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1 N.º10 Junho 2008 Alimentos versus AMBIENTE Custos e Benefícios das Políticas de Adaptação TERRITÓRIO Quatro Visões para a Europa no Mundo Energia DEPARTAMENTO DE PROSPECTIVA E PLANEAMENTO E RELAÇÕES INTERNACIONAIS Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional N.º 10 Junho 2008

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1 N.º10 Junho 2008 

Alimentos versus

AMBIENTE Custos e Benefícios das Políticas de Adaptação

TERRITÓRIO Quatro Visões para a Europa no Mundo

Energia

DEPARTAMENTO DE PROSPECTIVA E PLANEAMENTOE RELAÇÕES INTERNACIONAIS Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional

N.º 10 Junho 2008

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Com esta edição, iniciamos um novo ciclo da “Cenários”, publicação do DPP que procura suscitar a reflexão sobre os sinais que modelam a conjuntura e que podem antecipar o futuro da economia mundial e o respectivo impacto nas economias europeia e portuguesa.

Nesta nova etapa quisemos autonomizar três secções, naturalmente interligadas, mas que representam o objecto do trabalho técnico do DPP – Globalização, Ambiente e Território.

A dialéctica entre energia e alimentação é um reflexo da enorme incerteza que caracteriza actualmente o processo de tomada de decisão a uma escala global.

O ainda significativo desconhecimento acerca do impacto do processo de alterações climáticas só acentua a necessidade de planear uma política de adaptação, com um timing associado ao respectivo custo de oportunidade.

Numa Europa que ambiciona liderar uma “nova revolução”, a visão territorial é fundamental para uma estratégia bem sucedida.

10 Junho 2008

N.º

Nota de Abertura

Sumário

Globalização

Segurança alimentar versus Segurança energética

Pg 3-18

Custos e Benefícios das Políticas de Adaptação

Pg 19-32

Ambiente

4 Visões para a Europa Pg 33-44

Território

Concepção: Direcção de Serviços de Prospectiva Estratégica Coordenação: Fátima Azevedo ([email protected])

ISSN: 1646-799X Depósito legal: 263484/07

Departamento de Prospectiva e Planeamento e Relações Internacionais Directora-Geral Manuela Proença Subdirectores-Gerais Alexandra Carvalho Natalino Martins

Acabamento e Distribuição: Divisão de Informação e Comunicação Av. D. Carlos I, 126 1249-073 Lisboa Fax: (351) 213935208 Telef: (351) 213935200 E-mail: [email protected] Disponível na Internet em www.dpp.pt

FICHA TÉCNICA

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3N.º10 Junho 2008 

Segurança alimentar versus segurança energética:

Uma Tempestade Perfeita?

Fátima Azevedo

A reduzida eficiência na produção de biocombustíveis e os efeitos na perda de biodiversidade, reafectação de uso dos solos e escala do preço dos alimentos num quadro de aumento

tendencial do preço do petróleo avivam a necessidade de um salto tecnológico. © Departamento Prospectiva e Planeamento e Relações Internacionais

erão os biocombustíveis uma alternativa viável para a redução da dependência dos fósseis? A pergunta ganha impertinência num contexto de escalada muito acentuada

do preço dos bens alimentares, conjugada, no que alguns já chamaram de “tempestade perfeita”, com o impacto de um boom do preço do petróleo e da crise financeira decorrente do colapso do “subprime” nos EUA no Verão de 2007. Segundo a Defra1, o aumento do preço do barril de crude de 50 para 100 dólares provoca um aumento de 13% nos custos de produção agrícolas.

A verdade é que em duas décadas a produção global de biocombustíveis triplicou, ao mesmo tempo que a evolução dos preços agrícolas variou, como manda a tradição, num quadro de procura rígida e de uma oferta volátil.

Esta situação resulta de factores cíclicos, mas também de factores estruturais. A principal variável na explicação da volatilidade da oferta que, dada a rigidez da procura, pressiona em alta os preços dos bens agrícolas, é a condição meteorológica. Uma redução dos stocks, motivada por colheitas aquém do expectável, eleva os preços e aumenta o prémio de risco por esses stocks mais baixos. Acresce o factor especulativo, porque os mercados financeiros apressam-se a avolumar a bolha das commodities num contexto de défice de oferta.

No que respeita aos factores estruturais sobressaem:

Do lado da procura

Demografia. Na última década a população mundial aumentou cerca de 12%. Naturalmente que não é uma razão exclusiva para explicar o aumento do preço dos alimentos, até porque o aumento de eficiência na produção agrícola compensou, parcialmente, uma população maior.

1 Defra (2007) UK Biomass Strategy.

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G l o b a l i z a ç ã o

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O argumento malthusiano foi ressuscitado nos últimos meses. Richard Posner, professor da Universidade de Chicago, sublinha que o índice do preço dos alimentos, divulgado pela FAO, aumentou 40% em 2007 contra 9% em 20062, consideravelmente acima do crescimento da população mundial no mesmo período, que terá sido pouco superior a 1%. Por outro lado, em termos de estrutura, Posner refere que o aumento da classe de rendimentos médios é catalisador de uma mudança de preferências e o aumento da procura por alimentos dificulta novos ganhos de eficiência na produção.

Biocombustíveis. Alguns especialistas defendem que os incentivos económicos à utilização de bens agrícolas na produção de energia podem exacerbar períodos de escassez alimentar. Runge e Senauer, em artigo publicado em 2007 na Foreign Affairs3, consideram que o fomento da produção de etanol tem sido subsidiado em muitos países, para além dos EUA e Brasil. O desvio de bens alimentares dos mercados globais pressiona para um aumento de preços. Esse desvio envolve não só o consumo final, mas também, como assinala Joachim von Braun4, director-geral do IFPRI, o consumo intermédio, nomeadamente na pecuária. Afinal, 30% de toda a produção de milho nos EUA é aplicada na produção de biocombustíveis.

Especulações. As práticas especulativas são sempre um factor influente na evolução dos preços. Os investidores institucionais, como os fundos de pensões e os hedge funds, apostaram no mercado de futuros no início da década, provocando um aumento do prémio e dos preços de commodities. Como os traders usam o mercado de futuros como referência para o preço que estarão dispostos a pagar, se esses contratos forem inflacionados por um fluxo de interesse institucional, está espoletado o aumento da cotação.

Do lado da oferta

Crescimento/Urbanização. O forte crescimento económico das economias emergentes, nomeadamente dos BRIC (Brasil, China, Índia e Rússia), provocou não apenas um aumento dos rendimentos per capita mas um recrudescimento da pressão sobre o sector agrícola doméstico, alimentado pela galopante urbanização. A prioridade não foi propriamente o investimento no sector agrícola mas no desenvolvimento urbano, pelo que os baixos níveis de investimento agrícola, orientado para a eficiência e produtividade, penalizam a capacidade de resposta num quadro de desequilíbrio entre oferta e procura.

Clima. Em 2008, dois eventos penalizaram a produção de arroz na Ásia – o ciclone Nargis, que devastou Myanmar e uma seca extrema em parte da Austrália que afectou 98% da colheita de arroz de 2008. 2 http://www.becker-posner-blog.com/archives/2008/04/food_prices_and_1.html

3 http://www.foreignaffairs.org/20070501faessay86305/c-ford-runge-benjamin-senauer/how-biofuels-could-starve-the-poor.html

4 http://www.ifpri.org/pubs/bp/bp001.pdf

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Política comercial. As barreiras comerciais dos bens agrícolas têm sido uma constante nas negociações no seio da OMC. Segundo a FAO, mais de 40 países impuseram alguma forma de restrição à exportação no sentido de reforçar a segurança alimentar doméstica.

Por exemplo, a Índia impediu a exportação de vários tipos de arroz, do mesmo modo que China, Casaquistão e Indonésia também introduziram restrições. Em Maio, por ocasião da apresentação do relatório anual, o Banco Africano para o Desenvolvimento alertava para o impacto de medidas semelhantes no continente africano – seria desastroso.

SEGURANÇA ENERGÉTICA – A PRODUÇÃO DE BIOCOMBUSTÍVEIS Os biocombustíveis surgiram nos anos 70, impulsionados pela produção do Brasil e EUA.

Há basicamente dois tipos de biocombustíveis líquidos, o bioetanol (aproveitando o álcool dos produtos agrícolas por processos de fermentação) e o biodiesel (a partir de óleos vegetais e por reacção com o metanol).

Actualmente o etanol representa 96% da produção de biocombustíveis, sendo os restantes 4% de biodiesel, uma aposta da Europa, responsável por 80% da produção mundial.

O comércio internacional é limitado e é significativa a distorção, já que os EUA e Japão são importadores de etanol, enquanto o Brasil exporta.

 

CrescimentoEconomiasEmergentes

Aumento da produção de

Biocombustíveis

AumentoPreço doPetróleo

BaixoNível

Investimentoagrícola

Procura Oferta

VariabilidadeClima

Especulação

Custosde Produção

FactoresEstruturais Factores

Cíclicos

VariáveisIntermédias

Pressões sobre preço dos bens alimentares

Font

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Da Terra ao Automóvel

Dependendo do input e do output pretendido, os processos de conversão variam consoante a opção pelas vias de conversão biológica, química ou térmica.

Como enfatiza um estudo recente da Royal Society (2008)5, os processos biológicos são normalmente mais lentos mas permitem um produto mais bem definido, malgrado o considerável custo de energia e capital. Por sua vez, os processos térmicos conduzem normalmente a produtos mais difíceis de refinar.

Há basicamente três tipos de input – óleos vegetais, açúcares e lignite celulósica. Na medida em que o transporte e a preparação do material para a conversão é um importante elo da cadeia de produção, os óleos e o açúcar ganham vantagens, dada a

5 “Sustainable biofuels: prospects and challenges”, Policy document 01/08, January 2008

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Ethanol Biodiesel

Taxas de crescimento anual1975-2006 2001-2006

Etanol: 10.4 % 22.7 %Biodiesel: - 43.2 %

EUA.37%

Brasil37%

China8%

India4%

UE3%

Outros11%

Etanol

UE76%

EUA20%

Outros4%

Biodiesel

Produção mundial de etanol

49.3 mil milhões de litros

Produção Mundial de Biodiesel

5.6 mil milhões de litrosFonte UN Food and Agricultural Organization, 2007

Etanol Biodiesel

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facilidade de transporte e a reduzida exigência de processamento prévio à conversão em biocombustível.

Já a lignite de origem celulósica envolve maior complexidade, porque tanto pode ser submetida a uma combinação de processos químicos para converter em açúcares, por sua vez fermentados em biocombustíveis ou ser alvo de processos termoquímicos. Alguns desperdícios como a lignina, podem ser queimados para gerar calor e electricidade; outros, como as águas residuais da fermentação, podem ser tratados para extrair valiosos catalisadores, outros químicos ou ainda para reduzir a toxidade. Ora, a hidrólise da celulose pode ser conseguida usando um ácido muito forte, mas os custos elevados associados justificam a tendência para caminhar para recuperar e tratar as águas residuais via hidrólise enzimática.

A produção de biobutanol também pode ser obtida através de processos biológicos, químicos ou térmicos. O produto é particularmente rentável pela elevada densidade energética e facilidade em ser misturado com combustíveis convencionais que o tornam mais atractivo que o bioetanol, como defende a BP.

O etanol resulta de três vias: a fermentação biológica, a gaseificação térmica seguida da síntese do etanol e a gaseificação térmica seguida da fermentação biológica. Alguns estudos, como o de Sims (2006), indicam que a longo prazo os custos e eficiência se aproximam dos associados à cadeia de produção do etanol com base na cana-de-açúcar.

Os açúcares produzidos directamente pelas plantas como a cana-de-açúcar podem ser usados directamente no processo de fermentação, enquanto o milho tem de passar por uma hidrólise para gerar açúcares antes de passar à fermentação.

Fonte: DPP, com base em Royal Society (2008)

Processos de Conversão de Biocombustíveis

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Os métodos químicos e térmicos para produzir butanol dependem de uma fonte “limpa” de syngas (mistura de hidrogénio e monóxido de carbono) a partir da gaseificação da biomassa. A questão é que, apesar de uma potencial utilização muito atractiva, a produção de butanol a partir do açúcar tem um terço da eficiência do etanol.

Já a gaseificação térmica reduz o material orgânico a syngas, pelo que pode produzir directamente etanol por via química. Em alternativa, o syngas pode corresponder a um input do processo de fermentação (biológica) onde os microrganismos geram, então, o etanol.

A principal dificuldade actualmente prende-se com o facto de o syngas ser produzido a uma elevada pressão que pode penalizar a viabilidade da fermentação de microrganismos. Assim, uma das necessidades é desenvolver um “bioreactor” de elevadas pressões que facilite o fornecimento do syngas, através de um meio aquoso, aos microrganismos.

Finalmente, o biodiesel resulta do processamento de óleos de girassol, soja ou de palma, utilizando o metanol, derivado dos combustíveis fósseis. Ao longo do processo, a viscosidade do petróleo é reduzida, aumentando a sua consistência e capacidade de se misturar com o gasóleo. Combustíveis sintéticos

Os combustíveis sintéticos derivam da síntese de gás produzido através da biomassa. As vantagens envolvem a possibilidade de ser utilizado sem alterar os motores existentes e a oferta de combustíveis. O método é semelhante ao aplicado na produção de combustíveis sintéticos a partir do carvão e gás. O nível de emissões de GEE é substancialmente inferior ao dos combustíveis tradicionais, na medida em que são eliminados todos os contaminantes para evitar danos nos catalisadores utilizados no processo.

Matéria‐prima

Gaseificação Hidrólise

Síntese Etanol Fermentação

syngas syngas açucares

Destiliação

Bioetanol

ResíduosCo‐produtos

Da Gaseificação aos Hidrocarbonetos

Fonte: DPP, com base em Royal Society (2008)

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Os custos de produção

Os custos de produção dos biocombustíveis de 2.ª geração (de base celulósica) são estimados em 0,8 a 1,1 do equivalente à produção de gasolina e gasóleo. Daí que as projecções da AIE apontem para que, em 2030, o peso dos biocombustíveis seja apenas 4% do consumo total, dada a baixa eficiência.

Assim, o etanol produzido a partir de cereais requer energia fóssil na ordem dos 60 a 80% da energia contida no produto final, enquanto a produção de biodiesel, baseado na gordura de animais, implica 50%. Já a utilização de cana-de-açúcar envolve um processo mais eficiente, na medida em que requer apenas 10% de energia fóssil.

Esta estrutura de produção acarreta um custo médio por tonelada de CO2 poupada na ordem dos 500 dólares, quando o razoável seria 30 dólares.

As opções dos players

EUROPA

O compromisso europeu com a terceira revolução, como lhe chamou Jeremy Rifkin (ver caixa na página 32), assenta em três pilares: energias renováveis, tecnologia e redes. Para este autor europeu, o investimento mundial em energias renováveis deverá aumentar de 74 mil milhões de euros (em 2006) para 250 mil milhões, em 2020, e 460 mil milhões de euros em 2030, num cenário em que, até 2050, metade do consumo de energia primária e 70% do consumo de electricidade sejam assegurados por fontes renováveis.

Assim, a Estratégia Europeia para a Energia está claramente centrada num reforço do peso das fontes renováveis e, no caso, do sector dos transportes, principal responsável pelo aumento das emissões de GEE, a meta aponta para um peso de 10% de biocombustíveis em 2020, o que significa que serão necessárias 35 milhões de toneladas equivalentes de petróleo.

Bioetanol

Biodiesel

Milhões d

e toneladas equivalentes de petróleo

 (Mtoe)

Taxa de incorporação

Incorporação

Evolução, Procura e Incorporação de Biocombustíveis na UE-27

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Com a tecnologia actualmente disponível esse volume de produção requer 20 a 30 milhões de hectares de terra utilizada na cultura de matérias-primas para o fabrico de biocombustíveis. Mas, segundo o relatório Eururalis, tal só será possível se 50% da procura europeia por biocombustíveis for importada, além do que há uma enorme incerteza quanto à quantidade e origem do combustível no seio da UE.

Em termos globais, estima-se que a superfície arável utilizada aumente 10% até 2020 e mais 5% em virtude das opções políticas da União Europeia e dos EUA. Uma pressão sobre o uso da terra que coloca riscos em termos de perda de biodiversidade.

O pacote normativo da Comissão Europeia, de 23 de Janeiro de 2008, foca precisamente os efeitos globais do aumento da produção de biocombustíveis, assumindo uma probabilidade de aumento das importações, da necessidade de calibrar o esforço de mitigação das emissões de GEE e de perda de biodiversidade.

EUA

Em 2007, a Administração Bush reforçou a promoção dos biocombustíveis, através da aprovação do “Energy Independence and Security Act”, que estabelece por objectivos a produção de 15 mil milhões de litros de etanol em 2015 e 36 mil milhões em 2022,

Fonte: Anexo III da “Proposta de Directiva relativa à promoção da utilização de energia proveniente de fontes renováveis”, Comissão Europeia, 23/1/08

Conteúdo Energético dos Combustíveis para Transporte

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salvaguardando que 21 mil milhões deverão ter origem em tecnologia avançada, ou seja, não perturbando a segurança alimentar global.

A utilização do etanol permite, segundo os americanos, reduzir as emissões de CO2 em 29% com a actual tecnologia. A produção e utilização de cerca de 25 mil milhões de litros de etanol permitiram reduzir as emissões em 10,1 milhões de toneladas em 2007, o equivalente a retirar mais de 1,5 milhões de automóveis das estradas norte-americanas.

Segundo o recente relatório da Renewable Fuels Association (RFA), 2007 foi um ano de enorme mudança no seio da indústria americana de etanol, com uma capacidade de produção próxima 29 mil milhões de litros, mais 7,5 mil milhões do que no ano anterior. O número de biorefinarias, a operar em 21 estados, cresceu de 110 para 139.

A partir de 2008, a ampliação e construção de 68 novas unidades de produção permitem antecipar um acréscimo de 15 mil milhões de litros na produção, o que perfaz uma capacidade total de 50 mil milhões de litros, cerca de 10% da procura de gasolina. Em 2022, a capacidade de produção deverá praticamente triplicar.

Em produção (139)

Em Construção (61)

Fonte: RFA, Janeiro 2008

Biorefinarias nos EUA

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mil milhõe

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Biocombustíveis renováveis Biocombustíveis celulósicos Biocombustíveis avançados (indiferenciado)

Biorefinarias nos EUA

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Actualmente o etanol é incorporado em mais de 50% da gasolina vendida nos EUA, na sua maioria a 10%. Califórnia, Minnesota, Missouri, Texas e na costa oriental desde Washington a Boston a mistura de etanol no combustível tradicional é uma realidade.

Em parceria com o Departamento de Energia, seis empresas estão a apostar na comercialização de tecnologia de 2.ª geração, ampliando a oferta em 895 milhões de litros por ano.

Em produção (139)

Em Construção (61)

Fonte: RFA, Janeiro 2008

Kansas

Florida

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Iowa

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California

2.ª geração: 895 milhões de litros/ano

Abengoa Bionergy:43,2 milhões de litros/ano:

Matéria‐Prima:  Desperdícios (milho)

AlicoProdução:52,6milhões de 

litros/ano6,2 MW electricidade

Matéria‐Prima:  Desperdícios (vegetais)

Bluefire Ethanol72 milhões de litros/ano :Matéria‐Prima:  Resíduos 

orgânicos

Poet Bionergy473 milhões de litros/ano :Matéria‐Prima:  Fibra e casca 

de milho

Iogen68 milhões de litros/ano  :

Matéria‐Prima:  Desperdícios (trigo)

Range Fuels(em construção)

151 milhões de litros/ano :34 milhões litros/ano de metanol

Matéria‐Prima:  Resíduos madeira

Fonte: Energy Independence and Security Act, 2007

Font

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RFA

Biocombustíveis renováveis

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TotalBiocombustíveis celulósicos Diesel/Biomassa

Biocombustíveis avançados (indiferenciado)

2008 34,1 34,12009 39,7 2,3 1,9 0,4 42,02010 45,4 3,6 0,4 2,5 0,8 49,02011 47,7 5,1 0,9 3,0 1,1 52,82012 50,0 7,6 1,9 3,8 1,9 57,52013 52,2 10,4 3,8 6,6 62,62014 54,5 14,2 6,6 7,6 68,72015 56,8 20,8 11,4 9,5 77,62016 56,8 27,4 16,1 11,4 84,22017 56,8 34,1 20,8 13,2 90,82018 56,8 41,6 26,5 15,1 98,42019 56,8 49,2 32,2 17,0 106,02020 56,8 56,8 39,7 17,0 113,62021 56,8 68,1 51,1 17,0 124,92022 56,8 79,5 60,6 18,9 136,3

Unidade: Mil milhões de litros (1l=3,78 galões)

Biocombustíveis avançados

Calendarização Programa EUA 2022Calendarização Programa EUA 2022

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Isto porque, em 2007, foram necessários cerca de 81 mil milhões de litros de milho para produzir cerca de 25 mil milhões de litros de etanol.

Se considerarmos a taxa de crescimento na utilização da matéria-prima e da produção de etanol, verificamos que, especialmente a partir de 2000 o nível de necessidades aumenta, situação especialmente evidenciada em 2007 onde um aumento de 32% no volume de milho utilizado correspondeu a um aumento de 27% na produção de etanol. EUA – 30 anos de incentivo aos biocombustíveis Em 1978, os EUA começaram a subsidiar a produção de etanol, por motivos de segurança energética e reforço do rendimento agrícola. Em 1990, o Clean Air Act exigia um mínimo de conteúdo de oxigénio, servindo de factor para a promoção do etanol como aditivo, cujo principal concorrente era o MTBE (methyl tertiary butyl ether), produzido a partir de derivados do petróleo. O uso do MTBE cresceu rapidamente nos anos 90, enquanto que o crescimento do etanol foi mais lento; mas o facto de o MTBE ser altamente tóxico e ter sido detectado em vários pontos da rede de abastecimento hídrica provocou a sua erradicação em muitos estados. O Energy Policy Act, de 2005 revogou o requisito de oxigénio mínimo, eliminando a protecção legal das empresas petrolíferas. Em resultado, a procura e preço do etanol cresceu rapidamente. Em duas décadas (1983-2003), os preços flutuaram entre os 10 e os 30 dólares por barril e o subsídio atribuído pela Administração americana entre os 13.5 e 16.9 cêntimos por litro. Este subsídio associado a um preço médio de 20 dólares no petróleo permitiu um crescimento lento da produção de etanol. A partir de 2004, com o preço do barril de crude a passar para os 60-80 USD tornou o etanol altamente atractivo e a produção disparou.

Fonte: UN Food an Agricultural Organization, 2008

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Produção de Etanol e Utilização de Milho

Etanol Milho

Produção de Etanol e Utilização de Milho

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14 N.º10 Junho 2008 

Como avaliar o impacto dos biocombustíveis

Os efeitos da expansão no uso dos biocombustíveis envolvem efeitos positivos e negativos. Do ponto de vista ambiental, a natureza e amplitude desses efeitos varia consoante a evolução de toda a cadeia de produção, desde a produção das matérias-primas, às tecnologias de conversão e utilização final.

Se o objectivo é a sustentabilidade, os efeitos potenciais do cultivo alargado de materiais para produzir biocombustíveis passam pelas emissões de GEE, alterações no uso da terra, utilização da água e de aplicações crescentes de nutrientes e pesticidas. Da mesma forma, a conversão e o uso final terá interacções com todos estes factores.

O desenvolvimento dos biocombustíveis tem efeitos directos e indirectos no plano social, desde a criação de emprego, à responsabilidade e equidade sociais, incluindo aspectos como a distribuição da riqueza nas comunidades rurais.

O debate “alimentos vs energia” é um dilema crescente, à medida que o aumento da procura por biocombustíveis acarreta distorções nos mercados globais de bens alimentares. Mesmo que os agricultores dos países menos desenvolvidos possam beneficiar de um acréscimo dos preços, os residentes urbanos ficarão mais vulneráveis a preços mais elevados.

Emissões de GEE

Os gases com efeito de estufa (GEE) como o metano, o dióxido de carbono (CO2) e o óxido nitroso (N20) são afectados por várias práticas e processo, desde o uso de fertilizantes, a agronomia, cultivo, conversão e distribuição. Acresce que as plantas

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min max min max

2006 2030

Valores em cêntimos de dólar por litro

Etanol (cana de açucar) Etanol (milho) Etanol (acelga)Etanol (trigo) Etanol (lignite celulosica) Biodiesel (gordura animal)Biodiesel (óleos vegetais) Fischer‐Tropsch  Preço petróleo  (barril)

Fonte The Royal Society (2008)

Custos Estimados dos Biocombustíveis vs Preço do Petróleo

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15N.º10 Junho 2008 

emitem Compostos Orgânicos Voláteis que não só afectam a qualidade do ar como na presença de óxidos de azoto (NOx) podem provocar a formação de ozono.

Estudos indicam que o reservatório líquido de carbono nos solos e vegetação é de 1,5 giga toneladas por ano, absorvendo cerca de 20% das emissões antropogénicas de CO2.

O óxido nitroso tem um potencial de aquecimento global 296 superior ao CO2, segundo o IPCC, e é produzido no solo, a partir de fertilizantes (que têm nitrogénio) e da mineralização natural do nitrogénio. Só que para manter elevados níveis de produção anual, as culturas são normalmente fertilizadas com nitrogénio. Se os biocombustiveis aumentarem a necessidade de uso da terra, haverá um acréscimo nas emissões de N2O. O IPCC estima que 1% do nitrogénio acrescentado é devolvido para a atmosfera através de actividades que resultam na mineralização da matéria orgânica do solo, mas um estudo recente de Crutzen (2007), centrado nas emissões de N2O dos rios e zonas costeiras, admite que esse retorno pode atingir 3-5%.

SEGURANÇA ALIMENTAR As alterações da estrutura do consumo são decisivas para o futuro da cadeia alimentar. Nas projecções da FAO para 2016, prevê-se um crescimento acentuado do consumo de carne e lacticínios, especialmente fora da OCDE.

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Trigo Arroz Carne Porco Aves Manteiga Quijo óleos vegetais Açúcar

OCDE Fora OCDE

Evolução consumo alimentar (2007-2016)Taxas de crescimento, em % Fonte FAO

-100,0

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Trigo Colza Arroz Óleo girassol

Óleos vegetais

Carne Porco Aves Manteiga Queijo Leite em pó

OCDE PVD

Exportações de bens alimentares (2007-2016)Taxas de crescimento (Fonte: FAO)

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16 N.º10 Junho 2008 

A oferta alimentar é mais dependente do que orientadora do consumidor. As preferências alimentares são moldadas atendendo a um conjunto de factores como o rendimento, a composição do agregado familiar, o número e tipo de pontos de venda disponíveis localmente, das estratégias de marketing e dos padrões de vida.

POLÍTICAS E SUSTENTABILIDADE

Inovação, mitigação das mudanças climáticas, reforço da segurança energética, prioridades no uso da terra, incentivos à I&D são áreas em que as opções políticas são determinantes para reduzir as emissões de GEE associadas ao transporte.

À excepção do etanol produzido a partir da cana-de-açúcar (modelo brasileiro), os custos de produção de biocombustíveis são, actualmente, mais elevados do que os correspondentes aos derivados das fontes primárias fósseis. Assim, a menos que seja possível reduzir substancialmente os custos ou se confirme uma forte subida do preço do petróleo, o futuro dos biocombustíveis depende dos incentivos públicos, seja por via fiscal ou reguladora.

Indústria alimentar europeia

time

Desinvestimento

Reorientação mercado

Marca;

Inovação

Optimização de processos;

economiasde escala

Foco estratégico

Aves

Bebidas

Lacticínios

Indústria fragmentada(sobretudo mercados

domésticos

Elevadacocnentraçãode mercado;

Empresas multinacionais

Maiorconcentraçãode mercado;

Empresas maisinternacionalizadas

Porco

Guloseimas

Valor acrescentadoCategoria Crescimento

anualMatérias Primas 3.1

Produtos frescos 5.6

Processamento alimentar 4.7

Produtos manufacturados 7.0

Bebidas 7.3

Total 5.2

Fonte: Frank Bunte “The Food Economy: Global Issues and Challenges”, 2008

Biomassa

Pré‐tratamento

Produçãoenzima

Hidrólisecelulose

FermentaçãoGlicose

FermentaçãoPentose Utilização

Lignina

Recuperaçãoetanol

Etanol

Método de conversão enzimática

Produção de Etanol a partir da Biomassa

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17N.º10 Junho 2008 

O uso da terra acrescenta uma nova dimensão às políticas energéticas, na medida em que exige uma integração de políticas e práticas que visem uma continuada redução dos impactos ambientais e que envolvam a flexibilidade necessária a compensar mudanças de comportamentos à medida que o conhecimento avança relativamente ao impacto ambiental, económico e social dos biocombustíveis.

Há factores incontornáveis: por um lado, o aumento do preço do petróleo tende a tornar mais atractivos os biocombustíveis, numa perspectiva comercial; por outro, o potencial de redução de custos através de economias de escala e inovação é significativo, nomeadamente pela via da lignite celulósica, o que poderá reduzir em mais de 50% os custos de produção.

O relatório Stern recomenda três tipos de instrumentos no âmbito da mitigação das alterações climáticas:

Preço do carbono, através de taxas, transacção de licenças de emissão ou restrições a emissões imputadas nos preços;

Apoio directo à I&D, com projectos de demonstração e incentivos fiscais;

Padrões ambientais e regulação, desde standards de emissões para veículos

País  Peso etanol  Incidência  Horizonte 

Alemanha  3,60%  incorporação  2015 

Argentina  5%     2010 

Bolívia  25%  actual 10%  2012 

Brasil  20 a 25%  por cada litro de gasolina    

Canadá  5%  incorporação  2010 

China  10%  5 províncias: Heilongjian, Jilin, Liaoning, Anhui e Henan    

Colômbia 10%  cidades com mais de 500 mil hab.    

5%  por cada litro de gasolina    

Filipinas  5%/10%  por cada litro de gasolina  2008/2010 

França  5,75% /10%  incorporação  2008/2010 

Lituânia  7‐15%  incorporação (etanol deve representar 47% ETBE)    

Polónia  3,45%     2008 

Venezuela  10%       

Fonte: DPP

A agricultura é um dos principais sectores responsáveis pela erosão dos recursos naturais, seja pela degradação da terra, pelo impacto de alterações climáticas, perda de biodiversidade. Na verdade, 70% da área florestal da Amazónia é afecta à pastorícia, a produção pecuária é responsável por 18% das emissões de CO2 e a agricultura representa 70% do consumo de água doce e, segundo a FAO, os países em desenvolvimento perderão mais de 280 toneladas de produção de cereais devido às alterações climáticas.

Tendo por elementos pré-determinados a demografia, com projecções de 9,2 mil milhões de pessoas em 2050, o aumento do preço do petróleo, com inevitável pressão sobre os custos de produção e distribuição dos bens agrícolas, o aumento da produção de biocombustíveis funciona como elemento de enchimento dessa mesma bolha,

Metas para a Utilização de Etanol no Consumo para Transporte

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18 N.º10 Junho 2008 

especialmente o modelo americano baseado no milho, que suscita um aumento do preço internacional do milho de 55% entre 2006 e 2007.

A Lehman Brothers6 considera que “em 2008 os preços atingem em média mais 0,75 dólares por litro nos EUA e 1,75 dólares na Europa em comparação com o diesel”, pelo que os biocombustíveis são “pobres substitutos” dos fósseis.

Por outro lado, do ponto de vista das emissões, David Tilman (2008) sugere que usando a biomassa, sem praticamente recorrer a fertilizantes ou pesticidas, é possível produzir etanol com um potencial por hectare 238% superior ao milho, além de absorver CO2 e funcionar como reservatório de carbono, contribuindo para as medidas de mitigação do aquecimento global. Para este autor esse potencial pode favorecer a substituição de “13% do consumo global de petróleo para o sector dos transportes e 19% do consumo de electricidade”, eliminando cerca de 15% das emissões de GEE.

Em suma, o futuro dos biocombustíveis e do respectivo papel no mix energético depende do preço do petróleo, do preço dos alimentos, da política fiscal e de subsídios.

Num estudo sobre o sector dos biocombustíveis nos EUA, Tyner e Taheripour (2007) concluem que se o preço do etanol for função do valor acrescentado, a produção deverá continuar a aumentar até que o preço do milho atinja 186 dólares, com o petróleo a 60 USD.

Mas se o preço for definido numa base de energia equivalente, os investimentos começarão a desacelerar assim que se atinja a fasquia dos 142 dólares. Na perspectiva da sustentabilidade, conforme as conclusões da Cimeira de Alto Nível “Climate Change, Energy and Food”, realizada pela FAO no início de Junho de 2008, torna-se fulcral para percorrer o caminho de uma globalização próspera da partilha de objectivos e responsabilidades entre actores públicos e privados e a articulação de políticas, seja de segurança alimentar, de informação e educação, ambiental, agrícolas e de inovação.

6 28 de Abril de 2008

Responsabilidade

IncentivosRegulaçãoSegurança alimentar

Informação e EducaçãoDiferenciação

ProdutosTransparência

Ambiental

Direitos de emissãoTaxas

AgrícolaEficiência

Inovação

2.ª e 3.ª gerações deBiocombustíveis

Mix de Políticas e Instrumentos

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19N.º10 Junho 2008 

A escassez de informação dificulta a decisão que depende fortemente da capacidade de quantificar os custos globais da política de adaptação

Alterações Climáticas:

Custos e Benefícios das Políticas de Adaptação Fátima Azevedo

Apesar das dificuldades em determinar com rigor os custos subjacentes a uma política de adaptação precoce, os decisores têm de estabelecer prioridades e escolher os instrumentos mais eficientes no timing adequado

©Direcção Serviços e Prospectiva Estratégica

adaptação às mudanças climáticas é uma vertente importante no conjunto de respostas à mitigação das emissões de gases com efeito de estufa (GEE), a par das

chamadas medidas de mitigação.

O foco da política de adaptação aposta sobretudo em potenciar as oportunidades de benefícios, como as resultantes de novas práticas e culturas agrícolas, do aumento da eficiência na utilização dos recursos hídricos, novos padrões de construção.

A concepção e implementação de uma política de adaptação passa por actores públicos e privados, com instrumentos financeiros, infra-estruturais e tecnológicos, mas o êxito nos resultados é indissociável de mudanças comportamentais.

Neste quadro, os custos e amplitude dos benefícios gerados pelas medidas são essenciais para o trade-off subjacente ao processo de decisão.

O conhecimento neste campo é ainda muito reduzido. Até muito recentemente, a escassez de estudos empíricos relativamente à quantificação dos custos globais da adaptação nos diversos sectores de actividade era uma realidade.

As dificuldades de qualquer exercício de estimação são consideráveis, na medida em que além de informação não disponível, há riscos inerentes à dupla contabilização e à extrapolação para uma escala global de níveis demasiado limitados, muitas vezes de carácter local.

Mas, nos últimos dois anos, surgiram alguns estudos (ver quadro) que comungam a conclusão de que os custos globais são avultados. O debate político tem incidido fundamentalmente na componente de custos, procurando as melhores soluções de financiamento e de afectação de recursos, relegando para um nível secundário o papel do mercado e dos mecanismos de regulação.

A título ilustrativo veja-se o caso de adaptações benéficas como a protecção das zonas costeiras da subida do nível do mar, gerando um “bem público”. Mas outro tipo de medidas pode gerar sobretudo benefícios de carácter privado.

A

A m b i e n t e

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20 N.º10 Junho 2008 

Nesta dialéctica entre a prossecução do bem público e do papel que pode desempenhar a iniciativa privada, o leque de instrumentos disponível é relevante:

Esquemas de seguro;

Sinais de preços/mercados;

Financiamento via Parcerias Público-Privadas (PPP);

Regulação de incentivos e incentivos à I&D.

As alterações climáticas constituem uma pressão adicional sobre os recursos naturais já condicionados como a água, as florestas e outros ecossistemas.

As causas do stress provocado pela poluição, da sobreexploração de recursos ou dos erros de gestão são múltiplas, mas o problema comum assenta na definição errónea dos direitos de propriedade sobre os recursos naturais e na valoração dos respectivos serviços pelo mercado.

A solução da teoria económica para superar essa falha de mercado passa por quantificar as externalidades positivas dos recursos naturais, seja através do preço, com a aplicação, por exemplo, de impostos ambientais, seja pela criação dos chamados mercados ambientais.

Só que emergem questões sociais como o sistema de comercialização, equidade de acesso ao mercado e mesmo um eventual domínio de mercado por parte dos (poucos) principais actores.

Do ponto de vista da adaptação, os mercados ambientais e o preço – para a água, florestas ou serviços dos ecossistemas –, servem várias finalidades: reduzem o stress de base, tornando os sistemas mais resilientes, e permitem internalizar, ou seja, atribuir valor. Neste caso, deixa de haver necessidade de mecanismos de ajustamento pensados

Estudo Custo de Adaptação (mil 

milhões de USD/ano)Horizonte Países Sectores

Banco Mundial (2006) 9 a 41 presente PVD não especificadosRelatório Stern (2006) 4 a 37 presente PVD não especificados

Oxfam (2007) min 50 presente PVD não especificadosPNUD (2007) 86 a 109 2015 PVD não especificados

28 a 67 2030 PVD

Agricultura, florestas e pescas; oferta de água, saúde pública, zonas costeiras e infra‐

estruturas

44 a 166 2030 Mundo

Agricultura, florestas e pescas; oferta de água, saúde pública, zonas costeiras e infra‐

estruturas

Custos de Adaptação Globais

UNFCCC (2007)

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21N.º10 Junho 2008 

O problema é que muitas das medidas de adaptação não têm apenas benefícios associados às mudanças climáticas.

especificamente para a adaptação. Quando a solução passa pela criação de mercados ambientais, os ajustamentos podem ser pertinentes de forma a monetarizar os benefícios.

DEFINIR “POLÍTICA DE ADAPTAÇÃO”

O 4.º Relatório do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) define adaptação como qualquer ajustamento nos sistemas natural e humano para responder aos efeitos existentes e esperados do clima, minimizando os negativos e aproveitando os benefícios.

Há várias tipologias de classificação das medidas, consoante o critério adoptado: segundo o tempo (pró ou reactivas), escala (local versus regional, curto versus longo prazo), abordagem (autónoma versus planeada), actores (sistema natural versus individuo versus colectivo, privado versus público).

Além de novos, os riscos subjacentes às alterações climáticas envolvem respostas para o aumento da temperatura e do nível do mar; alterações nos padrões de precipitação, degelo dos glaciares, alterações na intensidade e/ou frequência de eventos extremos como secas, ondas de calor, cheias ou terramotos.

Há alguns exemplos de medidas de adaptação que englobam considerações às mudanças climáticas, mas o progresso mantém-se limitado, quer nos países desenvolvidos, quer nos países em desenvolvimento.

O ponto de partida é reconhecer que a adaptação ao fenómeno climático faz parte do quotidiano. A sociedade está, actualmente, adaptada ao actual clima através de medidas que vão desde a irrigação agrária até às infra-estruturas de protecção a cheias.

Com base num exemplo (ver Figura na página seguinte), o recente estudo da OCDE “Economic Aspects of Adaptation to Climate Change” (2008) procura aferir o estado de arte e as possíveis variantes. Imaginando uma sociedade que gasta cerca de 90 unidades num sistema de protecção de cheias, que envolve custos de capital (componente monetária) e o respectivo impacto no ambiente (componente não monetária), pressupomos que esse nível de adaptação é suficiente para acautelar a maior parte dos efeitos adversos do clima. Mas não todos. Por isso, podemos considerar um dano residual de, por exemplo, 50 unidades devido a cheias extremas ocasionais. Ou seja, não se tratando de um fenómeno decorrente de alteração do clima, a sociedade prefere esse tipo de adaptação do que avançar para um adaptação alargada, na medida em que o custo adicional é superior aos benefícios marginais subjacentes a prevenir os danos das cheias (50-20=30).

Quando introduzimos as alterações ao clima – por exemplo um aumento da frequência de tempestades e cheias – a calculatória exacerba o trade-off, isto é, se com o clima inalterado os custos adicionais de adaptação são (150-90=60), os danos provocados pelas

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22 N.º10 Junho 2008 

alterações climáticas são mais do que compensados pela adaptação alargada (200-120=80). Assim, neste exemplo simplificado, porque ignora a incerteza e a permanente mutação, os benefícios da adaptação à mudança climática são suficientes para justificar as acção de adaptação, mas também evidencia um desafio primordial no processo de decisão – os custos de adaptação têm de ser confrontados com as medidas existentes e o problema é que muitas medidas de adaptação têm benefícios associados às mudanças climáticas e não climáticas.

Fonte: Com base em “The Cost of Adapting to Climate Change”, WP 16, Global Environment Facility (1998)

Em suma, o timing da decisão depende fundamentalmente de três factores:

a evolução dos custos de adaptação ao longo do tempo, o que implica que o efeito de desconto tende a favorecer um retardamento das medidas, antecipando que as técnicas serão mais eficazes e menos dispendiosas no futuro. Mas existem intervenções cuja precocidade pode ser decisiva para a componente de custos, como são os casos de planos de desenvolvimento de longo prazo e investimentos em infra-estruturas como os sistemas de abastecimento de água e de saneamento, pontes ou portos;

os benefícios de curto prazo da adaptação. A probabilidade de uma adaptação precoce terá uma argumentação facilitada se gerar benefícios imediatos, como por exemplo o permitir a mitigação da variabilidade do clima. Um dos argumentos mais repetidos tem sido o de que os eventos extremos são um dos primeiros sinais das alterações climáticas, fazendo da adaptação à variabilidade do clima um dos primeiros eixos de intervenção. Outro exemplo é o dos investimentos na saúde, nomeadamente na investigação no campo da malária, que envolvem benefícios directos no combate à pobreza;

os benefícios de longo prazo de uma adaptação precoce.

Clima Actual Clima Alterado

90

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60

5020

‐30

30

90

150

60

5020

200

30

120

80

50

Custos

Danos

DanosAlterações Climáticas

Benefício líquidoda adaptação

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23N.º10 Junho 2008 

Estes três factores são fundamentais na decisão dos actores em privilegiar ou não uma política de adaptação precoce, num contexto de forte incerteza acerca da magnitude e timing do impacto das alterações climáticas.

Neste quadro, as percepções sobre os riscos e benefícios potenciais são factores críticos. Uma adaptação eficaz não avançará se o decisor não tiver a percepção de que a acção é necessária ou que ela trará benefícios, afirma Michael Hanemann, da Universidade de Berkeley e co-autor de “Scenarios of climate change in California” (2006).

Um erro no timing de intervenção – demasiado cedo ou demasiado tardia – influencia os custos e também os benefícios.

Nos estudos que têm sido desenvolvidos, as regiões costeiras são um dos objectos de análise mais recorrentes, atendendo à forte concentração de activos e de população, da mesma forma que do ponto de vista dos sectores de actividade, a agricultura e a energia tendem a ser estratégicos para a tomada de medidas, atendendo aos eventuais impactos provocados por um aquecimento global.

Para aferir a eficiência e eficácia dos instrumentos, convém analisar o que está em causa.

ZONAS COSTEIRAS

O impacto das alterações climáticas será muito significativo nas zonas costeiras que tendem a ser densamente povoadas e absorvem, na generalidade dos países com essas características, a maior parte dos activos, ou seja, comungam num elevado capital natural, humano e construído.

Regiões/países Estudo Nível Mar Nível Protecção (% 

costa protegida)

Custos anuais (mil milhões USD)

Nicholls (2007)8,9‐9,1cm (2030); 44,4‐52,7cm (2080)

nd 4 a 10,6

Tol (2002) 1m 89% 10,55

Nicholls (2007)8,9‐9,1cm (2030); 44,4‐52,7cm (2080)

0,62 a 1,79

Comissão Europeia (2007 Cenários B2 e A2 na1,3 a 4 (2020) 1,3 a 9,3 (2080)

Tol (2002) 1m86% (Europa OCDE) e 93% (Central e Leste)

1,36% (Europa OCDE) e 0,53 (Central e Leste)

Nicholls (2007)8,9‐9,1cm (2030); 44,4‐52,7cm (2080)

nd 0,88 a 2,02

Tol (2002) 1m 100% 1,4

Nicholls (2007)8,9‐9,1cm (2030); 44,4‐52,7cm (2080)

nd 0,57 a 1,6

Tol (2002) 1m 86% 1,47

ÁfricaNicholls (2007)

8,9‐9,1cm (2030); 44,4‐52,7cm (2080)

na 0,53 a 1,32

Tol (2002) 1m 80% 0,92

Nicholls (2007)8,9‐9,1cm (2030); 44,4‐52,7cm (2080)

na 0,06 a 0,17

Tol (2002) 1m 30% 0,05

Nicholls (2007)8,9‐9,1cm (2030); 44,4‐52,7cm (2080)

na 0,8 a 2,18

Tol (2002) 1m 93%3,05 (sul e sudeste) e 1,71 (Costa pacífico)

Ásia

Impactos e medidas de adaptação à subida do nível do mar nas regiões costeiras

Mundo

Europa

América do Norte

América Latina

Médio Oriente

Impactos e Medidas de Adaptação à Subida do Nível do Mar nas Regiões Costeiras

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24 N.º10 Junho 2008 

Entre os efeitos antecipados pelos especialistas internacionais, as alterações climáticas provocam o aumento do nível médio do mar, da temperatura e uma intensificação dos ciclones tropicais e uma maior frequência de eventos extremos, sejam cheias ou tempestades, mudanças nos padrões de precipitação (e capacidade de escoamento), acidificação dos oceanos e uma degradação dos ecossistemas costeiros.

A maioria dos estudos acerca dos efeitos tem, no entanto, enfatizado o impacto do aumento do nível do mar, que poderá oscilar entre os 18 e os 59 cm até ao final do século, de acordo com as conclusões do IPCC (capítulo 10).

Mas esta projecção não incorpora as incertezas associadas ao degelo potencial da Antárctica que poderia, segundo Michael Oppenheimer7 aumentar aquele intervalo para vários metros.

Acresce que dada a resposta lenta do aumento do nível do mar às mudanças do clima, esse compromisso com o aumento do nível do mar é independente de futuras reduções nas emissões de GEE.

Dadas essas tendências de longo prazo e o longo ciclo de vida das estruturas costeiras, antecipar uma política de adaptação torna-se um factor crítico no curto e médio prazo.

AGRICULTURA

As alterações na temperatura e precipitação afectam o ciclo de crescimento e colheita das culturas, bem como os respectivos rendimentos, além de influenciarem a disponibilidade de água para fins agrícolas. O aumento da concentração de CO2 tem, por outro lado, um efeito positivo na eficiência de utilização da água, contribuindo para a melhor rentabilidade de certas culturas.

7 In “Climate Change: Are Greenhouse Gas Emissions from Human Activities Contributing to a Warming of the Planet?” (2007)

Nível sectorial Política Pública

Seguro rendimento

Diversificação produção

Ajustamento ciclo de produção

Migração(cidades e outras zonas rurais)

Reajustamento inputs(irrigação, fertilizantes)

Novas práticas

I&D(ex. culturas resistentes ao calor)

Incentivo à adopção de novas tecnologias e práticas

Promoção uso eficientede recursos

Apoio à difusão informação e alternativas de adaptação

Incentivo à adopção de novas tecnologias e práticas

Reforço comércio agrícola

Estratégias de Adaptação na AgriculturaEstratégias de Adaptação na Agricultura

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25N.º10 Junho 2008 

As estimativas apontam para um aumento acima dos 3ºC nas latitudes mais elevadas, enquanto deverão baixar nas baixas latitudes. Em África e sobretudo na parte subsaariana, a produção agrícola pode decrescer provocando um galopante número de pessoas em risco de fome8.

Por isso, as medidas de adaptação são particularmente relevantes para estancar os impactos adversos à escala regional, mantendo a produção e o acesso a alimentos em muitos países em desenvolvimento.

RECURSOS HÍDRICOS

No caso da água, a oferta será igualmente afectada pelas alterações da temperatura e dos padrões de precipitação. Os impactos das alterações climáticas na precipitação são incertos e podem ter uma variação significativa entre regiões.

Estas mudanças afectam sectores dependentes da oferta de água, além do próprio tratamento e abastecimento, como são os casos da agricultura e, no sector energético, a hidroelectricidade.

Acresce que a qualidade das águas fluviais pode também ser afectada por uma redução dos leitos e as elevadas temperaturas favorecem uma maior concentração de matéria orgânica, já de si subjacente a uma intensificação da erosão e precipitação.

A saúde do ecossistema seria então prejudicada pela menor qualidade da água e por alterações nos fluxos.

Neste mercado específico, as medidas podem incidir tanto na procura como na oferta. Do lado da oferta, há dois aspectos fundamentais: a capacidade de aumentar a oferta através do investimento na construção de novas capacidades de armazenamento, explorando e extraindo águas subterrâneas, eliminando parasitas dos reservatórios e avançado com transvases; e, por outro lado, investir na qualidade, seja através da dessalinização e/ou do tratamento de águas residuais. Do lado da procura, as medidas 8 Yates e Strzepek (1998) “An assessment of integrated climate change impacts on the agricultural economy of Egypt”; Winters P, Murgai R, de Janvry A, Sadoulet E & Frisvold G (1999) “Climate change and agriculture: effects on developing countries” in Global Environmental Change and Agriculture, pp. 241–264.

Benefícios adaptação

s/adaptação c/adaptação (% impactos)Ásia ‐12 ‐8 33América do Norte ‐23 ‐12 48América do Sul ‐29 ‐18 38Europa ‐23 ‐13 43Austrália ‐26 ‐19 37África ‐35 ‐27 23Nota *variação rendimento em %)

Fonte Tan e Shilbasaki (2003)

Impacto* 

Benefícios da Adaptação naAgriculturaBenefícios da Adaptação na Agricultura

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devem permitir a desaceleração da procura e a utilização mais eficiente do recurso, através da promoção da reciclagem, de novos padrões de uso, da importação de produtos intensivos em água e de incentivos económicos.

ENERGIA

No caso da energia, a literatura económica enfatiza os custos associados ao aumento da procura por arrefecimento/aquecimento e, geograficamente, nos EUA.

A procura por arrefecimento é satisfeita integralmente pela electricidade, enquanto o abrandamento da procura por aquecimento no Inverno tende a ser satisfeita por uma multiplicidade de fontes de energia.

Rosenthal9 assumiu um modelo bottom-up para concluir a possibilidade de benefícios líquidos – redução líquida do consumo de energia – de 5,3 mil milhões de dólares (1990=100) com base num aumento de temperatura de 1.º em 2010. Já Morrison e Mendelsohn10 recorreram a uma abordagem top-down para concluir que os custos líquidos da adaptação representam um aumento das despesas de energia de 1,93 a 12,7 mil milhões de dólares no horizonte 2060.

A discrepância de resultados explica-se não apenas pelos diferentes horizontes temporais, mas sobretudo porque o primeiro estudo envolve pressupostos mais optimistas acerca do potencial de eficiência energética.

Mas as estimativas dos custos e benefícios líquidos das medidas de adaptação são também influenciadas pela evolução do capital construído.

Os mesmos autores construíram cenários contrastados face a ocorrência ou não de mudanças nas características de construção. Ambos os estudos concluem que incluir alterações aumenta significativamente os custos de adaptação, na medida em que os futuros edifícios terão maior capacidade de arrefecimento. No horizonte de 2060, esse custo poderá variar entre 2,98 e 8,57 mil milhões, dependendo do cenário económico subjacente. Sailor e Pavlova (2003)11 chegam a resultados semelhantes. Analisando a cidade norte-americana de Buffalo, os autores consideram que mais de dois terços do aumento estimado no consumo de energia é induzido pelo crescimento do mercado de arrefecimento. Um estudo mais recente, de Erin Mansur (2005)12, analisa o impacto das alterações climáticas, não apenas na procura mas também nas escolhas sobre o tipo de fonte energética, e conclui que as alterações climáticas conduzem a um aumento do consumo de electricidade relativamente a outras fontes, especialmente por causa da procura por arrefecimento. Daí que os autores estimem um aumento líquido nas despesas

9 Rosenthal, J. S. (1995), "Convergence Rates for Markov Chains," SIAM Review, 37, 387-405 10 MENDELSOHN, R.; MORRISON, W. N. − The Impact of Global Warming on US Energy Expenditures, pp. 209-236, The Impact of Climate Change on the United States Economy, 1999 Mendelsohn & Neumann (ed.), Cambridge 11 (2003) "Air Conditioning Market Saturation and Long Term Response of Residential Cooling Energy Demand to Climate Change ", Energy – the International Journal, 28 12 “The Short-Run Effects of Time-Varying Prices in Competitive Electricity Markets” Energy Journal, Volume 27, Issue 4, October 2006, pages 127-155.

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de energia nos EUA de 4 a 9 mil milhões de dólares para 2050 e de 16 a 39,8 mil milhões em 2100, dependendo da severidade da mudança do clima.

Estes são apenas alguns dos estudos em três áreas de intervenção primordiais, mas representam análises que apontam para a necessidade de um avultado investimento na protecção das zonas costeiras, que, actualmente, pesam menos 0,1% do PIB, malgrado haja diferenças significativas em termos regionais (nos EUA). Na agricultura, há a possibilidade de com medidas de adaptação relativamente modestas se poder compensar consideravelmente os declínios de rendimento em virtude das alterações climáticas; e, no sector hídrico, a investigação parece concluir que nas regiões onde se espera um aumento da precipitação, o factor crítico recairá sobre o tratamento de águas residuais e acarreta custos de adaptação consideráveis das infra-estruturas. Ao contrário, nas regiões onde se espera uma redução da precipitação ou onde a disponibilidade de água deverá baixar com o degelo, os investimentos para reforçar o armazenamento bem como aumentar a eficiência na afectação dos recursos será uma mais-valia económica. No sector da energia, a maioria dos estudos conclui que os custos de adaptação para arrefecimento serão maiores do que os benefícios associados à redução da procura de calor.

A Adaptação é um conceito algo nebuloso, com fronteiras ainda por definir de forma clara. Será que se devem considerar apenas acções que reduzem os riscos ou devem incluir-se acções que reforcem a capacidade de resposta aos riscos? Se as acções de adaptação necessitam de reduzir o risco e reforçar a capacidade então os custos associados aumentam significativamente, dado que há um conjunto mais alargado de acções a ponderar.

Acresce que é difícil separar a adaptação ao risco climático dos outros. Por exemplo, as práticas agrícolas, o planeamento para o uso da terra ou o desenho de infra-estruturas podem incluir considerações do clima actual e futuro, tal como, no sector hídrico, os custos tendem a reflectir as respostas de adaptação a alterações demográficas e económicas.

A análise é, claro, simplificada. Os estudos sobre os impactos nas zonas costeiras tendem a analisar apenas o risco de inundação, ignorando outros como a salinização das águas, o aumento do risco de saúde pública ou a exposição crescente a riscos de tempestades e cheias. Depois em termos de medidas, tendem a focar as ”hard”, como a construção de diques no caso dos sistemas de protecção costeira, ignorando medidas “soft” como o planeamento agrícola e urbano.

Com base nesta informação, a decisão sobre as melhores ferramentas de intervenção envolve maior complexidade.

INSTRUMENTOS

Suportar as perdas é o que resta na ausência de capacidade de resposta ou quando os custos das medidas de adaptação superam o risco ou os danos antecipados.

Partilhar as perdas passa por disseminar as perdas numa comunidade alargada. Nas sociedades tradicionais, as perdas são tradicionalmente partilhadas por famílias alargadas e

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no seio da aldeia, ao passo que nas sociedades modernas envolve normalmente esquemas de seguro, reabilitação e reconstrução assente em fundos públicos.

As opções dependem dos objectivos:

Modificar a ameaça – no caso de alguns riscos é possível experimentar um nível de controlo sobre o risco, por exemplo controlo de cheias.

Prevenir os efeitos – este tipo de medidas podem ser agrupadas numa perspectiva estrutural/tecnológica; legislativa/instrumentos de regulação; institucional/ administrativa; instrumentos assentes no Mercado e operações in loco

Alterações de uso – quando o risco de mudança climática ameaça definitivamente a continuidade de uma actividade económica, como a conversão de uma área agrícola para proteger uma zona costeira

Alterar localização – outra resposta pode ser a mudança de localização das actividades económicas Há uma razoável especulação, por exemplo, acerca da reafectação das principais colheitas e regiões para longe de áreas de maior calor e aridez para áreas mais frescas e que possam ser mais atractivas para determinadas culturas

Promover a investigação – o processo de adaptação pode ser impulsionado pela I&D em, novas tecnologias, como novas culturas agrícolas ou novos tratamentos para as doenças associadas às mudanças climáticas

Mudanças comportamentais através da educação, informação e regulação

Numa perspectiva sectorial, os instrumentos mais utilizados são:

Esquemas de seguros (generalidade dos sectores)

Sinais de preço/mercados (recursos hídricos e ecossistemas)

Parcerias Público-Privadas (combate a cheias, protecção costeira e gestão água)

Microfinança (agricultura, eventos extremos)

Regulação (padrões de construção e ordenamento do território)

Incentivos I&D (agricultura e saúde)

Tendo em conta a aplicação generalizada dos seguros e das PPP na protecção das zonas costeiras, será útil um olhar mais atento sobre o funcionamento destes instrumentos no que respeita à prossecução dos objectivos de adaptação às mudanças climáticas.

PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS

O grosso do investimento subjacente à implementação de medidas de adaptação, na ordem dos 60 a 75% – está associado às infra-estruturas, seja para a construção de estruturas de protecção específicas, como barreiras anti-cheias, ou de equipamentos existentes à prova do clima, como estradas, pontes, sistemas hídricos ou redes eléctricas.

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Na maioria dos países, o financiamento é público, seja à escala nacional, regional ou municipal. O mesmo se aplica às medidas de protecção ambiental, sejam físicas (diques, defesas a cheias) ou institucionais (protecção civil).

Assim, a adaptação é uma pressão adicional para os recursos públicos, quer financeiros como administrativos. Daí que o sector privado possa ser parceiro para sobrelevar constrangimentos operacionais, reforçar o desempenho e acelerar o investimento.

Como o próprio BERD sugeria, as soluções de adaptação assentes em PPP podem potenciar uma experiência válida acerca de consolidar e modelar a participação do sector privado na infra-estrutura e contribuir para o seu maior peso em sectores como a I&D, saúde e educação.

Formas de PPP

Transferência de propriedade – o sector privado assume a propriedade de todos os recursos, por exemplo uma rede eléctrica, e controla as decisões de investimento, manutenção e operação sujeito a uma supervisão do regulador

A preferência pela venda de activos foi a forma privilegiada nas primeiras PPP, especialmente nos países desenvolvidos. Nos países em desenvolvimento, normalmente o sector privado é “convidado” a fornecer o necessário para satisfazer uma procura crescente.

“Greenfield Investment” – a emergência do conceito de “greenfield investment”, diferenciando-se da tradicional nomenclatura de investimento horizontal ou vertical, incide na expansão ou modernização de bens de equipamento de um país, independentemente de terem uma gestão central, regional ou local e tem funcionado como factor de atracção do investimento estrangeiro especialmente no mundo em desenvolvimento, dado que envolve maior eficácia do que a simples venda de activos. Por isso, este tipo de investimento, a par da diversificação, tem sido o maior dinamizador de PPP nos sectores energético e de telecomunicações, que representa mais de 60% dos projectos privados.

OBJECTIVOS

Modificar a ameaça

Prevenir os efeitos

Alteraçõesde uso

Alterar localização

Promover a investigação

Mudanças comportamentais

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Concessão – nos sectores dos transportes e da água que, pela sua natureza dificulta a introdução de forte concorrência, a forma mais popular das parcerias são as concessões, ou seja contratos de longo prazo nos quais o actor privado assume a total responsabilidade pela operação e gestão dos activos, incluindo o investimento e reabilitação, mas a propriedade permanece pública. A longevidade típica deste tipo de concessões favorece ao concessionado recuperar os custos de investimento, apesar de, em regimes mais recentes, o risco comercial tender a ser cada vez mais partilhado pelos parceiros.

O Reino Unido foi pioneiro, ao introduzir a Iniciativa Financeira Privada (PFI), já adoptada por outros países da OCDE. Trata-se de um tipo de concessão mais abrangente, incluindo projectos infra-estruturais e não só. Os esquemas PFI no Reino Unido têm sido utilizados para construir mais de 111 mil milhões de dólares de equipamentos como escolas, hospitais, esquadras de polícia, edifícios da administração, e , ao invés da forma clássica, o parceiro privado não beneficia do êxito comercial, mas é pago em função dos objectivos atingidos.

Contrato de gestão – esta solução, com um horizonte temporal típico de 5 a 7 anos, é menos exigente do ponto de vista do risco e da responsabilidade. O operador privado assume normalmente a responsabilidade de gestão e operação e é remunerado de acordo com metas pré-estabelecidas – o investimento continua a ser da responsabilidade pública. Esta solução aplica-se especialmente em ambientes institucionalmente fracos, onde os investidores privados são menos avessos ao risco. O seu peso nos projectos de infra-estruturas passou de 4 para 10% entre a década de 90 e 2005 (Kerf e Izaguirre, 2007).

Uns dos exemplos mais elucidativos para a adaptação são as joint-ventures em I&D, que potenciam uma aceleração das soluções tecnológicas. Neste tipo de parceria, as agências governamentais, conjuntamente com ONG e empresas privadas podem contribuir com “recursos humanos, físicos e financeiros para acelerar a geração e difusão da inovação, novas formas de tecnologia e conhecimento” (Hartwich, 2007) e, implicitamente, suportar os riscos associados.

167

596

1963

853

214

0

500

1000

1500

2000

2500

Alienação total Alienação parcial

Projecto "Greenfield"

Concessão Contratos de gestão

p ç p çO exemplo do Reino Unido

Nº Projectos

Fonte: World Bank Private Participation in Infrastructure Database (ppi.worldbank.org).

Participação Privada nas Políticas de Adaptação

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31N.º10 Junho 2008 

SEGUROS

Os esquemas de seguro têm um duplo papel no que respeita às políticas de adaptação. O acesso aos prémios pode aliviar o impacto líquido adverso de eventos climáticos e, simultaneamente, pode ser um incentivo a adaptações orientadas para a redução do risco climático. À medida que os prejuízos climáticos e os registos meteorológicos se tornem menos credíveis, o seguro pode ser um negócio mais arriscado – os riscos serão exacerbados se os constrangimentos orçamentais, a inércia ou factores culturais impedem as pessoas de uma adaptação no curto prazo. Nesse caso, as seguradoras podem deixar de estar disponíveis para cobrir determinados riscos ou então aumentar significativamente os encargos para garantir a cobertura.

Daí que sejam necessárias medidas de política pública para superar essas imperfeições de mercado, como, por exemplo, medidas financiadas pelo Estado para baixar o risco para um patamar aceitável. Em alternativa, os riscos podem ser partilhados com o sector segurador, subsidiando os riscos mais extremados, mas sem criar incentivos perversos nem impedir decisões que podem ser necessárias no manancial de respostas aos riscos climáticos sistémicos.

A necessidade de uma sólida gestão de recursos será, por isso, cada vez mais evidente num contexto de alterações climáticas. Os recursos hídricos, florestas e outros ecossistemas, já são pressionados pela poluição, sobreexploração e gestão inadequada. Sem medidas adequadas, os riscos de alteração climática podem levar alguns sistemas até ao limite do colapso.

As deficiências na definição de direitos de propriedade e dumping estão na vanguarda da desadequada gestão de recursos. Os instrumentos económicos, como a definição de preços com base nos custos, incluindo os ambientais, e os mercados ambientais podem ajudar a ultrapassar estas imperfeições de mercado.

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32 N.º10 Junho 2008 

Europa, líder da terceira revolução industrial?

O presidente da Foudation on Economic Trends, Jeremy Rifkin, argumenta que a Europa tem a

capacidade de assegurar a liderança de uma nova era, marcada pelo que designa de “Terceira

Revolução Industrial”.

Para Rifkin, essa revolução deriva do actual “pôr-do-sol”do regime energético. O impacto das alterações

climáticas estão a ter um rápido impacto nos países em desenvolvimento por causa da subida do preço

do petróleo e intensifica-se a preocupação com a velocidade dessas mesmas alterações.

Atendendo às projecções do IPCC para um aumento de 2 ou 3 graus na temperatura média, Rifkin

considera que o problema que se coloca à União Europeia (UE) e ao resto do Mundo, como ficou

patenteado na Cimeira de Bali, é a capacidade de transformar a adversidade numa oportunidade

económica. Essa revolução assenta em três pilares. O primeiro são as formas de energia renovável –

solar, eólica, hidroeléctrica, geotérmica, ondas do mar e biomassa. Apesar de representarem pouco no

mix energético global, crescem rapidamente, impulsionadas pela injecção de milhares de milhões de

euros de capitais públicos e privados na I&D e no desenvolvimento dos mercados.

O segundo pilar assenta na capacidade de armazenamento. A UE está a investir nas energias

renováveis e estabeleceu a meta de 20% para 2020. Mas para maximizar as energias renováveis e

minimizar custos será necessário desenvolver métodos de armazenagem que facilitem a conversão de

fornecimentos intermitentes dessas fontes renováveis em activos seguros e duráveis. As baterias têm

essa capacidade limitada, mas o hidrogénio é o meio universal que “armazena” todas as formas de

energia renovável para assegurar a disponibilidade de um fornecimento estável e seguro para a

geração de energia e, igualmente importante, para o transporte. Antecipando as críticas do esforço

avultado de investimento necessário, Jeremy Rifkin faz a analogia com as rupturas provocadas pelo

investimento na viabilidade do automóvel ou do computador, defendendo a distribuição em massa, ou

seja, o hidrogénio transformar-se-á no veículo universal para armazenar energia renovável, mas

existirão veículos mistos como a extracção da água ou as baterias.

O mais importante numa “sociedade de energia renovável” é a capacidade de armazenar para utilizar

quando não está a ser extraída – quando o sol não brilha, o vento não sopra, a água não está a correr

ou a produção de milho satura.

Depois da natureza da fonte (renovável) e do armazenamento (hidrogénio), o terceiro pilar envolve a

distribuição, sugerindo uma confluência da “comunicação distributiva”. A ideia é gerar energia

renovável localmente e submetê-la a uma rede inteligente e integrada que permitirá a cada Estado-

membro produzir a sua própria energia e partilhar os excedentes com os parceiros, contribuindo para a

segurança energética. Ou seja, a Itália partilharia o seu excedente de energia solar com o Reino Unido

que, por sua vez, trocaria éolica com Portugal, cuja abundância hidroeléctrica poderia avançar para a

Eslovénia, etc. A visão proposta por Rifkin aponta para um cenário, em 2050, que determinada região

da Europa que beneficia de um excedente de energia renovável poderá partilhá-lo com regiões que

estejam a enfrentar uma escassez ou quebra de energia. E o “carrier” será o hidrogénio.

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33N.º10 Junho 2008 

Estratégia

Quatro Visões Territoriais para a Europa Fátima Azevedo

Europa protegida em busca da homogeneidade interna será distinta de uma Europa liderada por cidades globais catalisadoras de tecnologia, inovação e talentos ou de uma Europa que

busca, a leste e a sul, optimizar recursos. Do melhor desses três universos pode emergir uma nova identidade europeia.

©Direcção Serviços de Prospectiva Estratégica

onfrontada com uma perda de influência em termos geopolíticos e geoeconómicos, fruto de uma população envelhecida e dificuldades de conquistar ganhos de produtividades potenciadores de competitividade no seio do processo de

globalização, a Europa tem centrado as atenções no processo de alargamento a leste (via de aumentar o peso demográfico no mundo) e na tentativa de percorrer os trilhos da homogeneização interna em termos da coesão económica, social e territorial.

Quando cruzamos a análise com a dinâmica da política externa, a segurança energética e o controlo aos fluxos migratórios provenientes de África e da Europa Oriental não comunitária surgem como as prioridades.

Com base num conjunto de estudos, a ESPON divulgou, em Março passado, um relatório que procura reflectir sobre o futuro da Europa no Mundo com base em quatro visões territoriais – uma das quais procura abarcar o melhor das restantes.

Compreender o impacto territorial dessas Visões, que visam suscitar o debate entre os vários actores para um eventual reajustamento da estratégia europeia, passa por evocar um trabalho prévio, que resultou na construção de três cenários para 2030 – um, tendencial, que pressupõe a continuidade das actuais tendências e das políticas públicas, e os outros, com prioridades contrastadas: competitividade e coesão.

A Europa do cenário Tendência não mostra capacidade para superar os desafios que se lhe colocam, sendo necessário proceder aos ajustamentos que permitam uma maior eficiência da Estratégia de Lisboa, a maior integração das várias políticas e repostas à fragmentação da economia europeia, ou evitar investimentos menos rentáveis ou

C

A ESPON associa a prospectiva exploratória, com a construção de 3 cenários, e a prospectiva estratégica, a partir de 4 visões

Autor:ESPONData de Publicação: Maio de 2007

Autor:ESPONData de Publicação: Maio de 2007

Autor:ESPONData de Publicação: Março de 2008

T e r r i t ó r i o

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34 N.º10 Junho 2008 

apropriados à emergência de um novo paradigma energético. Por sua vez, o cenário “Pró-competitividade” é orientado para propiciar um crescimento económico mais forte, fruto da maior competitividade e da inovação tecnológica, mas tenderá a gerar, igualmente, maiores custos sociais e ambientais, associados a um reforço das disparidades a vários níveis, hipotecando o efeito positivo no longo prazo, bem como o equilíbrio territorial e o desenvolvimento dinâmico da população que estará concentrada numa área central que funciona como polarizadora de actividades – o “pentágono”, bem definido desde a década de 90.

Numa escala pan-europeia tal significa a continuidade de uma área predominante, entre o Reino Unido e o Norte de Itália ou, numa escala intermédia, o reforço das principais capitais europeias que tenderão a aumentar o seu efeito polarizador.

Finalmente, o cenário “Pró-Coesão” resultará em valor acrescentado para a coesão territorial e para o rejevenuscimento demográfico, integração sócio-cultural, com impactos menos lesivos para as regiões rurais, mas onde o desempenho económico e tecnológico será possivelmente o menos brilhante dos três cenários. Comparativamente ao cenário “Tendência”, as regiões ganhadoras são perfeitamente opostas: as áreas centrais da Europa ocidental, no cenário “Pró-Competividade”, e as periféricas, sobretudo no norte da Europa,no cenário “Pró-Coesão”.

Em termos metodológicos, este exercício de prospectiva exploratória deu lugar, posteriormente a uma fase de análise de 12 factores-chave para a construção europeia, que culminou na definição de quatro visões que enquadram os diferentes cenários produzidos, no sentido de contribuir para a prospectiva estratégica do que poderá ser nas próximas décadas o futuro da Europa no Mundo.

 Em 2030, surgem áreas de

integração económica fora do “pentágono”, potenciadas pelas principais redes urbanas. Estas redes principais integram redes

regionais e locais, conectando cidades vizinhas. Por sua vez as várias áreas económicas estão

interligadas pelas principais vias de comunicação, emergindo um

conjunto de cidades-interface ao longo dessas vias de comunicação.

Fora das áreas metropolitanas sobressaem zonas rurais que

cumprem novas funções, nomeadamente na produção de

biomassa ou no desenvolvimento de uma dinâmica economia

residencial. Paralelamente, a necessidade de promover as vias

Áreas de integração económica

Rede urbana principal

Ligações entreÁreas de integração económica

Principais vias marítimas

Áreas produção biomassa

Áreas economia residencial

Cidade‐interface

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35N.º10 Junho 2008 

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36 N.º10 Junho 2008 

As visões realizadas pelo ESPON para a Europa comunitária resultaram de várias percepções da organização espacial actualmente disponíveis:

A Visão “Continental” descreve os territórios de acordo com a forma tradicional dos continentes, subtilmente designada segundo “áreas civilizacionais” nos últimos tempos;

A Visão “Centro-Periferia” enfatiza a assimetria nas relações entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento e o declínio da posição dominante da Europa;

A Visão “Arquipélago”, assente numa organização do espaço em rede, evidencia a conectividade como principal força motriz.

Cada uma destas formas de retratar a Europa reflecte, em parte, a realidade mundial. Os “Continentes” podem ter fronteiras sólidas e relações assimétricas com os PVD localizados na sua periferia e intensas trocas com pontos focais globais situados em zonas remotas do mundo.

Claro que a Europa interage com o resto do mundo em diferentes escalas e de formas diversas, mas tendem a recair sobre aquelas três visões.

Os mapas conceptuais são intrínsecos à visão continental, ao passo que, por exemplo, os mapas de áreas de influência desenham um padrão de “centro-periferia” e os dados acerca dos transportes aéreos são um reflexo da visão “arquipélago”.

Da integração destas três visões resultou uma quarta, que assenta na ideia que a Europa, juntamente com os seus vizinhos, pode realmente ser fulcral para o rumo da economia mundial.

GeografiaUma pequena parte da 

Ásia?...Euro‐Ásia

EconomiaCom África na 

Tríade?...Euro‐África

DemografiaUma parte da África?...Euro‐Mediterrâneo

Peso internacionalTerceiro bloco depois da

NAFTA e ASEAN

PopulaçãoEm retracção e Envelhecida

Factores Estruturais

Migrações

Comérciointernacional

Conectividade

Polarizaçãoeconómica

Factores FuncionaisFactores Estruturais Factores Funcionais

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37N.º10 Junho 2008 

VISÃO CONTINENTAL UMA EUROPA PROTEGIDA E FECHADA O peso do território europeu no mundo é importante. A UE-27, juntamente com a Suíça, Noruega, Turquia e Balcãs ocidentais, representa 5% da área continental mundial, 11% da sua área agrícola, 10% da população mundial (15% da população urbana) e ligeiramente acima dos 25% do PIB, medido em paridades do poder de compra.

A verdade é que este peso está a decrescer, especialmente nos critérios de PIB e da população – uma tendência iniciada ainda na década de 50. Desde então, essa tendência para o declínio tem sido combatida com os sucessivos alargamentos do espaço comunitário. Mas, como o processo está em fase de saturação, o êxito dependerá da política externa europeia, nomeadamente no que toca às relações de vizinhança.

Nesta visão, a prioridade é a integração interna, ou seja a convergência entre os Estados Membros. Quanto ao resto do Mundo, a ênfase é colocada na segurança.

A ideia geográfica de que a Europa é uma das civilizações mundiais é absorvida no pressuposto da maior homogeneidade interna possível e da forte protecção contra ameaças externas, sejam migrações ilegais, riscos ambientais, tráfico humano, etc.

As fronteiras assumem um valor significativo e a política territorial é dedicada à coesão. Esta visão está reflectida nos tratados europeus e é uma condição para o acesso à União que os candidatos sejam um “Estado Europeu”.

Impactos

DesafiosFoco na segurança com efeitos negativos no sul, sobretudo em cidades que funcionam como porta de entrada do Mediterrâneo (Sevilha, Valência, Barcelona, Marselha, Nápoles ou 

Atenas)

Leste: Cidades como Varsóvia, Praga e Budapeste deverão ser beneficiadas;  

investimento pode retrair pela reduzida dimensão dos mercados e aumento tendencial dos salários

Migrações: restrições poderão 

dificultar a disponibilidade de mão‐de‐obra, especialmente 

a qualificada

Europa insular – demasiado pequena para cimentar o desenvolvimento; demasiado grande pela multiplicidade de países e culturas, incluindo os vizinhos em vias de desenvolvimento

Redes Transeuropeias 

Investimento  a Leste

Política Regional focalizada nas zonas menos desenvolvidas 

(Leste)

As redes transeuropeias tendem a favorecer a integração interna do território europeu

O actual núcleo tende a consolidar‐

se como o centro da Europa

Países da Europa Central e de Leste devem beneficiar de subsídios e do IDE 

ocidental para prosseguir os esforços de convergência para a média comunitária

Impacto negativo nos territórios periféricos

Insuficiente dimensão 

mercados de leste

Ilha isolada e envelhecida

LimitaçõesA

ctivos

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38 N.º10 Junho 2008 

A homogeneidade do território e a convergência económica são as forças motrizes de uma visão continental que beneficia o Leste e exacerba o papel insular da Europa no Mundo

A cooperação com os vizinhos é importante, desde que se mantenham claramente fora do perímetro da Europa.

A “European Neighbourhood Policy” foi lançada em 2004. Para além da UE-27, há um conjunto de países, de Marrocos à Rússia, que é importante para a estabilidade e o desenvolvimento europeus. O objectivo é alargar a essa “vizinhança” os valores europeus de livre circulação de bens, serviços e pessoas, além dos capitais.

Vários acordos têm reforçado os investimentos e a circulação de bens, serviços e capitais, mas não as pessoas. As restrições à entrada no território europeu continuam a ser consideráveis, sendo, por exemplo, o asilo ainda mais complicado.

Alguns consideram esta política como uma compensação que deveria ser oferecida à Turquia em vez de adquirir o estatuto de membro de pleno direito na UE.

Esta visão é consistente com a solidez da integração Este-Oeste. Desde o início da década de 90, os investimentos directos dos países da União foram significativamente “transferidos” para leste, até pela credibilidade emanada pelos respectivos processos de adesão ao bloco comunitário.

Entre 2002 e 2006, 80% do investimento directo estrangeiro de actores europeus foi canalizado para outros países ocidentais, no caso das indústrias inovadoras, banca e serviços, ou para economias do leste europeu, como no caso da indústria automóvel. Nos últimos anos, o “Velho continente” foi receptor de 40% do IDE e mais de 30% dos novos empregos foram criados por esses capitais internacionais, especialmente na parte oriental da Europa.

No âmbito da visão continental, a evolução da geografia económica europeia poderia ser intensificada com a adesão de novos membros dos Balcãs e, possivelmente, da Ucrânia, Georgia ou outros países do Cáucaso.

No que respeita às políticas, a essência dos fundos deveria ser afecta ao ajustamento estrutural do sector agrícola dos novos Estados-membros, de forma a acelerar a homogeneidade do mercado europeu.

Esta visão é a continuação do padrão de desenvolvimento prevalecente desde o início da década de 90, em que os países de leste são os principais beneficiários do apoio financeiro da União.

Em suma, a influência europeia cresce para leste e baixa a sul.

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39N.º10 Junho 2008 

VISÃO “CENTRO-PERIFERIA” CONSOLIDAR O EURO-MEDITERRÂNEO Se pensarmos na evolução da economia mundial nos últimos 50 anos, verificamos que os países caracterizados por um crescimento económico e demográfico mais acentuado estão situados num “anel dourado” que envolve os três centros da Tríade. Por isso mesmo, o desafio europeu passa por integrar a periferia num projecto que lhe permita competir com os outros principais blocos regionais, Japão e EUA.

A visão “centro-periferia” visa explorar essa vertente, mas assenta numa relação assimétrica com os países vizinhos, ou seja, não reclama que a UE representa 1/3 da economia global, mas confia num aprofundamento da integração económica, mas não política, com os países vizinhos por forma a permanecer como um actor global.

Coloca-se então um dilema: por um lado, a possibilidade de lançar a cooperação de um modo assimétrico, onde os países desenvolvidos abrem as suas fronteiras aos investimentos económicos; e, por outro, a resistência em abrir as fronteiras à imigração, apesar de a maioria dos imigrantes seja proveniente precisamente desses países periféricos.

Daí que esta visão se encaixe, de alguma forma, na visão continental, podendo até ser considerada como uma das possíveis variantes. No fundo, a principal diferença reside num maior dinamismo da política de vizinhança, sobretudo na componente económica, aproveitando as complementaridades entre uma periferia caracterizada pelo baixo custo dos factores de produção e um núcleo duro com elevado potencial tecnológico.

Impactos

Desafios

Foco na eficiência (zona de 

comércio livre) e segurança(energia e migrações)

Nova geografia da cadeia de 

valor da generalidade dos sectores

Migrações: restrições poderão 

dificultar a disponibilidade de mão‐de‐obra, especialmente 

a qualificada

Catching up –aproximação Ásia e EUA

Reforço da capacidade concorrencial com Ásia e EUA

Aceleração do crescimento dos países da Europa 

do Sul

Aprofundamento da integração Euro‐

Mediterrânica

Integração regional com o Mediterrênico

(zona comércio livre)

Importação de altas 

qualificaçõespara o Norte da 

Europa e de baixas para o Sul

Relação assimétrica: benefício dos países do sul da EU (França, Itália, Portugal) 

sem grandes ganhos para os países do Norte de África

relocalização do peso ambiental na costa sul não é sustentável

Manutenção do mixmigratorio

Norte de ÁFricacomo “tampão” dos migrantes da África Subsaariana

LimitaçõesA

ctivos

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40 N.º10 Junho 2008 

Capitalizar complementaridades entre uma periferia caracterizada pelo baixo custo dos factores de produção e um núcleo duro com elevado potencial tecnológico

Esta combinação pode favorecer a competitividade europeia na Ásia, América do Norte e China, alterando o actual “estado de arte”, segundo o qual por cada 100 dólares que os EUA investem no exterior, 18 são canalizados para a América Latina e no caso do Japão, 19% do investimento no estrangeiro é destinado às economias emergentes do continente asiático. Já na Europa, o peso do investimento nas suas periferias é de 10%, com menos de 2% dirigido aos países do Mediterrâneo.

Assim, um reavivar da estratégia Norte-Sul pode implicar uma relocalização competitiva de actividades para leste, mas, acima de tudo, para os vizinhos do sul, localizados no Mediterrâneo e Saara, nomeadamente nas chamadas actividades “sujas, difíceis e perigosas” como são o caso das centrais energéticas e refinarias, que, por razões ambientais, dificilmente poderiam localizar-se em território europeu.

Assumindo esse ciclo virtuoso, a Europa poderia ganhar no plano da segurança energética, graças à conexão da rede eléctrica no espaço Euro-Mediterrânico, e no plano da eficiência da oferta, através do acesso a matérias-primas africanas, de baixo custo. Este tipo de parceria sintetiza a optimização de uma estratégia de baixo custo de matérias-primas, energia, indústria e serviços, com os destinatários dos investimentos a acomodar a procura europeia por call centres, turismo seguro, de saúde (Tunísia e Marrocos) e residencial.

Do ponto de vista político, esta visão enquadra um protagonismo particular dos países do Norte de África, que exerceriam a função de “guardiães” da Europa, em troca de contrapartidas financeiras, face aos fluxos migratórios provenientes da África Subsaariana.

VISÃO “ARQUIPÉLAGO” AUMENTO DAS DISPARIDADES TERRITORIAIS A visão “Arquipélago” assenta na ideia de que as relações em rede são mais importantes do que a simples proximidade geográfica. Assim, em termos estratégicos, esta visão centra-se na conectividade com os principais centros de inovação mundiais, como os EUA e Ásia. Por isso, abertura, liberalização e desregulamentação são os princípios subjacentes a uma visão onde o nível de protecção e de subsidiação são baixos. A globalização prevalece sobre a regionalização e a política de inovação sobrepõe-se à regional e à agrícola.

A UE funciona, assim, como um arquipélago metropolitano no mundo, detendo interfaces no sistema metropolitano global – Londres, Paris, Frankfurt ou Madrid beneficiam de boas conexões na rede global, sendo ainda especializadas em determinadas ligações: Londres-América do Norte; Paris-África; Frankfurt-Ásia e Madrid-América Latina.

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A conectividade com os principais centros do mundo e a complementaridade com os países vizinhos

podem ser pilares de uma estratégia win-win

Estas poderosas cidades podem assim ser consideradas como os principias motores do desenvolvimento do território europeu e da economia assente na I&D, inovação e interacção com o resto do mundo.

Há então uma forte correlação entre a globalização, a concentração de I&D e actividades

inovadores numa área conjunto territorial que beneficia de mão-de-obra altamente qualificada e padrões internacionais nos transportes, serviço, finanças e cultura.

O reverso da medalha é o aumento das disparidades territoriais à escala nacional, em benefício das áreas metropolitanas, e uma crescente conectividade internacional entre elas.

Os principais alvos comerciais são os mercados asiáticos, sobretudo China e Índia, ainda que o principal parceiro continue a ser o Norte de África, mas longe de uma parceria Euro-Mediterrância, como a evidenciada pela visão “centro-periferia”.

Em termos geográficos, as redes têm um papel central, naquilo a que Manuel Castels prefere considerar “espaço de fluxos” em vez de “espaço de espaços”. A importância dos fluxos de capital faz da Cidade Global o território mais proeminente e autores, como Cattan (2004), afirmam mesmo que o que interessa não é o poder de cada cidade global, mas o grau da inter-conectividade.

Impactos

Desafios

Foco na 

competividadeEstratégia de 

Lisboa

Migraçõesselectividade na 

atracção de mão‐de‐obra – Classe Criativa

Coesão– Aumento das assimetrias inter e intra Estados Membros

Upgrade das principais cidades europeias

Aceleração do crescimento

Conectividade dos principais centros 

mundiais

Internacionalização das

Metrópoles europeias

Conectividadecomo critério central da 

hierarquia urbana

Aceleração crescimento dos 

países com cidades globais, agravando disparidades territoriais

Aumento de salários e custos 

atenua competividadea 

Leste

Controlo fronteiriço

Destabilização no Mediterrâneo

LimitaçõesA

ctivos

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A integração da Europa com as periferias a sul e leste, potenciada pela mobilidade e pelas redes, favorece a prosperidade económica e a reconquista de protagonismo geopolítico

Do ponto de vista da circulação de pessoas, verifica-se um padrão semelhante ao “centro-periferia” no caso da mão-de-obra pouco qualificada e um enfoque na atracção de talentos, da “classe criativa” nos moldes avançados por Richard Florida (2005) por essas cidades globais.

VISÃO “REGIONAL” COOPERAÇÃO EM REDE NO CAMINHO DA PROSPERIDADE As visões anteriores são baseadas em evidências simples, normalmente limitadas a um ou dois critérios dominantes seja na perspectiva estatística ou conceptual.

Com a visão “Regional” da Europa no Mundo, a realidade é mais complexa – adoptando 18 critérios associados a 4 dimensões (acessibilidades, redes, fluxos e complementaridade).

O mapa resultante mostra a geografia do potencial da “região mundial” onde a Europa pode promover um processo de integração. Essa área cobre um terço da superfície terrestre, da Rússia ao Sul de África, incluindo todos os países mediterrânicos, mas não o Golfo Pérsico nem a Ásia Central

Apesar da crescente importância das conexões mundiais, as vantagens estratégicas da proximidade tornam-se mais importantes à medida que os custos associados à energia crescem.

Uma das principais características desses processos é a que envolve os países desenvolvidos mas também os países em desenvolvimento: EUA e México ou Japão, China e países asiáticos.

Deblock e Regnault (2006) defendem o restabelecimento de ligações Norte/Sul, depois de um afastamento pós-colonial. Esse reatamento é a razão pela qual a UNCTAD apela ao regionalismo, segundo Mashayekhi 2005, como um factor positivo no seio da globalização.

A escala das regiões mundiais é a melhor oportunidade para optimizar as regulações internacionais entre países desenvolvidos e PVD. A necessidade de re-regular a economia mundial é uma importante força motriz para responder aos excessos do capitalismo (Stiglitz 2006).

Os resultados da conferência da OMC, em Cancum, os Objectivos do Milénio, o Protocolo de Quioto e as dificuldades de consenso global evidenciam esse desafio.

A escala regional pode ser relevante para as novas políticas internacionais, dadas as complementaridades entre as preocupações das economias nacionais, os valores culturais partilhados (ou pelo menos compreendidos reciprocamente), os laços históricos, os fluxos migratórios e outros activos importantes no desbravar o caminho de uma cooperação win-win.

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Por isso, os acordos regionais de comércio multiplicaram-se nos últimos 15 anos. Como afirma J.M. Siroën (2000), o que realmente importa é “definir a escala para os bens e serviços públicos serem produzidos da forma mais eficiente de acordo com o custo e as preferências das sociedades para certas características que são frequentemente associadas ao território geográfico”.

Este tipo de visão é fulcral para os países do sul do Mediterrâneo, dada a favorável situação demográfica para o desenvolvimento económico, com um peso significativo de jovens adultos com elevadas expectativas de vida e um nível de fertilidade estável, – nem muitas crianças, nem muitos idosos. Essa proporção máxima de população activa confere uma oportunidade única, mas precisam de uma forte parceria com a Europa para concretizar as reformas necessárias e os desafios colocados pelas alterações climáticas em termos de gestão de águia e protecção de solos.

O mesmo com o Báltico e Mar Negro. Por exemplo, a poluição Mar Negro evidencia o carácter central da cooperação com países como a Georgia e Ucrânia, porque necessitam de recursos financeiros e científicos para uma melhor eficiência na gestão dos recursos hídricos, sendo até meritório incluir a Rússia no compromisso, dada a elevada liquidez.

Depois, atendendo à oferta de petróleo e gás, a UE tem de intensificar esses esforços de uma maior cooperação com os países do Cáucaso e da Ásia Central, evitando uma excessiva dependência da Rússia.

Os problemas de segurança e o receio do terrorismo, que emergiram do processo de Barcelona, surgiram, numa primeira fase, associados a uma visão mais alargada de fundir

Impactos

Desafios

Abertura, Liberalização e

Desregulamentação

Integração das periferias a Leste 

e a Sul

Regulação regional –

Circulação das elites

Prosperidade e ascensão na arena internacional

Complementaridade factores de produção

Mobilidade catalisadora de 

ganho de influência no 

Mundo

Regulação como alavanca para o desenvolvimento periferias internas 

e vizinhas

Redes Globais

Cooperação e descentralização

Magreb como interface da Europa com África

Risco de conflitos externos dada a recuperação do peso geopolítico 

europeu

Consenso dificultado acerca 

prioridades a leste ou a sul

Tensões políticas

LimitaçõesA

ctivos

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o desenvolvimento dos dois lados do Mediterrâneo. No curto prazo, a estratégia”continental” ou “centro-periferia” pode ser mais realista numa Europa em declínio económico e envelhecida, ou seja, construir uma ilha de prosperidade rodeada de oceanos de pobreza com trágicas consequências no longo prazo.

A migração não pára enquanto houve diferenciais de riqueza maiores do que 1 para 5. Em tal cenário, a UE será obrigada a investir mais no controlo das fronteiras a sul e a leste. Num contexto de crescimento económico limitado, a opção política pode passar por limitar o orçamento comunitário a outros objectivos como a coesão sociais, o desenvolvimento sustentável ou a I&D.

Os países do Mediterrâneo podem não aceitar ser “tampões” da UE contra as sociedades pobres da África Sub-Saariana. E podem ser tentados a desenvolver parcerias com outras partes do Mundo como os EUA ou China. Em vez de investir na aliança com a UE.

A Rússia já tem em curso processos de novas parcerias na Ásia oriental e a UE terá de, em breve, enfrentar uma maior concorrência pelos recursos naturais da ex-URSS com a China e Japão.

Depois, países como a Ucrânia e Bielorrússia tornaram-se em pólos de imigração ilegal para a UE e não tem condições para travar esses fluxos no longo prazo e podem optar por reduzir a cooperação em várias áreas.

A integração social dos imigrantes pode afectar a reunificação familiar ou circulação, gerando problemas nas cidades e subúrbios, pelo que a identidade da Europa pode ser afectada por um clima de medo subsequente ao isolamento da Europa. A dimensão universal do projecto europeu, o seu contributo para a paz mundial e o compromisso em ajudar os PVD vizinhos – logo expressos em 1950 por Robert Schuman poderá cair por terra.

No fundo, esta visão encerra uma escolha crucial: manter-se como uma área continental integrada, buscando a homogeneidade: gerar países comparáveis, com a coesão por finalidade principal, através de um processo liderado especialmente por políticas públicas, uma espécie de “regionalismo convergente”; ou construir uma entidade regional mais ambiciosa com os vizinho do sul e de leste: “um regionalismo aprofundado”, juntando até países desenvolvidos, com o crescimento económico e a protecção ambiental por principais objectivos, promovidos também pela NAFTA ou “Asia +3”. A priori, a segunda hipótese terá maior probabilidade de êxito.

2005

2006

2007

Com o Futurono Pensamento