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ENCONTRO LATINOAMERICANO DE EDIFICAÇÕES E COMUNIDADES SUSTENTÁVEIS CURITIBA - PR | 21 A 24 DE OUTUBRO ELECS 2013 - CURITIBA - PR | 21 A 24 DE OUTUBRO 1 HABITAÇÃO EM ÁREAS DE RISCO DE CAMPINAS/SP: AVALIAÇÃO E PROPOSTAS DE APRIMORAMENTO DO PROCESSO DE REMOÇÃO E REASSENTAMENTO Bárbara Campidelli Ghirello 1 , Gabrielle Aser 2 , Laura Machado de Mello Bueno 3 Resumo O presente argo pretende analisar a inserção de empreendimentos de habitação social no tecido urbano, bem como o processo de remoção de famílias que moram em habitações precárias em área de risco, com o fim de propor novos modelos de reassentamento e de inserção desses empreendimentos na cidade. As famílias analisadas, estão sendo transferidas para empreendimentos da COHAB através do programa “Minha Casa, Minha Vida”, Instuído pela Lei (nº11.977), que tem por finalidade criar mecanismos de incenvo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais ou a requalificação de imóveis urbanos. Esse programa habitacional, criado pelo Governo Federal do Brasil, trouxe a perspecva de atendimento em larga escala ao déficit habitacional na faixa de mais baixa renda – 0 a 3 salários mínimos – colocando a iniciava privada como principal agente de operacionalização da produção habitacional. Tal modelo de produção, promoção e moradia apresenta aspectos que podem ser considerados posivos e outros que devem ser vistos com maiores detalhes. Palavras-chave: Área de risco, polícas habitacionais, conflitos urbanos, gestão urbana. PRECARIOUS HOUSING IN RISK AREAS IN CAMPINAS: EVALUATION AND PROPOSED IMPROVEMENT PROCESS OF REMOVE AND REALLOCATION Abstract Abstract: This arcle aims at analyzing the inseron of social housing developments in the urban fabric as well as the removal process of families who live in substandard housing in risk areas, in order to propose new models of reselement and integraon of these enterprises in the city . The families analyzed are being transferred to COHAB estate developments through the program “Minha Casa, Minha Vida”, established by law (No. 11977), which aims at creang a mechanisms to encourage the producon and a purchase of new housing or redevelopment of an urban property. This housing program, created by the Brazilian Federal Government, brought a prospect of large-scale assistance to the housing deficit in the lower income range of 0 to 3 minimum wages, pung the private sector as a main agent for an operaonal housing producon. This model of producon, promoon and housing has some posive aspects, but it has some negave aspects as well. Thus, in this arcle, I aim at analyzing the details of data collecon process for a discussion of the development of a new model of the city. Key-words: Risk areas, housing policies, urban conflicts, urban management. 1 Graduanda e aluna de Iniciação Cienfica da FAU PUC Campinas. [email protected] 2 Mestranda do Programa de pós graduação em Urbanismo/PUC Campinas. [email protected] 3 Professora do Programa de pós graduação em Urbanismo/PUC Campinas. [email protected]

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ENCONTRO LATINOAMERICANO DE EDIFICAÇÕES E COMUNIDADES SUSTENTÁVEIS

CURITIBA - PR | 21 A 24 DE OUTUBRO

ELECS 2013 - CURITIBA - PR | 21 A 24 DE OUTUBRO 1

HABITAÇÃO EM ÁREAS DE RISCO DE CAMPINAS/SP: AVALIAÇÃO E PROPOSTAS DE APRIMORAMENTO DO PROCESSO DE REMOÇÃO E REASSENTAMENTO

Bárbara Campidelli Ghirello1, Gabrielle Astier2 , Laura Machado de Mello Bueno3

Resumo

O presente artigo pretende analisar a inserção de empreendimentos de habitação social no tecido urbano, bem como o processo de remoção de famílias que moram em habitações precárias em área de risco, com o fim de propor novos modelos de reassentamento e de inserção desses empreendimentos na cidade. As famílias analisadas, estão sendo transferidas para empreendimentos da COHAB através do programa “Minha Casa, Minha Vida”, Instituído pela Lei (nº11.977), que tem por finalidade criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais ou a requalificação de imóveis urbanos. Esse programa habitacional, criado pelo Governo Federal do Brasil, trouxe a perspectiva de atendimento em larga escala ao déficit habitacional na faixa de mais baixa renda – 0 a 3 salários mínimos – colocando a iniciativa privada como principal agente de operacionalização da produção habitacional. Tal modelo de produção, promoção e moradia apresenta aspectos que podem ser considerados positivos e outros que devem ser vistos com maiores detalhes.

Palavras-chave: Área de risco, políticas habitacionais, conflitos urbanos, gestão urbana.

PRECARIOUS HOUSING IN RISK AREAS IN CAMPINAS: EVALUATION AND PROPOSED IMPROVEMENT PROCESS OF REMOVE AND REALLOCATION

Abstract

Abstract: This article aims at analyzing the insertion of social housing developments in the urban fabric as well as the removal process of families who live in substandard housing in risk areas, in order to propose new models of resettlement and integration of these enterprises in the city . The families analyzed are being transferred to COHAB estate developments through the program “Minha Casa, Minha Vida”, established by law (No. 11977), which aims at creating a mechanisms to encourage the production and a purchase of new housing or redevelopment of an urban property. This housing program, created by the Brazilian Federal Government, brought a prospect of large-scale assistance to the housing deficit in the lower income range of 0 to 3 minimum wages, putting the private sector as a main agent for an operational housing production. This model of production, promotion and housing has some positive aspects, but it has some negative aspects as well. Thus, in this article, I aim at analyzing the details of data collection process for a discussion of the development of a new model of the city.

Key-words: Risk areas, housing policies, urban conflicts, urban management.

1 Graduanda e aluna de Iniciação Científica da FAU PUC Campinas. [email protected] Mestranda do Programa de pós graduação em Urbanismo/PUC Campinas. [email protected] Professora do Programa de pós graduação em Urbanismo/PUC Campinas. [email protected]

Pesquisa
Máquina de escrever
DOI: http://dx.doi.org/10.12702/978-85-89478-40-3-a070

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1. INTRODUÇÃO

Em Julho de 2009 foi instituído, pela Lei (nº11.977), o programa “Minha Casa, Minha Vida” (MCMV), que tem por finalidade criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais ou a requalificação de imóveis urbanos. Esse programa habitacional, criado pelo Governo Federal do Brasil, trouxe a perspectiva de atendimento em larga escala ao déficit habitacional na faixa de mais baixa renda – 0 a 3 salários mínimos – colocando a iniciativa privada como principal agente de operacionalização da produção habitacional. Tal modelo de produção, promoção e moradia apresenta aspectos positivos e outros que devem ser vistos com maiores detalhes. Se, por um lado, o programa tem como objetivo prover moradia/habitação segura e de qualidade para a população de baixa renda, outro aspecto que não pode ser ignorado é a questão da inserção desses empreendimentos na malha urbana.

No caso de Campinas, parte dessas habitações é destinada à população reassentada que vive em locais de riscos, como prevê o Plano Municipal de Habitação de Interesse Social, 2011. A periferia é o local onde mais se verifica esse processo de remanejamento da população. Tal é o caso dos moradores que vivem à beira do córrego do Piçarrão, no Jardim Florence II, bairro localizado na Macrozona 5, região Sudoeste de Campinas. Parte dessa população está sendo reassentada para dois desses empreendimentos MCMV, o que implica em diversas mudanças na dinâmica social do bairro.

O presente trabalho pretende analisar a inserção desses empreendimentos no tecido urbano da cidade, bem como o processo de remoção das famílias que moram em habitações precárias em área de risco na beira do córrego do Piçarrão, no Jardim Florence II, além de propor novos modelos de reassentamento. Para tal, foram realizadas entrevistas e questionários, aplicados como parte do trabalho de campo, que teve como objetivo coletar dados para embasar uma discussão sobre esse novo modelo de construção da cidade.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

A pesquisa se utiliza de meios como mapeamentos da área através de programas como o Autocad e o ArcGis, aplicação de questionários em moradores de áreas de risco sujeitos à remoção e entrevistas a agentes públicos e lideranças locais relacionados ao processo.

3. CONHECIMENTO DO PROBLEMA

3.1. A questão da moradia

A moradia é, segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU de 1948, um elemento básico de todo e qualquer ser humano e deve, portanto, ser reconhecida e protegida na esfera urbana, dado seu posicionamento como direito fundamental na atual Constituição brasileira (Constituição Federal de 1988). A efetivação desse direito deve ser básica a todos os seres humanos e sua garantia deve estar relacionada não somente a sua obtenção, como também a sua qualidade, observando os critérios de saúde para uma moradia digna e sua representatividade cultural e social para os sujeitos que a habitam.

Segundo Lilian Fessler Vaz, o mais importante elemento do ambiente construído é a habitação. Ocupando parcela substancial do solo urbano, a habitação constitui um elemento básico de reprodução da força de trabalho e um elemento privilegiado de investimento do capital na cidade. Parte integrante do cotidiano, a habitação interfere nas práticas sociais, apoia a memória individual e coletiva, guardando significados para os diversos segmentos da população e participando da formação das identidades sociais. Encontra-se, portanto, no centro da relação espaço-sociedade (VAZ, 2002).

A moradia estende-se para além da habitação construída. Ter acesso a uma moradia digna pressupõe o acesso aos serviços indispensáveis, aos recursos naturais e comuns, à água potável, às instalações sanitárias, à infraestrutura para eliminação de dejetos e para drenagem, para citar alguns. Além disso, a moradia deve localizar-se em áreas que possibilitem acesso a postos de emprego, atendimento de saúde e educação, visando diminuir os gastos temporais e financeiros com deslocamentos (MARICATO, 1999; 2001).

Entende-se por moradia digna aquela que proporciona qualidade de vida e desenvolvimento econômico e social aos cidadãos. Além disso, de acordo com a Carta Mundial pelo Direito à Cidade (Artigo 14 – Direito

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à Moradia), ela deve representar gastos suportáveis de acordo com a renda dos moradores, ter condições de habitabilidade e estar em local adequado, com infraestrutura e oferta de serviços e equipamentos urbanos. A adoção de políticas públicas adequadas contribui para o acesso a uma moradia digna, tais como o estabelecimento de programas de subsídio e financiamento para a aquisição de terras e imóveis; de regularização fundiária e de melhoramento de bairros precários e ocupações informais, bem como o atendimento a grupos vulneráveis (Plano Metropolitano de Habitação de Interesse Social, 2009).

3.2. A Urbanização de Campinas e a Questão da Moradia

A Região Metropolitana de Campinas (RMC) apresenta cerca de 97,3% de sua população em áreas urbanas, equivalente a 72.022ha de terras, que representam 19% da área total da RMC (Plano Metropolitano de Habitação de Interesse Social, 2011). Mesmo consideradas urbanas, essas áreas carecem de serviços e infraestrutura necessárias para proporcionar condições de qualidade de vida a toda a sua população, visto que parcela desta vive em péssimas condições de habitabilidade.

O aumento populacional nas grandes cidades nas últimas décadas trouxe consequências inaceitáveis no que diz respeito à ocupação de áreas nas periferias urbanas. Pessoas mal sobrevivem em situações precárias de moradia. Na região de Campinas, no interior do Estado de São Paulo, uma parcela considerável da população vive em condições precárias. Segundo Pesquisa da Fundação SEADE (Fundação Sistema Estadual de Análises de Dados), 5,6% da população da RMC mora em áreas de risco, favelas ou cortiços, ou seja, áreas impróprias, o que equivale hoje a mais de 200 mil pessoas. Em 2000 a RMC tinha um déficit habitacional de 45.196 domicílios, de acordo com dados do IBGE. Além disso, havia uma inadequação dos domicílios em termos de carência de infraestrutura (mais de 60 mil domicílios), adensamento excessivo (mais de 40 mil domicílios), inadequação fundiária (quase 30 mil domicílios) e domicílios sem banheiros (mais de 5 mil). Esse quadro é um reflexo das desigualdades sociais no âmbito urbano. Grande parte da população urbana acaba sendo excluída e deixa de ter acesso às políticas e aos serviços públicos, bem como à própria terra urbana (Plano Metropolitano de Habitação de Interesse Social, 2009).

Em Campinas, o processo de urbanização acelerado, atrelado a períodos de expansão e retração da economia, teve como consequência o crescimento populacional do município, baseado na abertura de postos de trabalho que atraíram trabalhadores de diversas regiões do estado e do país. Muitos desses trabalhadores, excluídos desse processo, representavam apenas oferta de mão-de-obra a baixo custo, um dos motivos que gerou segregação sócio espacial na região.

O princípio do século XX foi marcado pelo ritmo de urbanização impulsionado pela produção do café e foi se intensificando ao longo do século, sofrendo forte incremento a partir da década de 1950 e das que se seguiram. O posicionamento estratégico da cidade em relação à malha ferroviária e à região produtora de café colocou-a em situação privilegiada para receber os primeiros investimentos oriundos do excedente da produção cafeeira, canalizados para as primeiras atividades industriais do país. Esse crescimento foi responsável pelo aumento da área urbanizada do município e, ao mesmo tempo, não foi acompanhado por políticas urbanas e habitacionais que atendessem de maneira adequada aos trabalhadores pobres que chegaram no município (Plano Municipal de Habitação de Interesse Social de Campinas, 2011).

A ocorrência de favelas e loteamentos irregulares no município de Campinas está historicamente relacionada a essa dinâmica do desenvolvimento urbano da cidade. Os primeiros registros da formação de assentamentos precários na cidade de Campinas coincidem com o período de rápido crescimento populacional. O crescimento periférico em Campinas é caracterizado pela abertura de loteamentos populares em terrenos distantes da área consolidada da cidade, porém próximos aos novos distritos industriais que se formam e à abertura de estradas, isolados e desconectados da cidade, carecendo de qualidade ambiental e urbanística.

O processo de ocupação territorial que se desenvolveu a partir dos anos 1960 pela população excluída aconteceu através da ocupação de áreas ainda mais precárias, ao longo de linhas férreas (desativadas ou não), rodovias, margens de rios, entre outros locais. Em relação aos loteamentos irregulares, sua maior parte foi implantada na década de 1950 nas regiões do Aeroporto Viracopos e Sudoeste, caracterizando uma urbanização pouco densa e extremamente distante da área central da cidade. (Plano Municipal de Habitação de Interesse Social de Campinas, 2011).

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4. CONTEXTUALIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO

A sub-bacia hidrográfica do Piçarrão é parte integrante da bacia hidrográfica do Rio Capivari, que abrange, além do Município de Campinas, outros, como Louveira, Monte Mor, Elias Fausto, Capivari, Refard e Mombuca. A sub-bacia tem sua origem na região central do Município de Campinas e se desenvolve em direção à região sudoeste, onde está localizado o recorte da área de estudos. Como é possível observar na figura 1, a bacia está localizada no entroncamento de três rodovias (Bandeirantes, Anhanguera e Francisco Aguirre Proença). A área de estudos está, ainda, conectada à Av. John Boyd Dunlop, única via de grande porte que conecta a região sudoeste ao centro.

A região sudoeste da RMC, especialmente o trecho compreendido entre os municípios de Campinas e Hortolândia, concentra bairros populares desenvolvidos a partir de loteamentos dos anos 1950 e 1960, favelas, vazios urbanos, alguns empreendimentos da COHAB, e atividades de maior impacto como mineração, atividades industriais, lixões.

Figura 1 – Região Metropolitana de Campinas – Rede Hídrica e localização da área de estudos(Prefeitura Municipal de Campinas, PLANO DIRETOR 2006 - modificado)

4.1. O Jardim Florence

É possível perceber, através da figura 2, que Córrego do Piçarrão e a linha férrea constituem barreiras físicas ao meio urbano e que o trecho situado entre eles forma um corredor que se encontra quase totalmente ocupado, enquanto que as áreas ao redor destes elementos possuem grandes vazios urbanos e lotes ainda desocupados.

Neste trecho, os loteamentos possuem apenas 63 lotes vazios, e nas áreas de favela o solo encontra-se, com exceção dos terrenos nos quais as construções já foram removidas, na faixa mais próxima ao ribeirão, totalmente ocupado. Nos loteamentos do entorno há um número maior de lotes vazios, tendo aproximadamente 450 lotes vazios nos loteamentos mais próximos à esquerda do rio e aproximadamente 450 à direita da linha férrea.

É possível observar ainda que as faixas até 50 metros e de 50 a 100 metros do rio encontram-se, à margem

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leste quase que totalmente ocupadas e impermeabilizadas, enquanto que à oeste do córrego a extensão de terra ocupada é insignificante. A impermeabilização, observada à leste resulta em problemas de drenagem na região. Uma vez que as águas pluviais não podem penetrar na terra acabam por encontrar seu caminho até o rio no nível do solo, com velocidade muito maior do que ocorreria no caso de uma drenagem natural, o que pode resultar em enxurradas e enchentes.

Figura 2 – Mapeamento dos vazios no Jardim Florence

Fica claro, ao estudar a região e seus conflitos, que questões regionais se sobrepõem a problemas intra-urbanos. A exemplo disso tem-se o projeto do governo federal, de implantação do TAV (Trem de Alta Velocidade), que liga Campinas, São Paulo e o Rio de Janeiro. A linha, que ligaria o aeroporto de Viracopos à região central de Campinas, se construída, passará por onde hoje se encontra a atual linha férrea de carga (visível na figura 2). A implementação do projeto causaria diversos problemas intra-urbanos. Primeiramente a constituição de uma barreira ainda mais forte do que o atual Corredor ferroviário de exportação. E ainda, algumas áreas deverão ser desapropriadas, uma vez que a zona de segurança para a implementação do trem deve ser maior do que a área livre atual.

Na Figura 3 apresenta-se a proporção de domicílios com apenas um banheiro. Essa informação, retirada do Censo Demográfico de 2010, por setores censitários, é interpretada como um indicador da simplicidade da moradia, relacionada ao padrão arquitetônico das residências, bem como o perfil socioeconômico dos moradores. Não se trata de um indicador de precariedade. Entretanto, deve-se observar a importância na região dos setores censitários delimitados em vermelho, chamados setores subnormais pelo IBGE, ou seja, os que, pelo padrão arquitetônico, urbanístico e informações fundiárias, podem ser descritos como favelas ou assentamentos precários.

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Figura 3 – Porcentagem de domicílios com um único banheiro (por setor censitário)

Figura 4 - Porcentagem de domicílios alugados (por setor censitário)

A Figura 4 apresenta a proporção dos domicílios alugados sobre o total de domicílios de cada setor, também a partir do Censo Demográfico. Nota-se (no mapa menor) o número de domicílios nesta condição, é mais alto nesta região (sudoeste) do que na região Norte, mais qualificada. Literatura sobre moradia popular, particularmente em favelas (ABRAMO, 2009) destaca a importância numérica da moradia de aluguel, geralmente pequenas casas ou mesmo cômodos, que tem a função de alojar pessoas solteiras, famílias uniparentais, casais jovens e recém-chegados à cidade.

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5. O PROCESSO DE REMOÇÃO

A região do Jardim Florence, passa hoje por um processo de remoção de famílias em áreas consideradas de risco, à margem do Córrego do Piçarrão. O processo de remoção, entretanto, é lento e burocrático, pois depende da aprovação de documentos e da construção e sorteio das moradias. As famílias retiradas de residências em áreas de risco devem se inscrever em programas do Minha Casa Minha Vida, neste caso em um dos dois empreendimentos mais próximos, o Residencial Sirius ou o Jardim Bassoli, e aguardar o sorteio das moradias.

Os moradores, por conta disso, são retirados aos poucos. As antigas residências são demolidas assim que a chave da nova é entregue, com a finalidade de evitar que os moradores voltem a ocupá-las. Até março de 2013 a COHAB não realizava a limpeza dos terrenos, também para evitar novas ocupações. Com isso algumas famílias, cujos processos de aquisição das novas moradias ocorreram mais lentamente, acabam morando em meio aos escombros das residências vizinhas e ficam sujeitos à presença de insetos e aracnídeos. Estes fatos tornam todo o processo contraditório em si, uma vez que o objetivo das remoções é retirar os moradores de áreas de risco e os submete à novos riscos.

A delonga no processo de remoção, demolição e limpeza, que vem ocorrendo desde o início de 2011 e até a presente data (junho de 2013) ainda não foi concluída, faz, ainda, com que as famílias fiquem vivendo sem a certeza de que serão removidas e de que terão uma nova casa e ao mesmo tempo, esperando que a casa seja entregue, o que faz com que elas não corram atrás de outras moradias, e fiquem dependendo do auxilio do governo. O processo acaba tendo, portanto, um caráter paternalista por parte do governo. Ademais, a demora desconsidera mudanças naturais ao espaço intra-urbano, o mercado imobiliário continua funcionando, apesar de a área estar desvalorizada. Além disso, nem todas as moradias em áreas de ocupação irregular serão removidas, apenas aquelas em áreas consideradas de risco (faixa aproximada de 30m do rio). Segundo relato dos moradores, entretanto, a faixa de alagamento é maior que 30 metros e a de remoção menor.

Através das entrevistas foi possível constatar que as famílias concordam com as remoções, pois conhecem os riscos ambientais. A questão, portanto não é se elas devem ou não ser removidas, mas como essa remoção deve ser realizada.

5.1. O processo de reassentamento

Os empreendimentos do programa Minha Casa Minha Vida destinados à famílias removidas de áreas de risco no Campo Grande e em outras regiões do Município de Campinas, são o Residencial Sirius e o Jardim Bassoli.

Como é possível observar na figura 5, o Residencial Sirius está situado em uma área mais próxima do Jardim Florence, o que facilita o realojamento das famílias, uma vez que elas continuam relativamente próximas de seu antigo núcleo social e estão inseridas em um contexto urbano que possui uma infraestrutura urbana razoavelmente boa.

O Jardim Bassoli encontra-se mais afastado do bairro, no limite do perímetro urbano.

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Figura 5 – Localização dos reassentamentos em relação à área desocupada no Jardim Florence (sem escala)

O empreendimento não possui em seu entorno serviços básicos como comércio e serviços, escolas e postos de saúde. Os moradores ficam extremamente deslocados do meio urbano e não tem acesso fácil à cidade.

Além dos problemas urbanos relacionados aos empreendimentos, os projetos arquitetônicos são muito pobres, com soluções espaciais e construtivas ineficientes do ponto de vista funcional e econômico, além de mal executados.

Os imóveis são adquiridos pelas famílias com renda até R$ 1 600,00, através de financiamento e o governo não concede qualquer indenização pela antiga moradia e os respectivos gastos com ela. A maior parte das famílias removidas encontra-se, por falta de recursos, sem alternativa, se não morar nos empreendimentos do Minha Casa Minha Vida, apesar de todos os seus problemas sociais e construtivos.

Os empreendimentos do Programa MCMV são subsidiados pelo Governo Federal destinados a construção de habitações sociais para faixas de renda baixa (0 a 3 salários mínimos). O agente financeiro que concede financiamento às construtoras, incorporadoras ou diretamente ao usuário é a Caixa Econômica Federal. Bancos privados também podem atuar no PMCMV como agentes financeiros. Os empreendimentos são construídos por construtoras e incorporadoras que, embora a competência sobre a regularização do uso e ocupação do solo urbano seja do Estado, acabam sendo co-responsáveis pelos resultados da urbanização do entorno desses empreendimentos (Ferreira, 2012).

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS: PROPOSTAS DE PROCESSOS MAIS HUMANOS DE REMOÇÃO

Sob o foco da localização, o caso estudado apresenta um quadro contraditório. De fato, a distância entre a casa original e as novas moradias é pequena – 14 quilômetros em relação ao Bassoli e 3 quilômetros em relação ao Sirius. Assim, o problema da quebra das redes sociais que tem acontecido nos processos de remoção, geralmente traumáticos e até violentos (FIX, 2001; SOARES, 2008) foi minimizado. Entretanto, é importante considerar que toda a região sudoeste sofre com a ausência de todas as infraestruturas e serviços urbanos e é seccionada da mancha urbana de Campinas pela rodovia dos Bandeirantes e pela

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ferrovia, concretizando-se uma clara segregação socioespacial, que vem sendo reforçada pela localização dos conjuntos habitacionais que vem recebendo removidos de outras favelas com risco (Plano Municipal de Habitação de Interesse Social, 2011). Assim, sob o ponto de vista da inserção urbana e da ampliação das possibilidades de melhoria das condições de vida, concretamente a remoção pouco muda a perspectiva da população.

Outra dimensão importante da análise é a adequação do tipo de moradia (a original e a nova) e de sua forma de provisão ao perfil socioeconômico e cultural da população. Ampla literatura critica os conjuntos habitacionais de grande porte, desde os anos 1960, pelos resultados ocorridos não só no Brasil, onde se tornou mundialmente famoso o conjunto Cidade de Deus, no Rio de Janeiro.

“Os problemas técnicos e sociais relacionados a esse tipo de empreendimento são insistentemente apontados por aqueles que atuam na área de habitação e planejamento urbano. Entre as críticas, destacam-se aquelas relacionadas à precária inserção urbana dos conjuntos, à monotonia e má qualidade dos projetos urbanísticos e arquitetônicos, à má qualidade da construção e aos riscos de formação de guetos, socialmente excluídos do restante das cidades” ( Freitas, 2004).

Apesar disso, o Programa Minha Casa Minha Vida, tem como regra um número máximo de 500 unidades, elevado se considerado sob o aspecto da vida comunitária, relações de confiança e amizade entre vizinhos, assim como quanto à gestão das áreas de uso comum. Essa característica associada à ausência de equipamentos, serviços e comércio, torna a vida bastante problemática nos conjuntos Sirius e Bassoli.

Ao se isolar o fator de risco em que as casas em demolição se encontram, e se analisar a área construída, acabamentos sobretudo internos, vê-se que os investimentos foram altos e resultaram em certos padrões de conforto e modo de vida que não serão possíveis nas moradias dos conjuntos devido também a sua limitação de tamanho. Algumas características das casas - a área construída superior a 60 m2, existência de jardim, quintal com criação de animais e horta, importantes para segurança alimentar e saúde mental dos moradores, sobretudo os mais idosos, com raízes rurais, são alguns dos fatores considerados.

Como contribuição ao aprimoramento das políticas públicas envolvidas no processo de remoção de famílias em risco e seu reassentamento visando melhorar suas perspectivas de vida de forma integrada, são elencadas algumas propostas.

Em primeiro lugar, é preciso reconhecer os envolvidos como atores sociais ativos no processo, e não apenas vítimas, pessoas que nada tem a perder a não ser a vida, ou números, sem voz, sem opiniões, desejos ou sem visão de futuro. Ao mesmo tempo, é preciso que o poder público e a sociedade de fato considerem a ação de redução das populações em risco como uma missão prioritária, de forma que o tempo decorrido entre o diagnóstico da situação, o planejamento das soluções (envolvendo projetos e obras) e sua implementação, sejam reduzidos drasticamente. Somente desta forma o poder público a nível executivo voltará a ter credibilidade e apoio efetivo dos diretamente envolvidos, da sociedade e dos outros níveis de poder – legislativo (quanto às prioridades orçamentárias, por exemplo) e do Judiciário (quanto ao equacionamento de problemas fundiários e de indenizações, por exemplo). Estas recomendações, apesar de não estarem diretamente ligadas às questões do projeto e produção do ambiente construído, devem ser sempre colocadas pelos profissionais envolvidos, como integrada à ética profissional. De outra forma, faz-se estudos técnicos, diagnósticos a e projetos, mas sabendo-se de antemão que os processos não serão bem sucedidos, o que tem sido a realidade de grande parte do envolvimento profissional na área.

Quanto à localização das novas unidades construídas sob a forma condominial (conjunto habitacional), é fundamental que sejam construídos com menor número de unidades e com o planejamento de menores áreas de uso comum possíveis, para que a gestão e o custo condominial sejam aceitáveis para todos os moradores. Quanto à sua inserção urbana, é fundamental superar-se essa irracionalidade de produção de áreas habitacionais sem condições de habitabilidade e urbanidade, ou seja, sem que os equipamentos e serviços públicos e atividades de comércio e serviços privados âmbito local, estejam concretizados, não apenas em projeto ou previsão orçamentária. Trata-se de planejamento integrado, portanto de cronograma de órgãos setoriais que precisam ser compatibilizados. Não é uma tarefa fácil, mas não pode ser considerado “natural”, ou socialmente aceitável a repetição de erros, incompetência e irresponsabilidades político-administrativas, que vem causando prejuízos econômicos e psicossociais ao Estado e à população direta e indiretamente atingida por essas políticas (MERCES et alli,2013).

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O caso em análise é representativo das características da urbanização na grande maioria das cidades brasileiras, quanto à questão do acesso à terra. Observando-se a Figura 2, é notável a quantidade de lotes vagos nos bairros próximos ao local de onde estão sendo removidas as famílias. Assim, seria muito mais rápido reassentá-las em unidades construídas nestes lotes ociosos. O tipo habitacional de moradia unifamiliar salubre e adequada (mesmo casas de frentes e fundos) atenderia melhor as famílias removidas e proporcionaria mais rápida adaptação, devido às características da moradia anterior e ao seu modo de vida. A construção da unidade poderá ser feita por construtoras ou mesmo por mutirão ou autoconstrução. Desta forma seriam ampliadas as alternativas de provisão habitacional, sem a solução “única” do conjunto habitacional. Essa proposta, aparentemente óbvia, não é nova, mas não tem sido aplicada e quando o foi, não obteve resultados adequados . Mas a análise sócioespacial indica que mesmo em bairros com infraestrutura incompleta, parece mais plausível que o processo de complementação da urbanização, com urbanidade, seja mais rápido no bairro existente, do que em um novo conjunto habitacional de grande porte e inserção urbana deficiente. Percebe-se que o obstáculo é de natureza jurídica e administrativa: a morosidade da aprovar e regularizar loteamentos pelo serviço público estadual e municipal. E por conta disto, abandona-se uma solução que traria melhor qualidade urbana e social. Os programas de regularização fundiária e urbanística dos loteamentos, apesar dos avanços da legislação brasileira, não são prestigiados pelos poderes públicos e a população que neles mora, não vê a falta de registro de propriedade em cartório como um problema, já que através de outros processos o mercado imobiliário dito informal também se apresenta dinâmico.

A solução “única do conjunto habitacional” retomada pelo programa MCMV de fato favorece apenas agilização da lógica da produção das construtoras, seja para aquisição (quase sempre através das prefeituras) das glebas e da logística do canteiro. Enquanto que o déficit habitacional apresenta diversos subgrupos de demanda que necessitam diferentes respostas nas formas de provisão.

Outro aspecto é o reconhecimento do valor monetário das habitações em risco, resultado que são de investimentos de anos das famílias moradoras. Mais uma vez, utilizando-se do argumento de que as moradias são ilegais, seja pelo terreno, seja pela construção, os poderes públicos não reconhecem o capital investido nas casas. O subsídio proporcionado pelo MCMV não está relacionado ao patrimônio habitacional anterior, mas sim à renda das famílias. Essa interpretação do estoque habitacional existente desvaloriza a a iniciativa familiar, reforçando o paternalismo. Entretanto é fundamental compreender que a população de baixa renda, sobretudo quando reside em condições de irregularidade fundiária, urbanística ou edílica, teve que fazer poupança para produção ou aquisição da casa, já que não tem possibilidade jurídica de obter financiamento do setor bancário público ou privado, ao contrário dos grupos sociais com maiores rendimentos. Sob o ponto de vista da justiça social, entretanto, deveria ser considerada na definição das opções de moradia, do seu preço final e da forma de financiamento da nova moradia, uma avaliação da casa a ser demolida.

O futuro mais justo e mais sustentável de nossas cidades passa certamente pela erradicação das condições de risco físico das moradias e pessoas. Desta forma, o processo de remover e, sobretudo de reassentar, já precisa ser realizado sob essas novas bases. A produção de cidades menos impactantes mais justas é questão de sustentabilidade ambiental: o que se faz de errado hoje, mesmo sendo soluções que na aparência de imediato sejam boas, irá impactar as gerações futuras, bem como o futuro da cidade.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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