Encefalopatia de Hashimoto Hashimoto’s...

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Artigo de Revisão REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2010 | 02 83 ... 91 © 2010 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO 83 Encefalopatia de Hashimoto Hashimoto’s encephalopathy Alexandra Vieira 1 , Francisco Carrilho 2 , Manuela Carvalheiro 3 1 Interna do Internato Complementar de Endocrinologia 2 Chefe de Serviço de Endocrinologia, 3 Directora do Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo, Hospitais da Universidade de Coimbra, e Professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Correspondência: Alexandra Vieira › Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo › Hospitais da Universidade de Coimbra › Praceta Mota Pinto › 3000-175 COIMBRA › [email protected] Aceitação: Artigo recebido em 20/10/2010, revisto em 22/11/2010 e aceite para publicação em 30/12/2010. RESUMO A encefalopatia de Hashimoto (EH), também denominada por encefalopatia respondedora aos corticóides associada a tiroidite auto-imune, é uma síndrome rara. O mecanismo etiopatogénico é desconhecido mas a maior parte das evidências aponta para uma vasculite auto-imune ou outro processo inflamatório, talvez associado com deposição de imuno-complexos e, possivelmente, desarranjando a microvasculatura cerebral. A apresentação é heterogénea com um curso fulminante, subagudo ou mais crónico de declí- nio do estado mental, frequentemente acompanhado por convulsões e mioclonias. Uma característica essencial para o diagnóstico de EH é a presença de títulos elevados de anticor- pos anti-tiroideus, independentemente da presença ou não de disfunção tiroideia. Não existe uma relação clara entre a severidade dos sintomas neurológicos e o tipo ou título dos anticorpos. Não existem dados clínicos, laboratoriais ou neurorradiologicos específicos que definam a EH, pelo que o seu diagnóstico requer a exclusão de outras patologias de natureza metabólica, tóxica, vascular, inflamatória ou paraneoplásica. O LCR é anormal em cerca de 80% dos doentes sendo a anomalia mais frequente uma concentração elevada de proteínas. Na maio- ria dos doentes estão presentes anomalias electroencefalográficas inespecíficas mas a RMN é geralmente normal. O tratamento de eleição consiste na administração de corticóides e tratamento da disfunção tiroideia, se presente. O prognóstico geralmente é bom, mas uma minoria apresenta défices cognitivos persisten- tes, particularmente os casos em que houve atraso no diagnóstico. PALAVRAS-CHAVE Encefalopatia; Tiroidite; Hashimoto. SUMMARY Hashimoto's encephalopathy (HE), also referred as a steroid-responsive encephalopathy associa- ted with autoimmune thyroiditis, is a rare syndrome. The etiopathogenic mechanism is unknown. Most evidence points to an autoimmune vasculitis or other inflammatory process perhaps associated with deposition of immune complexes and possi- bly seriously disturb the cerebral microvasculature. The presentation is heterogeneous with a fulminant, subacute or more chronic decline in mental status, often accompanied by seizures and myoclonus. An essential feature for the diagnosis of HE is the presence of high levels of anti-thyroid antibodies,

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Encefalopatia de HashimotoHashimoto’s encephalopathy

Alexandra Vieira1, Francisco Carrilho2, Manuela Carvalheiro3

1 Interna do Internato Complementar de Endocrinologia2 Chefe de Serviço de Endocrinologia, 3 Directora do Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo, Hospitais da Universidade de Coimbra, e Professora da Faculdade de

Medicina da Universidade de Coimbra.

Correspondência: Alexandra Vieira › Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo › Hospitais da Universidade de Coimbra › PracetaMota Pinto › 3000-175 COIMBRA › [email protected]ção: Artigo recebido em 20/10/2010, revisto em 22/11/2010 e aceite para publicação em 30/12/2010.

RESUMO

A encefalopatia de Hashimoto (EH), também denominada por encefalopatia respondedora

aos corticóides associada a tiroidite auto-imune, é uma síndrome rara.

O mecanismo etiopatogénico é desconhecido mas a maior parte das evidências aponta para

uma vasculite auto-imune ou outro processo inflamatório, talvez associado com deposição de

imuno-complexos e, possivelmente, desarranjando a microvasculatura cerebral.

A apresentação é heterogénea com um curso fulminante, subagudo ou mais crónico de declí-

nio do estado mental, frequentemente acompanhado por convulsões e mioclonias.

Uma característica essencial para o diagnóstico de EH é a presença de títulos elevados de anticor-

pos anti-tiroideus, independentemente da presença ou não de disfunção tiroideia. Não existe uma

relação clara entre a severidade dos sintomas neurológicos e o tipo ou título dos anticorpos.

Não existem dados clínicos, laboratoriais ou neurorradiologicos específicos que definam a EH,

pelo que o seu diagnóstico requer a exclusão de outras patologias de natureza metabólica,

tóxica, vascular, inflamatória ou paraneoplásica. O LCR é anormal em cerca de 80% dos

doentes sendo a anomalia mais frequente uma concentração elevada de proteínas. Na maio-

ria dos doentes estão presentes anomalias electroencefalográficas inespecíficas mas a RMN é

geralmente normal.

O tratamento de eleição consiste na administração de corticóides e tratamento da disfunção

tiroideia, se presente.

O prognóstico geralmente é bom, mas uma minoria apresenta défices cognitivos persisten-

tes, particularmente os casos em que houve atraso no diagnóstico.

PALAVRAS-CHAVE

Encefalopatia; Tiroidite; Hashimoto.

SUMMARY

Hashimoto's encephalopathy (HE), also referred as a steroid-responsive encephalopathy associa-

ted with autoimmune thyroiditis, is a rare syndrome.

The etiopathogenic mechanism is unknown. Most evidence points to an autoimmune vasculitis or

other inflammatory process perhaps associated with deposition of immune complexes and possi-

bly seriously disturb the cerebral microvasculature.

The presentation is heterogeneous with a fulminant, subacute or more chronic decline in mental

status, often accompanied by seizures and myoclonus.

An essential feature for the diagnosis of HE is the presence of high levels of anti-thyroid antibodies,

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INTRODUÇÃO

A encefalopatia de Hashimoto (EH), descri-ta pela primeira vez em 19661-7, é uma síndro-me rara associada à tiroidite de Hashimoto.

Contrariamente à disfunção cognitivaassociada ao hipo/hipertiroidismo, a EH éuma doença imuno-mediada mais do queum efeito directo de alterações da funçãotiroideia sobre o SNC.

A EH também é designada por encefalo-patia respondedora aos corticóides associa-da com tiroidite auto-imune (SREAT – ste-roid responsive encephalopathy associatedwith autoimmune thyroiditis) e por menin-goencefalite auto-imune não vasculítica8.

É uma doença potencialmente fatalassociada à presença de mioclonias, altera-ção do estado de consciência, declínio cog-nitivo rápido e sintomas neuropsiquiátricos(psicose e alucinações)1. É uma importantecausa de demência potencialmente reversí-vel, uma vez que os sintomas podem sercompletamente resolvidos com o tratamen-to rápido e adequado1.

PATOFISIOLOGIA

O mecanismo patofisiológico da EH édesconhecido9,10. Esta doença não parece

estar directamente relacionada com altera-ção da função tiroideia, uma vez que amaioria dos doentes estão em eutiroidia naaltura do diagnóstico.

Têm sido propostos vários mecanismospara explicar a encefalopatia associada àtiroidite de Hashimoto como o edema cere-bral, a vasculite cerebral auto-imune9,10-12, aexistência de um antigénio comum aindanão identificado entre o SNC e a tiróide1,2,11

e o excesso de TRH a nível central9. Temsido proposto um efeito tóxico do aumentoda TRH no SNC, visto que alguns doentesmelhoram com a administração de levoti-roxina apesar de estarem em eutiroi-dia7,13,14.

A maior parte das evidências apontapara uma vasculite auto-imune ou outroprocesso inflamatório, talvez associado comdeposição de imuno-complexos e, possivel-mente, desarranjando a microvasculaturacerebral. Os dados que apoiam uma etiolo-gia auto-imune são os seguintes9:

1. Maior prevalência em indivíduos dosexo feminino, à semelhança doque acontece com muitas doençasauto-imunes7,11,14;

2. Associação com outras doençasauto-imunes, como a miastenia gra-vis, anemia perniciosa, atrofia esplé-nica, cirrose biliar primária, acidose

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regardless of the presence or absence of thyroid dysfunction. There isn´t a clear relationship bet-

ween severity of neurological symptoms and the type or title of the antibodies.

The clinical, laboratorialy and neuroradiological data are not specific of HE, so its diagnosis requi-

res the exclusion of metabolic, toxic, vascular, paraneoplastic or inflammatory diseases. The CSF

is abnormal in about 80% of patients being the most common abnormality a high concentration

of proteins. In most patients nonspecific electroencephalographic abnormalities are present, but

MRI is usually normal.

The treatment of choice is administration of corticosteroids and treatment of thyroid dysfunction,

if present.

The prognosis is generally good, but a minority of patients shows persistent cognitive deficits, par-

ticularly those were the diagnosis has been delayed.

KEYWORDS

Encephalopathy; Thyroiditis; Hashimoto.

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tubular renal distal ou glomerulone-frites15-17;

3. Prevalência elevada do haplótipoHLA B8 DRw318, perfil comum aoutras doenças auto-imunes;

4. Curso flutuante com remissões eexacerbações em muitos casos;

5. Dados laboratoriais que indicamautoimunidade tiroideia (anticorposanti-tiroideus elevados)19;

6. Análise do LCR compatível com pro-cesso inflamatório;

7. Melhoria com corticoterapia ououtras terapêuticas imunossupresso-ras9,20,21.

A natureza da relação entre tiroidite deHashimoto e EH não é clara. Alguns autoresdefendem que a associação entre a presen-ça de anticorpos anti-tiroideus e a EH é ape-nas uma coincidência: a EH é rara emboraa prevalência destes anticorpos seja elevada(2-10% dos adultos jovens e 5-20% dos adul-tos mais velhos apresentam títulos eleva-dos)13,22.

A tiroidite de Hashimoto, por si só, estáassociada com doenças auto-imunes neuro-lógicas e sistémicas, nomeadamente miaste-nia gravis23, lúpus eritematoso sistémico eDM tipo 113.

Os sintomas da EH não aparecem para-lelamente com os sintomas da tiroidite. Paraalém disso, as alterações nos níveis de anti-corpos anti-tiroideus não correspondem deforma consistente com os sintomas neuroló-gicos nem melhoram com o tratamento.Estes achados levaram a que alguns autoresdefendessem a designação encefalopatia res-pondedora aos corticóides associada comtiroidite auto-imune como a mais adequada.

A natureza da resposta auto-imune nãoé bem conhecida. A EH pode resultar deuma lesão neuronal directa mediada poranticorpos11. A EH pode representar umavasculite que resulta de uma inflamaçãoendotelial ou de deposição de imuno-com-plexos. Os resultados obtidos com o SPECT(single photon emission computed tomography)sugerem envolvimento vascular12,13,18. Um

potencial marcador específico poderá serum anticorpo expresso contra a parteamina terminal da enzima α-enolase.Ainda não foi encontrado um papel patogé-nico para este anticorpo, contudo como a α-enolase é expressa nas células endoteliais,pode mediar a vasculite.

A EH pode representar uma doença deimunocomplexos, uma vez que estes foramencontrados no LCR de alguns doentes24.Assim, na ausência de disrupção da barrei-ra hemato-encefálica, sugere possível sínte-se intra-tecal destes anticorpos. Outrosautores não encontraram estes anticorposno LCR de doentes com EH25.

A EH pode ser um processo desmielinizan-te primário relacionado com a encefalomieli-te aguda disseminada9, visto alguns doentesapresentarem alterações semelhantes em exa-mes anatomopatológicos e imagiológicos13.

A principal evidência a favor da teoriaque a elevação da TRH tem um efeito tóxicosobre o SNC relaciona-se com a melhoria clí-nica após a administração de levotiroxinamesmo em doentes em eutiroidia9. O trata-mento com levotiroxina reduziria a secreçãode TRH9. Os defensores desta teoria defendemque a TRH é um neurotransmissor que apre-senta uma acção facilitadora sobre os neuró-nios motores os quais podem ser responsá-veis pelo aparecimento de estados confusio-nais, crises convulsivas e mioclonias9; estádescrito o aparecimento de mioclonias e tre-mor após a administração de TRH, o queapoia esta teoria26. Contudo, se a elevação deTRH fosse crucial para o aparecimento daencefalopatia, deveríamos encontrar casossemelhantes entre doentes hipotiroideus,independentemente da sua causa9.

EPIDEMIOLOGIA

Uma revisão publicada em 2006 docu-mentou apenas 121 casos de EH publica-dos27. Contudo, a síndrome pode estar sub-diagnosticada. Num estudo epidemiológicointra-hospitalar em que todos os doentes

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com sintomas neurológicos inexplicadosconsistentes com EH foram rastreados, a pre-valência estimada foi de 2,1 por 10000028.

Os doentes têm em média 41-44 anos naaltura em que iniciam os sintomas (9-78)16,29-

34. As mulheres são cerca de 4 vezes maisafectadas que os homens.

APRESENTAÇÃO CLÍNICA

As manifestações clínicas da EH incluemum início subagudo a agudo de confusãocom alteração do estado de consciência25.Têm sido descritos 2 padrões de apresenta-ção3,4,9: vasculítico e difuso-progressivo.

Padrão de tipo vasculítico9 – caracteriza-se por episódios AVC-like, com défices neuro-lógicos focais transitórios, acompanhadosou não de alterações cognitivas, confusão econvulsões9. Os doentes podem apresentaralteração do estado de consciência, (de apre-sentação aguda ou subaguda) que oscilaentre a sonolência transitória e o coma9.Ocasionalmente pode ocorrer febre9,32. Oexame neurológico mostra défices neuroló-gicos focais transitórios ou residuais assimcomo alterações cognitivas ligeiras9. O cursoclínico é flutuante com períodos de remissãoe de exacerbação; em muitos casos as exa-cerbações associam-se ao período mens-trual9. O prognóstico normalmente é favorá-vel, embora alguns doentes refiram falta deconcentração persistente entre os episódios9.

Padrão difuso-progressivo – caracteriza-se por um início insidioso, com uma deterio-ração cognitiva progressiva, acompanhadade confusão, psicose, sonolência e coma9.Frequentemente existem crises focais ougeneralizadas, mioclonias9, tremor33 ou ata-xia34,35. Não existem défices focais ao exameneurológico mas os testes neuropsicológicosrevelam défices cognitivos severos9. O cursoclínico pode ser flutuante e o prognóstico éigualmente favorável9.

Estes padrões clínicos podem sobrepor-se.Para além da confusão e alteração do estado

de consciência, outros sinais neurológicossão frequentes em ambos os grupos: cerca dedois terços dos doentes apresentam crisesconvulsivas tónico-clónicas focais ou genera-lizadas13,36-38. Em cerca de 12% dos casos veri-fica-se o estado de mal epiléptico. Miocloniasou tremor estão presentes em até 38% doscasos; as mioclonias podem ser focais oumultifocais. Cerca de 85% dos doentes apre-senta hiperreflexia difusa e outros sinaispiramidais. Psicoses, especialmente alucina-ções visuais, mas também delírios paranói-des estão presentes em 25-36% dos doen-tes13,36. O diagnóstico pode ser difícil porque avariedade de sintomas implica abordagenspor diferentes profissionais: endocrinologis-tas, neurologistas e psiquiatras39.

A doença pode ser auto-limitada, evoluiratravés de surtos e remissões ou progressiva.

Síndromes raras associadas a EHincluem cerebelopatia com ou sem encefa-lopatia, mielopatia isolada e coreia36,40-42. Emalguns casos ocorre envolvimento do siste-ma nervoso periférico com ganglionopatiacerebral, polineuropatia desmielinizantee/ou amiotrofia4,43,44.

Os sintomas sistémicos, como a febre,são raros18. Os sintomas neurológicospodem ocorrer em doentes com tiroidite deHashimoto conhecida ou não. O desenvol-vimento de tiroidite de Hashinoto clínicapode ocorrer em até 3 anos após a apresen-tação de EH14.

EXAMES COMPLEMENTARES DEDIAGNÓSTICO

Uma característica essencial para o diag-nóstico de EH é a presença de títulos eleva-dos de anticorpos anti-tiroideus (anti-TPOe/ou anti-Tg). Os anticorpos anti-peroxidase(anti-TPO) estão presentes em quase todos osdoentes e os anti-tiroglobulina (anti-Tg)estão presentes em cerca de 40%. Não existeuma relação clara entre a severidade dossintomas neurológicos e o tipo ou concentra-

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ção de anticorpos9. Para além disso, os níveisdos anticorpos podem ou não diminuir como tratamento13,18,36,45. Dada a prevalência des-tes anticorpos na população geral (2-20%),estes não podem ser considerados um mar-cador específico da EH.

Os anticorpos anti-tiroideus são rara-mente medidos no LCR. A sensibilidade eespecificidade destes anticorpos no LCR nãosão claras: enquanto alguns autores osencontram nos seus doentes, outros não.

Cerca de 23-35% dos doentes com EHapresentam hipotiroidismo subclínico, 17-20% apresentam hipotiroidismo13,36. Cercade 7% são hipertiroideus e os restantes estãoem eutiroidia.

O LCR é anormal em cerca de 80% dosdoentes com EH9. A anomalia mais frequen-te é uma concentração elevada de proteínas(48-298mg/dL)4,8,9,39, que está presente emcerca de 75% dos casos; valores superiores a100mg/dL são raros, ocorrendo em cerca de20% dos casos. Uma pleocitose linfocíticaestá presente em 10-25% dos casos9. A con-centração de glicose é normal. As bandasoligoclonais podem ou não estar presentes9.Tem sido descrito o aumento da proteína14-3-3 (associada à doença de Creutzfeldt-Jakob), mas este nem sempre se verifica9,46.

Em 2 casos detectaram-se anticorposantitiroideus no LCR9,47,48.

Em cerca de 90-98% dos doentes estãopresentes anomalias electroencefalográficasinespecíficas9. Podem estar presentes altera-ções com recorrência periódica de comple-xos trifásicos semelhantes aos da doença deCreutzfeldt-Jakob3.

O EEG frequentemente mostra uma len-tificação difusa, mas também lentificaçõesfocais, ondas trifásicas e actividade deltafocal intermitente.

O EEG tende a normalizar de forma per-sistente com a corticoterapia9. Alguns autoresdefendem que as alterações electroencefalo-gráficas revertem rapidamente com a admi-nistração de esteróides, enquanto outros

notam que a melhoria electroencefalográficaé mais demorada que a melhoria clínica.

A RMN geralmente é normal. Podemaparecer lesões focais na EH que podemsimular tumores cerebrais, granulomas,infecções, AVC ou até processos degenerati-vos49. A RMN pode demonstrar atrofia cere-bral9,49 ou anomalias inespecíficas em T2 nasubstância branca subcortical9,49. Isto podeser um achado incidental, contudo existemrelatos de resolução ou regressão destasalterações com o tratamento.

Em raros casos, a RMN mostram altera-ções na substância branca focais ou difusassugerindo desmielinização primária. Outrasalterações por vezes presentes são o reforçodas meninges e anomalias em T2 emambos os hipocampos9. As lesões podempersistir ou desaparecer após o tratamento9.

A angiografia cerebral é normal9. ASPECT pode mostrar hipoperfusão global,focal ou multifocal9.

A PCR e a VS estão elevadas em algunsdoentes9. Foram descritas alterações ligeirasdas enzimas hepáticas em 12-20% dosdoentes.

DIAGNÓSTICO

Para o diagnóstico de EH é necessário apresença de anticorpos antitiroideus (anti-TPO e/ou anti-Tg) elevados em doentes comuma apresentação clínica compatível e res-posta à corticoterapia.

Os exames complementares de diagnós-tico essenciais para excluir outras patolo-gias são: punção lombar (realização de exa-mes microbiológicos), EEG, RMN com admi-nistração de gadolínio.

Uma vez que o tratamento da EH consisteem terapêutica imunossupressora, é impor-tante excluir um quadro infeccioso.

Qualquer doença associada com umasíndrome de delírio ou demência rapida-

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mente progressiva pode ser confundida coma encefalopatia de Hashimoto. Estasincluem a doença de Creutzfeldt-Jakob8,9,19, aencefalomielite disseminada aguda, asencefalopatias metabólicas tóxicas, ameningoencefalite viral, as doenças psi-quiátricas (depressão, ansiedade, psicose), ameningite carcinomatosa, a encefalitepara-neoplásica, a demência degenerativa(demência de Alzheimer), a demência decorpos de Lewy, a demência frontotempo-ral3,19, o AVC ou AIT e a vasculite cerebral.

Não existem dados clínicos, laborato-riais ou neurorradiológicos específicos quedefinam a EH, pelo que o seu diagnósticorequer a exclusão de outras patologias denatureza metabólica, tóxica, vascular,inflamatória ou paraneoplásica9.

TRATAMENTO

Existem vários casos descritos de evolu-ção favorável de modo espontâneo9 ou apósa administração de levotiroxina9,29,46.

O tratamento de eleição consiste naadministração de corticóides e tratamento dadisfunção tiroideia, se presente. Dada a rari-dade da doença, não está definida uma doseóptima de corticóide. A dose oral de predni-sona varia entre 50-150mg/kg/dia7,19. Têmsido administradas altas doses de metilpred-nisolona endovenosa num pequeno númerode doentes9 mas o benefício é desconhecido.

A maioria dos doentes (90-98%) respon-de ao tratamento com corticóides. Emmédia, pode-se esperar uma melhoria signi-ficativa ao fim de 6 semanas após o início dotratamento19. Os sintomas geralmentemelhoram ou resolvem ao fim de algunsmeses. A duração do tratamento e a rapidezdo desmame geralmente é efectuado tendoem conta a resposta clínica. Em algunsdoentes, o tratamento pode chegar a 2 anos.

A maioria dos doentes apresenta umadiminuição do título de anticorpos com acorticoterapia, contudo só excepcionalmen-

te desaparecem definitivamente9.Alguns doentes têm sido tratados com

outros fármacos imunossupressores, nomea-damente a azatioprina e a ciclofosfamida9.Estes fármacos normalmente são reservadospara os doentes que não toleram, não res-pondem ou respondem parcialmente à corti-coterapia. Foi descrita a melhoria clínicacom imunoglobulina endovenosa e plasma-férese em alguns casos50-53. Nos casos resis-tentes ao tratamento com esteróides e imu-nossupressores, tem-se proposto como alter-nativa a plamaferese9, embora a experiên-cia seja escassa.

O tratamento das crises convulsivas comanticonvulsivantes tais como a fenitoínapode ser necessário temporariamente. Emalguns doentes, as convulsões não respon-dem a fármacos anti-epilépticos mas podemresponder à corticoterapia18.

Em 90% dos casos ocorre uma respostaexcelente a longo prazo, mesmo após sus-pensão do tratamento; em alguns doentesocorrem recidivas9. O tempo médio entre oinício do tratamento e uma melhoria clínicasignificativa é de 4-6 semanas, embora nosdoentes com deterioração do estado de cons-ciência de instalação aguda ou subagudapodem ocorrer melhorias em 1-3 dias9. Nãoparece haver uma relação clara entre a dura-ção dos sintomas antes de iniciar o trata-mento e a resposta à terapêutica, embora emcasos de demência de larga evolução possaexistir um dano neurológico irreversível9.

PROGNÓSTICO

O prognóstico geralmente é bom. O atra-so no diagnóstico e, portanto, no tratamen-to está associado a menor taxa de remissão,contudo estes doentes podem melhorar como tratamento mesmo após alguns anos desintomas. Contudo, disfunção cognitiva resi-dual ocorre em cerca de 25% dos doentescom doença não tratada durante muitotempo8,18,54.

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Pode ocorrer recuperação espontâ-nea45,54. Muitos doentes permanecem emremissão durante anos mesmo após inter-rupção de corticóides. Numa série de 20doentes, 8 continuaram em remissãomesmo após interrupção do tratamento, em3 verificou-se recorrência da doença comnecessidade de novo curso de corticoterapia,9 precisaram de tratamento contínuo comesteróides ou outra terapêutica imunomo-deladora para manter a remissão8.

CONCLUSÕES

A EH é uma síndrome caracterizada poruma encefalopatia aguda ou subaguda,associada a títulos elevados de anticorposanti-tiroideus.

A EH parece ser uma síndrome rara, pro-vavelmente por estar sub-diagnosticada. Talcomo acontece com a tiroidite de Hashimoto,as mulheres são mais afectadas.

A apresentação é heterogénea com umcurso fulminante, subagudo ou mais cróni-co de declínio do estado mental, frequente-mente acompanhado por convulsões e mio-clonias. A presença de títulos elevados deanticorpos anti-tiroideus e a exclusão deoutras causas de encefalopatia suportam odiagnóstico.

A RMN, EEG, a análise do LCR sãoessenciais para excluir outras causas deencefalopatia. Num doente com encefalo-patia e anticorpos anti-tiroideus elevadosem que outras causas de encefalopatiaforam excluídas, recomenda-se terapêuticacom corticóides.

Muitos doentes têm um bom prognósti-co, mas uma minoria apresenta défices cog-nitivos persistentes, particularmente aque-les em que houve atraso no diagnóstico.Quando existem recorrências pode sernecessário tratamento imunossupressorprolongado.

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Craniofaringeomas: do diagnóstico ao tratamentoCraniopharyngiomas: diagnosis and treatment

Andreia Veloza1, Maria Carlos Cordeiro2, Jorge Portugal3

1 Interna do Internato Complementar de Endocrinologia e Diabetes, Serviço de Endocrinologia e Diabetes do Hospital Garcia de Orta, E.P.E.2 Assistente Hospitalar Graduada de Endocrinologia, Serviço de Endocrinologia e Diabetes do Hospital Garcia de Orta, E.P.E.3 Director do Serviço de Endocrinologia e Diabetes, Serviço de Endocrinologia e Diabetes do Hospital Garcia de Orta, E.P.E.

Correspondência: Andreia Veloza › Serviço de Endocrinologia e Diabetes – Hospital Garcia de Orta › Avenida Torrado Garcia › 2801-951 ALMADA › [email protected]ção: Artigo recebido em 25/07/2010, revisto em 03/12/2010 e aceite para publicação em 03/01/2011.

RESUMOOs craniofaringeomas são tumores epiteliais, raros, cuja patogénese é desconhecida. Podemser detectados em qualquer idade, mas tem sido descrito um pico de incidência bimodal: nascrianças entre os 5 e 14 anos e nos adultos entre os 50 e 74 anos. Estão descritos dois tipos histológicos principais: adamantinomatoso e papilar, sendo o pri-meiro o mais comum. Macroscopicamente, os craniofaringeomas possuem componentesquísticos e sólidos, e podem exibir calcificações (sobretudo no tipo adamantinomatoso). Amaioria dos craniofaringeomas localizam-se na região selar e/ou parasselar, sendo que 53%a 75% são intra e suprasselares. A gravidade das manifestações clínicas depende da localiza-ção e das dimensões do tumor. Os sintomas mais frequentemente descritos são alteraçõesvisuais, cefaleias, atraso de crescimento nas crianças e hipogonadismo nos adultos. Não exis-te um protocolo terapêutico ideal, mas este deve ter como objectivos a prevenção da recidi-va, a redução da morbilidade consequente ao tumor e ao tratamento, a melhoria da sobre-vida e da qualidade de vida. Actualmente, a principal intervenção terapêutica é a cirurgiaseguida de radioterapia, nos casos de tumor residual, mas existem outras alternativas, quedevem ser individualizadas. À excepção do tipo de tratamento, outros factores de prognósti-co, como critérios imagiológicos ou clínicos, não são consensuais.

PALAVRAS-CHAVE

Craniofaringeoma; Tumores hipofisários.

SUMMARYCraniopharyngiomas are rare epithelial tumours with uncertain pathogenesis. They may be detec-ted at any age, and a bimodal age distribution has been proposed, with peak incidence rates inchildren 5-14 years old and adults 50-74 years old. Two main pathological subtypes have beenreported, the adamantinomatous (most common) and the papillary. Macroscopically they have cys-tic and/or solid components and calcifications (mainly in the adamantinomatous subtype). Most ofthe craniopharyngiomas are located in the sellar/parasselar region, whereas both supra- and intra-sellar are 53% -75% of the cases. The severity of the clinical manifestations depends on the loca-tion and the size of the tumour. The commonest presenting clinical manifestations reported arevisual disturbances, headaches, growth failure (in children) and hypogonadism (in adults). There isno ideal therapeutic protocol, which should emphasize on the prevention of recurrence, reductionof the significant disease and treatment related morbidity, improvement of survival and quality oflife. Presently, the main therapeutic intervention is surgical excision followed by radiotherapy, incases of residual tumour. Other alternatives exist which should be individualized. Apart from the

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INTRODUÇÃO

Os craniofaringeomas (CF) são tumoresepiteliais com origem a partir dos remanes-centes da bolsa de Rathke, que se desenvol-vem ao longo da nasofaringe até ao diecéfa-lo1-3. A primeira descrição de craniofaringeo-ma remonta a 1857, quando Zenker identi-ficou uma massa de células semelhante aepitélio pavimentoso ao longo da pars dista-lis e pars tuberalis da hipófise1. No entanto, otermo craniofaringeoma foi introduzidosomente em 1932 por Cushing, substituindoas designações utilizadas até então: tumoresdo canal hipofisário ou do canal nasofarín-geo, quistos suprasselares ou disontogénicosou interpedenculares, epiteliomas suprasse-lares e adamantinomas1,2.

O diagnóstico de craniofaringeomaassenta em critérios clínicos (manifestaçõesneurológicas ou endócrinas) e radiológicos(tumor sólido/quístico calcificado), sendoconfirmado pelo exame histológico.

Embora seja histologicamente benigno,o seu comportamento potencialmente agres-sivo e infiltrativo de estruturas cruciais cir-cundantes pode comprometer o prognósticodos doentes com craniofaringeoma. A abor-dagem terapêutica permanece controversa,suscitando debate entre os vários autores,uma vez que morbilidade significativaadvém do tratamento destes tumores1,3.

Nesta revisão, pretende-se focar as carac-terísticas clínicas e laboratoriais dos craniofa-ringeomas e opções terapêuticas disponíveis.

EPIDEMIOLOGIA

A incidência de novos casos de craniofa-ringeoma varia entre 0,13 a 2 por

100.000/ano4, com uma prevalência de 1 a3 casos por 100.0002. Podem ocorrer emqualquer idade, mas preferencialmente têmuma distribuição bimodal, com pico de inci-dência entre os 5-14 anos e os 50-74 anos1,4.

Os craniofaringeomas correspondem a2% - 5% do total das neoplasias primáriasintracranianas, e nas crianças representam5,6% -15%1. São a principal suspeita diag-nóstica nas lesões tumorais da região hipotá-lamo-hipofisária na infância, mas cerca demetade dos casos totais de craniofaringeo-mas são diagnosticados na população adul-ta. Em estudos populacionais, não houvepreponderância em relação ao género e nãoparece haver predisposição familiar1,4-6.

CARACTERÍSTICASHISTOLÓGICAS

Os craniofaringeomas são tumores epi-teliais, que surgem ao longo do trajecto docanal craniofaríngeo. A sua patogénese estápor esclarecer, existindo diversas teoriasquanto à sua origem, nomeadamente, seresultam da transformação neoplásica decélulas epiteliais embrionárias remanescen-tes do canal craniofaríngeo ou da metapla-sia de células adenohipofisárias1,2.

A maioria destes tumores localiza-se naregião suprasselar com extensão para aregião selar (53%-75%), sendo exclusiva-mente suprasselares em 20%-41% dos casose unicamente intra-selares apenas em 5%-6%. Outras localizações atípicas têm sidodescritas1.

Histologicamente são tumores benignos,contudo existem raros casos de malignidadedescritos na literatura, provavelmente rela-cionados com radioterapia7-10.

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type of treatment, other prognostic factors, like imaging or clinical features, are not consensual.

KEY-WORDS

Craniopharyngioma; Pituitary tumours.

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São divididos principalmente em doissubtipos histológicos, que podem ocorrer emconjunto: adamantinomatoso e o papilar.As lesões quísticas ou mistas são preponde-rantes (84% -99%) em relação aos tumoressólidos1.

O subtipo adamantinomatoso é o maisfrequente e ocorre em todas as idades, pre-dominando nas duas primeiras décadas devida. Macroscopicamente, pode ser quísticoe/ou sólido e conter tecido fibroso, necróticoe calcificações. Estas últimas são muito fre-quentes entre as crianças (até 94%). Ostumores quísticos podem ser multiloculadose a presença de cristais de colesterol, sanguee proteínas condiciona a cor do líquido. Oslimites do CF adamantinomatoso são irre-gulares e muitas vezes indistintos, dificul-tando a manipulação e individualizaçãocirúrgicas1,11,12. Por sua vez, o craniofaringeo-ma papilar raramente apresenta calcifica-ções, tende a ser um tumor sólido ou mistocom componentes sólidas e quísticas, bemcircunscrito com menor infiltração do tecidovizinho. Apenas cerca de 2% das criançastêm esta forma histológica, ao passo quenos adultos surge em 14% -50% dos casos1.A distinção com o quisto da bolsa de Rathkepode ser difícil em biópsias de pequenasdimensões. A presença de um grande núme-ro de células ciliadas e a ausência de umcomponente sólido são a favor de um quis-to da bolsa de Rathke11. Por outro lado, apresença de determinados constituintes nolíquido do craniofaringeoma, como a gona-dotrofina coriónica humana (HCG), IGF-I,IGF-II pode ajudar nesta diferenciação,sendo necessários estudos para determinaro seu valor e aplicabilidade clínicas1.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

Tendo em conta que, os craniofaringeo-mas geralmente são tumores de crescimen-to indolente, os sintomas desenvolvem-seinsidiosamente2. O diagnóstico do craniofa-ringeoma muitas vezes ocorre tardiamente,

um a dois anos após o início dos sintomas.A gravidade das manifestações clínicas estásubordinada à localização, dimensões epotencial de crescimento do tumor1,11.Podem surgir sintomas relacionados com oaumento da pressão intracraniana, comocefaleias, náuseas e vómitos, causado peloefeito de massa do próprio tumor ou porhidrocefalia secundária à obstrução do fora-men de Monro, do terceiro ventrículo ou doaqueduto de Sylvius2. A função endócrinahipofisária pode estar comprometida, sendomais frequente a sua supressão do que aexacerbação. Assim, as crianças geralmenteapresentam-se com baixa estatura e osadultos com hipogonadismo. Hemianópsiabitemporal é o defeito visual mais frequen-te, causado pela compressão quiasmática,mas hemianópsia homónima, escotomas eatrofia óptica com papiledema tambémpodem ser encontrados1,2.

São as cefaleias e a deterioração visualos sintomas mais frequentes, reportados emdiversas séries (50% -78% e 55% -79% res-pectivamente)3,6,12,13,14.

Cerca de 85% dos doentes pode apresen-tar-se com um ou mais défices hormonaishipofisários14. A frequência de défice de GH,FSH/LH, ACTH, TSH e a presença de diabe-tes insípida (DI) variam, de acordo com asdiferentes séries (com diferentes critérios dediagnóstico) entre 35% -95%, 38% -82%,21% -62%, 21% -42% e 6% -38% respectiva-mente1,6,15. Numa série portuguesa12 com 32doentes (sete com idades compreendidasentre 5 e 14 anos), registou-se défice de TSHem 25% dos doentes, bem como défice degonadotrofinas em 25% e défice de ACTHem 15,6%. Nenhum dos doentes surgiu nopré-operatório com diabetes insípida. Entreos mais jovens, 57,2% apresentavam atrasode crescimento.

Entre a população pediátrica, pelomaior risco de hidrocefalia, as cefaleias,náuseas/vómitos, papiledema e envolvi-mento dos nervos cranianos são mais fre-quentes. Não se encontrou diferença estatís-tica significativa com os adultos, no que

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concerne à duração dos sintomas e déficesendócrinos, em estudos retrospectivos6.

Os craniofaringeomas podem aindacausar sintomas mais generalizados, comoa depressão, independentemente da defi-ciência hormonal. Uma possível explicaçãoserá a extensão do tumor para os lobosfrontais, áreas estriocapsulotalâmicas oupara o sistema límbico. Outras manifesta-ções clínicas menos comuns estão descritascomo puberdade precoce16,17, meningite quí-mica devido à ruptura espontânea do quis-to3, hemi ou monoparésia, convulsões12,apoplexia hipofisária18, entre outras.

MÉTODOS DIAGNÓSTICOS

A avaliação de um doente com provávelcraniofaringeoma deve incluir exames ima-giológicos e laboratoriais. A tomografiacomputorizada (TC) é útil na distinção entreo componente sólido e quístico, e na avalia-ção da anatomia óssea. A presença de calci-ficações, visíveis na radiografia ou na TC,floculares ou convexas intra ou supra-sela-res é sugestiva de CF. A utilização de contras-te permite intensificar o componente sólidoe a cápsula do quisto; o líquido quístico tembaixa densidade. A ressonância magnética(RM), sobretudo após contraste (geralmentegadolínio), permite uma melhor delimita-ção do tumor, avaliando a sua extensão eenvolvimento com o hipotálamo. Nas ima-gens T1 pré-contraste, o componente sólidoaparece iso ou hipointenso, e intensifica-seapós o gadolínio, sendo misto com áreas

hipo e hiperintensas nas sequências T2. Ocomponente quístico é geralmente hipoin-tenso em T1 e hiperintenso em T2. As calci-ficações são difíceis de visualizar na RM,mas se forem de grandes dimensões podemser hipointensas em T1 e T219.

Embora seja sugerido que a presença dequistos hiperintensos, calcificações e aforma lobulada sejam a favor do subtipoadamantinomatoso, enquanto que o CFpapilar apresenta quistos hipointensos,forma arredondada e predominantementesólida, não existem ainda dados consisten-tes para a diferenciação radiológica dasvariedades histológicas1.

A angio-ressonância magnética é utili-zada para a distinção com malformaçõesvasculares e avaliação das estruturas vascu-lares circundantes20.

Sempre que haja suspeita diagnóstica deCF, está indicada a avaliação da função hipo-fisária com a finalidade de substituição hor-monal adequada, se necessária, principal-mente de corticóide e hormona tiroideia, parareduzir a morbimortalidade cirúrgica21,22.

É também necessária a avaliação daacuidade visual e dos campos visuais paradiagnosticar algum défice, e a visualizaçãodos discos ópticos para excluir papiledema2.

Embora alguns casos de CF familiar este-jam descritos na literatura, não está recomen-dado actualmente nenhum teste genético2.

A distinção do CF com outros tumoresparasselares (Quadro I), baseado em crité-rios clínicos e radiológicos, pode ser difícil. Aconfirmação do diagnóstico de CF é possívelapenas, mediante o exame histológico.

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QUADRO I: Etiologia das lesões parasselares. (adaptado de Melmed S, Kleinberg D. Anterior pituitary. In: Kronenberg H, Melmed S,Polonsky KS, Larsen PR eds. Williams Textbook of Endocrinology. 11th ed. Philadelphia: Saunders; 2008: p. 161-80)

ETIOLOGIA DAS LESÕES PARASSELARES

Quistos: Aracnoideu; dermóide; epidermóide; quisto da bolsa de Rathke

Tumores: Adenoma hipofisário, Craniofaringeoma, Cordoma, Glioma, Meningioma, Metástases, Sarcoma, Hamartoma hipotalâmico,Schwanoma, Tumor de células granulares

Lesões inflamatórias/infecciosas: Hipofisite linfocítica, Granuloma eosinofílico, Sarcoidose, Hemocromatose, Histiocitose, Sífilis,Tuberculose, Cisticercose, Abcesso

Malformações: Hipófise ectópica, Gangliocitoma, Aneurismas, Malformações arterio-venosas

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TRATAMENTO

Tratando-se de tumores raros e comple-xos na abordagem, os doentes com CFdevem ser preferencialmente seguidos emcentros especializados2. O tratamento idealé motivo de debate, sendo que, enquantoalguns autores defendem que a ressecçãocompleta deva ser o objectivo primordial dotratamento, independentemente da idadeou das características do tumor12,14, 23-26,outros preferem cirurgias menos agressivascombinadas com radioterapia27. Karavitaki6

demonstrou a importância da remoçãototal na prevenção de recorrências. Noentanto, se esta não for possível, pelo riscode provocar lesões significativas a estrutu-ras intracranianas críticas, deve-se recorrerà radioterapia adjuvante para prevenir ocrescimento do tumor residual6.

A extensão da excisão tumoral dependedas dimensões do tumor, localização (difícilse retroquiasmática ou ocupando o terceiroventrículo), presença de hidrocefalia, de cal-cificação superior a 10 % e invasão cerebral,bem como da experiência e da decisão doneurocirurgião durante a cirurgia14,26. Aremoção completa do tumor é provável se oseu diâmetro não ultrapassa 2 cm, masimprovável se superior a 4 cm3.

A via transfenoidal é utilizada sobretu-do em tumores pequenos intra-selares,infradiafragmáticos, enquanto que nostumores de grandes dimensões pode sernecessária efectuar a cirurgia em 2 tempos,executando primeiro o desbaste transfenoi-dal e posteriormente, a craniotomia. Napresença de hidrocefalia, a remoção do CFgeralmente é facilitada após descompressãodos ventrículos e estabilização clínica dodoente1. Em tumores predominantementequísticos, a aspiração do líquido podemelhorar as manifestações obstrutivas efacilitar a remoção posterior do componen-te sólido. Esta última não deve ser protela-da, devido ao risco de reenchimento doquisto que pode ocorrer até 81% dos casos,

num período médio de 10 meses6,26.A morbilidade perioperatória da primei-

ra cirurgia varia entre 1,7% e 5,4%6,13,14,23,26.Os dados existentes sobre o impacto daradicalidade da cirurgia na morbimortali-dade perioperatórias não são consistentes:embora tenha sido sugerido que cirurgiasmais agressivas a comprometam substan-cialmente, séries recentes não o confir-mam6,26.

Em média, a recorrência tumoral é diag-nosticada 1 a 4,3 anos após o tratamento pri-mário, mas pode ocorrer até 30 anosdepois6,14,23. A taxa de recidiva é menor na res-secção completa do CF do que na ressecçãoparcial/subtotal, sendo de 0-62% e 25% -100%respectivamente, aos 10 anos de follow-up.

Nos casos de ressecção parcial do CF, aradioterapia (RT) adjuvante melhora signi-ficativamente o controlo local do tumor(taxa de recorrência 10% -63% aos 10 anosde follow-up). Pode prevenir a necessidadede uma segunda cirurgia, que geralmenteestá associada a maior risco de morbilidadee mortalidade1-3. Alguns autores sugeremque a progressão local tumoral depende dadose da radiação e doses ≤ 54 Gy estão asso-ciadas a pior prognóstico11,28.

Se a RT for utilizada como tratamentoúnico, em doentes seleccionados, a taxa derecorrência varia entre 0 e 23%1,27. Contudo,a RT não é totalmente inócua e os seuspotenciais efeitos adversos tardios nãodevem ser desprezados: alterações neuroen-dócrinas e neurocognitivas, neuropatiaóptica e risco de neoplasias malignas secun-dárias2,3,12, 29. A incidência destes efeitos tar-dios parece estar subordinada à idade dodoente (maior nos mais jovens), ao volumede tecido cerebral normal exposto à radia-ção, à dose e tipo de radiação3. Estão descri-tos na literatura alguns casos de anomaliasvasculares pós-radioterapia, nomeadamen-te aneurismas, cavernomas, doença deMoyamoya e alterações do calibre das arté-rias carótidas e cerebrais, sobretudo nosdoentes mais jovens30,31. Por este motivo,

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alguns autores defendem a realização deangio-RM no seguimento das crianças sub-metidas a RT31.

As taxas de sucesso terapêutico são infe-riores na recidiva, pela presença de cicatri-zação e adesões resultantes de cirurgiasanteriores e/ou da RT. Quando comparadocom o tratamento primário, o sucesso deremoção completa da recidiva é de 0-25% ea morbimortalidade perioperatórias de10,5-24%6,14,26. A RT, antecedida ou não deuma segunda cirurgia, tem mostrado bonsresultados nos tumores recorrentes1.

Além da cirurgia e da radioterapia con-vencional, outras modalidades terapêuticasestão disponíveis. Na radioterapia intraca-vitária ou intraquística (braquiterapia), isó-topos emissores de radiações beta são colo-cados estereotaxicamente nos craniofarin-geomas quísticos. Esta técnica permite aadministração de doses maiores de radiaçãodo que na RT convencional, provocando adestruição do epitélio secretor, supressão daprodução do líquido e redução do quisto.Não é consensual qual o agente terapêuticomais adequado, uma vez que, os vários dis-poníveis (32fosfato, 90ítrio, 185rénio, 198ouro)não têm o perfil biológico e físico ideal1,11.Esta técnica minimamente invasiva, temmaior indicação nos tumores predominan-temente quísticos, sobretudo os monoquísti-cos, pela sua morbilidade e mortalidadecirúrgicas reduzidas e pelo bom resultadona redução/estabilização destes tumores(79,5% a 90,6% dos casos), tendo em contaas séries com maior número de doentes eseguimentos mais longos1.

A colocação intraquística de bleomici-na, agente antineoplásico, tem sido descritaem CF quísticos com controlo tumoral entre0 e 100%, reflectindo o pequeno número dedoentes incluídos nas séries e a heterogenei-dade relativamente às doses e intervalo detempo entre as inoculações. Podem ocorrercomplicações com este procedimento,nomeadamente, atingimento de estruturasvizinhas, lesão hipotalâmica, défice visual

ou auditivo, edema peritumoral e lesõesisquémicas cerebrais. São necessários estu-dos com maior número de doentes paraapurar a eficácia desta técnica e suas conse-quências a longo-prazo1,11,32.

Nos tumores com grande componentequístico, a instilação de radioisótopos ebleomicina pode ser benéfica.

A radiocirurgia estereotáxica permite aadministração de uma dose elevada deradiação ionizante, numa única sessão ecom alta precisão, com mínimo efeito noci-vo sobre o tecido circundante. O volumetumoral e a proximidade a estruturas críti-cas condicionam a sua aplicação33. A dosemáxima tolerada para o sistema visual e osnervos cranianos são respectivamente 10 e15 Gy. Remissão completa ou parcial foiconseguida em 67-90% dos tumores (sobre-tudo se < 4,2cm3 ou diâmetro < 2cm), quercomo tratamento inicial ou de recidivas. Aradiocirurgia estereotáxica tem indicaçãosobretudo nos tumores residuais bem deli-mitados após cirurgia ou nos tumorespequenos, sólidos, recorrentes, após má res-posta à RT convencional1,11.

Os dados sobre a utilização de quimiote-rapia, interferon α, e a radioterapia estereo-táxica multifraccionada na abordagem doCF são ainda muito limitados.

PROGNÓSTICO

A análise de possíveis factores de riscopara a recidiva do CF (grupo etário no diag-nóstico, sexo, características imagiológicas,localização, consistência, subtipos histológi-cos e imunorreactividade para o marcadorde proliferação tumoral MIB-1) não temmostrado resultados sólidos, à excepção damodalidade terapêutica escolhida. Na popu-lação pediátrica, tem sido sugerido que idadeinferior a 5 anos constitui um factor prediti-vo significativo de recidiva tumoral1,6, 13,23.

Quer a lesão provocada pelo tumor pri-mário ou recidivante, quer os efeitos adver-

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sos do tratamento nas estruturas cerebraisvizinhas traduzem-se em sequelas endócri-nas, visuais, hipotalâmicas, cognitivas ecomportamentais que comprometem a qua-lidade de vida e a integração psicossocialdos doentes com CF.

A frequência dos défices hipofisáriosvaria entre 88% -100% para GH, 80% -95%para FSH/LH, 55% -88% para ACTH, 39% -95% para TSH e 25% -86% para a hormonaanti-diurética1 (no pós-operatório imediato,cerca de 90% dos doentes desenvolvem DI3).Aparentemente a morbilidade endócrina alongo prazo não está relacionada com aopção terapêutica, à excepção da diabetesinsípida sintomática, que é mais comumnos doentes submetidos a cirurgia. Os défi-ces hormonais pré-existentes geralmentenão normalizam com a cirurgia1.

As complicações visuais em doentes ope-rados com ou sem RT, seguidos durante 10anos, variam entre 33 a 62,5%6,13,27. A pre-sença de manifestações visuais na altura dodiagnóstico e utilização de radiação supe-rior a 2 Gy/dia comprometem seriamente oprognóstico oftalmológico1.

A disfunção hipotalâmica é igualmenteimportante, resultando em hiperfagia, obesi-dade, alterações cognitivas, do comporta-mento, do sono, da sede, do equilíbrio hidroe-lectrolítico e perda do controlo térmico1,3. Asalterações da sede são difíceis de abordar e apresença de hipodipsia ou adipsia dificulta otratamento da DI3,17. A obesidade, manifesta-ção hipotalâmica mais comum, presente em26% -61% dos doentes submetidos a cirurgia±RT, é secundária à alteração dos mecanis-mos que controlam a saciedade, fome ebalanço energético1,34. Duas hipóteses são pro-postas para o desenvolvimento da obesidade:uma defende que a lesão dos centros hipota-lâmicos que controlam o apetite (núcleo ven-tromedial) resulta em hiperfagia, seguida deobesidade e hiperinsulinémia3,28. A segundateoria sustenta que ocorre uma desinibiçãodo estímulo eferente do nervo vago, provo-cando a hipersecreção de insulina pela célula

β pancreática. A obesidade hipotalâmica, fre-quentemente, traduz-se em complicaçõesmetabólicas e psicossociais graves. O trata-mento da obesidade representa um autênticodesafio para o endocrinologista. A sua com-plexidade é exacerbada pelo aumento dasonolência diurna, decréscimo dos níveis demelatonina nocturnos e por conseguinte,pela redução da actividade física, descritosnas crianças com CF34. Além das modificaçõesdo estilo de vida, tratamento psicológico, far-macológico, e por vezes, cirurgia bariátricasão necessários3.

São sugeridos como factores de riscopara a morbilidade hipotalâmica: idade (osmais novos estão em maior risco), presençade sintomas hipotalâmicos no diagnóstico,invasão hipotalâmica, altura do tumor nalinha média superior a 3,5cm, remoçãotumoral adjacente ao hipotálamo, múlti-plas cirurgias e doses de radiação hipotalâ-mica superiores a 51 Gy1. Nos doentes comtumores de grandes dimensões, hidrocefaliaou envolvimento hipotalâmico, que sãosubmetidos a cirurgia radical, a probabili-dade de morbilidade hipotalâmica aumen-ta (>50%), bem como a mortalidade perio-peratória (2,5%-10%) e mortalidade a longoprazo (11-28%)3,14,24.

As sequelas neuropsicológicas e cogniti-vas contribuem para maus resultados esco-lares e profissionais, assim como, para a máqualidade de vida e dificuldade nas relaçõesfamiliares e sociais dos doentes com CF.Cerca de um quarto dos adultos ou criançassão incapazes de retomar a sua ocupaçãoprévia ou não correspondem às expectati-vas escolares; 9% tornam-se completamen-te dependentes de terceiros para as activida-des de vida diária, num período de 10 anos6.Actualmente, não existe consenso na opçãoterapêutica com menor impacto no prog-nóstico neurocomportamental e faltamestudos prospectivos para avaliar adequa-damente estes parâmetros antes e após tra-tamento.

Para além da morbilidade substancial,

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os doentes com CF têm taxas de mortalida-de 3 a 6 vezes maior que a população emgeral, com sobrevida aos 10 anos variávelentre 83% e 97%. Antes de 1980, a taxa demortalidade aos 5 e aos 10 anos de segui-mento rondava os 50%1,3,6,14,26,35. O risco demortalidade por doença respiratória estáaumentado, bem como por patologia car-dio/cerebrovascular (cerca de três vezesmais)28. O hipoadrenalismo com hipoglice-mia associada e as consequências metabóli-cas do défice de hormona antidiurética e daausência do estímulo da sede podem sermotivos relevantes para a mortalidadeentre as crianças17. A recidiva tumoral tra-duz-se em redução da sobrevida aos 10 anosde follow-up, sendo entre 29 a 70% median-te as estratégias terapêuticas escolhidas1.

ALGORITMO DE TRATAMENTO

Até ao momento, não existe nenhumconsenso sobre a abordagem ideal para otratamento dos doentes com CF, primárioou recorrente. Nesta revisão, adoptámos oalgoritmo apresentado em 2006 porKaravitaki1.

Em primeiro lugar, é proposto paratodos os doentes com suspeita imagiológicade craniofaringeoma, algum tipo de inter-venção terapêutica, uma vez que não exis-tem dados suficientes para apoiar apenas avigilância do doente com provável CF semsintomas compressivos significativos.

Nos doentes com manifestações com-pressivas, é necessária a ressecção cirúrgica(a aspiração do líquido em tumores quísti-cos facilita posteriormente a cirurgia). Nãohavendo risco para estruturas cerebrais crí-ticas e na presença de um neurocirurgiãoexperiente, deve-se optar pela remoçãototal do tumor. Se esta não for possível, érecomendada RT pós-operatória, atendendoao risco de crescimento do tumor residual ea maior morbimortalidade associadas areintervenções cirúrgicas. A utilização de RT

é controversa nas crianças, e os riscos datoxicidade da radiação têm de ser contraba-lançados com a hipótese de recidiva nofuturo.

Em tumores pequenos sem sintomascompressivos, a RT antecedida por biópsia,para confirmação do diagnóstico, é umaalternativa à cirurgia. Se a lesão for predo-minantemente quística, é recomendada aaspiração inicial do líquido para evitar opossível aumento do quisto durante a RT.

Nos tumores recidivantes, a opção tera-pêutica está condicionada à gravidade clí-nica e às modalidades de tratamento ante-riores. A RT pode ser benéfica em casos nãopreviamente irradiados. Quando estasintervenções falham, o controlo local dadoença deve ser individualizado: radiocirur-gia estereotáxica, irradiação ou bleomicinaintraquísticas e desbaste cirúrgico.

CONCLUSÕES

Os craniofaringeomas são tumores rarosna região selar e parasselar, diagnosticadosem crianças ou adultos. Embora sejam histo-logicamente benignos, podem ser clinica-mente agressivos com invasão local dasestruturas vizinhas e recorrências frequentes.A abordagem terapêutica mais adequadanão é consensual, mas a tentativa de remo-ção completa do tumor parece ser preferen-cial. Na presença de invasão hipotalâmica épreferível a remoção subtotal com radiotera-pia posterior. A morbilidade a longo prazo ésubstancial, envolvendo geralmente seque-las endócrinas, hipotalâmicas, visuais, cog-nitivas e neurocomportamentais. Estes doen-tes necessitam de um seguimento a longoprazo, multidisciplinar, que consiga suprirapropriadamente os seus défices.

A identificação de factores de prognósti-co moleculares ou imunohistológicos podeser uma arma importante na decisão tera-pêutica. São, ainda, necessários mais estu-dos sobre o impacto das mais recentes

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modalidades terapêuticas e melhor com-preensão dos mecanismos da obesidadehipotalâmica, de modo a oferecer umaabordagem mais adequada e eficaz a estaimportante complicação.

Por continuar a ser um desafio na suaabordagem, Rutka escreveu sobre estestumores em 2002: “There is perhaps noother primary brain tumour that evokespassion, emotion, and as a result, contro-versy than does the craniopharyngioma”36.

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Deficiência de Vitamina D eHiperparatiroidismo Vitamin D Deficiency and Hyperparathyroidism

Joana Mesquita, Ana Varela, Davide CarvalhoServiço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo do Hospital de São João, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

Correspondência: Dra. Joana Mesquita › Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo do Hospital de São João › Faculdade deMedicina do Porto › Alameda Prof. Hernâni Monteiro › 4200-319 PORTO › [email protected]ção: Artigo recebido em 27/10/2010, revisto em 08/12/2010 e aceite para publicação em 15/12/2010.

RESUMO

A deficiência de vitamina D parece ser bastante frequente, mesmo em adultos saudáveis, o

que tem sido atribuído a carências alimentares, baixa exposição solar, diminuição da síntese

cutânea de vitamina D com a idade e ao uso de protectores solares. É em geral assintomáti-

ca pelo que o diagnóstico é bioquímico. Caracteriza-se por níveis diminuídos de calcidiol,

podendo associar-se a elevação da paratormona e cálcio sérico normal (muitas vezes no limi-

te inferior da normalidade) ou diminuído. O seu tratamento inclui a normalização e a manu-

tenção dos níveis de calcidiol.

Para além do já referido hiperparatiroidismo secundário, pode verificar-se a coexistência de

hiperparatiroidismo primário com a deficiência de vitamina D, o que é particularmente fre-

quente em idosos, e pode passar despercebida.

PALAVRAS-CHAVE

Vitamina D; Hiperparatiroidismo; Cálcio.

ABSTRACT

Vitamin D deficiency is a common problem, even in healthy adults, which has been attributed to

diet, low sun exposure, decreased cutaneous synthesis of vitamin D with age and use of sun-

screens. It is usually asymptomatic so the diagnosis is biochemical. It is characterized by decreased

levels of calcidiol, and may be associated with elevation of serum parathormone and normal cal-

cium (often at the lower limit of normal) or decreased. Its treatment includes normalization and

maintenance of calcidiol levels.

In addition to the above secondary hyperparathyroidism, there may be a coexistence of primary

hyperparathyroidism with vitamin D deficiency, which is particularly common in the elderly, and

may go unnoticed.

KEY-WORDS

Vitamin D; Hyperparathyroidism; Calcium.

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INTRODUÇÃO

O cálcio desempenha funções fisiológi-cas importantes que exigem a manutençãodos seus níveis séricos entre limites estreitos.Para tal existe um conjunto de factores hor-monais – vitamina D, paratormona (PTH),calcitonina – que actua no fígado, no rim,no osso e tubo digestivo de forma organiza-da e complexa.1

A vitamina D desempenha um conjuntode funções importantes a nível esquelético,mas também na regulação das célulashematopoiéticas e na função muscular. Asua actividade imunomoduladora pode serexplicada por também ser sintetizada pelosmacrófagos e daí poder observar-se hiper-calcemia e elevação dos níveis de calcitriolnalgumas granulomatoses.1,2,3 A sua maisimportante acção biológica no metabolis-mo fosfo-cálcico é promover a diferenciaçãodo enterócito e a absorção intestinal de cál-cio e fósforo fundamentais para a minerali-zação óssea.1,4,5

A carência em vitamina D interfere comestes processos, causando por vezes hipocal-cemia e hipofosfatemia. Dado que a a hipo-calcemia estimula a libertação de PTH, estamuitas vezes é mascarada. O hiperparati-roidismo secundário, através das suasacções no osso e no rim, corrige parcialmen-te a hipocalcemia mas facilita a excreçãourinária de fósforo, contribuindo para oaparecimento de hipofosfatemia.1,6,7,8 É umproblema comum em particular nos ido-sos.3,7,9,10 A adequada exposição solar e asuplementação de produtos lácteos comvitamina D têm procurado minorar estefenómeno.11,12

A PTH é uma hormona hipercalcemian-te. O principal regulador da sua secreção éo cálcio ionizado. O hiperparatiroidismoresulta de um aumento da actividade dasglândulas paratiroides, causado por umaalteração intrínseca na produção de PTH,como é o caso do hiperparatiroidismo pri-mário (PHPT) ou do terciário; ou uma alte-ração extrínseca que afecta a homeostasia

do cálcio, com consequente estimulação dalibertação da PTH (hiperparatiroidismosecundário).13

No que respeita ao hiperparatiroidismosecundário, embora sejam inúmeras as suascausas, poderá destacar-se a insuficiência renalcrónica e a deficiência de vitamina D, sendoesta última alvo de análise neste artigo.1,13

VITAMINA D

A vitamina D ou calciferol é um termoque engloba um grupo de compostos solú-veis nos lípidos com um esqueleto de 4 anéisde colesterol.18 Inclui duas formas princi-pais: vitamina D3 ou colecalciferol e vitami-na D2 ou ergocalciferol.1,6,14 A 1,25(OH)2D oucalcitriol é a forma biologicamente activada vitamina D. O local de síntese endógenada vitamina D é a pele,2,5,11 mas esta podetambém ser obtida por meio de ingestão ali-mentar. Gema de ovo, óleo de peixe e defígado de bacalhau são possíveis fontes die-téticas desta vitamina que tem sido adicio-nada ao leite em países desenvolvidos.11 Napele, o 7-desidrocolesterol está presente emgrandes quantidades nas membranas celu-lares dos queratinócitos da epiderme.Através da acção fotolítica da luz ultraviole-ta B, o anel β do 7-desidrocolesterol é que-brado formando a pré-vitamina D3.5 Esta éinstável, sendo rapidamente isomerizadaem vitamina D3, através da energia térmi-ca.2 A síntese de pré-vitamina D3 geralmen-te atinge níveis máximos ao fim de algu-mas horas, sendo esta produção dependen-te de quantidade de energia UVB (latitude,estação, hora do dia, nuvens), quantidadede pele exposta, duração da exposição etipo de pele, estando limitada a 10000-20000UI/dia.5 Quando há uma exposiçãoexcessiva aos raios ultravioleta ocorre umdesvio para formação de produtos biologi-camente inactivos.1,2

No homem, a vitamina D2 tem potênciabiológica semelhante à vitamina D3. Ambassão convertidas no fígado em 25-hidroxivi-

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tamina D (25(OH)D), também chamada decalcifediol ou calcidiol e, posteriormente,são convertidas nos rins (túbulos proximais)em 1,25-diidroxivitamina D (1,25(OH)2D),também chamada de cacitriol através da25(OH)D-1α-hidroxilase.1,6,14 Na circulação,ambas são principalmente transportadaspor uma α-globulina sintetizada no fígado,a proteína transportadora de vitamina D(DBP).1

Os avanços na cromatografia líquidaacoplada à espectrometria de massas(LC/MS) permitiram a determinação direc-ta da 25(OH)D no soro humano. Este testemede quantitativamente a 25(OH)D2 e a25(OH)D3 individualmente, sendo osníveis de 25(OH)D o somatório das duasformas.6

ACÇÕES DA VITAMINA DA vitamina D exerce a maioria das suas

acções através do receptor nuclear da vita-mina D (VDR)1,3,4 que está largamente distri-buído por todo o organismo. Ao ligar-se aoseu receptor inicia uma série de eventos queafectam a proliferação e diferenciação celu-lares, a inflamação, o sistema imune, e osistema endócrino (incluindo a homeostasiado fósforo e do cálcio,4 a insulinorresistên-cia,2,4,5 a obesidade2 e o metabolismo lipídi-co) e o sistema renina-angiotensina, o quepode ter implicações no desenvolvimentoda hipertensão arterial e na progressão danefropatia diabética.4

Existem mais de 800 genes humanosque podem ser regulados pelo receptor davitamina D4 e esta é reconhecida não sópela sua importância para o metabolismoósseo, mas também por poder reduzir orisco de neoplasias1,3,6,9,15 (por exemplo, carci-noma da próstata, cólon, mama,3,4,5 pul-mão, linfoma,4 melanoma),14 doença car-diovascular,4,5,6,9,15 doenças auto-imunes,5,6,9

outras doenças crónicas como a diabetesmellitus3,4,5,14 e a dor crónica,4 infecções,2,4

bem como ser importante no funcionamen-to neuro-muscular6,8,9 e na mortalidade glo-bal.2

HOMEOSTASIA MINERALA principal função dos metabolitos da

vitamina D é a regulação da homeostasiado cálcio e do fósforo, em conjunto com aPTH,1 actuando no tracto gastro-intestinal(acção primordial), no osso, e no rim,1,5 esti-mulando, respectivamente, a absorçãointestinal de cálcio1,4,15 (sobretudo no duode-no e no jejuno),16 a sua mobilização damatriz óssea1,4,15 e a sua reabsorção renal15

através do epitélio (papel que permanececontroverso).1

A produção de 1,25(OH)2D no rim a par-tir de 25(OH)D por acção da 1-hidroxilase éestimulada pela PTH1,2,3 e pelo IGF-I (factorde crescimento tipo insulina I) e é inibidapelo FGF23 (factor de crescimento derivadodo fibroblasto)1,2 e níveis elevados de cálcio1,3

e fosfato. O FGF23 ou fosfatonina é produzi-da no osso, pelos osteócitos,2 e noutros teci-dos e é regulada pelos níveis séricos de fos-fato. Inibe a produção de vitamina1,25(OH)2D e bloqueia a reabsorção renalde fósforo sérico. O cálcio inibe a 1-hidroxi-lase, inibe a secreção de PTH e diminui aprodução de 1,25(OH)2D. O fosfato estimulaa FGF23 e inibe a produção de hormona decrescimento pela hipófise, levando à dimi-nuição da produção de IGF-I.1 Por seu lado,a 1,25(OH)2D exerce efeito de retrorregula-ção negativa na produção de PTH, querdirectamente, quer pela elevação do cálcio.3

Além disso a 1,25(OH)2D inibe a sua pró-pria síntese e estimula a produção de24,25(OH)2D, que é um produto terminal docatabolismo 25(OH)D e 1,25(OH)2D.1

Quando ocorre uma diminuição transi-tória do cálcio, a PTH sérica aumenta, o queestimula a libertação de cálcio e fosfato peloosso e a retenção de cálcio pelos rins, acom-panhada de fosfatúria. Por seu lado, oaumento da PTH, juntamente com a dimi-nuição do cálcio e fósforo séricos, leva à sín-tese renal de 1,25(OH)2D, o que aumenta aabsorção de cálcio intestinal e aumentaainda mais a reabsorção óssea.1

Há também produção extra-renal de1,25(OH)2D1,3,12 em macrófagos e queratinó-

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citos estimulada por citoquinas como ointerferão gama e o factor de necrose tumo-ral alfa1,3 o que explica a hipercalcemia eníveis elevados de 1,25(OH)2D em doentescom sarcoidose, linfomas e outras doençasgranulomatosas.1

A 25(OH)D sérica é o barómetro do estadoda vitamina D (deficiência, insuficiência, sufi-ciência ou intoxicação)2,6,12 e constitui a princi-pal forma circulante de vitamina D,6,12 ou seja,é o metabolito da vitamina D mais estável nosoro humano, o que parece resultar da maiorafinidade desta para a DBP e outros membrosda superfamília da albumina,2 apresentandouma semi-vida de cerca de 2-3 semanas.6,12

Resulta do somatório da vitamina ingerida eda produzida por exposição solar. A1,25(OH)2D, embora seja a forma activa davitamina D, não fornece informação acercado estado da vitamina D e frequentementeestá normal ou até elevada devido ao hiper-paratiroidismo secundário associado à defi-ciência desta vitamina6,12 que leva ao aumen-to da actividade 1-hidroxilase.1 Outras razõespara o seu doseamento ser inadequado são asua semi-vida em circulação de 4-6 horas6,12 eos seus níveis séricos serem cerca de 1000 vezesinferiores aos de 25(OH)D.2,6,12

De notar que uma distinção importanteentre os sistemas vitamina D-hormona(reguladora do homeostasia mineral) e vita-mina D-citoquina (sintetizada pelos monó-citos-macrófagos, actuando de forma intra-crina para modular a resposta imune aosagentes microbianos invasores) é que sehouver défice de 25(OH)D, tal como já foireferido, há estimulação da 1-hidroxilaserenal para produzir 1,25(OH)2D devido aohiperparatiroidismo secundário, enquantoa 1-hidroxilase extra-renal leva a diminui-ção da produção de 1,25(OH)2D.2

Não há consenso no que respeita o inter-valo de normalidade para a vitamina25(OH)D.6,8 A maioria dos especialistas con-corda que uma 25(OH)D<20ng/mL(50nmol/L) é considerada deficiência devitamina D, enquanto uma 25(OH)D de 20-30ng/mL (50-75nmol/L) é considerada insu-

ficiência.6,2,9 O próprio limite superior da nor-malidade tem sido questionado, tendo emconta, por exemplo, que nadadores salvado-res que estão muito expostos ao sol tipica-mente têm níveis de 100-125ng/mL e não hánenhum caso descrito de intoxicação porvitamina D resultante da exposição solar.6

DEFICIÊNCIA DE VITAMINA D

Estima-se que até 36% dos adultos sau-dáveis tenham níveis inadequados de vita-mina D, com percentagens mais elevadasnos idosos e doentes hospitalizados.7 A defi-ciência de vitamina D constitui um proble-ma em todos os grupos etários,10 em todo omundo,10,14,17 mesmo em climas com sol12 eestá a agravar-se.2 Os factores de risco sãodieta pobre em vitamina D, exposição solarinadequada,1,14,15,18,19 trabalho em meiosfechados,14,19 idade superior a 65 anos, ama-mentação exclusiva, sedentarismo,9 malab-sorção intestinal,3,11 obesidade,2,3,9 parto pre-maturo, pigmentação da pele,3 fármacos(como anti-epilépticos1,9 e glucocorticoides),9

factores étnicos e culturais.18

1 – IDADEOs idosos têm elevada prevalência de

carência de vitamina D, que pode ultrapas-sar os 75% nos residentes em lares.3 Tal podedever-se a vários factores: menor produçãocutânea de vitamina D com a idade,3,7,8 reser-vas de vitamina D diminuídas com a idade,especialmente no Inverno,8 e ingestão dimi-nuída (50% das mulheres idosas consomemmenos de 137UI/dia de vitamina D e quase25% consomem menos de 65U/dia).8

2 – TIPO DE PELEA eficiência da síntese de vitamina D

pela pele depende do número de fotões UVBque penetram na epiderme. Um aumentona pigmentação cutânea absorve os fotõesUVB e pode diminuir marcadamente a pro-dução de vitamina D3 em mais de 90%.18

Assim, indivíduos com pele clara podem

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sintetizar vitamina D suficiente com 10-15minutos de exposição solar dos braços, mãos,face e/ou costas cada dia, sem protector solar,desde que as condições solares e/ou índice UVsejam satisfeitas. Esta exposição permite atin-gir as necessidades diárias de 400-1000UI. Porseu lado, indivíduos de pele escura requeremexposição UVB mais prolongada.14

3 – EXPOSIÇÃO SOLAREstá bem estabelecido que a latitude, a

época do ano e a altura do dia exerceminfluência considerável na produção cutâ-nea de vitamina D3.12 Os níveis de 25(OH)Dtêm variação sazonal, com valores maisaltos e mais baixos, respectivamente no fimdo Verão e no fim do Inverno.5 Durante oVerão, a luz solar é capaz de produzir vitami-na D3 das 7 às 17 horas, com um pico de pro-dução de pré-vitamina D3 às 12:30 horas.12

Outros factores, como o uso de protectorsolar, a quantidade de melanina da pele, otipo de roupa que se usa, bem como outrassituações que reduzem a exposição UVB cutâ-nea diminuem a produção desta vitamina.12

Assim, por exemplo, a institucionalização1 ea poluição atmosférica podem reduzir osníveis de UVB efectivos.18 Por seu lado, o usode cremes protectores solares que impedem aporção UV da luz solar de atingir as camadasinferiores da epiderme também podem con-tribuir para a deficiência de vitamina D.1 Porexemplo, o uso dum protector solar factor 15(aplicado adequadamente) reduz a síntese depré-vitamina D em mais de 99%.5

4 – LATITUDENa Europa, os níveis séricos de 25(OH)D

são mais elevados nos países do norte doque do sul, ou seja, há uma relação positivacom a latitude, contrariamente ao que seriade esperar3 se tivéssemos em conta a inten-sidade da luz solar que tende a ser menorquanto maior a latitude.1 Isto pode dever-sea maior exposição solar, pele mais clara emaior uso de multivitamínicos nos paísesdo norte, comparativamente aos paísesmediterrânicos.3

5 – MALABSORÇÃOIndivíduos com patologia do intestino

delgado, doenças pancreáticas, doençasbiliares, submetidos a gastrectomia parcialou a cirurgia de bypass têm uma capacidadereduzida de absorver vitamina D da dieta.5

6 – ALIMENTAÇÃOA vitamina D é uma vitamina lipossolú-

vel que está presente de forma natural empoucos alimentos,12,14,18 mas por vezes é adi-cionada como suplemento.14 Esta pode serencontrada no leite fortificado,11 nos peixesgordos, como o salmão,2 no óleo de fígadode bacalhau11,20 e em menor extensão nosovos.11 Nos Estados Unidos da América, oleite é fortificado com vitamina D2 ou vita-mina D3. Noutros locais, a fortificação é doscereais e do pão.11

7 – FÁRMACOSO uso de anti-epilépticos e/ou outros fár-

macos que afectam o metabolismo da vita-mina D podem levar à sua carência.9 Porexemplo, os glicocorticoides suprimem ainflamação e subsequentemente a actividade1α-hidroxilase e antagonizam a acção da1,25(OH)2D.1 Por seu lado, fármacos, como afenitoina e o fenobarbital, activam o catabo-lismo da vitamina D e dos seus metabolitos.1

8 – OBESIDADEA deficiência de vitamina D é frequente

na obesidade,21,22 mesmo antes da cirurgiabariátrica,21 recomendando-se monitorizarpor rotina os níveis de 25(OH)D nos obesos,para implementar a suplementação comesta vitamina, sempre que necessário.22

As suas causas não estão bem esclareci-das. Foi proposto que se deve a aumento doclearance da vitamina a partir do soro21 eaumento do armazenamento desta vitami-na pelo tecido adiposo,16,21,22 atendendo aque se trata de um vitamina lipossolúvel.2

Além disso, após exposição corporal UVB,os obesos aumentam menos de 50% osníveis de 25(OH)D comparativamente aosindivíduos magros.23 Outras explicações são

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a exposição solar limitada,16,21 o consumoinadequado desta vitamina22 e a redução dasíntese hepática de 25(OH)D por parte deum fígado funcionalmente comprometidopela esteatose. Também foi sugerido que háredução da biodisponibilidade da vitaminaD a partir das reservas cutâneas e da dieta.21

Por seu lado, a carência de vitamina Dpode, por si mesma, aumentar o peso corpo-ral, pelo que mutações do VDR ou da 1α-hidroxilase têm o efeito oposto, prevenindo aacumulação de gordura abdominal e oganho de peso.2 De facto, o défice de vitami-na D leva a hiperparatiroidismo secundáriocom consequente estimulação da 1α-hidroxi-lase renal, mantendo os níveis de 1,25(OH)2Dnormais até o substrato 25(OH)D no sangueser menor que 4ng/mL. O receptor da vitami-na D pode causar aumento da massa gorda,por mecanismos ainda desconhecidos. Porseu lado, esse aumento, faz com que hajamaior volume de distribuição de vitamina D,surgindo um ciclo vicioso que agrava aindamais a sua deficiência. Actualmente algunsdados sugerem que a leptina medeia umaretrorregulação negativa que interrompe esteciclo de acumulação de gordura. O aumentoda massa gorda associa-se a aumento da lep-tina sérica derivada do tecido adiposo. Estapode inibir a expressão do gene e a activida-de da 1α-hidroxilase no rim e/ou no tecidoadiposo.2

Além da obesidade, também a cirurgiabariátrica pode aumentar o risco de carênciade vitamina D.16 Muitos estudos não encon-tram uma mudança significativa no estadodesta vitamina após cirurgia,21 mas os resul-tados são contraditórios. Outros estudos mos-tram que pode haver agravamento da defi-ciência de vitamina D pós-operatoriamente,mesmo com suplementação desta vitamina ede cálcio, ou seja, não é corrigida pela perdade peso significativa após a cirurgia da obesi-dade e pode ainda ser exacerbada pelamalabsorção acompanhante.21 Por exemplo,a cirurgia de bypass gástrico em Y de Rouxassocia-se a esta deficiência devido à malab-sorção induzida pelo rearranjo anatómico

associado, potencialmente exacerbado peladieta pós-operatória.16 Além disso, os níveis decálcio e vitamina D diminuem após cirurgiabariátrica e desenvolve-se um hiperparatiroi-dismo secundário.16 A PTH aumenta a produ-ção de 1,25(OH)2D, por estimulação da 1α-hidroxilase,12 levando a uma retrorregulaçãonegativa na produção hepática de 25(OH)D,o que, potencialmente, pode agravar a defi-ciência desta vitamina.12,16 Por outro lado,outros estudos demonstraram que os níveis de25(OH)D podem subir significativamente nosdoentes extremamente obesos após a cirurgiade bypass intestinal que induz uma reduçãorápida na massa gorda,2 com consequenteaumento da biodisponibilidade de vitaminaslipossolúveis, incluindo vitamina D.Adicionalmente, doentes anteriormente comobesidade mórbida podem aumentar a expo-sição solar nomeadamente por maior mobili-dade e auto-confiança após a perda de peso.16

Não há dados congruentes sobre asnecessidades de vitamina D em doentes sub-metidos a cirurgia bariátrica.21 Uma vez queos obesos respondem à produção cutânea evitamina D oral de forma menos eficientedo que os indivíduos com peso normal, seránecessário administrar uma dose desta vita-mina que ultrapasse a limitação da malab-sorção.21 Aliás, a deficiência de vitamina Dtende a persistir nos doentes sob suplemen-tação16 com doses de por exemplo 800UI,21 oque sugere que esta população requer dosessignificativamente maiores do que é tipica-mente recomendado.16

O diagnóstico de deficiência de vitami-na D passa muitas vezes despercebido, por-que os sinais e sintomas são inespecíficos edesenvolvem-se lentamente. Podem incluirfadiga,18 fraqueza muscular proximal,1,9,18

dores musculares, dores ósseas, por exemplono fundo do dorso, pelve ou extremidadesinferiores ou quando se aplica pressão noesterno ou tíbia.9 A deficiência de vitaminaD também pode ser reconhecida em indiví-duos com aumento do risco de quedas, per-turbação da função física9 e aumento do

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risco de fracturas.18

A deficiência grave de vitamina D emcrianças resulta no raquitismo, enquanto nosadultos pode precipitar/perpetuar osteopeniae osteoporose, ou causar osteomalácia.18

Contudo, actualmente, a deficiência manifes-ta de vitamina D, caracterizada por hipocal-cemia, hipofosfatemia e raquitismo ou osteo-malácia, é rara, mas a deficiência subclínicaé muito frequente e pode contribuir para odesenvolvimento de osteoporose.8

Necessidades de vitamina DHá autores que defendem que as neces-

sidades diárias de vitamina D são de cercade 400UI,1,14 sendo 1 unidade internacionalequivalente a 0,025µg de vitamina D,1 masoutros dizem que estarão próximas de8008,20 a 1000UI/dia.8,14 Aliás, alguns estudosem adultos apontam para que uma suple-mentação de 700-800UI/dia se associa amenor taxa de quedas e fracturas.9

A Academia Americana de Pediatriarecomenda que as crianças tenham umaingestão de vitamina D de pelo menos400UI/dia, a partir da dieta e dos suplemen-tos, para prevenir a sua deficiência.9 Note-seque se recomenda administrar suplementosàs crianças que são exclusivamente alimen-tadas pela amamentação, porque o leitehumano é pobre nesta vitamina.11

De notar que a maior parte dos multivi-tamínicos23 e dos leites de fórmula contêm400UI de vitamina D.11

É ainda de referir que não se justifica fazero rastreio dos níveis de 25(OH)D na popula-ção geral.8 Se um indivíduo aparentementesaudável estiver preocupado com a possibili-dade de insuficiência desta vitamina, a esco-lha lógica é a suplementação de vitamina Doral cerca de 8008 a 1000UI/dia,23 sobretudonos meses de Inverno, uma vez que indepen-dentemente dos níveis de 25(OH)D, o risco detoxicidade com esta dose é negligenciável.Não há, pois, vantagem em monitorizar roti-neiramente os níveis séricos de 25(OH)D,uma vez que tal tem custos muito mais eleva-dos do que a suplementação diária de acordo

com as recomendações gerais. Contudo, asua determinação parece fazer sentido emcasos de sinais/sintomas inexplicados consis-tentes com défice/toxicidade pela vitaminaD.23 Alguns autores defendem que este ras-treio se justifica em institucionalizados,5,8

indivíduos com evicção do sol, refugiados,5

condições de malabsorção (por exemplo,doença celíaca),5,8 áreas de elevada prevalên-cia de deficiência de vitamina D,5 indivíduosem que se considera fazer tratamento daosteoporose,2,5,8 obesos,2 indivíduos com dormusculo-esquelética idiopática crónica ougrávidas, sobretudo se forem de raça negra.5

A DGS (Direcção Geral de Saúde) publi-cou em Abril de 2008 uma CircularInformativa que aconselha a suplementaçãode vitamina D em idosos com mais de 65anos numa dose de 700-800UI/dia. No entan-to, salienta que os suplementos de cálcio evitamina D não substituem o tratamentocom anti-osteoporóticos (bifosfonatos, ranela-to de estrôncio, teriparatide). Nas pessoas ido-sas com idade superior a 65 anos com osteo-porose recomenda-se, pois, a combinação desuplemento de cálcio e vitamina D ao trata-mento com fármacos anti-osteoporóticos.24

Tratamento da deficiência de vitamina DO objectivo do tratamento é a normali-

zação dos níveis de vitamina D,9 bem comodas manifestações clínicas, bioquímicas eradiológicas, sem produzir hipercalcemia,hiperfosfatemia, hipercalciúria, nefrolitíaseou calcificação ectópica.1

Em termos gerais, o tratamento da insu-ficiência/deficiência de vitamina D tem duasfases: restauração dos níveis de 25(OH)Dpara valores superiores a 30ng/mL e manu-tenção destes neste intervalo.2,5 Nos indiví-duos com absorção normal, por cada100U/dia de vitamina D3, há um aumentode cerca de 1ng/mL na concentração séricade 25(OH)D.8,23

Há vários regimes para o tratamento dadeficiência/insuficiência de vitamina D,

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sendo que a frequência das doses parece sermenos importante do que a quantidadecumulativa.8 Um possível tratamento dadeficiência de vitamina D é a administraçãoinicial de 50000UI de vitamina D2 ou D3 oral1 vez/semana, durante 6-8 semanas8,9 e, pos-teriormente, 800-1000UI de vitamina D3 dia-riamente,8,9 a partir da alimentação e/ousuplementos.9 Por seu lado, a insuficiênciarequer tratamento com 800-1000UI de vita-mina D3 diariamente. Isto causa elevação da25(OH)D para valores de 30ng/mL numperíodo de 3 meses, mas muitos indivíduosnecessitam de doses maiores.8 Se considerar-mos o grupo das crianças, a deficiência devitamina D pode ser tratada com doses diá-rias de 1000-5000UI orais durante 2-3 meses.Doses semanais de 50000UI durante 6 sema-nas parecem ser igualmente eficazes. Por seulado, nas grávidas, doses semanais de carganão foram adequadamente estudadas, peloque quer no défice, quer na insuficiência, areposição deve ser mais lenta, com 800-1000UI de vitamina D3 diariamente.8 Háquem opte por usar 3000-5000UI/dia duran-te 6-12 semanas em adultos, 1000UI/dia emcrianças com menos de 1 mês, 3000UI/diaem crianças entre 1-12 meses e 5000UI/diaem crianças com mais de 12 meses, paranormalizar as reservas de vitamina D.5

Outros autores advogam que a deficiêncianutricional de vitamina D responde a dosesorais de 2000-4000U de vitamina D/diadurante vários meses, seguida de doses desubstituição de 800U/dia.1

Nos estados de malabsorção, as dosesorais e duração do tratamento dependemda capacidade absortiva desta vitamina,podendo ser necessárias doses superiores a10000-50000UI/dia em doentes com gas-trectomia ou malabsorção.8

Os níveis séricos de 25(OH)D devem seravaliados cerca de 29 a 3 meses depois doinício do tratamento, podendo ser necessá-rio ajustar-se as doses.8,20 Se os valores pre-tendidos não tiverem sido atingidos, o doen-te deve receber um segundo curso de 8semanas de ergocalciferol.9 O tempo ideal

para reavaliar os níveis séricos não estábem definido, mas se não se atingir umavalor >30ng/mL, o mais provável é a nãoaderência ao tratamento ou a malabsor-ção.9 Geralmente, doses de suplementaçãoaté 800UI não necessitam de follow-up dacalcemia.25

De referir ainda, que a vitamina D deveser suplementada com 1000/1200mg1,8,20 a3000mg de cálcio elementar por dia,1

podendo o cálcio ser encontrado nos ali-mentos e nos suplementos dietéticos.20

Os sinais e sintomas de deficiência devitamina D são rapidamente abolidos peloaumento dos níveis de 25(OH)D por suple-mentação ou exposição UV.23 Além disso,esta suplementação pode normalizar aremodelação óssea, bem como reduzir orisco de fracturas e de quedas.26

Qual a melhor forma de tratar a defi-ciência de vitamina D?Existem múltiplas preparações de vita-

mina D e dos seus metabolitos para o trata-mento da deficiência de vitamina D.Normalmente usa-se a vitamina D, em vezdos seus metabolitos, uma vez que é maisbarata. As duas formas disponíveis desuplementos são a D2 e a D3

5,8 que diferemnas cadeias laterais: a primeira tem umgrupo metil no C24 e uma ligação duplaentre C22 e C23.1,14 Estas alterações estrutu-rais da D2 actuam como inibidoras e atra-sam a sua transformação metabólica nocorpo.14 Em termos comerciais, a vitaminaD2 é mais acessível,14 constituindo a princi-pal forma de vitamina D disponível parapropósitos farmacêuticos além dos suple-mentos dietéticos,1 e é mais barata de seproduzir, o que pode ser importante para afortificação em larga escala.14 Alguns estu-dos apontam para que a segunda aumentaos níveis séricos de 25(OH)D de forma maiseficiente do que a primeria.1,2,4,8 Outros estu-dos mais recentes não mostram diferençaentre estas duas formas.2,23

É no entanto de referir, que em casos demalabsorção, em que a deficiência de vita-

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mina D não está a responder ao tratamen-to com doses adequadas desta vitamina,poder-se-á optar pelo uso de metabolitoshidroxilados desta,1,8 uma vez que são maisprontamente absorvidos.8 Justifica-se aindausar estes metabolitos se o metabolismo davitamina D for anormal, como no caso dedoença hepática ou doença renal.8 Assim,pode-se, por exemplo, recorrer ao calcidiolna doença hepática, ou ao calcitriol naIRC,8 sendo que quando se usa este último

como suplemento, os níveis de 25(OH)Dnão indicam o estado clínico da vitaminaD. Existe ainda o diidrotaquisterol (DHT)que equivale a 1(OH)D, necessitando dahidroxilação 25 para ser activo. Pode serusado nos distúrbios em que se usa o calci-triol.8 É ainda de realçar que o calcitriol nãoé uma terapêutica adequada para doentescom défice de vitamina D, devido à prová-vel necessidade de outros metabolitos destavitamina no tratamento do osso raquítico.1

INTOXICAÇÃO POR VITAMINA D

A dose de vitamina D necessária paracausar toxicidade varia entre os doentes,reflectindo diferenças na absorção, armazena-mento e metabolismo desta, bem como a res-posta dos tecidos alvo aos metabolitos activos.Por exemplo, um idoso é provável que tenharedução do transporte intestinal de cálcio ediminuição da produção renal de 1,25(OH)2D,pelo que é capaz de tolerar diariamente50000-100000 unidades de vitamina D.1

Há autores que defendem que a intoxi-cação por esta vitamina não ocorre até osníveis 25(OH)D do sangue serem superioresa 150-200ng/mL.5,6,25 De facto, é de notarque apesar do corpo humano ser extrema-mente eficiente a produzir vitamina D,14

indivíduos com exposição solar excessivanão sofrem de intoxicação,14,23 o que pode,no entanto, ocorrer se a suplementaçãodesta vitamina for excessiva.14 São vários osfactores que contribuem para a protecçãocontra a toxicidade da 25(OH)D endógena:em períodos de excesso de vitamina D estaé armazenada no tecido adiposo,9,21 sendoprovavelmente libertada deste tecido numataxa muito inferior ao que acontece para os

triglicerídeos.21 Por outro lado, a exposiçãoprolongada ao sol acarreta conversão rever-sível de pré-D3 a lumisterol e taquisterol.1

Por fim, é ainda de referir que a DBP circu-la numa concentração cerca de 50 vezesmaior do que a concentração total de meta-bolitos da vitamina D (excesso de capacida-de de ligação) e tem grande afinidade deligação para estes, mantendo a sua concen-tração em níveis baixos.1

A hipervitaminose D diagnostica-se porníveis de 25(OH)D séricos elevados,1 supe-riores a 150ng/mL, associados a hipercalce-mia, hipercalciúria6,8 e muitas vezes hiper-fosfatemia.6 A hipercalciúria precede ahipercalcemia.5 Por seu lado, os níveis de1,25(OH)2D livres, e biologicamente activos,tendem a estar elevados, por deslocação daDBP pela 25(OH)D. Assim, as concentraçõeselevadas de 1,25(OH)2D livre e os efeitos bio-lógicos intrínsecos da concentração elevadade 25(OH)D levam a aumento da absorçãode cálcio intestinal e à reabsorção óssea.1

Paradoxalmente, o excesso de 1,25(OH)2Dpode inibir a mineralização óssea normal,levando ao aparecimento de osteomalácia,o que pode ser percebido no contexto daacção da vitamina D no processo de diferen-

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TABELA 1: Metabolitos da vitamina D

Metabolitos da Vitamina D Semi-vida

Vitamina D 1-3 meses1

Calcifediol 2-3 semanas8

Calcitriol 4-6 horas6,8,12

DHT 1-4 semanas1

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ciação osteoblástica, em que o excesso de1,25(OH)2D pode perturbar este processo.1

Os sinais e sintomas de toxicidade porvitamina D incluem fraqueza, letargia,1 cefa-leias, náuseas1,9 e/ou vómitos, paladar metáli-co, pancreatite,9 poliúria, desidratação, ure-mia pré-renal, calcificação ectópica, particu-larmente nos rins (nefrolitíase e nefrocalcino-se), mas também noutros locais como os vasossanguíneos, o coração, os pulmões e a pele.1

O tratamento passa pela retirada da vita-mina D,1,23 reidratação, redução da ingestão decálcio e administração de glicocorticoides, queantagonizam a capacidade da 1,25(OH)2Destimular a absorção de cálcio intestinal.1

Note-se que o excesso de vitamina D é elimina-do do corpo lentamente (semanas a meses),pelo que o tratamento é prolongado.1

HIPERPARATIROIDISMOPRIMÁRIO (HPTP)

O HPTP é a causa mais frequente dehipercalcemia,1,13 tendo maior incidência nasmulheres pós-menopáusicas.13,14,26 É mais fre-quente nas mulheres do que nos homens,com uma relação 2 para 1, sendo a razãoperto de 1 para indivíduos com menos de 40anos e até cerca de 5 para indivíduos commais de 75 anos. No que respeita à sua pre-valência é de cerca de 1-21/1000 e a incidên-cia é de 27-30/100000 pessoas/ano, depen-dendo da população estudada e dos métodosde detecção usados.13

Entre os sinais/sintomas clássicos dehiperparatiroidismo podem referir-se funda-mentalmente os que resultam da hipercalce-mia como a fadiga, letargia, depressão, perdade memória, psicose, neurose, alterações dapersonalidade, miopatia proximal, obstipa-ção, náuseas, vómitos, litíase renal, nefrocal-cinose, poliúria, polidipsia, uremia, osteopo-rose, osteíte fibrosa cística, diminuição dointervalo QT e bradicardia.5 Contudo, a doen-ça assintomática é comum,13,26 podendo algu-mas vezes existir manifestações não clássicas

inespecíficas como a fadiga, a dificuldadecognitiva e a perturbação do sono, o quealém de ser subjectivo é difícil de quantificar.14

Nos países em que se faz o rastreio sistemáti-co através do doseamento por rotina do cál-cio sérico, a doença grave com litíase renal ea doença óssea metabólica são, pois, menosfrequentes do que há 20-30 anos atrás.13

Bioquimicamente, o HPTP diagnostica-se por níveis de cálcio elevados ou normais-altos e elevação inapropriada da PTH (cál-cio sérico total≥10,2mg/dL; PTH intac-ta>80pg/mL).14

Etiologicamente, o adenoma paratiroi-deu isolado constitui a causa mais frequen-te de PHPT (75-85%),13 a hiperplasia primá-ria das paratiroides ocorre em cerca de 15%1

e o carcinoma é raro (1-2%).1,13

De acordo com as recomendações paraabordagem do PHPT assintomático, estabele-cidas no 3º Workshop Internacional de 2008,recomenda-se cirurgia (paratiroidectomia) seidade<50 anos, cálcio sérico total>1mg/dLacima do limite superior de normalidade,depuração da creatinina calculada<60mL/min, pontuação T<-2,5 na densitome-tria óssea (coluna lombar, anca, colo dofémur ou 1/3 distal do rádio) e/ou fractura defragilidade prévia. É ainda referido que seexistirem sinais ou sintomas da doença, acirurgia está indicada.27 De facto, a cirurgia éo único tratamento definitivo para normali-zar o cálcio e a PTH,7 usando-se cada vez maisa paratiroidectomia minimamente invasi-va.13 Cerca de 95% dos doentes ficará curadocom a cirurgia inicial.7 Em alternativa, quan-do não há indicação cirúrgica ou o doente arecusa, pode recorrer-se ao tratamento médi-co com bifosfonatos, terapêutica hormonalde substituição (estrogénios), moduladoresselectivos dos receptores dos estrogénios oucalcimiméticos.13,27,28 Neste caso, é importanteo adequado seguimento dos doentes que deveincluir a determinação do cálcio e da creati-nina séricos anualmente, bem como realiza-ção de uma densitometria óssea a cada 1-2anos,27 além da avaliação clínica periódica.

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HIPERPARATIROIDISMOSECUNDÁRIO À DEFICIÊNCIA DEVITAMINA D

Estudos em indivíduos saudáveis detec-tam uma frequência de hiperparatiroidismosecundário de cerca de 1-2%, sendo as causasmais frequentes a baixa ingestão de cálcio eníveis baixos de 25(OH)D.13 A idade contribuide forma independente para a elevação daPTH. Nos idosos tende a haver diminuição daingestão de cálcio e de vitamina D, reduçãoda exposição solar, diminuição da produçãocutânea de vitamina D3, bem como da pro-dução renal de 1,25(OH)2D. Também tende ahaver diminuição da absorção intestinal decálcio, redução da função tubular renal,redução da resposta renal à PTH e reduçãoda capacidade da 1,25(OH)2D estimular aabsorção do cálcio.25

Bioquimicamente, o hiperparatiroidismosecundário à deficiência de vitamina Dcaracteriza-se por concentrações de cálciogeralmente normais ou no limite inferior denormalidade (raramente diminuídas) e PTHmoderadamente elevada, devendo normali-zar com a correcção desta vitamina.8 Há,pois, uma correlação negativa significativaentre a PTH e a 25(OH)D.18 À medida que umindivíduo se torna deficiente em vitamina D,há diminuição da absorção intestinal de cál-cio, o que reduz o cálcio ionizado transitoria-mente.2,6,7 Este sinal é reconhecido pelo sensorde cálcio das paratiroides para aumentar aprodução e a secreção de PTH.2,6 Outro factorque contribui para o aumento da secreção dePTH são os níveis séricos diminuídos de1,25(OH)2D.3 Uma ingestão baixa de cálciona dieta pode ainda amplificar mais a res-posta das paratiroides à insuficiência de vita-mina D.18 A PTH estimula, então, a conver-são de 25(OH)D em 1,25(OH)2D, mantendo aabsorção intestinal de cálcio, mas agravandoainda mais o défice de vitamina D.18 Quandoa calcemia normaliza, o eixo1,25(OH)2D:PTH é desligado pela libertaçãode FGF23 a partir do osso.2 Contudo, quando

os níveis de 25(OH)D estão substancialmentereduzidos (4,4ng/mL), não há substrato sufi-ciente para a conversão em 1,25(OH)2D,mesmo com elevadas concentrações de PTH,pelo que a absorção de cálcio diminui.8 Oníveis de PTH começam a estabilizar no seunadir quando os níveis de 25(OH)D estãoentre 30-40ng/mL.6 Há uma variabilidadeinter-individual na resposta da PTH à suple-mentação com vitamina D que deve ser con-siderada.25

No que respeita às consequências dohiperparatiroidismo secundário associado àdeficiência de vitamina D, poderá dizer-seque são nefastas para o osso. Este mobilizaminerais a partir do esqueleto e leva aaumento da perda óssea e aumento do riscode fracturas.18 Também causa fosfatúria,resultando em níveis séricos de fósforo bai-xos ou normais-baixos. Sem um produtofosfo-cálcio adequado, a mineralização damatriz de colagénio está diminuída, levan-do aos sinais clássicos de raquitismo nascrianças e osteomalácia nos adultos.18

Assim, globalmente pode dizer-se que adeficiência de vitamina D acarreta umaumento do risco de hiperparatiroidismosecundário, com subsequente elevação daremodelação óssea,13,14,25 diminuição da densi-dade mineral óssea, diminuição da qualidadedo osso,13 aumento do risco de fracturas13 osteo-poróticas, sobretudo corticais,14 e até pareceassociar-se a aumento da mortalidade.29

De referir que há um subgrupo de indi-víduos com deficiência de vitamina D quenão tem hiperparatiroidismo secundário, oque pode relacionar-se com vários factores.Um deles é a deficiência de magnésio quecausa hipoparatiroidismo funcional.Indivíduos com menor ingestão de cálciotambém são mais propensos a apresentarhiperparatiroidismo secundário, quandodeficientes em vitamina D, bem como osindivíduos normoalbuminémicos relativa-mente aos hipoalbuminémicos. Tambémpode relacionar-se com o IMC, o uso de diu-réticos tiazídicos e com factores genéticos.29

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No que respeita ao tratamento do hiper-paratiroidismo associado à deficiência devitamina D, as considerações globais são asmesmas do tratamento geral da deficiênciadesta hormona. A sua suplementação levaà diminuição da PTH,8,25 atenuação dosmarcadores de remodelação óssea e aumen-to da densidade mineral óssea, podendodiminuir o risco de quedas e de fracturas.25

Pode ainda ser necessário fornecer-se cálcioaos doentes.13 A resposta da PTH à suple-mentação com vitamina D é determinadapelos níveis basais de PTH e alterações noestado da vitamina D, mas também pelaidade e mobilidade dos doentes.25

Há autores que defendem que é impor-tante ter cuidado com a suplementaçãorápida de cálcio e vitamina D em doentescom deficiência prolongada e com níveis dePTH elevados, uma vez que pode haveralgum grau de autonomia nas glândulasparatiroides que contribua para causarhipercalcemia e hipercalciúria.1

COEXISTÊNCIA DE HIPERPARA-TIROIDISMO PRIMÁRIO EDEFICIÊNCIA DE VITAMINA D

Alguns doentes com deficiência de vita-mina D têm um PHPT coexistente, não reco-nhecido até à vitamina D ter sido corrigida.8

Aliás a deficiência e a insuficiência de vita-mina D tendem a ser mais prevalentes emdoentes com hiperparatiroidismo primário.30

Até 75% dos idosos com hiperparatiroidismoprimário têm deficiência de vitamina D.14

A diferenciação do PHPT do hiperparati-roidismo secundário devido à deficiência devitamina D nem sempre é fácil,14 sobretudoporque a hipercalcemia pode não estar evi-dente,14,30 pelo menos numa fase inicial dadeficiência grave.8 Muitas vezes, as concen-trações de cálcio estão normais ou no limitesuperior de normalidade e a PTH está eleva-da.8 Quando há dúvida se um indivíduocom deficiência de vitamina D tem hiperpa-

ratiroidismo primário ou secundário, adeterminação do cálcio urinário por vezespode ser útil. O cálcio urinário estará muitobaixo em doentes com deficiência de vita-mina D e hiperparatiroidismo secundário epode não normalizar durante semanas ameses. Por seu lado, o cálcio urinário podeestar baixo ou normal em indivíduos comdeficiência de vitamina D e PHPT, masaumentará rapidamente com a reposiçãoda vitamina D.8

O efeito de baixos níveis de vitamina Dpré-operatoriamente em doentes com PHPTpermanece por esclarecer, particularmenteno PHPT leve. Alguns estudos sugerem que adeficiência desta vitamina pode agravar asmanifestações de hiperparatiroidismo primá-rio.14,18,30 Aliás, o PHPT é frequentemente sinto-mático em áreas onde a deficiência de vita-mina D é endémica e a osteíte fibrosa císticapermanece uma característica comum destadoença.30 Isto porque promove proliferaçãomais marcada das glandulas paratiroides,14

glândulas paratiroides mais largas, tumoresdas paratiroides, bem como acelera a remo-delação óssea e aumenta a probabilidade dese desenvolver osso anormal e ocorrerem frac-turas.10,26 Quanto maior for a elevação daPTH, maiores tendem a ser os adenomas emais frequentes tendem a ser as fracturas.14

Os indivíduos com deficiência de calcidioltendem a ter fosfatase alcalina e PTH maiselevadas pré-operatoriamente.10,14,26 Tendemainda a apresentar maior incidência de doen-ça multiglandular14 e de elevação da PTH14,15

normocalcémica após paratiroidectomia.15

De facto, a deficiência de vitamina Dpersistente atrasa a recuperação óssea e asua suplementação para níveis normais énecessária para melhorar as hipóteses derecuperação do PHPT, incluindo das patolo-gias renal e pancreática.14

Assim, em doentes com HPTP recomenda-se a determinação da vitamina D pré-operato-riamente para antecipar a ocorrência de hipo-calcemia pós-operatória7,30 grave e, dada aprevalência de deficiência de vitamina D,

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para evitar confusão quanto à etiologia daelevação da PTH que persiste elevada pós-cirurgia, nomeadamente quando se levanta ahipótese de ausência de cura.7 A hipocalcemiapós-operatória é comum após cirurgia e nor-malmente resulta da manipulação cirúrgicadas paratiroides, resultando em hipoparatiroi-dismo transitório. Raramente é prolongada egrave, mas tal pode ocorrer no contexto dosíndrome dos “ossos famintos”.7 O hiperpara-tiroidismo secundário à deficiência de vitami-na D pode aumentar o risco deste síndrome.7,30

É seguro fazer suplementação pré-opera-tória de vitamina D em doentes comHPTP,10,19,26 não aumentando os níveis decálcio séricos19,26 e reduzindo os níveis dePTH e o turnover ósseo.26 Contudo há auto-res que defendem que nestes doentes énecessário ter cuidado ao administrar vita-mina D porque podem desenvolver hiper-calcemia e hipercalciuria.8

De notar que a correcção desta vitaminapré-cirurgicamente não é durável, e osdoentes requerem suplementação pós-ciru-gia, bem como monitorização apertadapara assegurar a suficiência a longo prazo.19

Qual a razão desta associação?Os VDRs nas glândulas paratiroides

detectam os níveis de calcitriol que inibe aprodução de PTH, a principal reguladora da1α-hidroxilase renal.14 A deficiência de vita-mina D possivelmente pode predispor indiví-duos ao hiperparatiroidismo primário, masnem todos os indivíduos com esta patologiatêm deficiência de vitamina D. Níveis dimi-nuídos de vitamina D podem levar a menosVDRs, uma vez que a sua expressão nas para-tiroides é estimulada pela 1,25(OH)2D. Istoimpede o feedback negativo do calcitriolsobre a PTH.14 A deficiência crónica de vitami-na D pode, pois, levar a estimulação dasparatiroides, com subsequente hiperplasia30 e,por último, à formação de clãs de célulasparatiroides com limiar de regulação pelocálcio mais elevado, por exemplo por dimi-nuição da expressão do receptor/sensor do

cálcio (CASR).18 A redução da vitamina D edos CASRs já foi demonstrada em adenomasdas paratiroides.14

Assim, se por um lado a deficiência devitamina D pode contribuir para o desen-volvimento de PHPT, por outro lado, o rever-so também pode ocorrer. Mecanismos possí-veis podem incluir o aumento da conversãorenal de 25(OH)D em 1,25(OH)2D,14,19,30 a ini-bição da produção de vitamina D3 na pele ea inibição da produção de 25(OH)D no fíga-do. Alguns dados sugerem que a semi-vidada 25(OH)D também está significativamen-te diminuída no PHPT devido ao aumentoda sua inactivação hepática. Finalmente,outros apontam para a diminuição da bio-disponibilidade da vitamina D no PHPTdevido ao aumento do peso corporal.30

CONCLUSÕES

O metabolismo do fósforo e do cálcio écomplexo e envolve uma série de mecanis-mos intrinsecamente relacionados. Quandoum deles é alterado, tendem a ocorrer alte-rações nos outros para o compensar. Podereferir-se, por exemplo, a deficiência devitamina D que parece ser bastante fre-quente, mesmo em adultos saudáveis. Estapode levar a hiperparatiroidismo secundá-rio e até contribuir para o desenvolvimentodo PHPT, embora este último caso seja maisdiscutível. Aliás, o PHPT também pode aju-dar a desenvolver-se deficiência de vitami-na D, surgindo um ciclo vicioso.

A elevada prevalência de deficiência devitamina D e os custos do seu rastreio fazemcom que este não se justifique por rotina.Quando suspeitada/confirmada deve-secomeçar a sua suplementação em dosesadequadas, por vezes associada a cálcio. Talpode promover a melhoria da forçar muscu-lar, bem como a diminuição da remodela-ção óssea, das quedas e das fracturas.

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Hipofosfatemia em doentes internados: do diagnóstico ao tratamentoHypophosphatemia in hospitalized patients:from diagnosis to treatment

Ana Maia Silva1, Cláudia Freitas2

1 Interna de Endocrinologia, Serviço de Endocrinologia, Hospital de Santo António, Centro Hospitalar do Porto, EPE.2 Assistente Hospitalar de Endocrinologia, Serviço de Endocrinologia, Hospital de Santo António, Centro Hospitalar do Porto, EPE.

Correspondência: Ana Maia da Silva › Serviço de Endocrinologia › Hospital de Santo António, Centro Hospitalar do Porto, EPE › LargoProf. Abel Salazar - Edifício Neoclássico › 4099-001 PORTO › [email protected] Aceitação: Artigo recebido em 15/10/2010, revisto em 24/10/2010 e aceite para publicação em 05/01/2011.

RESUMO

A hipofosfatemia é a diminuição da concentração sérica do ião fósforo. É um défice frequen-

te em alguns subgrupos de doentes internados, podendo provocar anomalias graves ao nível

da actividade enzimática e homeostasia ácido-base em vários sistemas de órgãos.

Pode ser provocada pela redistribuição do fósforo do espaço extracelular para o intracelular,

pela insuficiente absorção intestinal deste elemento ou pela sua excessiva eliminação renal.

A detecção do mecanismo subjacente à hipofosfatemia permite uma abordagem terapêutica

precoce, quer pela eliminação ou correcção do factor desencadeante per se, quer associando

o tratamento farmacológico que, na maior parte das situações de doentes não-críticos, deve

ser desencadeado pela suplementação por via oral.

PALAVRAS-CHAVE

Hipofosfatemia; Rabdomiólise; Anemia hemolítica.

SUMMARY

Hypophosphatemia, a low serum phosphorus concentration, is frequently a problem in some groups

of hospitalized patients and may have serious implications on several cellular mechanisms and acid-

base homeostasis.

It is determined by three major factors, namely redistribution of phosphorus, decreased absorption

of phosphorus or increased phosphorus urinary excretion.

By detecting hypophosphatemia’s cause, one can early initiate its treatment by correcting or elimi-

nating the precipitating mechanism or by adding pharmacologic treatment, most of the time based

on oral supplementation, on non-critical patients.

KEY-WORDS

Hypophosphatemia; Rhabdomyolysis; Hemolytic anemia.

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INTRODUÇÃO

O fósforo é um elemento essencial noorganismo, assumindo um papel muitoimportante na estrutura e mecanismos celu-lares, na regulação de processos enzimáti-cos variados e na homeostasia ácido-base1.

Alguns alimentos disponíveis na dietafornecem grandes quantidades de fósforo aoorganismo, como alguns tipos de queijo(que podem mesmo fornecer mais de 700mgde fósforo por cada 100g de alimento), ascastanhas, as amêndoas, os ovos de gali-nha, o leite condensado e vários tipos decarne2.

A hipofosfatemia é a diminuição daconcentração sérica do ião fósforo que, noentanto, não é doseado na sua forma ele-mentar mas sob a forma de ortofosfatosinorgânicos [10% ligados a proteínas, 5%em complexos com o cálcio e magnésio e85% sob as formas monovalente (H2PO4

-) edivalente (HPO4

2-) de fósforo1.A concentração normal de fósforo é um

pouco variável de acordo com os laborató-rios, mas, de uma forma consensual, é acei-te que valores entre 0.32-0.8mmol/L (1-2.5mg/dL) definem uma hipofosfatemia mode-rada e valores inferiores a 0.32mmol/L(inferiores a 1 mg/dL) definem uma hipofos-fatemia grave1,3,4.

A prevalência da hipofosfatemia émuito dependente das características dapopulação em estudo. Geralmente atinge5% dos doentes hospitalizados e em maiorrisco estão os alcoólicos (até 30-50%), asvítimas de sépsis e trauma, os doentes mal-nutridos e os pacientes em cetoacidose dia-bética. A hipofosfatemia grave, no entanto,é uma situação mais rara, ocorrendo emmenos de 1% dos hospitalizados1,3,5,6,7.

Os 3 mecanismos etiológicos para odesenvolvimento de hipofosfatemia são aredistribuição do fósforo do espaço extrace-lular para o intracelular, a diminuição daabsorção intestinal de fósforo e o aumentoda sua excreção urinária1,3,4,8.

Redistribuição do espaço extracelularpara o intracelular:Este é um mecanismo frequente em

doentes internados. Pode ocorrer em situações de alcalose

respiratória (a causa mais comum), porhiperventilação secundária a situaçõescomo ansiedade ou dor. A consequentehipocapnia e o aumento do pH ao nível dointerior das células estimulam a actividadeda fosfofrutocínase e da glicólise consumin-do fósforo e estimulam também a recapta-ção muscular de fósforo. Em situações dehipocapnia significativa (paCO2 inferior a20 mmHg) a hipofosfatemia pode ser gravemesmo em indivíduos normais.

Outro mecanismo subjacente ao desviode fósforo é a síndrome da realimentação9.Também designado por “refeeding syndro-me”, pode verificar-se durante a realimenta-ção em hidratos de carbono de indivíduosmalnutridos ou aquando do reinício de ali-mentação per os após nutrição parentérica. Omecanismo envolvido é o aumento da liber-tação de insulina, que promove esse desvio defósforo para o interior das células, embora oaumento da produção de ATP, 2,3-DPG e CPKtambém possam contribuir. Geralmente sãohipofosfatemias moderadas excepto se hou-ver um défice prévio de fósforo associado.

Para o desvio extracelular/intracelularpodem ainda contribuir, embora em menorgrau, a alcalose metabólica, o “hungry bonesyndrome” (por deposição óssea de fósforo ecálcio durante o pós-operatório imediato deparatiroidectomia por hiperparatiroidismo),as leucemias e tumores muito replicativos, ainfusão de insulina (ou de glicose em indiví-duos insulinocompetentes) e por último acorrecção da acidose respiratória e o inícioda ventilação mecânica em doentes comdoença pulmonar crónica obstrutiva.

Diminuição da absorção intestinal defósforoEste mecanismo depende da redução da

acção do receptor intestinal de fósforo (co-

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transportador NaPi-IIb), habitualmenteregulado pela concentração sérica de fósfo-ro, vitamina D, acidose metabólica, factorde crescimento endotelial e estrogénios.

Raramente causa hipofosfatemia per se,dado existirem mecanismos compensadores,como a reabsorção renal, mas pode serimportante se associada a diarreia crónicaou a história de ingestão de antiácidos dealumínio ou magnésio (quelantes do fósfo-ro). A hipovitaminose D e o hiperparatiroi-dismo secundário também podem provocardiminuição da absorção intestinal de fósforo.

Aumento da excreção urinária de fósforoA maior excreção urinária de fósforo, ou

a excreção inapropriadamente normal numdoente com algum grau prévio de hipofosfa-temia, pode ter várias etiologias. Pode resul-tar do défice de acção dos factores que estimu-lam o co-transportador de NaPi tipo I, II e IIIno túbulo proximal renal, como a hormonade crescimento, hormona tiroideia ou insuli-na, do excesso de acção de factores inibitórios(paratormona, como no hiperparatiroidismoprimário, peptídeo natriurético auricular oufactor de crescimento dos fibroblastos -FGF23-responsável pela inibição da reabsorção defosfato e da síntese de calcitriol) ou ainda dedefeitos tubulares renais (desde síndrome deFanconi, acção de fármacos como diuréticostiazídicos e metolazona ou ferro endovenosoou ainda outras patologias do metabolismofosfocálcico (como raquitismo hipofosfatémi-co ligado ao X ou osteomalácia oncogénica,em que há produção de hormonas fosfatúri-cas). O hiperparatiroidismo primário, apesarde tudo, geralmente causa apenas hipofosfa-temia moderada, graças à mobilização defosfato a partir do osso e do aumento da suaabsorção intestinal.

SINTOMATOLOGIA

A sintomatologia associada à hipofosfa-

temia surge geralmente para valores de fós-foro inferiores a 0.64mmol/L (2mg/dL) masos sintomas graves geralmente associam-sea níveis de fósforo <0.32mmol/L(1mg/dL)10,11. Resultam da menor produçãode 2,3-DFG, da maior afinidade da hemo-globina para o O2, da menor disponibilida-de de oxigénio ao nível tecidular e damenor produção de fontes de energia sob aforma de ATP.

Pode manifestar-se em diversos sistemasde órgãos1,3,4,12:

Músculo-esquelético: A rabdomiólise, que resulta de uma mio-

patia subclínica é geralmente apenas detec-tada em estudos analíticos e cursa com ele-vações de CPK mais de 1.5 vezes acima dolimite superior do normal. As situações derabdomiólise clinicamente graves têm sidomais frequentemente associadas ao alcoolis-mo. Resultam de aumento da captação celu-lar de fósforo e das perdas intestinais, asso-ciado a uma fosfatúria inadequada.

A osteomalácia hipofosfatémica podeigualmente ser uma manifestação de hipo-fosfatemia a nível muscular. Provoca fra-queza muscular mas por atrofia muscular enão miopatia. Analiticamente revela-se porelevação significativa da fosfatase alcalina,com níveis de CPK normais.

Sanguíneo: Podem existir anomalias tanto a nível

das hemácias como dos leucócitos e plaque-tas. Assim, a hipofosfatemia pode provocaranomalias da deformabilidade dos glóbulosvermelhos e facilitar a anemia hemolítica epode reduzir a sua semi-vida, o que geral-mente acontece para hipofosfatemias inferio-res a 0.16mmol/L (0.5mg/dL). Relativamenteaos leucócitos, pode haver disfunção da suacapacidade fagocítica e quimiotáctica (parahipofosfatemias graves), o que pode em parteexplicar o relato de taxas elevadas de sépsisapós a realimentação de doentes mal-nutri-dos. A trombocitopenia e defeitos da coagula-

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ção podem também ser promovidos pelahipofosfatemia.

Respiratório:A este nível pode haver insuficiência res-

piratória e dificuldade de desmame da ven-tilação mecânica, resultantes da fraquezados músculos envolvidos na respiração,embora geralmente não se possa relacionaro grau de hipofosfatemia com a gravidadeda disfunção respiratória. Alguns autorestêm descrito o maior risco de hipofosfatemiaem alguns grupos de doentes respiratórioscrónicos, como aqueles que fazem derivadosde xantinas, corticoesteróides, diuréticos deansa e beta-bloqueadores.

Cardiovascular:A contractilidade miocárdica pode ser

afectada pela deficiente produção de ATP ea depressão da contractilidade miocárdicapode mesmo condicionar insuficiência car-díaca congestiva em situações de hipofosfa-temia grave, num efeito demonstrado parajá em estudos com animais e reversívelapós tratamento13. Em estudos com huma-nos, no entanto, os resultados são mais dis-crepantes.

Metabólico:Da hipofosfatemia pode resultar disfun-

ção do metabolismo dos hidratos de carbonocom diminuição da sensibilidade à insulina,o que pode agravar o défice inicial de fósforodada a influência daquela hormona nareabsorção renal de fósforo. Esta disfunçãopode ocorrer tanto em situações de hipergli-cemia como em estados de normoglicemia.

Sistema nervoso central:A hipofosfatemia pode originar encefa-

lopatia metabólica, por isquemia tecidular.Têm sido descritos vários casos de pareste-sias, alteração do estado neurológico, poli-neuropatia, convulsões e mesmo coma emdoentes com hipofosfatemia grave.

DIAGNÓSTICO

Perante um doente com hipofosfatemia,importa em primeiro lugar identificar omecanismo etiológico subjacente, para oque a colheita da anamnese é fundamental.Assim, à cabeceira do doente, poderãodesde logo ser identificadas algumas situa-ções de risco como diarreia, consumo deantiácidos ou diuréticos tiazídicos, ansieda-de, dor ou outras, potencialmente causado-ras de hipofosfatemia.

Posteriormente, para aprofundar ainvestigação e entender até a adequação daresposta renal a estas situações, deve ser cal-culada a excreção renal de fosfato. Esteparâmetro pode ser avaliado de 2 formas14:através do doseamento de fósforo na urinade 24 horas ou através do cálculo da excre-ção fraccionada (EF) de fosfato (EFPO4= UPO4 xPCr x 100 / UCr x PPO4, sendo UPO4 e UCr a con-centração urinária de fósforo e creatinina,respectivamente e PCr e PPO4 a concentraçãosérica de fósforo e creatinina, respectiva-mente), valor normalmente situado entre 5e 20%.

Perante uma situação de hipofosfate-mia, uma EFPO4 inferior a 5% ou uma fosfa-túria de 24h inferior a 100mg significa umaresposta poupadora renal de fósforo que éapropriada. Assim, deve suspeitar-se depatologias associadas a redistribuição dofósforo do espaço extracelular para o intra-celular ou de situações clínicas que cursemcom diminuição da absorção intestinal defósforo. É importante o estudo com umagasimetria para avaliar distúrbios do meta-bolismo ácido-base, mais frequentemente aalcalose respiratória.

Se a EFPO4 for inferior a 5% ou se for regis-tada uma fosfatúria de 24h superior a100mg, está-se perante uma perda elevadaou inapropriadamente normal de fósforo.Nesse caso, deve pensar-se em patologiasassociadas a aumento da perda renal defósforo, como o hiperparatiroidismo (asso-ciado ou não a hipovitaminose D), a síndro-

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me de Fanconi, a osteomalácia oncogénica,entre outros. Os doseamentos séricos de cál-cio, ácido úrico, creatinina, vitamina D ePTH, bem como o doseamento de glicose eoutros metabolitos na urina de 24 horas sãofundamentais para o diagnóstico.

TRATAMENTO

O tratamento da hipofosfatemia deveser dirigido, primeiramente, à correcção dapatologia subjacente, nas situações em queisso tiver sido determinado e seja possível(por exemplo a hipovitaminose D, o hiper-paratiroidismo primário e a diarreia)1,4.

Para a suplementação farmacológicacom fosfato1,14,15, a via endovenosa acarretariscos acrescidos, nomeadamente de hipo-calcemia, insuficiência renal e arritmiasfatais, impedindo a sua generalização atodos os doentes com deficiência de fósforo eimplicando uma monitorização clínica rigo-rosa. Esta via aplica-se em situações de hipo-fosfatemia inferior a 0.3mmol/L (1mg/dL),portanto, graves, naquelas que, apesar deanaliticamente classificáveis como modera-das, são igualmente graves do ponto de vistaclínico porque podem pôr em risco a vida dodoente, dado associarem-se a sintomascomo rabdomiólise grave sem outro motivoaparente e anemia hemolítica. Aplica-seainda em hipofosfatemias moderadas (0.3-0.8 mmol/L ou 1-2.5 mg/dL) em doentes sobventilação invasiva. Este tratamento endo-venoso é feito com recurso a ampolas de fos-fato monopotássico (ampolas de 10ml con-têm 310 mg de fósforo) ou de glicerofosfatodissódico (ampolas de 20ml contêm 620 mgde fósforo), nas doses de 0.08 a 0.16 mmol/L(2.5mg/Kg a 5mg/Kg), em infusões de 2 a 6horas e com um controlo analítico rigorosoposterior. O tratamento deve passar para avia oral quando o fósforo atingir os0.6mmol/L (2mg/mL), aproximadamente.

Doentes com hipofosfatemias modera-das que não estejam ventilados ou com

hipofosfatemias ligeiras, devem ser tratadospor via oral. Para tal, existem geralmentedisponíveis formulações a nível hospitalar,como de fosfato dissódico (1000 mg/dia defósforo, em doses divididas e administradasapós as refeições). Esta suplementaçãoimplica igualmente um controlo analíticoposterior (geralmente a cada 2 a 3 dias),para ajuste de doses ou mesmo suspensãodo tratamento.

O uso de sais potássicos e sódicos deve,no entanto, merecer cuidados nalgunsdoentes, como aqueles com doença cardía-ca, hipernatremia e insuficiência hepática,estando mesmo contra-indicado em situa-ções de hipercaliémia, doença de Addison,hiperfosfatemia, urolitíase infectada edoentes com insuficiência renal grave.

CETOACIDOSE DIABÉTICA

Na diabetes mellitus mal controlada, éfrequente haver depleção de fósforo, asso-ciado frequentemente à hiperfosfatúria.

Na cetoacidose diabética, essa hipofos-fatemia pode ter uma apresentação maisaguda, mas de uma forma geral é autolimi-tada e sem repercussões clínicas graves,como rabdomiólise ou hemólise16. Osensaios clínicos randomizados de carácterprospectivo até agora disponíveis sobre obenefício do tratamento da hipofosfatemiana cetoacidose diabética, não têm demons-trado vantagens no que respeita à duraçãoda descompensação aguda ou mesmomorbi-mortalidade dos doentes17,18, além deque essa suplementação pode associar-se aefeitos indesejáveis como hipomagnesemiaou hipocalcemia19.

Por tal, o tratamento da hipofosfatemiana cetoacidose diabética não está universal-mente recomendado. Não obstante, poderáser ponderado em situações de depleçãograve de fósforo (<0.3mmol/L ou 1mg/dL)ou aquelas associadas a situações que pos-sam comprometer a vida do doente, como

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anemia hemolítica ou disfunção cardio-res-piratória grave20.

CONCLUSÃO

O fósforo é um elemento fundamentalno equilíbrio do organismo, sendo funda-mental para a estrutura e mecanismos celu-lares, regulação enzimática e homeostasiaácido-base.

A hipofosfatemia resulta da ingestão e/ouabsorção inadequadas de fósforo, da redistri-buição do espaço extracelular para o intrace-lular ou da sua excreção renal excessiva.

O rim exerce um papel fundamental naregulação da homeostasia do fósforo, peloque, na abordagem de uma hipofosfatemia,deve ser sempre avaliado o grau de adequa-ção da resposta renal a essa situação clínica.

De uma forma geral, o tratamentoendovenoso agressivo das hipofosfatemiasapenas é necessário em situações de hipo-fosfatemia grave ou moderadas associadasa rabdomiólise ou anemia hemolítica seve-ras ou ainda em doentes ventilados; as res-tantes situações devem ser abordadas comtratamento por via oral.

Não têm sido demonstrados benefíciosinequívocos para a suplementação de fósfo-ro na cetoacidose diabética, embora essadeva ser uma situação a ponderar nos casosde hipofosfatemia grave.

A hipofosfatemia grave não tratadapode resultar em hemólise, rabdomiólise ouinsuficiência respiratória, pelo que não deveser descurada na abordagem clínica diáriaaos doentes internados.

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Terapêutica hormonal de substituição nohomemTestosterone replacement treatment in men

AF Lopes1, L Duarte2, C Santos3, F Malheiro4

1 Interna do Internato Complementar de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo; Serviço de Endocrinologia, Diabetes e MetabolismoHospital de Curry Cabral, EPE

2 Assistente Hospitalar de Endocrinologia; Hospital da Luz3 Assistente Hospitalar de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo; Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo; Hospital de Curry

Cabral, EPE4 Director de Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo; Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo; Hospital de Curry

Cabral, EPE

Correspondência: Ana Filipa Lopes › Serviço de Endocrinologia do Hospital de Curry Cabral › Rua da Beneficiência nº8 › 1069-639 LIS-BOA › [email protected]ção: Artigo recebido em 17/10/2010, revisto em 25/10/2010 e aceite para publicação em 10/12/2010.

RESUMO

O hipogonadismo é uma síndrome clínica com manifestações variáveis de acordo com a

idade de apresentação. No adulto e no idoso é ainda muitas vezes subdiagosticado porque a

sintomatologia pode ser inespecífica e frustre; no entanto o seu tratamento representa uma

significativa melhoria da qualidade de vida destes indivíduos. A grande variedade de formu-

lações de testosterona actualmente disponíveis veio permitir minimizar alguns dos efeitos

indesejáveis previamente existentes. Mantêm-se, contudo, alguns efeitos secundários relacio-

nados com a própria testosterona mas que, quando devidamente monitorizados, podem ser

corrigidos em tempo útil.

PALAVRAS-CHAVE

Testosterona; Hipogonadismo; Terapêutica hormonal de substituição.

ABSTRACT

Hypogonadism is a clinical syndrome that manifests differently according to the age of presenta-

tion. It is still frequently underdiagnosed in adults and elder men because symptoms are some-

times inespecific, although hormonal treatment seems to bring these individuals an improvement

in quality of life. The new testosterone formulations have allowed to reduce some of the previous

undesirable effects; yet, side effects related to testosterone itself still exist but can be minimized

when carefully monitored.

KEY-WORDS

Testosterone; Hypogonadism; Testosterone replacement therapy.

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INTRODUÇÃO

Em 1894 Adolph Berthold descreveupela primeira vez o comportamento dócil

dos galos capões, contrastando com o com-portamento agressivo dos mesmos após arecolocação das gónadas na cavidade abdo-minal1. Desde então a testosterona passou a

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ter um papel reconhecido no desenvolvi-mento e comportamento masculinos. Ohipogonadismo, síndrome clínica caracteri-zada por uma redução dos níveis de andro-géneos, é uma doença frequente mas aindamuitas vezes subdiagnosticada. Tal factotorna-se ainda mais evidente no idoso, namedida em que a sintomatologia é frustre epode ser confundida com o natural “enve-lhecimento”2,3. Além disso, à semelhança deoutras endocrinopatias, baixos níveis hor-monais provocam alterações metabólicascom consequências a curto e longo prazo. Ainstituição de terapêutica de substituiçãocom testosterona no homem tem, por isso,vindo a aumentar. Esta revisão procura darênfase a uma terapêutica cuja relaçãocusto-benefício parece ser favorável no queconcerne à qualidade de vida, desenvolvi-mento e/ou manutenção dos caracteressexuais masculinos e estado anabólico dostecidos somáticos4.

SÍNTESE E METABOLISMO DATESTOSTERONA

EIXO HIPOTÁLAMO-HIPOFISÁRIO-GONADAL

Após a puberdade a testosterona émaioritariamente (95%) produzida no testí-culo pelas células de Leydig; apenas 5%advém da supra-renal após conversão deprecursores androgénicos de baixa potên-cia, tais como, a androstenediona e a dehi-droepiandrosterona (DHEA). A secreção tes-ticular é, por sua vez, regulada por mecanis-mos de retrocontrolo negativo e positivo queoperam no eixo Hipotálamo-Hipófise-Gonadal. A Hormona Libertadora deGonadotropinas (GnRH) produzida pelohipotálamo estimula a hipófise anterior asecretar Hormona Luteínica (LH); esta secre-ção faz-se de forma episódica e pulsátil comníveis basais entre os picos praticamentenegligenciáveis preservando, desta forma, a

sensibilidade das células de Leydig à LH. Domesmo modo, os picos de concentração sãomáximos nas primeiras horas após o acor-dar, e mínimos ao final do dia5. Ao actuarno testículo, a LH promove a mobilização eo transporte do colesterol, a transcriçãogénica e a activação de enzimas da via daesteroidogénese6. A hipófise anterior é igual-mente responsável pela secreção deHormona Estimuladora Folicular (Follicle-stimulting hormone- FSH), cuja acção nascélulas de Sertoli conduz à produção deInibina b. Esta, por sua vez, suprime a FSHpor um mecanismo clássico de retrocontro-lo negativo; de facto, existe uma relaçãopositiva entre os níveis de Inibina b e aespermatogénese/ proliferação das célulasde Sertoli; os níveis de Inibina b podem, porisso, ser utilizados como indicadores deespermatogénese6.

METABOLISMO DA TESTOSTERONA

Após a libertação testicular, a testostero-na difunde-se através de um gradiente deconcentração para a circulação e, empequenas quantidades, para o sistema lin-fático e túbulos seminíferos. No sangue liga-se a proteínas de transporte, maioritaria-mente à albumina (54%) e à Globulina deligação às Hormonas Sexuais (Sex hormo-ne- binding globulin- SHBG) (44%); 1 a 2%circula livremente. A SHBG é uma glicopro-teína com grande afinidade para a testoste-rona e cuja síntese se faz a nível hepático;os seus níveis são, por isso, influenciadospelo efeito de “primeira passagem” hepáti-ca de vários fármacos e por certas condiçõesmetabólicas (Quadro I)5.

A metabolização da testosterona permitea sua conversão em metabolitos biologica-mente activos e em metabolitos conjugadosque são excretados na urina e bílis. Cerca de4% da testosterona circulante é convertidaem Dihidrotestosteona (DHT) que tem umapotência androgénica 3 a 10 vezes superior,resultante da sua maior afinidade e mais efi-

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ciente activação do receptor dos androgé-neos7. Esta conversão depende da enzima 5αreductase, cuja origem em 2 genes diferentes(I e II), a distingue em 2 subtipos: o tipo 1expresso no fígado, rim, pele e cérebro e otipo 2 expresso fundamentalmente na prós-tata, mas também, na pele e fígado8.

Do mesmo modo, 0,2% da testosterona éconvertida em estradiol, reacção catalizadapela enzima aromatase. No homem saudá-vel, 80% do estradiol circulante resulta daaromatização extratesticular; este mecanis-mo parece ser fundamental para a actuaçãodos androgéneos em tecidos que expressamreceptores para estrogéneos.

HIPOGONADISMO

DEFINIÇÃO E PREVALÊNCIA

O hipogonadismo é uma síndrome clíni-ca caracterizada por uma falência testiculare, como tal, por um défice de androgéneos ede espermatogénese. De acordo com a suaetiopatogenia classifica-se em primário (dis-função gonadal) ou secundário (disfunçãohipotalamica-hipofisária)9. Ambas cursamcom níveis diminuídos de testosterona masas gonadotropinas estão elevadas no pri-meiro caso, e com valores normais ou dimi-nuídos no segundo; nalgumas situaçõespodem coexistir os 2 mecanismos, comespecial relevo para o idoso.

A prevalência do défice clássico de

androgéneos é cerca de 1:200 homens emidade adulta; no entanto a prevalência realpode ser superior porque a expressão clínicado défice de androgéneos é muitas vezessubdiagnosticada10. O caso particular dohipogonadismo no idoso, tem assumido umprotagonismo crescente estando bem docu-mentado nalguns estudos. O BaltimoreLongitudinal Study of Aging demonstrouníveis baixos de testosterona (definidos porTestosterona Total <325 ng/dl) em 30% doshomens que se encontravam na década desetenta e em 50% dos homens na década deoitenta11. Do mesmo modo, o MassachusettsMale Aging encontrou uma prevalência ini-cial de 6% que ascendeu a 12% após umseguimento de 7 a 10 anos12, 13. Em ambosestudos o declínio médio dos níveis de tes-tosterona foi de 1 a 2% por ano e, portanto,um número significativo de idosos tinhavalores laboratoriais abaixo do limite infe-rior de referência para jovens eugonadais.

DIAGNÓSTICO CLÍNICO

A secreção hormonal pelas células deLeydig é evidenciada sobretudo em 3 fasesda vida masculina: no primeiro trimestre davida intrauterina (coincidente com a dife-renciação do tracto génito-urinário), na vidaneonatal (de significado desconhecido) e napuberdade, o que permite desencadear avirilização5. Tal facto é determinante navariabilidade da apresentação clínica dohipogonadismo que reflecte, por um lado, afase em que o défice de androgéneos se ini-ciou (pré ou pós pubertário) e, por outro, asdiversas acções fisiológicas da testosterona(Quadro II e IIA). Estas, por sua vez, podemser função directa da testosterona (acção nomúsculo, função sexual e espermatogénese)ou indirecta, através da DHT (acção na pele,couro cabeludo e próstata) e do estradiol(acção no osso, cérebro e lípidos)14. Assimsendo, o défice de androgéneos durante avida fetal causa alterações da diferenciaçãosexual que compreendem, entre outras,

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QUADRO I: Condições que alteram os níveis de SHBG

Níveis de SHBG diminuídos• androgéneos, progestativos e glicocorticóides• obesidade moderada• síndrome nefrótico• hipotiroidismo• Diabetes mellitus• Acromegália

Níveis de SHBG aumentados• estrogéneos, levotiroxina e anticonvulsivantes• cirrose hepática• infecção VIH• hipertiroidismo• idoso

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ambiguidade genital, hipospadias, escrotobífido, criptorquidia e feminização. Na ado-lescência o hipogonadismo manifesta-seatravés de uma maturação sexual tardia ouincompleta. Por isso, nesta altura a avalia-ção seriada do volume testicular assumeespecial relevo; outros sinais de virilizaçãoincluem a alteração da voz, do peso, damusculatura e da distribuição pilosa. Noadulto a sintomatologia é caracteristica-mente inespecífica com letargia, astenia,alterações do humor, diminuição da libido edisfunção eréctil. Objectivamente pode exis-

tir anemia, aumento da massa gorda eperda de massa óssea e muscular.

DIAGNÓSTICO LABORATORIAL

A suspeição clínica de hipogonadismodeve ser sempre confirmada laboratoriamen-te. A abordagem inicial com o intuito diag-nóstico compreende uma avaliação da fun-ção testicular, com doseamentos de testostero-na total (TT) e espermograma. Doseamentosou cálculo de testosterona livre (TL) são acon-selhados em caso de alterações da SHBG, com

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QUADRO II: Sinais e sintomas de hipogonadismo (adaptado de Nieschlag et Behre, 2000)

Pré-pubertário Pós-Pubertário

Osso Proporções eunucóides; osteoporose Diminuição da massa óssea; osteoporose

Laringe Voz aguda Inalterada

Pilosidade Linha púbica horizontal Alopecia

Pele Ausência de acne; rugas Atrofia, palidez, rugas

Medula óssea Anemia Anemia

Músculos Subdesenvolvidos Atrofia

Massa gorda Aumento Aumento

Pénis Subdesenvolvido Inalterado

Próstata Subdesenvolvida Atrofia

Espermatogénese Ausente Regressão

Esperma Azoospermia ou diminuição do volume Diminuição do volume

Libido Ausente Diminuída

Função sexual Ausente Disfunção eréctil

QUADRO IIA: Sintomas e sinais sugestivos de hipogonadismo no homem (adaptado de ES guidelines, 2010)

A. Sinais e sintomas específicosAtraso no desenvolvimento pubertário; proporções eunucóidesDiminuição da libido e da actividade sexualDiminuição do número de erecções espontâneasMastalgia; ginecomastiaDiminuição pilosa nas zonas androgeneo-dependentesVolume testicular diminuído (sobretudo <5ml)Infertilidade; oligo/azoospermiaPerda de altura, fracturas patológicas, diminuição da densidade mineral óssea (DMO)Afrontamentos

B. Sintomas e sinais inespecíficosAstenia, diminuição da auto-confiançaHumor depressivo, ciclotímiaDiminuição da memória e da concentraçãoInsóniaAnemia ligeira Diminuição da força muscularAumento da massa gorda e do índice de massa corporal (IMC)

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especial relevo nas situações de obesidade esenescência6. Embora existindo opiniões con-trárias15,16, a Endocrine Society (ES) e aAmerican Association of ClinicalEndocrinologists (AACE) continuam a catego-rizar o método de diálise de equílibrio como o“estado de arte” para o doseamento da TL,aconselhando-o em deterimento dos métodosanálogos como, por exemplo, o radioimu-noensaio-RIA. Quanto à colheita das amos-tras, esta deve ser realizada por volta das 8horas da manhã, coincidindo com o picomáximo hormonal; do mesmo modo devemser realizadas 2 a 3 avaliações em dias dife-rentes, minimizando assim resultados falsosnegativos5. Caso se confirme o hipogonadis-mo, o doseamento de LH e FSH deverá ser opasso seguinte. Assim, no hipogonadismoprimário ou hipergonadotrófico os valores deLH e FSH estão aumentados, enquanto valo-res normais ou diminuídos das hormonashipofisárias sugerem hipogonadismo secun-dário ou hipogonadotrófico. A investigaçãoetiológica da disfunção hipotálamo-hipofisá-

ria pode subsequentemente ser complemen-tada e orientada de acordo com a suspeiçãodiagnóstica com doseamentos de prolactina(hiperprolactinemia), saturação do ferro(hemocromatose), outros doseamentos defunção hipofisária, Ressonância Magnética(tumores), entre outros.

ETIOLOGIA

O quadro III resume as principais causasde hipogonadismo. As principais causas dehipogonadismo primário incluem aSíndrome de Klinefelter, criptorquidia, qui-mioterapia, radiação, trauma e orquidecto-mia e de hipogonadismo secundário, a hiper-prolactinemia, doença crónica, drogas, per-turbações alimentares e tumores pituitários17.

HIPOGONADISMO NO IDOSO

O défice de androgéneos no idoso temtido um interesse crescente por parte dacomunidade científica em paralelo com o

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QUADRO III: Causas de hipogonadismo (adaptado de Sambul B. et al, 2008)

Hipogonadismo Hipogonadotrófico

Estrutural Estrutural

IdiopáticoSem anosmiaSd KallmannSd eunucóide fértil

Hipoplasia congénita da supra renal

TumoresDoenças infiltrativasTraumatismo cranianoApoplexia pituitáriaIrradiação craniana

Funcional Funcional

Deficit GnRH associado a obesidade e atraso mentalSd Laurnce-Moon-BiedlSd Prader-Willi

Associado a outros deficits hormonais

Dças sistémicas agudas e crónicasMalnutrição e obesidadeEsteróides anabólicos, glicocorticóides, opiáceos

Hipogonadismo Hipergonadotrófico

Estrutural Estrutural

CriptorquidaVaricoceleDistrofia miotónica

Fármacos (agentes alquilantes)Doenças auto-imunesInfecções (orquite, HIV)RadiaçãoTraumaTorção do testículoToxinas

Funcional Funcional

Sd KlinefelterAlterações da síntese de androgéneosMutações do gene do receptor FSH

Dças sistémicas crónicas (cirrose, IRC, DM)Fármacos (glicocorticóides, Ketoconazol)

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envelhecimento da população. Surge assimo conceito recente de “Late OnsetHypogonadism” (Hipogonadismo de apare-cimento tardio) definido como uma síndro-me clínica e bioquímica que se associa aoenvelhecimento e caracterizado por sinto-matologia típica devida a níveis baixos detestosterona18. Como previamente referido,a testosterona diminui de forma progressivacom a idade e esse declínio está dependentede vários factores, tais como, medicação,adiposidade e doença crónica19. Os mecanis-mos implicados parecem ser primários esecundários, entre os quais, hipofunçãohipotálamo-hipofisária (com perda daamplitude, frequência e variação diurna dasecreção de LH), aumento da SHBG (e con-sequentemente diminuição da testosteronalivre, biologicamente activa)14 e diminuiçãoda função testicular.

TERAPÊUTICA

A terapêutica do hipogonadismo passapela administração exógena de testosteronaou pela indução endógena da sua produ-ção. Assim, nos casos de hipogonadismosecundário pode-se recorrer a pulsos deGnRH e/ou à administração de gonadotro-pinas. No entanto, a principal indicaçãodesta terapêutica é restaurar a fertilidadeem indivíduos hipogonadotróficos atravésda iniciação e manutenção da espermato-génese20, 21. Quanto à substituição hormonalcom testosterona esta aplica-se tanto noscasos de défice primário como secundário.

RELAÇÃO RISCO-BENEFÍCIO

O início de terapêutica substitutiva comtestosterona no jovem com hipogonadismoparece demonstrar vantagens claras. Entreestas incluem-se a melhoria da composiçãocorporal (aumento da massa magra e dimi-nuição da massa gorda), dos parâmetrospsicológicos (aumento da libido, melhoria

da função sexual, energia e sensação debem-estar) e da cognição22. De igual modo,verifica-se um aumento da densidade mine-ral óssea, embora não existam aindaensaios para avaliação de risco de fractu-ras23-26. A subida do hematócrito é tambémevidente, sendo dose-dependente e maisnotória no idoso27. Alguns estudos maisrecentes correlacionam o hipogonadismocom a síndrome metabólica, obesidade vis-ceral, insulino-resistência e Diabetes melli-tus tipo 228. Assim, por exemplo, níveis bai-xos de testosterona são mais frequentes emhomens com DMT2 do que em não diabéti-cos, independentemente do controlo glicé-mico, duração da diabetes, presença decomplicações ou obesidade29. De formasemelhante, o aumento de 1 desvio padrãono valor de testosterona total diminui orisco de síndrome metabólica em 57%30.Quanto aos mecanismos implicados nadiminuição da testosterona na síndromemetabólica, propõe-se uma baixa da secre-ção de testosterona pelas células de Leydigem consequência da insulino-resistência31

ou em consequência do excesso de leptina.

QUANDO TRATAR?

A American Association of ClinicalEndocrinologists (AACE) e a EndocrineSociety (ES) são claras em recomendar o iní-cio de terapêutica substitutiva no homemsintomático com défice clássico de androgé-neos (quadro IIA) contra indicando, noentanto, a sua utilização nos casos de:

• Carcinoma da próstata ou damama;

• Nódulo prostático palpável; PSAtotal> 4 ng/ml; PSA total> 3ng/mlnos casos de risco elevado de neo-plasia prostática (http:// deb.uths-csa.edu/uRORiskCalc/Pages/calcs.jsp);

• Hiperplasia benigna da próstata (secálculo de risco da AmericanUrological Association> 19:

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http://prolieve.com/scoring_a.html)• Eritrocitose (Htc > 50%); Síndrome

da Apneia do sono não tratada;• Insuficiência Cardíaca grave;• Desejo de fertilidade;

Quanto ao início do tratamento no idosoe, pelo exposto anteriormente, as opiniõesdas principais Sociedades Científicas diver-gem quanto ao valor de testosterona quedeve servir de base ao tratamento (QuadroIV). No entanto todas elas são consensuaisem iniciar terapêutica numa base individualcaso exista sintomatologia clínica.

FORMAS DISPONÍVEIS DE TESTOSTERONA

A testosterona nativa é absorvida nointestino sendo posteriormente degradadamuito rapidamente pelo fígado, o queimpossibilita a manutenção de níveis séri-cos desejáveis. Ao longo do tempo foram,por isso, desenvolvidas alterações da molé-cula de base ou sistemas diferentes de admi-nistração exógena. As preparações actual-mente disponíveis, mas nem todas comer-cializadas no mercado português, incluem:

• Preparações para administração oral;• Preparações para administração

intramuscular;• Discos transdérmicos;• Gel transdérmico;

• Dispositivos bucais;• Implantes intradérmicos;

Preparações orais - A forma oral actual-mente disponível em Portugal, o undecanoa-to de testosterona, tem uma absorção prefe-rencial através do sistema linfático minimi-zando assim o efeito de primeira passagemhepático relacionado com a molécula origi-nal e a hepatotoxicidade relacionada comessa mesma molécula alquilada. Esta formu-lação deve, por isso, ser preferencialmenteadministrada após uma refeição gorda. Noentanto, é frequente existir uma absorçãoirregular associada a intolerância gastrointes-tinal e ocasionando uma biodisponibilidadeerrática. Além disso a sua conversão faz-sepreferencialmente em DHT podendo existirníveis subóptimos de estradiol32. A dose tera-pêutica recomendada é de 180-240 mg/diadividida em 2 a 3 tomas33. Noutros paísesestão também disponíveis a metiltestosteronaalquilada e a fluoximesterona. As principaisvantagens das formulações orais relacionam-se com a via de administração e a flexibilida-de de dose. A actividade androgénica irregu-lar, o efeito adverso no perfil lipídico (aumen-to do colesterol-LDL e diminuição do coleste-rol-HDL por ausência de aromatização destesfármacos) e a potencial hepatotoxicidade(quistos hemorrágicos, colestase e adenomahepatocelular) incluem-se nos principais efei-tos secundários20.

Preparações intramusculares - A injec-ção intramuscular foi até recentemente pre-ferida por ser uma forma segura e de baixocusto de administração de testosterona;além disso a esterificação molecular dogrupo 17‚ hidroxil aumenta a lipossolubili-dade destas moléculas permitindo fabricarformulações de longa duração (depot), cujoefeito aumenta proporcionalmente aotamanho da cadeia esterificada34. Assim, osesteres primeiramente comercializados, ocipionato (não disponível em Portugal) e oenantato de testosterona podem ser admi-

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QUADRO IV: Níveis hormonais aconselhados para iniciar o trata-mento com testosterona no idosocom as formulações disponíveis

Test. Total Test. Livre

AACE*(2002)

< 200 ng/dl (eventual candidato)

EAU/ ISA **(2006)

< 231 ng/dl (8 nmol/L)

< 52 pg/mL (180 pmol/L)

ES ***(2010)

Sem recomendaçãoinequívoca

Sem recomendação inequívoca

* American Association of Clinical Endocrinologists

** European Association of Urology/ International Society of Andrology

*** Endocrine Society

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nistrados em intervalos de 2 semanas. Noentanto, há uma associação frequente comníveis suprafisiológicos 1 a 2 dias após ainjecção e subfisiológicos no final desteintervalo. Para ultrapassar esta flutuaçãofoi feita a tentativa de misturar ésteres masaparentemente sem sucesso34. Mais recente-mente foi desenvolvido o undecanoato IMde acção prolongada que pode ser adminis-trado a intervalos de 12 semanas. Parece,por isso, ser uma boa opção no jovem comhipogonadismo mas deverá ser usado comcuidado no idoso pela dificuldade na sus-pensão da sua actividade plasmática, nocaso de aparecimento de efeitos secundá-rios35.

Discos transdérmicos - A via transdér-mica de administração de testosterona sur-giu pela primeira vez em 1994 com o lança-mento de discos escrotais; no entanto, estaformulação não se encontra comercializadaem diversos Países (entre os quais Portugal eEstados Unidos da América). Os motivosessenciais parecem ser a necessidade deefectuar tricotomia local e a libertação deníveis superiores aos desejados de DHT(devido à presença da actividade da 5reductase na pele escrotal) causando con-trovérsia quanto à possibilidade de desen-volver carcinoma prostático36. Foram, porisso, desenvolvidos discos transdérmicos quepodem ser aplicados nos membros, abdó-men ou anca. Atingem o pico máximo deacção 4 a 6 horas após a aplicação e têmuma duração de 18 a 20 horas. A sua colo-cação deve ser efectuada ao deitar mimeti-zando, assim, o ciclo circadiano da testoste-rona. As reacções dérmicas locais associa-das a eritema, prurido e formações debolhas limitam o seu uso; são, por isso,aconselhadas a rotação regular dos discos ea aplicação tópica de corticóide em caso dedermatite37.

Gel transdérmico - As formulaçõessobre a forma de gel contêm 1% de testoste-

rona, libertam níveis estáveis de testostero-na e estão menos frequentemente associa-das a irritações cutâneas. O gel deve seraplicado no dorso ou braços evitando o con-tacto com água nas 6 horas subsequentes.Do mesmo modo, deve ser acautelada atransferência do gel através do contactocutâneo.

Dispositivos bucais - Em 2003 foi apro-vada a comercialização nos EUA de disposi-tivos bucais que aderem à gengiva e cujasubstituição deve ser realizada a cada 12 a14 horas. A absorção sistémica na cavidadeoral é feita através da veia cava superiorfazendo assim um bypass e evitando o efei-to de primeira passagem hepática. As con-centrações séricas atingidas são semelhan-tes às do gel transdérmico a 1%. No entan-to, a sensação de corpo estranho e a possibi-lidade de se deslocarem dificulta o seu usonalguns homens.

Implantes intradérmicos - Esta é aforma mais antiga de comercialização detestosterona em que um implante é coloca-do na região subcutânea com a duração de4 a 6 meses. No entanto é necessária umapequena cirurgia e existe o risco de extor-são38, o que torna esta forma pouco populare apenas comercializada em alguns países.

MONITORIZAÇÃO

MONITORIZAÇÃO TERAPÊUTICA

O objectivo primário da terapêutica comtestosterona é restabelecer a sensação debem-estar, a libido, manter a virilização,optimizar a massa óssea e eventualmentediminuir o risco cardiovascular. A ES estabe-lece regras claras quanto à altura certa paramonitorizar a terapêutica, de acordo com asformulações iniciadas (Quadro V). O pri-meiro doseamento laboratorial deverá serrealizado 3 a 6 meses após o início da subs-

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tituição e, depois, anualmente. O objectivoé atingir níveis normais (a meio dos limitesdefinidos) de testosterona plasmática.

EFEITOS SECUNDÁRIOS

Os efeitos secundários podem ser especí-ficos da formulação em causa, ou podemdever-se à própria testosterona. No primeirocaso é disso exemplo a irritação cutâneacausada pelos discos transdérmicos, e quepode ser minimizada pela aplicação de umcorticóide tópico39. Por sua vez, os ésteresinjectáveis de testosterona podem cursarcom flutuações do humor e da libido e,raramente, com tosse após a injecção.

Outras acções da testosterona, emboranão possam ser interpretadas como efeitossecundários são, por si só, indesejáveis. É ocaso do aparecimento de acne, ginecomas-tia ou agressividade comportamental,sobretudo no adolescente. O excesso de tes-tosterona pode igualmente cursar com ofecho prematuro das epifíses na criança.

Podem surgir eritrocitose e agravamentode uma síndrome de apneia do sono; a ESaconselha a interrupção da terapêutica se ohematócrito for superior a 54% até norma-lização para um nível de segurança.

Também o volume prostático e o nívelde Antígeneo Específico da Próstata (PSA)aumentam em resposta à testosterona.Alguns homens podem evidenciar um agra-vamento de queixas urinárias obstrutivas.Quanto à existência de uma associaçãoentre a terapêutica com testosterona e o

cancro da próstata, os dados parecemdemonstrar um risco semelhante ao dedoentes não tratados: uma meta-análise deestudos prospectivos sobre terapêutica desubstituição com testosterona revelou ape-nas cinco casos de carcinoma prostático(CaP) em 461 homens tratados (1,1%),seguidos por um período de seis a 36 meses.(40). Do mesmo modo, Shabsigh et al.41

numa revisão sistemática da Medline nãoencontraram aumento do risco de CaP nemprogressão de lesão de alto grau para CaPem homens hipogonádicos tratados comtestosterona; esta terapêutica pareceu tam-bém ser segura em homens tratados paraCaP com intenção curativa. No entanto,dada a falta de estudos prospectivos e dirigi-dos para esta problemática, as principaissociedades continuam a contra-indicar aterapêutica substitutiva em caso de CaP euma vigilância atenta nos indivíduos sobtestosterona. Assim, e de acordo com a ESdeverá ser obtida ajuda urológica se idade ?40 anos e PSA basal> 0,6 ng/ml; PSA> 1,4ng/ml no período de um ano ou velocidadede crescimento do PSA> 0,4 ng/ml/ano após6 meses do início da terapêutica, ou se exis-tir um nódulo palpável ao toque rectal.

CONCLUSÃO

O défice de testosterona associa-se auma multiplicidade de sintomas afectandodiversos órgãos. Embora os benefícios daterapêutica com testosterona estejam com-

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QUADRO V: Monitorização terapêutica da testosterona de acordo com as formulações disponíveis

Formulação Dose Periocidade Controlo terapêutico

Enantato/ cipionato IM 250 mg 2-3 semanas A meio de 2 injecções

Discos transdérmicos 5-10 mg diário 3-12h após aplicação

Adesivo bucal 30 mg 2 x dia Imediatamente antes ou após aplicação

Gel transdérmico 5-10 g diário Em qualquer altura, após 1ª semana de aplicação

Implante variável variável No final do intervalo de dose

Undecanoato oral 40-80 mg 2-3 x dia 3 a 5h após a toma

Undecanoato injectável 1000 mg Após 6 sem e depois cada 10-14 sem Imediatamente antes da injecção seguinte

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provados no jovem e no adulto, no idosoainda não existem dados suficientes paraprovar a eficácia em todos os parâmetros.Espera-se para breve o início de um ensaio(T trial) nestes indivíduos onde se esperamconclusões quanto à sexualidade, vitalida-de, função muscular, cognição e doençacoronária. Até lá as principais sociedadescientíficas mantêm a indicação para tratarindivíduos apenas sintomáticos e comníveis de testosterona baixos.

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É a hemoglobina A1C um método fiávelpara diagnóstico de diabetes tipo 2?Is hemoglobin A1C a reliable method for thediagnosis of type 2 diabetes?

Ana Isabel Branco1, Miguel Azevedo2, Sandrina Martins1

1 Médicas Internos de Medicina Geral e Familiar: Unidade de Saúde Familiar Nova Via – ACES Grande Porto IX Espinho/Gaia2 Médico Especialista de Medicina Geral e Familiar: Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados de Negrelos – ACES Grande Porto I Santo

Tirso/Trofa

Correspondência: Ana Isabel Branco › Av. Dr. Antunes Guimarães, 79 – 3º › 4100-079 PORTO › [email protected]ção: Artigo recebido em 06/10/2010, revisto em 30/12/2010 e aceite para publicação em 05/01/2010.

RESUMO

Introdução: De acordo com o Estudo da Prevalência da Diabetes em Portugal, esta patologia

afecta 11,7% da população, com uma percentagem total de 43,6% de indivíduos não diag-

nosticados. A American Diabetes Association (ADA 2010) preconiza a A1c como método de

rastreio para diagnóstico da Diabetes Mellitus Tipo 2 (DM2). Valor ≥6,5% estabelece diagnós-

tico, sem necessidade de glicemia em jejum (GJ) ou prova de tolerância à glicose oral (PTGO).

Objectivo: Rever graus de recomendação (GR), utilizando a escala Oxford, da possível utiliza-

ção da A1c como método de diagnóstico da DM2, com base na ADA.

Métodos: Pesquisa nos sites de medicina baseada na evidência Cochrane, DARE, TRIP e PubMed

de meta-análises, revisões sistemáticas, estudos de coorte e ensaios clínicos randomizados,

publicados nos últimos 16 anos, inglês. Termos MesH: “type 2 diabetes mellitus”; “diagno-

sis”; “screening”; “hemoglobin A glycosylated”.

Resultados: Dez artigos encontrados, seleccionados cinco - uma revisão sistemática, dois estu-

dos de coorte prospectivos, um estudo analítico transversal e prospectivo e um estudo analí-

tico transversal. A1c e GJ isoladas demonstram ser equivalentes à PTGO no diagnóstico de

DM2 (GR A). A A1c apresenta uma sensibilidade inferior à GJ e uma especificidade superior

(GR B). Revela-se forte predictora de DM2 e complicações microvasculares (GR A). Oferece

menor variabilidade intra-individual (GR B).

Conclusões: A A1c revelou-se um teste diagnóstico fiável, no entanto, dada a sua menor sen-

sibilidade, não será tão adequada como teste de rastreio. Apresenta limitações como o custo

e a dificuldade de interpretação da análise perante determinadas condições médicas ou

populações. Torna-se necessária a realização de estudos subsequentes para validar a capaci-

dade dos testes A1c, GJ e PTGO em predizer as complicações a longo prazo da DM (end point

clinicamente relevante), que se poderá associar a uma diminuição de custos a longo prazo.

PALAVRAS-CHAVE

A1c; Diagnóstico; Diabetes mellitus tipo 2.

ABSTRACT

Background: According to the Study of Diabetes Prevalence in Portugal this pathology affects

11,7% of the population, with a total percentage of 43,6% of non-diagnosed individuals. The

American Diabetes Association (ADA 2010) preconizes A1c as a screening method for the diagno-

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sis of Type 2 diabetes mellitus (DM2). Value ≥6,5% establishes diagnosis, without the need of fas-

ting plasma glucose (FPG) or oral glucose tolerance test (OGTT).

Objective: Review Grades of Recommendation (GR), using the Oxford scale, of the possible utili-

zation of Ac1 as a diagnosis method for DM2, based on ADA.

Methods: Research at Cochrane, DARE, TRIP and PubMed for meta-analysis, systematic reviews,

cohort studies and randomized clinical trials, published in the last 16 years in english. MesH terms:

“type 2 diabetes mellitus”; “diagnosis”; “screening”; “hemoglobin A glycosylated”.

Results: Ten articles found, five selected – a systematic review, two prospective cohort studies, a

cross-sectional and prospective analytical study and a cross-sectional analytical study. Ac1 and FPG

isolated demonstrate being equivalent to OGTT in the diagnosis of DM2 (GR A). Ac1 presents an

inferior sensibility to FPG and a superior specificity (GR B). It shows a strong prediction capability of

DM2 and microvascular complications (GR A). It offers less intra-individual variability (GR B).

Conclusions: Ac1 has shown to be a reliable diagnosis test. However, given its inferior sensibility,

it won’t be that adequate as a screening test. It presents limitations such as cost and difficulty in

the interpretation of analyses under certain medical conditions and populations. It becomes neces-

sary the realization of subsequent tests in order to validate the capability of the Ac1, FPG, OGTT

tests in predicting the complications of DM in the long run (end point clinically relevant). This may

be associated with a reduction of long-term costs.

KEY-WORDS

A1c; Diagnosis; Type 2 diabetes mellitus.

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INTRODUÇÃO

De acordo com o Estudo da Prevalênciada Diabetes em Portugal1, desenvolvidoentre Janeiro 2008 e Janeiro 2009, esta pato-logia afecta 11,7% da população, havendouma percentagem total de 43,6% de indiví-duos não diagnosticados. Trata-se de umadoença com uma prevalência considerável,que se associa a uma elevada morbi-morta-lidade. Na maioria dos casos é assintomáti-ca nos estádios iniciais, podendo permane-cer sem diagnóstico por vários anos. O diag-nóstico precoce, através de um rastreio siste-mático, torna-se por isso crucial, uma vezque permite, com controlo adequado, redu-zir as complicações a longo prazo. Os testesde rastreio comummente utilizados são aglicemia em jejum (GJ) e a prova de tolerân-cia à glucose oral (PTGO). Segundo as reco-mendações da Direcção-Geral da Saúde2,são critérios diagnósticos (sujeitos a confir-mação, na ausência de hiperglicemia ine-

quívoca): a) GJ) ≥126mg/dl; b) glicemia oca-sional ≥200mg/dl e sintomas clássicos; c)glicemia às 2 horas ≥200mg/dl na PTGOcom 75g. Tanto a GJ como a PTGO impli-cam um jejum de pelo menos 8 horas e, nocaso da PTGO, a repetição da medição,sendo que a precisão pode ser influenciadapela não-aderência dos pacientes ao jejum.Alguns estudos demonstraram que a GJapresenta uma sensibilidade limitada e aPTGO uma baixa reprodutibilidade. Sendocaracterística da diabetes a hiperglicemiacrónica, capaz de causar complicações espe-cíficas, faz sentido que uma medida labora-torial como a hemoglobina glicosilada A1c(HbA1c), que avalia a hiperglicemia susten-tada, forneça uma melhor noção da presen-ça e gravidade da doença do que a concen-tração da glucose em unidades isoladas. AAmerican Diabetes Association (ADA 2010)preconiza a A1c como único método de ras-treio para diagnóstico da Diabetes Mellitustipo 2 (DM2), com um valor diagnóstico

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≥6,5%3.Os valores de corte estabelecidosderivam da associação com as complicaçõesmicrovasculares, nomeadamente a retino-patia.

Os autores propuseram-se rever as for-ças de recomendação, segundo a escala daOxford Centre for Evidence-based MedicineLevels of Evidence4, da possível utilização daA1c como método de diagnóstico eficaz daDM2.

MÉTODOS

Foi efectuada uma pesquisa nos sites demedicina baseada na evidência Cochrane,DARE, TRIP e PubMed de meta-análises, revi-sões sistemáticas, estudos de coorte eensaios clínicos randomizados, publicadosentre Janeiro de 1994 e Março de 2010, nalíngua inglesa. Os termos MeSH utilizadosforam: “type 2 diabetes mellitus”; “diagno-sis”; “screening” e “hemoglobin A glycosy-lated”.

Critérios de inclusão:– População: adultos (>18 anos) sem

diagnóstico de diabetes– Intervenção: utilização do teste da A1c– Comparação: GJ e/ou PTGO– Resultados: eficácia no diagnóstico de

DM2A escala Oxford apresenta os Níveis de

Evidência (NE) 1 a, b, c/ 2 a, b, c/ 3 a, b/ 4/5 e os Graus de Recomendação (GR) A/ B/C/ D.

RESULTADOS

Foram encontrados dez artigos, tendosido excluídos cinco (doentes diabéticos;não utilização do teste da A1c; avaliação docontrolo metabólico) e seleccionados cinco -uma revisão sistemática, dois estudos decoorte prospectivos, um estudo analíticotransversal e prospectivo e um estudo analí-tico transversal.

Uma revisão sistemática de 20075

incluía 9 estudos transversais – 4 estudoscomunitários abrangendo um total de 2 853063 indivíduos e 5 estudos hospitalares com1 114 482 participantes. O objectivo eraavaliar a eficácia da A1c como teste de ras-treio de DM2, comparativamente à GJ, etendo como referência a PTGO. Verificou-seque a A1c e a GJ foram igualmente eficazescomo testes de rastreio da DM2. Na maioriados estudos, o valor de corte recomendadoera A1c>6,1%. A A1c apresentou umamenor sensibilidade e uma maior especifici-dade na detecção da DM. Comprovou-seque a A1c tem uma baixa variabilidadeintra-individual. As limitações inerentes aosestudos analisados nesta revisão sistemáticaprendem-se com: a escassez de informaçãorelativa às variantes genéticas (emborapouco significativa dado o elevado númerode participantes) e distribuição de géneros,o facto de alguns estudos com amplo espec-tro de idades não fornecerem estimativas desensibilidade e especificidade para faixasetárias, haver diferentes grupos étnicos evariações na prevalência de factores de riscode DM, assim como com a variação dasmetodologias utilizadas nos testes da A1c eGJ (NE 2 a).

Num estudo de coorte prospectivo domesmo ano6, foram seguidas 26 563 mulhe-res com 45 ou mais anos (média 54,6±7,1anos), durante 10 anos. Pretendia-se determi-nar se os níveis de A1c eram predictores daincidência de DM e doença cardiovascular(DCV) – enfarte agudo do miocárdio nãofatal, revascularização coronária, acidentevascular cerebral isquémico e morte de etiolo-gia cardiovascular. Concluiu-se que a A1c foium forte predictor independente do risco dedesenvolver DM, mas não apresentou asso-ciação significativa com a DCV. O risco tor-nou-se mais elevado para valores de A1c de5,0 a 5,5%. Este estudo demonstrou a impor-tância prognóstica da A1c, uma vez que ocor-reu elevação dos níveis de A1c previamente

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ao desenvolvimento clínico de DM2. A coortecompreendia uma população de baixo riscocom mulheres saudáveis, caucasianas, predo-minantemente não-hispânicas, sendo que osresultados não poderão ser generalizados aoutros grupos (raciais, étnicos, mais jovens,homens). Aproximadamente 20% daquelascom A1c ≥7,0% não desenvolveram DM eteriam sido incorrectamente diagnosticadasbaseados apenas neste critério. Como outralimitação do estudo, pudemos verificar que osníveis de glicemia não estavam disponíveis(NE 1 b).

Em 2004, um estudo de coorte prospecti-vo7 com 3 anos de seguimento de 1 197 indi-víduos (94% homens, entre os 45-64 anos),propôs-se avaliar se os valores de A1c permi-tiam a estratificação do risco de desenvolverDM. O nível basal de A1c revelou-se um pre-dictor significativo de DM de novo. Verificou-se uma incidência anual de DM de 0,8%para uma A1c≤5,5% (normal); de 2,5% parauma A1c=5,6-6,0% (normal-alta); de 7,8%para uma A1c=6,1-6,9% (alta). Pelos dadosobtidos, conclui-se que os pacientes combaixo risco só precisariam de efectuar novorastreio após 3 anos; os de alto risco necessi-tariam de um seguimento mais apertado eeventualmente tratamento para reduzir orisco de DM. Apontam-se as seguintes limita-ções: não foi efectuado um rastreio anual,apenas quando a A1c basal era igual ousuperior a 6,0% foi pesquisada a GJ (dimi-nuindo assim a probabilidade de detectarDM naqueles com A1c <6,0%) e 94% dapopulação era do género masculino (NE 1 b).

Um estudo analítico transversal e pros-pectivo de 19948, abrangeu uma populaçãoseguida durante 9 anos, de 960 índios Pima(Arizona), com 25 ou mais anos de idade,numa relação de 384 homens para 576mulheres. Foi avaliada a comparação da efi-cácia dos testes A1c, GJ e PTGO no diagnósti-co de DM2 e na predição de complicaçõesmicrovasculares específicas da DM. Foi

demonstrado que A1c e GJ isolados são alter-nativas aceitáveis à PTGO no diagnóstico deDM. Os três testes foram predictores de reti-nopatia e nefropatia. A PTGO teve maiorcapacidade predictora da incidência de reti-nopatia (não estatisticamente significativa);tendo-se verificado uma prevalência idênticapara os três testes. A incidência e prevalênciade nefropatia revelaram-se similares nos trêscasos. A associação da nefropatia com osníveis glicémicos revelou-se menos forte. AA1c mostrou maior especificidade e a PTGOmaior sensibilidade na predição de compli-cações microvasculares. De referir que esteestudo utilizou uma população com elevadaprevalência de DM (NE 1 b).

Em 2004, Mollet et al9 realizaram umestudo analítico transversal para determinara validade da A1c como método diagnósticode DM2, comparativamente à GJ e PTGO. Apopulação era constituída por 454 indiví-duos, 52% do género masculino, com umamédia de idades de 65±3 anos. A correlaçãoentre níveis de A1c, GJ e PTGO revelou-se sig-nificativa. Demonstraram que a aplicaçãode uma técnica combinada, nos casos de GJde 110 a 125mg/dl, com A1c ≥5,94% (+3 des-vios padrão) apresentou uma sensibilidadede 92% e uma especificidade de 95%. O valorde corte A1c≥5,51% apresentou uma sensibi-lidade de 76% e uma especificidade de 85%,consideradas aceitáveis. O facto de ter sidoestudada uma população em que todos osindivíduos apresentavam pelo menos umfactor de risco para desenvolver DM2 pôdeconduzir a uma sobre estimativa dos valorespreditivos positivos e negativos. Quando uti-lizados valores de corte mais altos, a especifi-cidade aumentava, à custa de uma diminui-ção da sensibilidade (NE 2 b).

CONCLUSÕES

A A1c revela-se uma forte predictoraindependente do risco de desenvolver DM2

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(GR A) e complicações microvasculares,sobretudo retinopatia (GR A). Os testes daA1c e GJ isolados demonstram ser equiva-lentes ao da PTGO no diagnóstico de DM2(GR A). A A1c oferece uma sensibilidadeinferior e uma especificidade superior à GJ(GR B). Apresenta uma menor variabilidadeintra-individual (GR B).

Como vantagens, o teste da A1cdemonstra boa reprodutibilidade em medi-ções repetidas ao longo do tempo em indiví-duos não diabéticos e uma boa correlaçãocom a probabilidade de desenvolver compli-cações crónicas microvasculares. É maisconveniente para o paciente (a análise podeser obtida em qualquer altura, sem prepara-ção prévia, não requer sobrecarga de gluco-se) e apresenta maior facilidade de trata-mento da amostra (é relativamente estávelà temperatura ambiente).

Por outro lado, subsistem limitações.Verifica-se uma concordância incompletaentre o valor da A1c e da GJ, ocorrendo umavalorização da especificidade em detrimen-to da sensibilidade, o que poderá levar auma diminuição da ocorrência de falsospositivos, mas também a um aumento doatraso diagnóstico se A1c<6,5%. A decisãode utilizar a A1c como método diagnósticodeve ter em conta condições que interferemcom a sua acuidade (hemoglobinopatias)ou que alteram a semivida eritrocitária(anemias hemolíticas, hemorragias abun-dantes, transfusões de sangue, …) e aindavalores de corte específicos de populações(variável com etnicidade, idade, género eprevalência de diabetes na população). ONational Glycohemoglobin StandardizationProgram (NGSP) iniciou em 1996 um proces-so de padronização laboratorial, através dométodo de cromatografia de troca iónica eelectroforese em gel de agarose. Assim, noslaboratórios com método certificado peloNGSP e padronizado em relação ao dosea-mento de referência do Diabetes Control andComplications Trial (que actualmente com-

preendem a maioria dos laboratórios emPortugal), um valor de A1c ≥6,5% estabele-ce o diagnóstico de DM10. Embora nalgunslocais o custo elevado possa inviabilizar asua utilização, a longo prazo poderá reve-lar-se uma análise custo-efectiva, dado ofactor preditivo de complicações.

Mantém-se a necessidade de aprofundara investigação no sentido de validar a capa-cidade dos testes A1c, GJ e PTGO em predi-zer as complicações a longo prazo da DM(end point clinicamente relevante), para sepoder concluir acerca do melhor método derastreio da DM2.

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