GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA...

51

Transcript of GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA...

Page 1: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar
Page 2: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

3

SUMÁRIO

______________________________________________________

NOTEBOOK: Caderno de Anotações

1º. TEXTO: Desafio à Escola pública: tomar em suas mãos o seu próprio destino.

p. 06

2º. TEXTO: Se a vida sofre mudanças, também a Escola deve mudar.

p. 15

3º. TEXTO: A política e as bases do Direito educacional.

p. 20

4º. TEXTO: A gestão educacional na intersecção das políticas federal e municipal.

p. 28

Conferência do Dr. GEY ESPINHEIRA, no Fórum Brasil de Educação.

20/03/2003

“EDUCAÇÃO PARA UMA NOVA SOCIEDADE”

p.29

NOTEBOOK: Caderno de Anotações

Page 3: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

4

MODULO DE ACOMPANHAMENTO CURSO DE GESTÃO ESCOLAR ______________________________________________________

“(...) até que ponto a gente percebe essa coisa mais ou menos óbvia de que é a prática que se pergunta em torno de COMO se faz, é a prática que se organiza; de que prática que se pergunta COMO se fez e se está fazendo,é a prática que se avalia. A pergunta que se coloca é: SUPERVISAR O QUÊ? O supervisor supervisiona o professor, o seu companheiro educador, também supervisiona a prática do seu companheiro, do seu colega professor. MAS O QUE ELE SUPERVISIONA?” (Paulo Freire, 1992)

Page 4: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

5

Desejamos aos diretores, coordenadores, supervisores e demais participantes

do curso de Gestão Escolar, absoluto proveito nos diálogos que serão realizados

nestes dias, que possam aperfeiçoar mais a sua prática profissional, levando o

retorno para a comunidade escolar e para a população do município de Santo

Estevão. Desejo ainda que nossos gestores percebam que sua função é muito maior

do que uma atividade técnica, sendo acima de tudo, uma atividade de formação

cidadã e política. Neste sentido, sua prática deve ser pautada nos ensinamentos de

Paulo Freire: “uma educação para transformação social”.

Orlando Santiago

Prefeito

Page 5: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

6

APRESENTAÇÃO

______________________________________________________

Prezado professor a gestão democrática do ensino público é um princípio

constitucional fortalecido pela LDB – Lei de Diretrizes de Base, e distingue-se pela

prática dos seus gestores associada a uma visão de educação emancipadora. Deste

modo, os gestores escolares devem está atentos e cientes que a função social da

escola face às demandas da sociedade pós moderna se complexibilizam e torna a

prática do “bem gerir” imprescindível para o desenvolvimento da escola e de seus

alunos.

Na sociedade do conhecimento e da rápida virtualização da prática docente, o

gestor tem com um de seus papéis promover interfaces e diálogos críticos com a

comunidade, identificando e implementando espaços de aprendizagem compatíveis

com uma educação participativa e contextualizada, assegurando a construção de

uma escola solidária, democrática e competente.

O gestor escolar no mundo atual tem funções políticas que transcendem seu

papel técnico, o gestor deve está atento não apenas às burocracias administrativas

de sua escola, mas também aos conteúdos subjetivos e simbólicos de sua

comunidade escolar.

Este módulo constituído por quatro textos, compreende a escola no universo

da gestão e da política educacional, tem como objetivo nutrir a sua prática docente e

gestora, longe de ser um receituário, este material contribuirá para as discussões

que serão realizadas durante o curso de Gestão.

Cordialmente, espero que vocês obtenham um grande proveito deste

material, cientes que discutir gestão é discutir educação, política e sociedade, dentro

de uma prática de intervenção, para além, do planejamento, do controle, do

gerenciamento, da administração ... sempre buscando a transformação da realidade

educacional.

Antonio Mateus Soares

Coordenador da Atividade

Page 6: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

7

GESTÃO ESCOLAR – para um novo pacto com as novas gerações.

Gey Espinheira*

__________________________________________

Nesta jornada, que o sociólogo Antonio Mateus de Carvalho Soares comanda em Santo

Estevão, (município que lhe é bem familiar, pois participou de duas oportunidades na elaboração do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e logo mais o Plano Diretor Participativo Municipal) coube a mim a tarefa de falar sobre um assunto que nos é estranho e ao mesmo tempo familiar.

O lado “estranho” relaciona-se ao fato de eu não ser do ramo, do estrito campo da pedagogia, embora seja do campo da educação e é neste que o lado familiar se abre. Mas, vamos ao que interessa:

Diante do espelho tomamos a consciência de que a imagem refletida nos vem pelo avesso, ou se quisermos maior precisão, invertida. Se tomarmos esta inversão como “contrário”, ou como negatividade, vamos ver a Escola, primeiramente, como ela não deve ser e, em seguida, podemos pensá-la em outros termos. Portanto, o que a Escola não deve ser:

Feia Suja Chata Tediosa e amarga Desencantadora Autoritária Antipática Injusta E coisas mais... Vejamos que as qualidades negativas apontadas são bastante desagradáveis e, como

sabemos, não gostamos de “coisas desagradáveis”, mas, por que as temos e as fazemos? É esta perplexidade que gostaríamos de examinar aqui.

O mundo poderia ser diferente, não? Temos a capacidade de imaginar e com nossa imaginação podemos ir longe, atravessar e transgredir fronteiras; temos a capacidade do devaneio, do sonhar acordado a que nos convoca Bachelard, em sua Poética do Devaneio... E por que não utilizamos toda essa capacidade de encantamento? Por que ficamos no barato, quando sabemos que o menos custa mais?

Por termos a capacidade de imaginar fazemos arte; e quem faz com arte, faz bem feito. E bem feito porque é bom!

Acreditamos que o lugar aonde chegar foi aqui esboçado: a Escola. Uma outra Escola, que não é feia nem suja; uma outra, diferente daquela que é tediosa

e amarga; uma Escola que não desanima, tampouco desencanta. Um lugar de convivência, de arte e criação, de diálogo e reconhecimento. Um ambiente simpático, justo e alegre, um lugar bom de se ir, acolhedor. Bem, sabemos que a Escola tem dentre suas funções a de ensinar. Pensemos, então,

um pouco diferente: a Escola é um lugar de aprender. O que significa substituir o verbo ensinar por aprender? Ah! Significa que devemos cativar, seduzir crianças e adolescentes a

Page 7: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

8

quererem aprender. Assim, não precisamos ensinar nada, só responder as perguntas que elas e eles nos farão para atender ao desejo de aprender.

Como filósofos da vida cotidiana farão indagações e nós, professores, o que faremos? Respostas, as mais sinceras, as verdadeiras... Somos, portanto, responsáveis por respostas às indagações das crianças e adolescentes. Vemos, agora, que o nosso papel e despertar curiosidade e em nosso tapete mágico voar em nossa imaginação para termos a capacidade de narrar, de fazer do nosso conhecimento um encantamento para atender a nossa gente que se inicia no mundo.

Educação deve ter o bom gosto de convidar – jamais de intimidar. Com gosto se faz bem feito e com gosto se saboreia a imaginação do mundo. Uma boa Escola é um lugar inesquecível, não a memória da chatice e do tédio ou amargura, mas a boa memória de um tempo ao qual se volta com gosto, mesmo que tenha sido apenas a memória do dia anterior e não a de anos atrás, quando não é a escola que se recorda, mas a juventude que um dia lá estava...

Bem, vamos adiante, sem muitas abstrações, pois o tempo urge e Mateus quer que objetivemos nossa Jornada, que em nada é a famosa e ritualística “Jornada Pedagógica” que toda Secretaria de Educação realizada anualmente. Vamos, então, pelo caminho mais curto... Mas, que caminho? Falamos de um lugar aonde chegar, mas não falamos do caminho para se chegar lá. Ir a algum lugar pressupõe a escolha – e há sempre alternativas – do melhor caminho. Por que o melhor? Ora, não precisamos responder a esta pergunta ociosa, não é mesmo?

Sempre o melhor, o excelente. Não devemos, nunca, fazer por baixo. Somos responsáveis pelo que fazemos, pelo que fizemos, pelo que faremos e por tudo que não fizermos. Simples, não? Somos nós que fazemos o mundo, diariamente...

A Escola deve, então, ser: Bonita Limpa Encantadora E nela devemos ir além de onde estamos Ultrapassar as fronteiras Transgredi-las No nosso tapete voador A contar mais histórias do que aqueles das Mil e Uma Noites Coisas do tempo do Nunca E sabendo que a Mula Sem Cabeça bota fogo pela venta... Com arte, gente, com coragem e vontade; com desejo e animação: a animação da vida

e vamos fazer de Santo Estevão um município que fará diferença em educação, porque terá uma escola fora de modelo para ser o modelo de escola, tão ao gosto do nosso querido José Arapiraca, educador daqui, que foi educador de tanta gente e de tantos os lugares; e que está em nossa memória e que nos motiva a dizer que é sempre possível fazer uma Escola Parque, como a fez Anísio Teixeira. Vamos à trilha de Paulo Freire, sem fazer por menos, realizar o nosso barato.

*Carlos Geraldo D’Andrea Espinheira. Sociólogo. Professor do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia e Ciências

Humanas da Universidade Federal da Bahia.

Page 8: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

9

Cadernos CEDES ISSN 0101-3262 versão impressa

Cad. CEDES v.21 n.55 Campinas nov. 2001

DESAFIO À ESCOLA PÚBLICA: TOMAR EM SUAS MÃOS SEU PRÓPRIO DESTINO

VERA LÚCIA SABONGI DE ROSSI*

Resumo: Este texto tem por objetivo refletir sobre algumas das novas estratégias reguladoras de demandas externas de trabalho de grupo e de participação de pais, alunos e professores no sistema educativo que vêm sendo apressadamente generalizadas enquanto argumentos democráticos, contribuindo para a despolitização das práticas de gestão escolar nas escolas públicas. Estratégias do neoliberalismo de reestruturação da capacidade de decisão dos agentes do sistema educativo, facilitadoras da retirada do protagonismo do Estado das Políticas Sociais que garantem os serviços essenciais de educação.

Palavras-chave: Trabalho de grupo participativo; Práticas de (co) gestão Político-Pedagógica.

O som dessas palavras ainda pode ser ouvido...

Mudar a cara da escola pública implica também ouvir meninos e meninas, comunidades de de bairro, pais, mães. Diretoras, delegados de ensino, professoras, supervisoras, comunidade científica, zeladores, merendeiras (...). É claro que não é fácil! Há obstáculos de toda ordem retardando a ação transformadora. O amontoado de papéis tomando o nosso tempo, os mecanismos administrativos emperrando a marcha dos projetos, os prazos para isto, para aquilo, um deus-nos-acuda (...). (Paulo Freire, 1991, p. 35 e 75)

Nas últimas décadas, outros grupos de interesses, aproveitaram-se desse argumento democrático de longa duração entre grupos progressistas, transformando-o em um dos pilares mais conservadores da racionalidade técnica e instrumental. Afim de orientar-se e dividir responsabilidades políticas, reclamam um novo tratamento as relações entre poderes atribuídos aos que participam da educação no tempo flexível ditado pelo mercado. Quais os outros grupos interessados em fazer com que na democracia escolar os agentes sociais tomem em suas próprias mãos seu próprio destino?

Para atuação direta no micro-sistema, é preciso reordenar os papéis dos agentes sociais que estão em jogo convocação de pais e comunidades para participar nos assuntos escolares , para tanto, será dado apoio a participação na gestão das escolas através da ênfase crescente no marco regulador da educação, essa forma facilita a inovação (...), os consumidores (pais e alunos) elegem os provedores (escolas e instituições) tomando um papel mais ativo e exigente (...). (Banco Mundial, 1986, 1996, apud Sacristán, 1999, p. 290)

Para tanto, foi preciso construir condições políticas legais e institucionais de participação:

Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios: 1. participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; 2. participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalente. (...) os

1º Texto

Page 9: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

10

sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira (...). (artigos 14 e 15, da Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB nº 9394, 1996)

Esta forte tendência vem sendo também espalhada nas escolas, por duas vias complementares: pelas imagens televisivas e pela literatura educacional. No momento em que o Estado aparenta ser também um instrumento da solidariedade organizada, pede aos cidadãos para assumirem voluntariamente as organizações de auto-ajuda. Observe-se a convocação televisiva de participação das comunidades feita pela rede Globo, para que se integrem ao grupo dos "Amigos da Escola", como um exemplo atual oportuno. Pela literatura educacional (livros, jornais e subsídios oficiais), percebe-se a tendência de encarar a categoria da "gestão coletiva" junto das comunidades como se o interesse "coletivo", naturalizado, já fosse "um bem comum", constituído com valores neutros e consensuais. Como se cada aluno, cada professor pudesse agir coletiva e espontaneamente, como se já fosse, de partida, motivado para obtenção do interesse comum.

A teoria que daí decorre esbarra no processo social, o conhecimento é considerado constitucional e individual. No entanto, as críticas que dão ênfase ao caráter social do conhecimento estipulam que as pessoas podem, através da cooperação, aumentar seu entendimento sobre as conseqüências sociais de seus atos, ainda que nunca venha a saber plenamente suas conseqüências. É bem provável que, reforçando a maneira socialmente constituída do conhecimento e das práticas de gestão do trabalho coletivo (cooperativo e/ou colegiado), tal como apontam freireanos, por exemplo, proporcione-se a base para questionar os valores e mecanismos despolitizadores que regulam a ordem social (McLaren, 2000).

Este texto1 tem por objetivo refletir sobre algumas das estratégias reguladoras de demandas externas de trabalho de grupo e de participação (dos pais, alunos, professores) no sistema educativo que vêm sendo apressadamente generalizadas enquanto argumentos democráticos entre os agentes da educação, contribuindo para a despolitização das práticas de gestão escolar nas escolas públicas. Estratégias do neoliberalismo de reestruturação da capacidade de decisão dos agentes do sistema educativo, facilitadoras da retirada do protagonismo do Estado das Políticas Sociais que garantem os serviços essenciais de educação.

Embora a maioria dos estudiosos da gestão escolar não veja identidade absoluta entre a Escola e a Empresa (Paro, 1998), embora os educadores sempre tenham lutado pelos processos de democratização e de participação nas decisões políticas, tais problemas tornam-se, hoje, mais complexos. Deixam de ser apresentados como relevantes, política e socialmente, passando a ser definidos como obstáculos a uma gestão moderna, racional, mais eficaz e eficiente. Essa despolitização das práticas de gestão (e/ou de administração) da organização escolar vem ocorrendo com maior ou menor intensidade em quase todos os países e sistemas escolares: ora (re)centralizando certos poderes de decisão, ora descentralizando outros compatíveis com estratégias de desregulação e de privatização do setor público da educação (Lima, 2000, p. 17).

Há uma tensão de longa duração entre a educação política e a política educativa, entre educadores e Estado. A natureza da prática da gestão é contraditória e ambivalente ora é mais desafiadora, ora mais legitimadora de grupos de interesses, ora, as duas coisas. É preciso esclarecer que as práticas de gestão político-pedagógica não se esgotam no âmbito da instituição escolar, nem se reduzem à ação dos gestores nos processos administrativos e pedagógicos. Mas entendo que devem ter em conta uma organização do trabalho escolar colegiada, envolvendo (se possível) todos os personagens que atuam na escola, pois uma prática que dê respostas a alguns problemas existentes é uma construção mais coletiva (nós-eu) na qual devem comprometer-se diferentes ações mais individuais.2Este seu caráter educativo pode gerar um movimento dialético entre interesses externos, reguladores das suas funções, e internos, próprios da vida escolar, remetendo os educadores a outros âmbitos mais amplos de pensamento e de ação política (Sacristán, 1992, 1999).

Page 10: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

11

Tais práticas contribuem também para organizar algo que hoje tem encontrado pouco espaço: as bases do procedimento político e a essência da política, entendida como a organização da esfera pública na qual as pessoas ampliam sua comunicação, articulam suas opiniões e se unem para alcançar objetivos coletivos e interesses comuns (Hobsbawm, 2000). Não seria isso, em outras palavras, tudo o que entendemos por política nas sociedades democráticas?

A participação e o diálogo democráticos não estão prefigurados, mas representam um exercício democrático de participação decisória que é lento, processual e conflituoso, por lidar simultaneamente com o conflito de interesses (de classes, partidos, grupos) e de valores culturais tais como crenças, regras (in)visíveis da regulação, pontos de vista diferentes, (res)sentimentos (raivas, hostilidades, solidariedade). Boa parte da profissão de professor (com alunos) e de gestor (com todos os agentes que participam do trabalho escolar) consiste em mediar e entender o sentido cultural dos conflitos no processo decisório, manter o princípio da diferença, sem deter, em última instância, o poder de decisão. Defensores da democracia sempre tiveram por objetivo amenizá-los (senão re-equilibrá-los) com a tolerância, com cooperação para poder reconhecer as pessoas e seus direitos. Já os ideológos liberais, desde o século XVIII, para confirmar os efeitos reguladores/desmobilizadores da democracia, permanecem ocultando o conflito, utilizando estratégias participativas, com novas prescrições impostas pelo novo tempo do mercado. Importante destacar alguns efeitos reguladores mais atuais.

É preciso manter os ouvidos afinados com os três diferentes fragmentos iniciais que contêm argumentos democráticos, descentralizadores, demandas de (auto)gestão colegiada das comunidades locais e de pais no sistema educativo, aparentemente semelhantes. Será que os apelos do Banco Mundial e da nova LDB estão indicando novas vias de emancipação e de legitimação da escola pública, tal como fez Paulo Freire?

Por comportar, em princípio, a ampliação do processo decisório, a descentralização do sistema educativo, que se apresenta como bandeira de democratização (pelo BM e pela LDB), aproxima-se, à primeira vista, da reivindicação histórica de setores progressistas (tal como o de Paulo Freire), na defesa de relações menos desiguais e injustas entre grupos e setores sociais de diferentes regiões do país, em sua articulação com a política central. No entanto, descentralização implica necessariamente alterações efetivas no funcionamento das várias esferas do poder público, envolvendo transferência do poder decisório, de atribuições e de recurso entre elas. Mas, geralmente, tais iniciativas, quando concedidas pelo Estado, terminam desagastadas pelos princípios privatistas de autofinanciamento do investimento social, de exclusão da participação social e política da população nos processos decisórios (Höfling, 2000). O mercado, apresentado como antídoto contra os excessos da regulação estatal, aproveita os insucessos do capitalismo e do socialismo real para se transformar numa nova ideologia, que os ventos da globalização ajudam espalhar rapidamente (Afonso, 2000, p. 129).

Embora a Constituição Federal brasileira tenha incorporado, pela primeira vez, em seu texto A gestão democrática do ensino público, na forma da lei (art. 206, inciso VI) devido às exigências dos educadores no processo constituinte de 1987, a nova LDB, que não foge da inspiração neoliberal, está envolta no pacto conciliatório com os agentes sociais. Todas as iniciativas de política educacional, apesar de sua aparente autonomia, têm um ponto em comum: o empenho em reduzir custos, encargos e investimentos públicos, buscando senão transferi-los e/ou dividi-los, com a iniciativa privada e organizações não governamentais. Em lugar do dever do Estado (como está inscrito em nossa Constituição), a solução das questões educacionais foi deixada ao encargo à boa vontade da população, ao invés da responsabilidade pública (Saviani, 1997, p. 200).

Estratégias ministeriais sem fronteiras. Face aos insucessos do sistema educativo, o Ministério da Educação de Portugal tem também encorajado a autonomia e a participação "em equipes" para consolidar uma comunidade educativa abrangente para dentro do sistema. Por meio de parcerias, papéis e perícias diferentes, criam a ilusão de que serão respeitados na difícil tarefa de articulação de saberes diferentes. Trata-se de responsabilizar os que foram tradicionalmente excluídos, perante a escola e a educação em geral, para que não possam

Page 11: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

12

"mandar bocas" sobre um sistema que em nada lhes diz respeito. Assim, em sua função de regulação, o Estado saberá com quem pode contar. Trata-se também de dar uma dimensão nacional a uma tentativa que aparentemente parece recuperar centenas de anos de oportunidades perdidas (Magalhães & Stoer, 1998).

A entrada das famílias na atividade escolar é uma das medidas preconizadas pelas Reformas Educativas dos anos 90, que se denominaram reestruturadoras e estiveram apoiadas na eqüidade, qualidade, diversidade e eficiência. Sua característica essencial consiste em alterar as regras básicas do sistema educativo e escolar. Reestruturar, nesse contexto, significa recolocar a capacidade de decisão sobre as práticas de gestão em uma nova distribuição da legitimidade de intervenção para prover de direção o sistema escolar. O discurso democrático presente nas estratégias do Banco Mundial para conduzir políticas educacionais envolve não só a descentralização das instituições escolares, mas primordialmente o autofinanciamento das escolas, ou seja, a privatização gradual do ensino médio e superior (Sacristán, 1999, p. 255). Todos os elementos necessários à esta reestruturação política e econômica fundem-se e confundem-se com as crenças religiosas presentes na organização do tempo de trabalho nas instituições escolares.

Enquanto instituição externa à fábrica, a escola foi vital para inculcar a dolorosa noção de "economia de tempo" e formar "hábitos de trabalho" para obter a submissão passiva que o trabalho industrial exige do operário. Desde o século XVII, principalmente na Inglaterra, os evangélicos de parceria com os metodistas, atrelados à pregação religiosa, também tomaram conta do tema. Wesley publicou, em 1786, seu sermão O dever e as vantagens de levantar cedo, arrebatando todo momento fugaz das mãos de Satã, do pecado e da preguiça: "Ficando `de molho' (...) tanto tempo entre os lençóis quentes, a carne é como que escaldada, torna-se macia e flácida. Os nervos, nesse meio tempo ficam bem debilitados".

Hannah More, em Acordar Cedo, contribuiu com versos imortais:

Assassino calado, oh preguiça, Pare de aprisionar minha mente; E que eu não perca outra hora Contigo, oh sono perverso

Para transportar a imagem do "lembra-te que tempo é dinheiro" (de Benjamin Franklin) para o mercado de trabalho, para internalizar a disciplina que preparou para o estudo sobre tempo e movimento de Taylor, quando a Revolução industrial avança, a retórica moral da ociosidade encontrada em todos os sermões e brochuras destinadas ao consumo da classe trabalhadora assume um tom mais forte. Exalta não tanto a morte, mas a brevidade da vida mortal e as recompensas palpáveis pelo consumo produtivo do tempo com novas atitudes proféticas, capazes de amenizar o dia do terrível "ajuste de contas" no Juízo Final. Não é por acaso que essa "provisão de orientações ideológicas" tivesse sido bem acolhida na Fundação Ford (Thompson, 1998, p. 296-298).

Apesar da contestação intensa dos trabalhadores, a mudança do senso do tempo sempre afetou a disciplina de trabalho e a vida emocional. Desde os fins do século XIX, administração do tempo nas classes escolares foi utilizado como solução preventiva mais barata que os cárceres, tanto para conter resistências coletivas, quanto para reconhecer a liderança do mundo empresarial. Suas vias de acesso foram: subdivisão e supervisão do trabalho, multas, relógios, incentivos em dinheiro, pregações religiosas, esportes e escolas. Nestas não faltaram cronômetros, relógios, sinos, campainhas, assinaturas em "livros de ponto", cadernetas de classe (sempre conferidas pelos supervisores de ensino), sem falar da sonoridade dos cantos e do movimento das bandeirolas das crianças nas festas cívicas.

Hoje, com os computadores, as formas de programação flexível do trabalho e do tempo podem alterar o controle cara a cara pela submissão eletrônica (e-mails, celulares), considerada mais aberta à reinvenção decisiva da gestão e do trabalho pedagógico, que por sinal nunca dispensou as "tarefas de casa" para professores e alunos. Assim, as tarefas podem ser controladas de forma mais eficiente no espaço íntimo das pessoas, podem ser

Page 12: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

13

alteradas com mais rapidez, evitando a lentidão burocrática de consulta aos chefes do topo da pirâmide.3

Por mais enfadonhas e infrutíferas que sejam as mudanças aceleradas, a vivência do tempo sem passado, como instantâneo, é constitutivo da lógica política e industrial futurológica, desintegradora do laço social, limitadora do longo prazo necessário ao amadurecimento da confiança informal, do compromisso mútuo, da solidariedade. Apesar do mal-estar gerado pela auto-proteção fictícia de demanda externa do uso do "nós" grupal, que pode fortalecer o terrível anseio de (sub)grupos defensivos (do outro, do estrangeiro, de minorias), os educadores precisam acreditar ter mais tempo e liberdade de moldar suas vidas com menos riscos e menos ansiedades!

A demanda externa desta moderna ética do trabalho de grupo, que aparentemente aumenta o entendimento das pessoas sobre as conseqüências sociais dos seus atos, concentra-se na experiência superficial, pois é no sistema fragmentado que está a possibilidade de intervir. Um exemplo atual do modelo de grupo auto-organizado está no perfil da formação profissional do trabalhador para as empresas alemãs. Seus objetivos? Reagir com maior flexibilidade, rapidez e competência às diferentes demandas dos clientes, e maior rentabilidade do processo de produção. O porta-voz da equipe é responsável, principalmente, pela cooperação das diferentes áreas e conciliação dos conflitos surgidos no grupo. A necessidade de alta flexibilização da disposição de cada um, de cooperação e de comunicação dos trabalhadores, dentro do processo de trabalho, representaram o maior obstáculo encontrado pelos operários (e, sem dúvida, pelos professores). Por isso, a empresa começou pelo treinamento das capacidades em grupos participativos, para que definissem o local de trabalho como local de aprendizagem (Market, 1998). Certamente, os métodos de formação profissional de empresas inovadoras (não de escolas) tornaram-se modelos para as reformas pedagógicas, gestões escolares, revisões de currículo, típicas das ilhas de aprendizagem.

Para unir a educação aos requisitos dessa nova ordem do trabalho, para encurtar o caminho que leva do aprendizado ao mercado, as aulas estão sendo projetadas nas escolas atuais como "aprendizagem cooperativa", desenvolvida por "comunidades de estudantes" para criar ciber-cidadãos em uma teledemocracia de imagens rápidas, representações e formas de vida. Para aumentar a eficácia do método de ensino do professor, há, na atualidade, exemplos extremos da permanência do princípio de imitar, servir e reconhecer a liderança empresarial, que superaram a invenção do alfabeto de economia, de 1915: B de Banco, D de Dólar, J de Juro... Os temas atuais "Jogo das Bolsas" e "Crianças aprendem com o capitalismo" fazem parte do dia-a-dia de muitas grades curriculares e cursos nas escolas primárias, não só norte-americanas. Seguindo o modelo das "Firmas Escolares" inglesas e holandesas, a Fundação Alemã para a Criança e a Juventude lançou na cidade de Berlim, em 1997, uma campanha intitulada Espírito empresarial Um Ensino. Aos alunos cabia fundar "autênticas" microempresas e aprender a pensar em função dos lucros. Afinal, nas escolas públicas estatais ensina-se à chamada "geração @", desde a infância, como devem "prover" seu sustento, como salvação, destino e oportunidade. Introjetados os critérios empresariais, desenvolve-se um tipo de pobreza intelectual e emocional com a máscara do sucesso estampada no rosto, com o objetivo de tornar a criança e o futuro adulto infantilizado "empreendedores próprios", transformando as relações sociais em relações de oferta e de demanda, tal como um "contato entre clientes" (McLaren, 2000; Kurz, 2001). Exacerbando a individualização das competências, alunos e professores devem responsabilizar-se, pessoalmente, pelo processo formativo e pelo desemprego.

Há ainda mais alguns traços de comportamento desejáveis. Embora ainda perdure nas escolas o comportamento rígido acionado pelos dispositivos dramatúrgicos, que tinham valor legitimador na estrutura burocrática talento dramático, culto da aparência e dos gestos ríspidos do diretor severo, do professor exigente, do supervisor rígido (Tragtenberg, 1978) , hoje, parte dos educadores tendem a trabalhar juntos numa outra imagem. Com salários cada vez mais baixos, passam a ser apreciados como criaturas flexíveis, ou seja, aquelas que agüentam ano após ano, trabalham duro, sempre mantendo sua capacidade de mudar, de adaptar-se em fluxo às circunstâncias. No ato de sua comunicação é desejável o domínio da superficialidade dos questionamentos que vão se esgotando em si mesmos no jogo aparente da conversa aberta e flexível. Além de bons ouvintes cooperativos, devem ser capazes de

Page 13: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

14

despreendimento do passado, da pesquisa, correndo riscos (No limite?), deslocando-se para várias escolas devido aos contratos de trabalho flexíveis (de curto prazo, extinguindo a carreira docente). Tudo sem queixas, sem traições, sem mau-humor. Alimentam-se da ficção de que já não competem entre si, de que não existe mais antagonismo, confiam na fragmentação dos grupos e, acima de tudo, que o gestor administra o poder horizontalmente em grupo , como um líder que está ao seu lado. Tal como devem ser entendidos os seus governantes?

Importante recordar, só mais uma vez, a aparente semelhança entre três apelos citados no início do texto, que envolvem também a prática de auto-gestão democrática. A lógica da auto-gestão, enquanto utopia dos educadores progressistas, tal como Freire, é outra. Sua matriz ideológica advém da tendência libertária do socialismo e implica uma modificação, mais ou menos ampla, de toda ordem econômica e política, como condição de sua realização. Ela tem seu momento de síntese ao nível das comunidades locais, onde a autoridade é socializada. Todas as decisões são tomadas pela coletividade que é concernida pelo objeto dessas decisões, nos limites exclusivos que lhes traçar sua coexistência com outras organizações coletivas e com suas representações (Bobbio et al., 1986, p. 76-77). As demandas participativas do Banco Mundial e da nova LDB estão mais atreladas à concepção tecnocrata, que define autonomia como auto-gestão na produção e como modelo de gestão descentralizada para vencer a crise da centralização burocrática, com o planejamento "democrático" da participação dos executantes (Chauí, 1989). Trata-se da prática de co-gestão com controle remoto, com autonomia administrativa/pedagógica outorgadas e controladas, com descentralização de decisões circunscritas ao nível técnico-operacional. Trata-se de uma alternativa moderna de despolitizar o sistema, inserindo a participação de professores, pais, alunos e comunidades locais no processo que se diz neutro. No entanto, é uma prática decorrente da nova estrutura de poder comandada pelos maiores grupos econômicos, operando em bases supranacionais para reinventar instituições, privatizá-las e ampliar o consumo em escala mundial.

A repressão direta praticada pelos regimes ditatoriais brasileiros (de 1937/45 e de 1964/85) foi substituída por essa nova estrutura de poder, que além de reduzir custos, reduz os atritos sociais. Quando, em 70/80, as lutas sociais tornaram-se mais autônomas e mais numerosas (inclusive a dos professores das redes públicas), quando o eixo de decisão ficou concentrado nas assembléias e comitês de greves, houve um duplo alerta aos capitalistas: que os conflitos poderiam inaugurar uma nova ordem social, quando conduzidos pelos próprios trabalhadores auto-organizados, e que existem na força de trabalho mais componentes a serem explorados: sua inteligência e capacidade de auto-organização para trabalhar cooperativa e coletivamente (Bruno, 1999). Por que não assimilar tal aprendizado para diluir conflitos e oposições?

Desde o século XIX, vem-se dando a destruição metódica das estruturas coletivas de trabalho, tal como medida preventiva/reguladora dos movimentos das coletividades para a defesa de trabalhadores (sindicatos, associações, cooperativas), capazes de levantar obstáculos à mobilidade do capital. Nas últimas décadas, com a individualização das profissões e dos salários (com o contrato de trabalho flexível), o programa político de ação do neoliberalismo, paradoxalmente, estimula grupos participativos escola-comunidade e, efetivamente, nega direitos aos grupos sociais que vêm construindo, a duras penas, a democracia participativa combinada com representação política plena. Seus efeitos mais perversos estão presentes na redução do convívio e afrouxamento dos laços de solidariedade entre professores (trabalhadores); na produção de insegurança de desemprego (mal estar social); exército de reserva permanente; e traz de volta a tarefa confusa da "conciliação" capital-trabalho, combinada com a retórica democrática distante da realidade histórica.4

Contudo, as práticas sociais tendem a aparecer como independentes, cada qual buscando seus princípios e sua legitimidade. Assim, a sociedade separa-se da política, esta separa-se do jurídico que, por seu turno, separa-se do saber que, finalmente, separa-se em conhecimentos independentes. A nova formação social aparece como fragmentação de seu espaço e de seu tempo, sustentada por um processo real de generalização e de unificação, qual seja, o mercado ou o movimento posto pelo capital (Chauí, 1989, p. 274). As Reformas Educativas contemporâneas produzem regras de razão. No entanto, apelos ilusórios e emocionais mantêm suas antigas ofertas político-religiosas, contando histórias de salvação da alma5 e

Page 14: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

15

procurando garantir a eficácia ao processo de despolitização e evitar que a gestão (micro)político e pedagógica da escola possa cobrar relevância sobre a macropolítica.

Contudo, o Estado pode ir se retirando do protagonismo das Políticas Sociais, do sistema público de ensino, para ser árbitro de um jogo onde parece não tomar partido: garante a competência dos atores, reduzindo as distâncias entre consumidores (pais, alunos e comunidades locais) e produtores de serviços da educação (escolas e professores). Essa retirada não produz liberdade, mas desigualdade e descontrole em um mercado desregulado a educação, onde seus referentes de poder passam a ter um exercício mais oculto e as mudanças escondem-se atrás de uma maior democratização. Trata-se de uma mudança na política educativa e, de certa forma, do desaparecimento da política como projeto de transformação global. O modelo clássico das políticas educativas pensadas para um "todo", em linha vertical descendente, e desenvolvidas por um aparato escolar regido por regras idênticas, não é mais coerente com o modelo flexível assinalado. Torna-se necessário um modelo menos linear, mais descentrado e flexível, capaz de adaptar-se a particularidades, onde os agentes sociais (não os burocratas) reordenem seus papéis e tomem em suas mãos seu próprio destino. Certamente, não com a intenção de repartir cotas de representação política nos órgãos formais para dar conteúdo à democracia escolar (Sacristán, 1999).

Assegurar poder de decisão sobre o destino tem também um forte efeito retórico popular-religioso que faz uma mistura competente de concepções de representação teológico-política medieval e liberal, muito presentes no imaginário cristão ocidental atual: todos sabemos que, em decorrência do pecado original, homem algum tem direito ao poder, quanto mais sobre seu destino (seu futuro), pois a queda separou o homem de Deus, o tornou perverso e despojado de direitos. Todo poder vem do alto (afirmaram São Paulo e São Pedro), não de baixo, e, se algum homem tiver poder, o terá porque nele foi investido por Deus por uma graça e um favor.6No entanto, quando este poder de decisão, recentemente, foi transferido aos agentes sociais das escolas públicas, certamente não significa que a questão da construção democrática participativa foi esgotada. Mas significa que foi produzido mais um forte efeito moderador/regulador (já utilizado em outro tempos e espaços), calcado em novas e eficientes atitudes proféticas e recompensas palpáveis: atribuir direitos e poderes até então "proibidos", capazes de juntar o presente ao futuro (tão temido quanto desejado) com o objetivo de amenizar (quiçá substituir) necessidades e direitos sociais negados. Significa que foram mais uma vez fortalecidas e entrelaçadas as preciosas minas políticas, religiosas e econômicas, responsáveis pelo transporte de crenças e pelas novas configurações das práticas originárias de todo poder.

É um deus-nos-acuda! alertou-nos Paulo Freire. No entanto, devido ao caráter educativo da gestão político-pedagógica, há um campo aberto de intervenção aos educadores que consigo espiar, apenas por algumas frestas:

1. Abrir espaços e tempos para seus movimentos de (re)interpretação de experiências, fortalecendo as instituições educacionais com a produção e com a crítica do conhecimento, sendo decisivo fazer uso do seu poder de reapreensão de conceitos próprios de grupos de autoridades (cujas práticas se pretendem invisíveis), que lutam pela universalização de uma determinada visão de mundo ditada pelo tempo do mercado.

2. O mercado depende, cada vez mais, da produção de potencialidades subjetivas, ou seja, do bom desempenho relacional da mercadoria-serviço (do professor) nas equipes (palavra preferida para estimular jogos e acirrar a competição), para que sejam capazes de se comunicar e decidir em meio às rápidas mudanças. Tais potencialidades podem gerar um movimento dialético entre interesses externos e internos, construindo as bases do procedimento político e pedagógico (já apontados anteriormente), oportuno, para professores avaliarem o peso da desmobilização subjetiva causado pela participação operacional, consolidando a participação decisória. Em oposição ao tempo do curto prazo das instituições modernas, que se concretiza na demanda externa do trabalho de grupos/equipes (que muda de pessoas e de tarefas no caminho), é possível reatualizar o passado, a memória-história, impedindo que partes inteiras das tradições e dos saberes docentes acumulados nas escolas

Page 15: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

16

caiam no esquecimento, perdendo aspectos essenciais de seu aprendizado político pedagógico advindos de sua tradição profissional coletiva docente.

3. Torna-se vital aos mediadores de conflitos professores e gestores articularem interesses comuns e aceitarem o conflito de valores nas escolas, não como patológico, nem como antidemocrático, mas como pressuposto e como fundamento de nossa cultura. Seu poder pode ser construído, não como servidores dos pais no "Estado das famílias", reduzindo a democracia a ajustes para obtenção do consenso, mas por uma racionalidade que algumas vezes será ilustradora para os que não sabem, às vezes será de colaboração, outras será de crítica e outras tantas de oposição (Sacristán, 1999). A sociabilidade, a solidariedade são sentimentos que (re)constróem laços sociais, potencializam o alívio das tensões nos grupos participativos e favorecem o entendimento recíproco das diferenças individuais. Senão, como fazer frente à apatia e à destrutividade emocional reinantes?

4. Outras dicotomias tradicionais perdem seu caráter explicativo, nomeadamente as que se assentam na oposição entre o campo do Estado e o campo do mercado, quando não conseguem propor uma articulação original que dê conta do caráter híbrido dessas novas relações que, atualmente, são estruturadas por esses elementos. No entanto, ainda há um longo e complexo caminho a percorrer para que maiores exigências beneficiem todos os professores e alunos de forma articulada com a politização e democratização do espaço escolar público, que só faz sentido como parte e dever do Estado (primordialmente) e da comunidade. Esta escola tem que ser credível, o que passa também pela sua capacidade de realizar e consolidar projetos com qualidade democrática e científico-pedagógica (Afonso, 2000).

5. Apesar das experiências ditatoriais prolongadas; do jogo político permanente dos reformadores e legisladores do ensino (ora usurpando, ora assimilando, ora extinguindo interesses educacionais de projetos conflitantes); apesar do fundamentalismo conservador presente nas mudanças de direção e de controle da educação (dando autonomia financeira aos agentes para que possam dispor de recursos correntes e captar outros), não há um sistema que não tenha regras políticas e morais conflitantes, que não tenha bandas frágeis. Na realidade social fugidia das escolas públicas, pulsa um aprendizado perceptível, audível (nem sempre registrado), de (re)interpretação e de (re)criação de propostas curriculares, de projetos pedagógicos, de planejamentos e orçamentos participativos articulados em processo pelas práticas de gestão descentralizadoras e democráticas.

Há inúmeros educadores capazes de germinar idéias com astúcia em meio da regulação invisível e silenciosa dos poderes. Suas conquistas têm sido mais efetivas quando: articuladas às comunidades científicas, às representações partidárias, movimentos sindicais e sociais mais amplos, e quando prolongam conquistas eleitorais de partidos de esquerda; e, acima de tudo, quando as Políticas Públicas, com ação competente dos poderes, se opõem à hegemonia neoliberal, dirigem suas ações públicas à maioria da população, demonstrando que traduzem as Políticas Sociais. Alguns exemplos de gestões progressistas desenvolvidos por Secretarias Municipais de Educação: "Projeto Inajá" I e II cidade de Santa Terezinha no Mato Grosso; "Escola Cidadã", cidade de Porto Alegre no Rio Grande do Sul; Cidade de Diadema, Região do Grande ABC/São Paulo (Camargo, 1997; Azevedo, 1999; Arelaro, 1999).

Portanto, a prática de gestão político-pedagógica, devido ao seu caráter educativo e socialmente mobilizador, pode abrir espaços para reestruturar o poder de decisão junto das comunidades educacionais envolvidas (nos Conselhos de Escola, nas Associações de Pais e Mestres, nas Comunidades de bairro), potencializando e refinando procedimentos decisórios democráticos constituintes das práticas sociais capazes de influenciar na definição de políticas de interesses públicos e de realização humana.

Page 16: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

17

Notas

1. Parte dessa argumentação é fruto da fusão de dois textos apresentados em dois Congressos: "Gestão do Currículo no tempo flexível, publicado nas Actas Caminhos da flexibilização e flexibilização: Políticas Curriculares, Universidade do Minho, Porto Editora, 2000; e "Práticas docentes coletivas envoltas nas novas artimanhas do poder", VI CLAB, Porto, Portugal, Setembro de 2000. 2. Elias, em A sociedade dos indivíduos, explica este traço básico da estrutura de personalidade social das pessoas da era moderna: não existe identidade-eu sem identidade-nós, tudo o que varia é a ponderação dos termos na balança eu-nós, o padrão da relação eu-nós. Obviamente a experiência subjacente à idéia do eu desprovido de nós é o conflito entre a necessidade humana natural de afirmação afetiva da pessoa por parte dos outros e dos outros por parte dela, e de outro lado, o medo de satisfação dessa necessidade e uma resistência à ela. Nos estágios mais primitivos, a balança nós-eu se inclinava para o nós e, mais recentemente, tem pendido intensamente para o eu (1994, p. 152/165). 3. A palavra "desburocratização" é enganadora. O sistema de poder das modernas formas de flexibilidade consiste em três elementos: reinvenção contínua de instituições; especialização flexível de produção e concentração de poder sem centralização. Modernas organizações que praticam concentração sem centralização (opostas ao fordismo) têm estrutura mais complexa sem a clareza de uma pirâmide. A operação de comando permanece forte e fica em aberto apenas o como fazer (Sennett, R. A corrosão do caráter, 1999, p. 54).

Referências bibliográficas

AFONSO, Almerindo J. Avaliação educacional: Regulação e emancipação. São Paulo: Cortez, 2000. ARELARO, Lisete R.G. A ousadia de fazer acontecer o direito à educação. In: Oliveira & Duarte (orgs.), Política e trabalho na escola, Belo Horizonte: Autêntica, 1999. AZEVEDO, José C. Escola cidadã: a experiência de Porto Alegre. In: Oliveira & Duarte (orgs.), Política e trabalho na escola, Belo Horizonte: Autêntica, 1999. Bobbio, N.; Matteucci, N. & Pasquino, G. Dicionário de Política. Brasília: Editora da UnB, 1986 BRUNO, Lúcia. Reestruturação capitalista e Estado Nacional. In: Oliveira & Duarte (orgs.), Política e trabalho na escola, Belo Horizonte: Autêntica, 1999. CAMARGO, Dulce M.P. Mundos entrecruzados: formação de professores leigos. Campinas: Alínea, 1997. CHAUÍ, Marilena. Cultura e Democracia. 4a ed. São Paulo: Cortez, 1989. Elias, Norbert. A Sociedade dos Indivíduos. Rio de Janeiro: Zahar, 1994. FREIRE, Paulo. A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 1991. HOBSBAWM, Eric. O novo século. São Paulo: Cia das Letras, 2000. HÖFLING, Eloíza de Mattos. Notas para a discussão quanto à implementação de programas de governo: Em foco o Programa Nacional do Livro Didático. Educação & Sociedade, Campinas: Cedes, São Paulo, abr. 2000. urz, Robert. A comercialização da alma. Folha de São Paulo, Caderno Mais!, 11 fev. 2001. LIMA, Licínio C. Organização escolar e democracia radial. São Paulo: Cortez/Instituto Paulo Freire, 2000. MAGALHÃES, A.M. & STOER, S.R. Orgulhosamente filhos de Rousseau. Porto, Portugal: Profedições, 1998. MARKET, W. Trabalho em grupo nas empresas alemãs: Um novo modelo de produção e uma proposta conceitual de formação profissional. Educação & Sociedade nº 64, Campinas:Cedes, 1998. MCLAREN, Peter. Pedagogia revolucionária em tempos pós-revolucionários: Repensar a economia política da educação crítica. In: Imbernón (org.), A educação no século XXI, Artmed, 2000 PARO, Vitor H. Gestão democrática da escola pública. São Paulo: Ática, 1998. POPKEWITZ, Thomas S. Reforma, conhecimento pedagógico e administração da individualidade: A educação escolar como efeito do poder. In: Imbernón (org.), A educação no século XXI, Artmed, 2000. SACRISTÁN, Jose Gimeno. Investigación e innovación sobre la gestión pedagógica de los equipos de professores. La gestión pedagógica de la escuela. Santiago, Chile, 1992. _______. Poderes inestables en Educación. Madri: Morata, 1999. SAVIANI, Dermeval. A nova Lei de Educação: Trajetórias, limites e perspectivas. Campinas: Autores Associados, 1997. SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: Conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 1999.

Page 17: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

18

THOMPSON, E.P. Costumes em comum. São Paulo: Cia das Letras, 1998. * Professora Doutora do Departamento de Administração e Supervisão Escolar (Dase)da Faculdade de Educação da Unicamp. E-mail: [email protected]

SE A VIDA SOFRE MUDANÇAS, TAMBÉM A ESCOLA DEVE MUDAR.

Domenico de Masi A partir do momento em que a FIAT pensa em construir um novo automóvel até o momento em que este chega às estradas, passam-se sete anos. A partir do momento em que a Glaxo pensa em desenvolver um novo remédio até o momento em que este chega às farmácias, passam-se treze anos. Isto significa que estas empresas são obrigadas a antever quais serão os gostos, os desejos, as exigências, e portanto, a recepção do público com uma grande antecipação. É este o tipo de empresa que geralmente chamamos de marketing oriented. Usando um critério semelhante, qual seria então a capacidade de antevisão da escola? Se hoje uma criança de seis anos se inscreve na primeira série primária, passará para o ginásio no ano de 2003, entrará na universidade no ano de 2011 e dela sairá em 2016. Somente depois de três ou quatro anos de especialização, em 2020 ela poderá finalmente começar a trabalhar. Em relação a hoje, é muito provável que em 2020 o câncer e a Aids sejam completamente derrotados por uma vacina preventiva, os computadores sejam capazes de escutar, traduzir, sintetizar e responder em qualquer língua, os microprocessadores e os transistores sejam quase tão pequenos quanto um neurônio, os automóveis sejam todos teleguiados, os cegos possam ver através de aparelhos óticos artificiais, os trens alcancem a velocidade de mil quilômetros por hora, os bens de consumo durem cinco vezes mais, o bióxido de carbono da atmosfera tenha se tornado inofensivo, remédios sejam capazes de simular, estimular ou inibir os sentimentos. É provável que a média de vida seja de aproximadamente 850.000 horas e o tempo que dedicado ao trabalho não supere 30.000 horas. Não se trata de ficção científica, mas de previsões calculadas com base no estado atual de pesquisas científicas. Previsões estas que a escola deveria obrigar-se a fazer, se quiser orientar a sua própria ação pedagógica e as escolhas de seus estudantes. Este é o problema: a escola italiana é capaz de fazê-lo? Sociedade Alfabetizada O sentido da escola está na transformação da vida, na transformação da sociedade, na transformação do trabalho e sua relação com o tempo livre. A sociedade, como é de conhecimento geral, passou de um arranjo industrial, centrado na produção de bens materiais, para um arranjo pós-industrial, centrado na a produção de bens imateriais: símbolos, informações, estética e valores. Paralelamente, cresceu a preparação intelectual de cada um: na Itália, há cem anos, os analfabetos eram 45% da população; hoje são menos de 3%. Todos os anos se imprimem 200 milhões de livros; 10.000 jornais e três bilhões de cópias de periódicos. Nas bibliotecas públicas são consultados três milhões de livros por ano. Dezesseis milhões de italianos assinam tv a cabo; 90% dos adultos assiste o telejornal todos os dias. A quase totalidade dos trabalhadores é alfabetizada, e a grande maioria exerce funções preponderantemente intelectuais. À medida em que aumenta a potência das máquinas, é possível delegar a elas grande parte do trabalho intelectual do tipo executivo; as atividades que se tornam monopólio do homem são preponderantemente criativas.

2º Texto

Page 18: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

19

A sociedade Eficiente Há cem anos atrás, em 1891, haviam aproximadamente 30 milhões de italianos, que trabalhavam em geral 40 bilhões de horas ao ano. Hoje existem aproximadamente 57 milhões de italianos, que trabalham 30 bilhões de horas ao ano. Contudo, produzem 13 vezes mais.Isto depende de pelo menos 5 fatores simultâneos: 1) o progresso tecnológico, que difunde máquinas cada vez mais capazes de substituir o homem, seja no trabalho físico, seja no trabalho intelectual; 2) o progresso organizativo, graças ao qual se consegue obter cada vez mais eficiência paralela à tecnologia; 3) a globalização, que determina uma abertura crescente de trocas numa escala internacional, uma oferta cada vez mais integrada, uma interdependência cada vez mais estreita entre as economias e as culturas, uma competição planetária, com o conseqüente redimensionamento dos salários e do estado social; 4) a divisão internacional do trabalho, devido à qual grande parte dos produtos e serviços vêm de lugares onde o custo da mão-de-obra é menos elevado; 5)as privatizações, que geram fortes ganhos de eficiência e, conseqüentemente, drásticas reduções de pessoal. A sociedade Informada Em 1956, pela primeira vez em um país -os Estados Unidos-, o número de colarinhos brancos superou o de colarinhos azuis. Daniel Bell caracterizou esta data como o início da sociedade pós-industrial, evento histórico comparável àquele que, na Inglaterra de cem anos atrás, assinalou a ultrapassagem do número de trabalhadores industriais sobre o de camponeses. Em 1995, pela primeira vez em um país - os Estados Unidos novamente-, vendeu-se mais computadores que televisores e trocou-se mais mensagens pela Internet que pelo correio: de fato, 40% das famílias americanas têm um computador, 25% têm dois computadores e por dez anos consecutivos os assinantes da Internet aumentaram em 5% ao ano. No setor da informática as transformações são tão velozes que 80% do faturamento atual deriva de produtos que há dois anos nem mesmo existiam. O business da informática propriamente dita da Itália representa mais de 20%. Portanto, o trabalho necessário para colocar o país no passo certo é imenso; o papel das organizações é fundamental, e o da escola, imprescindível. Gestão e inovação Segundo as estatísticas da ONU, entre 1960 e 1990 o índice de pessoas que vivem em condições desesperadas baixou de 70 para 46%, e a taxa de instrução média nos adultos subiu de 47 para 69%. Na Itália o teor de vida ostentado até nas regiões mais pobres testemunha um progresso que os nossos avós não poderiam nem mesmo imaginar. Porém, a cada 1000 crianças que entram na primeira série primária, somente 684 conseguem obter o diploma de segundo grau e somente 165 conseguem se graduar na universidade. Na região do Vêneto, onde a renda média é a mais alta do país, o percentual dos diplomados no segundo grau e dos graduados é bem mais baixo: a pobreza reduz a escolaridade no Sul e a riqueza a reduz no Norte, onde um jovem prefere trabalhar logo ao invés de completar a própria formação.Assim, falta o suporte cultural indispensável para dominar as inovações, que correm em cinco direções: 1) um progresso tão veloz que parece indomável; 2) um precipitar tão rico e rápido de acontecimentos que induzem a um esmaecimento e a uma perda de sentido; 3) um crescente medo de ser despedido, que antes concernia somente à classe operária e que agora se estendeu aos empregados, gerentes, e até diretores; 4) uma crescente abertura entre as velhas e novas gerações, entre os portadores de um paradigma existencial do mundo industrial e os portadores de um novo paradigma do mundo digital e virtual;5) uma percepção de que se é ao mesmo tempo ameaça e ameaçado por parte dos países emergentes, sobretudo os orientais, com seus eficientismos, suas insondáveis especificidades culturais, suas tenazes operosidades desvinculadas da exigência de direitos civis que são para nós irrenunciáveis.

Page 19: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

20

Novo paradigma O conjunto das inovações determinou o advento de um novo paradigma, que chamaremos de digitalidade. Um número crescente de pessoas aderentes a este paradigma apresenta um modo de viver completamente novo em relação àquele que por dois séculos caracterizou a sociedade industrial. Estas pessoas formam uma massa volumosa e homogênea, separada e contraposta em relação a todos aqueles que não são digitais. Um dos profetas desta revolução, Nicholas Negroponte, indica que o âmago da revolução está na passagem dos átomos para as cifras. Um outro, Bill Gates, sustenta que a revolução aconteceu em duas etapas: primeiro com a invenção do computador, e depois com a estrada da informática. Estas são algumas das causas. Mas a essência do fenômeno consiste no fato de que ele não se deve a um ou mais fatores únicos, mas sim a um complexo de novidades iniciadas cada uma por iniciativa própria, e depois lentamente fluídas através de um sistema coerente, que por comodidade definitória chamamos de digital, mas que trata de campos diferentes: da ciência e da tecnologia à estética, da biologia ao trabalho e ao costume. Aqueles que compartilham este paradigma até fazer dele um fato mental e mantêm um comportamento otimista em relação à vida e ao destino do ser humano, nutrem confiança nos confrontos das espécies que ocupam o planeta, e estão certos que a tecnologia, a inteligência e a criatividade prevalecerão sobre os instintos autodestrutivos do homem. A informática é só um dos pilares culturais sobre os quais se baseia esta confiança. À ela é preciso acrescentar: 1) a satisfação para a conquistada ubiqüidade, graças aos meios personalizados de comunicação planetária (do fax ao celular, do correio eletrônico à Internet); 2) uma disponibilidade de virtualidade, que torna as relações sempre mais abstratas e enriquece os sentidos de novas dimensões; 3) as esperanças legitimadas pela engenharia genética, graças a qual pode-se contar com uma vida ainda mais longa e sã do que a atual; 4) a feminilização da sociedade, em que não somente as mulheres conquistaram o acesso às salas com botões que os homens haviam reservado para si, mas as virtudes femininas da subjetividade, da emotividade, da estética e do cuidado com o corpo humano lentamente conquistaram também os homens. Os digitais têm um comportamento positivo em relação às inovações organizativas e em relação à flexibilidade das formas externas de teletrabalho; privilegiam a organização por objetivos; crêem na necessidade de substituir os sistemas de controle (adotados pelo trabalho físico, parcelado e executivo) pelos sistemas de motivação (adotados pelo trabalho intelectual e criativo). São convencidos de que o trabalhador pós-industrial não deve vender tempo, mas sim resultados. Os digitais têm intimidade com a informática e com a onipresença, com as conquistas da biologia e com iguais oportunidades. Além disso, cultivam uma estética pós-moderna destinada a dar sentido às coisas e aos eventos, e a compor em um único desenho os vários fragmentos de atividade de ócio em que a vida atual se estende e se fragmenta. Amam o tempo livre ao menos enquanto tempo de trabalho; vivem a noite como o dia; admiram a arte, ao menos aquela clássica. Até um tempo atrás, aqueles que aceitavam a engenharia genética não coincidiam com aqueles que aderiam à virtuosidade, os virtuais não coincidiam com os feminilizados, e assim por diante. Hoje, ao contrário, os digitais compartilham em bloco destas novidades da época, as quais acabaram por contribuir para a construção de um único, coerente paradigma, que serve de linha divisória das águas entre todos aqueles que (por mais adultos, com trabalho e renda certa) pertencem ainda à cultura moderna, e todos aqueles que (por mais jovens, freqüentemente desempregados, quase sempre cultos) já pertencem à cultura pós-moderna. A Formação Total Enquanto aumenta o tempo livre, a educação familiar e escolar continuam a privilegiar a preparação do jovem para o trabalho. A severidade da disciplina, o ritmo das tarefas escolares, o conteúdo dos programas visam a preparar cidadãos mais para as 70.000 horas de trabalho que para as 300.000 horas de não-trabalho que caracterizam a nossa vida. Nas escolas mais célebres (pensa-se a mítica Phillips Academy americana ou a Yoyogi School japonesa ) os ritmos são ainda obsessivos, o horário é estressante, a competitividade não tem limite. Por quê? Porque tudo é predisposto em função da

Page 20: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

21

futura profissão, da máxima eficiência, da carreira pela qual se sacrifica o afeto familiar, a liberdade de pensamento, a vida toda, sem nenhum interesse resíduo para o tempo livre. Contra esta filosofia do sacrifício, que não serve mais nem à eficiência das empresas nem à criatividade dos indivíduos, hoje conspira o alongamento da vida e o progresso tecnológico. Mas, devido aos hábitos desenvolvidos, os nossos programas escolares ficam marcados mais pela obsessão do bem-fazer do que pelo prazer do bem-estar. O trabalho oferece, sobretudo, a possibilidade de realização prática, de ganho, de prestígio e de poder. O ócio oferece, sobretudo, a possibilidade de introspecção, de brincadeira, de convívio, de amizade e de amor. Perpetuando programas de inspiração industrial, a escola forma os jovens para o pouco trabalho que lhes resta, ao invés de formá-los para o muito tempo livre que acabarão por dispor. Uma formação total, ao contrário, deve preparar ao mesmo tempo para o trabalho, para o estudo e para o tempo livre, porque a vida de todo adulto que exerce atividades intelectuais é afinal um inextricável conjunto destas três formas complementares. Como premissa para uma formação total, é necessário um pacto entre as gerações para redistribuição do trabalho, da riqueza e do poder. Depois, é necessário que a escola alimente o jovem de novas capacidades, como a de formar-se para o trabalho (dimensionando o papel e a duração), de vender resultados com alto valor agregado, de adquirir as qualidades necessárias para projetar o seu próprio futuro, de fazer a hibridização equilibrada entre trabalho, estudo e tempo livre, de formar-se para ócio criativo através do crescimento cultural, de requintar o próprio senso estético, de tender a uma qualidade sempre mais requintada da própria vida. Sobretudo é preciso que o país inteiro compreenda que a escola é tudo: o futuro coletivo da nossa pátria no mundo e a condição da felicidade individual dos cidadãos. Quando, no final de 1.800, o ministro Baccelli propôs a escola de ensino básico (da primeira à oitava série), a oposição perguntou o que faria a Itália com tantos alfabetizados. O ministro respondeu que a quinta série primária não servia para trabalhar mas para viver. A mesma coisa vale hoje: não para o diploma de ginásio, mas para a graduação. Decálogo para educar quem terá trinta anos em 2015 Com base em todas as observações sintetizadas até aqui, podemos propor uma espécie de decálogo para a escola hoje frequentada pelos adolescentes que terão trinta anos em 2015. Contém previsões e sugestões de provável utilidade. Longevidade. Em 2015, quando os atuais alunos do ginásio tiverem trinta anos e estiverem no início de suas atividades profissionais, a esperança de vida será de cem anos e de ótima saúde. A maioria das pessoas se torna velha só no último ano da própria vida, portanto estes estudantes viverão, trabalharão, amarão, até 2085, experimentado coisas que hoje nem mesmo conseguimos imaginar. Tecnologia. Em 2015, quando os atuais alunos do ginásio tiverem trinta anos, a duração dos bens de consumo será quatro vezes maior que hoje, existirão elaboradores mil vezes mais potentes do que os atuais, um microprocessador será tão grande quanto um neurônio humano, custará menos de cem dólares e a sua potência será igual a de um bilhão de transistores. Conseqüentemente, em 2015 todos os trabalhos manuais e intelectuais de tipo repetitivo e executivo poderão ser desenvolvidos pelas máquinas. A escola, se quer ser útil aos seus alunos atuais, deve educá-los à criatividade suportada pela informática. Trabalho e formação. Em 2015, cada indivíduo disporá de 30.000 horas de trabalho. O horário perderá importância, e nos países ricos a semana de trabalho não superará 15 horas em três jornadas. Os atuais estudantes trabalharão com resultados e não com tempo, misturando o estudo, o trabalho e o tempo livre. A instrução será entendida como formação permanente, e ocupará ao menos 100.000 horas de suas vidas. Haverá guerra sem limite entre criatividade e burocracia. Serão remunerados também os estudantes e as donas de casa. Ninguém desempenhará funções operárias por mais de cinco anos. Se ainda houverem desempregados, eles terão, de qualquer forma, um salário, enquanto muitos daqueles que trabalharem, o farão sob a forma de voluntariado. Onipresença e maleabilidade. Em 2015, será possível fazer contato com qualquer pessoa em qualquer ponto do planeta, através do celular, computador e redes: sem dar um passo. As pessoas teleaprenderão, teletrabalharão, teleamarão, e se teledivertirão. Correrão, desta forma, o risco de se tornarem abstratos demais devido à falta de contato material com seus semelhantes. Portanto, desde

Page 21: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

22

agora, a escola deve contribuir para educá-los para uma familiaridade equilibrada com os instrumentos de comunicação e com a virtualidade. Tempo livre. Em 2015 cada pessoa disporá de 400.000 horas de tempo livre. Isto constituirá o problema mais atormentador: como ocupar estas horas? Como evitar o tédio? Como conseguir crescer intelectualmente? Alcançar uma maior violência ou uma maior paz social? E a violência, será virtual ou real? É preciso, portanto, que a escola desde hoje prepare seus alunos para o tempo livre, mais do que prepara para o tempo de trabalho, e que os ensine a simular virtualmente os cenários nos quais eles deverão trabalhar e viver. Androginia. Em 2015, as mulheres poderão ter um filho sem ter um marido, enquanto os homens não poderão ter um filho sem ter uma mulher. Também por isso as mulheres estarão no centro da sociedade, de onde administrarão o poder com a dureza derivada das razões submetidas nos últimos dez mil anos. Os valores até aqui cultivados preponderantemente pelas mulheres -estética, subjetividade, emotividade, flexibilidade- terão colonizado também os homens. Ambos compartilharão as atividades de produção e de reprodução. No estilo de vida, prevalecerá a androginia. Estética. Em 2015, todas as tecnologias serão mais precisas para aqueles que as usarem (já hoje os relógios de pulso mudam um milionésimo de segundo ao ano). Descontada a perfeição técnica, somente qualidades formais dos objetos interessará. Por isso, aqueles que se dedicarem às atividades estéticas serão mais apreciados do que aqueles que se dedicarem às atividades científicas e práticas. A estética se expressará também através da informática, e desde hoje os alunos deverão ser educados para o casamento entre tecnologia e beleza. Ética. Em 2015, o trabalho será quase que completamente terceirizado. Na sociedade dos serviços, a confiança constituirá a primeira vantagem competitiva e a ética dos profissionais constituirá seu mais alto mérito. Como a sociedade industrial é muito mais honesta e menos violenta do que a rural, assim a sociedade pós-industrial será muito mais honesta e menos violenta do que a atual. Portanto, se quiserem ter sucesso, os atuais alunos deverão ser cavalheiros, e desde agora a escola deverá ser mais severa ao educar para a correção profissional e social. Subjetividade. Em 2015, cada pessoa tenderá a diferenciar-se fortemente das outras, no que diz respeito aos gostos, desejos e comportamentos individuais. Esta pessoa tenderá a fazer somente aquilo que sente paixão, e se ativará exclusivamente nos setores que se sente intensamente motivado. A motivação será o maior fator competitivo, e a escola deve começar a perceber isto desde agora. Qualidade de vida. Em 2015, quando os atuais alunos do ginásio tiverem trinta anos e estiverem no início de sua atividades profissionais, a maior parte das pessoas estará certa de que só se vive uma vez, e que, portanto, é preciso viver bem. Grande parte das profissões consistirá em atividades dedicadas ao bem-estar próprio e dos semelhantes. Como se viverá mais, cada um se preocupará cada vez menos com a quantidade de vida, e cada vez mais com a sua qualidade. A escola não poderá fingir não sabê-lo. Domenico De Masi é professor de sociologia do Trabalho na Universidade de Roma e consultor de corporações como a IBM, a Glaxo e a Fiat.

Page 22: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

23

Cadernos CEDES ISSN 0101-3262 versão impressa

Cad. CEDES v.21 n.55 Campinas nov. 2001

A POLÍTICA E AS BASES DO DIREITO EDUCACIONAL

EVALDO VIEIRA*

RESUMO: Este ensaio alude à relação entre sociedade, Estado e direito, tendo como elemento mediador a educação. Inicialmente, faz-se a exposição dos momentos distintos e marcantes da política social no século XX no Brasil: o primeiro período: a política social como controle da política (1930-1954); o segundo período: a política social como política de controle (1964-1988); o terceiro período: a política social sem direitos sociais (depois de 1988). Em seguida, passam-se por exame as idéias de sociedade civil; de cidadania; de direitos civis, políticos e sociais; caracterizando o chamado estado de direito democrático e indicando alguns elementos básicos da democracia. A Constituição Federal de 1988 consagra o estado de direito democrático e explicita a política educacional a ser implementada no Brasil. Tal política educacional é amplamente comentada, levando em conta os inúmeros artigos do texto constitucional e seus vínculos com tratados internacionais, anteriores, contemporâneos e posteriores a ela, no campo educacional. Além disso, a Constituição Federal reforça a tradição jurídica da educação nos textos constitucionais brasileiros, dando a ela a presunção de constitucionalidade. Na verdade, a Constituição de 1988 estabelece o regime jurídico da educação, por meio de diferentes artigos espalhados ao longo dela, convertendo-a em direito público subjetivo, o que é fundamental, porque os habitantes do Brasil têm direito de requerer ao Estado a prestação educacional, sob pena de ser responsabilizada a autoridade competente para oferecê-la. Há no ensaio a demonstração de que o Direito Educacional não se limita à simples exposição da legislação do ensino, pois a educação é um bem jurídico, individual e coletivo, embora as determinações constitucionais nem sempre sejam cumpridas.

I

A política social percorre dois momentos políticos distintos e marcantes do século XX no Brasil: escrevendo sobre tal assunto anos atrás (1995, p. 229-233), denomino o primeiro período de controle da política, correspondendo à ditadura de Getúlio Vargas e ao populismo nacionalista, com influência para além de sua morte em 1954; e o segundo período, de política do controle, cobrindo a época da instalação da ditadura militar em 1964 até a conclusão dos trabalhos da Constituinte de 1988.

Nesses dois períodos, a política social brasileira compõe-se e recompõe-se, conservando em sua execução o caráter fragmentário, setorial e emergencial, sempre sustentada pela imperiosa necessidade de dar legitimidade aos governos, que buscam bases sociais para manter-se e aceitam seletivamente as reivindicações e até as pressões da sociedade.

A política social acha-se no terceiro período de existência no Brasil, depois de 1988, que chamo de política social sem direitos sociais.

Em nenhum momento a política social encontra tamanho acolhimento em Constituição brasileira, como acontece na de 1988 (artigos 6º a 11): nos campos da Educação (pré-

3º Texto

Page 23: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

24

escolar, fundamental, nacional, ambiental etc.), da Saúde, da Assistência, da Previdência Social, do Trabalho, do Lazer, da Maternidade, da Infância, da Segurança, definindo especificamente direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, da associação profissional ou sindical, de greve, da participação de trabalhadores e empregadores em colegiados dos órgãos públicos, da atuação de representante dos trabalhadores no entendimento direto com empregadores. O capítulo II, do Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), alude aos direitos sociais, pertencentes à Constituição de 1988.

De outra parte, poucos desses direitos estão sendo praticados ou ao menos regulamentados, quando exigem regulamentação. Porém, o mais grave é que em nenhum momento histórico da República brasileira (para só ficar nela, pois o restante consiste no Império escravista), os direitos sociais sofrem tão clara e sinceramente ataques da classe dirigente do Estado e dos donos da vida em geral, como depois de 1995.

Esses ataques aos direitos sociais, em nome de algo que se pode intitular de "neoliberalismo tardio" ou em nome da "modernização", alimentam-se no campo da política social, de forma geral, de falsas polêmicas.

Geralmente, as análises relacionadas com a política social se debatem na falsa contraposição entre neoliberalismo e social-democracia. Ou, o mais sério, elas contrapõem o que chamam de política social neoliberal à política social de cunho social-democrata. Fazem uma tipologia dos Estados, fixando a oposição entre Estado de bem-estar liberal e Estado de bem-estar social-democrata, para em seguida, por vezes, admitir o surgimento de nova fase da acumulação capitalista (Laurell, 1995, p. 151-178).

Tais análises maniqueístas, que confrontam o Estado de bem-estar liberal com o Estado do bem-estar social-democrata, ou então a política social neoliberal com a política social de cunho social-democrata, mostram o limite das possibilidades nelas contidas, reduzindo o futuro imediato da história à social-democracia.

Nessas análises maniqueístas nada sucederá no futuro histórico, no novo século e no novo milênio, além da social-democracia.

Curiosamente, essas análises dão o nome de política social neoliberal àquela política que nega os direitos sociais, que garante o mínimo de sobrevivência aos indigentes, que exige contrapartida para o gozo dos benefícios, que vincula diretamente o nível de vida ao mercado, transformando-o em mercadoria.

Em geral, as políticas sociais envolvem direitos sociais, projetos, diretrizes, orçamentos, executores, resultados, impactos etc. Evidentemente, as políticas sociais devem sempre passar por avaliação, em qualquer lugar e época, constituindo exigência obrigatória quando custeadas com recursos pertencentes às sociedades. Porém, com a falta desses recursos fornecidos pelas sociedades, irrompem a cognominada "crise fiscal do Estado" e a febre avaliatória, pululando então avaliadores.

No Brasil, desde o tempo da elaboração da Constituição de 1988, a febre avaliatória ganha dimensão de epidemia e os avaliadores metamorfoseiam-se em festejados demiurgos, com a justificativa de preservar o bem e o patrimônio públicos, como se antes desta Constituição tal imperativo não existisse, nem se colocasse como irrevogável.

Os direitos sociais, os projetos, os executores, os processos, a eficiência, a eficácia, os resultados e os impactos das políticas sociais são em geral vistos e examinados pelos avaliadores como elementos de igual valor. O insidioso raciocínio localiza-se exatamente neste ilusório relativismo dos elementos das políticas sociais, apregoado pelos avaliadores. Em verdade, tais elementos dispõem de valores desiguais: por exemplo, não se suprimem a vida e a liberdade por onerarem o orçamento ou inexistirem fontes de financiamento para elas, embora abundem os defensores desta posição irracionalista.

Page 24: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

25

Na avaliação dos elementos das políticas sociais, o mínimo esperado é que os direitos sociais gozem da posição de respeito e de superioridade, por inclusive participarem da Constituição de 1988, uma das mais livremente votadas no Brasil, integrando o Título II, relativo aos Direitos e Garantias Fundamentais. Caso contrário, sobra apenas como fúnebre consolação curvar-se ao irracionalismo da meritocracia e ao seu relativismo nas políticas sociais.

No caso brasileiro, depois da extinção dos direitos sociais, quem sabe se não chegará a vez de fraquejarem o Estado de direito e o regime democrático-liberal? A tradição histórica do Brasil revela constante intervenção estatal no âmbito da política social, alicerçada ao longo do século XX em direitos sociais variados e gradativamente conquistados.

A política econômica brasileira é exemplar neste aspecto: mesmo em ocasiões de negação explícita de sua presença na economia, o Estado funciona como salvaguarda e como propulsor dos detentores de capital.

Agora, nesta etapa de desemprego em massa e de privações ilimitadas, a intervenção estatal é imprescindível para concretizar os direitos sociais contidos na Constituição de 1988, visando construir e afiançar a segurança social no Brasil.

II

A idéia de sociedade civil está ligada ao pensamento liberal, que ganha projeção no século XVIII e representa a sociedade dos cidadãos. O termo civil aqui significa que a sociedade forma-se de cidadão, entendido como aquele que tem direitos e deveres. Nessa época em que a palavra "cidadão" sobressai, ela se contrapõe à palavra "súdito", que quer dizer aquele que obedece. A temática relacionada com a sociedade civil liga-se ao conceito de cidadão.

Civil, que indica cidadão, ganha complexidade com o passar do tempo. Os direitos mais restritos, existentes dentro do conceito de cidadão, transformam-se em muitos direitos de cidadania, tornam-se direitos civis (as garantias individuais), direitos políticos (por exemplo: de reunião, de expressão de pensamento, de voto, de organização de partido) e depois, no século XX, direitos sociais. Os direitos sociais são recentes, posteriores à Primeira Guerra Mundial, ou seja, posteriores a 1919. Portanto, a idéia de sociedade civil sugere a idéia de cidadania de uma sociedade criada dentro do capitalismo, de uma sociedade vista como um conjunto de pessoas iguais em seus direitos.

Nesta sociedade, cidadania representa igualdade jurídica. Há quem elabore outros conceitos de cidadania, considerando-a igualdade social, igualdade real. De fato, a cidadania fundamenta-se no princípio de que as pessoas são iguais perante a lei e unicamente perante a lei, porque a cidadania consiste em instrumento criado pelo capitalismo para compensar a desigualdade social, isto é, a situação em que alguns acumulam riquezas, acumulam propriedades, enquanto outros não. Então, não existe cidadania sem garantias de direitos, não existe cidadania sem igualdade jurídica.

Alguns defendem o princípio de que ocorre uma cidadania sem o Estado. Defendem que é possível desenvolver uma cidadania em que os próprios grupos estabelecem-na.

Por outro lado, é certo que os direitos de cidadania historicamente nascem na sociedade, que nascem entre os trabalhadores, entre os miseráveis, entre os despossuídos. Eles reivindicam seus direitos e conseguem ao longo de mais de dois séculos para cá alcançar alguns deles.

Os direitos gerados dentro da cidadania só se transformam em leis, em imperatividade jurídica, quando são conquistados e impostos. Os direitos sociais, por exemplo, florescem com uma guerra mundial, a Primeira Guerra Mundial, e depois a Segunda Guerra Mundial permite o aparecimento do chamado "Estado do Bem-Estar Social", em certos países industrializados.

Os principais direitos fundamentais compõem o chamado Estado de direito democrático. O Estado de direito aparece no liberalismo, todavia o Estado de direito democrático impõe algo

Page 25: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

26

mais: o princípio da soberania popular. Este princípio diz que o governo e o Estado necessitam de legitimidade vinda do povo.

O Estado de direito democrático requer soberania popular, em geral enganosamente entendida como expressão do voto. Alega-se o seguinte: o Estado é democrático porque há o voto. Ingenuidade flagrante, porque o Estado pode ser antidemocrático e ter o voto. Napoleão I estabeleceu uma tirania na França, a partir do final do século XVIII, realizando plebiscito e ganhando com enorme maioria de votos. O consenso eleitoral representa algo fugidio e a sociedade não pode ficar nisto, não pode fundar nela a legitimação democrática do Estado, é imprescindível o controle social dele.

O Estado de direito democrático exige o voto universal, o voto para todas as pessoas, mas o voto não passa de um de seus componentes para garantir a soberania popular. Outro componente básico é o controle social da administração pública.

Determinadas sociedades permitem maior controle social da administração pública do que outras. Como forma de ação democrática, o controle social da administração pública representa um dos elementos mais importantes da democracia.

A democracia não constitui um estágio, ela constitui um processo. O processo pelo qual a soberania popular vai controlando e aumentando os direitos e os deveres é um processo prolongado, implicando avanço muito grande dentro da sociedade. Quanto mais coletiva é a decisão, mais democrática ela é. Qualquer conceito de democracia, aliás há vários deles, importa em grau crescente de coletivização das decisões. Quanto mais o interesse geral envolve um conjunto de decisões, mais democráticas elas são. O Estado e o governo sofrem processo de democratização ou de antidemocratização. Quanto menos interesses coletivos, quanto menos coletivização existe nas decisões e, portanto, quanto mais particularização existe nas decisões, menos democrático ou nada democrático é o governo.

Se a sociedade é fortemente democrática, tende a construir governo democrático, mas sociedade dominantemente autoritária, discriminatória, violenta, não tende a sustentar esta espécie de governo. O Estado não cria a sociedade, mas acontece o contrário. Determinada sociedade expressa em determinado Estado e em determinado governo suas necessidades individuais e grupais, suas ansiedades, seus preconceitos, suas contradições e sua maldade, os quais estão presentes em várias circunstâncias passíveis de análise.

III

A presença da educação na Constituição Federal deve ser examinada necessariamente com base nesses objetivos expostos no artigo 3º, dos quais ela não pode estar de nenhum modo afastada.

Os princípios básicos, contidos no artigo 3º da Constituição, devem influir na teoria e na prática educacionais derivadas do Capítulo III, denominado "Da Educação, da Cultura e do Desporto", no Titulo VIII (Da Ordem Social), juntamente com outros preceitos distribuídos ao longo do texto constitucional.

Por outro lado, os direitos e garantias fundamentais, discriminados no Título II, da Constituição Federal de 1988, constituem os outros princípios básicos a serem obedecidos na teoria e na prática educacionais, contidas no Capítulo III, do Título VIII. Estes direitos do homem somente se realizam quando estão sustentados nas garantias constitucionais, não tendo, sem elas, qualquer validade prática.

Os principais direitos do homem são declarações e as garantias fundamentais representam os instrumentos necessários à efetivação deles. A ordem constitucional do Brasil protege a vida, a liberdade, a segurança e a propriedade de todos que estejam a ela subordinados. Portanto, nesta ordem constitucional se incluem os direitos educacionais especialmente do aluno, do professor, da escola e da família.

Page 26: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

27

Por sinal, estes direitos e garantias fundamentais já constam da Declaração Universal de Direitos, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas então reunida em Paris, no dia 10 de dezembro de 1948, da qual o Brasil é signatário. Antes da Constituição Federal de 1988, o Brasil reconhece o que está escrito na "Proclamação" de 1948, a qual alude ao ensino e à educação:

A PRESENTE DECLARAÇÃO UNIVERSAL DE DIREITOS HUMANOS como ideal comum pelo qual todos os povos e nações devem esforçar-se, a fim de que tanto os indivíduos como as instituições, inspirando-se constantemente nela, promovam, mediante o ensino e a educação, o respeito a estes direitos e liberdades, e assegurem, por medidas progressivas de caráter nacional e internacional, seu reconhecimento e aplicação universais e efetivos, tanto entre os povos dos Estados Membros como entre os dos territórios colocados sob sua jurisdição. (Maiúsculas do texto).

Ocupando-se particularmente da educação, a Declaração Universal de Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas (ONU), feita em 1948, prescreve:

Artigo 26. 1. Toda pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, ao menos na instrução elementar e fundamental. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnica e profissional haverá de ser generalizada; o acesso ao estudos superiores será igual para todos, em função dos méritos respectivos. 2. A educação terá por objeto o pleno desenvolvimento da personalidade humana e o fortalecimento do respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais; favorecerá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos étnicos ou religiosos; e promoverá o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz. 3. Os pais terão direito preferencial para escolher o tipo de educação que se dará a seus filhos.

Em certo sentido, a comunidade internacional, na qual o Brasil se insere, por intermédio da Declaração Universal de Direitos Humanos da ONU, antecede e inspira a Constituição Federal de 1988, somando-se às exigências da sociedade brasileira, também no campo educacional, além de outros.

Relativamente à educação, o Brasil submete-se a pactos internacionais, firmados por ele, como por exemplo só na década de 1990: a Conferência Internacional de Educação para Todos, Jomtien, Tailândia, 1990; a Declaração de Nova Delhi, Índia, 1993; a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, Cairo, Egito, 1994; a Cúpula Mundial de Desenvolvimento Social, Copenhague, Dinamarca, 1995; a 4ª Conferência sobre a Mulher, Beijing, China, 1995; a Afirmação de Aman, Jordânia, 1996; a 45ª Conferência Internacional da Unesco, Genebra, Suíça, 1996 e a Declaração de Hamburgo, Alemanha, 1997.

Quanto à gratuidade na educação, destaque-se o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1992, que a assegura no artigo 13:

a) educação primária deverá ser obrigatória e acessível gratuitamente a todos; b) a educação secundária em suas diferentes formas, inclusive a educação secundária técnica e profissionalizante, deverá ser generalizada e tornar-se acessível a todos, por todos os meios apropriados e, principalmente, pela implementação progressiva do ensino gratuito; c) a educação de nível superior deverá igualmente tornar-se acessível a todos, com base na capacidade de cada um, por todos os meios apropriados e, principalmente, pela implementação progressiva do ensino gratuito. (Cf. Ranieri, 2000, p. 75 e 76).

IV

Como se notou antes, a educação se apresenta em todas as Constituições do Brasil, na imperial de 1824 e nas demais republicanas: de 1891, 1934, 1946, 1967 e de 1988. A Constituição da monarquia brasileira traz dois itens, de números 32 e 33, do artigo 179, que se referem à educação. O primeiro item garante a gratuidade da educação primária e o segundo item faz menção à criação de colégios e de universidades.

Page 27: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

28

A persistência da atividade educativa nas Constituições do Brasil pode dar a impressão de que pode ser verdadeira, ao menos quanto a ela, sua presunção da constitucionalidade. Carlos Maximiliano afirma: "Forte é a presunção da constitucionalidade de um ato ou de uma interpretação, quando datam de grande número de anos, sobretudo se foram contemporâneos da época em que a lei fundamental foi votada." (1981, p. 307)

Na Constituição Federal de 1988, a educação compõe os direitos sociais, junto com outros direitos. A Constituição Federal relaciona os direitos sociais em seu artigo 6º e posteriormente particulariza-os no Título VIII (Da Ordem Social): "Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição."

Os direitos individuais e os direitos sociais consistem num todo, a exigir um procedimento diferente do Estado, quanto a eles. São esclarecedoras as observações de Celso Ribeiro Bastos sobre a distinção de procedimento estatal, ante os direitos individuais ou os direitos sociais:

Ao lado dos direitos individuais, que têm por característica fundamental a imposição de um não fazer ou abster-se do Estado, as modernas Constituições impõem aos Poderes Públicos a prestação de diversas atividades, visando o bem-estar e o pleno desenvolvimento da personalidade humana, sobretudo em momentos em que ela se mostra mais carente de recursos e tem menos possibilidade de conquistá-los pelo seu trabalho. (1998, p. 259)

Os direitos individuais implicam o não fazer do Estado, enquanto os direitos sociais impõem-lhe um fazer e uma maior positividade, como assevera José Afonso da Silva:

os direitos sociais, como compreensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas estatais, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. (1992, p. 258)

As políticas sociais, apoiadas em direitos sociais, tornam obrigatórias e imediatas as medidas estatais para elevar a condição humana dos titulares desses direitos. Tais medidas vêm em resposta às necessidades sociais e transformam em realidade os direitos sociais, sobressaindo nas medidas os pobres e os miseráveis.

Na educação, as medidas originárias de direitos sociais e de políticas sociais significam ônus do Estado, de acordo com a Constituição Federal de 1988.

A) Competências em educação: 1) Competência privativa da União: estabelecer diretrizes e bases da educação nacional: artigo 22, XXIV; 2) Competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: proporcionar meios de acesso à educação: artigo 23, V; 3) Competência da União, dos Estados e do Distrito Federal: legislar concorrentemente sobre educação: artigo 24, IX; 4) Competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: fixar e implantar política de educação para a segurança do trânsito: artigo 23, XII; 5) Competência legislativa e suplementar dos Estados no campo educacional: artigo 24, parágrafo 2º.

B) Demais menções da educação no interior da Constituição Federal de 1988: 1) Educação como direito social: artigo 6º, "caput"; 2) Educação ambiental: artigo 225, parágrafo 1º, VI; 3) Eliminação do analfabetismo e universalização do ensino fundamental nos dez primeiros anos da promulgação da Constituição: Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), artigo 60, "caput", combinado com o artigo 214 da Constituição; 4) Recebimento de recursos públicos pelas escolas comunitárias, confessionais, filantrópicas, fundações de ensino e pesquisa: Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), artigo 61, "caput"; 5) Colégio Pedro II, da cidade do Rio de Janeiro, continua no sistema federal de educação: artigo 242, parágrafo 2º; 6) Ensino da História do Brasil: artigo 242, parágrafo 1º; 7) Assistência educacional gratuita ao ex-combatente, extensiva aos dependentes: Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), artigo 53, IV; 8)

Page 28: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

29

Imunidade tributária às instituições educacionais e de assistência social, sem fins lucrativos: artigo 150, VI, "c"; 9) Competência dos Municípios para manter programas de educação pré-escolar e de ensino fundamental: artigo 30, VI; 10) Creches e pré-escolas aos filhos e dependentes dos trabalhadores urbanos e rurais, desde o nascimento até seis anos de idade: artigo 7, XXV, combinado com o artigo 208, IV; 11) Criação por lei do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR),: Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), artigo 62; 12) Garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola: artigo 227, parágrafo 3º, III; 13) Exceção da gratuidade do ensino público, nas instituições educacionais oficiais, criadas por lei estadual ou municipal e existentes na data da promulgação da Constituição: artigo 242, "caput"; 14) Intervenção do Estado em seus Municípios e da União nos Municípios localizados em Território Federal, por não aplicar o mínimo exigido da receita municipal no ensino: artigo 35, III; 15) A família, a sociedade e o Estado têm o dever de assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à educação: artigo 227, "caput"; 16) Salário mínimo capaz de atender às necessidades vitais básicas dos trabalhadores urbanos e rurais, e também às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social: artigo 7º, IV.

V

A educação, como direito público subjetivo, cria a situação em que é preciso haver escolas para todos, seguindo o disposto no regime jurídico constitucional e dando maior realce ao Poder Judiciário neste setor.

Os indivíduos têm o direito de requerer ao Estado a prestação educacional, porque o descumprimento deste dever traz como conseqüência a responsabilização da autoridade competente, segundo o artigo 208, parágrafos 1º e 2º, da Constituição Federal de 1988.

No quadro das garantias constitucionais, o mandado de segurança mostra-se um instrumento jurídico de destaque no Direito Educacional, podendo ser empregado amplamente, mesmo como mandado de segurança coletivo, em favor da escola, da atividade educativa e da vida acadêmica, protegendo direito líquido e certo, demonstrado imediatamente, e não mera expectativa de direito.

O regime jurídico da educação, e ainda o Direito Educacional, integram-se no Direito Público e, consequentemente, no Direito Administrativo, pois a educação se põe como direito público subjetivo.

Em se tratando de esfera de investigação e de disciplina normativa, o Direito Educacional se distingue pela natureza pública da educação e pelo predomínio do interesse público sobre o interesse particular, abrangendo não somente as instituições públicas e privadas de ensino, como também os indivíduos vinculados a ele.

No Direito Educacional, a Constituição Federal de 1988 e, em seguida, a Lei nº 9.394/96 (LDB) mudam essencialmente no campo educacional o regime privado, sujeitando este regime aos princípios constitucionais que guiam a educação brasileira.

Assim, o Direito Educacional, na condição de direito especializado, envolve definições, princípios, comparações com outros sistemas, legislação, jurisprudência, levando em conta as relações jurídicas geradas na atividade educativa e tendo por objetivo proporcionar a educação a todos (cf. Boaventura, 1996; Ranieri, 2000).

No que diz respeito à educação, o direito público subjetivo expressa-se na faculdade de exigir, proveniente de relação jurídico-administrativa. Pelo direito público subjetivo, o indivíduo tem a possibilidade de exigir da administração pública o cumprimento de prestações educacionais, asseguradas por norma jurídica.

Além disso, pelo poder regulamentar, os órgãos do Poder Executivo possuem a capacidade de editar regulamentos, ou seja, editar regras ou normas, mas tal capacidade não se desliga da

Page 29: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

30

lei, não é exercida contra ela, e sim dentro da lei, que a limita e a condiciona. Na administração pública, o regulamento ocupa o mais alto grau na categoria de normas, localizando-se logo abaixo da lei, completando-a. Todavia, configura abuso do poder regulamentar o exercício indevido, por órgãos do Poder Executivo, da competência do Poder Legislativo (cf. Cretella Júnior, 1999, p. 160 e 348).

O Direito Administrativo e, de modo geral, a administração pública estão subordinados a determinados princípios jurídicos, que repercutem no Direito Educacional. São eles, segundo a Constituição de 1988: os princípios jurídicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência (cf. Medauar, 2000, p. 142 e 144).

O Direito Educacional, no entanto, deve partir de idéias como as de Pontes de Miranda, em seus Comentários à Constituição de 1946:

A educação somente pode ser direito de todos se há escolas em número suficiente e se ninguém é excluído delas, portanto se há direito público subjetivo à educação, e o Estado pode e tem de entregar a prestação educacional. Fora daí, é iludir com artigos de Constituição ou de leis. Resolver o problema da educação não é fazer leis, ainda excelentes; é abrir escolas, tendo professores e admitindo os alunos.

Referências bibliográficas

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998. BOAVENTURA, Edivaldo M. A Constituição e a educação brasileira. Revista de Informação Legislativa nº 127, Brasília: Senado Federal, Separata,jul./set. 1995. Um ensaio de sistematização do direito educacional. Revista de Informação Legislativa nº 131, Brasília: Senado Federal, Separata, jul./set. 1996. CONSTITUIÇÃO da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000. CRETELLA J. José. Dicionário de direito administrativo. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. LAURELL, Asa Cristina. "Avançando em direção ao passado: A política social do neoliberalismo". In: Estado e políticas sociais no neoliberalismo. São Paulo: Cortez, 1995. MAXIMILIANO, C. Hermenêutica e aplic. do direito. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981. MEDAUAR, O. Direito administrativo moderno. 4ª ed. São Paulo: Rev dos Tribunais, 2000. PINTO FERREIRA. Curso de direito constitucional. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995. PONTES DE MIRANDA. Comentários à Constituição de 1946 (T. 4). 2ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1963. RANIERI, Nina Beatriz. Reflexões sobre as implicações da legislação de ensino na vida acadêmica. Cadernos 3, Brasília: Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior, 1999. SERRA, Antonio Truyol y. Los derechos humanos. Madrid: Editorial Tecnos, 1968. [ L SILVA, J. A. da. Curso de direito constitucional positivo. 8ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1992. VIEIRA, E.A. Estado e miséria social no Brasil: de Getúlio a Geisel. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 1995.

* Advogado, sociólogo, especialista em Direito e Doutor em Ciência Política na Universidade de São Paulo (USP); foi professor titular na USP, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). E-mail: [email protected]

Page 30: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

31

Revista da Faculdade de Educação ISSN 0102-2555 versión impresa

Rev. Fac. Educ. v.24 n.2 São Paulo jul./dic.2005

A GESTÃO EDUCACIONAL NA INTERSEÇÃO DAS POLÍTICAS FEDERAL E MUNICIPAL*

Dirce Nei Teixeira de Freitas**

Resumo: O artigo refere-se à pesquisa realizada com vistas a apreender e analisar a gestão educacional que se engendra na interseção das políticas federal e municipal, tendo como eixo a relação entre proposição e implementação dessas políticas. Parte da análise crítica da política federal de "reordenação" da gestão educacional e, no trajeto, evidencia os reflexos dessa política na esfera local, os nexos entre ela e a política municipal, bem como a face municipal da gestão educacional. Põe em evidência um padrão de gestão local marcado pela condensação de movimentos de adesão, resistência e de negação à política federal, cuja lógica difere da que sustenta as proposições federais. Frente aos resultados, questiona-se a efetividade e a congruência da política federal para os propósitos anunciados e aponta-se a impropriedade da simplificação no trato da problemática da gestão.

1. INTRODUÇÃO Focalizando a "reordenação" da gestão educacional como problema central da política de educação brasileira dos anos 90, a pesquisa – a que se refere o presente artigo – voltou-se para a apreensão e análise do padrão de gestão educacional que se engendrou na interseção de políticas de educação federal e municipal. Tomou-se como campo de investigação o município de Dourados1-MS, no momento em que essa problemática teve ingresso neste espaço (1993 a 1996). Inicialmente, caracteriza-se o projeto nacional de "reordenação" da gestão educacional, e, a seguir, revela-se a face municipal da gestão educacional engendrada na interseção das políticas federal e municipal, indicando como se dá a conexão entre estas esferas, quais os reflexos da política federal na esfera municipal e, ainda, como a gestão educacional é vista e realizada no âmbito da instituição escolar. Na conclusão – coordenando as dimensões federal e municipal e as perspectivas de sistema e de instituição escolar, tendo como eixo a relação entre proposição e implementação da política educacional – fazem-se considerações críticas sobre o projeto nacional, tomando como evidência de limites / possibilidades do mesmo o caráter da gestão produzida na interseção do federal e municipal. Entendendo a política educacional como fração da política social, considerou-se que ela se engendra como resposta a uma pluralidade de atores que não se constituem categorias sociais compactas, homogêneas e monolíticas (Coimbra, 1987). No entanto, diante dos propósitos e, em especial, dos limites do estudo privilegiou-se o ator estatal, dado o seu papel no desenvolvimento capitalista do País, adotando, de um lado, uma ampla política em benefício do capital e, por outro lado, realizando uma política social seletiva e assistencialista, perpassada pelo corporativismo e clientelismo. Considerando a historicidade da política social, buscou-se levar em conta o caráter cambiante e dinâmico da sociedade capitalista e de que modo o capitalismo contemporâneo estabelece a relação capital, trabalho e fundo público (Oliveira, 1996). Procurou-se ter presente, no que se refere à "funcionalidade" da política social, que esta se configura especialmente, mas não exclusivamente, pela lógica da reprodução e acumulação capitalista (Offe, 1984). Também a legitimação dos grupos no poder, a necessidade de assegurar a paz social, a intencionalidade de reforçar ideologias (Faleiros, 1995) e de responder à idealização do "redistributivismo" (Vianna, 1991) dirigem e condicionam essa funcionalidade, sendo que os conflitos na relação capital/trabalho produzem mudanças na função da política social.

4º Texto

Page 31: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

32

2. "REORDENAÇÃO" DA GESTÃO: CENTRALIDADE NA REFORMA EDUCACIONAL / ANOS 90 Modificar a organização e reordenar a gestão da educação foram problemas que compareceram recorrentemente na discussão da política educacional brasileira, em diferentes momentos históricos, pondo em pauta temas como descentralização, municipalização (Xavier, 1990 e Romanelli, 1991), participação (Germano, 1994), comunitarismo (Cunha, 1991), gestão democrática e "modernização" da gestão educacional (Farah, 1994) Vista como o ponto crítico da educação brasileira, na década de 80, a gestão educacional foi adquirindo centralidade na agenda de política educacional dos governos dos anos 90. Engendrar um "novo" padrão de gestão educacional, reordenado segundo parâmetros da "modernização" do Estado e da sociedade, tornou-se projeto justificado tanto em razão de um presumido potencial que teria para assegurar a eqüidade e qualidade do ensino, quanto pelo seu possível papel instrumental no incremento da cidadania e da ordem democrática .Esse intento ganhou maior visibilidade a partir do Plano Decenal de Educação para Todos (1993) e explicitou-se, como projeto nacional, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº. 9.394/96 (Brasil, 1996a). A Constituição Federal de 1988 já apontava para modificações necessárias na gestão educacional, com vistas a imprimir-lhe qualidade. Do conjunto dos dispositivos constitucionais sobre educação, é possível inferir que essa qualidade diz respeito ao caráter democrático, cooperativo, planejado e responsável da gestão educacional, orientado pelos princípios arrolados no artigo 206 da mesma. Entre estes, colocam-se a garantia de um padrão de qualidade do ensino e a gestão democrática deste (Brasil, 1989). Já a pretendida "modernização" da gestão educacional/anos 90 orienta-se para um padrão de gestão cuja qualidade resulte de um caráter "eficiente" forjado mediante racionalização administrativa, privatização, co-responsabilização da sociedade, abertura institucional para os "clientes", concentração do poder decisório (no que tange a questões essenciais) e controle centralizado dos resultados. Na administração estatal intra sistema educacional nacional, esse modelo privilegia a descentralização de competências e encargos, a municipalização de programas, a autonomia, a profissionalização, a avaliação institucional e do ensino. Para além deste âmbito, o "novo" modelo de gestão educacional inclui a viabilização de formas diversas de mobilização de atores sociais, com vistas ao compartilhamento da tarefa educativa, num movimento que relativiza a atuação direta e a responsabilidade estatal nesta área. Com esses propósitos, desencadeiam-se medidas de reforma e inovação político-institucionais e administrativas. Com vistas à racionalização administrativa, adota o planejamento, a longo prazo, práticas e critérios de gestão do setor privado e amplo uso de tecnologias de informação. A privatização tem na autonomia da escola, no fomento à participação comunitária e na gestão democrática seus principais meios de concretização, na medida em que possibilitam a captação direta e indireta de recursos financeiros, a mobilização de recursos humanos voluntários, e a disponibilização de recursos materiais e físicos suplementares. Tais estratégias potencializam o compartilhamento da tarefa educacional e de sua provisão e, ainda, ampliam a possibilidade da devolução de tarefas para as famílias. Basicamente, o modelo de gestão educacional em vista tem como horizonte a redução da atuação do Estado, enquanto provedor do serviço educacional, a viabilização de novas formas de provisão da educação e uma maior eficiência da atuação do Estado nos âmbitos conservados sob sua responsabilidade direta. Norteiam a busca desse padrão de gestão educacional os princípios de focalização, flexibilização e mobilização. Na verdade, tratam-se de princípios que têm dirigido a ação do Estado na área social, segundo critérios político-econômicos postos pelo ajuste estrutural. O princípio da focalização sinaliza a prática da seletividade na atuação do Estado e a concentração desta em determinadas áreas e problemas. Na verdade, este princípio é indicativo do caráter restrito e emergencial que tem marcado a política social do Estado brasileiro (Draibe, 1993). No caso da política educacional, essa restrição se manifesta, por exemplo, na redução da educação gratuita e universal ao nível do ensino fundamental, sendo a gratuidade deste nível não necessariamente universal fora da faixa etária regular (7 a 14 anos). Nesse sentido, o Estado não se compromete com a eliminação do analfabetismo existente – que atinge largamente a população acima desta faixa etária (IBGE, 1997) – mas, concentra-se na "prevenção" do analfabetismo futuro. As situações de iniqüidade extremadas, que caracterizam quadros de urgência social, são focalizadas como prioridades nacionais, dentro de uma atuação emergencial de molde assistencialista. A flexibilização, como princípio, orienta a criação e garantia de uma institucionalidade dotada de mecanismos e instrumentos legais, técnicos e burocráticos que possibilitem o rompimento da rigidez formal das estruturas do sistema de ensino e de sua gestão. Tem-se em vista a otimização do processo de escolarização, atuando sobre problemas como o de atraso no ingresso, de permanência

Page 32: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

33

na escola, de fluxo escolar, de repetência escolar, de diversidades dos sistemas, instituições e indivíduos. Significa abrir possibilidades para a adoção de medidas emergenciais e particularistas voltadas para o incremento da eficiência do processo de escolarização. Este princípio dá viabilidade a medidas governamentais que concorrem para a precarização da educação formal, como é o caso da oferta de programas de aceleração da aprendizagem, da redução da idade para exames supletivos, do atendimento a jovens e adultos deixado a cargo de programas de cunho voluntário e caritativo, da formação de profissionais da educação através de programas emergenciais (Brasil, 1997). Acena-se para a informalização da escolarização, na medida em que esse princípio garante medidas de aproveitamento, reconhecimento e validação de experiências e conhecimentos adquiridos na educação não-formal e não-institucional. Se a positividade desse princípio está no incremento da eficiência do processo de escolarização e na garantia de meios e instrumentos para o atendimento a diversidades, sua negatividade estará aí mesmo se, a pretexto de ambos, vier a acentuar a seletividade escolar e, por decorrência, contribuir para o incremento da seletividade social existente. O princípio de mobilização dirige a ação gestora do Estado no sentido de fomentar o envolvimento ativo dos indivíduos (professores, alunos, pais e outros), das comunidades (em especial a escolar), das organizações sociais e dos setores produtivos da sociedade na implementação das políticas educacionais. A mobilização corrobora para a já mencionada privatização da educação, na medida em que oportuniza a captação e aproveitamento de potencial material, produtivo e político de atores sociais não-estatais. Este princípio norteia a gestão no sentido da busca de responsabilização das instituições, dos indivíduos e segmentos sociais pelos resultados que se têm em vista com a escolarização. Pretende-se uma atuação gestora calcada na função pedagógica de fomento a valores, atitudes e práticas segundo uma visão liberal de construção da cidadania. Além disso, trata-se de um princípio que orienta a gestão no tocante ao exercício sistemático do controle da demanda social por escolarização. Esse controle busca criar a consciência tanto da urgência social da educação básica, em determinados grupos de indivíduos e setores sociais, quanto da necessidade e possibilidade da educação permanente, como compromisso dos indivíduos e da sociedade. A política de "reordenação" da gestão educacional se constitui eixo central de um projeto nacional de reforma da educação, atrelado à reforma administrativa do setor público, sendo esta última componente estratégico da reestruturação do Estado brasileiro. Nesta reestruturação, tem-se em vista redefinir a atuação do Estado na economia, em especial, na área de política social, perseguindo novas relações entre Estado e sociedade segundo parâmetros que, no jogo entre requerimentos internos (nacionais) e externos (não-nacionais), determinam a "funcionalidade" da política social e, conseqüentemente, da política educacional. São determinantes desse jogo as realidades que – num processo dialético – tornaram-se visíveis nos últimos trinta anos, no cenário nacional e internacional. No tocante ao cenário nacional, destacam-se: a explicitação dos limites do modelo de desenvolvimento do país (Singer, 1996 e 1997; Gadelha, 1997); a crise do padrão de financiamento da sua economia (Goldenstein, 1994); a crise do modelo de Estado desenvolvimentista (Fiori, 1995a e 1995b; Sallum, 1994); a configuração de uma democracia que se defronta com problemas de governabilidade (Nogueira, 1995); a adoção de programas de ajustes estruturais (Fernandes, 1995; Sader, 1995) que implicam prescrições e monitoramento de organismos internacionais também na política educacional (Fiori, 1995c, Soares, 1996; Coraggio, 1996). No cenário internacional, tornaram-se visíveis: a crise econômica mundial (Glyn, 1995, Therborn, 1995; Arighi, 1995); a hegemonia do ideário neoliberal (Anderson, 1995); a reordenação geo-econômica e geo-política mundial (Hobsbawn, 1995); a aceleração dos processos de globalização econômica e o surgimento de blocos regionais (Fiori, 1995c; Braga, 1996; Batista Júnior, 1997; Singer, 1997); o aprofundamento da incapacidade do fundo público para seguir financiando, simultaneamente, as necessidades do capital e do trabalho ou a crise do Estado de Bem-estar social (Oliveira, 1996); os avanços tecnológicos (Dowbor, 1996) e as transformações na área produtiva (Antunes, 1995). É no contexto desse jogo e determinada por essas realidades que se dá a formulação da política educacional brasileira e sua implementação. É, ainda, nesse contexto que são produzidos consensos mundiais, regionais e nacionais sobre o papel contemporâneo da educação, sobre as relações Estado/sociedade/educação, sobre diretrizes e recomendações quanto à política e à gestão educacional. Como decorrência, a política educacional brasileira dos anos 90 revela estreita relação com os conceitos, paradigmas, diretrizes e recomendações estabelecidos em fóruns mundiais e regionais. É assim que os paradigmas do "desenvolvimento humano" (segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento/ONU), do "desenvolvimento econômico latino-americano" (CEPAL e Banco

Page 33: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

34

Mundial) e da "governabilidade sustentada" (ONU e Banco Mundial) orientam a atual política educacional brasileira. A Conferência Mundial de Educação para Todos (Jomtien-Tailândia,1990) e a Conferência de Cúpula de Nova-Delhi (1993) indicaram a necessidade de construção de um novo modelo de gestão educacional capaz de assegurar, para todos, uma educação básica de qualidade, vista como uma das condições essenciais do desenvolvimento humano. A "modernização" institucional é a tarefa básica nas diretrizes regionais para a América Latina, implicando novas formas de gestão educativa que priorizem: a descentralização e a autonomia institucional, os acordos, os consensos, a redistribuição de tarefas entre instâncias do Estado, as estratégias de regulação à distância, a profissionalização, as medidas de responsabilização pelos resultados (entre elas sistemas de avaliação), a abertura institucional para a sociedade, a participação e a privatização (Ottone, 1993; PROMLEDAC V, 1993; UNESCO/OREALC, 1995). Nestas diretrizes, a centralidade da modernização institucional acaba obscurecendo a centralidade atribuída à educação básica, no âmbito mundial, traduzindo a prioridade maior para a América Latina: a reforma do Estado. Na VI Conferência da Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI), realizada no Chile, em 1996, põe-se ênfase na governabilidade como condição básica do desenvolvimento humano e econômico, destacando a governabilidade do próprio sistema educacional. A convergência dessas diretrizes se traduz no princípio de que os mecanismos de mercado são indispensáveis para a melhoria da gestão educacional. No geral, elas propõem novas relações entre Estado e sociedade, mediante reformas institucionais e administrativas vistas como condições básicas para viabilizar um novo espaço público, no qual a vigência de princípios do mercado tornaria possível a adoção de práticas do setor privado e uma menor atuação direta do Estado na provisão e execução de serviços sociais. A generalização dessas diretrizes – promovida por organismos internacionais2 – impõe-se com o capitalismo contemporâneo, na medida em que este exige que a área educacional deixe de ser tratada como uma questão exclusivamente nacional. Desse modo, o desenho de políticas educacionais é condicionado por imperativos que extrapolam os limites do Estado-nação e as suas particularidades. Conseqüentemente, a política educacional brasileira pauta-se por uma racionalidade instrumental e utilitarista da educação. Por um lado, vista como ferramenta da competitividade e condição de desenvolvimento econômico e de inserção do País na "nova" ordem econômica mundial. Por outro, vista como ferramenta da governabilidade, condição de produção da cidadania requerida pela sociabilidade capitalista em configuração inclusive para a consolidação da ordem democrática requerida pela mesma (Cardoso, 1994). Esse entendimento atribui à educação as funções básicas de reprodução da força de trabalho, de integração social, de prevenção de conflitos sociais, de formação para o desemprego e para o consumo regidas pelos requerimentos da sociabilidade capitalista em configuração. Tem-se em vista uma "nova" cidadania para um mundo de inúmeras e profundas transformações (da personalidade e da sociedade), que se defronta com diferentes formas de exclusão, com a crescente polarização social e o questionamento das formas tradicionais de representação política (Garretón, 1997). A partir dessas diretrizes, delineia-se qual qualidade e eqüidade do ensino a gestão educacional deverá garantir, o que e o quanto se vai descentralizar, o significado e os limites da autonomia de gestão, assim como são criados os caminhos e as possibilidades para a privatização e para o controle centralizado da qualidade do produto, dimensionada especialmente em termos de custo-benefício. A direção, o próprio caráter, as formas de realização e os critérios de qualidade da "reordenação" da gestão educacional são condicionados, em grande parte, pela função maior que se tem em vista para a educação: a de "ferramenta da competitividade e da governabilidade democrática". A "reordenação" da gestão educacional tem sido reduzida às suas dimensões político-culturais e administrativas. Desconsiderando-se a determinação do econômico na configuração do político e do cultural, ignora-se que a "reconstituição do poder" não se viabiliza apenas nestas duas dimensões, entre outras razões, porque a participação dos indivíduos tem sua natureza e limites forjados pelas condições econômicas destes. A pretendida reconstituição de espaços comunitários, mediante o incremento da participação, parece esgotar-se na simples criação de mecanismos e instrumentos que, embora se proponham a contribuir na reeducação dos indivíduos e grupos, se voltam para o atendimento prioritário de requerimentos e interesses imediatos do capitalismo contemporâneo, que seguem impondo constrangimentos ao Estado. Na verdade, não se prescinde de medidas político-institucionais e administrativas que possibilitem a participação ativa da sociedade. No entanto, a descentralização e a participação não se concretizam apenas com as mesmas, vez que dependem da produção de relações democráticas. Esta é processo

Page 34: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

35

complexo e longo, numa sociedade historicamente marcada pelas mais diversas formas de autoritarismo, que o Estado pode favorecer ou inviabilizar. Coraggio (1996), discutindo as diretrizes de política educacional do Banco Mundial para o Brasil, aponta uma contradição nelas que se verifica, também, na política brasileira de modernização da gestão educacional: enquanto se considera possível reverter "décadas de cultura política centralizada e clientelista, criando quase do zero administrações locais participativas e eficientes" nega-se, entre outros, a possibilidade de realizar modificações radicais e mais igualitárias no sistema fiscal e da propriedade, pôr limites ao movimento especulativo de capitais, fortalecer certas capacidades estatais e criar serviços públicos adequados às necessidades da população. Entrega-se ao mercado a incumbência de satisfazer necessidades sociais e reintegrar as maiorias sócio-econômicas e politicamente marginalizadas, sem levar em conta a realidade de sua estrutura e realização nos âmbitos nacional, regional e mundial. 3. A GESTÃO EDUCACIONAL NA INTERSEÇÃO DAS POLÍTICAS FEDERAL E MUNICIPAL A investigação mostrou que a instância administrativa municipal pesquisada tem dado lugar de relevância à modernização da gestão educacional, de modo que o intento de "reordená-la" tem marcado o delineamento das diretrizes e as práticas municipais. Entretanto, não há uma concepção comum, entre esta e a instância federal, no tocante à natureza e à forma dessa "reordenação". Todo o conteúdo/forma da reestruturação do Estado, em especial a intenção de descentralização e de privatização, não foram absorvidos com o significado com que compareceram na política educacional federal, anteriormente analisada. A temática da qualidade da gestão educacional e do ensino não chegou a adquirir o conteúdo e os propósitos da excelência pretendida pela instância federal, mas vinculou-se a critérios de eficiência e eficácia, fazendo um movimento numa direção favorável à política federal, embora não de forma consistente. A "reordenação" da gestão adquiriu, no município, uma feição engendrada por uma lógica utilitarista e pragmática que, no âmbito do sistema, privilegiou estratégias particularistas, clientelistas e populistas para fazer frente às problemáticas da escassez de recursos públicos, da crescente demanda da população por atendimento escolar, das tensões e conflitos que marcaram as disputas de interesses entre os grupos hegemônicos representados por atores governamentais. No âmbito da instituição escolar, não se logrou eliminar o corporativismo e o particularismo vigentes, fomentar a gestão democrática e assegurar uma conexão com as proposições modernizantes da política educacional federal. A configuração e o caráter particular da "reordenação" da gestão educacional, na esfera municipal, são resultantes: a) de requerimentos sociais que se impõem com as transformações e as permanências que marcam a sociedade e o Estado local; b) dos ajustes a interesses locais hegemônicos, traduzidos em projetos políticos particularistas de grupos e indivíduos situados ou representados na máquina estatal; c) de práticas gestoras enraizadas na cultura local; d) do desconhecimento do conteúdo, forma e essência da política federal; e) da possibilidade de se empreender uma gestão educacional à margem da política federal; f) da constituição precária da burocracia estatal, quer pela não-disponibilidade de técnicos que dominem tecnologias de gestão, quer em razão da dominância do critério político-partidário na composição dos quadros técnicos. Desde os últimos anos da década de 80, a expansão da rede física, a expansão da cobertura escolar e a crescente universalização do ensino fundamental foram tomados como os principais indicadores de qualidade da gestão educacional municipal, embora se propugnasse – nos programas de governo, nos planos educacionais, nos projetos dos órgãos administrativos municipais e nos planos escolares – a melhoria da qualidade do ensino. De fato, os dados levantados evidenciam a ampliação da oferta, do acesso, e do atendimento, porém, indicam também que não se lograram avanços significativos quanto à permanência e ao êxito escolar. Com a política federal de "reordenação" da gestão impôs-se ao município a tarefa de perseguir uma qualidade cujo conteúdo, método e significado são fundamentalmente definidos pela lógica econômica – conforme visto anteriormente – na qual cabe a qualidade de gestão que faz restrição a direitos subjetivos e sociais, mediante formas diversas de privatização. No entanto, a gestão educacional municipal – alheia às proposições privatizantes federais – seguiu se efetivando de modo a prevalecerem as estratégias do Estado provedor direto, sendo o aprimoramento destas estratégias a expectativa da escola, no tocante à melhoria da gestão. Na verdade, a despeito dessa política – cujo ideário de base e linhas mestras de ação foram amplamente divulgados desde o início dos anos 90 e, em especial, a partir de 1993 – o Estado local seguiu amplificando-se com o crescente assumir de compromissos sociais, até o ano de 1996. Entretanto, tendo a escassez de recursos financeiros e o imperativo da reforma do Estado alcançado o município, a administração acabou incluindo, no início de 1997, estratégias de privatização na

Page 35: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

36

política educacional municipal, num movimento que partiu do interior do Executivo e que se defrontou com a resistência da escola, em especial, do segmento docente. A pressão do centro é outra forma pela qual a "reordenação" da gestão educacional municipal vai se concretizando na direção traçada pela política federal. Essa se dá mediante condicionamento da função supletiva da União à adesão, pelo município, a projetos federais. Esta adesão tem implicado um crescente controle central dos resultados que, em alguns casos, alcança o interior da própria instituição escolar. Não se verificou, no município, a articulação das ações gestoras dentro de um projeto político e pedagógico, tanto na esfera da instituição escolar quanto na do sistema. Os marcos legais estabelecidos na Lei Orgânica Municipal de 1990, as diretrizes do governo municipal do período 1993-1996 e as metas estabelecidas nos planos educacionais formulados nesse período, no município, não chegaram a dar direção, precisar a intencionalidade e assegurar a unidade do projeto educacional local e de sua gestão. Embora se tenha anunciado uma pretendida descentralização, democratização e "modernização" da gestão educacional – inclusive o intuito de parceria com a sociedade – não se fizeram avanços nesse sentido. Não se promoveram inovações político-institucionais e administrativas significativas e nem modificações consistentes nas concepções e práticas "tradicionais" de gestão. As formas institucionais colegiadas criadas na década de 80 – cujo modelo reproduzia o autoritarismo e o tecnicismo vigentes na década de 60 e 70 – foram "maquiadas" no âmbito da legislação e não se consolidaram na prática. Mesmo as reformulações burocráticas e procedimentais realizadas não o foram na direção dos avanços propugnados. Os mecanismos e instrumentos de participação não lograram viabilizar uma efetiva mobilização e incorporação da comunidade e dos atores educacionais na "gestão democrática", de modo que esta foi apenas um simulacro já que, na prática, não foi além do processo eletivo para direção de escola e de iniciativas de busca de consenso, mediante consultas a atores escolares, em questões propícias a polêmicas e conflitos. Também os recursos disponibilizados para o financiamento educacional não atenderam às necessidades, bem como a administração e o controle destes não foram descentralizados e democratizados, conforme se depreende dos documentos referentes a avaliações realizadas pelas escolas, anualmente. No interior da instituição escolar municipal, os atores escolares, concentrando-se na resistência às práticas autoritárias e burocráticas que permeiam as relações entre escola e sistema, reduzem o desafio de qualificar a gestão educacional a uma ampliação do domínio corporativo dos espaços de poder. Nessa resistência, reproduzem o autoritarismo, acentuam o corporativismo e o particularismo, esvaziando as possibilidades de democratização da escola pública e de sua gestão. Deixam, ainda, de compreender os problemas educacionais numa perspectiva de totalidade, limitando uma possível atuação política em favor da qualificação da gestão educacional. 4. CONCLUSÕES A pesquisa evidenciou que se configura, no município, um tipo de gestão educacional caracterizado pela condensação de movimentos de adesão, de resistência e de negação à política federal de educação, que são indicativos dos limites/possibilidades, tanto da efetividade dessa política quanto da contraposição a ela, pela instância local. Esses movimentos explicitam o espaço que a instância municipal dispõe para a implementação de sua própria política. E, neste espaço, a instituição escolar logra ter papel central, uma vez que se constitui na instância na qual, de fato, se objetiva a natureza da gestão e o conteúdo, a substância e a forma da implementação das políticas educacionais. A especificidade da gestão educacional que se engendrou na interseção das políticas federal e municipal de educação evidenciou elementos que permitem pôr em questão a exeqüibilidade da atual política brasileira de "reordenação" da gestão dentro dos parâmetros em que foi estabelecida. Permitem questionar a plausibilidade de uma abrangência nacional dessa política, uma vez que se revela, em sua própria concepção, alheia a heterogeneidades existentes. Diante do quadro visualizado com esta pesquisa e, ainda, considerando que o Brasil é um país extremamente heterogêneo, põe-se em questão uma política educacional desenhada, desencadeada, dirigida e controlada num movimento que parte da instância federal do Estado para a instância local. Primeiro, porque desconsidera – por que moldável ou passível de ser sobrepujada? – a lógica local imperante. Segundo, porque a própria lógica que preside essa política – que se pensa homogeneizadora na base, uma vez que fundada nos ditames e requerimentos da sociedade capitalista contemporânea – no confronto com a lógica local gera realidades diversas daquelas que se anunciam como meta, conforme visto. Questiona-se, assim, a congruência dessa política para os fins e objetivos visados. Questiona-se a sua efetividade, entre outras razões, porque prescreve

Page 36: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

37

transformações para uma realidade cujas particularidades não dimensiona devidamente, como se aquelas independessem destas. Além disso, as evidências permitem concluir que a "reordenação" da gestão educacional, tanto na política federal como na municipal, tem ficado limitada a modificações político-institucionais e administrativas. Modificações desta ordem, no geral, não têm logrado atingir o cerne da problemática da atuação do Estado, nesta área. Ao mesmo tempo elas adquirem caráter particular no confronto com a realidade cultural, política e econômica local. A redução dos problemas educacionais à esfera da gestão além de implicar que sejam vistos como decorrentes da forma, da dinâmica e das estratégias operacionais, implica que sejam atribuídos inteiramente ao Estado e à esfera da política. Ótica esta que, admitindo a dicotomia entre o político e o econômico, deixa de considerar a relação entre os projetos econômico, político e social da sociedade, configurados nas formulações e ações do Estado. Nesse caso, não se coloca em questão a sociedade, nem o Estado é visto como uma produção desta. Ao se reduzir o problema da gestão educacional à questão do quanto e de que forma deve ser a atuação do Estado (mais ou menos centralizada), dá-se prioridade a medidas de reestruturação e de reformas que privilegiam os aspectos organizacionais e operacionais do sistema educacional e, além disso, são conduzidas setorialmente. Desse modo, a problemática da educação escolar e de sua gestão não é considerada em suas múltiplas dimensões e na perspectiva de contexto e de suas determinações históricas. A história da educação mostra que o Estado brasileiro, através de suas políticas, esteve sempre reestruturando, ajustando, reformulando velhas estratégias ou propondo novas estratégias e instituições, com vistas a modificar o padrão de gestão vigente. No entanto, subjacentes às formas novas ou reformadas, permaneceram concepções, princípios, valores, interesses, propósitos, atitudes e práticas que não foram tocados por essas modificações. São, na verdade, movimentos que refletem particularmente as permanências da sociedade capitalista que se reorganiza, que se reforma e que se "moderniza", sem resolver suas contradições mais fundamentais. Nesse processo, as proposições e defesas de novos modelos de gestão apresentaram-se, em geral, fundadas numa concepção abstrata do Estado e de suas crises. Por essa razão, a tendência tem sido o predomínio das "soluções" técnicas, administrativas, institucionais e organizacionais de caráter burocrático, prescritivo e normativo. Estas, no geral, não se têm colocado em confronto e contraposição com interesses políticos e econômicos hegemônicos, em cada momento histórico e nos diferentes espaços. Pensando-se a partir de uma concepção genérica de Estado, faz-se a proposição de estratégias alternativas à ineficiência, ineficácia e burocratização estatais sem lograr considerar o que, historicamente, tem se constituído em fonte desses problemas: a própria natureza do Estado, das estruturas de poder, o modo de acumulação capitalista, o padrão de financiamento da economia brasileira, entre outras. Estes fatores determinaram o modo de articulação dos interesses sociais, o jogo de forças que se estabeleceu e os canais de participação e de negociação na sociedade brasileira. A educação e sua gestão são determinadas por tais realidades, o que nega a propriedade da simplificação que tende a imperar no trato das mesmas. A realidade da gestão educacional, na esfera municipal, permite inferir que a caminhada que ainda está por ser feita nesta instância, envolvendo atores da instituição escolar e do órgão gestor do sistema, é a de construção do caráter público da escola municipal. Esta construção supõe a apropriação dos espaços da educação no âmbito do Estado local, pelos profissionais da educação e população. Uma primeira estratégia dessa apropriação refere-se à construção da autonomia do setor educacional, no âmbito da administração municipal, de modo a assegurar a gestão participativa e democrática dos recursos públicos da educação. Isto significa trazer para a esfera educacional a tomada de decisão, o planejamento, a gestão e a avaliação da aplicação dos recursos públicos destinados à educação. Dentro dessa perspectiva, importa zelar pela efetiva aplicação do § 5º do Art. 69 da Lei Nº 9394/96, que dispõe sobre o repasse automático dos recursos vinculados à educação ao órgão responsável pelo setor. Esta parece ser condição pedagógica e política indispensável à produção do caráter público da educação municipal e de sua gestão, uma vez que pode democratizar o aprendizado da aplicação /controle/otimização dos recursos públicos captados e redistribuídos pelo Estado. Este aprendizado é central porque qualidades democráticas, eqüidade, eficiência, eficácia e efetividade social dependem da ação ativa, crítica, criativa e solidária do cidadão-sujeito e não da imposição de modelos de gestão fundados em leis do mercado, em princípios liberais. Avanços nesse sentido não prescindem do enfrentamento do particularismo e do clientelismo, a partir da comunidade e da instituição escolar até às instâncias estatais. Requer, também, a superação do corporativismo dos profissionais do ensino, que tem sido confundido com a luta política possível e

Page 37: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

38

necessária na educação municipal. Para tanto, há que perseguir a efetiva criação/implantação e a apropriação democrática, pelos profissionais do ensino e comunidade, de instrumentos institucionais que favoreçam a democratização da gestão educacional. Isto coloca a urgência de que os atores educacionais tenham clareza quanto ao projeto educacional pelo qual lutam – ou precisam lutar – junto às instâncias do Estado. São necessidades/possibilidades que supõem a solidariedade na relação entre educadores e munícipes atendidos pela escola municipal. Solidariedade que está, também, por ser construída e que não prescinde de uma institucionalidade propícia ainda inexistente. Supõe, também, que se traduza em prática efetiva o princípio constitucional da cooperação entre as instâncias administrativas da federação, de modo a qualificar a educação pública do município. Com certeza, não será no âmbito da gestão que se resolverá o jogo histórico das relações sociais e de suas contradições, que determinam a natureza do próprio Estado e da sociedade. Contradições que se constituem raízes dos problemas não apenas das políticas educacionais (e demais políticas sociais), mas da desigual e injusta sociedade brasileira, que tem se limitado a uma democracia formal e minimalista (Borón,1994). Finalizando, é possível afirmar que a qualidade da educação escolar congruente para o propósito de desenvolvimento humano que implique, sobretudo, qualidade de vida para todos – projeto urgente para a sociedade brasileira – não pode ser reduzida a uma questão de gestão. Muito mais quando esta é pensada e conduzida segundo uma lógica economicista fundada teórico-metodologicamente na economia neoclássica (Coraggio, 1996), operacionalmente encaminhada nos limites do político-institucional e administrativo, subordinada à prioridade de reforma do Estado. A educação – mesmo a especificamente escolar – é questão social que diz respeito à produção da humanidade do próprio homem, particularmente por meio da construção de sua cidadania, sendo, conseqüentemente, processo relevante na produção de um certo tipo de sociedade. Como tal, integra o conjunto de condições objetivas (materiais, situacionais, circunstanciais) e subjetivas que configuram a qualidade de vida humana, revelando a direção que a realidade social imprime à construção da humanidade dos homens. Compõe a historicidade que engendra o homem, o cidadão, a sociedade e as relações sociais que definem a natureza desta. Sendo assim, a qualidade educacional é relevante para o projeto de sociedade que se tem em vista. Isto porque a sociedade é histórica, portanto passível de transformações. Se o projeto que se tem em vista é o de reprodução do tipo de sociedade que se tem, então é possível pensar numa qualidade da gestão e da educação que resulte dos arranjos e artifícios político-institucionais e administrativos, já que estes não põem em questão a natureza e finalidade desse próprio projeto. É possível reduzir a educação à lógica economicista, subordinando-a aos imperativos político-econômicos engendrados pelo capitalismo em sua face contemporânea. Isto é, torna-se possível perseguir uma qualidade cuja substância, conteúdo e forma são conformados pela lógica do mercado, na busca de solução para os problemas conjunturais e estruturais da ordem capitalista, neste final de século. Entretanto, a contraposição a esse projeto põe em questão os procedimentos, as estratégias, os mecanismos em virtude de considerá-los sob a perspectiva de suas razões históricas e de suas finalidades. Isto porque se põe em questão o próprio projeto de reprodução da sociedade vigente. Esta posição aponta para o resgate da educação como uma questão de política social voltada para a qualificação do existir humano. Nesse projeto, o Estado é visto não como o ator exclusivo, mas como ator privilegiado e principal responsável pela mediação da construção dessa qualificação. Isto requer que a sua atuação tenha como princípio único a produção da "qualidade social". Qualidade esta que excede à pretendida eqüidade liberal, porque é, sobretudo, universalmente inclusiva. Esta, no entanto, não parece ser possível dentro da lógica que tem dado suporte à atuação do Estado, nos anos 90. Por outro lado, qualificar a educação tendo como horizonte a "qualidade social" não prescinde de se considerar tanto a "funcionalidade" historicamente definida para essa educação, como a necessidade de múltiplos atores sociais, incluindo aí os próprios gestores e implementadores de políticas educacionais. E considerar, ainda, a complexidade da educação, de sua gestão e dos contextos nos quais estas se fazem realidades concretas. BIBLIOGRAFIA ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: SADER, E. ; GENTILI, P. (Org.). Pós-neoliberalismo – as políticas sociais e o Estado democrático. São Paulo: Paz e Terra, 1995. 205p. p. 9-28. ANTUNES, R. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez; Campinas: Ed. da UNICAMP, 1995.

Page 38: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

39

ARIGHI, Giovanni. A desigualdade mundial na distribuição de renda e o futuro do socialismo. In: SADER, Emir (Org.). O mundo depois da queda. São Paulo: Paz e Terra, 1995. p.85-120. BATISTA Jr, Paulo Nogueira. O círculo de giz da "globalização". Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n. 49, p.84-97, nov. 1997. BRAGA, José Carlos de Souza. O espectro que ronda o capitalismo. Folha de S. Paulo, Caderno Mais, 1º set. 1996. p. 5-3. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil – 1988. São Paulo: Encyclopaedia Britannica do Brasil, 1989. _______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nº 9.394/96. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, n.248, 23 dez. 1996. BORÓN, Atílio. Estado, capitalismo e democracia na América Latina. São Paulo: Paz e Terra, 1994. CONFERÊNCIA DE CÚPULA DE NOVA DELHI. (Nova Delhi, Índia, 13 a 16 de dezembro de 1993), UNESCO, UNFPA e UNICEF. Brasília: MEC, 1994. 40 p. CONFERÊNCIA IBERO-AMERICANA DE EDUCAÇÃO, 6. Governabilidade democrática e dos sistemas educacionais. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n.100, p.121-148, jan. 1997. CORAGGIO, José Luis. Propostas do banco mundial para a educação. In: Tommasi, Livia De; Mirian Jorge Warde; Sérgio Haddad (Orgs).O banco mundial e as políticas educacionais. São Paulo: Cortez Editora, 1996. p.75-123. CUNHA, Luiz Antônio. Educação, Estado e Democracia no Brasil. São Paulo: Cortez, 1991. FARAH, Marta Ferreira Santos. Reconstruindo o Estado: gestão do setor público e reforma da educação. Planejamento e Políticas Públicas. Brasília, n.11, p.189-236, jun./dez. 1994. FERNANDES, Luís. Neoliberalismo e reestruturação capitalista. In: SADER, E. ; GENTILI, P. (Org.). Pós-neoliberalismo – as políticas sociais e o Estado democrático. São Paulo: Paz e Terra, 1995. 205p. p.54-61. FIORI, José Luís. Em busca do dissenso perdido: ensaios críticos sobre a festejada crise do Estado. Rio de Janeiro: Insight Editorial, 1995. 245p. ______. O vôo da coruja: uma leitura não liberal da crise do Estado desenvolvimentista. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1995. 133p. ______. A governabilidade democrática na nova ordem econômica. Novos Estudos. CEBRAP, São Paulo, n.43, p.159-72, nov. 1995. GADELHA, Regina Maria A. F. Globalização e crise estrutural. In: _______ (Org.). Globalização, metropolização e políticas neoliberais. São Paulo: EDUC, 1997. p.51-72. GOLDENSTEIN, Lídia. Repensando a dependência. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994. HOBSBAWN, Eric. Era dos extremos: o breve século XX. São Paulo: Comp. das Letras, 1995. 598p. MÃOS À OBRA BRASIL: uma proposta de governo/Fernando H. Cardoso. Brasília: s.ed., 1994. MEC. Roteiro para orientar o debate sobre o Plano Nacional de Educação. MEC/INEP, 1997, NOGUEIRA, Marco Aurélio. Para uma governabilidade democrática progressiva. Lua Nova, São Paulo, n.36, p.105-28, 1995. OLIVEIRA, Francisco. Globalização e antivalor: uma antiintrodução ao antivalor. In: FREITAS, Marcos Cezar de (Org.). A reinvenção do futuro: trabalho, educação, política na globalização do capitalismo. São Paulo: Cortez USF-IFAN, 1996. p.77-113. ROMANELLI, Otaíza Oliveira. História da Educação no Brasil (1930/1973). Petrópolis: Vozes, 1991. SADER, Emir. A hegemonia neoliberal na América Latina. In: SADER, E.; GENTILI, P. (Org.). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. São Paulo: Paz e Terra, 1995. ______. Globalização positiva e globalização negativa: a diferença é o Estado. In: Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n.48, p.39-65, jul. 1997. SOARES, Maria Clara Couto. Banco Mundial : políticas e reformas. In: Tommasi, Livia De ; Warde, Mirian Jorge; Haddad, Sérgio (Orgs.). O Banco Mundial e as políticas educacionais. São Paulo: Cortez Editora, 1996. p.15-39. UNESCO. Hacia una nueva etapa de desarrollo educativo. Boletin Proyecto Principal de Educación en America Latina y el Caribe, Santiago, Chile, n.31, p.8-29, ago. 1993.. UNICEF. Declaração mundial sobre educação para todos e Plano de ação para satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem. In: CONFERÊNCIA MUNDIAL DE EDUCAÇÃO PARA TODOS, 1990, Jomtien, Tailândia. Conferência... Brasília: UNICEF, 1991. 29 p. XAVIER, Maria Elizabete S. P. Capitalismo e escola no Brasil : a constituição do liberalismo como ideologia educacional e as reformas do ensino (1931-1961). Campinas, SP: Papirus, 1990. 182p. * Artigo elaborado com base na Dissertação de Mestrado em Educação, de mesmo título, defendida em 2001 na UFMS. ** Professora da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul.

Page 39: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

40

Educação para uma nova sociedade

Gey Espinheira*

(Conferência no I Encontro Regional do Fórum Brasileiro de Educação. Salvador, 20 de março de 2003).

Introdução Pensar a educação é ir além das técnicas e mesmo das ciências. Já estou cansado – e

acredito que muita gente mais – de pensar a educação como razão instrumental e atrelá-la ao mercado de trabalho, como se o destino do ser humano fosse o de transformar-se em trabalhador especializado, ou um faz-de-tudo, pau-para-toda-obra, ou ainda um generalista qualificado.

Nos últimos poucos anos as mudanças que se processaram na sociedade foram tão significativas que podemos dizer que ultrapassamos a linha da tradição e no inserimos no torvelinho da sociedade de mudanças e de descontinuidades que nos ultrapassam infinitamente, para usar aqui uma expressão dos paradoxos de Latour (1994).

Saímos, por exemplo, do paradigma da sociedade de economia para o de sociedade de tecnologia. O reconhecimento de que não foi o trabalho o responsável pelo aumento da produtividade e sim a tecnologia, o próprio trabalho passa a ser questionado como o lugar e o destino do ser humano, embora não se saiba o que fazer com este ser em estado de não-trabalho, como um ser improdutivo, intoleravelmente dependente.

Decididamente a educação vinculou-se ao trabalho e este se constituiu na melhor forma de controle social e de demarcação do espaço humano nas sociedades ocidentais. Freud, em seu Mal-estar da civilização, reconhece este enredo no qual os seres humanos foram levados a representar, e nos diz que “nenhuma outra técnica para a conduta da vida prende o indivíduo tão fortemente à realidade quanto a ênfase concedida ao trabalho, pois este, pelo menos, fornece-lhe um lugar seguro numa parte da realidade, na comunidade humana”. (1997 p. 29). Para Marx, o trabalho coletivo constrói a humanidade e para ser exercido exige conhecimento dos usos dos instrumentos, da tecnologia, e a sua forma de produzir, portanto, produz também a organização da sociedade e tudo mais que a caracteriza.

A educação é o meio para conhecer e agir na sociedade do trabalho; mas, estamos ainda na sociedade do trabalho? Já não é hora de pensar a educação para além do trabalho? Não terá o trabalho mudado? A estas questões não quero responder recorrendo à utopia da sociedade do ócio, mas a que se expande em modos de fazer, criar e inventar que, como na letra da música de Noel Rosa e Vadico: “fazer samba é um privilégio/ ninguém aprende samba no colégio”.

Não desejo entrar em considerações, portanto, sobre a sociedade do ócio ou qualquer coisa que o valha neste sentido, apenas dizer que a educação instrumental não encontrará campos largos de trabalho e emprego como se acreditava, ou como se alardeia hoje com a superoferta de cursos de toda natureza. Bourdieu (1996, p. 38 ss.) nos alertava que a educação, para além do conhecimento, concede diplomas, titula as pessoas, diferenciando-as socialmente e capacitando a acessos que outros, sem a titulação, estão impedidos. A educação joga um jogo social importante na distinção entre as pessoas e grupos sociais

Page 40: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

41

“pelo direito de usar um nome, um título; tem, portanto, outras funções para além do conhecer”.

O ser humano é um animal sem especialização como tal, por isso mesmo sua grande tarefa é a de constituir-se humanamente, isto é, de tornar-se o que não o é pela própria natureza; transcender-se em sua imanência. O processo para chegar a este objetivo é, inquestionavelmente, o educacional. Ninguém se humaniza sozinho, nos diz Berger (1972, p.114) “Uma pessoa não pode ser humana sozinha e, aparentemente, não pode apegar-se a qualquer identidade sem o amparo da sociedade”. Precisamos da sociedade para nos respaldar, e poderíamos dizer: precisamos da educação para nos fazer gente.

Quem somos nós no conjunto da sociedade? A que nos destinamos? Roland Corbisier (1978, p.59) citando Ortega e Gasset, nos diz que somos um projeto, que nos realizamos como projeto, já que não estamos acabados e programados.

Quando falamos em educação estamos pronunciando uma palavra enigmática, pois todos a entendem, mas nem só não sabemos do que estamos falando, nem os que nos ouvem sabem do que falamos. Rancière (1996) diria que este é um exemplo puro de desentendimento. E estamos nos desentendendo há muito tempo.

Quando falamos em paradoxo estamos nos referindo a algo que se apresenta como contrário, ou uma contraposição àquilo que julgamos ser o esperado. Assim, quando o professor se refere ao valor social da educação e, ao mesmo tempo, ao seu desprestígio no mercado de trabalho, está diante de um paradoxo e, certamente, também de um dilema e de um desafio, mas ainda em face de uma obviedade: o seu valor no mercado da educação de massa.

Por dilema podemos considerar a necessidade de uma decisão diante de alternativas que são opostas e cada uma delas insatisfatória, mas que é preciso chegar a uma conclusão ou a uma saída.

Pensemos, portanto, em paradoxos e depois nos dilemas que eles nos propõem: 1. O valor social da educação não é correspondido com a mesma ênfase nas

relações de trabalho no campo educacional; 2. A baixa-estima do professor ao confessar seu baixo rendimento e suas

precárias condições de trabalho expressa a sua fragilidade no âmbito do próprio campo educacional;

3. Ao comparar-se em dedicação e estudos a outros profissionais que obtêm sucesso sem o requerimento do empenho intelectual (artista, jogador de futebol, piloto de fórmula 1 etc.) põe em jogo a desvalorização social da educação para os próprios estudantes que são incentivados a “estudar para vencer na vida”;

4. A padronização da educação de massa é também a padronização (homogeneização) social, enquanto que o discurso da educação é o da distinção social, da instalação da competência para o desempenho competitivo na sociedade;

5. O predomínio da “razão instrumental” no processo educacional tende a anular a atenção à subjetividade do sujeito, tornando-o um ser indistinto diante de uma missão a que está obrigado a realizar sem ter a devida consciência do seu sentido e do seu significado;

6. A educação abstraída de significado torna-se mais um fardo do que algo reconhecido pelo estudante, também abs-traído, o ex-traido, para a realização de seu próprio projeto de formação social, de constituição de um ser repleto de possibilidades;

7. A má qualidade da educação leva ao desencanto e a freqüência à escola torna-se apenas uma obrigação social de “estar na escola”, o que descompromete o estudante com as relações necessárias decorrentes dos papéis em jogo;

8. Sobrecarregado e mal remunerado, o professor se desencanta e amesquinha seu próprio papel social;

9. O autoritarismo e a hipocrisia do campo educacional estabelece um chão de relações falsas, moralistas, que se torna movediço para todos os que se envolvem nesse campo;

Page 41: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

42

10. A educação, embora absolutamente necessária, já não é condição – para a maioria – de ascensão social, garantia de trabalho, emprego e renda, nem de distinção social.

Diante desses paradoxos – que não se esgotam aqui – é preciso pensar nos dilemas que

eles propõem e nos desafios que professores e estudantes têm pela frente para enfrentá-los se quiserem mudar o rumo da educação na proposição de uma nova sociedade. O principal dilema diz respeito ao fato de que só uma nova sociedade pode propor uma nova educação, e que a educação é o mecanismo, como processo, de construção dessa nova sociedade.

2. Em que sociedade vivemos hoje? Fizemos uma transição da sociedade de disciplina para a sociedade de controle. Da

sociedade de forma, isto é, de molde, para a sociedade digital que nega a forma, o molde, e impõe modulações (Deleuze, 1992). A sociedade de consumo em que a identidade de consumidor válido (Bauman, 1998) se sobrepõe a qualquer outra. Cidadania do consumo e do consumidor, da qual não participam os consumidores falhos, que são a “sujeira” social.

Enigmática, a sociedade pós-moderna – ou que outra denominação possa vir a ser adotada (pós-tradicional, supermoderna, de informação etc.) – escapa de ser apanhada de uma vez e revela-se, como a idéia de globalização, mais por seus efeitos do que pelas causas. É também a sociedade do “crepúsculo do dever”, como propõe Lipovetsky (1992) (Le crépuscule du devoir), contra a qual Bauman (1997) se arma de contra-argumentação em Ética pós-moderna, afirmando que o filósofo “comete o erro gêmeo de representar o tópico da investigação como um recurso investigativo; o que deve explicar como o que explica” (ibid. p. 7) e logo mais adiante diz:

Se a descrição de Lipovetsky está correta e nós nos confrontamos hoje

com uma vida social liberada de preocupações morais, o puro “é” que não se guia mais por qualquer “deve”, um intercurso social descasado de obrigação e direito – a tarefa do sociólogo é mostrar como veio a suceder que regulamentação moral tenha sido “desencarregada” do arsenal de armas outrora desenvolvido ns lutas auto-reprodutivas da sociedade.

Crise de valores, assim como a famosa crise de paradigmas falada até a exaustão pelos

arautos da globalização e da pós-modernidade, parece ser o sintoma e a causa da verdadeira crise da sociedade (in)conformada e (in)conformista em relação à família, à escola e, enfim, ao amor amoroso, perplexa diante do trabalho e das incertezas.

Há uma crise de valores. Há quase um consenso a respeito dessa afirmação. Alguns parlamentares propuseram o retorno da disciplina moral e cívica, assim como do ensino de religião para o resgate dos “valores perdidos”. Causa e efeito aqui se misturam no caos produzido pelo desentendimento. Recorrendo a Heller (1970, p. 5):

Valor é tudo aquilo que, em qualquer das esferas e em relação com a

situação de cada momento, contribua para o enriquecimento daquelas componentes essenciais (as componentes, para Marx, da essência humana são: o trabalho (a objetivação), a socialidade, a universalidade, a consciência e a liberdade); e pode-se considerar desvalor tudo o que direta ou indiretamente rebaixe ou inverta o nível alcançado no desenvolvimento de uma determinada componente essencial. O valor, portanto, é uma categoria ontológico-social; como tal, é algo objetivo; mas não tem uma objetividade natural (apenas pressupostos ou condições naturais) e sim objetividade social. É independente das avaliações dos indivíduos, mas não da atividade dos homens, pois é expressão resultante de relações sociais.

Esses “críticos” da sociedade contemporânea não se dão conta dos valoers como

construções resultantes das relações sociais. A precarização do trabalho, por exemplo, arrastou pela a grelha que leva ao subterrâneo das galerias pluviais valores que até então

Page 42: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

43

sedimentavam relações emocionais familiares, de amizade, de solidariedade e compartilhamento com a enxurrada do consumo e da competitividade. Eis aí o ponto focal da “corrosão do caráter” (SENNETT, 2001), das transformações em todas as dimensões da vida humana.

A crise de valores, portanto, deixa de ser enigmática para ser desvelada pela fonte causal mais importante: a reestruturação produtiva e a elevação do mercado à condição sagrada de regente máximo e tirânico da vida social. “Compro, logo existo”, escreve Kumar (1997, p. 166) citando a frase como um dos slogans “supostamente posmodernista”.

Desestabilizados do nicho do trabalho e de tudo que em torno dele girava a vida social: o seu significado, o seu sentido para a existência das pessoas, o que resultou foi o terreno movediço das incertezas e das angústias, do não mais se saber quem exatamente é e o que vale, tanto para si mesmo quanto para os outros. As esperanças em relação aos mais jovens foram também abaladas ou destituídas de significado. A nova sociedade é confusa, incerta e sem rumo. Diz Sennett (ibid. p. 10) “Na verdade, a nova ordem impõe novos controles, em vez de simplesmente abolir as regras do passado – mas também esses novos controles são difíceis de entender. O novo capitalismo é um sistema de poder muitas vezes ilegível”.

Sociedade de competição e de exclusão: Um pouco de Brasil no início do século

XXI Em nenhum momento estamos aqui para desencadear, como muitos o fazem e tantos

outros o fizeram há pouco tempo, elogio do processo de globalização como um dos prodígios da pós-modernidade, dessa nova sociedade que toma forma, velozmente, despedindo os seres humanos como excesso, e mesmo como resíduos descartáveis ou mais contundentemente, como “sujeira social”.

Em poucos anos de euforia globalizante o mundo ficou menor, mais imediato, mais inseguro e angustiante, precisamente quando dispõe de tecnologias maravilhosas que poderiam proporcionar as mais altas liberdades e taxas de conforto já conhecidas na humanidade.

Gosto de repetir a frase dita pelo ilustre economista americano, John Keneth Kalbraith: “Globalização não é um conceito sério. Nós, americanos, o inventamos para dissimular nossa política de entrada econômica nos outros países”1; e mais do que nunca estamos vivenciando esta política, a exemplo do recente Encontro das Américas, no Canadá, quando o mundo americano se estrutura com a ALCA para estender o seu poder em todo o continente de forma definitiva.

É muito importante ressaltar a diferença entre o Brasil e os Estados Unidos, mesmo que festejemos com a euforia de sempre – mas nem sempre compreendendo o significado disso – o fato de estarmos entre as dez mais fortes economias do mundo. Tem razão o embaixador Samuel Guimarães (e foi punido por isso!) quando diz que o Brasil é a mesma coisa que “Popó versus Mike Tyson” e dispara uma estatística assombrosa no campo científico: “A diferença entre o Brasil e os EUA é brutal. Em 2000, enquanto eles pediram 39 mil patentes, nós pedimos 160” (ISTO É/1647 – 25/4/2001, p. 82).

Tomemos o exemplo da Internet, todos que a utilizam, e mais uma soma considerável de softwares, sabem que estão sob o domínio da Windows e de outras grandes empresas de informática que ditam regra e moda, de modo determinante, em quase todo o mundo, particularmente entre nós.

Uma reflexão séria sobre o nosso tempo não nos deixa otimistas com a nossa situação atual e com as nossas perspectivas futuras, sobretudo no campo político, e isso nos obriga a mediar as nossas responsabilidades se quisermos sair dessa situação constrangedora, verdadeiramente humilhante, em que nossa sociedade está posta no cenário internacional, como podemos acompanhar pelos índices das Nações Unidas; e nacional quando nos defrontamos com a derrocada moral de nossas instituições políticas mais elevadas, em que

1 Folha de São Paulo, Caderno Opinião, p.2 - 03.11.1997.

Page 43: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

44

pese a recentíssima vitória eleitoral do Partido dos Trabalhadores, elegendo para Presidente da República seu ícone, Luís Inácio Lula da Silva.

Crise? Sim, e isso é bom sinal, pois se define por situação de crise aquela em que o sistema social está incomodado, afetado por problemas que o impedem de operar plenamente. Mas novamente devemos seguir aquela orientação de Michel Foucault em resposta a Rabinow (Rabinow 1999, p.30) sobre o interesse pela política, ao que o filósofo respondeu substituindo o por quê por como:

Nossa tarefa é colocar de lado estes esquemas utópicos, a procura por

princípios primeiros, e perguntar como o poder efetivamente opera na nossa sociedade. “parece-me, explica Foucault, “que a verdadeira tarefa política numa sociedade como a nossa é critiacar o funcionamento das instituições que aparentam ser neutras e independentes; criticá-las de tal maneira que a violência política exercida obscuramente através delas possa ser desmascarada, a fim de que possam vir a ser combatidas”.

Recusar a sociedade atual em suas formas de organização institucional é um dever da

consciência, e isso diz respeito à educação, o nosso principal campo de atuação, assim como aos demais: político, administrativo, legislativo e judiciário. Uma ampla transformação política é necessária, absolutamente necessária, para projetar o Brasil contemporâneo como capaz, de fato, de vivenciar o tempo atual, e não como a fatalista promessa de ser um país do futuro, imerso em atraso e em mentira, no mais pleno desrespeito ao seu povo.

Recusar este Brasil que se desdobra em dois: o Brasilsão pobre, violento e até mesmo entristecido, e este outro, Brazilzinho maiamizado dos emergentes e da elite capitalizados às custas da corrupção, da drenagem do dinheiro público para banqueiros e estes em seus paraísos fiscais; mas também no jogo das negociatas de empreiteiros e escritórios escusos que negociam com instituições públicas.

Este é um país em que as autoridades de alto escalão se acusam, mutuamente, de corruptos, indignos, infiéis e coisas tais. Dão o grande espetáculo de serem representantes de um submundo que só emerge quando competem entre si, quando se sentem ameaçados. O Brasil do lodo é o Brasil real, por isso urgiu impedir que o Congresso Nacional pudesse realizar a CPI da corrupção, medo da extensão que poderia ter uma devassa bem feita. Senadores fraudadores, senadores que desviam recursos de agências públicas, que negociam com papéis do governo, que mentem desavergonhadamente. Parlamentares envolvidos com o crime organizado Não é gente simples, mas a que participa do Congresso Nacional! Que representa politicamente o povo brasileiro.

Todo o lixo para debaixo do tapete, enquanto nos campos, nas fábricas, nas escolas, nas ruas, trabalhadores e estudantes, e o famoso e indistinto “povo em geral”, se mexem, se sacodem, na tentativa de balançar o poder flexibilizado pelo cinismo que se mantém e que flui apesar de tudo.

Mas essa introdução indignada não deve impedir que eu faça, mais que a expressão de denúncia, a análise de nosso tempo, pois é preciso exercer a crítica, no seu sentido mais rigoroso, o de desvendar o que está mascarado para estabelecer a compreensão, o entendimento e a ação política bem organizada para mudar a sociedade, para que ela seja, de fato, do povo brasileiro.

Um bom exemplo, que aos poucos se dilui na memória, mas que foi realidade para as gerações mais velhas, é o das agências bancárias com seus inúmeros guichês e suas múltiplas filas e, por trás deles, uma pequena multidão de bancários. Hoje, essa imagem é bem diferente: são salões com o centro vazio e os cantos com baterias de máquinas que satisfazem quase todas as necessidades que os clientes têm de um banco, sem precisar recorrer a funcionários. Outro exemplo trivial é o do restaurante “a kilo” (sic), que mudou os costumes dos que recorrem ao “fast food”, na verdade mudando estilos de vida. Neste caso, assim como no dos bancos, o desemprego é a tônica. Bancário tornou-se uma categoria em extinção e, no passado, juntamente com os operários metalúrgicos e petroquímicos, representou uma das maiores forças trabalhistas do país.

Page 44: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

45

Bancários, garçons, trabalhadores especializados e centenas de outras funções tornaram-se desnecessárias. As inovações tecnológicas transformaram rapidamente o país; o computador aposentou definitivamente a máquina de escrever e passou a ser um componente obrigatório em toda empresa, e mesmo nas residências. A conseqüência do mundo maravilhoso do “self service”, do “fast food” e da virtualidade foi a exclusão de milhares de pessoas do mercado de trabalho, sem falar de outros muitos milhares que se encontravam na categoria sociológica de marginalizados. Associa-se a esta nova realidade o bloqueio aos mais jovens em relação ao primeiro emprego.

Em sua introdução a “Os sentidos do trabalho”, Antunes (1999:15) refere-se à crise experimentada pelo capital e suas respostas na forma do neoliberalismo e da reestruturação produtiva da “era da acumulação flexível”, cujas conseqüências alteraram profundamente as formas de ser e de existir da sociabilidade humana e dentre elas:

Podemos inicialmente mencionar o enorme desemprego estrutural, um crescente contingente de trabalhadores em condições precarizadas, além de uma degradação que se amplia, na relação metabólica entre homem e natureza, conduzida pela lógica societal voltada prioritariamente para a produção de mercadorias e para a valorização do capital.

No desenrolar dessas sucessivas cenas da realidade “clip” brasileira, em que se vive sob

a hegemonia da globalização na cultura pós-moderna – esta, que poucos sabem o que representa –, o que se observa são as ondas de desemprego, o desmantelamento do Estado, a privatização de empresa e serviços públicos, estes pela via da terceirização, segundo a crença generalizada da eficiência da gestão privada e da ineficácia da pública, baseada no pressuposto de que o mercado regula a produção e que “quem não tem competência não se estabelece”.

O modelo adotado pelo Brasil, incapaz de resistir à sedução da globalização, vem acompanhado de justificativas para legitimá-lo, na forma, como denomina Antunes (ibid.), de fetichização:

Desde o culto da sociedade democrática, que teria finalmente realizado a

utopia do preenchimento, até a crença na desmercantilização da vida societal, no fim das ideologias, no advento de uma sociedade comunicacional capaz de possibilitar uma interação subjetiva, por meio de novas formas de intersubjetividade. Ou ainda aquelas que visualizam o fim do trabalho e a realização concreta do reino do tempo livre, dentro da estrutura global de reprodução societária vigentes.

O brasileiro, ao longo desta década vive o delírio, ganha a cidadania de consumidor e

tem no Procon2 a sua representação diante do produtor, do comerciante ou do prestador de serviço, mesmo considerando suas limitações. A identificação de cidadania com o consumidor decorre da situação vista por Canclini (1995:15) como de afastamento “da época em que as identidades se definiam por essências a-históricas: atualmente configuram-se no consumo, dependem daquilo que se possui, ou daquilo que se pode chegar a possuir”. É uma situação nova que abre um fosso bem mais largo e mais profundo entre os consumidores e os “consumidores falhos”, para usar aqui a distinção proposta por Bauman (1998:24), aqueles que vão se tornar a “sujeira” social que precisa ser removida.

Frente à euforia da globalização, o brasileiro sentiu o desemprego, o bloqueio ao primeiro emprego, a angústia da insegurança dos que ainda estão empregados em permanecer em seus postos; o aumento vertiginoso da violência urbana e a apatia em relação ao sistema político, depois dos sucessivos escândalos de corrupção em todas as esferas governamentais e em todas as instituições públicas, não apenas no centro do poder, mas também em suas extremidades, em suas ramificações, como recomenda Foucault (1986, p. 182) para se estudar o exercício concreto do poder em sua manifesta “cada vez menos jurídica”.

2 Órgão do governo federal encarregado de fiscalização e de ação em defesa do consumidor.

Page 45: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

46

Saturação e erupção Nesse processo revela-se o paradoxo político que é o tema central de nossa

preocupação neste ensaio: a percepção social do simulacro e a retomada política de uma oposição legitimada pelo esgotamento das promessas da globalização e desse neoliberalismo que não consegue cumprir as promessas para o novo século, ou na melhor das empulhações, para o novo milênio.

O esgotamento do modelo econômico da globalização se reflete nos movimentos sociais que se organizam e se mexem contra a corrente avassaladora do entreguismo econômico do Estado à esfera privada, estabelecendo uma situação que se expressa em dois planos: no primeiro, a redução do Estado nacional dos países do terceiro mundo; no segundo, o incentivo e a explicitação da corrupção como modo de ser da sociedade em todas suas instâncias.

Diante dessa situação confusa e confusamente comunicada pela mídia, o indivíduo se sente arrebatado por forças incontroláveis que o levam de roldão, sem saber para aonde e em que condições. Encontra-se diante de uma diminuição do Estado que à primeira vista parece salutar, pois as partes amputadas estavam gangrenadas e ameaçavam o todo; mas também porque sente o reforço da sociedade civil, velho ideal liberal, mas também anarquista e mesmo comunista. Por outro lado, sente a fragilidade do Estado Nacional diante de outras sociedades que, bem estruturadas, fazem da globalização uma forma despudorada de intervenção no país, com o “hábeas corpus” preventivo de ser tendência inexorável da globalização e da pós-modernidade.

A configuração de uma condição ou situação continuada, duradoura e persistente encontra como antídoto uma espécie de cansaço que se manifesta na forma de saturação, como se pode ver na percepção de Maffesoli (1999, p. 48):

Quando os diversos segmentos integrantes de determinada identidade

não podem mais, por desgaste, incompatibilidade, fadiga, etc., permanecer ligados entrarão, de maneiras variadas, em outra composição, favorecendo assim o surgimento de outra identidade. Foi esse processo que levou à emergência da“pós-medievalidade”, na seqüência chamada de modernidade. É isso também que, antes de receber um nome adequado, preside a elaboração da pós-modernidade. Saturação – recomposição. Talvez seja a única lei que possamos identificar no transcurso caótico das histórias humanas.

O sentimento de saturação é forte. Os destroços do neoliberalismo são visíveis nesse

naufrágio: os desempregados; uns se debatem desesperados, outros vão ao fundo; os jovens se perguntam o que vão fazer diante das portas fechadas do mercado de trabalho quando da procura do primeiro emprego. Eles trazem estudos, uns incompletos, outros com diplomas, mas não é mais o sistema educacional formal que prepara o indivíduo para o trabalho, a educação tornou-se uma espécie de enigma, pois não mais é formadora do “ser social completo”, e muito menos é libertária, emancipadora; só os privilegiados têm garantia de inserção social na economia, são portadores de alguma herança.

A escola é aparelho da educação, opera de modo ambivalente, tanto como extensão distanciada da família, como de sua negação, tornando-se um campo próprio de fuga da família para a entrada no mundo amplo e hostil. Mas a escola incorpora, segundo a análise de Bourdieu (2000, p.8), a competência para a transmissão do efeito de destino da herança:

Cujos julgamentos e cujas sanções podem confirmar os da família, mas também contrariá-los ou opor-se a eles, e contribuem de forma absolutamente decisiva para a construção da identidade. O que explica, sem dúvida o fato de encontrarmos tão freqüentemente a escola na origem do sofrimento das pessoas interrogadas, decepcionadas ou com seu próprio projeto ou com projetos que haviam feito para seus descendentes, ou então pelos desmentidos infligidos pelo mercado de trabalho às promessas e às garantias da escola.

Page 46: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

47

A educação de massa, como já referida, é hoje realidade da massa de desempregados,

subempregados ou de candidatos ao primeiro emprego. Todos estão igualados por seus níveis educacionais básicos. É neste ponto que a educação se torna entrópica e perde força, pois o campo produtivo está selecionando para além desses níveis de saturação educacional, em que pese o fato de que sem eles a condição dos indivíduos seria bem mais desvantajosa, na verdade mais perversas.

A reiteração do discurso salvacionista da educação se faz acompanhar de outros tantos mitos mais diretamente ligados às organizações produtivas. A saturação também atinge a linguagem, o vocabulário de tecnocratas e intelectuais acadêmicos do neoculturalismo universitário brasileiro: “qualidade total”, “reengenharia”, “inteligência emocional”, “toyotismo” “pós-modernidade”, “globalização”, “novo século”, “novo milênio”, “pós-fordismo”, “planejamento estratégico”, “sustentabilidade”, “sociedade midiática”, “realidade virtual”, “flexibilização” etc., além de uma enxurrada de auto-ajuda e usos abusivos de “Jesus” no proselitismo alucinado de vertentes religiosas que o transformaram na mais difundida peça de marketing neste final de século em cultos espetaculares no comércio por atacado e a varejo de seu nome.

Os jornais trazem notícias boas, mas são dos Estados Unidos, do Canadá e da Europa. Lá fora caem as taxas de criminalidade, reduz o desemprego e eleva-se o PIB. No Brasil não há otimismo, há violência e tragédia. Alguns sonham com o passado e o acham melhor que o presente: “pelo menos tínhamos segurança e sabíamos o que íamos ser”. O presente, a era da insegurança e das incertezas, quando já não mais se pergunta a uma criança ou a um adolescente – o que vai querer ser quando crescer? Que carreira vai seguir? Assim como o adulto empregado se questiona até quando permanece no trabalho, e o que é preciso fazer para não perder o seu emprego.

Há uma angústia em quase todos os lares, em quase todos os bares, em quase todos os lugares. Uma tristeza na incerteza, a desilusão da globalização, “mas o coração continua”3.

Estamos em um momento muito peculiar em que, como nos diz Vattimo, (1999:55): A idéia de que a história tinha um sentido progressivo, sendo, por uma via

mais ou menos misteriosa, guiada por uma racionalidade providencial, sempre se aproximando da perfeição final, estava na base da modernidade.

E a modernidade parece, na definição do filósofo, distanciar-se da contemporaneidade na

medida em que a “modernidade como a época em que, mais ou menos explícita e conscientemente, o ser moderno foi tratado como valor básico”. A era do desespero é precisamente esta em que o ser pós-moderno foi elevando à individualidade mais exacerbada, à solidão maior em meio ao coletivo inquieto e frenético do estar junto-com nos espetáculos, ao seu destino pessoal, cada um responsável por si mesmo.

O nova ordem que emergiu do neoliberalismo construiu o individualismo exarcebado, supostamente livre – ainda que, ironicamente, para consumir – produziu o fenômeno da exclusão e o seu oposto: a recusa à rejeição pela via da força da transgressão e do crime. O balanço social é extremamente contraditório. Assassinatos, estupros, roubos, assaltos, tráfico de drogas, prostituição, gangues de jovens e todo um corolário de transgressão e crimes e uma proporção considerável de famílias sem a presença adulta masculina. Para Lipovetsky (ibid. p.18) estas foram as conseqüências sociais herdadas do neoliberalismo na constituição da sociedade do pós-dever, mas precisamente em suas palavras:

O pós-dever contribui para a fragmentação e polarização nas democracias, produzindo ao mesmo tempo a normalização e a anomia, mais integração e mais exclusão; mais autoproteção higiênica e mais autodestruição, maior horror da violência e maior banalização da deliquência, mais cocooning e mais sem abrigo. Por toda parte o individualismo vigora e assume duas faces antagônicas: uma integrada, autônoma, flexível e

3 Ùltimo verso de “Consolo na praia” de Carlos Drummond de Andrade.

Page 47: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

48

autoconfiante para grande maioria; outra, frustrada, violenta e sem futuro para as novas minorias deserdadas.

A dualidade como polarização afirmada por Lipovetsky nos leva a perceber que não se

trata de uma simetria; são duas faces, mas não de sociedade que se cortam ao meio e apresentem dois lados, mas que produzem efeitos de exclusão e de recusa dessa exclusão de modo violento. Eis que a inclusão de alguns se repercute na exclusão de outros, como resposta à incapacidade de absorção da maioria dentro dos padrões sociais de educação e trabalho. Normalidade e anomia, portanto, são expressões da sociedade contemporânea. Quanto a este aspecto, em que ressalta a sociedade como um problema para si mesma, a recusa ao caos desagregante põe em questão a necessidade de novos rumos políticos, sociais, culturais e econômicos para a superação de problemas sociais responsáveis pelos altos índices de criminalidade.

Essa recusa é extraordinária e finaliza uma década terrível, a dos anos 90, com todos os embustes que vão da “reengenharia aos novos paradigmas”, como se fosse possível sepultar a notável experiência libertadora do ser humano, a sua busca civilizadora, e em lugar a imposição da ideologia do mercado, da cidadania de consumidor como bases para o prazer e para a felicidade. O pós-dever se acrescenta a tatos outros pós, que a sociedade contemporânea só é percebida pelo que ela deixou para trás, mas não pelo que efetivamente a constitui.

A sociedade contemporânea, depois da perplexidade dos primeiros e terríveis momentos desse fim de século, não propõe novos rumos e destino, não os conhece; mas novas formas de luta e sabe que está diante da Hidra; e entre o drama e a tragédia faz o seu desafio sabendo que nada mais será como antes, nem como será o devir, pois o passado não era o futuro esperado, e o futuro não repetirá o que jamais existiu – o mito.

Nesta síntese procuramos compreender a transformação política e conceitual do Brasil, mas também da América Latina concebida como um conjunto político a reagir em busca de sua emancipação continental e cultural ao longo do século XX, como a concepção do Terceiro Mundo, que para Hannah Arendt (2001, p. 24) “não é uma realidade, mas uma ideologia”, cuja tônica era a busca de uma identidade e ao mesmo tempo da emancipação de países e do bloco latino-americano. Hoje, essa identidade encontra-se fragmentada e ameaçada de dissolução pelas forças poderosas do mercado que promovem a imbricação e, até mesmo, a fusão da economia com a cultura e a política. O projeto de educação, tal como concebido por Paulo Freire, expandia a identidade, mas sem jamais dilui-la em uma totalidade dissociada.

O mundo tal qual o conhecíamos já não mais existe (Wallerstein, 2000). A datação das grandes transformações e o fortalecimento, nos fins do século XX do grande Império (Cf. Hardt e Negri), provocando distâncias abismais entre o Primeiro Mundo e o Terceiro. Voltamos, portanto, ao redemoinho da globalização.

A dissolução da sociedade civil é uma hipótese a ser considerada nesse modelo de sociedade de controle, que exige que racionalidades crescentes ocupem o lugar das paixões, dos desejos, e seja tão somente a sociedade submetida ao domínio total da tecnologia, desimpedida dos penduricalhos das conquistas sociais. Assim, uma nova concepção de sociedade emerge com uma força avassaladora, a exemplo do que registra Wacquant (2001) em revista das teses sociais americanas da atualidade, que estão se espalhando pelo mundo, notadamente na Inglaterra de Tony Blair, amplamente divulgadas pela mídia que focam questões como: pais ausentes, gravidez na adolescência etc., cujos custos sociais não devem ser sociais, mas da responsabilidade dos indivíduos. Diz Wacquant:

Vê-se, assim desenhar-se um franco consenso entre a direita americana

mais reacionária e a autoproclamada vanguarda da “nova esquerda” européia em torno da idéia segundo a qual os “maus pobres” devem ser capturados pela mão (de ferro) do Estado e seus comportamentos corrigidos pela reprovação pública e pela intensificação das coerções administrativas e das sanções penais.

Page 48: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

49

Em outro trecho do mesmo livro(p. 47) este autor nos traça o seguinte quadro do processo que se amplia na “era do pós-wlfare”:

Retrocesso para uma visão atomista da sociedade como simples coleção

serial de indivíduos orientados ora por, evidentemente, seus interesses, ora (quando seu comportamento parece desafiar o cálculo de utilidade ou ir contra o bom senso conservador) por uma “cultura” de onde milagrosamente jorram suas estratégias e suas chances de vida; explicação individualista de um fato social em violação flagrante do primeiro preceito do método sociológico (que pretende que sempre se explique um fato social por outro fato social), decretado caduco na nova “sociedade meritocrática” enfim alcançada; supressão da divisão social em classes sociais, vantajosamente substituída pela oposição técnica e moral entre os “competentes” e os “incompetentes”, os “responsáveis” e os “irresponsáveis”, as desigualdades sociais sendo apenas um reflexo dessas diferenças de “personalidade”.

A sociedade pós-dever para o indivíduo é também a sociedade do Estado do pós-dever

para com o cidadão. A perspectiva atomista da social joga sobre os indivíduos o peso da sociedade como se ela fosse igual para todos em oportunidades e só dependesse do desempenho pessoal de cada um. A herança, referida por Bourdieu não é levada em conta, ou seja, o capital simbólico e material que distingue as pessoas quanto às condições materiais de existência. É uma abstração de um ser abs-traído e ex-traído de seu contexto e proposto em um outro absoluto e abstrato.

É importante retomar Sennett (2001, p. 13) quando reconhece a importância dos laços afetivos na configuração da sociedade:

É mais fácil observar os compromisso afetivos que ocorrem na família do

que numa fábrica, mas a vida emocional dos grandes aglomerados é igualmente real. Sem laços de lealdade, domínio e fraternidade, nenhuma sociedade e nenhuma de suas instituições poderiam funcionar poro muito tempo. Os laços afetivos, portanto, têm conseqüências políticas.

É precisamente a sedução tecnológica e a economia depurada das questões sociais que

expressam esse novo momento de tentativa de sufocar a política, de fazê-la automática e subordinada a regras do controle do capital da “modernidade líquida” (Bauman, 2001):

Para que o poder tenha a liberdade de fluir, o mundo deve estar livre de

cercas, barreiras, fronteiras fortificadas e barricadas. Qualquer rede densa de laços sociais, e em particular uma que esteja territorialmente enraizada, é um obstáculo a ser eliminado”.

O mundo global se articula pelo capital móvel e pela tecnologia transformada em cultura

e mesmo em política, de tal modo que nenhuma alternativa pode ou deva ser pensada, porque o mundo se articula em bloco e deve operar como peça de um sistema, do sitema-mundo (world-system) (Wallerstein, 2001).

Conclusão: educação e sociedade X sociedade e educação Depois dos desvios tomados para pontuar as características da sociedade

contemporânea e de suas tendências mais ostensivas, retomamos a questão da educação afirmando que ao mesmo tempo em que se tornou, ela própria, economia, paradoxalmente – e por isso mesmo – se permite emancipar-se como refinamento em seus níveis mais elevados, aproximando-se da arte. Essa nova configuração se refletirá no conjunto da educação e beneficiará os níveis primeiros, tornando-os também refinados para a formação

Page 49: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

50

de um ser mais exigente, fortalecido pela condição de cidadania e protegido pelos Direitos Humanos. A educação assim politizada operará o sistema (econômico, político, cultural e tecnológico) reivindicando e exigindo qualidade, com o apoio da comunicação.

As idéias libertárias são vistas hoje como desvios, e os desviantes são controlados pelas agências internacionais e o mundo se fecha diante da ordem, do controle, sai dos moldes para as modulações (Deleuze, 1992:221) e vale a pena citar o filósofo:

Nas sociedades de disciplina não se parava de recomeçar (da escola à caserna,

da caserna à fábrica), enquanto nas sociedades de controle nunca se termina nada, a empresa, a formação, o serviço sendo os estados metaestáveis e coexistentes de uma nova modulação, como que de um deformador universal. Kafka, que já se instalava no cruzamento dos dois tipos de sociedade, descreveu em O Processo as forma jurídicas mais temíveis: a quitação aparente das sociedades disciplinares (entre dois confinamentos), a moratória ilimitada das sociedades de controle (em variação contínua) são dois modos de vida jurídicos muito diferentes, e se nosso direito, ele mesmo em crise, hesita entre ambos, é porque saímos de um para entra no outro. As sociedades disciplinares têm dois pólos: a assinatura que indica o indivíduo, e o número de matrículas que indica sua posição na massa.

Juventude e educação

Voltamos à educação e à sua missão carismática e messiânica a que tanto estávamos

acostumados no passado, precisamente em uma época que nos prometia um futuro e um lugar nesse tempo, ou nessa nova circunstância, pois tempo para o ser humano é sentido nas transformações, inclusive naquelas que individualmente se pode perceber em si mesmo.

Educação é a mais importante das experiências humanas de humanização. É a única via que permite chegar à Civilização – aquele estar junto, como nos diz Freud -, mas é também a fonte do mal-estar na civilização.

Falamos em paradoxos e dilemas, pensemos, então, no que nos dizem Hardt e Negri (Império, 13) ao falarem das grandes transformações do mundo contemporâneo:

A construção dos caminhos e limites desses novos fluxos globais tem sido

acompanhada por uma transformação dos próprios processos produtivos dominantes, com o resultado de que o papel da mão-de-obra industrial foi restringido, e em seu lugar ganhou prioridade a mão-de-obra comunicativa, cooperativa e cordial. Na pós-modernização da economia global, a produção de riqueza tende cada vez mais ao que chamaremos de produção biopolítica, a produção da própria vida social, na qual o econômico, o político e o cultural cada vez mais se sobrepõem e se completam um ao outro.

Aonde nos levam a ousadia desses dois autores que tomam um velho termo – Império –

e o atualizam de modo tão peculiar? Eis o que nos indicam, de pronto: “Se o século XIX foi o do domínio britânico, o século XX é o do domínio americano; em outras palavras, se a modernidade foi européia, a pós-modernidade é americana”. Mas vão mais adiante:

Nossa hipótese básica, entretanto, de que uma nova forma de imperuial

de supremacia surgiu, contradiz ambas as teorias. Os Estados Unidos não são, e nenhum outro Estado-nação poderia ser, o centro de um novo projeto imperialista. O Imperialismo acabou. Nenhum país ocupará a posição de liderança mundial que as avançadas nações européias um dia ocuparam” (Ibid.,14).

Estamos perplexos diante da agressão americana, do desafio ao mundo, à ONU.

Sobretudo diante das mentira tão amplamente denunciadas por jornais internacioanis, a exemplo do Le Monde Diplomatique, mas também pelas denuncias de parlamentares e outros atores políticos. As conseqüências do pretexto de lutar contro o inimigo número um –

Page 50: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

51

o terrorismo – para a democracia americana são profundas e devastadoras. Mas nada de profecias aqui, muito menos ingenuidade. O fato político do Iraque desabrochará em conseqüências que talvez não tenhamos capacidade de prever os desdobramentos e nem de agüentar as conseqüências.

Cada ação radical muda o mundo, e nós estamos mudando mais velozmente do que gostaríamos, pois não temos meios de controlar os resultados, e isso é uma ameaça para a sociedade do cálculo.

Não quero entrar em maiores detalhes. Não é hora, pois estamos falando de educação. Apenas quero deixar bem claro que a educação é um meio, uma disponibilidade para uma disposição, ou para várias disposições, sobretudo para salvar o homem da situação apontada por Heidegger, “quando, no domínio do não-objeto, o homem se reduz apenas a dis-por da dis-ponibilidade – então é que chegou à última beira do precipício, lá onde ele mesmo só se toma por dis-ponibilidade” (2001:29).

A educação não é, em si mesma, salvação. Mais freqüentemente ela é dis-posição, redutora, portanto, do homem como disponibilidade. E para que? Para o mercado, responderiam os pragmáticos. Educação para o trabalho, educação para um fazer, mas pouco uma educação para o Ser-no-mundo e para o estaar-no-mundo.

Eis, portanto, o nosso grande paradoxo: a produção se orienta para a biopolítica, a produção da própria vida social, na qual o econômico, o político e o cultural cada vez mais se sobrepõem (JAMESON, 2001) e se completam um ao outro, como nos disseram Hardt e Negri.

É hora de pensar em que educação estamos falando. Para onde estamos a enviar os novos jovens. Que promessas seremos capazes de fazer? E o que nos dirão eles quando percorrerem o caminho indicado e chegarem ao nada, ao que não tem significado para eles?

A educação nos foge, se faz autônoma e torna-se, ela própria, produtora da sociedade. O objeto fugidio exige de nós uma grande revisão conceitual, política e cultural. Que

sociedade queremos? A politização da educação é inevitável, mais cedo do que se supõe ela se voltará contra as formas impostas e instrumentais, assim como a produção se voltou contra o trabalho. Uma sociedade é um objetivo da sociedade. Mas até então a sociedade tem sido um objeto da produção. Mas resta-nos a hipótese do fim do imperialismo e o enigma do que será e do que seremos no Império.

*Carlos Geraldo D’Andrea Espinheira é Sociólogo –conferencista internacional – Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo; professor do Departamento de Sociologia e do Progarma de Pós-Graduação em Ciências Sociais da FFCH-UFBA; pesquisador associado ao Centro de Recursos Humanos – CRH/UFBA.

Bibliografia

FREUD, Sigmund. Mal-estar na civilização. Trad. Rio de Janeiro: Imago, LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos. Trad. São Paulo: Editora 34, HARDT, Michael, NEGRI, Antonio – Império. Tradução Brilo Vargas. – Rio de Janeiro/São Paulo:Record, 2001. HEIDEGGER, Martin – Ensaios e conferências. Tradução Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel, Márcia Sá Cavalcante Schuback. – Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2002. HELLER, Agnes – O Cotidiano e a história. 2ª ed.; tradução Carlos Nelson Coutinho. – Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. FOUCAULT, Michel – As Palavras e as coisas; t. – São Paulo, Martins Fontes, 1995. LATOUR, Bruno – Jamais fomos modernos;. – Rio de Janeiro; Ed. 34, 1994. ANTUNES, Ricardo – Os Sentidos do trabalho:. 2a. ed. São Paulo : Editorial Boitempo, 2000. BAUMAN, Zygmunt. Ética pós-moderna. Trad. João Resende Costa. São Paulo: Paulus, 1997. BAUMAN, Zygmunt. O Mal-estar da pós-modernidade. – Rio de Janeiro : Jorge Zahar Editor, 1998. BERGER, Peter. Perspectivas sociológicas. Trad. Donaldson M. Garshagen. Petrópolis, RJ: Vozes, 1972. BOURDIEU, Pierre. Espaço social e espaço simbólico. In Razões Práticas, sobre a teoria da ação. Trad. Mariza Corrêa. Campinas, SP: Papirus, 1996.

Page 51: GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS …³dulo Gestão... · GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA. 3 ... Mudar

GESTÃO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO MODERNA – PRÁTICAS DE GOVERNANÇA – SANTO ESTEVÃO – BA.

52

CORBISIER, Roland. Autobiografia filosófica – das ideologias à teoria da práxis. Rio de Janeiro: civilização Brasileira, 1978. RANCIÈRE, Jacques. O Desentendimento. Trad. Ângela Leite Lopes. São Paulo: Ed. 34, 1996. DELEUZE, Gilles. Post-Scriptum sobre as sociedades de controle. In Conversações. Trad. Peter Pál Pelbert. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992. LIPOVETSKY, Gilles. Le Crépuscule du devoir. Paris. Gallimard, 1992 SÉLLER, Agnes. O Cotidiano e a história. Trad. Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder. 2a.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. KUMAR, Khishan. Da Sociedade pós-industrial à pós-moderna. Novas teorias sobre o mundo contemporâneo. Trad.Ruy Jungman. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. SENNETT, Richard. A Corrosão do caráter – conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Trad. Marcos Santarrita. 5a.ed. Rio de Janeiro: Record, 2001. SENNETT, Richard. Autoridade. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Record, 2001. RABINOW, Paul. Antropologia da razão. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1999. ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 1999. VATTIMO, Gianni. A Filosofia e o declínio doOcidente. In Para navegar o séculoXXI – tecnologias do imaginário e cibercultura/Org. Francisco Menezes Martins e Juremir Machado da Silva. Porto Alegre: Sulina/Edipucrs, 1999. ARENDT, Hannah. Sobre a violência. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001. WALLERSTEIN, Immanuel Maurice. The end of the world as we know it: social science for the twenty-first century. USA: University of Minnesota Press, 1999. MOREIRAS, Alberto. A Exaustão da diferença – a política dos estudos culturais latino-aericanos. Trad.Eliana Lourenço de lima Reis e Gláucia Renarte Gonçalves. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001. WACQUANT, Loïc. As Prisões da miséria. Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. JAMESON, Fredric. A Cultura do dinheiro – ensaios sobre a globalização. Trad. Maria Elisa Cevasco e Marcos César de Paula Soares. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.