ENSINO JURÍDICO: O DESAFIO DE UMA NOVA … · candidatos no Exame de Ordem, da ... como mudar o...
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ENSINO JURÍDICO: O DESAFIO DE UMA NOVA METODOLOGIA
LEGAL EDUCATION: THE CHALLENGE OF A NEW METHODOLOGY
Fernanda Eloise Schmidt Ferreira Feguri
Viviane Cristina Rodrigues Cavallini
RESUMO O artigo em pauta se fundamenta na tentativa de espelhar a realidade do ensino jurídico nacional, em nível de graduação. Com efeito, são numerosas as faculdades que oferecem o curso de Bacharelado em Direito no país. Alguns cursos jurídicos são de qualidade duvidosa, enquanto outros são verdadeiros centros de excelência na área. A metodologia de trabalho que fundamenta esse estudo se baseia na pesquisa bibliográfica e documental, sobretudo na coleta de dados estatísticos apresentados pelos organismos de poder público que medem a qualidade da educação superior no Brasil, sobretudo nos cursos de Direito. Os resultados obtidos demonstram o crescente número de cursos reprovados em avaliações promovidas pelo Ministério da Educação (MEC). De igual modo, o resultado apresentado pelos candidatos no Exame de Ordem, da OAB, continua preocupando. A conclusão a que se chega remete à necessidade de uma reavaliação de como ensinar Direito e de como mudar o atual quadro da educação jurídica nacional. Não resta dúvida de que o estágio obrigatório já não se faz suficiente, e a ausência da prática de pesquisa é algo a ser modificado nas instituições que oferecem o curso de Direito. Nesse contexto, a adesão ao chamado ensino reflexivo aparece como uma possível saída. Palavras-Chave: ensino jurídico; educação superior; pesquisa e avaliação.
ABSTRACT
The article on the agenda it is based in the attempt of mirroring the reality of the national juridical teaching, in graduation level. With effect, they are numerous the universities that offer the course of Bachelor in Law in the country. Some juridical courses are of doubtful quality, while others are true excellence centers in the area. The work methodology that bases that study bases on the bibliographical and documental research, above all in the collection of statistical data presented by the organisms of public power that measure the quality of the superior education in Brazil, above all in the courses of law. The obtained results demonstrate the crescent number of courses reproved in evaluations promoted by Ministry of Education (MEC). In equal way, the result presented by candidates in the Exam of Order, of OAB, it continues worrying. The conclusion the one that she arrives sends to the need of a test of how to teach law and of how to change the current picture of the national juridical education. It doesn't remain doubt that the obligatory apprenticeship no longer it is done enough, and the absence of the research practice is something to be modified in the institutions that offer the course of law. In that context, the adhesion to the call reflexive teaching appears as a possible exit. Words-key: juridical teaching; superior education; researches and evaluation.
INTRODUÇÃO
A questão da educação no Brasil tem sido uma das mais intrigantes e
debatidas na atualidade, sendo que tal debate inclui todos os níveis de ensino,
portanto inclui o ensino superior público e privado. Para além dos dispositivos legais
que garantem uma educação de qualidade, através da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (LDB) e da Constituição Federal, há que se ressaltar o contexto social e
político da contemporaneidade, muitas vezes desfavorável à consolidação daquilo
que prevê a legislação vigente.
O período histórico contemporâneo ora denominado pós-modernidade
caracteriza-se, pois, pela futilidade dos valores, pela perda do sentimento de
certeza, pela flexibilização dos princípios, tudo passa a ganhar uma nova dimensão
norteada pelos ditames do consumo e do capitalismo. A crise de autoridade e a
dúvida tomada como fundamento epistemológico nas relações de
ensino/aprendizado enfraquecem qualquer nova política pública na área da
educação. É assim no ensino fundamental e é assim na universidade.
Ademais, a cultura social que agrega a educação informal – veiculada nos
meios de comunicação, na mídia em geral, nas propagandas e nas ruas desta
sociedade de consumo – remete a valores muito pouco condizentes com o discurso
pedagógico prevalecente na escola. De tal modo, estudar deixou de valer à pena.
Estuda-se hoje, sobretudo, visando ganhos financeiros – em tempo recorde se
possível – e poucas vezes visando propriamente uma formação emancipadora, de
ser humano liberto, crítico e auto-consciente.
A condição de má formação escolar e do péssimo nível cultural com o qual
chegam às universidades a maioria dos estudantes tem levantado dúvidas a respeito
do papel da escola nos níveis fundamental e médio. Será que a escola tem
preparado os alunos para a realidade que encontrarão no ensino superior? O que
pensar daquelas instituições universitárias que aprovam em seus vestibulares
mesmo os alunos mais despreparados? Com efeito, não cabe à universidade corrigir
falhas de outras instâncias de ensino, muito embora algumas instituições de ensino
superior recorram a essa medida.
Se a escola não cumpre com seu papel de formar o aluno nos alicerces do
saber, preparando-o para o domínio da língua portuguesa e das ciências básicas,
desenvolvendo seu pensamento crítico, imergindo-o nas vertentes da pesquisa
científica, então será dificultoso recebê-lo no ensino de graduação sem que ele
tenha tão necessário alicerce cultural.
A partir de tão calamitoso contexto, o presente estudo tentará apontar a
repercussão negativa da crise da educação no âmbito do ensino superior,
priorizando as faculdades de Direito. Deveras, o ensino jurídico no Brasil vem
apresentando falhas graves em diferentes aspectos nos últimos anos e o baixíssimo
índice de aprovação no rigoroso Exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
retrata bem essa realidade.
Os dizeres do emérito Rizzatto Nunes (2008) corroboram o acima exposto:
A melhor demonstração de que o sistema de ensino e avaliação não é adequado está no resultado. Os egressos das faculdades de Direito, dirigindo-se aos concursos das carreiras jurídicas, apesar de alguns deles ser altamente concorridos, acabam não se tornando bons profissionais, demonstrando no exercício da profissão toda sorte de erros técnicos e de falta de conduta ética. São petições mal feitas, acusações equivocadas, decisões erradas, desprezo pela pessoa humana dos envolvidos nas questões jurídicas. Não resta dúvida, pois, que a escola de Direito merece reforma de ordem pedagógica (NUNES, 2008, p.22).
A metodologia de ensino dos cursos de graduação em Direito precisa ser
revista, sua grade de disciplinas deve ser atualizada, o ensino deve seguir aliado à
prática do estágio desde muito cedo, tudo precisa melhorar. Algumas propostas já
começam a ser postas em prática, mas ainda resta muito que fazer.
1. Educação Superior: novos paradigmas
Educação superior em suas mais variadas áreas pode ser definida como um
processo de continua reconstrução da experiência, com o propósito de ampliar e
aprofundar o seu conteúdo social, enquanto ao mesmo tempo, o indivíduo ganha o
controle dos métodos envolvidos.
Definir a educação e os processos de ensino e de aprendizagem no contexto
atual do ensino superior significa analisar criticamente o processo de planejamento e
de avaliação dos cursos ofertados; significa, sobretudo, analisar o potencial
pedagógico dos recursos humanos e tecnológicos disponíveis. A universidade e
suas funções deve ser considerada do ponto de vista da necessidade de
reformulações para atingir suas finalidades em termos qualitativos. É urgente e
necessário o fornecimento de subsídios com relação a pressupostos teórico-práticos
em metodologia do ensino superior que possibilite a construção de uma ação
docente de qualidade.
Na verdade, o corpo de professores que se dispõem a lecionar em grau
superior deve estar continuamente atualizando-se. A participação em congressos, a
publicação de artigos, a busca pelo auto-aperfeiçoamento não pode ter fim. Somente
isso irá oportunizar a reflexão continuada de professores sobre seus estudos,
pensamentos e prática. No conjunto, a educação nada mais é senão um processo
que nunca termina. Há uma tendência para aludir à educação como algo que
termina, uma experiência que tivemos como, por exemplo, durante os cinco anos de
faculdade, ou num curso de pós-graduação. Isso soa como se tivéssemos passado
por algo final, algo que nunca mais experimentaremos de novo. Contudo, na
realidade, a educação jamais termina (KNELLER, 1990).
Não são poucos os motivos que induzem à formação continuada. Muda o
conhecimento, mudam as leis, muda a sociedade. As potencialidades que o docente
deve buscar desenvolver hoje em seus alunos abrange uma gama de saberes que
aumenta a cada dia. Mais do que na esfera da educação básica, no ensino superior
o desenvolvimento do pensamento crítico se faz regra. Que dizer então quando o
ensino de graduação tem em sala de aula futuros juristas, operadores do Direito?
Sim, este é um ambiente ainda mais exigente. Aqui o papel do ensino vai muito além
do repassar de conteúdos decorados, assimilados sem tanta preocupação com
noções de valor ou com a historicidade jurídico-política.
Na faculdade de Direito a idéia de educação deve estar intimamente ligada às
idéias de liberdade, democracia e cidadania, construídas através da atividade crítica
de cada indivíduo frente aos padrões, normas e idéias impostas pela sociedade
onde vive. Com razão, o problema da corrupção que permeia os órgãos
governamentais, a ingerência política, a desigualdade econômica e o descaso
histórico do governo brasileiro para com os direitos fundamentais dos cidadãos, são
problemas que somente se encerrarão com o aprimoramento da democracia, e isto
se da por meio de uma cultura crítica oriunda do conhecimento dos direitos do
cidadão.
Assimilar conhecimentos na esfera do direito visando tão somente galgar
bons posicionamentos no mercado de trabalho está longe de ser o ideal da
formação universitária. Cabe ao ensino como um todo e ao ensino jurídico em
especial a formação da consciência cidadã. Educar para a cidadania tem grande
contribuição para alterações no campo da cultura política, por meio da ampliação do
espectro da participação política, não só em nível macro do poder político nacional,
mas incrementando-a a partir do micro, da participação em nível local, das
organizações populares, e contribuindo para o processo de democratização e
ampliação da conquista de direitos de cidadania (PERUZZO, 2002).
Não obstante a certeza do acima mencionado, o que se vê nas faculdades de
direito é, cada vez mais, uma escassez qualitativa, vale dizer, uma ausência na
formação tal como se deu outrora. Nos velhos tempos o ensino jurídico não se
limitava a preparar o aluno para o Exame de Ordem, como tem acontecido hoje em
muitas instituições. Nos tempos de juristas como Rui Barbosa, Oliveira Viana,
Raymundo Faoro, Caio Prado Junior, entre outros, as faculdades jurídicas
promoviam uma formação humanística primorosa. Todo aquele que obtivesse um
diploma de Bacharel em Direito, obtinha uma formação que lhe dava condições de
atuar em diferentes áreas, o que de fato ocorria.
Hodiernamente, se há uma crise na formação de médicos e professores, há
também uma crise na formação dos bacharéis em Direito. O problema não se
restringe a uma classe ou categoria profissional. Cabe, pois, aos sistemas de
avaliação do ensino superior buscar respostas para a falência do ensino universitário
no Brasil. Tudo indica que o problema da educação superior começa na verdade no
ensino básico, sempre abandonado, carente de amplos investimentos do governo.
2. A avaliação do ensino superior: o caso do ensino jurídico
Em todo o país o ensino superior vem sendo reavaliado. Não raros são os
cursos de graduação em Direito que recebem um parecer negativo do Conselho
Federal da OAB, setor responsável pelo ensino jurídico. Poucos cursos obtiveram ou
conquistaram o selo “OAB Recomenda”. Outro dispositivo usado no processo de
avaliação do ensino jurídico no país acontece com o ato da aplicação do Exame de
Ordem, este também de responsabilidade da OAB.
O gradativo aumento do número de Faculdades de Direito – a maioria
instituições privadas de pouca qualidade – acabou gerando frustração em muitos
bacharéis que depois de formados, não obtiveram sucesso no Exame da OAB.
Milhares de estudantes recorrem aos cursos preparatórios para o Exame de Ordem,
a maioria se decepciona com os resultados obtidos nas Faculdades, descobrindo
tardiamente que perderam tempo e dinheiro. O número de cursos preparatórios para
o temido Exame de Ordem tem se multiplicado no país.
A carreira jurídica, antes motivo de orgulho e ascensão social para muitos,
tornou-se um caminho incerto para a juventude estudantil. O número expressivo de
escritórios de advocacia demonstra a existência de um mercado saturado nalgumas
regiões do Brasil.
Os educadores em geral, estão tentando uma solução para a crise do ensino
jurídico. Novas propostas para uma grade de disciplinas na graduação em Direito
vem sendo pensada. Hoje já se tem como certo que algumas áreas jurídicas não
podem ficar de fora da grade disciplinar, como direito ambiental, direito de
informática, direito internacional, direito educacional, biodireito, etc. Ademais, deve-
se atentar para o ensino interdisciplinar, sempre que possível.
Não obstante a preocupação existente com os cursos jurídicos, o problema da
educação superior ultrapassa a questão das áreas de conhecimento. Todos os
cursos de nível superior estão sendo repensados no país. Nesse sentido, o
Ministério da Educação tem sido um importante parceiro da Ordem dos Advogados
do Brasil e seu Conselho de Ensino.
Relativamente ao Ministério da Educação a posição dos técnicos avaliadores
não é muito diferente daquilo que já constatou o OAB. O MEC tem se demonstrado
preocupado com a alta reprovação da educação superior no quesito qualidade,
sobretudo no ensino privado. Não são apenas os cursos jurídicos que vão mal, há
também péssimas Faculdades de Medicina, de Engenharia, de Pedagogia, de
Fisioterapia, entre outras áreas. A privatização disfarçada da educação superior,
imposta pelo governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, está mostrando
seus lamentáveis resultados.
Atualmente não existe mais o Exame Nacional de Cursos, conhecido como
“Provão”. Este fora extinto no governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva. Agora
o Ministério da Educação tem feito uso de uma nova forma de avaliação das
faculdades nacionais, públicas e privadas. Hoje no Brasil temos o denominado
SINAES. Criado pela Lei n° 10.861, de 14 de abril de 2004, o Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Superior é formado por três componentes principais: a
avaliação das instituições, dos cursos e do desempenho dos estudantes.
O SINAES avalia todos os aspectos que giram em torno desses três eixos: o
ensino, a pesquisa, a extensão, a responsabilidade social, o desempenho dos
alunos, a gestão da instituição, o corpo docente, as instalações e vários outros
aspectos. O referido Sistema possui uma série de instrumentos complementares,
quais sejam: a auto-avaliação, a avaliação externa, o Exame Nacional de
Desempenho de Estudantes e outros instrumentos de informação (censo e
cadastro). Os resultados das avaliações possibilitam traçar um panorama da
qualidade dos cursos e instituições de educação superior no país. Os processos
avaliativos são coordenados e supervisionados pela Comissão Nacional de
Avaliação da Educação Superior (CONAES). A operacionalização é de
responsabilidade do Instituto Nacional de Educação Superior.
As informações obtidas com o SINAES são utilizadas pelas Instituições de
Ensino Superior (IES) para a orientação da sua eficácia institucional e efetividade
acadêmica e social; pelos órgãos governamentais para orientar políticas públicas e
pelos estudantes, pais de alunos e público em geral, para orientar suas decisões
quanto à realidade dos cursos e das instituições. Com efeito, ninguém quer se
matricular em um curso reconhecido e apontado como de má qualidade. Com isso
cresce a disputa pelas boas faculdades.
Cursar uma faculdade que não prepara bem o profissional, seja em que área
for, significa estar impossibilitado de obter aprovação em exames de classe e
concursos públicos, este último o grande sonho de uma maioria de formados em
todo o Brasil.
A tabela a seguir ilustra bem os resultados obtidos no Exame de Ordem no
ano de 2009, em cada estado nacional. Percebe-se a porcentagem de bacharéis
inscritos e o número de candidatos aprovados.
Fonte: Exame de Ordem – OAB/2009
Para funcionar adequadamente, um curso superior deve submeter-se a três
estágios: o primeiro, de autorização, o segundo, de reconhecimento e o terceiro, de
credenciamento, ou seja, de renovação periódica para funcionar. Neste caso, o
credenciamento e recredenciamento serão decorrência de um processo de
avaliação permanente pelo poder público (CARNEIRO, 2002).
O Decreto 2.306/97 determina que a criação e o reconhecimento de cursos
jurídicos em instituições de ensino superior, inclusive universidades, dependerá
previamente de manifestação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil. Idêntico procedimento deverá ocorrer no caso de criação de cursos de
Medicina, Odontologia e Psicologia, sendo que neste caso, o processo de criação
deve ser submetido à avaliação prévia do Conselho Nacional de Saúde
(CARNEIRO, 2002).
A questão da avaliação externa (aquela feita pelo poder público no caso em
foco) poderá gerar turbulências junto às universidades, sempre muito ciosas de sua
autonomia. Esta, porém, não é a postura tomada pelas grandes instituições
universitárias do mundo. Normalmente, além de suas próprias avaliações elas se
deixam submeter ao controle externo do MEC, ou no caso dos cursos jurídicos, da
OAB.
Nos Estados Unidos, as universidades se deixam acompanhar por diferentes
tipos de avaliação, conduzidas por agências não-governamentais. No Canadá e na
Inglaterra também acontece isso. Aqui no Brasil o temor da avaliação externa está
em que esta seja usada para fixar parâmetros para a redistribuição diferenciada de
recursos, no caso das instituições públicas obviamente. No Brasil, universidades
como a USP e a UNICAMP têm avançado muito na direção de processos mais
amplos de avaliação.
3. Inovações no ensino através da pesquisa e da prática de estágio
Deve-se favorecer a construção da autonomia intelectual dos alunos através
da pesquisa e da prática. No Brasil são poucos os alunos que chegam à
universidade com alguma experiência de pesquisa realizada no ensino médio. A
disciplina de metodologia científica, oferecida já no primeiro ano dos cursos de
graduação, deve dar conta de incentivar os acadêmicos a se envolverem na
pesquisa.
Tradicionalmente os cursos de Direito em especial não têm muito
envolvimento em pesquisa, ainda que não faltem temas a serem estudados. Na letra
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em seu artigo 43, se
pode ler que a educação superior tem por finalidade, entre outros pontos, “incentivar
o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da
ciência e da tecnologia [...]”. Deveras, a prática da pesquisa vem sendo apontada
como crucial no trabalho do aprendizado em diferentes disciplinas. Quem pesquisa,
aprende mais e melhor.
No ramo do Direito tem espaço a pesquisa documental, a pesquisa qualitativa
e quantitativa, a pesquisa bibliográfica, os estudos de caso, a análise comparativa,
entre tantas outras opções. Quanto aos temas, faltam estudos na esfera do direito
eletrônico, no direito educacional, no biodireito, etc. Havendo incentivo do corpo
docente, certamente não faltarão alunos interessados em produzir ciência jurídica de
qualidade nos inúmeros cursos de Direito espalhados pelo país.
Para a escolha acertada do tema a ser pesquisado, o acadêmico de Direito
deve escolher um assunto para o qual haja fontes disponíveis; deve-se observar
também se existe professor interessado em orientar aquele tema específico
escolhido. O tema deve ser delimitado dentro de uma determinada área do Direito.
São exemplos de tema para uma pesquisa jurídica: “Os benefícios e os avanços
oriundos da nova Lei de Tóxicos”; “Os objetivos constitucionais para a educação
superior”; “O caráter pedagógico-jurídico da Lei de Estágio”. Qualquer que seja o
tema deve ser sempre delimitado, objetivo e preciso.
Outro ponto que merece relevo nos cursos de graduação em Direito remete
ao estágio. Onde e quando estagiar? Na verdade, o quanto antes o aluno se
envolver com o cotidiano do universo jurídico melhor será para a sua formação.
Varas de Justiça, Delegacias de Polícia, Escritórios de Advocacia, opções não
faltam. O incentivo deve vir dos professores já no início dos cursos de graduação. O
estágio ajuda no sentido de favorecer a interação e a cooperação; analisar a
realidade e o contexto jurídico onde esta ou aquela matéria se encaixa; refletir sobre
a prática, etc. A intervenção do professor durante as atividades de estágio deve ir
além do estágio obrigatório realizado nos últimos dois anos do curso de
bacharelado. O docente pode acompanhar o aluno em atividade extra-sala de aula –
e dentro de suas possibilidades – poderá acompanhar o trabalho realizado pelo
acadêmico em seu estágio jurídico.
Na Faculdade de Direito de Apucarana, região norte do Paraná, o Núcleo de
Prática Jurídica (NPJ-FAP) vem realizando um gigantesco trabalho de atendimento
jurídico à população carente do Município. São centenas de cidadãos atendidos.
Causas cíveis, criminais e ligadas ao direito de família são debatidas pelos alunos,
juntamente com seus professores e, posteriormente, são redigidas peças
processuais que serão encaminhadas ao Fórum da Comarca de Apucarana.
Ainda, desenvolve-se no Núcleo de Prática Jurídica da Instituição processos
simulados, que são casos fictícios, propostos pelos professores responsáveis aos
alunos para que estes possam ter contato com outras espécies de procedimentos
não abrangidos pelo atendimento no Núcleo. Os alunos, com a supervisão dos
professores, redigem petições, realizam audiências simuladas, proferem despachos,
pareceres e sentenças que compõem o processo simulado. Tudo isso visando o
ensino crítico-reflexivo aliado à prática, instrumentos importantes para a formação do
operador do Direito.
Nos escritórios de advocacia da região também se encontram numerosos
estagiários de Direito, sendo que alguns atuam em troca de remuneração, enquanto
outros buscam tão somente o conhecimento advindo de tal experiência.
Em 2008 foi editada a nova Lei de Estágio, Lei nº 11.788/08, que manteve a
característica do estágio como atividade sem vínculo empregatício e regulamentou a
atividade no Brasil. A referida Lei trouxe inovações importantes tais como a previsão
do estágio, obrigatório ou não, como parte do projeto pedagógico dos cursos; a
exigência de apresentação, pelo estagiário, de relatório de atividades do estágio; a
permissão para que profissionais liberais de nível superior ofereçam estágio; a
definição das obrigações da instituição de ensino no acompanhamento do estágio; a
previsão de trinta dias de recesso para o estagiário; a delimitação de limite da
jornada de estágio em seis horas para os estudantes do ensino superior, da
educação profissional de nível médio e do ensino médio regular e de quatro horas
para estudantes de educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na
modalidade profissional de educação de jovens e adultos; a determinação do
número máximo de estagiários em relação ao quadro de pessoal da empresa
concedente, que pode chegar a 20%, caso haja mais de vinte e cinco empregados.
Os educadores mais otimistas acreditam que a nova Lei de Estágio trará
benefícios substanciais à atividade do estágio, com o reconhecimento do seu caráter
educativo, a defesa dos direitos do estudante e a definição dos papéis de cada parte
envolvida. É o fim do estágio sem compromisso com a formação profissional e o
exercício da cidadania.
De modo geral sabe-se que o ensino de qualidade está sempre fundado no
estágio e na pesquisa, ambas são atividades práticas. De fato na esfera universitária
os estudos estão associados ao aprender a pensar e ao aprender a fazer, como nos
relata Delors (2003). O ensino universitário precisa hoje ajudar o aluno a
desenvolver habilidades de pensamento e identificar procedimentos necessários
para abstrair do conhecimento todas as suas riquezas.
Um ponto que também se sobressai nos cursos jurídicos conduz ao problema
da didática. Até que ponto os professores estão cientes de sua carência de
formação pedagógica para exercer o magistério superior? De fato, a maioria dos
advogados e magistrados não possuem o devido potencial pedagógico específico de
formação, para encarar os desafios da sala de aula. Muitos, a maioria, aprende a
lecionar lecionando.
Uma educadora, aliás, questionava a respeito, e não apenas se referindo aos
docentes do Direito:
Embora a didática seja reconhecidamente como relevante nesse processo, ate que ponto os profissionais do ensino superior reconhecem sua importância? Qual a sua percepção em torno deste conceito? Como a didática poderia contribuir para a superação dos desafios da prática docente? (PIMENTA, 1999, p.127).
No conjunto e para além das especificidades de cada curso de graduação,
todo processo de formação deve dotar os alunos de conhecimentos, habilidades e
atitudes que desenvolvam profissionais reflexivos, isto é, indivíduos com capacidade
de refletir sobre sua posição na sociedade. O papel do operador do Direito numa
sociedade desigual e injusta começa a se delimitar já a partir da formação
acadêmica.
O enquadramento funcional do formando em Direito na era pós-moderna em
nada se assemelha aos anos dourados em que se formavam alguns poucos
bacharéis nas renomadas Faculdades de Direito de São Paulo e do Recife.
Hodiernamente, a realidade tornou-se por demais competitiva. As instituições de
ensino estão agora, lamentavelmente, comprometidas mais com o lucro do que com
ideários de emancipação política ou promoção da justiça social, como fora outrora.
O corpo docente da universidade deveria estar devidamente preparado para
responder aos desafios contemporâneos, especialmente as questões
interdisciplinares que envolvem o mundo social, político e histórico. A prática jurídica
deve ser perspectivada nesse contexto mais amplo e de abrangência global, de tal
modo que permita ao futuro profissional atuar em esferas até bem pouco tempo
impensáveis.
Hoje há mesmo quem se forme bacharel com o intuito único de lecionar. Esse
profissional precisa saber que o foco central do sucesso da atuação do professor
está em sua formação. Não obstante, nenhuma faculdade de Direito tem oferecido
cursos de graduação que levem em conta a formação do professor de Direito.
Inexiste disciplina pedagógica no bacharelado, fato que obriga os graduados a
buscarem o devido aperfeiçoamento em cursos de pós-graduação, como o de
Metodologia da Ação Docente oferecido pela Universidade Estadual de Londrina
(UEL), entre outras instituições.
Os professores universitários da área jurídica, quando indagados acerca do
que representa a didática, são unânimes em afirmar que são técnicas de ensinar,
mesmo porque, de uma forma ou de outra aprenderam a ensinar com sua
experiência e mirando-se em seus professores. Na verdade o ato de educar é bem
mais amplo do que o da ação de ministrar aulas, pois envolve fins mais abrangentes
para o processo educacional.
De modo geral, o docente de Direito parece possuir um perfil bastante
definido na universidade, como pontua Carvalho Junior (2001, p.191): “são
conservadores ao extremo, transpassando aos alunos uma visão legalista,
formalista, embasada seja num feroz positivismo kelseniano, ou dentro dos marcos
de uma cultura jurídica moldada no liberalismo e nos mitos que o fundam
historicamente”.
O professor de Direito não deve simplesmente conhecer com profundidade os
conteúdos de sua disciplina, embora isto seja fundamental, mas precisa ter
sensibilidade e fundamentação necessárias para detectar o contexto de vivência de
seus alunos e, com isso, ancorar os novos conhecimentos propostos. “Nenhuma
ação educativa pode prescindir de uma reflexão sobre o homem e de uma análise
sobre suas condições”, escreveu o emérito educador Paulo Freire (2002, p.88).
É importante reconhecer que o professor, para construir a sua condição de
mestre do saber, precisa recorrer a saberes da prática e da teoria. No mundo do
Direito, a prática cada vez mais vem sendo valorizada como um espaço de
construção de saberes operacionais. Ademais, a prática que é fonte de sabedoria,
faz da experiência um ponto de reflexão.
4. Ensino reflexivo na graduação em Direito
O processo do ensino reflexivo possui muitas razões para se consolidar nas
mais distintas áreas do conhecimento. No âmbito jurídico não é diferente. Tudo se
faz a partir do cotidiano da sala de aula, nas relações de ensino-aprendizado. As
mais variadas técnicas de ensino nem sempre ressaltam no conhecimento o que de
fato importa. Ademais, muitas vezes a rotina e a repetição fazem o conhecimento
prático tornar-se tácito e tão espontâneo que os profissionais não mais refletem
sobre o que estão fazendo. Daí a importância da reflexão como elemento
fundamental para o desempenho da atividade aprendida. O espaço de reflexão
crítica, coletiva e constante sobre a prática é essencial para um trabalho que se quer
transformador, para um Direito que promova a justiça.
Falar do ensino reflexivo e de professores reflexivos leva-nos a pensar que,
apesar de existirem certas atitudes e predisposições pessoais nos professores, há
todo um conjunto de destrezas ou habilidades que os professores devem dominar
para concretizar este modelo de ensino. Estas aptidões dizem respeito a habilidades
cognitivas e metacognitivas.
Os educadores ingleses Pollard e Tann (1989) descreveram as destrezas
necessárias à realização de um ensino reflexivo: Destrezas empíricas: têm que ver
com a capacidade de diagnóstico tanto no nível da sala de aula como da escola.
Implicam a capacidade de compilar dados, descrever situações, processos, causas
e efeitos. Requerem dados objetivos e subjetivos (sentimentos, afetos). Destrezas
analíticas: necessárias para analisar os dados descritivos compilados e, a partir
deles, construir uma teoria. Destrezas avaliativas: as que se prendem com o
processo de valoração, de emissão de juízos sobre as conseqüências educativas
dos projetos e com a importância dos resultados alcançados. Destrezas
estratégicas: dizem respeito ao planejamento da ação, à antecipação da sua
implantação seguindo a análise realizada. Destrezas práticas: capacidade de
relacionar a análise com a prática, com os fins e com os meios, para obter um efeito
satisfatório. Destrezas de comunicação: os professores reflexivos necessitam de
comunicar e partilhar as suas idéias com outros colegas, o que sublinha a
importância das atividades de trabalho e de discussão em grupo.
Os melhores educadores afirmam que as destrezas podem configurar
diferentes componentes na formação de professores, tanto a nível inicial como
permanente. Porém, é necessário que as atividades de formação permanente de
professores universitários incluam elementos que propiciem o desenvolvimento das
destrezas anteriormente citadas.
A educadora portuguesa Isabel Alarcão (2002) ensina que o professor
reflexivo é aquele que pensa no que faz, que é comprometido com a profissão e se
sente autônomo, capaz de tomar decisões e ter opiniões. Ele é, sobretudo, uma
pessoa que atende aos contextos em que trabalha, os interpreta e adapta a própria
atuação a eles. Os contextos educacionais são extremamente complexos e não
existe um igual a outro. O professor pode ser obrigado a, numa mesma faculdade,
ou numa mesma turma de Direito, utilizar práticas diferentes de acordo com a sala
de aula, com a idade dos alunos. Se o docente não tem a capacidade de analisar
caso a caso, automaticamente se tornará um tecnocrata da educação (ALARCÃO,
2001).
Quanto ao aluno reflexivo, este é aquele que gerencia seus estudos porque o
professor tenta formá-lo como indivíduo autônomo. E quem quer um aluno reflexivo
tem de avaliar essa competência. Se uma turma de alunos de Direito obteve maus
resultados, cabe perguntar-se: por quê? De quem é a culpa? A faculdade está
ensinando mal? Os alunos têm problemas? Há inúmeras questões a fazer.
O professor de Direito que pretenda adotar uma metodologia de ensino
reflexivo, deve ser capaz de levantar dúvidas sobre seu trabalho. Ensinar bem o
Direito já não é suficiente. É preciso saber o que acontece com o estudante que não
aprende a lição. No tocante ao problema da evasão dá-se o mesmo. Por que tantas
desistências ao longo de um curso de graduação? Qual o contexto social que
sustenta esse problema? Por que tantas reprovações no Exame de Ordem? Com
quem está a culpa? Será que as faculdades são mesmo ruins? É preciso refletir.
Enfim, o processo de ensino e aprendizado vai além de preocupações
meramente pedagógicas intra-sala de aula. No caso de cursos de graduação em
Direito, deve-se fazer uma análise da totalidade, visando uma formação
humanístico-reflexiva que atenda aos anseios de uma sociedade em permanente
transformação.
5. Formando o cidadão: a expansão do ensino do Direito
O Brasil é o segundo colégio de advogados do ocidente, perdendo apenas
para os Estados Unidos da América. Seria muito bom se houvesse mercado de
trabalho para todos os bacharéis e se o expressivo número de faculdades de Direito
se refletisse na qualidade do serviço prestado. Porém, não é o que acontece. O
ensino jurídico sem qualidade atinge todo o âmbito da Justiça, pois compromete a
formação de todos os que participam de sua administração: advogados,
magistrados, promotores, operadores do Direito em geral. Acaba atingindo o próprio
conceito de cidadania e de democracia (ARAGÃO, 2007).
A cidadania nos moldes atuais segue uma orientação ideológica que
representa bem mais que a participação em período eleitoral. Toda a sociedade
organizada se fundamenta no estado de Direito, previsto juridicamente. Se as leis
não são bem interpretadas, se não são obedecidas, se não são elaboradas com
base na realidade nacional, então todo o processo democrático estará em risco.
Com razão, não há esfera social que não seja regulamentada em lei. A proteção
estabelecida em direitos e deveres é o fundamento último do bom Direito. Não
obstante, o ensino desse Direito tem sido algo pervertido, inócuo, sem base
científica. Disso resulta a carência cidadã denunciada por Aragão (2007), entre
tantas outras mazelas. O que fazer? Ora, muito já vem sendo feito. Trata-se de um
processo de longa duração; o que não se pode é esmorecer diante desses desafios.
O ensino de qualidade é um direito do cidadão – e muito se fala disso hoje em
dia –, logo o ensino jurídico de qualidade o é mais ainda. A crise que abate a
educação no geral, chegou à faculdade, chegou às faculdades de Direito. Nesse
ambiente prevalece agora a educação mercadológica, enquanto os referenciais
pedagógicos e didáticos são postos de lado. De pesquisa pouco se fala, estágio visa
dinheiro ou status, resta o ensino jurídico esfacelado.
Por que não trabalhar a interdisciplinaridade nos cursos jurídicos? Por que
não unir teoria e prática já desde o primeiro ano do bacharelado? Por que não exigir
um conhecimento básico de Direito nos exames vestibulares? Se a lei obriga o
estudo de filosofia, sociologia e história da África no ensino de nível médio, não
deveria também incluir a obrigatoriedade do ensino de Direito?
Se a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) em vários de seus artigos
acentua que a educação visa formar o cidadão, nada melhor que instruí-lo desde
muito cedo quanto às suas obrigações e seus direitos. O jovem adolescente deveria
conhecer o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) precocemente; deveria
receber orientação especializada quanto ao Código Brasileiro de Trânsito, e no
mesmo sentido deveria saber de seus direitos enquanto consumidor que é.
Essa formação de cidadania verdadeira abriria oportunidades que resultariam,
no conjunto, numa melhora gradativa do ensino jurídico brasileiro em diferentes
níveis. De fato o jovem acadêmico da Faculdade de Direito não teria contato com as
leis de seu país apenas quando, já adulto, iniciasse uma graduação em ciências
jurídicas.
Há inclusive, atualmente, muitos calouros universitários que se demonstram
admirados ao ouvir dizer do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que até
então desconheciam; outros ficam espantados quando sabem que nosso país tem
uma legislação de proteção ao consumidor respeitada internacionalmente. Quando
muito, a juventude brasileira conhece um pouco de Direito assistindo o cinema
americano. Esse quadro de desinformação jurídica precisa e deve mudar com
urgência.
Os educadores são unânimes ao afirmar que não se altera a realidade de
uma escola sem que se altere o quadro que a circunda. Isso vale para a escola de
ensino primário e vale para a universidade, onde se posiciona o ensino jurídico. As
leis do país precisam ser discutidas pela sociedade civil, pelas comunidades de
bairro, pelas associações, etc. A realidade do que acontece nos grandes Tribunais
de Justiça, no Fórum de cada município, nas Varas da Justiça do Trabalho, nas
Delegacias de Polícia, enfim onde se faz presente o papel dos operadores do
Direito, essas realidades deveriam se tornar acessíveis ao cidadão comum.
As leis são inúmeras no Brasil, pouco cumpridas e muito desconhecidas. As
autoridades judiciárias são temidas, quase sempre são autoritárias e distantes do
homem comum, enquanto a ciência do Direito segue mesclada numa linguagem
hermética, inacessível ao cidadão trabalhador; os prédios dos Tribunais de Justiça
são monumentos que ostentam luxo e desperdício do dinheiro público, abrigando
magistrados inertes, processos morosos e alguma corrupção. Certamente esta
realidade em nada contribui para promover o ganho qualitativo do ensino do Direito,
que atualmente segue retido em cursos efêmeros de faculdades ávidas por lucro.
Quando o estudante, a dona de casa e o operário sentirem no seu cotidiano a
presença de uma Justiça que funciona, que se faz transparente e inteligível, quase
que inevitavelmente isso haverá de repercutir na qualidade do ensino do Direito no
país.
Considerações Finais
Educação é um direito humano com imenso poder de transformação. Sobre
suas fundações estruturam-se a liberdade, a democracia e o desenvolvimento
humano sustentável. Portanto, no limiar do século 21 não deve existir prioridade
maior ou missão mais importante do que a educação para todos, em todos os níveis.
Isso inclui o ensino superior de qualidade.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que historicamente sempre teve
um papel relevante no processo de democratização do país, pode ainda unir-se à
sociedade civil na luta pela educação de qualidade, nos níveis fundamental e médio.
Fazendo isso, indiretamente, a OAB estará contribuindo para que também os cursos
de graduação em Direito melhorem no país. Com efeito, não existe uma separação
entre níveis de ensino. A má qualidade que começa no ensino básico chega à
universidade.
Dentro de uma visão crítica de ensino é necessário observar o processo de
aprendizagem, diagnosticar as deficiências e ajudar o aluno a aprender. Aprender a
olhar para além do simples universo jurídico, desenvolvendo uma visão formativa
holística, fundamentada na essência das relações sociais. O desafio do ensino do
Direito perante as novas metodologias trará um forte ganho qualitativo se levar em
conta ao ensino reflexivo, a prática fundamentada no estágio, o exercício da
pesquisa e, sobretudo, a expansão do ensino jurídico para além da graduação em
Direito.
Ademais, o processo de avaliação no contexto pedagógico acima, precisa
deixar de seu um instrumento de dar nota, punir, medir, quantificar para ser um
instrumento de verificação das fraquezas dos alunos e também dos professores e de
sua práxis, para atingir aquilo que o ensino propõe como meta: o aprendizado.
A pluralidade de metodologias de ensino é sempre a melhor alternativa. Cabe
aos profissionais do ensino jurídico a coragem de aplicá-las conscientemente.
Excluindo-se os métodos autoritários, arcaicos e positivistas, e ao mesmo tempo
dando-se preferência àqueles que estimulam a autonomia reflexiva do aluno, se
chegará a um padrão razoável do ensino, assemelhado às melhores Faculdades de
Direito do mundo.
Se ainda existe diferença em termos qualitativos entre o ensino superior
brasileiro e o europeu ou norte-americano, isso se dá por diferentes razões. No
Brasil, o problema da falta de recursos nas instituições públicas de ensino superior
aparece com freqüência para justificar problemas de qualidade na educação
universitária.
É sabido que o Brasil se coloca como um dos poucos países do mundo em
que o aluno não paga para cursar uma universidade federal ou estadual. Na Europa,
é comum as instituições públicas cobrarem mensalidades. Com recursos financeiros
garantidos, o ensino superior melhora, surgem ganhos qualitativos em termos
salariais para os professores; a estrutura física das faculdades (prédios, laboratórios
e salas de aula) também acaba recebendo benefícios; verbas para a pesquisa não
faltam.
Tudo aparenta ser muito diferente da realidade nacional, onde alguns prédios
construídos nos diversos campi universitários estão caindo aos pedaços,
laboratórios de pesquisa de ponta restam esquecidos, enquanto professores
catedráticos migram para o exterior. A crise do ensino jurídico, vale dizer, espelha a
crise da educação como um todo.
Nos Estados Unidos a prática de doações milionárias às universidades
públicas por parte de ex-alunos bem sucedidos profissionalmente, também é
comum. Isso contribui para a qualidade do ensino superior americano, recordista na
obtenção de Prêmios Nobel.
O Brasil, dotado de uma cultura diferente e sem recursos financeiros, deverá
se adaptar à realidade internacional, com uma nova legislação para o ensino
superior. Para além dos prejuízos conhecidos na área do magistério jurídico, a
educação como um todo tenderá a decair qualitativamente, quanto menor for a
atenção dispensada a esta relevante área de interesse público.
REFERÊNCIAS
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