Enid Blyton [Cinco 10] O Mistério Que Nunca Existiu
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Enid Blyton
O mistério que nunca existiu
http://groups.google.com/group/digitalsource
Infanto-Juvenil
Clássica Editora
Colecção Juvenil nº 10
3ª Edição, Lisboa, 1988
Esta obra foi digitalizada sem fins comerciais e destina-se unicamente à
leitura de pessoas portadoras de deficiência visual. Por força da lei de direitos
de autor, este ficheiro não pode ser distribuído para outros fins, no todo ou em
parte, ainda que gratuitamente.
O Mistério que nunca existiu
Tradução de Maria De Meneses
Ilustrações de José Augusto Cambraia
3ª Edição
Título original: The mystery that never whas
Enid Blyton
Todos os direitos reservados para a língua portuguesa
por Clássica Editora
Impressão e acabamento: Imprensa Portuguesa
Tiragem 4000 Exemplares
Capítulo I Notícias à hora do almoço
Nicky Fraser desceu a escada em grande velocidade, com o seu cão junto
aos calcanhares, a ladrar muito excitado. O pequeno terrier atirou-se de
encontro à porta da sala de jantar, que ficou escancarada e bateu contra a
parede.
A família estava a almoçar. O pai do Nicky zangou-se.
- Nicky! Que tens tu esta manhã? Leva já esse cão daqui!
A senhora Fraser pousou a caneca do café e afastou o Punch, que dava
saltos alegres na sua frente.
A avó sorriu para o Nicky e deu uma pancadinha na mão do pai dele.
- Exactamente como tu costumavas ser quando eras da mesma idade! -
disse ela.
- Bom dia, família! - disse o Nicky, sorrindo abertamente para todos em
volta, ao mesmo tempo que se dirigia ao aparador para se servir de ovos
mexidos. - Vejo que se esqueceram do dia que é hoje!
- Já te disse que levasses esse Cão para fora da sala - repetiu o pai.
- Dia? Que dia especial é então? - perguntou a avó. - Um aniversário não é,
isso sei eu!
- Não, avó! É o primeiro dia de férias! Olá! Quatro famosas e compridas
semanas para fazer só o que eu quiser!. - Começou a cantar em voz alta. Ai! ó
larila. .
- Pára com esse barulho - ordenou o pai. E leva esse... cão para fora desta
casa! - concluiu o Nicky.
Colocou o seu prato na mesa e voltou-se para dar um inesperado abraço
ao pai. - Oh, pai, é o primeiro dia de férias! Vem daí, pai, até aposto que
também tu costumavas cantar de alegria!
- Senta-te - disse o pai -, também espero cantar de alegria quando vir o teu
relatório da escola. Punch, tira-te de cima dos meus pés.
Punch levantou-se e foi deitar-se sobre os pés da avó. Deu uma lambidela
afectuosa na perna dela. Era-lhe muito afeiçoado, pois nunca lhe gritava!
- Calculo que tu e o Kenneth têm muitos planos para estas férias! - disse a
senhora idosa. - É uma sorte ele habitar aqui ao lado.
- Muita sorte! - disse o Nicky pondo manteiga no pão.
- Para falar verdade não temos nenhum plano combinado. Pensamos em
ensinar mais algumas habilidades ao Punch, tal como ir buscar sapatos ou
chinelos para as pessoas. Avó, não te agradaria que o Punch te fosse buscar as
chinelas para calçares quando voltasses de um passeio?
- Deus do Céu! - exclamou o pai. - Não me digam que vamos agora
encontrar chinelas espalhadas por toda a parte!
- Que é que esse cão está a comer? - perguntou a senhora Fraser ao ouvir
um ruído forte de mastigação que vinha de debaixo da mesa.
- Oh! Nicky, deste-lhe outra vez um bocado de torrada.
-Até aposto que foi a avó que lho deu - disse o Nicky. - Punch, acaba com
essa maneira tão grosseira de comer. Pai, dás-me os dez xelins do costume, se o
meu relatório for bom? E uma libra, se for excelente?
- Sim, sim, sim - disse o pai. - Agora está calado. Quero ler o jornal e a tua
mãe nem sequer pôde ainda ler as suas cartas.
- A senhora Fraser estava a ler uma carta. Os olhos espertos do Nicky
reconheceram a caligrafia.
- Aposto que é do tio Bob! - disse. Não é, mãe? Ele tem tido algum trabalho
interessante ultimamente?
- Sim, é do meu irmão Bob - respondeu a mãe, pousando a carta. -Vem
estar uma temporada connosco e.
- Bravo! - gritou o Nicky, pousando igualmente a chávena, com um baque.
Ouviste aquela notícia, Punch?
O Punch ladrou alegremente, saiu de sob a mesa e com a cauda dava
pancadas na perna do senhor Fraser.
Mas foi prontamente afastado.
-Mãe! Oh, mãe, virá cá para fazer algum trabalho, a mãe sabe? - perguntou
o Nicky com os olhos brilhantes. - Aposto que sim! Mãe. terá de fazer alguma
investigação por aqui? Eu vou ajudá-lo se assim for. E o Ken também. Que
trabalho será? É alguma coisa que nós.
- Nicky! Não te excites tanto! - exclamou a mãe.
- Não. O tio Bob vem até cá porque esteve doente e precisa de descanso.
- Ora que pena! Eu cuidei que ele podia vir em perseguição de um
assassino ou de um contrabandista ou de um raptor, ou de coisa assim parecida
- disse o Nicky desapontado. - Sabe, mãe, eu sou o único rapaz da escola que
tem um tio detective!
- Um investigador particular - corrigiu a mãe. - O seu trabalho é.
- Ora, eu sei muito bem o que é o seu trabalho - disse Nicky comendo
outra torrada. - Têm muitos investigadores na televisão. Na semana passada
um deles teve de resolver um caso terrivelmente difícil. Acabou por uma
perseguição a um aeroplano, e...
- Tu vês demasiadamente a televisão - observou o pai, a juntar as suas
cartas. E agora presta atenção: Se o tio Bob vem para descansar não gostará de
ter hordas de rapazes da escola que venham para escutar as suas aventuras!
Não é de esperar que o Bob fale a respeito delas, são sempre assuntos
particulares. Ninguém deve saber que é ele o tio de que te tens gabado.
- Oh, pai, nem sequer posso dizer ao Ken? - perguntou o Nicky cheio de
tristeza.
-Bem, eu suponho que te não é possível esconder seja o que for do
Kenneth - observou o pai ao sair do quarto. - Mas, nota bem, só o Kenneth!.
-Vou dizer-lho já, depois de almoço! - respondeu o Nicky, e passou outro
bocado de torrada para debaixo da mesa. - Ouviste as novidades, Punch? Que
bom, vamos ter divertimento com o tio Bob. Mãe, já alguma vez o viste com um
dos seus disfarces? Posso telefonar-lhe a pedir que amanhã venha disfarçado
para ver se o Ken ou eu o reconhecemos?
- Não sejas ridículo, Nicky - respondeu a mãe. - E, ouve, não há idas para o
Ken até que tenhas arrumado o teu quarto. Parece que todos os teus livros da
escola estão espalhados pelo chão!
-Tem razão, mãe! - respondeu o Nicky. - Ah! pensar que é o primeiro dia
de férias! Vem daí, Punch! Vai andar muito ocupado nas próximas semanas a
aprender uma quantidade de novas habilidades! Agora é que é a boa época de
aprender, enquanto és novo! E tu ainda nem tens um ano. Foge!
O Punch correu. Partiu em direcção do átrio, fez voar o capacho, subiu a
escada a ladrar. Pensou que devia ser sábado porque o Nicky não ia para a
escola. Deu umas corridas em volta da cama, no quarto do Nicky, à máxima
velocidade e a ladrar doidamente. Oh, que alegria ter o Nicky em casa durante
o dia todo!
O Nicky apanhou todos os seus livros dispersos e resolveu empilhá-los na
chaminé, onde não estorvassem.
- Todas as minhas prateleiras estão cheias - explicou ele ao Punch. -
Portanto, a chaminé é o sítio indicado. Eles vão encher metade da altura da
chaminé, calculo eu. Em seguida escapo-me lá para baixo e telefono ao tio Bob.
Agora pára de ladrar, Punch, ou farás a mãe ralhar connosco.
Esgueirou-se para baixo, até ao escritório, depois daquele colosso de
arrumação.
Não parecia estar por ali ninguém. Entrou, fechou a porta e sentou-se ao
telefone. Marcou o número do tio e esperou com impa ciência. E o Punch ali
ficou, o mais chegado que pôde.
O secretário do tio respondeu. - Ah, é o Sr. Hewitt? - perguntou Nicky. -
Bem, oiça. O tio Bob vem estar connosco amanhã. Diga-lhe que o vou esperar
com o meu amigo Kenneth e que gostava que ele viesse disfarçado para ver se o
reconhecemos. Não se esqueça, não?
- Eu darei o recado - respondeu a voz do outro lado do telefone. - Isto é, se
o vir antes de partir, mas talvez que eu.
O Nicky ouviu um barulho de passos que vinham do átrio, despediu-se à
pressa e pousou o auscultador. Sentia que o pai havia de considerar um
desperdício de chamadas telefónicas fazer semelhante pedido ao tio Bob.
Felizmente os passos atravessaram em frente da porta do escritório e o
Nicky esgueirou-se sem ser visto.
- Vem daí Punch! Vamos ter com o Ken e dizer-lhe que o tio Bob vem até
cá - gritou ele ao excitado cão. - Corre para o jardim. Anda!
Capítulo II Na sombra do caramanchão
O Punch, tomou pelo atalho que os rapazes sempre utilizavam, desde a
porta traseira, através do pátio, descendo o jardim até a um buraco feito na
sebe. A senhora Hawes, a pessoa que vinha todos os dias ajudar os trabalhos da
casa, ameaçou o Punch com a vassoura quando este passou a correr e quase a
fez tropeçar.
- Tu e aquele rapaz! - gritou ela. Sessenta milhas à hora e sem travões!
Antes mil vezes um gato!
O Punch e o Nicky enfiaram pelo buraco da sebe de teixo e o Nicky soltou
um assobio agudo.
Foi imediatamente correspondido por Kenneth, que estava no
caramanchão do seu jardim. O Punch chegou lá primeiro do que o Nicky e
saltou sobre o Kenneth, a quem, a seguir ao Nicky, adorava de todo o coração.
Lambeu-o de alto a baixo, dando ao mesmo tempo pequenos ganidos.
- Vais gastar toda a língua - disse Kenneth. - Agora acaba com isso, Punch!
Já me lavei duas vezes esta manhã.
Que cão este! Olá, Nicky! Já vejo que o Punch está maluco, como é
costume. E tu também, já estou a ver!
O Nicky sorriu.
- Olá, Ken! Não achas maravilhoso não haver colégio de manhã? Foi a
primeira coisa em que pensei ao acordar. Como vão os teus
porquinhos-da-índia?
- Muito bem. Acabei agora mesmo de lhes dar de comer - disse o Ken. -
Olha para este miudinho, o mais novo da ninhada e o mais esperto. Tira-te daí,
Punch! Este cão é muito metediço, não é, Nicky? Metediço seria um nome muito
mais adequado para ele do que Punch.
- Ouve, Ken, tenho umas novidades para ti! - declarou o Nicky afastando
Punch da gaiola das cobaias. - Espera um minuto só.
Onde está a abelhuda da tua mana? Estará aqui perto?
- Pode ser que esteja - disse o Ken baixinho. Foi até à porta do
caramanchão para ver se a sua irmã Penélope estaria por ali. - Não, está o
caminho livre - declarou ele, voltando para trás.
-A Penny é tão metediça como aqui o velho Punch - disse o Nicky. -
Escuta, Ken, sabes quem é o meu tio Bob, aquele que é uma espécie de
detective?
- Bem sei. Que tem ele? Descobriu algum mistério ou coisa parecida? -
perguntou o Ken, imediatamente interessado.
- É verdade, viste aquela peça policial na televisão, ontem à noite?
Ninguém podia descobrir quem roubara o.
- Não, não vi. Mas escuta, Ken. O tio Bob chega esta manhã e eu
telefonei-lhe e pedi-lhe que viesse disfarçado, para nós lhe provarmos como
somos hábeis em seguir uma pista e descobrir qualquer dissimulação. O tio Bob
é admirável na maneira de se disfarçar, mostrou-me uma vez o seu
guarda-roupa especial, completamente atafulhado com toda a variedade de
fatos e de chapéus. Gostava que tu pudesses vê-lo!
- Catita! - exclamou o Ken. - Ouve, achas que ele vem para fazer um
serviço de detective aqui na nossa cidade? Poderemos ajudá-lo? Nós não somos
nada maus quando nos mascaramos, pois não? Lembras-te daquela vez quando
tu te mascaraste e eu te empurrei no carro até lá abaixo, no Dia de Guy Fawkes?
Se não tivesses um ataque de tosse ninguém teria percebido que eras tu que
estavas com a máscara do boneco (N. do T. - A 5 de Novembro comemora-se em
Inglaterra a data do fim de uma conspiração e queima-se um boneco mascarado de Guy
Fawkes, que foi a principal figura desse episódio.).
-A minha mãe diz que ele não vem fazer nenhuma investigação - explicou
o Nicky com pena. - Mas, claro, pode não lhe ter dito, mesmo que haja qualquer
coisa. Supõe-se que vem por estar necessitado de descanso.
- Isso é uma história e nada mais. Eu não acredito! - declarou o Kenneth
com ar de troça. - Nunca em minha vida vi ninguém com aquele aspecto de
estoirar de saúde como o teu tio Bob. Lembras-te de quando ele nos fez
caminhar milhas uma vez? Pessoalmente sinto satisfação por saber que precisa
de descanso.
- Bem, o que é certo é que chega hoje - afirmou o Nicky. - E, como te
contei, pedi-lhe que viesse disfarçado. Está sempre disposto a brincar, bem
sabes. Com que disfarce achas tu que ele virá?
Houve uma pausa. O Ken coçou a cabeça.
- Bem. Talvez apareça como um velhote - disse por fim.
- Sim, pode vir como um velho, concordou o Nicky. - Ou como um
carteiro. Eu vi um uniforme de carteiro no seu guarda-roupa. Em todo o caso há
uma coisa que ele não pode disfarçar. Os seus enormes. pés
- Não virá disfarçado de mulher?- perguntou Ken.
-Não me parece, teria dificuldade com a voz - explicou o Nicky ao
considerar a hipótese. - E com o andar, também. O tio Bob tem um andar bem
próprio de homem.
-Ora, também a professora de equitação da Penny o tem - fez notar o Ken.
- E a voz dela também é bem grossa. É assim.
E, perante a surpresa alarmada do Punch, começou a falar numa curiosa
voz rouca e grave. O Punch, começou logo a rosnar.
- Não há novidade, Punch - riu-se Nicky, fazendo-lhe festas. - Foi uma boa
imitação; Ken. Pois o que vamos fazer é isto: ir à estação esperar o comboio de
Londres, acompanhados pelo Punch, e.
- Mas isso não seria justo - objectou o Ken. - O Punch, reconheceria
imediatamente o tio pelo faro. Será melhor deixá-lo aqui. Ele iria fazer o que
sempre faz, quando vê ou cheira qualquer pessoa sua conhecida: começa a
andar em círculos à sua volta e a ladrar o mais que pode.
- É verdade, tens razão. Não levamos o nosso velho Punch, nesse caso -
declarou o Nicky. -Vai ficar muito desgostoso.
Vamos deixá-lo fechado no teu caramanchão.
- Não. Iria uivar até fazer a casa cair - disse o Ken. - Fecha-o no teu.
- Está bem - concordou o Nicky. Ouves isto, meu caro Punch? O
caramanchão para ti, vês, enquanto nós vamos em passeata. Mas se não fizeres
barulho dou-te um osso muito grande.
- Puff! - fez o Punch abanando violentamente a cauda à palavra osso. Os
rapazes fizeram-lhe festas e ele todo se rebolou, iniciando o seu favorito hábito
de pedalar com as quatro patas para o ar.
- Burro - disse o Nicky. - Que vamos nós fazer até ao meio-dia, Ken? O
comboio de Londres chega por volta das doze e cinco.
- Schiu! - fez o Ken ao ouvir a voz de alguém que estava a cantar. - É a
Penny. Faz de conta que estás a arranjar o caramanchão, no caso de ela querer
que nós a ajudemos nalguma coisa.
Os dois rapazes começaram imediatamente a pegar em caixas, com modo
febril, e a arranjar as coisas que estavam sobre as prateleiras sujas. À porta
espreitou um rosto.
- Olha, cá estão eles! - exclamou a Penny, entrando logo no caramanchão.
Tens levado muito tempo a dar de comer às tuas cobaias, Ken. A mãe estava
intrigada sem saber o que estavas a fazer.
- Diz antes que tu é que estavas intrigada! - respondeu o Ken, todo
ocupado a limpar uma prateleira muito poeirenta para cima da Penn. - Repara!
Nós estamos a trabalhar, como podes ver. Se queres, ajuda-nos, embora seja
uma tarefa bastante suja ter de limpar este telheiro.
- Mas... nunca os vi limpar este caramanchão, nunca! - exclamou a Penny,
a espirrar, por causa da poeira em volta.
Talvez pudessem consertar também o travão da minha bicicleta. Partiu-se
outra vez.
- Penny, estamos ocupados! - respondeu o Ken. - Arranjo-o logo à noite.
Ou então pede ao jardineiro. É muito habilidoso
para isso.
-Sim, eu não quero ficar aqui nesta imundície, com certeza! - declarou a
Penny.
- Patas para baixo, Punch, ! vejam como ele me sujou toda com as patas!
- Oh, por amor de Deus, vai-te embora! -pediu o Ken, e fez voar uma
nuvem de poeira de uma prateleira próxima. A Penny espirrou e apressou-se a
sair. O Nicky olhou para o Ken.
-Achas que devo ir arranjar-lhe o travão? - perguntou. - Pode ter algum
desastre, sabes. Nós temos muito tempo ainda.
- Estou a ouvi-la a pedir ao jardineiro- disse o Ken ao descer do caixote
para que tinha subido. - É uma bisbilhoteira, só veio cá para ver o que
estávamos a fazer! Por que é que as raparigas são tão curiosas? Tens sorte em
não ter uma irmã.
-Sim, eu não desgostava de ter uma irmã pequenina - disse o Nicky. - Não
é lá muito divertido ser único, sabes. É uma sorte para mim tu viveres mesmo
aqui ao lado. E, felizmente, tenho o meu velho Punch!
Puff! - fez o Punch, e lambeu-lhe a mão. O Ken observou as imediações do
caramanchão. -Agora, mais vale limpá-lo como deve ser - disse ele. - Não temos
nada que fazer até ao meio-dia, que é quando chega o comboio de Londres.
Como vamos ficar imundos!
Trabalharam muito e divertiram-se igualmente.
- Palavra de honra, estamos bonitos! - disse o Nicky. - É melhor ir mudar
de roupa, e espero não dar de cara com a mãe no caminho! Encontro-me
contigo, na parte de fora do meu portão, dentro de um quarto de hora. E então
poderemos mostrar ao tio Bob que sabemos ver através de qualquer disfarce
que ele tenha envergado! Vem, Punch! Tens de ficar fechado à chave. até nós
voltarmos. pobre bicho!
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1 Este livro foi digitalizado e distribuído GRATUITAMENTE pela equipe Digital Source com a intenção de facilitar o acesso ao conhecimento a quem não pode pagar e também proporcionar aos Deficientes Visuais a oportunidade de conhecerem novas obras. Se quiser outros títulos nos procure http://groups.google.com/group/Viciados_em_Livros, será um prazer recebê-lo em nosso grupo.
Capítulo III Qual é o tio Bob?
Foi um Punch, muito zangado que os dois rapazes deixaram, fechado à
chave, no caramanchão do Nicky.
- Esperemos que a Penny não o oiça e lhe vá abrir a porta - disse o Ken. -
Acho melhor ir contigo, enquanto te vais vestir de lavado, para me escovar.
Também estou muito sujo, mas, se vou a minha casa e a minha mãe me vê,
pode mandar-me fazer toda a espécie de recados.
- Bem, então entra também - disse o Nicky. - Pela entrada de serviço,
porque assim só veremos a senhora Hawes, a nossa mulher-a-dias.
A senhora Hawes olhou surpreendida quando eles atravessaram a cozinha
em bicos de pés.
- Olhem para isto, eu não sabia que a senhora tinha mandado vir dois
limpa-chaminés esta manhã! -comentou quando os rapazes passaram sorrindo
descaradamente.
O Nicky vestiu uma camisola e lavou a cara, enquanto o Ken se escovava
com energia e distribuía nuvens de poeira negra por todos os lados do quarto.
Pela janela aberta entravam angustiosos ganidos vindos do caramanchão
do jardim.
Pobre Punch!
-Agora é preciso escapar sem a mãe me ver - disse o Nicky. - Não quero
ser detido e ter de fazer recados aborrecidos no momento de sair para ir esperar
o comboio.
Desceram a escada a rastejar e dirigiram-se outra vez para a cozinha. Uma
voz surpreendida chamou-o.
- Oh, finalmente, Nicky! Onde estiveste toda a manhã? Eu queria que tu.
- Desculpe, mãe, vamos sair para irmos esperar o comboio de Londres!
-gritou o Nicky. - O tio Bob, percebe?
-Sim, mas espera, Nicky, meu pateta,
não podes. - começou a dizer a mãe ao sair da sala de estar para falar com
eles.
Mas os rapazes tinham desaparecido e a porta da cozinha já havia batido.
- Escapámos por pouco! - notou o Nicky, ofegante, a correr para o portão
da frente. -Vem daí! Vamos chegar à estação mesmo à hora.
O comboio foi avistado quando eles corriam para a plataforma. - Agora
observa tu as pessoas que vêm da parte de trás do comboio que eu observo as
da frente - disse o Nicky. - E lembra-te de reparar em pés grandes!
O Ken lembrava-se perfeitamente da aparência do tio Bob - um sujeito
aprumado, com uns olhos penetrantes, uma boca bem vincada e de cara rapada.
Mas pode trazer um bigode ou uma barba postiça esta manhã, pensou o
Ken.
E pode andar curvado como um velho.
Mas ficou à espera de que o comboio lhe passasse ao lado e parasse por
fim.
Apearam-se seis pessoas das carruagens. Duas eram senhoras e ambas
baixas.
Podiam ser excluídas desde logo. Uma outra era um rapaz que seguia pela
plataforma a assobiar. Já faziam três. O Nicky e o Ken observaram-nas
cuidadosamente.
Um homem idoso, com barba, a arrastar os pés e curvado para a frente,
com óculos no meio do nariz e uns grandes pés! O Nicky animou-se logo.
- Pode muito bem ser o tio Bob. - pensou ele e começou a segui-lo naquele
mesmo momento.
Dos outros dois, um era carteiro e trazia uma grande mala. Também tinha
pés grandes e seguia curvado ao peso do seu saco.
Usava um bigode pequeno e enxugava o nariz com um lenço enquanto
andava. Deu um grande espirro quando passou pelos rapazes. Estes tocaram os
cotovelos.
- Deve ser ele! - murmurou o Ken. Tu vais segui-lo e eu sigo o velhote, na
dúvida! Aquela outra pessoa não conta. Pés pequenos!
O Nicky concordou com um abanar de cabeça. Seguiu de perto o carteiro
desejando poder ver-lhe melhor a cara. Este,
sim, de certeza que tinha uns grandes pés!
O rapaz tentou examinar-lhe melhor a cara quando lhe passou ao lado,
mas o homem ainda estava a enxugar o nariz. Mudou o saco de um ombro para
o outro e tocou com este no Nicky.
- Eia! - disse Nicky, que quase se desequilibrara com o peso do saco. Está
constipado, tio Bob?
- Por que estás a seguir-me? - resmungou o carteiro. -Julgas que és
engraçado por me chamares tio? Some-te daqui!
A voz dele não era forte, mas era rouca, como se tivesse uma forte
constipação. O Nicky convenceu-se de que decididamente era uma voz fingida.
Deu uma cotovelada no carteiro.
- Venha, tio Bob! Confesse! Eu sou capaz de conhecer a sua voz seja onde
for, mesmo que a faça tão gutural como a de um corvo velho. Mas esse disfarce
é muito bom!
O carteiro pousou o saco no chão com estrondo e arregalou os olhos para
Nicky.
-Bom. Agora, se dás mais à taramela comigo, meu rapaz, vou falar com
aquele polícia que está ali. Estás a ver?
O carteiro desta vez fitava bem o Nicky, e este podia ver claramente toda a
cara do homem. Santo Deus, não era nada parecida com a cara do tio Bob, e o
pequeno bigode era verdadeiro com certeza! O Nicky começou a sentir-se
muito desconcertado.
- Desculpe! -disse ele, atrapalhado.
- Pareceu-me que estava... sim, que estava disfarçado, percebe? Eu andava
à procura de outra pessoa!
- Então, põe-te a mexer, ouves?! E, se a minha voz parece a de um corvo
velho, também a tua assim seria se tivesses uma constipação com eu tenho --
disse o carteiro muito zangado, e espirrou outra vez com tal violência que o seu
boné quase lhe voou da cabeça.
- Foi uma confusão! - disse o pobre
Nicky muito corado. - Peço desculpa! E desatou a correr atrás do Ken, que
ainda ia a seguir o velhote. O Ken tinha tido sorte, pensou o Nicky. Aquele
devia ser o tio Bob, a arrastar os pés, a cofiar a barba e a falar em voz baixa
consigo mesmo.
Apanhou o Ken e levantou as sobrancelhas, murmurando:
- Tiveste sorte!
O Ken baixou a cabeça.
- Penso que sim. Mas ainda não disse nada. Olha para os pés dele!
O Nicky olhou. Sim, eram mesmo do tamanho dos do tio Bob, e as mãos
igualmente.
Aquela barba era uma esperteza, tapava meia cara.
O velhote parou de repente, puxou de uma cigarreira e acendeu um
cigarro agarrando no fósforo com dedos trémulos. Deu um piparote no fósforo
com o polegar e o indicador para o atirar fora. Precisamente como faz sempre o
tio Bob!, pensou o Nicky. Ah, tio Bob! Vou divertir-me um bocadinho consigo!
E pôs-se a par do velho. Começou a falar.
- Conhece o caminho para casa do Sr. Fraser? - perguntou ele, e o Ken
riu-se porque, está claro, aquela era a casa do Nicky.
- Posso conduzi-lo até lá, se desejar.
- Não se faça tolo, resmungou o velhote com voz severa. - Para que estão
vocês dois a seguir-me?
- Que grandes pés que o tio Bob tem. - disse o Nicky. - E deixe-me apalpar
a sua bonita e farta barba!
O velhote parecia zangado e um pouco assustado. Continuou a andar sem
dizer nada, mas de repente atravessou a rua até ao ponto onde estava um
polícia impassível e corpulento.
- Senhor guarda, faz favor de tomar os nomes destes rapazes e de dizer
aos pais deles que me têm vindo a incomodar - queixou-se o velhote. O polícia
fixou com espanto o Nicky e o Ken, que ele muito bem conhecia.
-Vamos agora saber o que têm estado a fazer ao bom Sr. Holdsworth
perguntou ele. - Depois voltou-se para o velhote.
- Está bem, senhor, eu tratarei do seu caso. Estes diabretes!.
- Senhor guarda, ele é na realidade um velhote? - perguntou o Nicky
tomado de espanto ao vê-lo afastar-se a resmungar. Eu julguei que era o meu
tio Bob disfarçado. Aquele velhote é mesmo o tal Sr. Holdsworth?
- Ora presta atenção, Nicky Fraser, tu bem sabes que ele é um verdadeiro
velhote e que, por isso é tanto o teu tio Bob como eu sou! - explicou o polícia. - E
não te metas em sarilhos com outros rapazelhos da cidade... Fazeres-te palerma
e troçar das pessoas de idade não é conduta de que os teus pais gostem de ouvir
contar de ti.
- Foi uma confusão, foi, realmente murmurou o pobre Nicky. E o Ken,
assustado também, confirmou com um movimento de cabeça.
- Olhe, foi que...
- Vão para casa - disse o polícia impaciente. - Não tenho tempo para
perder com miúdos palermas como vocês, que não se portam como é próprio
da vossa idade. Para a próxima vez tratarei de vocês como merecem.
Desviou-se para o centro da rua e foi regular um pequeno embaraço de
trânsito.
Os rapazes, muito corados, apressaram-se a caminho de casa. Não havia
dúvida de que se sentiam muito patetas.
O Nicky avistou a mãe no jardim da frente e gritou-lhe:
- Mãe! Fomos esperar o tio Bob, mas ele não veio no comboio.
- Não é de admirar! - respondeu a mãe. - Não ouviste o que eu te gritei
quando saíste com tanta pressa. Eu disse que ele vinha de automóvel!
- Que pena! - disseram os dois pequenos ao mesmo tempo. O Nicky
resmungou:
- Que burros que nós fomos! E então a que horas chega o tio Bob?
Naquele mesmo momento parou em frente da casa um carro de esport e a
buzina soou alto.
Os pequenos voltaram-se.
- É o tio Bob! Valha-nos Deus, tio Bob, nós fomos encontrar na estação
vários tios Bob! Que carro estupendo! Mas venha, entre, que vem mesmo a
tempo para o jantar!
Capítulo IV O bom tio Bob!
O tio Bob continuava exactamente o mesmo de sempre, só um pouco mais
magro e um tanto pálido.
A mãe de Nicky, sua irmã, afligiu-se muito ao vê-lo.
- Oh, Bob querido! Que é que tiveste para estares assim? Estás magro
como um fio!
- Então, Lucy, não exageres! - disse o tio Bob, e deu-lhe um tal abraço que
a deixou sem respiração.
- Estou um pouco estafado; é o que é! Se tu me podes cá ter durante uma
semana ou duas, depressa ficarei afinado como um violino! Olá, pequenos, que
quer dizer isso de terem encontrado vários tios Bob na estação?
Os rapazes contaram-lhe tudo, e ele riu às gargalhadas.
- Vocês são um par de parvos! Já vejo que estão a precisar de algumas
lições sobre o trabalho de detective! Venham para aqui e ajudem-me a desfazer
a mala.
Que bom que era terem outra vez o tio Bob a viver com eles! O Punch,
também estava excitado. Quando os rapazes o soltaram do caramanchão e lhe
deram um osso como tinham prometido, ele desprezou completamente o osso e
atravessou o jardim a ladrar muito alto. Já tinha ouvido a voz do tio Bob e nem
um osso suculento o podia tentar!
Atirou-se ao tio Bob e lambeu-o por todos os lados que lhe foi possível.
- Aqui já!... Toma cuidado com o tio
Bob, ele agora está fraco - disse o Nicky a rir. - Como ele fico contente de o
ver, tio! Chegou num belo dia. Hoje é o primeiro dia das férias da Páscoa!
- Melhor para ti! - disse o tio Bob dando palmadas nas costas do Nicky.
Assim podes levar-me a dar alguns passeios, e talvez possamos atirar aos
pássaros juntos. Tu ainda és muito habilidoso com os pássaros, calculo eu... ?
- Pois sou - respondeu o Nicky, satisfeito. - O Ken e eu tencionamos ir ver
os pássaros, como é costume. Disseram-nos que há por aí um gavião nos
montes e eu gostava muito de lhe encontrar o ninho. Não para tirar os ovos -
acrescentou à pressa, - conhecendo as ideias severas do tio a respeito de furtar
ovos. - O Ken arranjou um binóculo de alcance. Quem me dera ter um!
- Bom, eu talvez te possa emprestar o meu - disse o tio, que por essa
altura já estava no quarto a abrir a mala. –Trago um sempre comigo, é muito
útil para o meu trabalho, percebes? E, como agora não preciso dele, posso
emprestar-to. Mas só no caso de tu o tratares com tanta cautela como se fosse
feito de ouro! É que é um belo binóculo.
- Oh, tio Bob! Muitíssimo obrigado! - agradeceu o Nicky, no cúmulo da
satisfação. - Não é nada prático ter um a meias, sabe? O Ken quer sempre
servir-se dele quando eu estou ansioso por usá-lo, mas é muito condescendente
da parte dele emprestar-mo, mesmo assim. Agora cada qual tem o seu. Mas,
pergunto eu, é esse o que costuma usar? Que magnífico binóculo! Até aposto
que a mãe vai dizer que não mo deve emprestar!
Todos gostavam do tio Bob, e quanto à senhora Hawes, essa, era, como
dizia o Nicky, mesmo louca por ele!
- Nós temos uns bolos deliciosos quando cá vem disse o Nicky à hora do
chá, Logo que um imponente bolo de frutas apareceu na mesa. - E aposto em
como vamos ter montes de rissóis, agora, porque o tio Bob gosta deles. Não é
verdade, mãe?
- O Bob sempre foi muito amimado - disse a mãe.
- Também eu gostava de ser - disse o Nicky. - Como é que o tio fez para
ser amimado?
- Mudemos de conversa - disse o tio.
- Para falar com franqueza, quando éramos pequenos, eu sempre julguei
que a tua mãe é que era mais amimada. Bom, e que espécie de notas tiveste
neste último período, menino?
- Ainda não vieram - respondeu o Nicky. - Dois dos professores
adoeceram no fim do período, por isso os relatórios com as notas ficaram
suspensos. É horrível! Isso quer dizer que tenho de andar a tremer mais tempo
do que era preciso. É melhor não se falar em relatórios de notas! Falemos a
respeito do Punch, Vamos ensinar-lhe uma quantidade de habilidades novas,
tio. Quer ajudar-nos?
- Com certeza! - respondeu ele servindo-se de uma segunda fatia do bolo
de frutas.
- Palavra de honra, Lucy, se a senhora Hawes continua a cozinhar assim e
a fazer destes bolos, vou ficar tão gordo que terei de comprar roupa nova!
O Punch estava sentado tão perto do tio Bob quanto possível. Gostava do
seu cheiro. Gostava da sua voz. Gostava da maneira firme como ele, tio Bob, lhe
dava palmadinhas na cabeça. Que maravilhoso ter juntos os seus dois melhores
amigos, o tio Bob e o Nicky!
- Eu pensei em ensinar o Punch a ir - disse o Nicky - buscar as chinelas das
pessoas, tio. - Pense como o pai ficaria satisfeito ao encontrar todas as noites as
chinelas ao lado da sua cadeira! E eu podia ensinar-lhe a ir buscar os seus
sapatos de ir à rua, avó! E então já não precisava de ir à procura deles.
- Hum.. - murmurou a avó. - Se o Punch vai ficar assim tão esperto, sou de
opinião que devias ensiná-lo a limpar as patas no capacho, quando ele vem de
dar um passeio. Isso é que era acertado.
- Puff... - fez o Punch, e sentou-se empertigado, orgulhoso por estarem a
falar a seu respeito. Deu uma lambidela na mão do Nicky e a seguir outra na do
tio Bob. Gostava tanto daquela sua família! Soltou um suspiro feliz e descansou
a cabeça no pé do tio Bob.
- Está um bocado ensonado! - disse o Nicky, divertido. - Vai uma bolacha,
Punch?
O Punch deixou logo de estar com sono e imediatamente se levantou a
ladrar.
Então pede, mas pede como deve ser! - ordenou o Nicky e ficou à espera
de que Punch se levantasse nas pernas traseiras, a agitar a cauda no ar.
- Não estás lá muito seguro, pois não? - perguntou o Nicky, mas deu-lhe
uma bolacha.
Efectivamente era agradável ter o tio Bob em casa. Estava sempre bem
disposto para gracejar, pronto para ajudar a qualquer coisa e contava muitas
histórias engraçadas a respeito do seu modo de vida, mas, claro, sem nunca
revelar um único segredo. Levava o Punch a dar grandes passeios, ia fazer
compras para a mãe do Nicky e era perfeitamente da família.
Mas havia ocasiões em que ficava perto da janela, a puxar fumaças do seu
cachimbo, quase sem responder a quem falava com ele. Em certa manhã
chuvosa deixou o Nicky e o Ken muito intrigados. Os pequenos estavam muito
alegres e queriam que se lhes associasse, mas ele parecia muito distante e nem
sequer notou que o Punch, tentava trepar-lhe para os joelhos.
O Nicky foi procurar a mãe.
- Mãe, o tio Bob sente-se bem, hoje? Quase não - disse ainda uma única
palavra.
-Bem, eu já te disse que ele tem tido excesso de trabalho - respondeu a
mãe. Está proibido de trabalhar por algum tempo e os dias devem parecer-lhe
algumas vezes vazios, agora que não tem casos enigmáticos nem problemas
para resolver. Com um cérebro como o seu, é natural sentir-se muitas vezes
aborrecido de morte, sem ter em que o empregar. Do que eu gostava era de que
acontecesse alguma coisa interessante para que ele pudesse ter em que pensar.
- Mas que género de coisa queres tu dizer? - perguntou o Nicky. - Burla,
ou rapto, um caso assim? Até aposto que o nosso polícia se sentiria orgulhoso
de ter a ajuda do tio Bob se um caso desses aqui acontecesse. Mas não há nada
disso, a não ser que contes coisas como a roupa lavada da Sr.a Lane ter sido
roubada do arame, ou alguém ter quebrado a montra da mercearia!
- Não, é evidente que não me refiro a coisas assim - respondeu a mãe. - Eu
não sei verdadeiramente a que coisas me refiro, só vejo que o Bob precisa de
qualquer facto que o distraia de si mesmo. Não é próprio do seu feitio estar por
vezes sentado e apático. Parece-me que o médico se engana. O Bob não precisa
de estar sem fazer nada. Precisa de fazer alguma coisa, alguma coisa que ponha
aquele cérebro a trabalhar outra vez, para não estar a enferrujar-se.
Tinha sido um grande discurso para a sua mãe. O Nicky fixou-a,
preocupado.
Ele gostaria de ir connosco vigiar os pássaros? - perguntou o pequeno,
esperançado. - Ou achas que eu lhe peça para me ajudar a ensinar outras
habilidades novas ao Punch? Ele é capaz de fazer seja o que for mandado pelo
tio Bob.
- Ora, pergunta-lhe tu! Vê o que podes fazer - disse-lhe a mãe. - Como é
para ele insuportável que eu ou a avó andemos à sua volta, e como me custa
muito vê-lo sentado ali sem prestar atenção a nada, como é o caso de hoje. pode
ser que tu e o Ken o possam interessar mais do que qualquer outra pessoa.
O Nicky saiu com o Punch e ia pensativo. Pobre tio Bob! Com certeza que
sentia a falta da vida de excitação que usualmente era a sua - a perseguição de
criminosos, talvez descobrir um assassino, encontrar valores perdidos!
Mas que podiam ele e o Ken fazer para obter isso?
- Vem daí, Punch, vamos procurar o Ken e ver se ele tem alguma boa ideia
- disse o Nicky.
E lá foram para o caramanchão do Ken, mal sabendo as boas ideias que o
Ken ia ter, e que coisas extraordinárias iriam delas resultar!
Capítulo V O Ken tem uma ideia
O Ken estava como de costume na gaiola dos porquinhos-da-índia. A
Penélope também lá estava a limpar os utensílios de jardim.
- Allô, Ken! - exclamou o Nicky. Allô, Penny!
A Penny não respondeu.
- Agora quer que lhe chamem Penélope! -troçou o Ken.
- Não responde quando lhe chamam Penny.
- Mas. - admirou-se o Nicky - porquê? Penélope é um nome um tanto
pomposo, Penny é muito mais engraçado.
- Sim, se é essa a tua opinião vou-me já embora - disse a Penny com
petulância e atirou imediatamente com a enxó que estava a limpar e saiu dali.
- Belo! - alegrou-se o Ken, e deu um suspiro de alívio. -Tem estado a ler
uma história antiga a respeito de uma pessoa notável chamada Penélope e
agora está convencida de que é ela própria! Há algumas novidades?
- Sim, há uma - declarou o Nick.
Preciso da tua ajuda, Ken. Acaba lá de mexer nesses porquinhos-da-índia.
O Ken ficou logo muito grave e fechou a porta da gaiola.
- Afinal, que é que se passa? - perguntou. - Tu pareces tão solene como a
Penny!
O Nicky começou a explicar o que se passava com o tio.
-A mãe acha que ele está maçado agora - explicou. - Percebes, faz-lhe falta
o trabalho! Não tem nada que lhe ocupe o cérebro. Ela acha que tu e eu
poderemos descobrir qualquer coisa interessante que o entusiasme.
-Talvez ele goste dos meus porquinhos-da-índia. . - disse o Ken, logo. - São
realmente muito interessantes. Este então lava as suíças como se...
- Não sejas burro, Ken. Quem é que
está disposto a sentar-se a contemplar porquinhos-da-índia a lavarem as
suíças? Eu ficava apatetado se não tivesse nada de melhor a fazer do que isso!
Não, o que eu quero dizer é qualquer coisa verdadeiramente emocionante,
qualquer coisa que esteja no número das que são realmente interessantes e que
prendem, como os problemas e casos que o tio Bob tem de resolver para as
outras pessoas quando está em Londres.
- Bem, vamos tratar de arranjar umas coisas para ele - disse o Ken a
brincar. Por exemplo, o Mistério das luzes na casa vazia ou Quem é o
prisioneiro da caverna? ou O que provocou os barulhos estranhos durante a
noite? Seria divertido para todos nós! Vamos curá-lo disso...
- Tu és realmente um parvalhão, Ken - observou o Nicky. - Bem sabes que
não podíamos meter-nos em tais trabalhos.
Bateu com os calcanhares contra um dos lados do caixote sobre o qual
estava sentado. Depois estacou de repente e sentou-se aprumado. Deu um
murro satisfeito no Ken e olhou para ele com olhos brilhantes.
- Que há agora?! - perguntou o Ken muito surpreendido.
- Bem, é que me parece que me veio uma bela ideia!... - explicou o Nicky.
Tudo o que disseste parecia muito infantil para ser tomado a sério, mas, sabes,
há lá qualquer coisa de aproveitável:
- Puff! - fez o Punch e, ao sentir a repentina excitação do Nicky, pôs uma
das mãos sobre o joelho do rapaz.
- Não estás a pensar em que nós podíamos criar um mistério para o teu tio
desvendar, pois não? - perguntou o Ken, incrédulo. - Ficaria fulo quando o
descobrisse!
Em todo o caso ele nunca acreditaria. Logo perceberia a esperteza. .
- Puff! - fez o Punch...
- Não interrompas, Punch! - ralhou o Nicky, cada vez mais excitado. - Ken,
havia de ser divertido! Entre nós dois alguma coisa havemos de inventar.
Deixa-me ver... como havia de ser feito? Tenho de pensar.
- Olha, nós não podemos enganar o teu tio assim - declarou o Ken, agora
realmente interessado. - Ficava furioso! Visto ser tão esperto, logo descobriria
tudo. Não podemos opor os nossos miolos aos dele.
- Podemos experimentar! -teimou o Nicky, corado com a excitação. - Olha,
uma coisa assim neste género, Ken. Levamo-lo connosco quando formos aos
pássaros, e também o binóculo, claro. E iremos espalhando certos sinais aqui e
ali, para ele encontrar.
- Estás tonto. - declarou o Ken, aborrecido.
- Não estou. Podemos deixar voar um pedacinho de papel e, quando ele o
apanhar, vê que é uma missiva em cifra! Não é demasiado misterioso! E
podemos fazer com que o seu binóculo se fixe em qualquer coisa estranha, e.
- Estranha? Que queres dizer com estranha? - perguntou o Ken, intrigado.
- Por exemplo, alguém a fazer sinais através de uma janela ou daquela
torre velha lá em cima na montanha! - lembrou o Nicky. - Estou certo de que o
tio Bob havia de achar estranho e quereria descobrir o que estava a passar-se.
-Sim, mas na realidade não se estava a passar nada - disse o Ken. - E ele
logo havia de saber.
- Acaba lá com isso de achares mal tudo o que eu digo - protestou o Nicky,
a batucar com os calcanhares contra o caixote, zangado, o que fez com que o
Punch ladrasse outra vez. - Julguei que gostasses de ajudar. A mãe disse que
talvez nos lembrássemos ambos de alguma coisa; tu tiveste uma esplêndida
ideia, que seria divertida para nós todos, e afinal desdenhas agora dela! Só
tenho pena de que a ideia não seja minha!
O Ken começou a pensar que, de facto devia ser muito esperto. Parou de
levantar dificuldades.
- Bem, está bem, se achas que tive uma ideia luminosa, então vou
ajudar-te. Mas tudo tem de ser cuidadosamente preparado, pensa bem, esse tal
fingido mistério, seja ele qual for. E que dirá o teu tio quando souber que é tudo
uma invenção?
- Vai achar engraçadíssimo - respondeu o Nicky. - Ele tem a noção do bom
humor e nunca leva a mal uma brincadeira, mesmo que seja a seu respeito.
Vamos dar-lhe um pouco de emoção, qualquer coisa que o interesse e o distraia
de si mesmo, como diz a mãe. E, o que é mais ainda, nós também nos
divertiremos! Não é verdade, Punch, velho amigo?
O Punch, não fazia a menor ideia do que falavam os pequenos: mas
concordava sempre de todo o coração com tudo. Começou a correr em volta do
caramanchão e a ladrar alto metendo o focinho excitadamente em todos os
cantos.
- Anda a procurar um mistério profundo e obscuro, escondido, que só o
tio Bob pode descobrir - disse o Nicky, com uma voz funda e dramática, que fez
rir o Ken e o Punch, olhar surpreendido.
- Muito bem - disse o Ken. - Tu vais pensando no desenrolar da história.
Eu dei a ideia, já fiz alguma coisa. E tudo isso deve acontecer durante o dia ou
durante a noite? Eu estou disposto a deambular de noite se tu achares que é
preciso. Somente não serve de nada pedir licença à mãe: ela dirá que não!
- Por amor de Deus! Não digas nada a este respeito à tua mãe! -observou o
Nicky, aflito. - Ela ia repetir tudo imediatamente à minha e a história acabaria.
Lembra-te de que estamos a fazer isto para ajudar o tio Bob e ninguém deve
saber do assunto além de ti e de mim. E do Punch, claro.
- Quando vais tu pensar nos pormenores que teremos de inventar? –
perguntou Ken. - Estou a começar a sentir-me entusiasmado.
- Acho que é melhor pensar nisso logo à noite na cama - declarou o Nicky
escorregando do caixote. - É quando tenho as minhas melhores ideias. Muito
nos vamos rir! A propósito, estou a ensinar umas habilidades novas ao Punch.
Queres vir ajudar? Vou ensinar-lhe a ir buscar as chinelas para as entregar às
pessoas. Já está um pouco treinado.
- Ah, já? É um cão maravilhoso, não é? - disse o Ken, torcendo uma das
orelhas arrebitadas do Punch. - Sim, vou lá. Escuta, Nicky: Não digas uma
única palavra do nosso plano diante da Penny - Penélope, quero eu dizer -, bem
sabes como ela é bisbilhoteira.
- Como se eu fosse fazer semelhante coisa! - respondeu o Nicky de troça.
Vem comigo, Punch. Vem e mostra-lhe, Punch, como és um cão esperto.
E durante a meia hora seguinte a casa do Nicky ressoava aos gritos de: Vai
buscar os sapatos da avó! Lá em cima das escadas! Vai buscar, miúdo. Está bem!
Ele foi buscar um.
- Apressa-te, Punch! Os sapatos da avó!
Pela escada vinha Punch, na máxima velocidade trazendo uma chinela de
quarto do tio Bob na boca. Colocou-a aos pés do Nicky com uma expressão de
orgulho, a abanar a cauda repetidamente.
- Burro! - chamou-lhe o Nicky. – Eu disse: da avó e não do tio Bob.
Experimenta outra vez. E lá foi o Punch pela escada acima, agora com a cauda
caída. Depois de alguns segundos, apareceu com uma bota de futebol do Nicky,
a tropeçar nos atacadores ao correr.
- Na verdade, não é lá muito esperto, pois não? - criticou o Ken.
O Nicky estava intrigado.
- Não o entendo. Depois do almoço ele soube muito bem ir buscar os
sapatos da avó!
Do alto da escada veio outra voz, a da avó:
- Nicky! Por favor, não deixes o Punch esgaravatar à minha porta. Ele não
pode levar os meus sapatos porque os tenho calçados!
- Ora ai está! - exclamou o Nicky, aliviado. - Eu sabia que devia haver uma
boa razão para ele não os trazer! Belo cão, este Punch! Hás-de ajudar-nos no
nosso plano secreto. És tão espertalhão como um rato.
Capítulo VI Nicky faz alguns planos
Uma única vez, excepcionalmente, o Nicky foi para a cama sem levantar
as suas habituais e fortes objecções. Estava realmente desejoso de inventar um
prodigioso mistério para o seu tio Bob! A avó ficou surpreendida quando ele a
foi beijar tão cedo nessa noite.
- Olá, Nicky, retiras-te cedo esta noite! - notou ela. - Sentes-te bem?
- Sim, sinto-me bem - respondeu o Nicky. - O que quero é resolver uma
coisa na cama, mais nada. Boa noite, mãe. Boa noite, pai. Anda comigo, Punch.
O Punch deu um salto, fez uma festa a todos em jeito de boas-noites e
desapareceu pela porta, atrás do Nicky.
- Bom! Eles hoje vão cedo para o poleiro! - achou a avó. - O Nicky deve
estar cansado.
Mas não estava! Até se sentia bem acordado, não havia qualquer dúvida,
e o seu espírito já estava ocupado a fazer planos enquanto se ia despindo. O
Punch admirou-se de que o Nicky nada lhe dissesse, pois de costume era muito
falador.
Ganiu para averiguar se tinha caído em desagrado por qualquer motivo,
mas nem assim o Nicky lhe prestou atenção!
O Punch perguntava a si mesmo o que havia de fazer. Por que era que o
Nicky não falava com ele, como de costume? Caíra em desagrado? O pequeno
terrier pôs-se repentinamente a ladrar e saiu do quarto, a abanar a cauda. Ele
bem sabia a maneira de agradar ao Nicky e de fazê-lo falar, estava bem certo
disso! E apareceu com um sapato do tio Bob. O Nicky nem deu por nada.
O Punch, tornou a sair a correr e voltou com as chinelas de quarto da
senhora Fraser, colocando-as ao lado do sapato. E despachou-se para ir buscar
mais!
Mas o Nicky continuava absorvido nos seus pensamentos. Tinha lavado os
dentes, limpado e penteado o cabelo, e por engano tornou a lavar os dentes sem
dar por nada! Tal coisa admirou muito o Punch!
O Nicky saltou para a cama e ia apagar a sua lâmpada de cabeceira
quando reparou nas sete ou oito chinelas e sapatos que o Punch tinha trazido
para ali, para lhe ser agradável. Lá estavam, postos por ordem no tapete ao lado
da cama, e o Punch, com a cabeça poisada sobre dois deles.
Oh, pobrezinho do Punch! - disse o Nicky. - Há tanto tempo que estou sem
te falar! Tenho estado a pensar muito a sério Punch, em todo esse tempo tens tu
andado a correr em busca de sapatos para me agradares. Querido Punch!
Pensavas que eu estava zangado contigo, ou coisa parecida! Pois não estou.
Estou convencido de que és o melhor cão que há neste mundo!
O Punch ficou completamente doido de alegria. Começou a dar corridas
em volta do quarto fazendo voar os sapatos, a ladrar doidamente, e por fim,
com um enorme salto para rematar, foi aterrar em cima do Nicky e lambeu-lhe
pouco a pouco toda a cara.
- Oh, Punch. foi sobre a minha barriga que tu saltaste! - gemeu o Nick. -
Deita-te, patetinha. Não, não te podes meter na cama comigo. Bem sabes que a
mãe te veria, quando vier para cima, e tu apanhavas uma palmada. Olhem para
todos estes chinelos e sapatos! Francamente és maluquinho. Agora tens de os
levar para o seu lugar!
Mas isso era uma habilidade que o Punch ainda não aprendera e
continuava parado a lamber de vez em quando a mão de Nicky, contente por
ver que o seu querido dono afinal não estava zangado.
- Agora deixa-te ficar absolutamente quieto - ordenou-lhe o Nicky. - Vou
ter um dos meus pensares e atiro-te para fora da cama se tu te mexeres, nem
que seja só a abanar o rabo.
O Punch conservou-se tão quieto que Nicky esqueceu-se dele por
completo e depressa mergulhou nos seus pensamentos. Assim mesmo, um
mistério admirável era o que ele queria, completado com deduções,
procedimentos estranhos e tudo o resto, um mistério em que o tio Bob ficaria
tão interessado que esqueceria todo o seu actual aborrecimento e a sua
insatisfação. Onde devia situar-se o mistério? Era essa a primeira coisa a
assentar. No mesmo instante acudiu ao espírito do Nicky a imagem de um
edifício completamente consumido pelo fogo lá em cima no Monte da Cotovia.
Sim, seria um sítio ideal e sinistro para qualquer mistério. Ficou a pensar nisso
relembrando as paredes escurecidas e meio desmoronadas, a curiosa escadaria
de pedra, em espiral, que levava aos velhos subterrâneos, e que ele e o Ken
tantas vezes tinham desejado explorar.
Palavra de honra, é mesmo o lugar para um falso mistério, pensou o Nicky
ao principiar a sentir crescer uma excitação dentro de si. E, agora, o que há a
seguir. Ah, é verdade, a pista. Mas será melhor que seja em cifra, uma cifra fácil,
que o tio Bob possa decifrar e ler com facilidade. E tem de haver luzes a brilhar
na torre à noite, tenho de mandar lá o Ken com a sua lâmpada e acendê-la. E
com respeito a barulho? Se eu conseguir levar o tio à torre queimada, o Ken
pode estar lá escondido e dar uns gemidos horríveis. Palavra, isto vai ser de
primeira ordem. Se eu pudesse, gostava de falar ao Ken neste mesmo instante!
Ainda pensou se havia de se vestir outra vez e escapar-se até à casa do
Ken. Não, provavelmente já estaria na cama, e se estivesse a dormir não havia
nada no mundo que o fizesse acordar, nem mesmo que lhe atirasse pedras à
janela!
O Nicky sentia-se tão emocionado a pensar no mistério admirável que
aguardava o tio Bob, que não conseguia estar quieto. Voltava-se na cama
constantemente e o Punch em pouco tempo ficou tão farto de levar tantos
encontrões que saltou para o chão, onde aterrou em cima dos chinelos e dos
sapatos.
Vamos começar com o mistério amanhã - pensou o Nicky, e esticava os
pés quentes para fora da cama a fim de os refrescar. - Pára lá com isso, Punch!
São os meus dedos dos pés que tu estás a morder! Schiu, vem aí a mãe! Mete-te
debaixo da cama!
O Punch, desapareceu naquele mesmo momento. A senhora Fraser abriu a
porta do quarto de cama, e a luz do patamar iluminou o aposento
mostrando-lhe a surpreendente colecção de sapatos trazida pelo Punch.
- Foi então para aqui que os meus sapatos de quarto vieram! - pensou ela,
e apanhou-os. - Santo Deus, isto aqui é quase uma sapataria! Já vejo que tenho
de contrariar esta nova habilidade do Punch!
Poisou a mão ao de leve na testa do Nicky porque ainda se sentia
intrigada com a ida do filho tão cedo para a cama. Mas estava fresca. O Nicky
gozava evidentemente de perfeita saúde. Apanhou mais alguns sapatos e saiu
devagar do quarto.
O Punch escapou-se de debaixo da cama e trepou cuidadosamente para
junto do Nicky. deu-lhe uma enorme lambidela na cara, soltou um profundo
suspiro de carinho e ajeitou-se para dormir.
Nicky fez uma festa ao Punch e deixou-se deslizar mais uma vez para o
seu mistério... Mas agora já estava a ficar ensonado e os pensamentos
tornavam-se-lhe confusos. Via-se na velha casa queimada, estava a trepar para a
torre, uma luz que relampejava, Santo Deus, duas luzes... mas não, não eram
duas luzes, afinal eram os dois brilhantes olhos verdes do gato do Ken.
Mas agora o gato tornou-se simplesmente enorme e o Nicky desceu a
correr para o subterrâneo, onde se podia começar a ouvir imediatamente um
barulho horrível que punha os cabelos em pé ao pobre rapaz!
Estava com tanto medo que tentou gritar, e no mesmo instante
encontrou-se sentado na cama agarrado ao cão, que suava para perceber do que
se tratava.
- Ah, era um sonho, felizmente! – disse o Nicky, consolado. - Calculo que
aqueles horríveis barulhos que ouvi no meu sonho eras tu a ressonar ou
qualquer coisa assim. Ai que medo que eu senti! Se o nosso mistério vai ser
assim tão emocionante como o sonho que tive a seu respeito, vamos ter
divertimento! Tira-te de cima dos meus pés, Punch! Não é de admirar que eu
achasse difícil trepar àquela torre no meu sonho, devias ter estado deitado em
cima dos meus pés todo o tempo!
O Punch, por grande favor, desviou-se dos pés do Nicky e deitou-se aos
pés da cama. As orelhas fizeram-lhe ouvir um mocho piar algures nas árvores
no fundo do jardim. Ouviu outra vez o pio e soltou um pequeno grunhido
quando um gato miou debaixo da janela. O Nicky deu uma reviravolta e
enterrou a cabeça no travesseiro. Sentia-se bem acordado outra vez e suspirava
pela chegada do dia seguinte, para contar ao Ken todos os seus planos.
Ah, tio Bob, não sabes que emoções estou a guardar para ti, murmurou.
Hei-de compor a tal mensagem em cifra logo pela manhã e mostrá-la ao Ken.
Até aposto em como não é capaz de a decifrar! E hei-de chegar até à velha casa
queimada e bisbilhotar tudo em volta. Gostava de saber o que resultará do meu
plano para um mistério. Espero de todo o coração que venha a ser um êxito!
Um êxito, Nicky! Pois bem, vais com certeza ter uma surpresa! É um plano
maravilhoso, o teu, mas talvez não venha a desenrolar-se da maneira que
imaginas. Por isso toma atenção, Nicky; toma atenção, Ken!
Capítulo VII Uma mensagem misteriosa
Quando na manhã seguinte o Nicky acordou lembrou-se logo dos seus
admiráveis planos da noite antecedente. Sentou-se na cama, emocionado, e o
Punch, começou a puxar os cobertores e os lençóis tentando fazer com que o seu
dono se levantasse e se vestisse.
- Está bem, está bem. Punch! Estou com tanta pressa como tu! - disse- lhe o
Nicky. - Se o Ken estiver a pé, poderei ir contar-lhe os meus planos antes do
almoço. Não, não arrastes a almofada pelo chão. Traz os meus sapatos. .
sapatos, não são as botas.
O Nicky estava vestido em pouco tempo e pulou pela escada abaixo com o
Punch à sua frente. Quase que saltaram por cima da senhora Hawes, que se
encontrava a varrer o átrio.
-Vocês dois vão apanhar o comboio ou quê? - perguntou ela. - Está quieto,
Punch, deixa a minha vassoura sossegada!
Nicky, ele agora apanhou o pano do pó. Se levar o pano, eu...
- Que cão tão maçador! - disse o Nicky severamente. - Largue já isso, v!...
Olhe, veja que obediente que ele é, senhora Hawes. Que há para o almoço?
Ainda tenho tempo de ir falar ao Ken, não tenho?
- Há arenques... Tens dez minutos pouco mais ou menos - disse a senhora
Hawes. - Maldito cão, agora levou-me o pano de dar lustro ao chão!
O Nicky riu-se e correu a toda a pressa atrás do Punch. E ordenou-lhe que
levasse o pano à dona.
- E depois vai lá abaixo ao caramanchão do Ken - disse. - Mas não tragas
nenhuns sapatos contigo. Agora já estou arrependido de te ter ensinado essa
habilidade.
Meteu-se pela sebe e atravessou até ao caramanchão do Ken.
Ouvia-o cantar a sua música favorita, logo devia lá estar. Deu um assobio
estridente e o Ken apareceu imediatamente à porta do caramanchão, com um
dos seus porquinhos-da-índia mais pequenos ao colo.
- Allô! Estás madrugador! Há alguma novidade? Está quieto, Punch, não
cuides que vais ter porquinhos para o almoço.
- Ken, já imaginei um mistério estupendo - disse o Nicky. - Onde está a
Penny? Não está onde nos possa ouvir, pois não?
- Não. Está com a Winnie, a nossa prima, conheces? Ela voltou de novo
para ficar cá uns dias.
- Não é aquela Winnie que quer sempre andar atrelada a nós? perguntou o
Nicky, tristonho.
- Essa mesmo - respondeu Ken, aborrecido. -Chegou ontem à noite, gorda
como sempre. Temos de tomar cuidado pois vamos ter as raparigas a espiar-nos
todo o tempo, especialmente a Winnie. Mas, afinal por que vieste tu tão cedo?
- Porque te quero falar do mistério que eu imaginei, o tal que vamos fingir
que é verdadeiro, para que o tio Bob possa ter qualquer coisa que lhe ocupe o
pensamento - explicou o Nicky. - Podes crer, Ken, que é verdadeiramente bom,
afirmo-te, vamos divertir-nos. Fecha a porta e escuta. Punch, senta-te aqui ao pé
e ladra à doida se ouvires passos ou cochichos.
O Punch sentou-se logo ao lado da porta e arrebitou as orelhas.
- Agora estamos seguros - continuou o Nicky. - Ouve, Ken...
E contou ao seu amigo surpreendido tudo o que tinha pensado durante a
noite.
O Ken ouvia, de boca aberta, atentando em todos os pormenores, mas
quando o Nicky chegou ao ponto em que ele, Ken, devia ir à velha casa
queimada à noite e agitar uma luz, abanou a cabeça com firmeza.
- Não. Se alguém tem de fazer isso, fá-lo tu. Eu ficava cheio de medo se
tivesse de o fazer sozinho.
- Ora, não estejas a dificultar as coisas - objectou o Nicky. - E mesmo o caso
pode ser decidido nos seus pormenores mais tarde. Eu é que tinha de te contar
o que planeara... A primeira coisa a fazer é escrever uma mensagem. Em cifra,
claro está. Depois levamos o tio Bob a dar um passeio lá por cima pelo monte, e
arranjamos com que encontre o papel da mensagem em... Oh, batatas, lá estão a
tocar para o almoço! Trata tu de imaginar uma boa mensagem secreta. Volto cá
depois de almoçar.
Saiu a correr, com o Punch a ladrar-lhe aos calcanhares, e conseguiu estar
sentado à mesa do almoço antes de o pai chegar.
- Parece que estás cansado - disse a mãe, surpreendida. - Foste dar algum
passeio?
- Não. Fui só falar ao Ken por causa de uma coisa importante - respondeu
o Nicky. - Quer que faça alguma coisa esta manhã, mãe? Eu pensei em
perguntar ao tio Bob se gostaria de dar um passeio comigo e com o Ken até ao
Monte da Cotovia. Queremos ir ver onde há ninhos e o tio Bob disse que me
emprestava o binóculo dele.
- Tenho a certeza de que gostará muito de ir com vocês - respondeu a mãe,
satisfeita. - Está uma manhã lindíssima, há-de fazer-lhe bem e ele sempre
gostou muito de aves.
O tio Bob chegou poucos minutos depois, com um ar um tanto
melancólico.
-Vivam todos! - disse. - Não, não quero arenques, obrigado. Não me sinto
lá muito bem. Não pude fechar os olhos um momento, com os mochos a piarem
toda a noite.
- Eu nunca os vi - disse a irmã. Pobre Bob, verdade que pareces descorado!
- Tio, venha dar um passeio esta manhã até lá acima ao Monte da Cotovia!
– pediu o Nicky encarecidamente. - O Ken também vai, para descobrir onde há
ninhos. Talvez possamos ver o gavião dos pardais. O tio disse que me
emprestava o seu binóculo, lembra-se?
- Tens razão. Vou com vocês – resolveu o tio. - Faz-me bem estender as
pernas. A que horas é que querem ir?
- Talvez... às dez horas. Será conveniente? - perguntou o Nicky a
lembrar-se de que tinha de dispor de tempo bastante para compor a mensagem
em cifra e colocá-la num sítio onde o tio a pudesse encontrar. - Depois do
pequeno-almoço...
- Isso convém-me muito - achou o tio Bob. -Vou procurar o meu binóculo,
que ainda está numa das malas. O Punch vai connosco? Espero que não vá
andar em correrias e assustar os pássaros nalgumas milhas em redor.
- Está claro que vai - disse o Nicky, ao sentir uma pequena pata pousada
no joelho. Curvou-se para o Punch, que estava, como de costume, debaixo da
mesa. Ouviste o que o tio Bob disse, não ouviste, Punch? nada de correr nem de
ladrar. Tens de estar sentado, sentadinho, quando to ordenarem. Percebeste
isto?
- Puff - rosnou o Punch, percebendo muito bem, e deitou-se outra vez.
O Nicky acabou o almoço a correr, esforçando-se por inventar a
mensagem que tinha de escrever num pedaço de papel.
- Desculpe-me, mãe - disse ele. Tenho ainda umas poucas de coisas a
fazer antes de irmos. .
- Está bem, mas lembra-te de que uma delas é fazer a tua cama -
recomendou a mãe quando o Nicky se pôs a correr, com o Punch logo atrás
dele.
Foi para o seu quarto e, à pressa, puxou os cobertores e lençóis ao mesmo
tempo. Depois rasgou um pedaço de papel de um velho bloco, sentou-se e roeu
a ponta do lápis. Como deveria ser a mensagem? Talvez o melhor fosse ir saber
se o Ken já tinha pensado alguma.
Depressa chegou ao caramanchão do Ken. - Ken, eu não sou capaz de
escrever a mensagem! - explicou ele. - E o tio Bob às dez está pronto para ir
connosco. Que hei-de fazer?
Não te aflijas. Eu já preparei uma - respondeu o Ken, envaidecido. E
mostrou ao Nicky um pedaço de papel sujo e rasgado. Nesse papel tinha escrito
uma mensagem de aspecto misteriosíssimo, onde se lia:
EJHB KJN FTUBNPT QSPOÙPT. FODPOUSP OP TVCUFSSBOFP.
FODPNFOEB FDPOEJEB OP NPOUF EB DPUPXIB. SFQBSBS OP TJOBM EB
UPSSF IBSSZ
- Que demónio quer dizer? - perguntou o Nicky.
- Quer dizer: Diga Jim estamos prontos.
Encontro no subterrâneo. Encomenda escondida no Monte da Cotovia.
Reparar no sinal da torre. Harry - foi a resposta satisfeita do Ken. É uma cifra
extremamente simples, o que fiz foi aplicar de cada vez a letra a seguir à
verdadeira, s por A, c por B, D por c, e assim por diante. Esta primeira palavra,
EJHB, por exemplo: tudo o que há a fazer é procurar as letras que ficam antes.
- Ah, já percebo, para a letra E a que fica antes deve ser o D, para o J deve
ser o I, e para H e s devem ser G e A - exclamou o Nicky. - É a palavra DIGA, e
assim por diante. Não há nada mais simples!.
- Não achas que a mensagem é emocionante? - perguntou o Ken. - Quer
dizer, quando o teu tio apanhar esse papel velho e de aspecto sujo com uma
mensagem tão estranha é obrigado a arrebitar as orelhas! Esfreguei-o no chão
para ficar com aparência de sujo.
O Nicky começou a sentir-se entusiasmado.
- Pois é! Está óptima! - achou ele Não sei como tu te lembraste de uma
mensagem tão enigmátíca. Muito bem, Ken. Agora, escuta, quando o tio Bob
tiver o binóculo fixado nalgum pássaro ou noutro qualquer ponto, tu deixas cair
o pedacinho de papel ali perto... Pode ser que ele o veja e o apanhe: Se não o
apanhar, eu agarro-o e finjo que fico muito intrigado com a cifra. Aposto que o
tio a descobre num repente.
- E então começará o nosso divertimento! - disse o Ken com os olhos a
brilhar. - Vamos explorar os subterrâneos e havemos de procurar no monte até
encontrarmos a mercadoria, que se supõe estar lá escondida. Nós...
- Nós o que temos a fazer é irmo-nos já embora - concluiu o Nicky. - São
quase dez e eu ainda não estou pronto. Encontra-te comigo em frente do teu
portão o mais depressa possível. Isto é que vai ser divertido! Aposto em como o
tio Bob arrebita as orelhas e até se esquece de estar neura, logo que fique
apaixonado pelo nosso mistério.
Capítulo VIII No Monte da Cotovia
O Nicky e o Punch abalaram a correr para averiguar se o tio Bob já estaria
pronto para ir até lá acima ao Monte da Cotovia.
Sim, lá estava ele, a esperar impacientemente no jardim da frente, com o
binóculo posto a tiracolo.
- Oh, já aí vens! - exclamou. – Onde está o Ken?
- Está a chegar ou talvez já esteja no portão da frente da casa dele - disse o
Nicky. -Acha que entre para ir buscar o meu livro de aves, tio?
- Não, eu posso informar-te de tudo o que queiras saber - respondeu o tio.
Vamos lá embora enquanto está bom tempo! Vem daí...
Juntaram-se ao Ken, que estava no portão da frente, e seguiram felizes - o
Ken com o seu binóculo passado sobre o ombro, tal como o tio Bob. Chegaram
ao Monte da Cotovia e a princípio tomaram o caminho com o Punch a correr à
frente como de costume, e a farejar os coelhos.
Os pássaros cantavam ao desafio.
- Ali está o tentilhâo com a sua cantiga: chip; -chip-cherri - erri - erri - chip-
pi - oo- eee - ar - disse o tio Bob parando para escutar. E podes ouvir aquele
verdilhão e o pardal –e aquele acolá que canta tão claro...
- É a carriça. . olhe, está ali! - disse o Ken, apontando. - É tão engraçado
que um pássaro assim pequeno possa ter uma voz tão forte!
Lá em cima no monte estava um tempo lindo. Era uma zona selvagem
aquela em que andavam a vaguear. Não havia atalhos nenhuns, com excepção
dos feitos pelos coelhos. O tio Bob parou de repente.
- Escutem, naquele arbusto, acolá, está um rouxinol a cantar. . Olhem, no
alto daquele arbusto com espinhos.
- Eu julgava que os rouxinóis só cantavam de noite - notou o Nicky,
admirado.
- Não, podes também ouvi-los de dia - disse o tio Bob -, embora não se dê
então tanto por eles quando há muitos outros pássaros a cantar. Realmente
deviam vir aqui uma vez à noite para os ouvir quando cantam melhor.
O Nicky deu imediatamente uma forte cotovelada no Ken. Que belíssimo
pretexto para saírem à noite!
Talvez ele conseguisse convencer o Ken a ir, sem ser visto, até à torre
velha e a acender a lâmpada piscando luzes enquanto o tio Bob e ele estivessem
a escutar os rouxinóis. O tio Bob nunca poderia adivinhar que os relâmpagos de
luz eram um truque preparado, e havia de pensar que alguma coisa de esquisito
se passava naquela velha torre queimada! Devia logo suspeitar de um mistério.
Continuaram o caminho por mais algum tempo, e logo Nicky achou que
era altura de o Ken deixar cair o pedaço de papel sujo com a mensagem em
cifra.
Tornou a dar-lhe uma cotovelada, e o Ken meteu a mão na algibeira e
acenou com a cabeça afirmativamente.
Adiantou-se um pouco mais no caminho e de súbito descobriu um ninho
de verdilhão num arbusto. Ah! Agora talvez pudesse fazer com que o tio do
Nicky encontrasse o papel por si próprio! Seria muitíssimo melhor do que ser
ele ou o Nicky a fingirem que qualquer dos dois o encontrara. Com cautela
afastou os troncos e deixou cair o papel na parte espessa, por baixo do ninho.
Depois chamou o Nicky.
- Olha, está aqui um ninho construído há pouco. Ainda não tem nenhum
ovo. Pergunta ao teu tio de que pássaro é. A mim parece-me de verdilhão.
- Não espantem o pássaro, se ele estiver no ninho - recomendou o tio Bob
quando ele e o Nicky chegaram ao fim do pequeno atalho. Espreitou para
dentro do arbusto.
- Sim, é um ninho de verdilhão, reparem que bem feito que está! O pássaro
até fez um tecido no ninho com pedacinhos de papel. Admiro-me de que não
aproveitasse este bocado de papel velho que está por baixo dele.
E com grande alegria dos dois rapazes pegou na mensagem que o Ken
tinha deixado cair no arbusto. Viu que se encontrava qualquer coisa escrita no
papel e deitou-lhe vagamente um olhar quando já estava prestes a amarrotá-lo.
- Ah, que vem a ser isto? É uma nota escrita em cifra! - disse ele,
surpreendido.
- O quê?! - disseram os dois rapazes imediatamente, a fingir que estavam
espantados.
- Uma cifra! Que diz ela?
- Não sei, a não ser que lhe possa encontrar a chave - disse o tio Bob.
Parece que é bastante fácil. Vejam vocês o que podem descobrir. Não me sinto
muito esperto esta manhã.
Os pequenos não sabiam se haviam de decifrar ou não. Se o fizessem, não
iria o tio Bob achar que eles eram um pouco espertos de mais?
Sentaram-se e encostaram as cabeças para parecer que estavam muito
intrigados com a mensagem indecifrável.
- Vejam a primeira palavra - disse o tio Bob- EJHB. Vamos por partes.
Suponhamos que a palavra que lhe corresponde tem um a no fim. Há uma
imensidade de palavras terminadas em a: Siga, toca, peça, etc...
- Diga! - exclamou o Ken, como se naquele mesmo momento lhe ocorresse
tal pensamento. - Pode ser diga, não pode?
- Sim, parece-me mais provável que seja diga do que outra coisa qualquer
- afirmou o tio Bob tornando a pegar no papel.
- Agora vamos ver o que poderá ser a palavra seguinte. Se a primeira é
diga, significa que as letras de todas as palavras da cifra devem ser substituídas
pelas letras precedentes do alfabeto. Muito bem. A palavra seguinte deve ser
constituída por três letras, e devemos substituir as letras pelas letras do alfabeto
imediatamente antecedentes: antecedentes: Assim, o h deve ser um G, o j deve
ser um I, e o N deve ser um M, o que faz a palavra j-I-m, : Jim!
- Ah! - exclamou o Ken - isso faria com que as duas primeiras palavras
fossem Diga Jim! Pronto! Já se encontrou a chave da cifra! Vamos agora decifrar
a mensagem inteira!
Parecia tão entusiasmado que o Nick olhou para ele cheio de espanto.
- Santo Deus, que bem que o Ken sabia representar! Ninguém poderia
pensar que tinha sido ele próprio que havia inventado aquela mensagem e a
tinha posto em cifra!
O tio Bob parecia muito intrigado. Fixou outra vez a mensagem e
continuou a fitá-la com o sobrolho franzido.
- Que estranho - disse por fim. - É uma cifra, sem dúvida, mas muito
simples. Escutem. Vou decifrar toda a mensagem.
Aos rapazes deu-lhes muita vontade de rir. Estava tudo a correr às mil
maravilhas! O querido tio Bob mostrara-se muito convencido! Como estava, a
ler a mensagem, eles escutaram-no:
- DIGA JIM ESTAMOS PRONTOS. ENCONTRO NO SUBTERRÂNEO.
ENCOMENDA ESCONDIDA NO MONTE COTOVIA. REPARAR NO SINAL
DA TORRE HARRY
O tio Bob continuava bastante intrigado, ou perplexo para a mensagem.
Tornou a franzir o sobrolho ao fixar o papel.
- Por que empregou o autor desta mensagem, fosse ele quem fosse, uma
cifra fácil de descobrir? - admirou-se ele.
Podia muito bem ter empregado a escrita corrente! Gostava de saber se
será uma brincadeira, mas, se assim é, como veio ela aqui parar ao arbusto?
- Talvez o vento a levasse para ali - sugeriu o Nicky. - Oh, tio Bob, é
tremendamente interessante, não é?
O tio Bob pôs o papel no bolso.
- Há qualquer coisa de esquisito nisto - disse ele. - De esquisito e
duvidoso! Tenho de pensar no caso.
- Acha que devíamos tentar descobrir a tal suposta encomenda escondida
no monte? - perguntou o Ken, a sentir-se nervoso com receio de que o tio Bob
chegasse á conclusão de que aquilo era uma partida. - Talvez possamos
encontrar alguma coisa interessante. Objectos roubados ou dinheiro escondido.
- E se procurássemos nos subterrâneos daquela velha casa queimada? -
lembrou Nicky. - A mensagem fala dos subterrâneos, não fala, tio Bob? Pode
referir-se a velhos subterrâneos naquele lugar lá em cima no alto do monte. E há
ali uma torre também, uma boa torre para se fazer sinais luzes.
-Sim, qualquer pessoa na encosta da montanha, à espera de um sinal,
podia facilmente ver luzes feitas da torre! - disse o Ken, a colaborar o mais
possível com o Nicky. - E agora digo eu: Aquela torre pode-se ver do nosso
jardim traseiro sabem? Nós devíamos vigiar à noite, para o caso de alguém
fazer sinais!
- Bem, mas deve dizer-se que tudo isto soa mal. Acho que não se pode
deixar de pensar que há qualquer coisa de duvidoso naquela mensagem - disse
o tio Bob, franzindo o sobrolho. -A cifra é demasiado fácil. Vou pensar nisso. E,
entretanto, que dizem a um pouco mais de investigação sobre os pássaros?
- Vamos até à velha casa queimada - sugeriu o Nicky. - Olhe que é muito
interessante, tio. A torre ainda está boa e os subterrâneos também, embora
muitas das paredes já estejam caídas.
- Pois bem, vamos dar uma vista de olhos - disse o tio. - Mas estou quase
certo de que aquela mensagem nada significa. Provavelmente é uma
brincadeira de qualquer rapaz da escola. Mas, como estou a perceber que vocês
desejam fazer uma pequena exploração, vamos até lá!
Os dois pequenos seguiram atrás do tio Bob, que começou a trepar o
monte.
- Achas que ele desconfia de nós? - perguntou Nicky em voz baixa. -
Ouviste o que ele disse a respeito de brincadeira de rapaz da escola?...
- Sim, mas não julgo que ele pense que fomos nós que escrevemos a
mensagem - respondeu o Ken. -Vamos, vai ser divertido explorar outra vez
aquele velho lugar.
- Punch! Olha que é impossível meteres-te nessa toca de coelho - chamou o
Nicky. - Vem connosco, nós vamos até a um antigo subterrâneo, vais gostar de
farejar tudo por ali! Talvez que até possas caçar uma ratazana.
Ratazana? Oh, essa palavra fez o Punch afastar-se imediatamente da toca
dó coelho e correr atrás do Nicky. Não sentia nenhum interesse por pássaros e,
embora parecesse existirem coelhos, talvez que nos subterrâneos aparecesse
alguma ratazana grande.
Puff!
Capítulo IX Fantástico e impressionante, aterra que comove.
Os três seguiram pelo atalho de ervas que levava ao topo do Monte da
Cotovia, e que em tempos passados fora utilizado pelas pessoas que tinham
vivido no grande e velho edifício do cume. Chegados ao portão, viram que as
grades quebradas pendiam todas tortas nas dobradiças e que o antigo caminho
que conduzia até à casa era agora uma massa de ervas que crescia com vigor.
- Que sítio de aspecto tão desolador! -disse o tio Bob. -Até me faz arrepios.
- E ainda o tio não viu o edifício completamente queimado... -disse o
Nicky. -Então sentirá um pesadelo!
Seguiram pelo carreiro cheio de ervas até para além de um grande grupo
de pinheiros.
Atrás destes, abrigado dos ventos dominantes, erguia-se o grande e magro
vulto, que tinha sido em tempos uma grande habitação dominando o local com
majestade e esplendor.
O tio Bob parou. Do sopé do monte, o velho edifício parecia apenas uma
pobre e velha ruína, com a única torre que restava perfilada contra o céu, mas
ali, visto de perto, era um tanto assustador.
- Parece que nos quer assustar como uma miragem - disse o Ken.
O tio Bob comentou:
- Sim, eu percebo perfeitamente o que queres dizer. Encara-nos com
severidade, ameaça-nos, e, como tu muito bem dizes, assusta-nos...
- É fantástico e impressionante, aterra que comove - classificou o Nicky em
breve expressão.
O tio Bob e o Ken olharam para ele cheios de espanto.
- Mas isso é poesia! - disse o Ken. Não disseste isso inventado da tua
cabeça, com certeza!
- Mas foi! - respondeu o Nicky, quase tão espantado como os outros.
- Fosse inventado por ti ou não, descreve exactamente este local
enegrecido e propício à meditação - disse o tio Bob. Mas bem podes prevenir
para a outra vez que comeces a versejar, Nicky. Estou quase tão surpreendido
como se o Punch principiasse de repente a cantar.
- Puff! - fez o Punch, satisfeito por perceber que se falava a seu respeito.
Correu à frente e abanou a cauda. Já tinha ali estado noutras ocasiões e achava
que era, um sítio o mais divertido possível.
Seguiram todos pelo caminho em curva, até chegarem ao próprio edifício.
Era uma visão bem triste. O fogo que o devorara tinha-o lambido de cima até
abaixo, deixando uma única torre intacta, embora enegrecida pelo fumo.
- Os pássaros agora fazem os ninhos na torre - disse o Ken; quando se
dirigia para o arco desmantelado, que tinha em tempos servido de moldura ao
grande portal principal. - E eu uma vez vi um texugo sair de um buraco no
átrio.
- Quem vivia aqui? - perguntou o tio Bob.
- Deve ter sido um sítio admirável.
-Um estrangeiro - informou o Nicky esforçando-se por se lembrar. - Um
príncipe de qualquer sítio da Ásia.
- Tinha uma vista magnífica! - disse o tio Bob. - Gostava de saber o que foi
que causou o fogo.
- Ninguém sabe - disse o Ken. - Toda a gente do vale acordou uma noite
para ver as chamas que chegavam ao céu, e nem a única bomba de incêndio
pôde vir até acima deste monte para acudir. Ardeu completamente, até ficar só
o esqueleto. Todos escaparam e se retiraram para o seu país. Eram quase todos
estrangeiros. O príncipe nunca voltou.
- E assim ficou tudo desmantelado! - disse o Nicky. - Muita gente tem
medo de vir aqui acima. Quer ir ver os subterrâneos?
- Sim, é preferível, já que o autor daquela esquisita mensagem - Como
assinava ele? Harry? - menciona qualquer coisa a respeito de subterrâneos, não
é verdade? - declarou o tio Bob. Entraram num recinto que devia ter sido um
grande átrio. O chão ainda estava pavimentado com pedras, embora se
apresentassem agora rachadas e enegrecidas e as ervas crescessem nas fendas.
O Nicky apontou para uma grande porção de madeira queimada que pendia de
uma das paredes.
- Aquilo era a escada, ou uma delas - disse ele. - Mas a torre tinha uma
escada de pedra, por isso não ardeu. Vários degraus de pedra partiram-se ou
talvez o calor os rachasse... Outros desapareceram... Tem de ter muito cuidado
ao subir, tio.
Levou o tio até um canto afastado do velho átrio e entraram por uma
pequena arcada de pedra.
- Aqui está a torre! - apontou ele. - E a escada de pedra que vai até lá
acima, sempre às voltas. Será segura, tio, que acha?
- Já foste alguma vez lá acima? - perguntou o tio Bob, que começou a subir
os primeiros degraus.
- Já, sim - respondeu o Nicky. – Havia antigamente um corrimão de ferro
fixado à parede - existem ainda uns restos - pode-se agarrar a eles quando
chegar às passagens que estão quebradas.
O tio Bob começou a subir a estreita escada de pedra. Subia
cautelosamente, já se vê, porque a maior parte dos degraus estava a partir-se e
ele não queria cair dali abaixo. Os rapazes seguiam-no. Quando por fim
chegaram ao cimo e puderam olhar através de uma das amplas janelas
quadradas de pedra, por onde o vento soprava frio e forte, o tio Bob soltou um
pequeno assobio.
- Palavra de honra! Que vista! Tudo à volta do monte, até ao fundo do
vale, à distância de milhas e milhas!...
- Que lugar para se fazerem sinais daqui! - disse o Ken, dando uma
cotovelada no Nicky. - Sinais luminosos feitos daqui podiam ser avistados de
muito longe, não podiam?
- Oh, estás a pensar na mensagem cifrada - disse o tio Bob. - Como é que
estava escrito: Reparar no sinal da torre, ou coisa parecida, não era? Sim, sem
dúvida que isto podia ser um bom local para se fazer sinais. Mas não posso
imaginar ninguém a palmilhar todo o caminho até esta torre ventosa para fazer
uns tantos sinais que centenas de pessoas podiam ver se acontecesse estarem a
olhar!
- Mas agora digo eu: está aqui no chão um fósforo queimado - notou
inesperadamente o Nicky, apanhando-o. -Acha que terá pertencido a algum dos
que fazem os sinais?
O tio Bob riu-se.
- Não, mas talvez a algum inocente apreciador de panoramas bonitos
como nós, patetinha. Qualquer pessoa iria imaginar que tu acreditas realmente
na mensagem! Mas eu digo-te que quase tenho a certeza de que é fantasia, uma
simples partida de rapaz da escola.
- Onde está o Punch? - perguntou o Ken mudando à pressa de assunto. Ele
não veio connosco até aqui acima?
- Não, ele não gosta do barulho do vento aqui no alto - respondeu o Nicky.
- Não te lembras de como ele ficou assustado uma vez que o trouxemos cá e que
o vento assobiava à sua volta? Ele disparou pela escada abaixo tão depressa que
até rebolou pelos últimos degraus, e depois desapareceu pelo monte abaixo a
sessenta milhas à hora. Vamos para baixo à procura dele. Deve sentir-se
aborrecido.
Abandonaram aquela vista magnífica e desceram cautelosamente a escada
de pedra. Quando estavam a chegar ao fim chamaram pelo Punch. Mas não
ouviram nenhum latido em resposta nem nenhum correr apressado.
- Punch! - berrava o Nicky. - Onde estás tu? Com certeza não foste para
casa sem nós...?
Não se ouvia um único ruído, à excepção do crocitar rouco dos corvos a
voarem à volta da torre. O Punch não aparecia em parte alguma.
- Aonde teria ido parar aquele palerma? - dizia o Nicky, intrigado. - Terá
ido pela escada de caracol até aos subterrâneos? Sem nós não foi, com certeza.
- Onde é essa escada de caracol? - perguntou o tio Bob a olhar em volta.
- Na parte do edifício onde fica a cozinha - respondeu o Ken. E
conduziu-os até uma grande porta, de que metade tinha caído, que dava para o
que devia ter sido a cozinha, pois junto das paredes ainda se viam velhos fogões
de ferro.
Os rapazes, ao mesmo tempo que avançavam, iam chamando. - Punch!
Punch! Onde estás?
- É esta a porta do subterrâneo - disse o Ken. - Pelo menos era aqui que ela
costumava estar antes de ter sido queimada até às dobradiças!
Uma pequena ombreira de pedra conduzia a uma passagem igualmente
pequena. O Nicky sacou de uma lâmpada e iluminou em frente.
- É melhor ir com cuidado, tio - disse ele. - Estes degraus são muito
empinados e bastante escorregadios por estarem húmidos. V como seguem? U,
uma volta e mais outra em caracol.
Era, na verdade, uma escada em espiral, curiosa, mas perigosa também.
Desejavam que houvesse um corrimão para se agarrar a ele! Depois de
descerem cautelosamente pelo menos cinquenta degraus de pedra encurvados,
chegaram ao fim.
- Que lugar horrível! - disse o tio Bob, com um arrepio. - Está escuro como
breu. E é frio e bastante mal cheiroso. Com certeza que o Punch não veio parar
aqui abaixo.
Mas ali estava ele! Do que se julgaria ser uma grande distância veio
ecoando até eles o seu ladrar, que parecia sobrenatural, surdo, assustado!
- Punch! vem cá, Punch, ! - gritava o Nicky.
Mas o Punch não vinha. Só o seu ladrar chegava aos ouvidos deles, um
ladrar atemorizado e suplicante. Que teria acontecido?
- Venham comigo. Vou à procura dele! -disse o Nicky. E projecto a luz da
lâmpada em volta para ver qual o melhor caminho a seguir. - Alguma coisa
aconteceu ao Punch. Parece que se perdeu. Tenho forçosamente de o encontrar!
Capítulo X Um pouco de alvoroço
- Espera um bocado! - disse o tio Bob.
-Conheces bem o caminho por esses subterrâneos? Pelo que posso ver à
luz da tua lâmpada parece-me um lugar muito amplo. Caminhos que levam a
todos os lados! Podemos facilmente ficar perdidos.
- Logo que encontremos o Punch ele leva-nos com segurança até à escada
de caracol. - disse o Nicky. - Oiçam. Lá está ele a ladrar outra vez.
Seguiram por uma passagem escura e de tecto baixo até outro subterrâneo
atravancado com coisas velhas. O fogo não havia chegado aos subterrâneos e,
por isso, caixotes velhos e tábuas não tinham ficado queimados. E, então,
precisamente naquele momento, a lâmpada do Nicky apagou-se!
Ficaram em completa escuridão.
- A pilha gastou-se! - disse o Nicky aborrecidíssimo. - Se ao menos o
Punch viesse ter connosco e nos indicasse o caminho! Vem cá já!
O Punch não apareceu e, o que era talvez pior, cessou de ladrar! Nem o
mais leve barulho vinha dos corredores escuros.
O Nicky estava assustado. Que teria acontecido para que o Punch parasse
de ladrar?
O tio Bob tomou o caso nas suas mãos.
Agarrou com firmeza no braço do Nicky e puxou-o para o caminho por
onde tinham vindo.
- Basta de tolices - disse ele. - Se continuarmos para a frente, nesta
escuridão medonha perderemos a direcção e não saberemos voltar para trás.
- Mas eu não posso deixar o Punch, abandonado! - protestou o Nicky,
tentando desembaraçar-se da mão sólida do tio.
- Se ele pôde ir até lá abaixo, também pode voltar para cima - disse o tio
Bob. - Seja como for, nós não vamos voltar para trás! Estou um pouco receoso
de nos termos perdido no caminho, apesar da curta distância que percorremos.
Está tão escuro! Ken, estás aí? Conserva-te sempre junto de nós.
- Estou mesmo atrás de si, senhor - disse o Ken, a quem voltar para trás só
dava satisfação. Por fim chegaram novamente à cozinha, mas tinham achado
muito difícil trepar a escada de caracol na escuridão.
- Safa! - disse o tio Bob ao sentar-se pesadamente no largo parapeito da
janela que corria a toda a volta da grande cozinha. - Apre! Não sinto desejo
nenhum de ir lá abaixo outra vez!
O Nicky quase que chorava por causa do Punch. Respondeu ao tio com ar
amuado.
- Acho que é uma cobardia deixarmos o Punch lá em baixo. Que vamos
nós fazer agora?
- Vamos esperar aqui um bocado a ver se ele regressa sozinho - disse o tio
Bob. -Se não vier, vamos a casa buscar lanternas ou lâmpadas mais fortes. Mas
cuido que não precisamos de nos ralar. O Punch depressa aparecerá. - O tio Bob
acendeu um cigarro e deu uns passos por ali. Os rapazes sentaram-se amuados
no velho parapeito de pedra, com os ouvidos alerta e os olhos bem postos na
entrada dos subterrâneos.
Num salto, o Nicky pôs-se de pé.
- Oiço o Punch a ladrar! Escutem!...
Na verdade ouvia-se ladrar à distância.
O Nicky correu para a entrada do subterrâneo, mas o ladrar não vinha
daquele lado! Estava a ficar cada vez mais próximo. O Ken olhou pelo parapeito
da janela e deu um grito.
-Vem a subir a calçada. Olhem, ali está ele, absolutamente imundo! Punch!
Punch! Estamos aqui!
O Punch, soltou uma alegre série de latidos, correu na direcção do velho
edifício e encolheu-se todo contra o Nicky, afagando-o com lambedelas. O
Nicky abraçou-o.
- Onde tens andado, cãozinho porcalhão? Nós julgámos que estavas lá em
baixo nos subterrâneos!
- E estava - disse o tio Bob. - E de certeza não voltou subindo a escada de
caracol, como nós fizemos.
- Por onde saiu ele, então? - Seria por alguma toca de coelho? - sugeriu o
Ken. Eu nunca ouvi dizer que houvesse uma saída secreta dos subterrâneos.
Deve ter sido por uma toca de coelho! Punch, seu patife! Quase estivemos
completamente perdidos lá em baixo, nos subterrâneos, por tua causa!
O Punch estava com fome. Ladrava e puxava pela manga do Nicky,
tentando levá-lo dali. O Nicky fez-lhe festas.
- Bem, bem, vamos todos embora. Eu estou com tanta fome como tu! E o
tio Bob?
- De facto, devo dizer que pela primeira vez, desde que cheguei a tua casa,
sinto verdadeiramente fome! - declarou o tio Bob.
- Não há dúvida de que tivemos uma manhã interessante. Com aquela
estranha mensagem cifrada, com todos os pássaros que vimos, e explorando
este velho edifício melancólico, sinto que a vida se tornou novamente cheia de
interesse.
Os rapazes ficaram contentes. Olharam para o tio Bob com atenção e
acharam que já parecia outra vez o homem alegre e divertido, que sempre
aparentara ser.
- A nossa partida deu resultado, não deu? - disse o Ken ao Nicky, em voz
baixa, quando iam a descer o Monte da Cotovia.
- Mas gostava de que o teu tio acreditasse mais naquela nossa mensagem.
Não me agrada que o nosso plano acabe assim de repente. Até agora tem sido
divertido.
- A coisa que mais me intriga é como o Punch saiu daqueles subterrâneos -
disse o Nicky. - Eu supus que ele tina encontrado uma toca de coelho e se
metera nela até abrir um buraco para o ar livre. Mas de ordinário ele é grande
de mais para qualquer toca de coelho.
- Bem, mas que outra coisa podia ele ter feito? - perguntou o Ken. - Eu
também não gostei de ir tão longe por aqueles subterrâneos. Não pude deixar
de me alegrar por não haver, na realidade, nenhum Harry misterioso à espera
de se encontrar lá em baixo com os seus homens.
- Harry? Qual Harry? - perguntou Nicky. Mas depois lembrou-se da
mensagem inventada e riu-se. - Ah, já sei... O Harry que se supôs ter assinado a
mensagem! Sim, mas o Punch havia de lhe fazer passar um mau bocado, não
havia?
A Penny e a sua amiga Winnie estavam paradas no portão da frente da
casa do Ken, quando o Nicky e o tio Bob chegaram.
- Alô, alô! - disse o tio Bob. - Que estiveram vocês duas a fazer esta manhã,
pequenas?. Deviam ter vindo connosco. Palavra de honra que passamos uma
manhã emocionante. Encontrámos uma estranha mensagem em cifra escondida
num arbusto e explorámos depois aquele grande edifício queimado. . Vimos o
Punch desaparecer no fundo dos subterrâneos e...
- Oh, por favor, tio Bob, não revele os nossos segredos - disse o Nicky em
voz baixa, horrorizado ao pensar que a Penny e a Winnie iriam ser informadas
de tudo aquilo.
Elas ficaram logo impacientes, claro, e, com desespero e mágoa dos
rapazes, o tio Bob tirou do bolso a mensagem em cifra e mostrou-a às duas
excitadas raparigas.
- Oooh! - exclamou a Winnie com grandes olhos de espanto. - É mesmo
uma mensagem verdadeira? Não é uma mensagem qualquer feita pelos
rapazes? Uma vez vi o Ken com uma mensagem no género desta, e...
- Cala a boca! - silvou o Ken. E deu na pobre Winnie um tão forte beliscão
que ela gritou e saiu a correr pelo portão, agarrada ao braço. O tio Bob fitou-a
com espanto.
- Que é que deu à tua amiga assim de repente? - perguntou ele. Mas a
Penny, ao ver o ar carrancudo do Ken, decidiu não dizer nada a respeito do
beliscão. Por sorte, o som do gongo, violentamente tocado pela Sr.a Hawes, no
átrio do Nicky, fez surgir tão deliciosos pensamentos a respeito do jantar, que o
rapaz e o tio se dirigiram para o portão da frente e seguiram pelo atalho,
ladeados por um ainda mais esfomeado Punch.
- Foi pena ter mostrado às pequenas aquela mensagem secreta
O Nicky não se conteve que não dissesse isto ao tio.
- Mas que tem ela de secreto? - perguntou o tio admirado. - Qualquer
pessoa a podia ter achado! E em qualquer caso o mais provável é ser uma
fantasia; portanto, anima-te. Não haverá nenhuma reunião nos subterrâneos,
não haverá nenhuns sinais de luzes na torre... Nem há nenhumas mercadorias
escondidas no monte...
O Nicky franziu o sobrolho e cerrou dentes. Qual não há! - pensou ele.
-Espere e verá, tio Bob! Ficará surpreendido! E muito em breve! Hei-de
vingar-me por ter mostrado a nossa mensagem secreta àquelas raparigas! Pois
espere e verá!
Era uma pena que o tio Bob não pudesse ler os pensamentos vingativos do
Nicky. Ele nem mesmo sabia que o rapaz se sentia tão zangado, senão ter-se-ia
mostrado mais amável com ele. Pobre Nicky! Apenas se lembrara do mistério
porque queria ajudar o tio, e agora tudo tinha corrido mal, e até aquelas
raparigas já sabiam o que havia sobre a mensagem!
Esteve bastante calado durante o jantar, a reflectir no que devia planear
em seguida. Poderia convencer o Ken a fazer uns sinais da torre à noite e então
ele, Nicky, iria acordar o tio e dizer-lhe que viesse ver os sinais luminosos.
Isso fá-lo-ia levantar-se e pensar! Não é indicado ser eu a ir à torre, pensou
o Nicky. Porque alguém tem de ir falar ao tio a respeito da sinalização e ele
havia de achar esquisito que o Ken fosse ter com ele a meio da noite! E eu não
fosse encontrado em parte alguma. Vamos lá a ver! Espero que este plano não
falhe. O Ken tem simplesmente de ir fazer a sinalização. Pode levar o velho
Punch consigo, se estiver com medo. Sim, é uma bela ideia.
- Estás muito sossegado hoje à mesa, Nicky - observou a mãe. - Em que
estás a pensar tão profundamente?
- Está a meditar ainda em certa mensagem muito estranha, calculo eu. -
disse o tio Bob, a rir. - Acertei, Nicky?.
- Não! - disse o Nicky tão violentamente que todos estremeceram, e o
Punch começou a ladrar. - Espere e verá, tio, eu aposto que a mensagem era
verdadeira. Tem só de esperar um pouco!
Capítulo XI Passam-se algumas coisas!
Quando acabou o jantar o Nicky desapareceu.
- Aonde iria ele? -, perguntou a mãe. Parece que está triste como a noite.
Que foi que aconteceu esta manhã, Bob?
- Oh, pouca coisa - respondeu o tio Bob. -Andávamos a ver onde havia
pássaros e achámos, uma mensagem estranha num arbusto. E explorámos
também o velho casarão queimado. Quase perdemos o Punch nos subterrâneos.
O Nicky parecia um tanto zangado porque, quando encontrámos a Penélope, a
irmã do Ken, e a amiga, e contei-lhes o que tínhamos andado a fazer.
- Que patetice a do Nicky! Estar zangado por isso! - comentou a senhora
Fraser.
Mas ele e o Ken não podem suportar que as raparigas saibam alguma
coisa do que eles fazem. A Penny é um pouco bisbilhoteira, segundo o que
oiço...
O Nicky sentia-se, de facto, um pouco zangado. Depois de todo o trabalho
que haviam tido para preparar um supermistério, o tio tinha feito troça dele e
quase o revelara!
Tomou a resolução de atravessar até junto da casa do Ken e investigar se
as pequenas haviam feito confidências de qualquer coisa.
O Ken não era muito esperto para guardar segredo com a Penny!
O Ken não estava no caramanchão, mas estava lá alguém! O Nicky fez
sinal ao Punch, com receio de que ele ladrasse, e foi espreitar à janela. A Penny
e a sua amiga estavam lá, debruçadas sobre um pedaço de papel, a rirem. Que é
que poderia ser assim tão engraçado? O Nicky ardia em desejos de o saber. E
então invadiu-o um pensamento aterrador. Teriam as duas pequenas achado
por acaso o primeiro rascunho daquela mensagem cifrada? Teriam procurado
na gaveta da velha mesa do caramanchão onde o Ken guarda as suas coisas?
Correu a casa para encontrar o Ken e perguntar-lhe onde tinha deixado o
rascunho. Se as pequenas sabiam tudo a respeito do mistério deles, então ele e o
Ken, o melhor que tinham a fazer era confessarem a pequena partida ao tio Bob.
O Ken encontrava-se no quarto a ler. Ficou muito contente ao ver o Nicky e o
Punch.
- Alô! Há alguma novidade? Pareces inquieto... - notou ele.
O Nicky contou-lhe o que acabara de ver.
- Aquelas maçadoras das pequenas! - disse o Ken numa fúria. - Eu pensei
que elas iam dar um passeio, por isso não me macei a esconder o primeiro
rascunho trapalhão da mensagem em cifra. Eu tinha a certeza de que iriam
bisbilhotar tudo mais uma vez, mas como disseram que iam dar um passeio não
fui a correr lá abaixo ao caramanchão para esconder as minhas coisas!
- Bem, o melhor a fazer é desistirmos de toda essa ideia - disse o Nicky,
muito zangado. - E eu espero que baterás com as loucas cabeças delas uma na
outra quando voltarem.
- Que está o Punch a fazer debaixo da minha cama? - perguntou o Ken. -
Está a roer os meus chinelos! Sai já daí. Punch, e porta-te bem. Vai para baixo e
põe-me as pequenas fora do caramanchão.
Quase como se entendesse o que o Ken tinha dito, o Punch correu para a
porta, abriu-a com o focinho e desapareceu. Pois muito bem: se não podia
brincar com os chinelos do Ken, iria procurar os de outra pessoa. Não ia lá para
baixo, para o caramanchão! Esgueirou-se para o quarto que as duas pequenas
partilhavam e deu de cara com a mais admirável colecção de calçado de todas
as qualidades! Farejou um par de botas de pele e aninhou-se para o roer em paz
e sossego.
Os rapazes começaram a jogar um jogo de cartas, mas depois de poucos
minutos o pensamento de que as duas pequenas estariam a desarrumar tudo no
caramanchão foi demasiado intenso para o Ken.
- Vamos pregar-lhes um susto e fazê-las sair - disse ele. - Vem daí!
Desceram a escada e saíram para o jardim. Mas quando chegaram o
caramanchão estava vazio!
- Demónios as levem! Aonde terão ido? - perguntou o Ken. -- E onde
estará o rascunho trapalhão daquela mensagem cifrada? Está aqui na minha
gaveta, e hão-de presumir que nunca o encontraram nem leram!
O Punch chegou naquele momento trazendo a bota de pele que tinha
estado a roer.
- Onde arranjaste isso, Punch? - ralhou o Nicky severamente. O Punch,
correu lá para fora, para o jardim, com ela, e o Nicky estava mesmo a ir
persegui-lo quando as duas pequenas apareceram a correr até junto do
caramanchão, fingindo que estavam muito entusiasmadas...
- Ken! Nicky! Que pensam vocês que nós encontrámos? Uma mensagem
secreta, mesmo igual àquela que vocês encontraram lá em cima no monte.
Vejam o que ela diz, vamos decifrá-la, depressa. .
- Nós achámo-lo debaixo de um arbusto - disse a Winnie.
- Quem poderia tê-la posto ali!
- Idiotas! - disse o Ken, zangado. Vocês não nos podem intrujar!
- E nela se diz que devemos vigiar um homem que é coxo - acrescentou a
Penny.
- E é...
-Vocês prepararam isso pelas vossas próprias mãos e esconderam-na...
Não venham com essas mentirolas! -disse o Ken.
- E a vossa mensagem era então verdadeira?... - perguntou a Winnie a
troçar. - Vá, digam-nos. Nós temos a certeza de que inventaram a vossa!. A
Penny deu de repente um guincho e apontou para o Punch.
- Winnie! Ele agarrou uma das tuas melhores botas de pele! Está a roê-la!
Punch, larga isso!...
Fez um movimento em direcção do Punch, que abocanhou a bota forrada
de pele e fugiu com ela para fora do caramanchão.
Era uma bela brincadeira! As duas pequenas perseguiram-no até ao jardim
e em volta do tanque. O Punch parou de repente muito cuidadosamente, deixou
cair a bota na água, onde ficou a boiar durante uns segundos e depois se
afundou.
A Winnie, zangada, apanhou um pau e correu atrás do Punch, que
imediatamente desapareceu através da sebe.
- Se trouxeres esse teu cão outra vez para aqui, eu... eu ponho-o no caixote
do lixo! - gritou ela. - Ele espatifou a minha bota nova!
Os rapazes decidiram deixar as duas desesperadas pequenas entregues a
si mesmas. Atravessaram a sebe a rir um com o outro.
- Espertalhão do Punch! A maneira como ele deixou cair a bota da Winnie
na água - pás! - Parecia mesmo que estava a dizer: - Ora chupa! Aqui vai a tua
bota! comentou o Ken. - Eu proponho que lhe dêmos um bom osso ou qualquer
coisa...
- No armário da despensa estão uns chouriços. Vou dar-lhe um se a
senhora Hawes estiver longe... - disse o Nicky.
E um pouco depois um Punch surpreendidíssimo estava a comer um
chouriço verdadeiramente delicioso e a receber festas e mais festas. Pois bem! Se
deixar cair o calçado no tanque fornecia chouriços para comer, o Punch estava
inteiramente disposto a deixar cair qualquer quantidade em todos os tanques
do distrito!.
A Winnie e a Penny estavam resolvidas a não acabar a questão com os
rapazes.
- Vamos ignorá-los - disse a Penny. – Deixar o Punch meter assim a tua
bota no tanque! Daqui a pouco vão dizer-lhe que meta os nossos chapéus e sabe
Deus o que mais. É um maçador de um cão!
E assim, com grande alívio do Ken, as pequenas disfarçaram e nada lhe
disseram.
Depois do chá jogaram um jogo de cartas, estiveram a ver televisão até ao
jantar e a seguir foram para cima ler no quarto. Mas, nessa altura, aconteceu
uma coisa que fez as pequenas mudarem de opinião com respeito a não falarem
ao Ken. Estavam deitadas as duas, e já tinham dormido durante algum tempo,
quando um mocho piou de repente lá fora. Ambas acordaram com um pulo.
- Maldito mocho! Aninha-se à noite na árvore por baixo da nossa janela e
pia até ficar sem fôlego! - disse a Penny, enfadada.
Saltou da cama para o assustar e o mocho voou para longe com as suas
asas silenciosas e brancas. A Penny olhou preguiçosamente para a noite, lá fora.
O seu quarto ficava nas traseiras da casa e tinha vista para os campos até ao
Monte da Cotovia. A Penny ia voltar para a cama quando qualquer coisa lhe
prendeu o olhar. Que era aquele reflexo no alto do Monte da Cotovia? Devia ser
uma luz na torre velha!
São aqueles rapazes!, pensou ela. - O Ken e o Nicky devem andar por lá a
fazer qualquer partida estúpida. Era uma das coisas daquela secreta mensagem
pateta, que nós encontrámos na gaveta do Ken. Sinais na torre velha.
- Winnie! Estás acordada?
Há uma luz a piscar na torre. Aqueles dois rapazes devem ter ido até lá
para fazer o que aquela estúpida mensagem dizia! - Mas com que fim? -
perguntou a Winnie, admirada. - Seja como for, é sem dúvida muito tarde para
os rapazes andarem ainda lá por fora, Penélope! Já são onze e meia!
- Vou ver se o Ken está na cama - disse a Penny. E foi, através da casa, até
ao quarto onde o Ken dormia. Abriu a porta de repente e acendeu a luz. Com
pasmo viu o irmão na cama e a dormir! Então poderia estar o Nicky lá na torre
completamente só? Abanou o Ken até ele acordar.
- Que é? Que aconteceu? Penny, que se passa? - balbuciava o Ken,
sentando-se a esfregar os olhos.
- Ken, há uma luz a fazer sinais na torre velha do Monte da Cotovia -
explicou Penny, cheia de medo. - Exactamente como dizias na tua mensagem
secreta. Achas que o Nicky estará lá completamente só? Se não está, quem
poderá ser?
O Ken saltou da cama e foi até ao quarto da Penny. Olhou pela janela e
recebeu um verdadeiro choque quando viu os raios de luz que vinham da torre
velha do monte.
Ficou a olhar como se não pudesse acreditar nos seus olhos!
- Não pode ser o Nicky! - disse ele completamente desnorteado. - Ter-me-
ia dito, se planeasse fazer uma coisa desse género. Penny, há qualquer coisa de
esquisito aqui. Sem dúvida que há...
- É isso o que eu também penso – assegurou a Penny. -Tens de contar ao
tio Bob amanhã. Mas aposto em como ele não acredita em ti. Também não
acreditou naquela mensagem estúpida de vocês. Foi inventada, não foi? Tudo
fingido?.
- Oh, cala a boca! - exclamou o pobre Ken. -Vou vestir-me e procurar o
Nicky. Atiro-lhe algumas pedras à janela para ver se consigo acordá-lo. Se não
vier, trepo à árvore que está cá fora e vejo se ele está na cama. Se não estiver,
então deve estar em cima daquela torre. Brr! Antes ele do que eu! Eu morria de
medo. Volta para a cama, Penny. Vou já vestir-me e sair para descobrir onde
está Nicky.
Em poucos minutos o Ken saiu silenciosamente pela porta traseira e
correu pelo jardim até atravessar a sebe. Iria encontrar o Nicky na cama ou não?
E, se estivesse na cama, então que se passava lá no alto, no Monte da Cotovia?
Capítulo XII Noite de aventuras
O Ken depressa chegou debaixo da janela do quarto de Nicky, que ficava
na frente da casa. Esgaravatou no cascalho do caminho e apanhou algumas
pedras miúdas. Atirou-as para cima, uma a uma, mas falhou todas menos duas,
que bateram na vidraça com um som agudo.
O Nicky estava bem adormecido e não se mexeu.
Em regra, nem mesmo uma trovoada o acordava!
Mas havia alguém que tinha acordado, alguém que arrebitou as orelhas
logo ao primeiro ruído. O Punch estava, como de costume, em cima da cama do
Nicky e rosnou quando ouviu o barulho cauteloso dos passos do Ken lá fora. E
rosnou ainda mais quando uma pedra bateu na janela! Então deu um latido
agudo e puxou pelo cobertor que estava entalado à volta do pescoço do Nicky.
O Nicky acordou.
- Cala a boca, Punch! Que julgas tu que estás a fazer? - disse ele, sonolento.
O Punch puxou-lhe pela manga quando ele se sentou a esfregar os olhos.
Plim! Era outra pedra pequena contra a janela! O Punch rosnou outra vez
e atravessou o quarto a correr, pondo-se de pé com as patas apoiadas no
parapeito.
- Está alguém aí? - perguntou o Nicky; que tinha agora acordado
completamente. Saltou da cama e juntou-se ao Punch, na janela. - Está aí
alguém? - perguntou ele de novo.
- Schiui - respondeu a voz do Ken vinda de baixo. - Sou eu, o Ken. Vou
trepar pela árvore, Nicky. Quando chegar lá acima dá-me a mão, sim? Tenho
umas novidades aterradoras!
Trepou cuidadosamente pela árvore. Na escuridão não era fácil. O Nicky
pegou na sua lâmpada e iluminou a parte inferior da árvore para lhe dar um
pouco de luz. O Ken ficou muitíssimo aliviado quando chegou ao parapeito.
- Que aconteceu? - perguntou o Nicky.
- Está alguém lá em cima na torre velha, a fazer sinais com luzes - contou o
Ken. - O quarto de dormir da Penny dá para aquele lado, ela viu-as e veio
acordar-me. Primeiro ela pensou que nós podíamos estar lá no monte a fazer o
que tínhamos dito naquela mensagem cifrada! Quem é que poderá lá estar? Eu
julguei por um momento que serias tu, mas tu não irias sem me dizer, com
certeza!
- Ken, mas isso é extraordinário! - disse o Nicky. - Quer dizer, nós
combinámos um mistério que incluía sinais feitos na torre e isso veio a
acontecer. Ouve: estás certo de ter visto relâmpagos? Sim, porque podias estar
meio adormecido talvez.
- Bem, mas não estava - respondeu o Ken. - Nem as pequenas, também.
Olha, vamos para um quarto que tenha vista para o Monte da Cotovia e para a
torre. Não os podemos ver da tua janela.
- Puff - fez o Punch, aborrecido, porque o Ken e o Nicky não lhe
prestavam a mais pequena atenção. Ele estava radiante por ver o Ken a meio da
noite, mas nenhum dos dois rapazes o tinha sequer afagado na cabeça!
Estavam demasiadamente intrigados e nervosos para se ocuparem do
Punch!
- Agora, tu fica quieto, Punch, e não rosnes nem te ponhas a ganir,
ouviste? - ordenou o Nicky em voz baixa. - Fica aqui por um minuto.
Voltaremos depressa.
Ele e o Ken seguiram furtivamente pela casa até um quarto vazio existente
nas traseiras. Mas, que pena! Havia ali uma árvore mesmo em frente!
- Estamos mal! - disse o Nicky.
- Bem, temos de ir para outro quarto - declarou o Ken.
- Estão todos ocupados - disse o Nicky. - O tio Bob está no quarto livre. Se
estiver a dormir podemos entrar devagarinho. Não tenho coragem de acordar o
papá.
- Então vem - disse o Ken.
O Nicky guiou-o para atravessarem ambos até outra porta. Cá fora
escutaram. Para alegria deles, de dentro do quarto vinham pequenas
ressonadelas. Sim, o tio Bob estava verdadeiramente adormecido.
Cuidadosamente, deram a volta ao puxador e entraram nos bicos dos pés.
Uma lâmpada lá fora na rua dava uma luz mortiça ao quarto, que tinha as
cortinas todas corridas. Os rapazes evitaram tropeçar nalgumas roupas que
estavam no chão e foram em bicos dos pés até à janela, contentes por as cortinas
estarem corridas. Esborracharam os narizes contra a vidraça para verem o
Monte da Cotovia. Mal desenhada contra o céu nocturno, via-se a torre velha e,
enquanto os dois rapazes observavam, descobriram um repentino e vivo clarão
de luz, depois outro e outro.
- Lá estão eles! - disse o Ken, excitado.
- Vês aquele. e aquele?! Se aquilo não é uma pessoa qualquer a fazer sinais
eu muito gostaria de saber então o que é!
A luz do candeeiro da rua incidiu numa superfície polida e o Nicky, pelo
reflexo, percebeu o que era.
- Olha, é o binóculo do tio, que está acolá naquele canto. Vamos levá-lo e
experimentar visar a torre para ver com mais nitidez o que está a passar-se!
Na pressa de chegar ao binóculo o Nicky tropeçou nuns sapatos que
estavam no chão e bateu contra a cama. O tio Bob acordou imediatamente e a
cama estalou quando ele se ergueu, alarmado.
- Quem está aí? Que é?
- Não é nada, tio Bob, somos apenas nós, eu e o Ken - disse o Nicky.
O tio Bob acendeu a luz da cabeceira e fitou os rapazes com o maior
espanto.
- Que andam vocês a fazer aqui? - perguntou ele. - E para que está o Ken
cá, a meio da noite? Ou estarei eu a sonhar?
- Tio Bob, escute! - disse o Nicky mantendo na voz um tom baixo. - Há
alguém que está a fazer sinais na torre do Alto da Cotovia, e parece que os faz
com uma lâmpada potente.
- Ora, escuta, meu rapaz, é preciso que não se diga mais nada a respeito
dessa toa patetice - disse o tio Bob, aborrecido. Tenho a certeza de que foste tu e
o Ken que inventaram aquela mensagem cifrada... A expressão das vossas caras
denunciou-os! Eu não me importarei de continuar a brincar com vocês, mas
quando chega ao ponto de ambicionarem invadirem o meu quarto a meio da
noite, para falar a respeito de sinais na torre, é já de mais!
- Então não acreditou na nossa mensagem? - perguntou o Nicky,
sentindo-se muito humilhado.
- Oiçam! Eu sou um detective particular na vida real, como vocês muito
bem sabem! - disse o tio Bob. - E não é crível que me deixe enganar por uma
brincadeira inventada por um par de patetas ainda na escola. Saiam já do meu
quarto e não quero ouvir falar mais dessas palermices.
- Mas, escute, tio Bob - recalcitrou o Nicky com desespero. - Nós vimos
luzes na torre, e as pequenas também viram. Olhe, pegue no seu binóculo e olhe
para a torre. Aposto que vai ter uma surpresa tão grande como nós tivemos!
- Mas é que eu não acredito numa só palavra do assunto - respondeu o tio
Bob ao lançar mão do binóculo. - E desagrada-me muito que vocês, rapazes,
venham invadir o meu quarto de dormir a meio da noite para me contarem
histórias de fadas!
Levantou-se da cama com o binóculo e foi à janela. Focou com cuidado o
binóculo para a torre e olhou durante tanto tempo que os rapazes ficaram
impacientes.
- Vê luzes a relampejar? – perguntou Nicky por fim:
O tio Bob baixou o binóculo e voltou-se para os dois ansiosos rapazes.
- Não - respondeu ele. - Não se vê absolutamente nada. Exactamente o que
pensei! Vocês merecem uma boa sova por virem assim ao meu quarto, de noite.
Na realidade, devem supor que eu sou um tonto completo para me pregarem
umas partidas tão idiotas. Agora sumam-se daqui e tenham juízo!
- Mas, tio Bob - principiou o Nicky, com desespero - é certo que nós vimos
uns.
- Ora, cala-te e vai-te embora – disse o tio Bob: E deu aos rapazes um
valente empurrão. O Ken esbracejou para fugir e foi até à janela a fim de deitar
um rápido olhar à torre.
Mas o tio Bob tinha razão: tudo ali era agora escuridão.
Quem estivera a fazer sinais parara de manejar a lâmpada ou lanterna.
Que pouca sorte!
- Vem daí, Nicky! - disse o Ken. E os dois saíram do quarto, bastante
desanimados e ofendidos.
Quem havia de pensar que o tio Bob os trataria assim?
Os rapazes sentaram-se na cama do Nicky, com um Punch irrequieto entre
eles, e comentaram com desgosto a inteira descrença do tio Bob.
- Seja o que for, alguma coisa se está a passar ali - disse o Ken. - E nós
havemos de ir lá e descobrir tudo o que se passa. Nós inventámos um mistério
e parece que ele está a realizar-se! É estranho, mas há muitas coisas esquisitas
que acontecem assim...
- Está bem. Manteremos o tio Bob afastado de tudo isto - disse o Nicky. -
Descobriremos tudo nós ambos. Amanhã levamos o Punch à torre e exploramos
tudo até não podermos mais! Havemos de mostrar ao tio Bob que somos
melhores detectives do que ele! Mas espero que ele não diga nada ao papá a
este respeito. Ia meter-me num sarilho. Aposto que...
- Anima-te, não dirá nem uma palavra -disse o Ken para o confortar. - Está
zangado connosco, mas não é tão mesquinho que nos vá meter em trabalhos! Eu
agora até desejaria que nunca tivéssemos inventado tal mistério!
- Pois eu não - disse o Nicky.
- Se nunca o tivéssemos inventado, também não estaríamos a solucionar
isto agora, pois não.
- Tu vai para casa, Ken, e amanhã havemos de falar a este respeito.
- Teremos de contar às pequenas, sabes, Nicky - notou o Ken. - Quer dizer,
como foram elas que viram as luzes a piscar na torre... não as podemos manter
fora do assunto agora.
- Que maçada! - disse o Nicky. - Também acho que não podemos. Mas não
podem ir à torre connosco, Ken... Não consentirei! O que fizermos, será só feito
por nós.
- Está bem - respondeu o Ken, a trepar para fora da janela. É melhor que
discutas com elas a esse respeito. Adeus, Nicky. Dorme bem!
E desceu pela árvore. Uma verdadeira noite de aventuras!
Capítulo XIII Planos entusiásticos
As pequenas estavam ambas a dormir profundamente quando o Ken se
escapou para o quarto - e portanto não as incomodou. De facto, ele ficou
bastante agradecido por não ter de explicar o que havia acontecido.
Saltou para dentro da cama, pensou por uns segundos nas luzes da torre e
depois caiu num sono profundo.
A Penny acordou-o de manhã com um abanar violento, e quis saber se
tinha sido Nicky quem havia subido à torre e andara a brincar por ali de noite.
- Não, não foi - disse o Ken. - E vai-te embora do meu quarto. Não podes
esperar até eu estar vestido? Digo-te tudo depois, muito embora não pense que
tu mereças estar ao facto do assunto depois de toda a tua bisbilhotice.
- Oh. , Ken, nunca mais seremos bisbilhoteiras - disse a Penny. - Mas
aquela mensagem secreta era afinal verdadeira e não inventada? Como sabias
tu das luzes na torre? Devias ter conhecimento de alguma coisa para falares
disso na mensagem, se ela foi inventada por ti.
- Estás a maçar-me muito - disse o Ken.
- Pelo amor de Deus acaba de falar que quero vestir-me. Vamos ter uma
reunião; depois do pequeno almoço, no caramanchão.
E, assim, às dez horas, quando as pequenas haviam terminado os afazeres
caseiros, foram pelo jardim até ao caramanchão, ao encontro dos rapazes. O
Ken já lá estava a limpar muito bem a gaiola dos porquinhos-da-índia, e o
Nicky ia mesmo a chegar com o Punch.
O Nicky tomou logo a presidência, resolvido a conter as pequenas sob a
sua autoridade.
- Agora escutem todos - começou ele. -Vocês, pequenas, sabem que o Ken
e eu inventámos um mistério para interessar o tio Bob e fazer com que ele se
esquecesse da sua fadiga mental. Nós escrevemos a mensagem, o Ken compô-la
em cifra com muita esperteza e fomos deixá-la num arbusto no Monte da
Cotovia. Foi aí que o tio Bob a achou, e devo dizer que pareceu acreditar nela.
- Pois eu aposto que, na realidade, não acreditou - disse a Winnie com um
risinho.
- Não a mostrava a nós se realmente tivesse acreditado.
- Cala a boca, Winnie - disse o Ken asperamente, e a Winnie submeteu-se,
com a ironia espalhada no seu rosto gordinho.
- Bem - continuou o Nicky -, vocês duas viram luzes na torre, ontem à
noite, e foram avisar o Ken. Ele veio falar comigo e nós ambos vimos as luzes
também. Tínhamos de ir ao quarto do tio Bob para as ver melhor.
Ele acordou, e...
- Oooohl Ele também as viu? - perguntou a Penny. - E que foi que ele
disse? Aposto que então ficou a acreditar no teu mistério!
- Fazes o favor de não me interromper? - ralhou o Nicky, exasperado. - Ele
não as viu! Os tais sinais já tinham acabado quando ele chegou à janela, e por
isso não nos acredita, julga que nós inventámos os sinais luminosos e está tão
zangado que não quer agora ouvir uma única palavra a respeito de qualquer
mistério, verdadeiro ou não!
- Ora esta! - disse a Penny: - E que vamos nós então fazer? Agora digo eu:
tu és de opinião que o mistério se transformou em verdadeiro, não és? Alguém
deve ter estado lá em cima na torre ontem à noite e não para bom fim. E deve
haver outros no segredo também: as pessoas para quem os sinais eram feitos. E
que significariam esses sinais, e porquê, e... ?
- Está bem, está bem, Penny - disse o Ken. - Fica calada durante um
minuto, se puderes, e deixa o Nicky continuar. É só porque vocês viram os
sinais ontem à noite e foram bastante leais avisando-me, que nós as admitimos
nisto.
- E o que é mais: dir-lhes-emos quaisquer futuros planos que formos tendo
-, disse o Nicky. - Agora, que já sabem tanto, têm de estar ao corrente de tudo,
mas têm também de receber as minhas ordens e de fazer o que nós mandarmos,
compreendido?
- Oh! - disse a Winnie, a resplandecer de entusiasmo. - Oh, Nicky, pareces
mesmo uma pessoa já crescida! Eu vou fazer tudo o que tu dizes! E tu também,
Penny, não é verdade?
- Vamos a ver - respondeu a Penny. - Hei-de ajudar os rapazes, mas quero
ter a minha palavra no assunto também...
- Puff! - fez o Punch, sentando-se direito, como se estivesse de acordo com
tudo aquilo.
- Agora não vás começar a dar também a tua opinião... - notou -o Nicky
com uma pancadinha na cabeça do Punch. - Já é bastante mau ter de lutar com
duas raparigas. Não me venhas tu apresentar ainda os teus argumentos!
Isto fez rir todos eles. O Ken dirigiu-se ao aparador e tirou um cartucho de
caramelos.
- Esta conversa toda fez-me fome - queixou-se ele. -Meninas, querem
servir-se? Não, tu não, Punch, meu velho. Já esqueceste o que te aconteceu da
última vez que mastigaste uns caramelos? Não pudeste ladrar por muito tempo
porque os teus dentes ficaram pegados uns aos outros.
A Winnie deu uma risadinha
- Oh, eu gostava de ter visto! Mas agora vamos para diante com os teus
planos, Nicky. Que vais fazer a respeito deste mistério? Que julgas tu que se
está a passar?
- Bem, não faço a mais pequena ideia confessou o Nicky. - Pensei, contudo,
nas coisas mais comuns. Calculam. Ladrões ou alguém capturado e ali detido,
alguém que se escondesse por qualquer razão, talvez um prisioneiro fugido...
- Oh! - exclamou a Winnie, com os olhos muito arregalados pela excitação.
Continua, Nicky!
- Seja como for, nós vamos investigar - disse o Ken, com firmeza. - E,
embora as deixemos saber o que andamos a fazer, vocês não têm de estar
intrometidas neste caso. .
- Veremos isso depois - disse a Penny. O Ken pôs o cartucho dos
caramelos bem longe do alcance do Punch, e sentou-se. - Eu acho que a
primeira coisa a fazer é tentar descobrir quem foi que esteve a fazer sinais
ontem à noite e, se deixou alguns vestígios, ver se se encontra o sítio onde
estava escondido. E isso significa que o Nicky e eu vamos até lá acima passar o
dia, levamos um almoço -piquenique e faremos serviço de espionagem.
- Temos de ir aos subterrâneos outra vez e examinar tudo - disse o Nicky. -
Ontem não pudemos observar bem como convinha porque a pilha da minha
lâmpada se foi abaixo.
Talvez ali haja indicações de muito interesse!
- Valha-me Deus! Espero que sejas prudente! - disse a Penny. -Lembras-te
da velha Harriet, a nossa mulher-a-dias? Pois a irmã dela é guarda do museu
daqui e, um dia, estando nós lá, mostrou-nos uns planos antigos do velho
edifício queimado, planos executados antes de ter sido destruído, claro. Devias
ver os planos dos subterrâneos... Credo, parecia que se prolongavam até meia
altura do Monte!
- Ah sim - exclamou o Nicky, sentando-se de repente: - Olhem lá uma
coisa: vocês é que podiam muito bem ir dar uma olhadela a esses planos, talvez
mesmo copiá-los, e ver se descobrem alguma coisa mais. Pode haver algum
esconderijo secreto, por exemplo, sabe-se lá. Que alguém deveria estar
escondido, isso é certo!
- Tens razão - disse a Penny, encantada. -Vamos fazer isso hoje de manhã.
Vamos até agora mesmo!
Saltou logo, e a Winnie também se levantou. Sentiam-se muito
importantes. Agora tratava-se de um mistério real e não de uma patetice
inventada - e elas estavam envolvidas nele!
- Têm razão, vão-se já embora – disse o Nicky, contente por verificar que
elas assim não poderiam segui-los na subida ao monte e na ida até à torre, como
ele primeiro tinha receado. Ficavam seguras estando no museu. Pôs-se de pé. -
Vou buscar uns embrulhos com o almoço para nós dois, Ken – explicou ele. - A
senhora Hawes far-nos-á umas sanduíches estupendas! Hei-de levar também
um osso e umas bolachas para o velhote do Punch.. - Achas bem?
O Punch dançava em volta dele, satisfeitíssimo por ouvir finalmente o
Nicky falar-lhe.
Puff, puff! - soprava ele, e o Nicky fez-lhe festas. O Punch correu para a
Penny, que também o acariciou.
- É melhor não implorares as festas da Winnie - disse a Penny. - Ainda não
se esqueceu da maneira como tu ontem tentaste afogar o sapato dela!
Ao ouvir a palavra sapato o Punch partiu como um relâmpago. Nicky
ralhou.
- Por que foste tu, agora, falar no sapato? Eu julguei que hoje já tivesse
esquecido os sapatos, pois não trouxe nenhum cá para baixo. Mas agora aposto
tudo o que quiseres em como foi buscar algum.
Foi com o Ken atravessar a sebe para ir ao encontro da senhora Hawes,
que ficou toda satisfeita por lhes arranjar as sanduíches.
- Agora mesmo o seu cão passou por mim a cem à hora - disse ela. Creio
que vai fazer alguma asneira!
E - dito e feito -, quando os rapazes já estavam prontos para sair e com os
embrulhos do almoço em cima da mesa da cozinha, o Punch, depois de ter feito
excursões a todos os quartos de cama, trouxe para a cozinha, pelo menos, seis
pares de sapatos!
- Leva já isso tudo para os seus lugares! - ordenou a senhora Hawes,
apontando para os sapatos com a faca do pão. - Se pensas que eu vou andar
escada acima escada abaixo com todos esses sapatos, estás muito enganado!
- Oh, és um asno, Punch! - disse o Nicky, apanhando os sapatos todos. -
Esta brincadeira já não tem graça nenhuma! Ken, leva os embrulhos das
sanduíches e mete-os na minha sacola, Sim? Vai buscar algumas maçãs e
bananas ao aparador, e tira da despensa duas garrafas de ginger beer. Eu levo
alguns chocolates e bolachas, e um osso para o Punch, embora ele não o mereça,
depois desta balbúrdia toda com os sapatos!
A senhora Hawes soltou um suspiro de alívio quando viu os três saírem
de casa.
O Punch ladrava doidamente de alegria. Ia passar o dia ao ar livre com os
rapazes, poderia haver coisa mais emocionante?
Fica sabendo, Punch, talvez seja mesmo mais emocionante do que
qualquer de vós possa imaginar!
Capítulo XIV Os subterrâneos no Monte
Enquanto os dois rapazes se dirigiam ao Monte da Cotovia, a Penny e a
Winnie seguiam em sentido contrário para, o pequeno museu local.
- Olha, está ali a irmã da Harriet - disse a Penny ao cumprimentar uma
mulherzinha gorducha, que se ocupava a limpar o pó das estantes do museu.
- Olá, menina Clewes! Como está a Harriet? Ainda hoje não a vi.
- Está de cama com uma constipação - respondeu a menina Clewes. - Ora
vivam! Não é costume tê-las aqui muitas vezes. A última em que as vi foi
quando vieram com a vossa classe para examinar alguns documentos antigos
sobre a nossa aldeia. Que querem ver esta manhã?
- Nós, menina Clewes, estamos bastante interessadas naquela grande casa
velha lá em cima, no Monte da Cotovia - disse a Penny. - Aquela que ardeu toda
há já alguns anos. Haverá alguns planos sobre ela?
- Há, sim, e bastantes! - disse a menina Clewes. E foi, a menear-se, em
direcção a um armário. - É curioso que venham por causa da casa velha.
Ultimamente muita gente tem querido ver esses antigos planos. Mas com
certeza ninguém irá reconstruir aquele velho e horrível edifício, pois não?
- Que género de pessoas? – perguntou a Penny, surpreendida.
- Sim, não era gente muito boa, menina explicou a menina Clewes ao
mesmo tempo que tirava de um armário uns enormes papéis enrolados. -Uns
homens, sabe, casca grossa, bastante grosseirões, a examinarem os velhos
planos e a tirarem notas. Eu perguntei-lhes: Por que é todo esse interesse de
repente? Estão a pensar em reconstruir a casa velha e em viver ali como se
viveu noutros tempos?
- E que responderam eles a isso? - perguntou a Penny.
- Oh, disseram que talvez fossem fazer isso e talvez não - explicou a sorrir
a menina Clewes. - E que não era nada da minha conta! Foram muito
malcriados.
A Penny e a Winnie desenrolaram os enormes mapas e estudaram-nos.
Não era muito fácil para elas perceberem o que os planos mostravam.
Não prestaram atenção aos da casa propriamente dita porque o fogo havia
destruído todos os quartos, tanto no andar de cima como no de baixo, e agora
só as paredes se conservavam de pé.
- São estes os planos dos subterrâneos? - perguntou a Winnie, debruçando
se sobre um curioso mapa que mostrava o que parecia ser as passagens e as
caves.
- São. Os planos da casa já não servem para nada visto que ela ardeu - fez
notar a menina Clewes -, mas os planos das passagens e caves que esburacaram
no monte ainda interessam; porque esses subterrâneos conservam-se mais ou
menos como dantes, parece-me a mim.
Antigamente as pessoas que ali viviam serviam-se delas como de
despensas, mas eram despensas naturais, não sei se percebem o que eu quero
dizer, não eram feitas pelo homem. Evitaram-lhes o trabalho de cavar as
despensas para os víveres e para a comida que queriam conservar!
- E há algumas histórias antigas, algumas velhas lendas a respeito do
edifício? - perguntou a Winnie.
- Bem, há algumas, mas eu não me fiaria muito nelas - disse a menina
Clewes ao enrolar os planos que as pequenas tinham acabado de examinar. - Há
a história a respeito de uma estátua de ouro, por exemplo. Dizem que tem
poderes mágicos e que se lhe beijarem os pés sete vezes concede o que lhe
pedirem.
- Uma história bonita... mas receio que nenhuma estátua possa atender
petições! - disse a Penny. - Nem mesmo uma feita de ouro. E que é que
aconteceu quando ardeu tudo? A estátua derreteu-se ou desapareceu? Devia
valer muito dinheiro...
- Ninguém sabe o que foi feito dela disse a menina Clewes. - Calculo que
tenha derretido, o calor era tão intenso! também pode ter sido levada para lugar
seguro, transportada para qualquer sítio onde a família se fixasse. E talvez seja
apenas uma história, sabe? Inventa-se toda a espécie de contos a respeito de
casas antigas.
- Sim, isso é verdade - disse a Penny.
- Importa-se de que eu copie num instante o plano das antigas passagens e
caves do monte, nas proximidades do edifício queimado, das que eram usadas
como despensas? Pode ser que façamos uma exploração por ali hoje...
- Não, não façam isso - disse a menina Clewes. - Desde que houve aquela
grande tempestade e uma tromba de água, há cinco anos, esses subterrâneos
tornaram-se perigosos, ou pelos desprendimentos de terras, percebem, ou por
se alagarem com facilidade. Não é aconselhável ir explorar esses lugares.
- Está bem, veremos - respondeu a Penny colocando um pedaço de papel
químico sobre o mapa e traçando com o lápis aqui e ali. - Comunicar-lhe-ei o
que acontecer se formos explorá-los: As pequenas, por fim, saíram do museu
levando consigo uma esplêndida cópia das passagens e caves que constituíam a
parte subterrânea do velho edifício.
- Não me parece que seja de alguma utilidade - notou a Penny -, mas
nunca se sabe! - Na realidade, não teria importância que os rapazes se
perdessem nas caves, porque o Punch depressa os poria cá fora com facilidade.
Um cão conhece sempre o caminho! E que vamos nós fazer agora?
- Bem, eu estou bastante esfomeada - disse a Winnie. -Vamos para casa,
arranjamos umas sanduíches e umas maçãs, e subimos até ao Monte da
Cotovia. Sei muito bem que os rapazes não querem que os vigiemos, mas é só
para darmos uma olhadela. Podemos sentar-nos, comer as nossas sanduíches
no monte e ouvir os pássaros cantar, especialmente as cotovias, claro!
E, assim, voltaram para trás e fizeram elas próprias as sanduíches de
fiambre. Tiraram também umas maçãs que estavam no aparador. Depois
seguiram a caminho do Monte da Cotovia e encontraram um lugar cómodo no
sopé do monte, onde podiam sentar-se e comer em sossego.
- Vamos ver com atenção o traçado do nosso mapa, também - disse a
Penny. Tenho cá uma ideia que nos pode ser de grande ajuda. Se ao menos
conseguíssemos encontrar a entrada mais próxima para os subterrâneos!
Evitava-nos ter de subir todo o caminho até ao edifício velho!
Era muito agradável estarem sentadas ao sol, a mastigar e debruçadas
sobre o mapa. Mas, por fim, a Penny enrolou-o.
- Gostava de saber o que os rapazes têm estado a fazer - disse ela. -
Gostava tanto de saber! Bem, vamos lá caminhar até ao Monte, a ver se
descobrimos alguma coisa interessante. Palavra de honra, que tempo que
levámos a comer o almoço!
Os rapazes tinham tido um tempo cheio de aventuras. Primeiro que tudo
haviam seguido até à torre velha. Examinaram-na conscienciosamente tentando
encontrar alguns vestígios de quem ali estivera a fazer sinais na noite anterior.
- Aqui está outro fósforo como aquele que encontrámos - anunciou o Ken
pegando num que estava no parapeito de pedra. - Deve ser esta a seteira que o
sinaleiro utilizou ontem à noite. E aqui está um segundo fósforo no chão... e um
maço de cigarros vazio! Tudo isto são indícios, Nicky! Vou guardá-los na minha
algibeira.
- Bem, pelo menos sabemos já que uma pessoa verdadeira esteve aqui -
disse o Nicky. - Não foi um fantasma quem fez os sinais!
Para baixo seguiram pela escada perigosa e o Ken ainda apanhou outro
fósforo. Ali, na enorme e velha cozinha, encontraram uma caixa de fósforos
vazia, atirada para perto do velho fogão de ferro. Repararam no nome da caixa
de fósforos.
- Ah, quem quer que é usa fósforos Luz-Rápida! - disse o Ken.
- E sabemos também que fuma Esplendor, porque atirou fora o pacote
vazio. Não é muito cauteloso, pois não?
- E por que havia de ser? – perguntou o Nicky. -Provavelmente só utiliza
este lugar para fazer os sinais, porque daqui qualquer sinal luminoso pode ser
visto a milhas de distância, e antes da luz do dia já ele está longe, calculo eu!
- Também podia esconder-se perfeitamente nestas velhas caves - sugeriu o
Ken.
- Talvez... Sim, é uma grande ideia, essa. Ou pode alguém estar a
utilizá-las como esconderijo, para fornecimentos de qualquer natureza... e ter
todo o tempo de transportar com segurança seja o que for que ali esteja
escondido. Sabes, eu cuido que demos com qualquer segredo.
- Queres dizer que talvez fossem armazenados valores nestes velhos
subterrâneos e passagens, coisas roubadas há muito tempo, e que os ladrões
tivessem combinado um sinal para quando chegasse a ocasião de os transportar
dali? Um sinal de alguém que estivesse no segredo?
- Sim, qualquer coisa nesse género acrescentou o Nicky, e sentiu-se de
repente muito alvoroçado. - Credo! Isto é emocionante! Por força temos de ir
explorar aqueles subterrâneos. Ainda bem que trouxemos umas lâmpadas
fortes e o Punch. Ele ladrará como um possesso se houver alguém lá em baixo.
- Seria por essa razão que ele ladrou no outro dia? - alvitrou o Ken. - Pode
ser que então estivesse alguém lá em baixo...
- Olá! Eu acho que isto está a ficar de entusiasmar! Que dizes? Vamos
agora lá abaixo? Aqui já não há mais nada para ver. Tenho a caixa de fósforos e
o maço de cigarros. Vamos lá, descemos muito calados a escada para as caves, e
dizemos ao Punch que nem sequer rosne!
E, assim, mais uma vez os rapazes desceram ao subsolo pela curiosa
escada em espiral, penetrando nele em completa escuridão, com o Punch junto
aos calcanhares. O Nicky acendeu a lâmpada e projectou a luz cuidadosamente
em volta. Estavam na mesma passagem escura, de tectos baixos, em que se
tinham encontrado no dia anterior.
Continuaram a descer por ela e chegaram à cave, que haviam visto cheia
de madeiras velhas. Fora até ali que tinham chegado na véspera, pois ali é que a
pilha do Nicky acabara por se descarregar, caso que os forçara a voltar para
trás.
Mas as lâmpadas, agora, brilhavam com intensidade e firmeza na frente
deles, a abrir uma clareira na escuridão. Pararam a escutar e o Nicky pôs a mão
na coleira do Punch para o impedir de correr por ali fora. Não se ouvia um
único ruído, só o Punch soltou um pequeno ganido. Queria continuar a correr!
- Muito bem, Punch, mas segue em silêncio e com cuidado - advertiu o
Nicky.
- Não sabemos o que há cá por baixo, nem tão-pouco sabemos se está
alguém escondido, portanto caminha sozinho na nossa frente, percebes?
Atravessaram, em silêncio ao longo da outra passagem, cujo tecto era tão
baixo numa certa extensão, que os rapazes tiveram de se agachar para poderem
caminhar.
O Punch, portou-se muito bem. Parou sempre que eles paravam,
caminhou muito devagarinho e andou de focinho no ar durante todo o tempo a
farejar animais ou seres humanos.
Chegaram a três caves, todas a comunicarem entre si, e depois a outra
passagem, larga desta vez. E logo - que surpresa! entraram numa cave cheia de
latas, caixas e embalagens de todos os tamanhos e feitios!
O Nicky dirigiu a luz da lâmpada para elas.
- Latas de carne, manteiga; presunto, caixas de cartão com maços de
cigarros. . Santo Deus, isto tudo o que é? – murmurou ele. - Alguém esteve a
viver aqui por algum tempo. Olhem para todas estas latas e caixas de cartão
vazias, e também para as que estão por abrir. Deve ser aqui que o tal homem
dos sinais vive!
- É melhor ir com cuidado, então - murmurou o Ken. - Ele pode estar
perto.
Desceram ainda por outra passagem, por vezes tão estreita que era penoso
esgueirarem-se por ali. E foi então que o Punch se deteve, absolutamente
imóvel, e soltou um pequeno e profundo grunhido.
Os dois rapazes mal ousavam respirar.
Por que é que o Punch rosnava? E então perceberam: um ressonar muito
prolongado chegou aos seus ouvidos - e depois outro! Estava ali alguém,
alguém profundamente adormecido. Mas quem seria? - Agora sejam cautelosos,
Nicky e Ken, este momento pode ser muito perigoso!
Capítulo XV A grande profundidade
Os dois pequenos ficaram então perfeitamente imóveis, o Punch em
frente deles ainda a rosnar baixo.
- Schiu! - murmurou o Nicky. E o Punch cessou logo de rosnar. - Ken,
agarra na coleira do Punch enquanto eu vou un pouco mais à frente.
O Ken agarrou com força na coleira do Punch, enquanto o Nicky avançava
com cautela. A passagem fazia uma curva exactamente naquele sítio, e o Nicky
teve a certeza de que a pessoa que ressonava estava mesmo ali ao dobrar dessa
esquina. Espetou a cabeça, e numa pequena cavidade da parede viu estendido
um homem enorme, de costas, a ressonar. Ao lado dele havia restos de uma
refeição, toda tirada de latas: O Nicky ficou a olhá-lo. Tinha a pele escura e
usava uma grande barba. Achou que seria homem vindo do Oriente.
Um indiano? Talvez um persa? Em qualquer caso tinha um aspecto
bastante feroz! O que estaria ele a fazer nas caves subterrâneas? Foi então que o
Nicky descobriu ferramentas de todas as qualidades: enxadas grandes e
pequenas, barras de ferro, baldes! Ficou admirado. Os homens estariam então a
fazer escavações, a cavar naqueles subterrâneos, andariam a procurar qualquer
coisa?
Rastejou até onde estava Ken e puxou-o para um ponto mais afastado da
passagem, a fim de ficar fora do alcance do ouvido do homem no caso de ele
acordar.
- Com certeza que se passa alguma coisa cá por baixo, nestes velhos
subterrâneos - disse ele. - Há aqui toda a variedade de ferramentas para cavar e
um homem forte, com aspecto de estrangeiro e de grande barba, ressona ao
lado delas! Para que andará ele a cavar? Quem será que quer ter coisas
escondidas nestas caves?
- Não sei - respondeu o Ken, intrigado.
- Pode ser que guardassem aqui coisas preciosas no tempo em que as
pessoas viviam tempos difíceis, para mais tarde as virem buscar.
- Ou podem ter sido roubadas quando o fogo estava no auge - disse o
Nicky. -Pode ser que alguém pegasse fogo de propósito a esta velha casa, de
maneira a permitir que fugissem com as coisas realmente valiosas.
A verdade é que foi um príncipe que construiu esta casa. Devia ser muito
rico e possuir alguns tesouros maravilhosos.
- Sim, um príncipe oriental - acrescentou o Ken. - Disseste que o tipo que
ressona ali tem tipo de estrangeiro? Aposto que é alguém a quem disseram
onde se pode encontrar alguma coisa escondida... escondida neste monte.
- Essa agora! Isso é justamente o que pusemos na nossa mensagem cifrada!
- disse o Nicky, impressionado. - Não te lembras? Nós pusemos: Encomenda
escondida no Monte da Cotovia! Mal sabíamos nós que era verdade!
- E referimo-nos igualmente aos sinais na torre - disse o Ken. - Também
isso saiu verdade! E qual era a outra coisa de que falámos? Ah, é verdade,
encontro no subterrâneo! Olha, parece que isso também está certo. Agora digo
eu: isto tudo é um tanto ou quanto estranho, não é?
- Sim, um bocado - disse o Nicky. Quer dizer, nós só pensámos na nossa
mensagem pateta como uma brincadeira, qualquer coisa para divertir o tio Bob;
por isso, não me agrada muito a maneira como tudo está a dar certo. É como se
nós tivéssemos adivinhado o que estava para acontecer.
- Bem, agora não podemos impedir nada - disse o Ken. - É melhor
procurar saber o que há com respeito ao encontro no subterrâneo! É possível
que alguém venha falar com esse tipo que ressona. Talvez nos seja possível
escutar qualquer coisa interessante.
O Punch recomeçou a rosnar, mas o Nicky deu-lhe uma palmada na
cabeça.
- Cala a boca! Nada de barulhos, Punch! Pode ser que apareça mais
alguém.
O Nicky tinha razão! De repente os rapazes ouviram um barulho como de
raspar, como de alguém que viesse a subir por uma passagem em direcção ao
lugar em que o homem ressonava, na pequena escavação num lado da cave. E
então ouviu-se uma voz de homem que falava zangado.
- Hassan! Sempre a roncar! Por que não estás tu a trabalhar? Já acabaste de
cavar onde estão as urnas de ouro?
O homem que dormia acordou com um salto. Resmungou qualquer coisa
numa linguagem que os pequenos não entenderam.
A seguir veio o som de metal a raspar de encontro a outro metal, e os
rapazes imaginaram que Hassan estava a mostrar ao outro homem aquilo que
havia tirado da terra depois da escavação.
- Encontraste a estátua? - perguntou o visitante. Aparentemente o Hassan
respondeu que não, pois o segundo homem teve um ataque de ira e gritou um
chorrilho de palavras que os rapazes não puderam compreender.
O Punch não conseguiu conter uma rosnadela quando ouviu os berros de
cólera.
Esse rosnar devia ter sido ouvido porque os dois homens calaram-se
imediatamente.
- Que foi aquilo? - perguntou em inglês o segundo homem. -Terá sido o
Harry a descer pela passagem lá de cima? Ele esteve na torre, ontem à noite, a
fazer sinais para os outros se encontrarem com ele aqui e levarem a mercadoria.
O Ken deu de repente uma cotovelada no Nicky. Harry! Santo Deus, era
esse o nome que ele havia escolhido quando assinara a mensagem secreta! Era
realmente sobrenatural. Harry! Devia ser ele o cabecilha daquela quadrilha. Iria
aparecer?
- Esperemos que não desça por aqui murmurou o Ken. - Ficávamos
apanhados, então, entre o Harry e os outros. Livra! Não estou a gostar nada
disto!
Depois calou-se, e no silêncio os dois pequenos ouviram outro ruído.
Alguém descia do alto do velho edifício pelo mesmo caminho que eles próprios
tinham tomado. Os dois rapazes enfiaram apressadamente por uma cavidade
lateral, puxando o Punch, para eles. Se ao menos esse tipo lhes passasse ao lado
sem dar por nada!
Assim podia ter acontecido, se não fosse o Punch. O cão não pôde resistir e
soltou outra rosnadela, um tanto alto desta vez. O homem parou
imediatamente, de ouvido à escuta.
- Que é isto? Quem está aí? - perguntou ele, asperamente.
Não obteve resposta bem entendido, e então - pouca sorte! - o Punch
rosnou outra vez, uma rosnadela profunda, irritada que i ressoou por toda a
pequena cave. O homem curvou-se e olhou lá para dentro. Era um tipo feio,
com uma pala negra num olho: Projectou uma lâmpada sobre os rapazes e o
cão.
- Que é isto? Quem são vocês? Que estão aqui a fazer? - gritou-lhes ele.
Depois, para os outros dois homens, que pareciam extremamente inquietos -
Olhem; um par de miúdos aqui! Não te disse que vigiasses para que ninguém
pudesse vir cá abaixo? Grandes idiotas! Precisamente quando tudo está quase
pronto! Agora só falta encontrar aquela estátua! Já lhes vou atirar com essas
cabeças uma contra a outra... Não lhes disse eu que...
- Está tudo bem, Harry - disse o segundo homem. - Se são apenas dois
miúdos, podemos fechá-los no subterrâneo até amanhã, quando teremos tudo
pronto.
-Amanhã será tarde de mais, gritou o Harry. - Pode vir alguém à procura
dos miúdos e descobrir toda a mercadoria. O melhor é ir dizer aos outros que
venham esta noite ajudar.
Voltou-se para os dois rapazes amedrontados. - Bem, vocês estão
envolvidos numa coisa que nunca esperaram -disse ele numa voz que não
agradou nada aos pequenos. Não lhes vamos fazer mal, mas têm de ficar
prisioneiros num subterrâneo até estarmos prontos para partir. Saiam lá daí!
Nós temos de encontrar outro subterrâneo para vocês com uma entrada que
possa facilmente ser tapada.
Os rapazes não se mexeram e o homem, então, perdeu a cabeça.
Arrastou-os brutalmente para fora, o que fez endoidecer completamente o
Punch. Atirou-se ao homem e mordeu-o com força no pé esquerdo, mesmo
através do sapato!
O homem soltou um grito angustioso e descalçou logo o sapato. O pé
sangrava através da meia delgada. Os outros dois homens vieram a correr e um
deles deu um pontapé traiçoeiro no pobre Punch. Como ele ganiu!
Correu logo para o Nicky, mas correu só com três pernas, porque uma das
traseiras ficara muito ferida em virtude do pontapé. O Nicky agarrou-o e
correu, com o Ken a segui-lo.
Os homens correram aos tropeções atrás deles. - Olha, vamos por dentro
daquela passagem estreita que vai sair à esquerda. O tecto é tão baixo que não
me parece que os homens possam introduzir-se através dela para nos seguir -
lembrou o Nicky.
- Isso mesmo - disse o Ken. E lá se espremeu para dentro, atrás do Nicky,
para quem isso era muito difícil por levar o Punch nos braços.
De facto, teve de o pôr no chão no fim da passagem estreita porque,
chegado ali, precisava de rastejar por causa de o tecto ser muito baixo.
Os homens pararam e um deles pôs-se a rir.
- Não podia ser melhor. Ficam muito bem engarrafados lá dentro. Só
necessitamos de fazer rolar para ali uma pedra pesada. Ficam logo prisioneiros!
É bem feito. e a esse cão também!
Os pequenos ouviram o barulho dos homens a puxar uma pedra, e logo a
seguir um baque contra a abertura da passagem estreita, que ficou tapada
completamente. Mas nenhum dos rapazes se mortificou por isso. Era pelo pobre
Punch, a ganir, que eles se inquietavam. Com a lâmpada iluminaram-lhe a
perna com receio de que estivesse partida.
Felizmente não estava, embora se mostrasse muito ferida e a sangrar.
O Nicky abraçou o Punch com muito carinho.
- Tu, meu valente cãozinho! - disse ele.
- Estou contente por teres mordido aquele homem. Dói-te muito a perna?
Pobre, velho Punch! Onde está o meu lenço? Vou ligar-te a perninha e fazer
com que fiques bom.
O Punch lambeu-o e deu um ligeiro ganido, como a dizer:
- Não te arrelies! Tudo acabará bem! Mas iria acabar tudo bem? Seria
realmente intenção dos homens deixá-los prisioneiros? E, se assim fosse, quem
seria neste mundo capaz de os encontrar?
Capítulo XVI Um achado surpreendente
Os dois pequenos continuaram sentados e silenciosos durante um tempo,
com os braços em volta do Punch. Que aborrecido serem apanhados daquela
maneira! E então o Ken lembrou da comida que tinham trazido num saco. Ficou
logo mais bem disposto.
- Vamos comer qualquer coisa - disse ele. - Já deve estar na hora do jantar
e aposto que o Punch vai apreciar o osso! Umas sanduíches vão reanimar-nos!
E na verdade assim foi. Os rapazes, depois de terem comido metade das
sanduíches, sentiram-se muito melhor.
Cada um comeu ainda uma banana e o Punch, uma bolacha. Depois
beberam uma das garrafas de ginger-beer.
- É melhor não comermos tudo agora - disse o Ken. - Não se sabe por
quanto tempo aqui ficaremos presos.
- Não é um pensamento agradável - comentou o Nicky. - Bem; em todo o
caso as pequenas sabem que nós viemos até aqui e, se desaparecermos por
bastante tempo, dirão ao pai que organizámos uma batida. Esperemos, pois. E
que dizes tu a experimentar remover dali a pedra que eles puseram na entrada?
Talvez nos seja possível.
Rastejaram pela passagem até à entrada. Não havia dúvida de que estava
eficazmente bloqueada por uma pesada pedra. Por muito que ali escavassem
não poderiam movê-la. O Punch também se chegou para observar. Começou a
esgaravatar em volta da pedra com as patas dianteiras e acabou por abrir um
espaço entre a pedra e a entrada rochosa.
Mas, infelizmente, não era largo bastante para qualquer dos rapazes se
enfiar por ele, por mais que nele cavassem. No entanto, o Punch, conseguiu
introduzir-se e avançou cautelosamente sobre três patas ao longo da passagem
por onde os homens haviam seguido.
- Toma cuidado, Punch! - recomendou o Nicky. - Volta para trás antes de
te meteres nalgum sarilho.
O Punch foi, seguindo cautelosamente dando uma pequena rosnadela
uma vez por outra. Se ele ao menos conseguisse encontrar aqueles homens, que
susto lhes pregaria!
Chegou ao subterrâneo onde o homem adormecido, Hassan, tinha estado.
Ninguém se encontrava lá. O Punch farejou à volta e encontrou um sapato
velho. Era o sapato que o Harry tinha descalçado do pé inchado e cheio de
sangue e atirado para o chão da cave, quando foi a coxear em auxílio dos outros
que trabalhavam a carregar diversas mercadorias.
Um sapato! O Punch, porém, não pudera resistir a abocanhá-lo e fugir
com ele! Voltou para trás à cave onde estavam os rapazes, com o sapato na
boca, cheio de orgulho de si mesmo! Pois se até ali, naquela profundidade,
podia mostrar as últimas habilidades aprendidas!
Os pequenos não puderam deixar de rir quando viram o Punch, com o
sapato na boca!
- Punch, meu velho e querido pateta! - disse o Nicky. - Onde foste tu
buscar isso? Ah, já percebo, deve ser o sapato que aquele tipo descalçou quando
tu lhe mordeste o pé. Deixa-o aí, meu velho, ele pode muito bem andar sem ele!
- Ouve uma coisa, Nicky, achas que nós poderíamos sair pelo outro lado
deste subterrâneo? - perguntou o Ken de súbito, projectando a sua lâmpada
para o lado de trás.
-Deve ter havido um desprendimento de terras em tempos, e se nós
cavarmos com as mãos talvez encontremos uma saída daqui.
- Tens razão. Vamos experimentar - disse o, Nicky, aborrecido por não ter
que fazer. E ele, o Ken e o Punch, cavaram afincadamente com as pás e com as
mãos. A terra estava muito solta e depressa se tornou claro que uma parte do
tecto de terra havia descaído e bloqueado a passagem.
- Já transpusemos a terra desprendida! -disse o Ken, de repente, quando a
mão lhe passou através da última camada de terra para fora. - Depressa! Em
breve teremos feito um buraco suficiente para passarmos para o lado de lá.
Olha, o nosso Punch já lá está. O que vês desse lado, Punch?
O Punch começou a rosnar. Já estava do outro lado da terra abatida e os
rapazes não podiam ver aquilo que o fazia rosnar.
- Com certeza que não está nenhum homem ali! - disse o Ken. - Espera,
deixa-me ver se me introduzo no buraco e com a minha lâmpada observo o que
há do outro lado. O Punch, deve estar a rosnar contra qualquer coisa!
E logo o Ken se pôs a rastejar um pouco mais, até conseguir projectar a
lâmpada no espaço em frente. Ficou calado por tanto tempo que o Nicky se
impacientou.
- Que há? Consegues ver alguma coisa?
- Consigo! Sim, não há dúvida de que vejo umas coisas. Mas não posso
acreditar no que vejo! - respondeu o Ken com voz aterrada. - Nicky, põe-te ao
meu lado e olha. Eu estou a ver coisas! E uma é tão estranha!
O Nicky apertou-se contra ele e espreitou para o espaço iluminado pela
lâmpada do Ken. Faltou-lhe a respiração, com o espanto e o medo. Havia ali
uma coisa lindíssima, uma coisa que olhava para eles com uns olhos
intensamente brilhantes, e que resplandecia da cabeça aos pés.
- Que ser? - murmurou o Nicky
-Talvez seja a tal estátua de que os homens falavam - disse o Ken em
resposta. - Nicky, ela é feita de ouro, ouro puro, ouro brilhante. E os olhos são
de pedras preciosas. É uma estátua de um distante país oriental. Deve ter
pertencido ao príncipe que construiu o palácio queimado. Alguém a trouxe
para aqui a fim de a salvar quando se declarou o fogo.
- E colocou-a mesmo no fundo da cave. Depois veio o tal desprendimento
de terras que a escondeu da vista de toda a gente! - concluiu o Nicky. - Desde
então ninguém a encontrou! Nós ouvimos os homens falar de um achado de
urnas de ouro, lembras-te?, que devem ter estado escondidas aqui em baixo
também. E depois de todos esses anos, alguém se lembrou desses tesouros e
mandou aqui uns homens para os procurar!
- Mas esta estátua!? Já alguma vez viste coisa comparável? - perguntou o
Ken focando com a lâmpada o rosto estranhamente belo. - Eu sou de opinião de
que não devemos consentir que os homens saibam que ela está aqui!
- São gordos de mais para deslizarem por aquele túnel baixo e chegarem
até cá - disse o Nicky. Nós só a custo conseguimos enfiar-nos por ele. Ken, isto é
o nosso segredo! Palavra de honra, é de pasmar que não falássemos de uma
estátua na nossa mensagem cifrada, não é?
- O que eu gostava era de sair daqui - disse o Ken. - Há rocha por detrás da
estátua; portanto, a cave deve acabar ali. Vamos outra vez para o outro lado, há
mais espaço. Fantástico! Que achado este! E pensar que foi por pura
coincidência que o descobrimos! Vem aqui, Punch! Olha, Nicky, ele está a
lamber os pés da estátua para ver de que é feita! É de ouro, Punch, de ouro!
- Que te parece que as pequenas estarão a fazer? - perguntou o Nicky,
quando já tinham regressado através do buraco que haviam feito e se
encontravam sentados novamente no subterrâneo. - Quem me dera saber onde
elas estão!
Naquele mesmo momento a Penny e a Winnie dirigiam-se para o Monte
da Cotovia, entusiasmadas por terem em seu poder um tão excelente traçado
das caves subterrâneas.
Já estavam mais ou menos a meio caminho da subida quando a Penny
estacou.
- Olha, ali vem um homem de mau aspecto a descer o monte! - disse ela.
Tem ar de estrangeiro. Repara na barba muito preta. Que alto que ele é!
- Olha para o homem com pala preta no olho - exclamou a Winnie. - Vai a
coxear! Leva só um sapato calçado e, repara, o pé está a deitar sangue! E vem
outro homem atrás dele. Donde terão eles saído? Apareceram tão subitamente!
-Winnie, achas que terão vindo dos subterrâneos? - perguntou a Penny,
repentinamente. - Bem sabes a sua extensão por dentro do monte, e nós não
desconhecemos que existe uma entrada deste lado, mais baixa, e que outra
atravessa a cozinha do velho palácio. Lembras-te de que os rapazes nos
disseram que o Punch devia ter encontrado também um outro caminho para o
ar livre? Pois bem: eu estou convencida de que esses homens vieram pela
mesma saída que o Punch encontrou, quando os rapazes o perderam aqui há
dias. Não há neste monte outra maneira de poderem aparecer assim tão
inesperadamente.
- Olha: parece-me que o homem da pala no olho vem na nossa direcção -
notou a Winnie, cheia de medo.
E foi certo. O homem com a pala no olho veio, de facto, direito a elas para
lhes falar.
- Preciso de um médico - disse ele. Tenho um pé ferido. Fui mordido por
um cão. Podem indicar-me um médico, por favor?
- Sim, há um lá em baixo na cidade - gaguejou a Penny, assustada, a
apontar para baixo do monte. - Qualquer pessoa lhe dirá onde ele mora. E como
era o cão que lhe mordeu?
O homem não respondeu e foi, a coxear, reunir-se aos outros.
Puseram-se, então, a descer o monte outra vez.
- Até aposto em como foi o Punch, que lhe mordeu! - disse a Winnie. -
Aposto que foi. Oh, Penny, não estás a pensar que aconteceu alguma coisa aos
rapazes, pois não? Não será melhor voltarmos para casa para pedir socorro?
- Não, vamos tentar descobrir o sítio onde os homens saíram do monte. -
propôs a Penny. - Eu sinto que é nosso dever procurar os rapazes e obter a
certeza de que estão bem. Vem já por aqui. Foi acolá que primeiro vimos
aparecer os homens, mesmo ali. Apressa-te, Winnie, os homens podem voltar
para aqui de um momento para o outro.
E lá seguiram as duas, ansiosas e amedrontadas.
Tinha de haver um caminho para entrarem, tinha de haver!
Capítulo XVII Duas raparigas espertas
A Penny e a Winnie seguiram o caminho, em torno da vertente do monte,
até ao sítio de onde tinham visto aparecer os homens. Continuaram a olhar
sempre para trás, disfarçadamente, a fim de terem a certeza de que ninguém as
seguia.
- Isto é uma verdadeira aventura, Penny! -disse a Winnie com voz trémula.
Mas logo a seguir teve uma exclamação. - Oh! Escuta, lembrei-me de uma coisa.
- Pregaste-me um susto! - disse a Penny, que estava tão assustada como a
Winnie. - De que te lembraste tu?
- Daquele traçado dos subterrâneos que nós fizemos! - explicou a Winnie. -
Vamos dar-lhe um vista de olhos a ver se nos ajuda!
Sentaram-se na encosta e abriram o rolo de papel tracejado.
Inclinaram-se sobre ele com atenção.
- Aqui está o edifício velho, olha! - disse a Penny com o dedo no mapa. E
aqui é que principiam as caves. Seguem por aqui, por baixo do monte, bem
entendido, e estendem-se por ali e acolá. Verdadeiras passagens subterrâneas,
imagino eu. Mas não percebo como vamos calcular onde acabam...
- Repara, que vem a ser isto? - perguntou a Winnie apontando para uma
pequena linha, curva. - Será um ribeiro?
- Bem, talvez possa ser - disse a Penny.
- Mas que importância tem isso? Aqui no monte não há agora nenhum
ribeiro que se veja. Já deve ter secado há anos.
- Mas o seu leito ainda lá deve estar, como um fosso seco! - disse a Winnie
dando um salto. - Vamos, se o descobrirmos e seguirmos, talvez achemos a
entrada inferior para os subterrâneos!
As pequenas tornaram a seguir para o sítio de onde primeiro tinham visto
aparecer os três homens. Olharam em volta e a princípio não viram nada que
pudesse ter sido o leito de uma corrente. Mas, depois, a Winnie deu um grito.
- Aqui está! Isto deve ter sido, em tempos, uma corrente, a vala que segue
ao lado desta sebe de espinheiros.
- Sim, sim, creio que tens razão - observou a Penny, excitada.
Olhou outra vez para o mapa tracejado.
- Aqui está no mapa - disse ela. - E, olha, parece que vinha em curvas a
subir o monte, e desaparece mesmo no ponto onde a entrada para as caves está
marcada. Vamos segui-la pelo monte acima.
Então as pequenas seguiram devagar pelo monte, acompanhando o leito
meio desaparecido do antigo ribeiro. Mas onde se poderia achar a entrada para
o interior do monte?
A velha vala fazia, entretanto, outra inesperada curva e a Penny soltou
uma exclamação.
- A entrada devia ser aqui, onde a vala se encurva. Consulta o mapa para
veres o que eu quero dizer, Winnie. É aqui que temos de procurar a entrada.
Tenho a certeza!
A Penny tinha razão. Um grande arbusto barrou-lhes o caminho, denso e
espinhoso. A vala fazia uma curva em volta e, numa rápida vista de olhos, a
Penny descobriu uma mancha de terra macia mesmo por baixo de um dos lados
do grande arbusto.
- Penso que deve ser aquele o caminho para a abertura - observou ela. -Vês
aquele pedaço de terra espezinhado? Os homens devem ter entrado e saído por
ali. Ai, meu Deus, vamos ficar arranhadas dos pés à cabeça!
E de facto ficaram bastante arranhadas! Afortunadamente tinham ambas
casacos e puderam enrolá-los em volta da cara e dos ombros, quando
rastejaram por baixo do espinhoso arbusto. Alguém havia cortado e desbastado
a parte espessa do centro e, por isso, ali não estava tão cheio de espinhos. Mas
que surpresa elas tiveram! Um buraco fundo entrava pelo chão, quase sob o
centro do arbusto, um buraco que tinha uns degraus toscos cavados num dos
lados! As pequenitas aninharam-se sob o arbusto e espreitaram para dentro do
buraco, um tanto duvidosas.
-Vamos descer? - perguntou a Penny: Não sabemos que coisas existem lá
por baixo, nem quem lá possa estar. .
- Oh, vem daí! Temos de ser corajosas! - disse a Winnie, que não estava a
sentir-se com nenhuma coragem. - Eu vou primeiro.
E foi por ali abaixo, tacteando com os pés, para encontrar os toscos
degraus. Depressa chegou a uma passagem subterrânea. Acendeu a lâmpada
que tinha trazido.
- Não há dúvida, nós fomos muito espertas - disse a Penny ao descer para
se juntar a ela. - E, agora, daqui para aonde vamos?
- Bem, há só um caminho, e é para cima - informou a Winnie. - E ainda
bem que trouxeste esse plano, Penny. Vamos, eu vou à frente.
As duas pequenas seguiram devagar pelo caminho acima. Alumiavam
com as lâmpadas as caves laterais, grandes e pequenas, e maravilhavam-se por
verem tantas. Aquele monte, perfurado como uma colmeia!
Em tempos recuados devia ter havido um grande número de correntes
subterrâneas, em várias direcções, para produziram um tal número de caves e
passagens!
- Queres que gritemos para ver se os rapazes respondem? - perguntou a
Penny.
- Não parece haver ninguém por aqui, nenhum homem, quero eu dizer.
Vamos chamar.
Puseram-se a gritar com todas as forças: Ken! Nicky! Punch!
Os dois rapazes ainda estavam muito distantes das raparigas. Sentados na
pequena cave, não ouviram nada. Mas os ouvidos do Punch eram muito
apurados. Arrebitou as orelhas e escutou. Que seria aquele barulho distante?
Pôs-se a rosnar.
- Oh, não digas que os homens vêm aí outra vez! - gemeu o Nicky. - Já
estou farto deles. Que é, Punch?
O Punch, ouviu as vozes distantes mais uma vez e endireitou-se nas três
pernas, mantendo a que estava ferida no ar. Desta feita não rosnou. Com
certeza que reconhecia aquelas vozes! Pôs a cabeça à banda e escutou
atentamente.
As pequenas gritaram novamente quando chegaram às passagens
subterrâneas da encosta do monte, e desta vez ele reconheceu-lhes as vozes,
pois eram as da Penny e da Winnie. Puff! Puff! puff!
O Punch ladrou logo alegremente, quase a ensurdecer os dois rapazes
naquele pequeno antro. Fixaram-no cheios de espanto.
- Que se passa, Punch amigo? - disse o Nicky. - Estás a ladrar cheio de
satisfação... Quem vem aí? Não podem ser os homens porque, então, estarias a
rosnar.
Mas o cão deu uma rápida lambidela no Nicky e recomeçou a ladrar.
Podia ouvir as pequenas a aproximarem-se cada vez mais. Elas ouviram-no
ladrar e perceberam que estavam perto dos rapazes.
- Estamos a chegar, Nicky! Estamos a chegar, Ken! Onde estão vocês? -
gritaram elas.
- Aqui! Aqui! Conseguem ouvir-nos? - gritava o Nicky em delírio, a
rastejar o mais perto que podia da grande pedra que bloqueava a entrada. -
Penny! Winnie! Estamos aqui prisioneiros nesta cave.
Por fim as raparigas chegaram ao lugar onde estavam os rapazes e
gritaram outra vez.
- Nós também estamos aqui! Viemos a subir todo o caminho desde a
entrada de baixo, a tal que o Punch, deve ter encontrado no outro dia. Vimos os
homens, eles falaram-nos!
- Eles viram-nas vir aqui para cima?- perguntou o Nicky, ao mesmo tempo
que as duas pequenas principiavam a tentar remover a grande pedra da
entrada.
- Não, foram à cidade à procura de um médico! - gritou a Winnie. -
Desconfio de que foi o Punch que mordeu o homem que tem a pala preta no
olho.
- E é que foi! - respondeu o Ken. Escutem: nós vamos empurrar esta pedra
enquanto vocês a puxam. Tem um tal peso que eu duvido de que nós quatro a
possamos deslocar.
Com enorme desapontamento deles, a grande pedra não se moveu nem
um centímetro! Tinham sido precisos homens fortes para a colocar onde estava
e quatro crianças não seriam capazes de a abalar. Que grande desilusão! O
Pùnch ladrava e esgaravatava doidamente com as patas, mas não servia de
nada. Sentaram-se então para descansar e os rapazes contaram às pequenas
tudo quanto sabiam a respeito da maravilhosa estátua de ouro, que haviam
descoberto no nicho por trás do subterrâneo.
- É engraçado! A menina Clewes falou-nos nisso no museu! - disse a
Penny. É uma lenda conhecida, disse ela. E parece que se alguém quiser que se
realize um desejo, tem somente de beijar sete vezes os pés da estátua!
- Bem, mas eu não vou beijar os pés de nenhuma estátua, nem mesmo
para alcançar a liberdade - disse o Nicky. - Que vamos nós fazer agora? Não me
agrada que as raparigas andem por aqui nestas paragens no caso de esses
homens tornarem a aparecer. Também as fariam prisioneiras!
- É essa a tua opinião? - perguntou a Winnie, alarmada. - Então não valerá
mais voltarmos direitinhas para trás e irmos buscar auxílio? Podíamos vir aqui
com o tio Bob em pouco tempo, e até com o teu pai!
- Sim, estou de acordo, acho que devem fazer isso - disse o Ken. -
Concordas, Nicky? Mas aposto em como o tio Bob não acredita em vocês,
pequenas! Este mistério tem saído certo em todos os pormenores e da maneira
mais romântica! Já não quero inventar mais nenhum!
- Então vamos agora - disse a Penny.
- Tenham coragem, ambos, e façam por nós umas festas ao Punch. Vamos
o mais depressa que pudermos!
E as pequenas lá se foram embora, com muitas preocupações, bem
entendido. Os rapazes sentaram-se, calados, com o ouvido à escuta de todos os
pequenos barulhos feitos pelas miúdas ao descerem pela passagem. O Punch
também escutava, com a cabeça inclinada.
- Não podemos ouvi-las mais - disse o Ken com um suspiro. - Já estou
bastante farto deste buraco. E tu, não, Nicky? Mas o que mais desejo é que os
homens não voltem aqui. E agora pergunto: que pensas tu que o tio Bob vai
dizer quando lhe mostrarmos a estátua de ouro?
- Oh, muito simplesmente não acreditará! - disse o Nicky com um sorriso
trocista. - Isso fará parte do mistério que nunca existiu. Ele não acreditará!
Capítulo XVIII O tio Bob vai em auxílio
Ambas as pequenas atravessaram a passagem escura com os ouvidos
atentos a qualquer ruído proveniente do regresso dos homens.
A Penny julgou ter ouvido qualquer coisa e parou assustada.
-Achas que seria mais acertado ir pelo lado de cima, pela passagem que
vai dar à cozinha velha, e sair por esse lado, pelo lado de que os rapazes nos
falaram - perguntou a Penny. - Seria aterrador encontrar aqueles homens!
- Não. Vamos continuar por baixo - disse a Winnie. - Pelo menos, esse
caminho é nosso conhecido. Os homens não vêm ainda. Calculo que não foram
só para procurar um médico, mas também para estudar a remoção de tudo o
que conseguiram achar nos velhos subterrâneos. Estou bastante contente por o
Punch" ter mordido um deles!
Chegaram salvas à cavidade sob o velho arbusto do espinheiro. Parecia ser
mais difícil sair do que entrar, e as pequenas estavam muito sujas e
desalinhadas quando finalmente encontraram a saída do grande arbusto e se
acharam ao sol, na encosta.
- Palavra de honra... que bom é sentirmo-nos ao ar livre e ao sol outra
vez!- disse a Penny, respirando fundo. –Tenho pena dos dois rapazes, ali
fechados naquela caverna! Avia-te, para chegarmos o mais depressa que
pudermos e dizermos a toda a gente onde eles estão. O pai do Nicky hoje está
em casa, não está? Pode ajudar-nos também, assim como o tio Bob...
- Estou a pensar que o tio Bob não acredita na nossa história - exclamou a
Winnie. - Não há dúvida de que isto parece estranho, não parece? Homens
escondidos, subterrâneos, uma estátua de ouro, os rapazes presos... Mas
acontece muita coisa estranha. Vê-se isso todos os dias nos jornais.
- Pois eu nunca pensei que uma aventura como esta nos havia de
acontecer a nós! - disse a Penny... - Em geral, aventuras são coisas que só
acontecem aos outros. Anda, já estamos quase em casa.
- Eu tenho vindo todo o caminho a ver se avisto os homens, mas não
descobri sinais deles - suspirou a Winnie. - Era capaz de correr quilómetros se
me encontrasse com eles!
- Chegámos finalmente! - disse a Penny quando atingiu o portão da frente
da casa do Nicky. Correu para dentro e chamou pelo pai e pela mãe do rapaz. -
Senhor Fraser! Senhora Fraser! Estão em casa? Venham depressa!
- O pai do Nicky foi ao banco e a mãe às compras, menina! - respondeu a
senhora Hawes da cozinha. - Mas o tio está no jardim a ler o jornal. Se o
quiserem ver.
- Sim, queremos! - respondeu a Penny, e correu para o jardim, com a
Winnie logo atrás. -Tio Bob! Tio Bob!
- Estou aqui. . Para que é toda essa excitação, Penny? - perguntou o tio
Bob, surpreendido. - E aonde foram os rapazes esta manhã?
- Tio Bob, aconteceu uma coisa. - disse a Penny, ofegante. - Os rapazes
foram até à velha casa queimada, esta manhã, para descobrir o que eram
aqueles sinais e...
- Ora, Oiçam bem, eu não quero saber mais dessas histórias de fadas -
ralhou o tio Bob com um ar muito enfadado. - Estou farto de ouvir o que diz a
tal mensagem idiota, estou farto de ver os rapazes presumirem que acontecem
coisas misteriosas. Acabem com essa brincadeira!
- Mas, tio Bob, os rapazes estão prisioneiros num subterrâneo pequeno e
horrendo! - informou a Penny, quase a chorar. - Uma caverna que tem no fundo
uma estátua de ouro, linda.
- E se alguém lhe beijar os pés e fizer um pedido esse pedido é satisfeito! -
acrescentou a Winnie.
O tio Bob atirou com o jornal ao chão, exasperado.
- Que virá a seguir? Vocês realmente pensam que eu acredito que existe
uma estátua de ouro que concede benefícios? Devem estar doidas. Vão-se já
embora.
- Os homens empurraram uma pedra muito grande e pesada até à entrada
da caverna onde os rapazes estão - disse a Penny, com um súbito tremor na voz.
E o Punch está ferido. Um dos homens deu-lhe um pontapé. Oh, onde está o pai
do Nicky? Eu tenho de levar alguém para ajudar o Nicky e o Ken. Nós vimos os
tais homens horríveis a descer a encosta, mas tenho a certeza de que depressa
voltarão para trás. Winnie, vamos à procura do meu pai. Ele irá prevenir a
Polícia imediatamente. .
De repente as lágrimas rolaram-lhe pela cara e o tio Bob olhou para ela
surpreendido. Agarrou-lhe na mão.
- Penny, escuta-me, estás realmente a dizer a verdade? Não se trata de
mais úm desses mistérios inventados? Lembras-te da tal mensagem cifrada que
te mostrei, que falava do encontro nas caves, com mercadoria escondida no
Monte da Cotovia e sinais na torre, e que estava assinada por Harry? Foram os
rapazes que combinaram aquilo. Bem, e agora tens a certeza de que não é outra
patetice absurda?
- Não é patetice, é tudo verdade! - disse a Penny a chorar. -Aconteceu de
facto, não sei como, mas aconteceu. E o Harry é um dos homens. Tio Bob, se não
vier ajudar, tenho de ir procurar o papá.
- Pois é uma das coisas mais esquisitas que me têm acontecido - exclamou
o tio Bob. - Como pode um mistério inventado sair verdadeiro? Muito bem,
muito bem, já vou, Penny. Pára de chorar. Acredito em ti, querida, embora
macacos me mordam se eu entendo o que está a acontecer. Vamos lá. Iremos
todos ao Monte da Cotovia.
E assim, com grande alívio das pequenas, o tio Bob apressou-se a seguir
com elas até ao Monte da Cotovia. Os pássaros cantavam, como na manhã em
que ele ali estivera, mas nenhum deles se demorou a escutá-los. As pequenas
sentiam-se ansiosas por chegar ao sítio onde os rapazes estavam antes que os
homens voltassem, e o tio começava a mostrar-se não só intrigado mas também
inquieto. Que era aquilo que estava a acontecer? As pequenas levaram-no onde
se encontrava o grande arbusto de espinheiro.
- A entrada é mesmo no meio, há um buraco que vai até debaixo da terra -
explicou a Penny. - Eu vi que os homens saíam de qualquer sítio por aqui, e a
Winnie e eu procurámos num mapa que temos. Lá vinha uma entrada pouco
mais ou menos neste ponto, e foi assim que nós a descobrimos. Pica muito, é
horrível, tio Bob!
- Deus tenha piedade de nós! Que virá a seguir? - disse o tio Bob, não
muito agradado com a ideia de rastejar sob o grande arbusto espinhoso, e de
escorregar para o subsolo. - Palavra de honra, nem sequer trouxe uma lâmpada!
- Não faz mal, nós temos as nossas - esclareceu a Winnie. -Apressem-se,
estou com medo de que os homens voltem. São horrendos, tio Bob!
Com muitas pragas, o tio Bob conseguiu descer os degraus que conduziam
até à passagem inferior. As pequenas acenderam as lâmpadas e logo os raios de
luz cortaram a escuridão.
- Por aqui - indicou a Penny. Só podemos ir subindo. Teremos de passar
por muitos subterrâneos durante o caminho.
O tio Bob seguia as duas pequenas desejando saber se aquilo não era um
sonho! Viu a cave onde estavam as ferramentas espalhadas, viu a pilha de latas,
algumas abertas e vazias, outras ainda não encetadas: E, então, à distância
ouviu um ruído.
- Esperem, que é aquilo? - perguntou ele.
- Não é nada, é apenas o Punch, a ladrar - disse a Penny. - Daqui a pouco
estamos a chegar à cave onde os rapazes se encontram. Quem havia de pensar
que este monte era assim todo perfurado com passagens e caves, tio Bob?!
Logo que o Punch começou a ladrar os rapazes ficaram ansiosos por saber
quem iria aparecer. Seriam os homens outra vez?
Com certeza que não seriam as pequenas, já de regresso e com auxílio.
- Puff! Pufff! Puff! - ladrava o Punch, à doida, escavando com as patas
junto da pedra que bloqueava a entrada da cave. Ele sabia quem se aproximava,
ele conhecera aquelas vozes logo que as ouvira ao longe!
- A cave é aqui. Está ali a pedra que os homens colocaram em frente e que
nós não pudemos remover - informou a Penny.
-Nicky! Ken! Estamos aqui com o tio Bob! Tu trabalha com a pá em volta
da pedra que nós puxamos por ela.
- Olá, tio! - gritou o Nicky, radiante. Vá agora outra vez, todos ao mesmo
tempo! E ele e o Ken tiravam com a pá a terra em volta da grande pedra,
empregando todas as suas forças, enquanto o tio a puxava até ficar sem fôlego.
A pedra abanou!
- Está a mexer! - gritou a Penny, ajudando um pouco também. - Dêem
mais uma ajuda com a pá! Ela está a mexer!
A pedra cedeu tão de repente que as pequenas e o tio Bob caíram. Os
rapazes saíram imediatamente, com o Punch a ladrar muito e a saltar à volta
deles só com três patas!
- Safa! - disse o tio Bob, sentado no chão e a esfregar as mãos rugosas,
porque a pedra era muito áspera e dura. - Isto é formidável, não acham? Eu mal
podia crer na história que as pequenas me foram contar. E que vem a ser isso da
estátua de ouro?
-Esgueire-se para dentro desta casa e verá um abatimento de terra lá ao
fim - disse o Nicky. - Meta lá a minha lâmpada pelo buraco e veja o que está por
trás.
O tio Bob fez como lhe diziam, ainda que com muita dificuldade, e
quando viu a beleza faiscante da magnífica estátua de ouro, ficou tão
deslumbrado que ao princípio nem pôde dizer palavra.
- Então, que é que diz agora do tal pretenso mistério? - perguntou o Nicky
triunfantemente. - Nós não falámos de uma estátua de ouro, mas tudo o mais
saiu certo!
- Na verdade tenho de pedir desculpa a vocês todos - disse o tio Bob,
procurando sair da cave. - É um achado extraordinário, este! Tenho de ir já à
Polícia! Venham comigo, voltamos para a cidade. Não devemos perder tempo.
Esses homens podem regressar para levarem outras coisas que acharam,
embora talvez não o façam antes de a noite cair.
Excitado, a falar alto, profundamente emocionado, o pequeno grupo
começou a tomar a direcção do grande arbusto espinhoso. Todos treparam pelo
buraco e rastejaram através da abertura, sendo novamente arranhados pelo
arbusto que a encobria. E que haviam eles de avistar logo que saíram? Os três
homens a treparem, a encosta! O Harry, agora, já tinha o pé ligado e subia a
coxear.
- São os três - gritou o Nicky. -Olhem! Ao ouvirem aquela voz os três
homens pararam surpreendidos, depois voltaram costas e fugiram - o Harri a
coxear penosamente pela encosta abaixo.
Os rapazes estavam entorpecidos em demasia para os perseguir, e as
pequenas, essas, sentiam muito medo. O tio Bob agarrou no Nicky para o caso
de lhe poder dar na cabeça correr atrás deles!
O Punch, desceu a encosta a coxear e a ladrar, mas depressa voltou para
trás.
- Deixemo-los ir - disse o tio Bob. A Polícia depressa lhes fará um cerco!
Vocês já têm a vossa conta por um dia. Que choque devem ter tido esses
homens ao ver-nos rastejar para fora do seu antro privado!
Capítulo XIX Um desfecho emocionante
O tio Bob desceu a encosta rapidamente, seguido pelas quatro crianças,
radiantes. O Punch saltitava atrás, sobre três pernas, com a sua traseira
esquerda ainda magoada e dorida. O Nicky, ao voltar-se, a fim de se certificar
de que ele os ia seguindo, soltou a súbita e sonora exclamação.
- Olhem! vejam o que Punch leva! Todos se voltaram e se riram. O Punch
levava um sapato na boca, bastante grande, com uma dentada que trespassava
o cabedal!
- É o sapato que pertence ao Harry, o homem que o Punch mordeu! - disse
o Nicky. - Querido e velho Punch, tinhas de mostrar a tua habilidade, não
tinhas? Tinhas de trazer para aqui um sapato. Larga aí!
- Não - disse o tio Bob. - Pode vir a ser útil. Deixa-o levar o sapato. A qual
dos homens pertencia?
- Estou com receio de que ache estranho, mas a verdade é que pertencia a
um homem só com um olho chamado Harry - disse o Ken. - O homem cujo
nome nós pusemos no final da nossa mensagem secreta.
- Que extraordinário! - exclamou o tio Bob. - Estou quase a crer que tu e o
Nicky devem ter ligação com essa quadrilha de ladrões... pois de que outra
maneira podiam vocês saber tanto a respeito deles?
Todos se riram. O Nicky voltou-se para o tio.
- É verdade, nós nunca viemos cá acima à noite para ouvirmos cantar os
rouxinóis - lembrou ele. - Que diz o tio a esse respeito? Pode ser que se encontre
qualquer outra coisa especial digna de atenção. Agora mesmo estou a ouvir um
pássaro cantar. Tenho a certeza de que se trata de uma ária inspirada numa
estátua de ouro!
- Palerma! - disse o tio Bob. - Mas, palavra de honra, aquela estátua é na
realidade um achado maravilhoso, podem crer. Provavelmente haverá uma boa
recompensa por ela, e vocês, miúdos, é que a vão ganhar!
Ora esta ideia era das mais agradáveis! Mas não havia agora muito tempo
para pensar nisso, porque já tinham chegado à cidade. O tio Bob dirigiu-se
directamente à esquadra da Polícia e pediu logo para falar ao chefe. Os
pequenos acompanharam-no e sentiam-se muito importantes.
O chefe ouviu-o cheio de espanto, porque conhecia muito bem o tio Bob e
o seu trabalho. Tomou umas notas rápidas, telefonou a alguém, chamou ali três
dos seus homens e deu rapidamente várias ordens.
Os pequenos escutavam, excitados, mas não podiam compreender bem o
que estava a passar-se. O chefe por fim voltou-se para eles e sorriu.
-Fizeram um trabalho muito bom! - disse. Apresento-lhes as minhas
felicitações. Teremos de lhes pedir que identifiquem esses homens logo que os
apanharmos, mas mandaremos preveni-los quando isso acontecer.
- Está bem, senhor chefe - disse O Nicky, emocionado. E. e. com respeito à
estátua de ouro, senhor chefe?
- Bem, iremos já tratar disso - respondeu o chefe a sorrir.
-Duvido de que seja de ouro! Eu próprio não me lembro de ouvir falar a
esse respeito. E podem existir muito mais coisas valiosas nessas velhas caves,
ou subterrâneos, ou lá o que são! Há-de lá haver alguma coisa, senão aqueles
homens não se iam arriscar a tantos trabalhos, cavando debaixo do monte. É
provável que o tal da barba grande, que vocês ouviram chamar-se Hassan, seja
o que tenha conhecimento dos subterrâneos e do que ali se encontra. Até é
possível que ele seja descendente da família dos príncipes que edificaram o
palácio no Monte da Cotovia.
- Ele devia ter beijado os pés da estátua e desejado boa sorte para si - disse
a Winnie. -Teria conseguido tudo o que queria! Mas, está claro, não foi bastante
feliz para achar a estátua!
O chefe riu-se.
- Algum de vós beijou os pés da estátua e formulou algum desejo? -
perguntou ele.
- Não - disse o Nicky. - Não somos assim tão patetas. Mas, espere, um de
nós beijou-os!
- Quem? - perguntaram os outros pequenos, admirados.
- O Punch, beijou-os, vi-o a lamber-lhe os pés! - respondeu o Nicky, - É
essa a sua maneira de beijar. Punch, que desejaste tu?
- Puff! - respondeu o Punch imediatamente.
- Está a dizer que desejou um osso enorme e carnudo - disse o Nicky com
uma voz tão séria que os outros riram-se. - Muito bem, Punch, o teu desejo será
realizado pelos poderes mágicos da bela estátua de ouro! Vamos comprar-te um
osso no caminho para casa.
- Puff! - tornou a fazer o Punch, encantado.
- Pronto, julgo que está tudo terminado pr agora - concluiu o chefe, a
sorrir. Serão avisados quando tornarem a ser precisos, isto é, quando deitarmos
a mão aos homens.
- Reparem, o Punch, ainda segura o sapato que encontrou no subterrâneo -
disse o Ken, quando já estavam fora do posto. -Tio Bob, acha que devemos
entregá-lo à Polícia?
- Bem, deixa-o levar o sapato até casa, e esperemos até qe nos avisem para
virmos novamente ao posto - disse o tio Bob. Creio que não demorarão muito
tempo a chamar-nos para voltarmos cá. Palpita-me que o chefe tem perfeita
noção do lugar onde devem ser procurados esses homens.
O tio Bob tinha razão. A Polícia foi imediatamente à cidade vizinha, onde
havia boa razão para pensar que uma pequena colónia de estrangeiros tinha
estabelecido há poucas semanas o seu quartel-general. Procuraram os homens
que o Nicky e os outros lhe tinham descrito.
Mas, não, nem um só dos homens parecia corresponder às descrições das
crianças! Não aparecia nenhum homem com barbas escuras e compridas, nem
nenhum também com uma pala preta no olho, e todos negaram ter qualquer
conhecimento da existência do velho palácio queimado e dos subterrâneos da
encosta.
- Está bem, façam o favor de vir connosco por uma ou duas horas, a fim de
serem interrogados - disse o polícia de serviço, metendo os homens no carro
penitenciário.
Partiu logo outro carro para as residências dos pequenos com um recado
para eles irem ao posto policial, e o tio Bob também. Todos se empilharam no
carro no meio de grande excitação. O Punch, foi como eles, bem entendido!
Os homens foram alinhados em frente das crianças. Mas que
desapontamento! Nem um só deles se parecia com aqueles que as pequenas
haviam encontrado ao descer a encosta!
Nenhum tinha barba nem usava qualquer pala no olho.
Mas o Punch reconheceu-os! Rosnava e mostrava os dentes. Puxava pela
trela e tentava atirar-se a um daqueles homens mal encarados.
- Chefe! - chamou o Nicky. -Creio que aquele homem é um chamado
Harry que deu um pontapé ao Punch e o magoou. Deve ter retirado do olho a
pala preta que nós lhe vimos. O Punch mordeu-o através do sapato e fez-lhe
sangue. E até levou o sapato para casa! O homem não podia calçá-lo, porque o
pé que fora mordido estava a sangrar e doía-lhe. Nós trouxemos o sapato, pois
pode ainda ser útil. Aqui o tem!.
E o Nicky depô-lo prontamente na mesa do chefe.
Este pronunciou asperamente umas palavras e o homem tirou com mau
modo o sapato e a peúga. O pé estava vermelho e inchado e viam-se
nitidamente marcas de dentes. O Punch, soltou uma rosnadela de fazer gelar o
sangue. O homem recuou, assustado.
- Calça o outro sapato, aquele que o pequeno trouxe - ordenou o chefe. -
Vejam se serve bem.
Serviu, já se vê, embora o homem pretendesse que não podia calçá-lo!
- É o mesmo tipo de sapato. É igual ao que ele agora traz calçado -
testemunhou o sargento, que tinha estado a observar. É um modelo estrangeiro.
Deve ser dele!
O homem resmungou qualquer coisa, zangado, e calçou outra vez o outro
sapato, mas enfiou-o pouco a pouco, porque a dentada que o Punch lhe havia
dado ainda lhe doía. O Nicky notou que as mãos lhe tremiam.
Um dos seus amigos também notou isso e puxou de um maço de cigarros.
Ofereceu-o ao homem alto, que, agradecido, tirou um. Era óbvio que estava
cheio de pânico.
O Nicky fixou o maço de cigarros, e o Ken fez o mesmo. Pareceu-lhes
muito familiar! O Ken deu repentinamente um grito.
- Aquele, também é um dos homens, chefe, aquele que tem os cigarros.
- Como é que tu sabes isso? - perguntou o chefe, admirado.
- Repare, chefe, os cigarros são da marca Esplendor. nós encontramos um
maço vazio lá em cima no palácio velho!
- Ah - exclamou o chefe. - E tens em teu poder o maço vazio?
- Sim, chefe - respondeu o Nicky, e tirou o maço do bolso. E encontrámos
também uma caixa de fósforos e estes fósforos queimados. Chamam-se
Luz-Rápida. Guardei-os porque podiam servir de indício!
- Bem, bem, bem - disse o chefe, surpreendido. E tomou-os da mão do
Nicky. Reviste os bolsos desses homens, sargento, por favor.
Os homens permaneciam carrancudos enquanto lhes viraram os bolsos do
avesso.
Ah! Dois deles possuíam maços de cigarros Esplendor e um tinha uma
caixa de fósforos Luz-Rápida.
- São os próprios! - exclamou o Nick, emocionado. - Não há dúvida,
senhor chefe, de que esta é a tal quadrilha. Provavelmente foram eles que
fizeram os sinais lá em cima na torre, que fumaram os cigarros e deitaram os
fósforos para o chão. A caixa vazia e o maço também devem ser deles. O sapato
pertence àquele que se chama Harry. E tenho a certeza de que o tipo mais alto
se chama Hassan. Mandou cortar a barba preta que usava!
- Sabes, meu rapaz, deves vir a ser de um auxílio considerável para o teu
tio quando fores mais crescido - disse o chefe, com um grande sorriso. - Leve
esses homens, sargento. Eu tratarei deles mais tarde.
O tio Bob, os rapazes e o Punch, saíram dali muito jubilosos. O tio Bob
parou em frente de uma loja.
- Estou a pensar - disse ele - que devemos entrar todos aqui e celebrar o
triunfo deste distinto grupo de detectives Nicky, Ken, Winnie e a Penny-, para
não falar desse notável cão, que soube transformar essa habilidade sensaborona
de transportar sapatos num admirável auxílio. Punch, queres conduzir-nos?
Não é possível haver no mundo outro cão que saiba descobrir um criminoso só
pelo facto de lhe ter roubado um sapato.
Todos se riram. Entraram em rancho na loja que vendia os maiores e mais
saborosos sorvetes daquela terra. O tio Bob mandou logo vir doze, dois para
cada um.
- Como?! Também dois para o cão?! - exclamou com grande espanto a
empregada.
- Certamente! E traga seis garrafas de ginger- beer - disse o tio Bob.
- Ginger-beer para o cão, também?! - perguntou a empregada, no auge de
espanto.
- E por que não? - disse o tio Bob. Ele gosta de ginger-beer. portanto, por
que não há-de participar na nossa comemoração? Não concordam, meninos?
- Se concordamos! -disseram todos, radiantes por verem homenageado o
seu cãozinho.
O Punch ladrava alegremente e corria por todos os lados, distribuindo
lambedelas afectuosas. Quase que já tinha esquecido a perna magoada.
Os sorvetes eram deliciosos. A cerveja borbulhava nos copos. O tio Bob
levantou o seu e falou com solenidade.
- Brindo pelo mistério que nunca existiu, que se transformou no mistério
que saiu certo! Os meus parabéns a todos e as minhas desculpas por ter
duvidado de vocês. E esperemos que a estátua de ouro lhes dê a boa sorte que
merecem!
- Viva! Viva! - clamaram todos. E o Punch, também fez coro. - Puff! Puff!
Puff!
- Que belo tempo eles tinham tido! Que aventura!
- Apesar de tudo - disse o Ken, solenemente - foi a última vez que inventei
um mistério. Sinceramente, nunca pensei que viesse tudo a dar certo! Terei
muito cuidado para o futuro, e o mesmo fará o Nicky!
- Não, não tenhas cuidado, Ken! Inventa outro e conta-nos depois o que
vier a acontecer!
Fim
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