Enfoque Quilombos 3

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Página 3 Página 2 Página 3 Que falta você me faz: moradores reivindicam serviços básicos Como o passado dos Machado pode assegurar o futuro de 230 famílias Comunidade conta com cursos gratuitos e cria biblioteca comunitária A LUTA É POR MORADIA NASCIDA COMO UMA OCUPAÇÃO, A COMUNIDADE 7 DE SETEMBRO, NA ZONA NORTE DA CAPITAL, BUSCA APOIO NA CAUSA QUILOMBOLA PARA GARANTIR A PERMANÊNCIA NAS TERRAS QUILOMBOS ENFOQUE EDIÇÃO PORTO ALEGRE / RS 3 NOVEMBRO DE 2014 XXXXXXXXXXX THALLES CAMPOS

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Enfoque Quilombos (edição 3). Produção dos alunos das disciplinas de Jornalismo Cidadão e Fotojornalismo do Curso de Jornalismo da Unisinos (Porto Alegre).

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Que falta você me faz: moradores reivindicam

serviços básicos

Como o passado dos Machado pode assegurar o

futuro de 230 famílias

Comunidade conta com cursos gratuitos e cria biblioteca comunitária

A LUTA É POR MORADIANASCIDA COMO UMA OCUPAÇÃO, A COMUNIDADE 7 DE SETEMBRO, NA ZONA NORTE DA

CAPITAL, BUSCA APOIO NA CAUSA QUILOMBOLA PARA GARANTIR A PERMANÊNCIA NAS TERRAS

QUILOMBOSENFOQUE

EDIÇÃOPORTO ALEGRE / RS 3NOVEMBRO DE 2014

XXXXXXXXXXX

THALLES CAMPOS

Page 2: Enfoque Quilombos 3

2. ORIGENS

A luta de uns é a luta de todosComunidade quilombola

existente dentro da Ocupação 7 de Setembro busca titulação

Vindos da Vila Res-peito, os morado-res da Ocupação 7 de Setembro

buscam junto ao Incra a titulação de uma comuni-dade quilombola existente em seu interior, o Quilombo da Família Machado.

Seis pessoas da família Machado formam o núcleo do quilombo. Seus descendentes vieram de São Francisco de Paula há mais de 40 anos e se instalaram na Vila Respeito. As famílias foram crescendo, e o espaço nas casas, reduzin-do. Isso fez com que essas pessoas saíssem das casas das famílias e fossem viver de aluguel, o que para mui-tos era insustentável devido à limitação de recursos.

Foi em 2012, na data que dá nome à ocupação, que mais de 200 famílias se instalaram no local, o qual dizem ocupar

há anos. “A gente ocupa esse lugar desde moleque, só não morava aqui”, afirma Luís Ro-gério Machado, conhecido por todos como Jamaica. Portanto, os moradores descrevem a ocupação como uma retoma-da de território.

Esse também é o termo usado pelo advogado dos moradores, Onir Araújo, que faz parte da Frente Quilom-bola. Ele estima que a área reivindicada como território quilombola seja de aproxi-madamente 10 hectares. E reafirma que o terreno já era utilizado por essas pessoas há anos, como espaço de lazer, agricultura e pesca.

Em maio deste ano, o Quilombo da Família Ma-chado conseguiu a Certidão de Autodefinição junto à Fun-dação Cultural Palmares. Esse é um dos primeiros passos para se chegar à titulação. José Rodrigo Machado, um dos quilombolas, lembra que essa conquista se deve muito ao en-contro de várias comunidades quilombolas, que em janeiro se reuniram em Brasília por suas titulações.

Mesmo com a certidão

em mãos, o advogado Onir reforça que os moradores não estão livres de serem retira-dos do local. Um processo de reintegração de posse tramita na Justiça. “Enquanto não se tiver garantia do Incra e do Ministério Público Federal da permanência das pessoas no local e o deslocamento do processo de reintegração de posse da esfera estadual para a Justiça Federal, não há garantias”, reforça Onir. O Incra já enviou uma antro-póloga para fazer o estudo da área.

Mas, mesmo com essa in-certeza, a existência de uma comunidade quilombola tem garantido a permanência das famílias na Ocupação 7 de Setembro. José Rodrigo Ma-chado lembra que no início foi muito difícil convencer os outros moradores da ocupação sobre a importância de se bus-car a titulação. Muitos desco-nheciam o significando de ser uma comunidade quilombola e por isso a recusavam.

Para esclarecer esta e ou-tras questões da situação dos moradores, a família Machado e demais lideranças organi-

zam todas as segundas-feiras uma reunião aberta a todos os moradores. Para José Ro-drigo, as reuniões são muito importantes para evitar que boatos tomem força. “Conti-nua o trabalho de desmistificar essas coisas”, diz ele.

Quanto à possibilidade de retirada do local, Jamaica conta que, como ninguém tem

para onde ir nem condições de se manter de aluguel, o “plano B” é sem dúvida a re-sistência. Já sobre a definição do quilombo e da ocupação como um todo, ele é simples e direto: “São todos os opri-midos convivendo dentro de um espaço”.

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Famílias começaram a

se instalar na área em 2012. Boa parte delas veio da vizinha Vila Respeito

à

VANESSA VARGAS-

THALLES CAMPOS

RECADO DAREDAÇÃO

Um dos maiores prazeres dos quais um jornalista pode desfrutar é, sem dúvidas, o de ouvir histórias para depois contá-las aos seus leitores ou espectadores. Histórias que não se passariam na cabeça do escritor mais criativo. Em algumas dessas sagas em busca de coisas para contar, conhecemos as casas de nossas fontes, que de vez em quando nos oferecem um chá, um cafezinho ou até mesmo um copo d’água.

Dia 18 de outubro de 2014, no sábado de uma semana chuvosa no Rio Grande do Sul, a turma do curso de Jorna-lismo da Unisinos Porto Alegre visitou a Comunidade 7 de Setembro, no bairro Sarandi. Os repórteres e fotógrafos, muito bem recebidos pelo líder da comunidade, Luís Rogério Machado, ou simplesmente Jamaica, conheceram a história da ocupação e do quilombo instalado ali dentro. No entanto, a turma de futuros jornalistas não foi apenas convidada a adentrar as casas dos moradores da comunidade e tomar uma água ou um café. Ao fim de nossa visita ao local, um bando de crianças, algumas usando galochas para proteger os pés do frio e do barro que tomava conta das ruas da Comunidade 7 de Setembro, se dirigia ao galpão que costuma abrigar as assembleias. Tamires, esposa de Jamaica, avisou: “Eles vão cantar pra vocês”.

A música é cantada em um ritmo que se parece com o do funk, e as rimas falam da importância da comunidade para a criação e o desenvolvimento das famílias e, principalmente, das crianças. Para nós, estudantes, que muitas vezes preci-samos lidar com as dificuldades para falar com as fontes e até a má vontade delas, simplesmente por ainda não sermos formados, um ato como o das crianças da Comunidade 7 de Setembro surpreende e alegra muito.

Foi uma grande experiência conhecermos a história dessa comunidade e das outras duas que visitamos. Nesta última edição que nossa turma produz do Enfoque Quilombos, gostaria de dizer que me sinto mais humana depois de conhecer a luta enfrentada pelos quilombolas do Brasil. Como jornalistas, buscamos valorizar essas comunidades e levar informação para as pessoas que desconhecem a causa.

EDITORA-CHEFECAROLINE GARSKE

“Quilombo de ontem, favela de hoje” Longe de aparentar os

34 anos que tem, Luís Ro-gério Machado, o Jamaica, recebeu a equipe do Enfo-que Quilombos no espaço de convivência da Comuni-dade 7 de Setembro numa manhã de outubro. De fala e gestos rápidos, o líder da comunidade é quem conta a história das 230 famílias que há dois anos ocupam uma área na Zona Norte.

No dia 7 de setembro de 2012, algumas famílias que moravam na Vila Res-peito, lideradas por Jamaica e por seu irmão Rodrigo, decidiram parar de pagar aluguel e ocupar uma área próxima, que até então per-manecia sem uso. Com as famílias instaladas, os do-nos do terreno acionaram os advogados e desde então uma batalha é travada na Justiça. “Depois de mui-tas tentativas de despejo, estávamos bloqueando a Avenida Sertório para cha-mar a atenção para nossa causa quando conheci o Onir (advogado e militante da Frente Quilombola do Rio Grande do Sul)”, re-lata Jamaica. Onir Araújo, estudando a história dos Machado, descobriu que se encaixavam nos programas do governo federal de com-pensação a remanescentes quilombolas. “Minha mãe veio há 40 anos para Porto Alegre para tentar a vida, e a gente acabou perdendo a ligação com a nossa his-

tória. Através de certidões de óbito dos antepassados, conseguimos comprovar que minha família é rema-nescente de escravos, e por isso temos direito de formar um quilombo e viver em paz nas terras que esco-lhermos”, diz Jamaica. O Quilombo Machado nasce com a missão de garantir à Comunidade 7 de Setem-bro o direito de moradia.

O jeito simples de falar de Jamaica é bruscamente interrompido por expres-sões como “laudo antro-pológico”, que acabaram incorporadas ao vocabulá-rio do jovem quilombola. Ele luta capoeira desde os 14 anos, e foi dando aulas no Centro de Referência em Assistência Social (CRAS) da Zona Norte que conhe-ceu Tamires da Silva, sua ex-aluna, com quem é casa-do há 11 anos e tem o filho Lucas Gabriel Machado, de dois anos. Hoje Jamaica dá oficinas de capoeira nos quilombos Silva e Alpes, no Instituto Federal do Rio Grande do Sul e, neste ano, iniciou o trabalho no pró-prio Quilombo Machado, onde cerca de 15 crianças tiveram aulas no inverno. Para o verão, a previsão é dobrar esse número. Quan-do não está dando aulas ou envolvido com as questões do quilombo, Jamaica tra-balha colocando pisos.

“Quilombo de ontem, favela de hoje! Os negros

que Zumbi reuniu eram todos excluídos, margina-lizados, não tinham um es-paço na organização social da época. Hoje as favelas cumprem o mesmo papel: reunir os excluídos e criar um ambiente para que pos-sam viver em sociedade”, analisa Jamaica. No qui-lombo, o jovem enfrenta problemas que um líder de qualquer comunidade ca-rente enfrentaria. “Há pou-co mais de duas semanas a polícia veio e vandalizou o nosso espaço de convivên-cia. Eles disseram que aqui funcionava um ponto de drogas e foram quebrando lâmpadas, destruindo pa-redes e desmanchando o telhado, sem qualquer tipo

de diálogo. A escravidão no Brasil dura 514 anos!”, desabafa emocionado. Fora isso, Jamaica precisa resol-ver de problemas triviais, como a instalação de en-canamento e luz, a viajar para Brasília para tratar do futuro da comunidade. Ja-maica garante que quando a titulação sair e a ocupação se tornar efetivamente o Quilombo da Família Ma-chado, todas as famílias da 7 de Setembro permanece-rão em suas casas.

Jamaica estudou até o 2º ano do ensino médio, mas pretende terminar os estudos e cursar o ensino superior “O Onir me in-centiva muito para fazer Direito e assim me envol-ver cada vez mais com a causa quilombola. Mas lá no fundo eu quero mesmo é fazer Pedagogia. Ajudar a criançada a tomar um rumo me deixaria muito feliz.”

Jamaica, com a mulher, Tamires,

e o filho, Gabriel, lidera os moradores no movimento quilombola

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VINICIUS FERRARI-

DÉBORA VASZELEWSKI

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Page 3: Enfoque Quilombos 3

Falta o básico

Esgoto, luz e calçamento estão

entre as principais reivindicações da comunidade

As ruas são de chão batido e esbura-cadas. Sempre que chove há

pontos de alagamento que dificultam a passagem dos moradores. Felizmente nun-ca houve caso de invasão de água nas residências, mas ainda assim a situação me-rece atenção. “As ruas estão péssimas. Fica complicado na hora de ir trabalhar. É comum sair limpo de casa e chegar sujo. Precisamos de calçamento”, afirma An-derson Santos, 34 anos, que vive na comunidade desde 2013. Por outro lado, para ele e os demais entrevista-dos, não há reclamações de acesso ao transporte públi-co. Há paradas de ônibus bem próximas das casas e várias linhas disponíveis.

Os moradores da Ocu-pação 7 de Setembro so-frem com a falta de servi-ços básicos legalizados. O acesso à água encanada e à luz para as mais de 200

famílias que atualmente residem no local é obtido através do esforço coletivo dos próprios moradores.

Rodrigo Bartz, 30 anos, nasceu em São Lourenço e veio para a Capital em busca de emprego. Atual-mente é autônomo e dono de um pequeno comércio de alimentos chamado Bar do Alemão, dentro da co-munidade. Ele é ex-mo-rador do bairro Sarandi e chegou à ocupação para reduzir custos, pois já não tinha condições de arcar com os R$ 600 de aluguel mensalmente. Na ocupação encontrou uma comunidade unida que deseja melhorar de vida. “Aqui, nenhum de nós se nega a pagar por luz e água, bem pelo contrário. Queremos a nossa conti-nha mensal e um serviço de qualidade, mas não temos. Nós fizemos as ligações de luz e água do jeito que deu, é muito perigoso. O risco de incêndio é alto. Preci-samos ficar monitorando a hora do banho do vizi-nho, por exemplo, porque se ligarmos o chuveiro na mesma hora, cai a luz”, reclama.

Alemão, como é co-

nhecido, tem quatro cães de estimação. “Quando che-guei aqui tinha uma cadela perambulando sozinha e re-solvi adotá-la. Era um bicho bom, precisava apenas de um trato. Três dias depois ela deu à luz vários filhotes. Eu nem imaginava que es-tivesse grávida. Fui doando aqui mesmo na comunidade. Meus cães são todos vacina-dos. Precisamos de acesso à castração gratuita aqui, ou a baixo custo, mas por

enquanto não temos esse serviço”, conclui o dono do bar.

Com relação à segu-rança, existe um sistema de patrulhamento coletivo entre os moradores. Segun-do Cláudia Reyes, 58 anos, que está desde o início deste ano na ocupação, todos se conhecem e isso facilita bas-tante. “Um vizinho cuida da casa do outro. Quando alguém vê uma cara des-conhecida a informação já

é repassada e ficamos todos atentos”, revela. A moradora ainda cita o problema do esgoto a céu aberto. “É uma fonte de doenças. Sem con-tar o mau cheiro nas épocas de calor.”

Segundo os moradores entrevistados, não há trá-fico de drogas na comuni-dade e, se alguém quisesse iniciar a atividade, certa-mente seria banido.

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DIREITOS .3

GRAZIELA BUSATTA-

LAÍSE FEIJÓ-

De educação e cultura ninguém abre mãoDentro da Ocupação 7 de

Setembro e do Quilombo da Família Machado, educação e cultura estão presentes e de maneira bastante ativa, ape-sar de todas as dificuldades. Desde 2012, mais de 200 fa-mílias firmaram moradia no local e, com o tempo, várias atividades foram ganhando espaço, como capoeira, cursos profissionalizantes e eventos comemorativos.

Mais ou menos 30 crian-ças participam ativamente da oficina de capoeira e macu-lelê dada por Luís Rogério Machado, o Jamaica, líder da comunidade e mestre para os pequenos moradores. Todas as terças e quintas, a associação da 7 de Setembro vira palco para aprendizado e diversão. Um espaço para cada um mostrar seu talento e praticar a cultura africana.

O maculelê é uma dança que simula a luta tribal, usando dois bastões como “armas”. Os movimentos seguem o rit-mo da música. Maiara, de sete anos, conta que adora as aulas e que nunca falta. “O que eu mais gosto é do maculelê, por-que é divertido e eu sei bem. Na capoeira não sou tão boa, mas também gosto bastante.”

Na entrada da comunida-de fica a futura biblioteca, que já conta com alguns livros, mas ainda não está funcio-nando, pois faltam reparos para adequar o espaço. Lá serão realizadas oficinas de pedagogia, sexologia e leitura, além das aulas de cursos do Pronatec, o Programa Na-cional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego, que já são uma realidade.

O IFRS, Instituto Fede-ral do Rio Grande do Sul, Campus de Canoas, oferece os cursos de Agricultura Fa-miliar e Agente de Projetos Sociais para os moradores, que aderiram muito bem às capacitações. “Eu faço o curso de Agricultura e para mim foi maravilhoso porque antes não tinha noção de nada, agora já é bem diferente. Até aulas de cozinha vamos ter mais

pra frente, e também vamos aprender a fazer produtos de higiene artesanais”, diz Tami-res da Silva, de 24 anos.

Após o início desse curso, foi criada a horta da

comunidade, onde o que é ensinado é posto em prática. Algumas alunas, como Ve-nilde Santos, aproveitaram as instruções para aumentar e melhorar a horta que já tinham em casa. “A profes-sora trouxe várias sementes novas pra nós e já estou até consumindo o que plantei. Gosto bastante do curso”, conta. As aulas ocorrem em vários pontos da localidade. Como dizem os alunos, é um curso itinerante.

Os moradores ressaltam ainda que algumas datas, como o Dia das Crianças e o Natal, são comemoradas com grandes festas. O últi-mo evento foi no dia 12 de outubro, quando as crianças ganharam um dia diferente, com cachorro-quente e refri-gerante, brinquedos infláveis e muita diversão. Cada pessoa contribui como pode. Alguns fazem doações em dinheiro, outros participam da orga-nização e assim também é feito no final do ano. Nesses momentos, o pessoal da 7 de Setembro confraterniza entre si e abre a comunidade para os vizinhos próximos.

Outros dois projetos estão em andamento dentro da ocu-

pação. Um é de uma creche comunitária para atender as crianças da localidade. Outro é de um Ponto de Cultura do Quilombo Família Machado, com atividades voltadas para a temática africana e quilom-bola.

Segundo o líder Rogério Jamaica, o projeto da creche está sendo feito por uma ar-quiteta que é parceira deles, e depois disso os próprios moradores farão a obra do prédio. “Se a gente ficar es-perando por uma escola feita pela prefeitura, vai demorar muito mais tempo, e essa é uma necessidade grande da nossa comunidade, não dá para esperar”, ressalta.

Já o Ponto de Cultura será feito depois de conseguirem a titulação de quilombo, o que possibilita uma verba para o incentivo cultural e para a ma-nutenção do espaço. Apesar da luta e da resistência constante da Comunidade 7 de Setem-bro, a cultura e a educação não são deixadas de lado, pelo contrário, os moradores lutam para que elas se mantenham vivas e sempre presentes den-tro de seu espaço.

Horta comunitária é resultado

de um dos cursos profissionalizantes do Pronatec

Em dias de chuva, ruas

sem calçamento ficam alagadas

à

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DÉBORA VASZELEWSKI

THALLES CAMPOS

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A união construindo laresEm meio às dificuldades,

não faltam exemplos de so-lidariedade e superação. O casal Artemis da Silva Gou-lart, 29 anos, e Isabel Taube de Carvalho, 28 anos, fez, em parceria com os vizinhos, boa parte da infraestrutura básica de que precisavam. Artemis puxou e distribuiu os fios de luz – irregularmente, pois a companhia de energia não aceitou fornecê-la à comuni-dade – entre as casas; trocou as primeiras mangueiras da

ocupação, que sempre que-bravam, por canos novos; e instalou até uma canalização parcial de esgoto, com um duto sem uso que encontrou no terreno.

Com o novo encanamen-to de água – seguido pela ins-talação de um registro, pelo Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), na frente da ocupação –, o abastecimento ganhou força, e algumas casas nem preci-sam mais de caixa d’água.

“A água é boa”, atesta Isabel. O esgoto feito por Arte-

mis e pelos vizinhos só deu problema uma vez, quando o acúmulo de embalagens plásticas trancou o cano de saída, que dá para um cór-rego. Unidos, os moradores conseguiram até regularizar a coleta de lixo, três vezes por semana. Hoje, o caminhão passa entre as ruas estreitas para recolher os sacos devi-damente armazenados em lixeiras na frente das casas.

Artemis, que já foi con-feiteiro, hoje trabalha na construção civil. E é bastante requisitado pelos vizinhos – vários tiveram sua ajuda para construir parte das ca-sas. Com muito força de von-tade, Artemis e Isabel vão, aos poucos, transformando sua simples moradia em um lar e construindo um futuro melhor para a pequena Ma-noela, de dois anos.

GENTE

O Enfoque Quilombos é um jornal experimental dirigido às comunidades quilombolas de Porto Alegre (RS). Com tiragem de mil exemplares, é distribuído gratuitamente. A produção jornalística é realizada por alunos do Curso de Jornalismo da Unisinos Porto Alegre.

(51) 3591 1122, ramal 3727

[email protected]

REDAÇÃO – Jornalismo Cidadão – Orientação: Felipe Boff. Edição: Caroline Garske. Reportagem: Caroline Garske, Graziela de Souza Busatta, Guilherme Lemchen Moscovich, Laíse Feijó, Luís Felipe de Souza Matos, Vanessa Vargas dos Santos e Vinicius Nunes Ferrari. FOTOGRAFIA – Fotojornalismo – Orientação: Flávio Dutra. Fotos: Débora Vaszelewski e Thalles Campos. ARTE – Agência Experimental de Comunicação (Agexcom) – Projeto gráfico, diagramação e finalização: Marcelo Garcia. IMPRESSÃO – Grupo RBS. Tiragem: 1.000 exemplares.

Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS. Av. Luiz Manoel Gonzaga, 744 – Bairro Três Figueiras – Porto Alegre/RS. Telefone: (51) 3591 1122. E-mail: unisinos@

unisinos.br. Reitor: Marcelo Fernandes de Aquino. Vice-reitor: José Ivo Follmann. Pró-reitor Acadêmico: Pedro Gilberto Gomes. Pró-reitor de Administração: João Zani. Diretor da Unidade de Graduação: Gustavo Borba. Gerente de Bacharelados: Vinicius Souza. Coordenadora do Curso de Jornalismo: Thais Furtado.REPÓRTER- FOTÓGRAFO

ENFOQUE QUILOMBOS EDIÇÃOPORTO ALEGRE / RS 3NOVEMBRO DE 2014

QUILOMBOSENFOQUE FALE CONOSCO

LEGENDAS

Quem trabalha quer casaA rotina dos membros da

comunidade na busca pelo sustento do lar

Não é o barro, re-sultado de uma forte chuva, que impede os mora-

dores da Comunidade 7 de Setembro de levantar cedo para trabalhar. “Quem mora na vila tem que trabalhar de segunda a segunda”, diz Silas Rafael Fagundes de Souza, 30 anos, servente de obras, saindo para mais um dia de serviço.

Jorge Michel Santos, 31 anos, encilha o cavalo Pé-de-pano para fazer o frete de uma geladeira. O trabalho diário de Jorge, limpando pátios em casas de bairros

próximos, também depende da força animal. Ele recolhe os entulhos de pequenas obras em residências não muito di-ferentes da sua. Por ver reali-dades parecidas, sabe que ter um lugar para morar é o mais importante. Jorge entende que o reconhecimento do território quilombola pode ser uma so-lução para evitar as ameaças de despejo: “Não participo de todas as reuniões, mas sei que o quilombo é por uma boa causa”.

As garantias que o qui-lombo pode trazer para a comunidade não estão claras para todos, mesmo porque nem todo o terreno estaria em processo de reconhecimento. Paulo Borges, 45 anos, mora na ocupação, mas se considera vizinho da área do quilom-bo. Ele é empregado como

técnico hidráulico em uma empresa que faz manutenção para a Fasc, órgão de assistên-cia social do Município. “O que garante minha moradia é o meu trabalho”, assegura Paulo, que também é pai de santo.

Gleyjones Fernandes da Silva, 24 anos, veio do Ceará para ajudar o tio que vendia cestas básicas de porta em porta. Agora, trabalha na construção de um condomí-nio de luxo. Ganhando um pouco mais, pôde comprar uma casinha na Comunidade 7 de Setembro, onde vive com a esposa e dois filhos. Há oito meses na ocupação, começou a conhecer a luta para transfor-mar as terras em um quilombo e acredita que isso será bom para os moradores.

A comunidade também

começa a desenvolver uma economia própria. O Bar do Alemão foi aberto em agosto de 2013 por Rodrigo Bartz, o Alemão, 30 anos. Ele é moto-rista autônomo de uma trans-portadora. Quando foi morar na 7 de Setembro, percebeu que abrir um bar poderia lhe render um dinheiro extra. O horário de atendimento va-ria com o movimento. “Fico aberto até meia-noite, uma e pouco da madrugada”, conta Rodrigo, que tem a ajuda da namorada, Joana, nos finais de semana.

A jornada dupla para ten-tar aumentar a renda é comum para muitos na comunidade. Para Cézar Gonçalves, 22 anos, essa jornada já foi tri-pla. Técnico em manutenção de eletrodomésticos, também trabalhava em duas transpor-

tadores. Até três anos atrás, quando, às 5h15min da ma-drugada, dormiu ao volante e saiu da estrada. “Eu fui ganan-cioso”, lamenta. “Não lembro de nada daquela noite, mas no relatório da Samu estava escrito que reclamei muito de dores nas pernas.”

Com o acidente, ele per-deu os movimentos da cintura para baixo. Sua condição de cadeirante limita bastante as oportunidades de trabalho. “O INSS não considera minha situação como invalidez. Mas cadeirante e cego só encon-tram empregos temporários. As empresas que reservam vagas para PCDs contratam só amputados”, aponta. De-pois de ter que vender o carro, Cézar conseguiu comprar uma casa na comunidade, há seis meses, para morar com a es-

posa e o filho de cinco anos. Lá, anuncia seus serviços de conserto de máquina de lavar, micro-ondas, fornos elétricos e outros equipamentos domés-ticos. Com a ajuda do cunha-do, atende clientes de outros bairros e, assim, consegue se manter ativo e sustentar a fa-mília com o apoio da esposa, que trabalha no hipermercado em frente à ocupação.

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Moradores da comunidade criam

formas de empreender em meio a um bairro em crescimento (foto ao centro).Trabalhando em casa, Cézar Gonçalves (esq.) enfrenta as dificuldades de ser cadeirante. Jorge Michel Santos prepara seu cavalo para mais um dia pesado de trabalho

Artemis e a mulher,

Isabel, superam desafios para dar um futuro melhor à pequena Manoela

àLUIS FELIPE MATOS-

à

THALLES CAMPOS

GUILHERME MOSCOVICH-

DÉBORA VASZELEWSKI