Ensaios Mínimos 30 09 2015

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ENSAIOS MNIMOSPara acabar com o juzoSilvio Demtrio

Uma escolha sempre algo hesitante, at mesmo quando se tem certezas. A tolice comea quando no se admite essa condio. S a dvida nos une em nossa imperfeita humanidade. Seria o caso de pensar no a razo, mas a dvida como universal. O grande outro de Lacan a virtualidade de uma diferena irreconcilivel, total e indomvel. E se..., como no ttulo daquele filme dirigido por Lindsey Anderson (If...). E se... o que mantm viva a sombra da razo: e se... o holocausto no aconteceu? e se... a grande fome de 32 e 33 na Ucrnia sob domnio da URSS, o Holodomor no aconteceu tambm?... a Guerra do Paraguai, o massacre dos ctaros e a Santa Inquisio, a ocupao da Palestina e o interminvel suplcio da Faixa de Gaza. A dvida no como redeno, mas como abismo. A dvida dos pios, dos crentes, dos doutrinados, dos militantes. A paixo pelo domnio das idias, dos conceitos, do vapor, do abstrato a mais letal das cegueiras. Em Descartes a dvida submetida razo levava construo de uma evidncia. Ao contrrio, a dvida que produz auto-indulgncia dentro de uma doutrina s alastra o vazio que separa desse mundo aquele que assim pensa. Uma desero do concreto vivido que trocado por um alhures cujo centro est na abscissa do ventre de quem acredita acima de tudo. Algo que s se pode chamar de f como derivao de uma perverso. A subverso do uso de um objeto. A razo como instrumento de legitimao da runa de si mesma. A razo perversa aquela que acredita piamente, porque assim ela desumana. Cruel. Absoluta porque no cogita um outro. A dvida de uma espcie diferente habita aquele que cr acima de qualquer coisa: a dvida que paira sobre qualquer coisa que esteja fora do prprio sistema de valores. O outro como dvida cuja excluso assegura a eternidade e suas inabalveis certezas. O mesmo. Unitrio. Fundamento. Eu. E nada mais.Uma experincia completamente diversa disto foi ter a felicidade de ter participado como jurado da competitiva nacional do 17 Festival Kinoarte de Cinema. S a arte pode combater o fundamentalismo. A atualidade de Walter Benjamin percebendo as potencialidades do cinema em seu clebre texto sobre a reprodutibilidade tcnica da obra de arte. Foi o que pude perceber com uma seleo de produes apurada e representativa do que se gesta de melhor nos roteiros, locaes, estdios e cmeras de todo o pas. Agradeo aos organizadores do Festival aqui nesse espao pelo convite para participar como jurado em especial a Bruno Gehring. No fcil opinar e escolher sobre o trabalho de outros. A sensao de que a injustia prepara o seu festim a cada deliberao. Foi a primeira vez que tive essa experincia. Parece fcil e inconseqente, mas no . Passei o final de semana inerte e exausto depois de uma reunio para decidir com os outros jurados. Por outro lado compensador saber que de alguma maneira se colaborou com algo que torna Londrina uma cidade especial. O mais gratificante a percepo da potncia que te arranca do mesmo a partir de um encontro com mltiplas sensibilidades. Os bons encontros dos quais nos fala Espinosa. Um festival como o Kinoarte um espao de encontros felizes. Do pblico, das produes. Do senso crtico dos outros jurados. Uma chance ao possvel. S se pode acreditar em alguma coisa quando j no se tem verdadeiramente certeza de nada. Nem da prpria dvida. O outro. Mltiplo. Sem comeo nem fim. Todos ns. E tudo o mais.