Entre nós corre um rio largo

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Victor Sterling Franco Página 1 2012 Entre nós corre um rio largo, distâncias de pôr-de-sol. Corre uma mesma veia onde o sangue quente flui e é doce. Ridiculamente mel. Falamos muito e choramos uma dor de ser quem somos. A dor de seres mutilados, prestes a dar à luz a um verso de desacato. De pura estupidez. Sim, somos assim. Mulheres à beira de um ataque de nervos. Almodóvar foi o único homem capaz de ler nossas entrelinhas sem cuspir nelas. E o Rubem, claro, que este não machuca nem bicho de pé. Somos guerreiras de uma batalha perdida e quando o escudo e a lança caem, não nos entregamos. Temos unhas afiadas, braços fortes para embalar as crianças e suportar a ironia masculina. E estremecer de ternura e prazer nos braços do homem amado. Dos homens que amamos ao longo da vida, dos pobres meninos cujas

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2012

Entre nós corre um rio largo, distâncias

de pôr-de-sol. Corre uma mesma veia

onde o sangue quente flui e é doce.

Ridiculamente mel.

Falamos muito e choramos uma dor de

ser quem somos. A dor de seres

mutilados, prestes a dar à luz a um

verso de desacato. De pura estupidez.

Sim, somos assim. Mulheres à beira de

um ataque de nervos. Almodóvar foi o

único homem capaz de ler nossas

entrelinhas sem cuspir nelas. E o

Rubem, claro, que este não machuca

nem bicho de pé.

Somos guerreiras de uma batalha

perdida e quando o escudo e a lança

caem, não nos entregamos. Temos

unhas afiadas, braços fortes para

embalar as crianças e suportar a ironia

masculina. E estremecer de ternura e

prazer nos braços do homem amado.

Dos homens que amamos ao longo da

vida, dos pobres meninos cujas

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emoções lesadas nos intrigam. Cuja

rejeição assimilamos com bravura.

Somos mulheres, seres curiosos.

Qualquer passarinho cantando é motivo

da gente se dar ao trabalho de parar e

ouvir. Qualquer "eu te amo" barato

explode nossa via-láctea e os sinos

dobram, por nós. A gente começa a

pensar que toda a poesia existe para

nos enternecer. E todas as canções

para nos lembrar que somos raras.

Pérolas no fundo do oceano.

Sim, somos idiotas. Parecemos idiotas,

agimos como. (Não basta ser, é preciso

parecer).

Dissertamos, rompemos movimentos

contrários, botamos filhos no mundo,

rasgamos a alma, sentimos o que

nenhum mané pode sentir: nossos filhos

dentro de nossas barrigas lunares.

Vamos pra estrada, pra rua, xingamos

no engarrafamento, brilhamos na sede

dos governos mundiais. Somos damas e

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vagabundas. Da Sorbonne à Praça Sete:

pintamos o sete, o oito, o nove.

Bordamos as iniciais do sonho nas

toalhas das bodas. Vamos de Rita

Cadilac à Michelle Obama. De Adélia

Prado à Florbela Espanca. Sem escalas,

num rasante.

Algumas de nós vendem seus corpos,

outras dão de graça a alma. O que no

fundo é a mesma coisa. Prostituição

poética, vadiagem do sentimento.

Somos aquilo que se pode chamar de

mais belo, de mais amor. E seja como

for, na alegria ou na tristeza, na riqueza

ou na pobreza, amando e desamando,

respeitando ou lutando pelo legítimo

direito de ser inteira (e não

complemento), vamos tatuando na alma

nossa letra escarlate, nossa Joana

D'Arc, nossa Maria Madalena. Loucas,

santas, ingênuas, tolas. Tontas como

uma borboleta pisada.

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O melhor de tudo é que nem assim a

gente deixa de acreditar no Amor e

abrir as gavetas dos sonhos, enfim

somos femmes!!!!!!!!!!!!!

hoje mais apimentada e louca............

MIRRELLE GAMBETTA