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Pontes ENTRE O COMÉRCIO E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Dez. 2010 / Jan. 2011 Vol.6 No.5 ISSN: 1813-4378 Para receber o PONTES via e-mail, favor escrever uma mensagem para [email protected], informando seu nome e profissão. PONTES está disponível on-line em: www.ictsd.org/news/pontes/ Você sabia? 1 A guerra cambial e o comércio internacional: pode a moeda desvalorizada ser questionada na OMC? Lucas Queiroz Pires 4 Conflito de regras e de jurisdição: qual o papel da OMC? Pieter Kuijper 5 Um balanço de Nagoia sob a perspectiva brasileira: biossegurança e ABS Sergio Figueiredo 7 Cancun: um passo à frente em relação a Copenhague 9 Soluções sob medida: biocombustíveis de pequena escala e comércio Henrique Pacini, Dilip Khatiwada, Tomas Lönnqvist 11 Apreensões de medicamentos genéricos e a condenação da UE no Tribunal Permanente dos Povos Renata Reis, Janaína E. P. Faria 13 Comércio internacional e protecionismo em tempos de crise Ivan Tiago Machado Oliveira 14 Uma análise das perdas comerciais brasileiras para a China (2000-2009) Fabrizio Sardelli Panzini, Paula Cristina Corrêa Bolonha, Wellington de Lima Freire A guerra cambial e o comércio internacional: pode a moeda desvalorizada ser questionada na OMC? A desvalorização da moeda chinesa tem constituído objeto de controvérsias entre os países, espe- cialmente devido a seus efeitos sobre o comércio internacional. O artigo analisa os mecanismos multilaterais que poderiam ser evocados com vistas a combater os efeitos da moeda desvalorizada. Um dos critérios mais evidentes para se verificar a influência da variável cambial no comércio internacional é a performance das exportações. Isso ocorre porque o câmbio pode deixar o preço das mercadorias muito mais competitivo na comparação com os demais exportadores. A China é um bom exemplo dessa situação. Conforme estudo conduzido pela professora Vera Thorstensen, o mais sério problema enfrentado pelo Brasil em relação à China está relacionado ao câmbio 1 . Estimativas do Peterson Institute for International Economics mostram que o yuan estaria desvalorizado em torno de 40% em relação ao dólar; e o real, por sua vez, valorizado em 16% 2 . Isso afeta substancialmente as exportações brasileiras, que perdem sua competitividade no comércio internacio- nal. A desvalorização da moeda chinesa é também verificada nas declarações do próprio Fundo Monetário Internacional (FMI), de que o yuan estaria “substancialmente desvalorizado”. Outro elemento que contribui para essa verificação é a proposta de Lei de Reforma Monetária para o Comércio Justo (H.R. 2378) 3 , recentemente aprovada pela Câmara de Representantes dos Estados Unidos da América (EUA), que prevê a aplicação de medidas compensatórias contra importa- ções originárias de países com a moeda desvalorizada, como a China. O projeto é justificado sob o argumento de que a des - valorização da moeda chinesa torna suas exportações mais baratas do que seriam Lucas Queiroz Pires* Perdas líquidas do Brasil para a China no mercado externo – Soma das comparações bienais – Que a subvalorização da taxa de câmbio chinesa é apontada como uma das causas das perdas do Brasil para a China no mercado externo na última década? Baseado em : Baptista, Jorge Chami. Desvalorização Cambial e as Exportações Brasileiras para os Estados Unidos. In: Revista Brasileira de Comércio Exterior, No. 70, jan-mar. 2002. Disponível em: <http://www.funcex.com.br/material/rbce/70- -Exportacoes-JCB.pdf>

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PontesENTRE O COMÉRCIO E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Dez. 2010 / Jan. 2011

Vol.6 No.5

ISSN: 1813-4378

Para receber o PONTES via e-mail, favor escrever uma mensagem para [email protected], informando seu nome e profissão. PONTES está disponível on-line em: www.ictsd.org/news/pontes/

Você sabia?

1 A guerra cambial e o comércio internacional: pode a moeda desvalorizada ser questionada na OMC?

Lucas Queiroz Pires

4 Conflito de regras e de jurisdição: qual o papel da OMC?

Pieter Kuijper

5 Um balanço de Nagoia sob a perspectiva brasileira: biossegurança e ABS Sergio Figueiredo

7 Cancun: um passo à frente em relação a Copenhague

9 Soluções sob medida: biocombustíveis de pequena escala e comércio

Henrique Pacini, Dilip Khatiwada, Tomas Lönnqvist

11 Apreensões de medicamentos genéricos e a condenação da UE no Tribunal Permanente dos Povos

Renata Reis, Janaína E. P. Faria

13 Comércio internacional e protecionismo em tempos de crise Ivan Tiago Machado Oliveira

14 Uma análise das perdas comerciais brasileiras para a China (2000-2009)

Fabrizio Sardelli Panzini, Paula Cristina Corrêa Bolonha, Wellington de Lima Freire

A guerra cambial e o comércio internacional: pode a moeda desvalorizada ser questionada na OMC?

A desvalorização da moeda chinesa tem constituído objeto de controvérsias entre os países, espe-cialmente devido a seus efeitos sobre o comércio internacional. O artigo analisa os mecanismos multilaterais que poderiam ser evocados com vistas a combater os efeitos da moeda desvalorizada.

Um dos critérios mais evidentes para se verificar a influência da variável cambial no comércio internacional é a performance das exportações. Isso ocorre porque o câmbio pode deixar o preço das mercadorias muito mais competitivo na comparação com os demais exportadores. A China é um bom exemplo dessa situação.

Conforme estudo conduzido pela professora Vera Thorstensen, o mais sério problema enfrentado pelo Brasil em relação à China está relacionado ao câmbio1. Estimativas do Peterson Institute for International Economics mostram que o yuan estaria desvalorizado em torno de 40% em relação ao dólar; e o real, por sua vez, valorizado em 16%2. Isso afeta substancialmente as exportações brasileiras, que perdem sua

competitividade no comércio internacio-nal. A desvalorização da moeda chinesa é também verificada nas declarações do próprio Fundo Monetário Internacional (FMI), de que o yuan estaria “substancialmente desvalorizado”.

Outro elemento que contribui para essa verificação é a proposta de Lei de Reforma Monetária para o Comércio Justo (H.R. 2378)3, recentemente aprovada pela Câmara de Representantes dos Estados Unidos da América (EUA), que prevê a aplicação de medidas compensatórias contra importa-ções originárias de países com a moeda desvalorizada, como a China. O projeto é justificado sob o argumento de que a des-valorização da moeda chinesa torna suas exportações mais baratas do que seriam

Lucas Queiroz Pires*

Perdas líquidas do Brasil para a China no mercado externo– Soma das comparações bienais –Que a subvalorização da taxa de câmbio

chinesa é apontada como uma das causas das perdas do Brasil para a China no mercado externo na última década?

Baseado em : Baptista, Jorge Chami. Desvalorização Cambial e as Exportações Brasileiras para os Estados Unidos. In: Revista Brasileira de Comércio Exterior, No. 70, jan-mar. 2002. Disponível em: <http://www.funcex.com.br/material/rbce/70--Exportacoes-JCB.pdf>

Pontes Dez. 2010 / Jan. 2011 Vol.6 No.5

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Espaço aberto

EditorialEstimado(a) leitor(a),

O ano de 2010 foi marcado pela lenta recuperação da crise econômica que se estendeu pelos principais mercados no ano anterior. Nos principais fóruns multilaterais, as negociações permaneceram voltadas a preocupações como o aumento do protecionismo e deslocaram-se do avanço nas agendas centrais, tal qual a Rodada Doha de negociações comerciais.

Ao longo de 2010, os debates econômicos concentraram-se nas tensões acerca da desvalorização das moedas nacionais, cenário batizado como “guerra cambial”. Protagonizado por Estados Unidos da América e China, o fenômeno repercutiu com força nos demais países. Nesse sentido, o artigo que abre esta edição discute a utilização de políticas monetárias como forma de adquirir competitividade comercial e a possível utilização de regras e mecanismos da Organização Mundial do Comércio (OMC) para o questionamento dessas medidas.

Preocupações com a competitividade e o deslocamento no mercado também servem de mote a duas análises desta edição. Na seção “Brasil”, analistas da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) destacam as perdas do Brasil em mercados externos geradas pelos produtos chineses. O artigo de Ivan Oliveira apresenta o panorama da evolução no emprego de medidas protecionistas pelos países ao longo de 2010, cujo aumento tem sido um dos principais receios da comunidade internacional, desde o início da crise.

No campo ambiental, os dois principais eventos de 2010 foram encerrados com resultados diversos. A 16ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC, sigla em inglês) confirmou as baixas expectativas em relação aos temas centrais. O editorial deste Pontes aponta, contudo, os resultados positivos para o avanço da cooperação em algumas áreas, como financiamento e Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD+).

No âmbito da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), a 10ª COP e o Encontro das Partes (MOP, sigla me inglês) do Protocolo de Cartagena, realizados em Nagoia, lograram alcançar resultados mais concretos. Contudo, permanece incerta a repercussão dos acordos assinados para os produtores e interesses nacionais. A análise de Sergio Figueiredo ilustra as apreensões acerca de possíveis impactos negativos para as empresas brasileiras em decorrência da adesão aos documentos assinados em Nagoia. O enfoque recai particularmente sobre os protocolos voltados à compensação por danos à biodiversidade e ao acesso e repartição de benefícios pela exploração de recursos genéticos.

Esperamos que aprecie a leitura.

A Equipe Pontes

se a taxa de câmbio fosse variável pelo mercado, o que prejudica o crescimento econômico e a criação de empregos nos EUA. Utiliza-se inclusive um argumento do economista Paul Krugman, que estima que o câmbio chinês reduz o produto interno bruto (PIB) dos EUA a uma taxa de 1,4% ao ano. Dessa forma, se o câmbio variasse conforme o mercado, os produtores estadunidenses seriam mais competitivos e mais empregos seriam criados.

Os mecanismos de combate aos prejuízos da taxa de câmbio desvalorizada

Nesse cenário de “guerra cambial”, discute-se sobre os mecanismos que poderiam ser utilizados para enfrentar o prejuízo que a moeda desvalorizada de determi-nado país poderia causar a outro, levantando a questão de desdobramentos pro-tecionistas. Dentre as propostas apresentadas, sugeriu-se recorrer não somente às regras do FMI, como também estender a discussão ao âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). Nessa linha, foi levantada a possibilidade de aplicação de instrumentos de defesa comercial - tal como na proposta de lei H.R. 2378 -, o que implicaria enquadrar a moeda desvalorizada como uma espécie de subsídio.

Antes de se aprofundar no enquadramento da moeda desvalorizada como subsídio, vale verificar os atuais dispositivos do FMI e da OMC que permeiam essa discussão. No âmbito do FMI, é importante destacar um de seus dispositivos mais conhecidos: o Artigo IV, parágrafo 1 (iii), que delimita que “cada membro deve evitar mani-pular taxas de câmbio ou do sistema monetário internacional, a fim de evitar um efetivo equilíbrio de ajustes ou adquirir uma vantagem competitiva desleal sobre os outros membros”. No caso, evidencia-se a relevância do referido dispositivo no sentido de enquadrar como uma violação às regras do FMI a conduta de um país que venha a manipular sua taxa de câmbio para manter sua moeda desvalorizada, com o objetivo de incrementar suas exportações.

Quanto às regras no âmbito comercial, o Artigo XV(4) do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT, sigla em inglês) prevê que “as partes contratantes não deverão, por meio de ações relacionadas ao câmbio [exchange action], frustrar o propósito dos dispositivos do GATT nem, por ação de comércio, o propósito dos dispositivos dos artigos do Acordo do FMI”. O dispositivo já indica uma atuação da OMC de forma a atentar para as regras do FMI.

Ainda sobre os dispositivos do GATT, vale mencionar o Artigo XXIII, que determina que, se um membro considerar que algum benefício a ele devido esteja sendo anulado ou prejudicado, o referido membro pode levar o caso à solução de con-trovérsias da OMC.

Há também outros mecanismos - utilizados inclusive pelo Brasil - para combater o impacto causado pelas importações chinesas a preços comparativamente mais competitivos. Os instrumentos de defesa comercial - em especial medidas anti-dumping - têm sido utilizados com frequência contra importações chinesas. De acordo com o Relatório DECOM de 20094, das 181 medidas antidumping aplicadas pelo Brasil, 47 foram contra a China, sendo que, das 67 em vigor ao final do ano passado, 25 eram contra esse país asiático.

Pelas regras da OMC, é ainda possível a utilização da salvaguarda transitória, conforme previsto no Protocolo de Acessão da China à OMC, ainda pouco utilizado pelos Estados membros. Também, há o Acordo sobre Valoração Aduaneira, que permite ajustes no preço em certos casos, ao estabelecer as regras para a valoração de bens baseadas no valor de sua transação. O artigo 9º estipula que, quando a conversão da moeda é necessária para a determinação do valor aduaneiro, a taxa de câmbio a ser usada deve ser a publicada pelas autoridades competentes do país da importação e deve refletir o valor corrente de tal moeda em transações comerciais em termos da moeda do país de importação. Logo, constata-se outra possibilidade de ajuste no valor das importações, caso comprovada a sua moeda desvalorizada.

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Espaço Aberto

A sugestão de recorrer aos dispositivos da OMC e de levar o tema do câmbio ao Órgão de Solução de Controvérsias é motivada justamente pelo fato de essas regras apre-sentarem um caráter multilateral e, por extensão, com maiores chances de uma efetiva implementação do que as regras previstas pelo FMI. Ainda, mesmo que o FMI questionasse as políticas de desvalorização da moeda de algum membro, não há em seu sistema um mecanismo de solução de controvérsias tal qual na OMC: um meca-nismo atuante há mais de 15 anos em sua configuração atual e com um considerável número de precedentes.

Na esfera nacional, vale apontar que o Brasil possui a Lei nº 3.244, de 1957, que define as condições para que a Câmara de Comércio Exterior (Camex) fixe as alíquotas do Imposto de Importação. Pelo artigo 3-e da referida Lei, permite-se a elevação da alíquota no caso de um produto originário de um país que tenha sua moeda desvalorizada ou conceda subsídio à exportação de forma a frustrar os objetivos da tarifa.

O enquadramento da moeda desvalorizada como subsídio no âmbito da OMC

A proposta de enquadramento da moeda desvalorizada como subsídio, conforme sugerido pela proposta de lei H.R. 2378 dos EUA, merece especial atenção. Isso porque o Acordo de Subsídios e Medidas Compensatórias delimita as condições para a definição de subsídio, devendo atender aos critérios de existência de uma contribuição financeira, concessão de um benefício e de especificidade, ou seja, ser específico a um grupo de indústrias.

Para delimitar a existência de uma contribuição financeira, seria necessário demonstrar que a moeda desvalorizada é fruto de uma política articulada pelo governo ou qualquer órgão público, recorrendo ao entendimento do Órgão de Solução de Controvérsias de que não seria preciso a existência de uma transferência de fundos efetivamente realizada, mas sim de alguma política que englobasse essa contribuição5. Todavia, é inevitável reconhecer que o argumento de que a contribuição financeira envolveria um gasto público seria um desafio para essa análise, uma vez que a moeda desvalorizada, a princípio, não abarcaria um gasto efetivo no orçamento público.

Também, caberia identificar um benefício a partir da manutenção da moeda desvalorizada por um país. Para tanto, seria preciso demonstrar que os destinatários do benefício estariam recebendo uma vantagem que não poderia ser obtida na ausência da intervenção econômica do governo na taxa de câmbio - conforme previsto no caso Canada-Aircraft. Isso não somente traz um desafio econômico no sentido de comprovar se de fato as empresas exportadoras estariam sendo beneficiadas, como também implicaria a árdua tarefa de demonstrar que o governo estaria efetivamente intervindo no câmbio do referido país.

Quanto à especificidade, verifica-se que a única forma coerente de atrelar a figura da moeda desvalorizada seria por meio do tipo de subsídios à exportação, já que este é considerado um subsídio específico pelo Acordo - assim como em precedentes na OMC, como no caso Indonesia-Autos. Ou seja, seria necessário demonstrar o vínculo que a manutenção da moeda desvalorizada teria com a performance das exportações, atentando--se para implicações econômicas e jurídicas, visto que a definição de um subsídio proibido não é facilmente demonstrável - em vista da necessidade de comprovação do vínculo com o desempenho exportador, a partir de uma análise conjuntural dos fatos -, em especial na relação com a taxa de câmbio desvalorizada.

Por fim, para estreitar a relação da moeda desvalori-zada com o conceito de subsídio acionável, além de ser preciso demonstrar a questão da especificidade, seria necessário focar no dano sofrido pela indústria do país demandante com a entrada dos produtos originários do país com a moeda desvalorizada. A demonstração do dano sofrido pela indústria doméstica é essencial para esse enquadramento, sendo também a única possibilidade prevista no Acordo para se iniciar o procedimento de investigação e possível aplicação de uma medida com-pensatória contra o “subsídio” da moeda desvalorizada.

Considerações finais

Em vista do substancial impacto da variável cambial no comércio internacional, especialmente em função da influência da moeda desvalorizada no desempenho das exportações, são levantados diversos mecanismos do sistema multilateral de comércio para combater os efeitos da moeda desvalorizada.

Os dispositivos do FMI, da OMC e da própria legislação interna permitem que os Estados membros venham a implementar medidas comerciais contra produtos originários de países com sua moeda desvalorizada. Ademais, a devida utilização dessas regras possibilitaria que uma disputa envolvendo o tema do câmbio fosse iniciada na OMC, desde que se atentasse às questões acima mencionadas.

* Bacharel pela Direito GV e Assistente Jurídico na área de Comércio Exterior do Demarest e Almeida Advogados.

1 Ver: Thorstensen, Vera. China - Líder das exportações mundiais e membro da OMC: desafios e oportunidades para o Brasil. Centro do Comércio Global e do Investimento da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, 2010.

2 Ver: Hufbauer, Gary C.; Wong, Yee; Sheth, Ketki. US-China Trade Disputes: Rising Tide, Rising Stakes. Peterson Institute for International Economics Policy Analysis in International Economics 78. Washington: Peterson Institute for International Economics, 2006.

3 Disponível em: <http://waysandmeans.house.gov/press/PRArticle.aspx?NewsID=11356>, <http://waysandmeans.house.gov/media/pdf/111/HR2378_Text_as_introduced.pdf> e <http://waysandmeans.house.gov/media/pdf/111/HR2378_AINS_LEVIN_044.pdf>.

4 Disponível em: <http://www.mdic.gov.br//arquivos/dwnl_1275422571.PDF>.

5 Ver: Brazil - Aircraft e US - Softwood Lumber IV

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OMC em Foco

Conflito de regras e de jurisdição: qual o papel da OMC?1

Pieter Kuijper*

Diante da proliferação de acordos multilaterais de meio ambiente e tratados de livre comércio (TLCs), como evitar conflitos e promover a coerência na interface do comércio global e da governança ambiental?

À complexa teia formada pela regulação do comércio inter-nacional, somam-se outros regimes internacionais que dis-ciplinam as mais diversas áreas, como padrões trabalhistas, comércio internacional de diamantes originários de regiões em conflito e contrabando de mercadorias. Todos esses conjuntos normativos estão em constante cruzamento na governança internacional, o que eleva o potencial de colisões e o risco de perda de coerência. Isso pode ser traduzido em conflitos de normas - entre regras substantivas - ou de jurisdição - entre diferentes cortes e tribunais.

Potenciais consequências de conflitosSe a proliferação de acordos internacionais resultar em conflitos entre dois regimes e não houver indicações claras sobre como solucionar a questão no direito internacional ou nos acordos envolvidos, a autoridade e a efetividade do direito internacional são ameaçadas. Ainda, no caso de sobreposição de competência e escopo entre as cortes e os tribunais criados sob esses regimes, a autoridade e efetivi-dade do direito e dos tribunais serão prejudicadas. Se tais hipóteses se confirmarem na inter-relação entre comércio internacional e meio ambiente, o avanço alcançado em ambos regimes pode sofrer retrocessos.

No caso de conflito de jurisdição, prevalece o sistema de solução de disputas mais efetivo. A efetividade de um sistema é medida por sua obrigatoriedade e vinculação, elementos reconhecidamente encontrados no Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Por exemplo, um acordo regional de comércio pode conter regras similares àquelas da OMC, porém suas normas sobre tratamento de resíduos comercializáveis são mais avançadas e detalhadas. Se, além disso, o sistema de solução de dis-putas desse acordo regional não for totalmente compulsório e todos os membros desse acordo forem também membros da OMC, os conflitos sobre resíduos comercializáveis serão inevitavelmente levados ao OSC, o que tornará as regras do acordo regional de comércio ineficazes e obsoletas.

Na prática, tais problemas adquirem maior relevância em acordos multilaterais de meio ambiente de segunda gera-ção, como a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) e os acordos a esta vinculados - o recente Protocolo sobre Acesso e Repartição de Benefícios e o Protocolo sobre Biossegurança -, bem como a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, sigla em inglês) e seu Procolo de Quioto. Há menor chance de conflitos com acordos multilaterais de meio ambiente mais tradicionais, como a Convenção da Basileia sobre Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e sua Disposição.

Ferramentas para solucionar conflitosDiversos instrumentos estão à disposição de negociadores, tribunais e litigantes para solucionar conflitos de normas e de jurisdição. Uma ferramenta importante encontra-se nos princípios de interpretação dos tratados: caso um tratado possibilite diversas leituras, uma das diretrizes essenciais consiste na adoção da interpretação mais compatível com outras normas internacionais. Este princípio presume que os países não pretendem assumir obrigações conflitantes.

Os acordos mais recentes incluem um conceito ainda mais amplo: o princípio do apoio mútuo. Muitos tratados contêm cláusulas em seu preâmbulo e/ou em seu conteúdo substan-cial que declaram a complementaridade em relação a outros acordos possivelmente conflitantes. Embora o conteúdo do princípio do apoio mútuo não seja preciso, essa diretriz pos-sui o condão de promover a coexistência harmoniosa entre a OMC, de um lado, e diversos acordos-quadro ambientais e outros acordos multilaterais de meio ambiente, de outro. Na ausência de tal equilíbrio, a força do sistema de solução de disputa mais efetivo pode prevalecer, em detrimento dos acordos ambientais, os quais normalmente possuem força normativa e estrutura institucional mais frágeis. Felizmente, não há exemplos disso até hoje.

Diretamente ligadas a esse princípio, há regras procedi-mentais que determinam a jurisdição dos tribunais, como a autonomia para apreciar certas questões. A aplicação do princípio do apoio mútuo deve fazer com que a decisão de uma corte sob as regras de um acordo não entre em colisão com os objetos e propósitos de outro acordo.

Essa forma de conciliação também encontra expressão em regras procedimentais como a deferência. Segundo esse con-ceito, mesmo na ausência de regras claras que determinem qual tribunal possui jurisdição sobre um caso internacional particular, há certos princípios com base nos quais uma corte deve abrir mão de sua jurisdição, ao invés de aceitar jurisdição concorrente. Na disputa sobre a unidade de produção nuclear Sellafield, entre Irlanda e Reino Unido, o tribunal arbitral fez referência a “considerações de mútuo respeito e deferência, as quais devem prevalecer entre as instituições judiciais” e relembrou que “um procedimento que possa resultar em decisões conflitantes sobre a mesma questão não contribui para a solução da controvérsia entre as Partes”.

A fim de preservar a estabilidade do direito e da governança internacionais, os tribunais que julgam temas sobrepostos - como comércio, investimento e meio ambiente - devem desenvolver uma doutrina de forum non conveniens entre si, ou ainda se abster de exercer jurisdição ou decidir sobre admissibilidade, caso haja sérias razões para isso.

* Pieter Kujiper é professor de Direito das Organizações Econômicas Internacionais na Universidade de Amsterdã.

1 Este artigo baseia-se no estudo Conflicting Rules and Clashing Courts: The Case of Environmental Agreements, Free Trade Agreements and the WTO, publicado pelo ICTSD.

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Outros temas multi laterais

Um balanço de Nagoia sob a perspectiva brasileira: biossegurança e ABS1

Sergio Figueiredo*

A Conferência das Partes (COP, sigla em inglês) realizada em Nagoia (Japão) culminou na aprovação de dois documentos relevantes: o Protocolo Suplementar de Responsabilidade e Compensação Nagoia-Kuala Lumpur e o Protocolo Nagoia-Cali de Acesso e Repartição de Benefícios (ABS, sigla em inglês). Este artigo analisa os principais avanços e desafios relacionados a cada um desses documentos, com atenção especial nos interesses do Brasil.

O 5º Encontro das Partes (MOP 5, sigla em inglês) do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança culminou com a aprovação do Protocolo Suplementar de Responsabilidade e Compensação Nagoia-Kuala Lumpur2. A adoção do documento ocorreu após uma longa negociação na qual o Brasil afirmou não apoiar dispositivos que implicassem modificações na legislação nacional (a lei de biossegurança brasileira é considerada um benchmarking internacional); criassem barreiras comerciais e não-tarifárias às exportações das Partes em favorecimento das não-Partes; ou prejudicassem o desenvolvimento das micro e pequenas empresas de biotecnologia do Brasil.

A decisão sobre um instrumento para tratar da responsabilidade e compensação por danos à conservação da biodiversidade ou de seu uso sustentável estava prevista no artigo 27 do Protocolo de Cartagena. A discussão teve início em 2006, sem que se tenha decidido sobre a necessidade ou não do instrumento. Logo havia uma multiplicidade de textos e um desentendimento generalizado. De um lado, argumentava-se que os organismos vivos modificados (OVMs) eram iguais a produtos radiativos, tóxicos, venenosos e poluentes - o que não faz sentido, pois a essência do Protocolo de Cartagena é de que somente sejam liberados para consumo OVMs considerados biosseguros. De outro, alertava-se sobre as obrigações de gestão de risco pelas Partes importadoras e de que não seria possível atribuir automaticamente toda a responsabilidade por um dano ao desenvolvedor ou expor-tador. Também fazia parte das alegações a inexistência de casos de danos à biodiversidade até o momento.

Após muita discussão, alcançou-se um texto com regras para adoção interna por uma Parte, ou seja, recomendação de pro-cedimentos burocráticos legais. Portanto, ao invés de definir a relação entre as Partes, o Protocolo criou obrigações e direitos a serem introduzidos na legislação nacional.

Os procedimentos mencionados acima são de grande valia para os países que ainda não implementaram um sistema de bios-segurança. Este não é o caso do Brasil, país que apresenta um dos sistemas mais seguros do mundo nessa seara. Promulgada em 2005, a Lei Nº 11.105 instrumentaliza a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança e os órgãos de registro e fiscalização, isto é, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama). O Brasil conta, ademais, com o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), dentro do qual se situa a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), que possui 27

especialistas com título de Doutor que avaliam e atestam a biossegurança dos OVMs liberados no mercado brasileiro.

Todos os problemas foram resolvidos, à exceção de um ponto ainda preocupante: os riscos associados à manutenção da cláusula de segurança financeira no texto do Protocolo Nagoia-Kuala Lumpur. Anteriormente à MOP 5, a BRBiotec-Brasil, entidade que congrega a rede de micro e pequenas empresas de biotecnologia no Brasil e que as representa junto ao Fórum de Biotecnologia, manifestou-se claramente com relação aos efeitos negativos que a adoção de um seguro financeiro para os movimentos transfronteiriços de OVMs projetaria sobre as empresas de biotecnologia.

Mais precisamente, tal seguro criaria uma barreira de acesso a mercado, a qual separaria as empresas capitalizadas das micro e pequenas empresas. As grandes empresas multina-cionais na área da biotecnologia agrícola não teriam dificul-dades em atender ao requisito do seguro financeiro, pois já propuseram um acordo privado nesse sentido denominado “COMPACT”. Já as micro e pequenas empresas brasileiras - até mesmo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) - não teriam como atendê-lo.

Como não há precedente para esse seguro, tampouco para sua oferta pelas seguradoras; como se trata de produto obrigatoriamente biosseguro de acordo com as regras do Protocolo de Cartagena; e como não se conhece nem na teoria uma atividade sobre a qual esse seguro seria aplicado, quem seria o beneficiário deste ou como calcular o prêmio; restava apenas a motiva-ção comercial para justificá-lo - logicamente, nunca verbalizada dessa forma pelas Partes que o defendiam. Seguindo a orientação oficial, a delegação brasileira acabou anuindo com a adoção da cláusula de “Segurança Financeira” no texto, mas introduziu reservas.

É preocupante como algumas Partes do Protocolo de Cartagena lutam para criar barreiras ao comércio de transgênicos voltadas especialmente para signatários do Protocolo que são exportadores (como é o caso do Brasil). Mais do que isso: bastaria que essas Partes adotassem uma decisão nacional que proibisse a importação de OVMs para ver satisfeitas suas preocupações. Como não tomam essa decisão, sua atuação acaba por produzir - inconsciente ou conscientemente - diferenciais de competitividade em favor das não-Partes do Protocolo, tais como Argentina, Canadá e Estados Unidos da América (EUA), big players do comércio internacional de grãos.

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Outros temas multi laterais

No que toca ao tema das reservas adotadas para a cláusula denominada “Segurança Financeira”, é possível verificar que a declaração de “estar de acordo com a Lei Internacional”, ainda que “tomando em consideração” outros aspectos do Protocolo de Cartagena, garante que acordos internacionais não venham a ser desrespeitados. Dentre estes, incluem-se os acordos da Organização Mundial do Comércio (OMC) - o que é de grande interesse do Brasil.

Outra reserva com efeito sobre a competitividade das empre-sas é a obrigação das Partes de adotar o seguro financeiro também para não-Partes, o que impediria o seu uso como diferencial de competitividade.

Uma questão prática, que aprendemos na discussão e posterior tratamento do tema da identificação dos carregamentos de OVMs (art. 18.2a do Protocolo de Cartagena), é que as polêmicas identificadas nas negociações nem sempre encontram respaldo na burocracia dos países que as alimentam. Muitas das polêmicas se baseiam em visões parciais dos interesses dos governos represen-tados e, por isso, algumas decisões alcançadas nas COP e COP/MOP perdem força quando devem ser internalizadas pelas capitais.

Assim, a expectativa brasileira é de que a medida do seguro financeiro não chegue a ser adotada pelas Partes que o defende-ram. A única preocupação que permanece é o uso da exigência de seguro financeiro como um diferencial entre os OVMs impor-tados e aqueles desenvolvidos e produzidos nacionalmente. No entanto, essa possibilidade também pode vir a favorecer a indústria de biotecnologia do Brasil se, após análise, for conside-rada legal frente aos acordos da OMC e tecnicamente factível.

No melhor dos cenários - e isso tem sido pleiteado pelas empresas brasileiras de biotecnologia -, o Congresso do país deveria fazer uma reflexão profunda com relação aos efeitos do Protocolo Suplementar Nagoia-Kuala Lumpur sobre as empresas brasileiras de micro e pequeno portes, antes de sua ratificação.

Protocolo Nagoia-Cali de ABS3

A participação do Brasil no tema ocorre por meio do Fórum de Biotecnologia, no qual os representantes da indústria têm demandado uma revisão imediata da legislação nacional de acesso a recursos genéticos e repartição de benefícios em face de problemas de insegurança jurídica e de sua incompatibilidade com a Política de Biotecnologia que o país tem coordenado.

Atualmente, as empresas brasileiras enfrentam um marco regulatório desproporcional a seu porte, pois 85% das empresas de biotecnologia são micro e pequenas empresas. Avalia-se que hoje o marco legal de ABS pende mais para a repartição de benefícios do que para o desenvolvimento de tecnologias e produtos, sendo assim contraproducente para ambos objetivos.

A adoção de um regime internacional não se comunica diretamente com o marco regulatório interno, mas terá influência sobre ele e, assim, influenciará a capacidade das empresas de investir e desenvolver biotecnologia no Brasil. Contudo, o novo marco internacional - que o Brasil ainda precisa ratificar para que se torne válido - trouxe uma consequência preocupante à incipiente indústria de biotecnologia brasileira. Motivados por obter um instrumento internacional para o combate à biopirataria e à exploração dos recursos genéticos de uma Parte por outra Parte sem repartição de benefícios, os países mega-diversos (como o Brasil) obtiveram um sucesso relativo a um preço muito alto.

Ainda pendente de uma análise mais profunda sobre o texto oficial a ser divulgado, ao estabelecer o direito das Partes de receber os benefícios da exploração de sua biodiversidade em outra Parte (art. 4, parágrafo 1), o Protocolo Nagoia-Cali confirmou o direito de que essa exploração seja feita na outra Parte (art. 5).

O referido Protocolo resulta em referendar na norma internacional que países como o Brasil sejam mantidos como fornecedores de matérias-primas, como são os recursos genéticos, e que a indústria de países desenvolvidos (PDs) possa continuar a desenvolver as etapas de maior valor, obtendo a geração de empregos e a apropriação da riqueza principal: a propriedade intelectual.

Por melhor que seja, o mecanismo internacional de repartição de benefícios jamais compensará as perdas decorrentes da transferência de emprego e do privilégio patentário cedido às empresas de PDs. Certamente, não se espera que empresas brasileiras busquem na biodiversidade da Suíça ou dos EUA recursos genéticos para desenvolvimento no Brasil.

O mais preocupante é que as micro e pequenas empresas brasileiras de biotecnologia já enfrentam dificuldades com a legislação nacional, tanto pelos aludidos problemas ainda não resolvidos na legislação quanto pelas regras que estabelecem condições mais ligadas à garantia da repartição de benefícios que mesmo se vislumbrados no início da pesquisa, jamais podem ser quantificados ou assegurados naquele momento. Reconhecer o direito à repartição de benefícios não precisa nem deve ser um tipo de castigo para as empresas brasileiras, tampouco o acesso à biodiversidade brasileira representa uma agressão à natureza ou à economia do país. No entanto, ainda se encontram manifestações e atitudes de instituições brasileiras que parecem comungar da equivocada filosofia de que as empresas são inimigas da natureza.

Busca-se garantir a distribuição do que não existe ainda. Transfere-se à indústria - constituída predominantemente por empresas de micro e pequeno portes - o custo de transação de acordos com grupos que podem nem ter personalidade jurídica e em condições que não permitem que a questão da repartição seja encerrada, criando uma insegurança jurí-dica fatal para as micro e pequenas empresas e não deixam incólumes outras empresas de maior porte.

A ratificação do Protocolo Nagoia-Cali tem o potencial de transferir a pesquisa envolvendo biodiversidade para outros países, produzindo um impacto negativo sobre as empre-sas que empregam biotecnologia no Brasil. Não por outra razão, essas empresas têm manifestado o desejo de que o Congresso Nacional reflita profundamente sobre o tema antes da ratificação desse Protocolo.

* Mestre em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB) e coordenador suplente do Fórum de Biotecnologia. Desde 2004, acompanha as negociações do Protocolo de Cartagena de Biossegurança de transgênicos e da Convenção da Diversidade Biológica (CDB).

1 As opiniões expressadas neste artigo sobre a regulamentação internacional dos transgênicos são pessoais e não refletem o ponto de vista da instituição à qual o autor está vinculado.

2 Disponível em: <http://bch.cbd.int/protocol/NKL_text.shtml>.

3 O texto oficial do Protocolo de ABS ainda não está disponível na página da Convenção da Biodiversidade. Por conseguinte, os comentários aqui feitos dizem respeito à versão não-oficial distribuída em Nagoia ao final da COP 10.

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Cancun: um passo à frente em relação a Copenhague

Apesar das baixas expectativas, a 16ª Conferência das Partes (COP, sigla em inglês) resultou em acordos impor-tantes para etapas futuras da cooperação em mudanças climáticas. A linha divisória entre países desenvolvidos (PDs) e países em desenvolvimento (PEDs), entretanto, persiste em temas centrais, tais como a definição de metas específicas de redução nas emissões de gases-estufa e a continuidade do Protocolo de Quioto.

À luz dos resultados observados nas eleições legisla-

tivas nos Estados Unidos da América (EUA) e do ritmo

dos diálogos anteriormente à COP 16, os cenários

traçados para Cancun não eram demasiado ambiciosos.

Com efeito, a Secretária-Executiva da Convenção-

Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima

(UNFCCC, sigla em inglês), Christina Figueres, já

havia descartado a hipótese de um acordo abrangente

e detalhado acerca de mitigação e adaptação. Ao

invés disso, a meta oficial traçada para o encontro

de Cancun era um acordo que

abrangesse governança climática

e agricultura e que delineasse

mecanismos inst itucionais em

áreas como financiamento.

Tal perspectiva era comparti-

lhada pelas Partes, que - uma

vez frustradas as expectativas

de um acordo abrangente em

Copenhague - almejavam evo-

luir em etapas e fechar acordos

específicos. De acordo com Luiz

Alberto F igueiredo, chefe da

delegação brasileira, a missão

de Cancun era captar consensos

polít icos e transformá-los em

ações operativas. “Será uma COP

de implementação. Os termos

políticos foram estabelecidos em

Copenhague, agora temos que

definir como será a arquitetura

básica de alguns mecanismos, os detalhamentos

ficarão para depois”, afirmou Figueiredo.

Nesse sentido, é possível avaliar que Cancun atendeu

às expectativas das Partes, na medida em que culmi-

nou em avanços nas matérias de financiamento e de

Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação

(REDD+). No que tange a financiamento, as Partes

definiram que o Fundo Verde para o Clima, estabele-

cido pelo Acordo de Copenhague, será administrado

pelo Banco Mundial e por um conselho de 24 países,

repartido igualmente entre PDs e PEDs. Ademais, foi

decidido que os PEDs constituiriam maioria no comitê

de transição - formado por 15 PDs e 25 PEDs1 - , o

que atenuou a resistência desses países em atribuir

a administração do Fundo ao Banco Mundial.

Ao menos em termos formais, os países reafirmaram o

compromisso estabelecido no Acordo de Copenhague,

segundo o qual os PDs se comprometiam a fornecer,

entre 2010 e 2020, US$ 30 bilhões em financiamento

para medidas de mit igação e

adaptação em PEDs. Tratou-se,

ainda, de um montante adicional

para 2020, no valor de US$ 100

bilhões, cujos detalhes perma-

necem incertos: o acordo sobre

ações de cooperação de longo

prazo refere-se vagamente a

uma “ampla variedade de fontes,

públicas e privadas, bilaterais e

multilaterais, incluindo fontes

financeiras alternativas”2.

O acesso de PEDs ao financia-

mento internacional será con-

dicionado à sujeição desse país

a mensuração, not i f icação e

verificação (MRV, sigla em inglês)

- versão defendida pela delegação

estadunidense. Este era um ponto

considerado sensível por alguns

PEDs, especialmente a China, país que defendia a

subordinação da MRV às preferências domésticas. A

fim de contornar o conflito entre essas perspectivas,

em Cancun, as Partes acordaram que as consultas e

análises internacionais dos relatórios de PEDs não

serão punitivas e respeitarão a soberania nacional.

O documento especifica, ainda, que especialistas

técnicos levarão a cabo suas análises em consulta

com as Partes envolvidas.

A fim de contornar o conflito entre

essas perspectivas, em Cancun, as

Partes acordaram que as consultas

e análises internacionais dos relatórios de PEDs não serão punitivas

e respeitarão a soberania nacional.

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Uma vez que os PEDs são os principais beneficiários do financiamento internacional em mudanças climáticas, é comum exigir que tais países tomem medidas de REDD. Sobre o tema, que ocupou posição central nos debates em Cancun, as Partes acordaram que os PEDs devem desenvolver estratégias e sistemas nacionais com vistas ao monitoramento de florestas. O documento ressalta que as atividades relacionadas às florestas devem ser conduzidas em conformidade com as prioridades de desenvolvimento nacional e respeitar os direitos das populações indígenas e comunidades locais.

O texto acordado não alcançou, entretanto, a especificidade espe-rada por países como o Brasil3. Mesmo assim, os PEDs comemoraram a decisão alcançada em REDD+, por considerarem que o tema consti-tui a base para a valorização dos produtos da floresta, condição essencial para conservá-la.

Dessa forma, apesar de algumas decisões tomadas em Cancun representarem avanços no que toca à cooperação em mudanças climáticas, os passos dados na COP 16 não foram mais largos do que aqueles observados em Copenhague. Em 2009, as Partes haviam acordado uma macroestru-tura de financiamento de práticas de mitigação e adaptação, cuja dinâmica foi delineada em Cancun. No entanto, os aspectos procedimentais e os critérios de concessão ainda permanecem vagos, e seu aprofundamento foi postergado para a COP 17 e atribuído ao comitê de transição.

A l inha divisór ia que histor icamente separa PDs e PEDs nas negociações da UNFCCC persist iu em áreas centrais para o futuro da governança global em mudanças cl imáticas. Carentes da adesão dos grandes emissores - tais como EUA, China, Rússia e Japão -, propostas de compromissos vinculantes e de caráter mais ambicioso foram (novamente) postergadas e inseridas na agenda da próxima COP, a ser realizada em Durban (África do Sul), em 2011.

O debate sobre o segundo período de compromissos sob o Protocolo de Quioto, que deverá ter início em 2012, adquirira força na COP 15 e não surpreendeu ao voltar à pauta central das negociações de Cancun. De um lado, Brasil, China e Índia declararam que somente apoiariam um acordo que exigisse compro-

1 O parágrafo 109 do documento intitulado “Outcome of the work of the Ad Hoc Working Group on long-term Cooperative Action under the Convention” (disponível em: <http://unfccc.int/files/meetings/cop_16/application/pdf/cop16_lca.pdf>) especifica que, dentre os PEDs, sete serão da África, sete da Ásia; sete do Grupo de Países Latino-Americanos e Caribenhos (GRULAC); dois do grupo Pequenos Países Insulares em Desenvolvimento (SIDs, sigla em inglês); e dois do grupo dos Países de Menor Desenvolvimento Relativo (PMDRs).

2 Ver parágrafo 99.

3 A proposta brasileira visava à implementação de REDD+ em três fases: a primeira concentrada em produção de conhecimento e de estratégias, englobando a estrutura institucional, o monitoramento e o inventário florestal; a segunda, na implementação de medidas; e a terceira, em pagamento pelo desempenho com base na quantificação das emissões e remoções por florestas em relação aos níveis de referência acordados. Ver: <http://www.mma.gov.br/sitio/index.php?ido=ascom.noticiaMMA&idEstrutura=8&codigo=6327>.

4 Ver parágrafo 1º do documento intitulado “Outcome of the Ad Hoc Working Group on Further Commitments for Annex I Parties Under the Kyoto Protocol as its fifteenth session”. Disponível em: <http://unfccc.int/files/meetings/cop_16/application/pdf/cop16_kp.pdf>.

missos por parte de PDs em termos de redução de

emissões de gases-estufa, sob o marco do Protocolo

de Quioto. Nesse sentido, Luiz Alberto Figueiredo

destacou que “a perda de Quioto significaria ter que

recomeçar a negociação de regras internacionais, o

que seria uma perda de tempo diante da urgência

das mudanças climáticas”.

De outro lado, os EUA - que não fazem parte do

Protocolo de Quioto - defenderam a substituição

do referido documento por um novo acordo, que

incluísse compromissos vinculan-

tes a todos os países, inclusive

China e Índia. Na mesma linha,

Austrália, Canadá, Japão, Nova

Zelândia e Rússia também se

opuseram à extensão da vigência

do Protocolo.

O documento adotado em Cancun

pede que as Partes “concluam

seus trabalhos o quanto antes

possível e a tempo de garantir

que não haja lacuna entre o

pr imei ro e o segundo per ío -

dos de comprometimento”4. O

texto também estabelece que

as Partes devam aumentar o

nível de ambição de suas metas

de r edução ( pa r á g r a f o 3 7 ) .

Contudo, a ausência de grandes

emissores de gases-estufa como

EUA, Japão e Rúss ia torna o

futuro do Protocolo incerto.

De todo modo, é certo que o processo de negociações

climáticas continua a avançar, ainda que parcial,

vagarosa e tortuosamente.

...a perda de Quioto significaria ter que recomeçar

a negociação de regras

internacionais, o que seria uma perda de tempo

diante da urgência das mudanças

climáticas.

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Soluções sob medida: biocombustíveis de pequena escala e comércioHenrique Pacini*Dilip Khatiwada*Tomas Lönnqvist*

O foco dos debates atuais sobre biocombustíveis tende a incidir sobre a produção em grande escala. No entanto, a pequena escala é mais apropriada para muitos países em desenvolvimento (PEDs) e países de menor desenvolvimento relativo (PMDRs).

Atualmente, um grande número de países produz biocombus-tíveis para atingir uma série de objetivos. Além de contribuir para a redução nas emissões de carbono, os biocombustíveis podem contribuir significativamente para a segurança ener-gética, o desenvolvimento sustentável e o manejo do lixo em áreas rurais e urbanas.

Com o aumento da conscientização em torno das mudanças climáticas e a crescente volatilidade no preço dos combustíveis fósseis nos últimos dez anos, o potencial de mercado dos bio-combustíveis tornou-se mais evidente. Nesse contexto, surgiram diversas medidas voltadas à produção de biocombustíveis como complemento a fontes de energia convencionais. Isso resultou no aprofundamento do comércio de biocombustíveis como commodities, na medida em que agora fazem parte do comércio internacional de energia.

Os biocombustíveis líquidos para transportes, produzidos em grande escala, são atualmente os mais comercializados. Em 2009, a produção global de etanol foi de aproximadamente 74 bilhões de litros, ou seja, a produção quadruplicou desde 2000. Em países como os Estados Unidos da América (EUA), grande parte da produção foi absorvida por mercados locais; em outros, o bioetanol tem sido comercializado no exterior, como no caso do Brasil, maior exportador mundial de eta-nol. A produção global de biodiesel tem sido estimada em aproximadamente 19 bilhões de litros, sendo que a maioria da produção comercializada provém da Malásia e Indonésia.

Biocombustíveis de pequena escalaApesar de seu potencial, a produção em larga escala de biocombustíveis líquidos muitas vezes entra em conflito com sistemas agrícolas de pequena escala, característicos de vários PEDs. Nestes países, são necessários arranjos produtivos compatíveis com as realidades locais.

Estudos recentes examinaram aspectos comerciais cruciais à identificação de PEDs e PMDRs adequados para a produção de bioetanol. Os critérios para a seleção de tais países foram os seguintes: i) excedente de cana-de-açúcar; ii) dependência de combustíveis importados; e iii) potencial para a produção econômica1. Tais estudos observaram benefícios técnicos, socioe-conômicos e ambientais dos biocombustíveis de pequena escala.

Particularmente nos PMDRs, a oferta de energia é complicada devido à escassa infraestrutura. Isso inaugura uma oportunidade de desenvolvimento de potenciais bioenergéticos locais, que apresentam vantagens sociais e ambientais complementares aos esforços regulatórios, por estarem de acordo com os padrões ambientais.

Existem diversos exemplos de tentativas de inserir a produção em pequena escala nas cadeias mais amplas de produção de biocombustíveis líquidos. Estes incluem o programa de

biodiesel no Brasil, o Instituto Internacional de Pesquisa de Colheitas para os Trópicos Semi-áridos (ICRISAT, sigla em inglês), iniciativa pró-pobres na África e Índia e a experiência da Colômbia com produção em pequena escala de biodiesel de jatropha no projeto da Mesoamérica.

Dimensões comerciais da produção em pequena escala de biocombustíveisÀ primeira vista, a conexão direta entre biocombustíveis de pequena escala e o comércio internacional parece estar relacionada a seu custo-competitividade comparativamente aos combustíveis fósseis - como gasolina, diesel, gás natural, gás liquefeito de petróleo (GLP) e querosene. A promoção de um sistema de energias renováveis é um desafio, pois, por ser produzido em pequena escala, resulta em um combustível mais caro que os convencionais. Contudo, se examinada de forma mais ampla, a produção de biocombustíveis de pequena escala pode ser economicamente viável e ao mesmo tempo trazer benefícios ao desenvolvimento sustentável. Foram identificadas as seguintes iniciativas nesse sentido:

* Foco nos mercados estrangeiros: é mais provável que países e regiões que apresentem mandatos de mistura e/ou critérios de sustentabilidade paguem preços mais altos pelos biocombustíveis, absorvendo assim os custos da produção em pequena escala. No entanto, isso depende da capacidade de produção de biocombustíveis em conformidade com padrões exigidos pelos mercados visados para exportação.

* Identificação das possibilidades marginais de produção: as economias de escala, como um fator determinante para a penetração dos biocombustíveis nos mercados, não são universalmente aplicáveis. Em regiões isoladas, os preços dos combustíveis podem ser extremamente altos devido aos custos de transporte e à falta de concorrência local. A disponibilidade de fatores não-monetários (emprego, por exemplo) leva à emergência da produção economicamente viável de biocombustíveis em pequena escala para setores como transportes, cozinha e eletricidade.

* Apoio em indústrias existentes: por exemplo, ao utilizar excedentes da produção de açúcar, o Nepal pode produzir anualmente 18.045 m3 de etanol à base de melaço sem comprometer sua segurança alimentar. Com isso, o país pode economizar US$ 10 milhões por ano em importação de gasolina, se o etanol produzido a partir do melaço constituir a base de 20% da gasolina consumida no Vale do Katmandu.

* Vantagens a partir do dilema entre consumo doméstico e exportação de recursos fósseis: em PEDs dependentes da exportação de hidrocarbonetos - como Bolívia e Venezuela -, o acúmulo de capacidades locais na produção de biocombustíveis também pode ser significativo, na medida em que essa fonte

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de energia poderia diminuir a concentração de carbono na economia. Além disso, a produção de biocombustíveis poderia gerar lucros com a exportação adicional de energia fóssil, possibilitada pelo aumento na participação dos biocombus-tíveis no consumo doméstico.

Em geral, o preço da energia fóssil é elevado nos PEDs. Por exemplo, a Zâmbia registra um dos preços mais altos para combustível líquido no mundo, de acordo com estudo recente da agência de Cooperação Alemã para o Desenvolvimento (GTZ, sigla em alemão). O Nepal subsidia a importação de gasolina para o setor de transporte e de querosene para a cozinha. O fato de os PEDs mobilizarem seus recursos escassos para atender necessidades energéticas representa um fardo macroeconômico: altos pagamentos pela importação de energia fóssil podem comprometer esforços de manutenção do valor da moeda nacional, colocando em risco o comércio.

Como benefício indireto, o aproveitamento do potencial de produção de biocombustíveis em pequena escala pode liberar as reservas estrangeiras, as quais poderiam então ser utilizadas para estimular o comércio de bens e serviços necessários para o processo de desenvolvimento desses países.

Biogás e comércio Um exemplo de biocombustível de pequena escala com elevado - e inexplorado - potencial e inúmeros benefícios é o biogás, produzido a partir de resíduos e lixo. O biogás é um negócio local que afeta o comércio nacional: sua produção em pequena escala com tecnologias simples pode substituir o querosene e o GLP na cozinha. Por sua vez, os biofertilizantes podem substituir os fertilizantes tradicionais. Ganhos ambientais adicionais incluem a redução da contaminação e eutroficação2 da água, uma vez que os fluxos de resíduos são redirecionados para esquemas de biogás, ao invés dos rios.

Os autores examinaram exemplos na Bolívia e no Nepal. No primeiro país, iniciativas familiares voltadas à transformação de resíduos em energia estão substituindo o uso de combustíveis fósseis na cozinha. Nas indústrias, esse processo de substi-tuição poderia viabilizar o uso de maiores fábricas de biogás que aplicam tecnologias de reprocessamento mais avançadas, além de permitir um aumento na exportação de gás natural aos países vizinhos. O uso doméstico de gás natural é subsidiado pelo governo da Bolívia. Considerando os efeitos positivos sobre o comércio, o meio ambiente e as condições sociais, deveria haver também um subsídio equivalente para o biogás.

No caso do Nepal, o biogás é produzido principalmente a partir do esterco de gado e tem emergido como tecnologia empre-gada no fornecimento de serviços básicos de energia nos lares rurais. A produção de biogás apresenta numerosos benefícios, por exemplo, na área da saúde (melhoria das condições do ar em ambientes fechados), agricultura (biogás como fertilizante) e meio ambiente (como a redução nas emissões de carbono). No Nepal, o Programa de Apoio ao Biogás (BSP, sigla em inglês) foi o primeiro projeto de energia renovável a registrar dois projetos simultâneos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) em 2005, responsável pela instalação de 19.396 fábricas de biogás. Até 2009, mais de 200.000 fábricas de biogás foram construídas e estima-se que o Nepal tenha um potencial pro-dutivo de 1,9 milhão de fábricas.

No Nepal, a tecnologia do biogás poderia substituir 4.713.495 litros/ano de querosene e 337.000 toneladas/ano de com-bustíveis derivados da madeira. Cerca de US$ 4 milhões

poderiam ser economizados anualmente por meio da redução da importação de querosene. Além disso, no nível familiar, os seguintes benefícios qualitativos são possíveis: redução de 7,4 toneladas nas emissões de gases-estufa; economia de 25 litros de querosene; e produção anual de 1,75 tonelada de fertilizante por família. Estas são contribuições significativas no que toca à utilização de recursos, à balança comercial e ao desenvolvimento sustentável no nível local, considerando-se fábricas de produção de biogás em pequena escala.

Um financiamento adicional por meio do MDL está disponível para esquemas de biogás, o que aumenta a viabilidade de tais iniciativas. Por fim, o biogás produzido em pequena escala é apenas o primeiro passo do processo de atribuição de valor ao lixo e de enxergá-lo como um recurso. O biogás de pequena escala é, portanto, um primeiro passo em direção ao desenvol-vimento de fábricas maiores, com tecnologias mais sofisticadas que poderão ser utilizadas para substituir o gás natural e reduzir ainda mais a dependência em relação à energia fóssil.

Em suma, pontos que justificam por quê o assunto é importanteA percepção de que os biocombustíveis são economicamente viáveis apenas quando produzidos em grande escala precisa ser modificada. Perceber as oportunidades associadas à produção de biocombustíveis em pequena escala é essencial ao processo de incorporação de PEDs e PMDRs à arena internacional de bioenergia, sem que haja atrito com suas estruturas locais socioeconômicas. As experiências no Nepal e na Bolívia ilustram a viabilidade de aproveitamento do potencial local dos biocombustíveis de pequena escala e de seus múltiplos benefícios para o comércio.

O preço dos combustíveis são geralmente muito altos em regiões pobres e isoladas. Com a criação de capacidades locais para a produção de biocombustíveis viáveis em pequena escala, PEDs e PMDRs poderão beneficiar-se diretamente da exportação dessa fonte de energia, ou indiretamente da melhora do comércio, ao liberar recursos locais uma vez empregados na importação de energia ou na produção doméstica de energia de alto custo.

Em países como o Nepal, fontes de energia renovável comerciais - como o bioetanol e o biogás - poderiam ampliar os benefícios socioeconômicos, reduzir o custo ambiental e oferecer benefícios comerciais por meio da redução da importação de combustíveis fósseis. Em países como Bolívia e Venezuela, grandes exportadores de hidrocarbonetos, a promoção do biogás poderia reduzir os custos de oportunidade para o consumo local de combustíveis fósseis; e o consumo doméstico de biogás poderia permitir uma maior exportação de gás natural aos países vizinhos.

Enquanto a promoção da produção de biocombustível em pequena escala enfrenta muitos desafios, os exemplos apresentados acima demonstram a importância do intercâmbio de experiências, em um esforço global para inserir a produção de biocombustíveis em pequena escala no topo da agenda de bioenergia dos PEDs.

* Doutorandos na Divisão de Estudos de Energia e Clima, do Instituto Real de Tecnologia da Suécia.

1 Ver: DSDG. Feasibility study on an effective and sustainable bio-ethanol production program by least developed countries as alternative to cane sugar export. Holanda: Ministry of Agriculture, Nature and Food Quality (LNV), 2005. Ver também: UNDESA. Small-scale production and use of liquid biofuels in Sub-Saharan Africa: Perspectives for sustainable development.UNDESA, Background paper no. 2 (DESA/DSD/2007/2). Nova York, 2007.

2 [N.E.] Fenômeno provocado pelo excesso de nutrientes na água, o que resulta na proliferação excessiva de algas e, portanto, na deteriorização da água.

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Apreensões de medicamentos genéricos e a condenação da UE no Tribunal Permanente dos PovosRenata Reis*Janaína E. P. Faria**

A apreensão sistemática de medicamentos genéricos empreendida pelas autoridades europeias nos últimos dois anos tem restringido a circulação desses bens, essenciais à saúde humana. Por este motivo, organizações da sociedade civil da América Latina levaram tais casos ao Tribunal Permanente dos Povos (TPP), em maio de 2010. Este artigo trata das violações de direitos promovidas pela política aduaneira europeia, bem como da importância da denúncia da sociedade civil organizada em foros como o TPP.

Entre 2008 e 2009, pelo menos 18 carregamentos de medica-mentos genéricos em trânsito – provenientes de Índia e China com destino a países da América Latina, África e Oceania – foram apreendidos em portos europeus. Essas medidas foram justifi-cadas com base no Regulamento CE nº 1.383 de 22 de julho de 2003 da União Europeia (UE), relativo a medidas de fronteira contra bens suspeitos de infração de direitos de propriedade intelectual (DPIs) e contra mercadorias que violem esses direitos1.

No entanto, as autoridades aduaneiras europeias vêm siste-maticamente apreendendo medicamentos genéricos cujas patentes – embora válidas na Europa – não encontram lastro de proteção nem no país de origem nem no país de destino. Alegou-se que os medicamentos infringiam DPIs – concedidos e válidos nacionalmente – quando, na realidade, estavam sob DPIs nos países europeus, mas não nos países de origem e de destino. Os medicamentos estavam em trânsito e, como não se destinavam ao mercado europeu, nenhum dano poderiam causar às empresas farmacêuticas titulares de patentes na Europa.

Vale lembrar que determinado medicamento pode ser protegido por patente em um país membro da Organização Mundial do Comércio (OMC), mas não em outro por algumas razões, tais como: i) o pedido de patente nunca foi depositado no país; ii) a patente expirou; iii) o pedido de patente foi rejeitado porque a invenção não atendia os critérios nacionais de patenteabilidade (como, por exemplo, características inventivas e inovadoras); e iv) a invenção não constituía objeto de patente dentro da lei nacional – por exemplo, foi registrada durante vigência do período de transição para incorporação do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS, sigla em inglês) nos países em desenvol-vimento (PEDs) e de menor desenvolvimento relativo (PMDRs).

As apreensões de medicamentos em trânsito têm sido objeto de polêmico debate em diversas instâncias internacionais. O confisco, ocorrido em 4 de dezembro de 2008, de 570 kg de Losartan Potassium, princípio ativo usado para a produção de medicamentos para o tratamento de hipertensão arterial, recebeu particular destaque. O produto, avaliado em € 55 mil, havia sido negociado entre a empresa indiana Dr. Reddy`s e a brasileira EMS e estava a caminho do Brasil, mas não alcançou seu destino final. Apesar de o fármaco não ser protegido por patente nem na Índia nem no Brasil, a carga foi confiscada na Holanda, país onde a multinacional MerckSharp&Dohme (MSD)

detém sua patente em conjunto com a DuPont2. A MSD enviou uma carta3 à Dr. Reddy`s por meio de seus advogados em 24 de dezembro de 2008, informando a empresa da retenção e exigindo a renúncia da carga, sob ameaça de destruição do produto. Segundo nota de esclarecimento4 da Merck do Brasil, a carga retornou à Índia por solicitação da Dr. Reddy`s, após permanecer retida por 36 dias no porto de Roterdã.

As medidas da UE repercutiram negativamente e geraram manifestações dos governos e da sociedade civil organizada em diversos países. Desde o início de 2009, a partir do episó-dio Losartan, o Brasil tem expressado suas preocupações em diversos foros, tais como o Conselho Geral da OMC e o Conselho de TRIPS, assim como junto à própria UE no plano bilateral5.

Em maio deste ano, o Brasil e a Índia ingressaram com pedido de consultas à UE e à Holanda no âmbito do Mecanismo de Solução de Controvérsias da OMC. Duas rodadas de consultas já foram realizadas (em julho e setembro de 2010) no contencioso “UE – Apreensão de Medicamentos Genéricos em Trânsito” (DS 408 e DS409) sobre a legislação comunitária, decisões judiciais aplicáveis ao caso, direitos de patentes e liberdade de trânsito de medicamentos genéricos6. Segundo Roberto Azevedo, embaixador brasileiro na OMC, “o Regulamento [CE 1.383/2003] em si é ilegal”7.

Para além disso, a restrição à circulação de medicamentos nos países que mais carecem desses bens essenciais e, portanto, a dificuldade no acesso a tratamentos gerada pela política europeia motivaram organizações da sociedade civil latino--americana a levarem os casos ao TPP, em maio deste ano.

Violações de direitos e o TPPO Regulamento CE 1.383/2003 é incompatível com diversos acordos internacionais relacionados tanto ao direito à saúde como às regras que regem o comércio internacional. Pontuemos algumas dessas incompatibilidades.

O artigo V do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT, sigla em inglês) prevê a liberdade de trânsito de bens pelas rotas mais cômodas para o comércio internacional e proíbe os membros de impor exigências inapropriadas para bens em trânsito. A posição geográfica favorável e a pujança econômica dos países europeus explicam o significativo papel de seus portos como rota do comércio internacional de medicamentos, inclusive entre países do Sul8. Nesse sentido,

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impedir o comércio internacional de medicamentos genéri-cos viola o princípio da liberdade de trânsito – amplamente implementado na história do GATT/OMC –, que pode ser visto como um pressuposto fundamental do comércio internacional9.

Da mesma forma, o Regulamento europeu é contraditório com o Acordo TRIPS, que estabelece em seu parágrafo introdutório a “redução de distorções e impedimentos ao comércio internacio-nal”, de maneira a “assegurar que medidas e procedimentos para reforçar os direitos de propriedade intelectual não se tornem eles mesmos barreiras ao comércio legítimo”. Ainda, o artigo 41 do Acordo estipula que os procedimentos para assegurar os DPIs “deverão ser aplicados de maneira a evitar a criação de barreiras ao comércio legítimo e prover proteção contra seus abusos” e que tais procedimentos deverão ser “justos e equitativos”.

Além disso, a legislação europeia é incompatível com a Convenção da União de Paris (CUP), que institui em seu artigo 4˚ bis o princípio de “independência de patentes” e o princí-pio de “territorialidade das patentes”. Ressalte-se também a incompatibilidade do Regulamento europeu com a Declaração de Doha sobre o Acordo TRIPS e Saúde Pública, que enfatiza a primazia da saúde pública sobre os direitos patentários.

Ao dificultar e, no limite, impedir o acesso a medicamentos nos PEDs e PMDRs, a UE viola o direito humano à saúde e à vida, garantido internacionalmente pelo Artigo XXV da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 (“Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde e bem-estar”) e pelo artigo 2.1 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que reconhece “o direito de toda pessoa de desfrutar do mais elevado nível possível de saúde física e mental”.

Inconformados com as apreensões de medicamentos, organiza-ções da sociedade civil de Brasil, Colômbia, Peru e Equador10 – países atingidos por apreensões – denunciaram os casos em 14 de maio ao TPP11. Com o tema “A União Europeia e as transnacionais na América Latina: políticas, instrumentos e atores cúmplices das violações dos Direitos dos Povos”, o TPP foi realizado em Madri (Espanha), entre 14 e 18 de maio de 2010 – paralelamente à reunião de chefes de Estado da UE, América Latina e Caribe –, com o objetivo de denunciar os crimes realizados pelas transnacionais e os impactos das atividades destas sobre os direitos econômicos, sociais e cul-turais das nações latino-americanas e caribenhas, revelando a cumplicidade da UE e de instituições internacionais.

As organizações latino-americanas demandaram ao Tribunal que a UE fosse declarada culpada por violar o direito humano à saúde e à vida das populações dos países atingidos, em razão da imposição de obstáculos ilegítimos e ilegais ao acesso a medicamentos genéricos utilizados no tratamento de diversas enfermidades.

O caso teve ampla repercussão: peritos e jurados mostraram especial preocupação com as políticas da UE sobre proprie-dade intelectual e regulamentação aduaneira, e a UE foi condenada pelos jurados do TPP. De acordo com a sentença, é inaceitável que tais políticas dificultem o acesso dos povos latino-americanos a medicamentos genéricos fundamentais. A sentença12 solicitou que sejam imediatamente interrompi-das as práticas de apreensão de medicamentos em trânsito e recomendou que instituições da UE assumam que o uso de medicamentos genéricos constitui uma necessidade funda-

mental das populações menos favorecidas. Por fim, a sentença destacou que a privação de recursos básicos necessários para uma vida digna – por exemplo, os medicamentos – pode ser qualificada como um crime contra a humanidade.

Apesar da sentença do TPP não ter cogência, o Tribunal representa um importante instrumento político da sociedade em um mundo em que os direitos humanos são caracterizados pela fragilidade normativa frente à soberania do ordenamento jurídico dos direitos comerciais ad hoc, que privilegiam os interesses das empresas transnacionais – como é o caso do Regulamento aduaneiro europeu em questão.

Os carregamentos detidos em portos europeus – em rota para Nigéria, Vanuatu, Peru, Colômbia, Equador, México, Venezuela e Brasil – continham medicamentos essenciais para o tratamento de HIV/AIDS, doenças coronarianas, esquizofrenia, Alzheimer, colesterol e hipertensão. A falta de acesso regular a medica-mentos essenciais afeta mais de 2,2 bilhões de pessoas – majo-ritariamente de PEDs e PMDRs –, sendo que a metade delas não dispõe desses bens necessários em quantidade suficiente e a outra metade praticamente não possui acesso algum a tratamento farmacêutico13. Nesse sentido, o TPP constitui foro imprescindível para a construção de redes de denúncia, visibi-lidade e condenação moral de violações de direitos humanos.

* Coordenadora do Grupo de Trabalho de Propriedade Intelectual da REBRIP e doutoranda em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento /UFRJ.

** Mestranda em Política Científica e Tecnológica/ Unicamp.

1 Ver:<http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/site/en/oj/2003/l_196/l_19620030802en00070014.pdf>.

2 A DuPont possuía o Certificado de Proteção Suplementar 950009, expirado em 1˚ de setembro de 2009, que protegia o sal farmacêutico kaliumlosartan na Holanda. A DuPont e a MerckSharp&Dohme detêm conjuntamente a patente do processo farmacêutico do Losartan (Patente Europeia 643704, válida até 18 de novembro de 2012).

3 Ver :<http://on l ine.wsj .com/publ ic/resources/documents/eudrugs2009letter1.pdf>.

4 Ver:<http://www.saudebusinessweb.com.br/noticias/index.asp?cod=54625>.

5 Pedido de consultas do Brasil relativo à apreensão de medicamentos genéricos em trânsito na UE. Nota nº 296 do Ministério das Relações Exteriores (MRE), publicada em 12/05/2010.

6 Ver Notas No. 438 e 579 do MRE.

7 Brasil e Índia contestam UE na OMC por genéricos. Agência Reuters Brasil, 12 de maio de 2010. Disponível em: <http://br.reuters.com/article/worldNews/idBRSPE64B04220100512>.

8 Ver: Seuba, Xavier. Border Measures Concerning Goods Allegedly Infringing Intellectual Property Rights. Working Paper, ICTSD, Genebra, 2009, p.1.

9 Ver: Abbott, Frederick M. Seizure of Generic Pharmaceuticals in Transit Based On Allegations of Patent Infringement: a threat to international trade, development and public welfare. WIPO Journal, Thomson Reuters (Legal) Ltd. and Contributors, 2009, pp. 45-6.

10 O trabalho de apresentação do caso foi coordenado pelo Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual da REBRIP (outras informações em <www.deolhonaspatentes.org.br>). As organizações dos países latino-americanos que participaram do caso foram: IFARMA (Colômbia), Fundación Misión Salud (Colômbia), Mesa de ONGs que trabajan con VIH/Sida (Colômbia), Red Colombiana de Personas viviendo con VIH/Sida (Colômbia), Acción International para la Salud - Latino America y Caribe (Peru) e Coalición Ecuatoriana de Personas Viviendo Con VIH/SIDA (Equador).

11 O TPP é um tribunal de caráter não-governamental, do gênero dos “tribunais de opinião”, que teve origem no julgamento dos crimes contra a humanidade cometidos pelos Estados Unidos da América (EUA), na Guerra do Vietnã. Foi constituído na Itália em 1979 e já se reuniu em 31 ocasiões para julgar diversas situações de violações aos direitos humanos.

12 Sentença disponível em: <http://www.enlazandoalternativas.org/spip.php?article731>.

13 Ver: Seuba, Xavier. La protección de la salud ante la regulación internacional de los productos farmacéuticos. Madri: Marcial Pons, 2010, p. 27.

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Outros temas multi laterais

Comércio internacional e protecionismo em tempos de criseIvan Tiago Machado Oliveira*

Apesar da melhora no desempenho comercial de países desenvolvidos (PDs) e em desenvolvimento (PEDs) previsto para 2010, cerca de 15% das medidas protecionistas acionadas no contexto da crise econômica de 2008 permanecem. Este artigo analisa os possíveis cenários futuros em matéria de comércio e traça perspectivas para a conclusão da Rodada Doha à luz desses dados.

O comércio mundial declinou drasticamente em 2009: as exportações mundiais tiveram seu volume reduzido em 13,7%, o maior declínio regis-trado desde a Segunda Guerra Mundial, segundo dados da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad, sigla em inglês)1. Em 2009, o volume de comércio declinou 25,3% no Japão, quase duas vezes superior aos outros PDs e à média mundial. Nos Estados Unidos da América (EUA), o centro da crise financeira e econômica, o volume de exportações reduziu 14,9%, enquanto o volume de comércio da União Europeia (UE) diminuiu 13,7% em 2009.

A queda no volume de comércio foi menor nos PEDs, que apresentaram um declínio no volume exportado de 11,7%. As economias dos BRIC apresentaram uma redução no volume de comércio menor do que as economias desenvolvidas em 2009, com as exportações da China em declínio de 13% - embora suas importações tenham reduzido apenas 0,2%. O Brasil e a Índia apresentaram uma diminuição de 8% em suas exportações de bens, tendo a Rússia, por sua vez, registrado uma dimi-nuição de 10,6% no volume de comércio de suas exportações em 2009.

Embora a redução de crédito comercial devido à crise financeira tenha desempenhado algum papel na diminuição do comércio mundial, o declínio da demanda doméstica - ampliado pela natureza sincronizada da recessão desde 2008 - foi o principal motor da desaceleração do comércio mundial em 2009. A queda acentuada da riqueza e o cho-que de expectativas levaram famílias e empresas a reduzir ou adiar seus gastos e investimentos, especialmente em bens de consumo duráveis e em bens de investimento, os quais representam uma parte importante do comércio mundial. A expansão da produção global, com cadeias de produção muito mais amplas, também desempenhou um importante papel, ainda que imensurável, na desaceleração do comércio mundial em 2009, o que expressa a força dominante das empresas transnacionais no comércio internacional hoje.

Após o declínio mais acentuado em mais de sete décadas, o comércio mundial deve se recuperar em 2010 crescendo 13,5%, em volume2. Considerando que a queda do comércio internacional em 2009 foi forte-mente impulsionada pela redução na demanda mundial, a retomada desta - especialmente nos PEDs - deverá conduzir à recuperação do comércio.

O temido aumento do protecionismo comercial foi relativamente contido até o momento. Assim como as políticas beggar-thy-neighbor haviam sido difundidas durante a Grande Depressão da década de 1930, temores surgiram durante a crise de 2008 de que a história pudesse se repetir, e políticas econômicas nacionalistas prevaleceriam em detrimento de outras economias e do próprio comércio internacional.

De acordo com relatório conjunto publicado recentemente por Unctad, OMC e Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), não obstante tenha havido um aumento do uso de medidas de proteção comercial pelos países no pós-crise, há uma tendência de queda na edição de novas medidas de proteção e defesa comercial.

As informações apresentadas pela OCDE são corroborados pelos dados da OMC, que indicam que houve uma queda de 29% no número de investigações antidumping iniciadas no primeiro semestre de 2010, comparativamente ao primeiro semestre de 2009, tendo a UE destaque entre os membros no que concerne à abertura de novas

investigações, com oito novos processos; seguida da Argentina, com sete; e de Brasil e Israel, com cinco cada.

Vale frisar que apenas 15% das medidas de proteção criadas no pós--crise já foram removidas até o momento, o que sinaliza uma clara inércia protecionista ainda em vigor nos setores afetados por tais medidas, dentre os quais se destacam máquinas elétricas, óleos e combustíveis minerais, máquinas e utensílios mecânicos.

No que concerne ao Brasil, desde a crise, um total de 283 medidas de proteção e defesa comercial foram tomadas por parceiros comerciais que afetam interesses brasileiros, das quais 235 já foram implemen-tadas3. Por sua vez, o Brasil adotou 99 medidas que afetam interesses de parceiros comerciais. Observa-se, portanto, que é importante a pressão protecionista em setores nos quais o Brasil possui interesses exportadores, tendo o país igualmente adotado medidas de proteção comercial em número superior ao de parceiros como China e Argentina.

No comunicado final da Cúpula de Seul, os países do G-20 reitera-ram seu compromisso político - e retórico - com o livre comércio, considerado de central importância para a retomada do crescimento econômico global; e se colocaram dispostos a não introduzir medidas protecionistas. Ademais, sinalizaram que o ano de 2011 deve ser visto como uma crítica e estreita janela de oportunidade para se conseguir finalizar as negociações da Rodada Doha4, sem indicar, contudo, as pontes necessárias à aproximação de propostas em negociação em Genebra e que tornariam possível a conclusão da Rodada. Sobre os problemas relacionados ao câmbio, o G-20 não logrou ir além de sinalizações pouco precisas acerca de decisões que visem a alguma solução definitiva ao problema. Tendo em vista a complexa relação entre câmbio e comércio internacional no quadro da (des)ordem monetária global, encontra-se aqui um elemento crítico que poderá causar estragos econômicos importantes ao comércio internacional no contexto do pós-crise.

Como se vê, o atual contexto econômico e político mundial, apesar de positivo em termos de retomada do crescimento, em particular para os PEDs, e das promessas realizadas pelo G-20 em sua última cúpula em Seul, não deve ser suficiente para colocar a Rodada Doha nos trilhos em 2011. Os PDs provavelmente reforçarão a pressão sobre os PEDs para a abertura de seus mercados de serviços e de manufa-turados não-agrícolas e estarão menos dispostos a fazer concessões em agricultura, a questão-chave da Rodada do Desenvolvimento. As tensões e pressões por proteção que agora permanecem relativa-mente contidas podem se expandir - em particular com os efeitos do desalinhamento cambial global - e engendrar processos menos cooperativos que dificultem a conclusão da Rodada no futuro próximo.

* Pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

1 Ver: UNCTAD. Trade and Development Report 2010. Disponível em: <http://www.unctad.org/>. Acesso em: 20 nov. 2010.

2 Ver: OMC. Press release. PRESS/616. 20 set. 2010. Disponível em: <http://www.wto.org/>. Acesso em: 20 nov. 2010.

3 Ver: Evenett, Simon J. (ed.) Tensions Contained… For Now: The 8th Global Trade Alert Report. 08 nov. 2010. Disponível em: <http://www.globaltradealert.org/>. Acesso em: 20 nov. 2010.

4 Ver: G20. Final Seoul Communique. 2010. Disponível em: <http://www.seoulsummit.kr/>. Acesso em: 30 nov. 2010.

Pontes Dez. 2010 / Jan. 2011 Vol.6 No.5

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Brasil

Uma análise das perdas comerciais brasileiras para a China (2000-2009)

Este artigo busca mensurar o resultado líquido da competição entre Brasil e China1 no período compreendido de 2000 e 2009, em três mercados tradicionais para as exportações brasileiras de produtos manufaturados: Estados Unidos da América (EUA), União Europeia (UE) e Argentina. Além disso, também são calculadas as perdas da produção industrial do Brasil no mercado doméstico para os bens chineses.

Fabrizio Sardelli Panzini*Paula Cristina Corrêa Bolonha**Wellington de Lima Freire***

As altas taxas de expansão da economia chinesa nesta década estive-ram fortemente atreladas ao grande crescimento das exportações do país. Este bom desempenho exportador, por sua vez, não ocorreu sem afetar outros países no mercado internacional, entre eles o Brasil.

Os anos entre 2000 e 2009 compreenderam um período de aumento da competição com os chineses nos âmbitos interno e externo do Brasil. Este crescimento ocorreu por algumas razões: i) a entrada da China na Organização Mundial de Comércio (OMC); ii) a apreciação do câmbio brasileiro, principalmente após o ano de 2004; e iii) a grande competitividade chinesa que, entre outros elementos, assentou-se na desvalorização competitiva da moeda do país. Segundo estudos do Peterson Institute for International Economics2 divulgados no início de 2010, o reminbi chinês está subvalorizado em 40%, ao passo que o real brasileiro está sobrevalorizado em 16%.

A combinação desses elementos resultou em um cenário ampla-mente favorável aos chineses na competição com o Brasil em EUA, UE e argentina, inclusive dentro do mercado nacional, conforme mostrado nas seções seguintes.

Resultados gerais da competição Brasil-China A competição entre Brasil e China foi amplamente desfavorável para a economia brasileira, que sofreu perda líquida em todos os mercados analisados. Em uma década, a perda que alcançou US$ 18,2 bilhões, foi distribuída entre EUA (US$ 9,3 bilhões); UE (US$ 7,3 bilhões); e Argentina (US$ 1,6 bilhão). No mercado interno, o estudo mensurou que a competição entre Brasil e China resultou em uma perda líquida de US$ 15,2 bilhões para os produtores nacionais.

Em termos absolutos, as perdas do Brasil ocorreram de forma mais acentuada no mercado externo que no interno. Em termos relativos, os US$ 18,2 bilhões perdidos no mercado externo possuem maior representatividade (se comparados ao total de exporta-ções), que as perdas de US$ 15,2 bilhões registradas no mercado interno (se comparadas ao total do consumo aparente brasileiro).

Outra observação relevante sobre as perdas no mercado interno diz respeito ao período em que houve maior concentração des-ses prejuízos. O estudo verificou que 72,8% do total de danos ocorreram no último biênio e se distribuíram em 16 setores - o dobro de setores em que houve perdas no primeiro período.

Perdas líquidas do Brasil para a China no mercado externoEm linhas gerais, as maiores perdas do Brasil para a China nos mercados analisados ocorreram em setores3 de maior valor agregado. Destes, três setores responderam por metade das perdas ao longo do período estudado. Por outro lado, os ganhos ocorreram essencialmente em setores de produtos intensivos em recursos naturais (peles, seda, fumo, óleos vegetais, etc) - exceção feita aos setores de aeronaves e químicos.

No geral, foi no setor de máquinas, aparelhos e materiais elétri-cos que se observou o maior deslocamento de mercado para a China: US$ 4,7 bilhões. Em segundo lugar, o setor de máquinas e aparelhos mecânicos registrou US$ 2,4 bilhões em perdas; seguido do setor de ferro fundido, ferro e aço, que totalizou cerca de US$ 2 bilhões em perdas para os chineses.

Os três mercados analisados diferem entre si quanto à magnitude e perfil da pauta exportadora. Assim, é importante detalhar os resultados agregados e verificar em cada mercado quais os setores em que se concentraram as maiores perdas.

Nove dentre os quinze setores analisados apresentaram o mercado estadunidense como o maior perdedor da competição chinesa, aproximadamente 40% do total das perdas. O setor em que se verificou o maior deslocamento do Brasil pela China nos EUA foi o de máquinas, aparelhos e materiais elétricos: 33,4% das perdas, um total de mais de US$ 3,1 bilhões. O segundo setor foi o de calçados, responsável por 14,5% do deslocamento de mercado nos EUA. Em seguida aparecem outros importantes setores para as exportações brasileiras, o de máquinas e aparelhos mecânicos e o de veículos e tratores, que somam juntos 17,7% das perdas. Vale dizer que esses quatro setores foram responsáveis por praticamente 2/3 das perdas líquidas para a China no mercado estadunidense.

Os dados de perdas para a China no mercado dos EUA reiteram um fenômeno amplamente discutido e constatado, qual seja, a primarização da pauta exportadora do Brasil ao país. Isto é, produtos primários ganhando participação nas exportações, em detrimento dos manufaturados. Em 2001 e 2003, o Brasil che-gou a apresentar 77% de sua pauta de exportações para os EUA composta por bens manufaturados. Essa participação diminuiu nos anos seguintes, chegando a 60% em 2009.

O bloco europeu constitui hoje o maior destino das exportações brasileiras, aproximadamente o dobro das vendas realizadas para os EUA. Ainda assim, suas perdas líquidas foram inferiores àquelas observadas no mercado estadunidense, fato que não diminui a importância das perdas atingidas: US$ 7,2 bilhões.

Três setores concentraram 58,8% do total das perdas neste mercado: o setor de ferro fundido, ferro e aço teve 24,1% de participação sobre o total de perdas líquidas no mercado europeu, o que repre-sentou 89% do total das perdas brasileiras do setor. Em segundo lugar (19,1% de participação), o setor de máquinas, aparelhos e materiais elétricos respondeu por um deslocamento de mercado de quase US$ 1,4 bilhão em termos absolutos. Por fim, destaca-se o setor de máquinas e aparelhos mecânicos, que respondeu por 15,5% das perdas líquidas - US$ 1,1 bilhão em termos absolutos.

Assim como nos EUA e na UE, o setor de máquinas, aparelhos e materiais elétricos e o setor de máquinas e aparelhos mecânicos encontraram-se entre aqueles que sofreram um maior deslocamento na Argentina. O primeiro setor foi responsável por US$ 231 milhões em perdas, e o segundo por US$ 222 milhões. No entanto, nenhum

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Pontes

PONTES tem por fim reforçar a capacidade dos agentes na área de comércio internacional e desenvolvimento sustentável, por meio da disponibilização de informações e análises relevantes para uma reflexão mais aprofun-dada sobre esses temas. É também um instrumento de comunicação e de geração de idéias que pretende influenciar todos aqueles envolvidos nos processos de formulação de políticas públicas e de estratégias para as negociações internacionais.

PONTES foi publicado pelo Centro Internacional para o Comércio e o Desenvolvimento Sustentável (ICTSD).

Equipe editorial

Michelle Ratton Sanchez Adriana VerdierManuela Trindade VianaDaniela Helena Oliveira Godoy

ICTSD

Diretor executivo: Ricardo Meléndez-Ortiz7, chemin de Balexert1219, Genebra, Suíç[email protected]

As opiniões expressadas nos artigos assinados em PONTES são exclusivamente dos autores e não refletem necessariamente as opiniões do ICTSD, ou das instituições por ele representadas.

* Coordenador da Área de Análise Econômica do Comércio Exterior na Fiesp.

** Analista econômica de comércio exterior na Fiesp.

*** Analista econômico de comércio exterior na Fiesp.

1 A metodologia utilizada tem como base o estudo: Baptista, Jorge Chami. Desvalorização Cambial e as Exportações Brasileiras para os Estados Unidos. In: Revista Brasileira de Comércio Exterior, No. 70, jan-mar. 2002. Disponível em: <http://www.funcex.com.br/material/rbce/70-Exportacoes-JCB.pdf>. Mais precisamente, os resultados mencionados neste artigo têm por referência a metodologia de Ganhos e Perdas de competitividade, em que as exportações do Brasil para os três mercados foram comparados nos biênios entre 2000 e 2009. De acordo com o método, o Brasil deveria manter em um biênio o mesmo market-share do biênio anterior, caso contrário seria atribuída a perda aos competidores. O mesmo método foi aplicado ao mercado interno do Brasil.

2 http://www.iie.com/publications/pubs.cfm

3 Nesta seção, entende-se por setor o agregado representado pelo capítulo do sistema harmonizado, isto é, aqui trata-se o nível SH 2 dígitos como setor, o que totaliza 99 setores.

setor perdeu tanto no mercado argentino como químicos orgânicos: US$ 336,5 milhões. O setor de veículos, no qual a Argentina constitui o principal mercado brasileiro, correspondeu ao 4º setor com maior deslocamento, responsável por US$ 185 milhões das perdas líquidas.

É importante destacar que, apesar das perdas no mercado argentino representarem a menor fatia no total de deslocamentos calculados, não se pode negar que o simples fato de o Brasil ter sido deslocado pela China em um tradicional mercado como o é a Argentina, é suficiente para chamar a atenção. A proximidade geográfica e tarifas preferenciais deveriam, em tese, deixar o Brasil mais imune a perdas neste mercado, o que não ocorreu - como mostraram os dados apresentados.

Perdas no mercado internoA maior parcela das perdas brasileiras no mercado interno ocorreu na última comparação de biênios (2006-07 versus 2008-09). Tais perdas somaram US$ 11,1 bilhões, ou seja, 72% do total perdido no mercado interno na última década (US$ 15,2 bilhões).

Como no setor externo, os setores que mais perderam na competição com a China no mercado interno foram os intensivos em tecnologia. Cerca de 48% da responsabilidade pelo deslocamento total de mercado divide-se entre três setores. Coube ao setor de material eletrônico e aparelhos de comunicação 29% do total de perdas, para os chineses no mercado interno deste setor. O segundo setor com maior perda foi o de máquinas e equipamentos para escritório e informática, somando US$ 1,5 bilhão. Em terceiro, e com perdas localizadas exclusivamente na comparação 2006-07 versus 2008-09, o setor de máquinas e equipamentos teve um deslocamento de mercado de quase US$ 1,5 bilhão causado pela China.

Os resultados desses três setores são também corroborados pelos coeficientes de importação (CI), que medem a penetração dos produtos importados no mercado consumidor nacional. Dados divulgados pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) mostram que, no setor de material eletrônico e de comunicação, a penetração dos importados passou de 41% em 2006, para 44,6% do consumo aparente em 2009. No setor de máquinas para escritório e informática, o coeficiente foi de 40,3% para 50,5%. No terceiro setor citado acima, o de máquinas e equi-pamentos, os importados passaram de 30,8% para 34,1% de market share no mercado interno.

Os resultados dos coeficientes mostram que a competição no mercado nacional desses setores está cada vez mais acirrada, e os dados obtidos com este estudo apontam a China como inequívoco responsável por estes deslocamentos.

Considerações finaisA variável cambial é, sem dúvida, uma das determinantes para a competitividade das expor-tações de um país. Se mantida em um patamar competitivo, ela também auxilia na proteção das cadeias produtivas industriais, podendo ser um importante motor de desenvolvimento.

A interação entre o câmbio brasileiro sobrevalorizado nos últimos anos com a subvaloriza-ção da taxa de câmbio chinesa implicou significativas perdas no exterior para o Brasil, mas demonstrou também que os danos agora se espalham por toda a economia e podem trazer uma desarticulação da indústria nacional brasileira. Atualmente, a China representa 8,1% do consumo de máquinas do Brasil - em contraste com 1,7% em 2001 - e 22,8% do consumo interno de equipamentos de informática - quando, nove anos antes, este valor era de 2%.

Outros elementos ajudam a explicar a perda de competitividade do Brasil no exterior (inclusive em mercados tradicionais como o argentino) e os ganhos chineses dentro do Brasil, por exem-plo, a alta carga tributária sobre o valor agregado no país e a elevada taxa de juros interna.

Seja como for, tais perdas constituem importante alerta ao setor industrial do Brasil e refletem a necessidade de reformas estruturais que restabeleçam a competitividade das exportações e incentivem menos as importações, sob pena de o país reduzir cada vez mais o conteúdo nacional de sua produção.

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PontesENTRE O COMÉRCIO E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

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JANEIRO

30-17 UNCTAD - Curso regional de temas-chave sobre a agenda de economia internacional para a África. Cairo, Egito.

31-1º UNCTAD - Global Commodities Forum: Second Meeting. Genebra, Suíça.

FEVEREIRO

2 CDB - Abertura de assinaturas do Protocolo de Nagoia sobre Acesso a Recursos Genéticos e Repartição Equitativa de Benefícios. Nova York, EUA.

6-11 Fórum Social Mundial. Dacar, Senegal.

8-11 FAO - Reunião do Comitê Financeiro. Roma, Itália.

10-11 OCDE - Green Growth Strategy Workshop. Paris, França.

15-17 OMC - Órgão de Revisão de Políticas Comerciais: Japão. Genebra, Suíça.

16-18 UNCTAD - Reunião de especialistas sobre con-tribuição do investimento estrangeiro direto para a transferência e difusão de tecnologia e know-how para o desenvolvimento sustentável em países em desenvolvimento. Genebra, Suíça.

16-18 UNCTAD - Reunião de especialistas sobre coo-peração internacional: cooperação Sul-Sul e integração regional. Genebra, Suíça.

16-19 Conferência Conjunta IPSA-ECPR “Whatever happened to North-South?”. São Paulo, Brasil.

18-19 Reunião dos ministros de Finanças do G-20. Paris, França.

22-23 OMC - Reunião do Conselho Geral da OMC. Genebra, Suíça.

23 CEPAL - Curso Internacional “A Economia da Mudança do Clima e Impactos Sociais: Métodos e Técnicas de Análise”. Santiago, Chile.

MARÇO

7-8 ONU - II Reunião Preparatória para a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20). Nova Iorque, Estados Unidos da América.

11 Evento “Mercosur at 20: politics, economics and integration in the Southern Cone”. Oxford, Reino Unido.

14-18 CDB - Workshop Regional para o Sul da África sobre Atualização de Estratégias Nacionais de Biodiversidade e Planos de Ação. Kasane, Botswana.