse da terra,
ser autotrófico que come luz,
não temeria o futuro,
seria apenas o que vim ser,
vegetal puro.
Parte integrada,
desintegrada,
transformada.
O quinto elemento.
SONHOS
Os sonhos
realizaram seus sonhos,
fugiram
um por um,
cada um
para um mundo imaginário,
cada um para seu castelo,
para dormirem eternamente.
SONETO DA VELA VIVA
Essa vida, vela acesa,
que o momento determina,
se o vento cessa o fogo,
ou a chama se ilumina.
Essa vida, vela acesa,
que a algum fim se destina,
desatina a desvelar-se
porquanto a chama rumina.
Chama que teme o sopro,
dança conforme a brisa,
áurea do fogo cintila.
Fogo que cumpre a sina,
quanto mais vela consome,
mais vida é consumida.
ENCONTRO INCERTO
marquei um encontro
sem hora
sem data
para ver se me mata
a dor da espera
dia perdido
tempo deserto
lugar bem perto
de espaço nenhum
esquina do nada
provável perigo
marquei comigo
um encontro incerto
A FOTOGRAFIA
Esta fotografia
não concede alforria
à saudade.
Cárcere de lembranças,
repousa no ontem
habitat.
Guardiã de infâncias,
vive de papel
e passado.
Observo o instante
capturado...
Sinto um cheiro triste,
da lenha que queima
e inexiste.
Lembro do gosto da fruta
que o nome perdeu-se
na gruta do longe.
Vejo um rosto que era meu
e dissolveu.
OBSESSÃO
Se algum dia eu sumir,
não me procurem em bares,
não investiguem lugares.
Não estarei na esquina,
não pousarei em castelos,
nem levarei meus chinelos.
Não voarei de avião,
nem pegarei a estrada,
não restará nenhum rastro,
do passo de minha escalada.
Se algum dia eu sumir,
esquecerei o meu mapa,
guarda-chuva e capa.
Esvaziarei os meus bolsos,
eliminarei qualquer pista,
qualquer vestígio que exista.
Não viajarei de navio,
nem entrarei na floresta,
incinerarei toda prova
desse tempo de vida.
Carregarei dores e amores,
trancafiados no cofre,
onde reside e sofre,
a obsessão da partida
BIOGRAFIA
Carlos Freitas de Sena é natural de Salvador-Ba e reside
atualmente na cidade de Guanambi-Ba. É servidor público,
poeta e letrista. Foi premiado nos concursos de poesias do
INSTITUTO INTERNACIONAL DE POESIA, em 1998 e
em 2005 no concurso de poesias “HELENA KOLODY”,
promovido pelo Governo do Estado do Paraná. Em 1985,
participou da coletânea POESIAS NATURAIS, que reuniu
poemas de um grupo de colegas do curso de Comunicação da
UFBa. Teve poemas publicados em jornais e revistas
culturais e tem parcerias musicais com os compositores
soteropolitanos, Marcos Soares e Eugênio Soares. Divulga
seus trabalhos também pela internet, no blog:
poemascarlosdesena.blogspot.com