Entrevista Com Ezra Pound - Revista Bula

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26/07/2015 | Acervo da Revista Bula http://acervo.revistabula.com/posts/traducao/aentrevistahistoricadeezrapound 1/11 marcadores listas livros entrevistas web stuff ensaios tradução filmes contos música colunistas inéditos animau çinixtro viagens POR AMANDA GÓRSKI EM 07/05/2009 ÀS 05:35 PM A entrevista histórica de Ezra Pound publicado em tradução “Eu achava que estava lutando por uma questão interna de governo constitucional. E se qualquer homem, qualquer indivíduo, puder dizer que ouviu de minha boca palavras contra raças, crença ou cor, que se apresente e as repita” Entrevista publicada na "The Paris Review", em 1962. Traduzida especialmente para Revista Bula por Amanda Górski. Desde sua volta para Itália, Ezra Pound passou a maior parte de seu tempo em Tirol, no Castelo de Brunnenburg com sua esposa, sua filha Mary, seu genro, o Príncipe Boris de Rachewiltz e seus netos. No entanto, as montanhas neste país de atrações turísticas próximo a Merano, são geladas no inverno, e o Sr. Pound gosta do sol. O entrevistador estava prestes a deixar a Inglaterra no fim de Fevereiro, quando um telegrama o parou na porta: “Merano está congelada. Venha para Roma.” Pound estava sozinho em Roma, ocupando um quarto no apartamento de um velho amigo, Ugo Dadone. O verão mal começava e estava excepcionalmente quente. As janelas e venezianas do quarto de Pound dançavam com os barulhos da Via Angelo Poliziano. O entrevistador sentouse em uma grande cadeira, enquanto Pound encaixouse confortavelmente em um sofá. A presença de Pound no quarto consistia de duas malas e três livros. 26/07/2015 comentários

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Entrevista com o poeta norte-americano Ezra Pound.

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listaslivrosentrevistasweb stuffensaiostraduçãofilmescontosmúsicacolunistasinéditosanimau çinixtroviagens

POR AMANDA GÓRSKI EM 07/05/2009 ÀS 05:35 PM

A entrevista histórica de Ezra Poundpublicado em tradução

“Eu achava que estava lutando por uma questão interna de governoconstitucional. E se qualquer homem, qualquer indivíduo, puder dizer queouviu de minha boca palavras contra raças, crença ou cor, que se apresente eas repita”

Entrevista publicada na "The Paris Review", em 1962. Traduzida especialmente para RevistaBula por Amanda Górski.

Desde sua volta para Itália, Ezra Pound passou a maior parte de seu tempo em Tirol, noCastelo de Brunnenburg com sua esposa, sua filha Mary, seu genro, o Príncipe Boris deRachewiltz e seus netos. No entanto, as montanhas neste país de atrações turísticas próximoa Merano, são geladas no inverno, e o Sr. Pound gosta do sol. O entrevistador estava prestesa deixar a Inglaterra no fim de Fevereiro, quando um telegrama o parou na porta: “Meranoestá congelada. Venha para Roma.”

Pound estava sozinho em Roma, ocupando um quarto no apartamento de um velho amigo,Ugo Dadone. O verão mal começava e estava excepcionalmente quente. As janelas evenezianas do quarto de Pound dançavam com os barulhos da Via Angelo Poliziano. Oentrevistador sentouse em uma grande cadeira, enquanto Pound encaixouseconfortavelmente em um sofá. A presença de Pound no quarto consistia de duas malas e trêslivros.

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Nas horas sociais da tarde — jantar no Crispi’s, uma volta nas cenas de seu passado, sorveteem um café — Pound caminhava com o vigor ufano de um jovem rapaz. Com seu grandechapéu, sua resoluta bengala, seu cachecol amarelo esvoaçante e seu casaco, o qualarrastava como uma capa, ele era novamente o leão da Latin Quarter. Então seu talento parao mimetismo veio à tona, e gargalhadas faziam sua barba acinzentada vibrar. Durante ashoras da entrevista, que durou três dias, ele falou cuidadosamente e as perguntas algumasvezes o cansaram. Na manhã em que o entrevistador retornava, Sr. Pound ficava ansiosopara revisar as falhas do dia anterior.

Donald Hall, 1962

A ENTREVISTA

ENTREVISTADOR — Você está quase concluindo os “Cantos” agora, e isso me faz pensarsobre o começo deles. Em 1916 você escreveu uma carta na qual falava sobre a tentativa deescrever uma versão de Andreas Divus nos ritmos de Seafarer. Isso parece uma referência ao“Canto 1”. Você começou os “Cantos” em 1916?

POUND — Eu comecei os “Cantos” por volta de 1904, eu acho. Eu tinha vários esquemas,começando em 1904 ou 1905. O problema era conseguir uma forma – algo elástico osuficiente para usar o material necessário. Deveria ser uma forma que não excluísse algomeramente por que não encaixava. Nos primeiros esboços, um rascunho do atual primeiro“Canto” era o terceiro. Obviamente você não consegue um ótimo pequeno mapa de ruas assimcomo a Idade Média se apossou do Céu. Apenas uma forma musical daria suporte ao material,e o universo Confucionista como eu vejo, é um universo de pressão e tensões interativas.

ENTREVISTADOR — Seu interesse em Confucius começou em 1904?

POUND — Não, a primeira coisa era o seguinte: havia seis séculos que não foramacondicionados. Era uma questão de lidar com o material que não estava na “DivinaCommedia”. Hugo fez uma “Légende des Siècles” que não era uma questão avaliativa, masapenas pedaços de história enfileirados. O problema era desenvolver um círculo de referência– considerando a mente moderna como sendo a mente medieval com lavagem após lavagemda cultura clássica despejada sobre ela desde a Renascença. Era a psique, se assim preferir.Era questão de lidar com a própria essência.

ENTREVISTADOR — Deve haver trinta ou trinta e cinco anos desde que você escreveuqualquer poesia fora dos “Cantos”, com exceção dos poemas “Alfred Venison”. Por que isso?

POUND — Eu cheguei ao ponto em que, além de um ocasional impulso inspirador, o que eutinha para dizer se moldava ao esquema geral. Houve uma boa quantidade de trabalho jogadofora por que houve atração por um caráter histórico e então percebi que ele não funcionadentro da minha forma, não comporta um valor necessário. Eu tentei fazer os Cantos seremhistóricos (vid. G. Giovannini, rerelação história à tragédia. Dois artigos dez anosfragmentados em algum material periódico filológico, não de fonte, mas relevante), mas nãoficção. O material que se quer encaixar nem sempre funciona. Se a pedra não é dura obastante para manter a forma, deve ser eliminada.

ENTREVISTADOR — Quando você escreve um “Canto” agora, como o planeja? Você segue umcurso de leitura especial para cada um?

POUND — Não é necessariamente uma leitura. Podese trabalhar na vida com resignação, euacho. Eu não conheço um método. O ‘o que’ é muito mais importante do que o ‘como’.

ENTREVISTADOR — Ainda quando era jovem, seu interesse na poesia concentravase naforma. Seu profissionalismo e devoção à técnica tornaramse proverbiais. Nos últimos trintaanos você trocou seu interesse na forma pelo interesse no conteúdo. Tal mudança foi nopreceito?

POUND — Eu acho que ocultei isso. A técnica é o teste da sinceridade. Se algo não vale nojulgamento da técnica, é de importância inferior. Tudo isso deve ser tratado como exercício.Ritcher diz em seu “Treatise on Harmony”, “Existem os princípios da harmonia e docontraponto; eles não têm nada a ver com composição, que é uma atividade bem separada.”A declaração que alguém fez de que não se pode escrever nas formas provençais de Canzoniem Inglês, é falsa. A questão de ser apropriado ou não era outro problema. Quando não haviao critério de linguagem natural sem inversão, aquelas formas eram naturais, e elas eramrealizadas com música. Em inglês, a música possui natureza limitada. Temos a perfeiçãoFrancesa de Chauser, a perfeição Italiana de Shakespeare, temos Campion e Lawes. Não achomesmo que tenha alcançado essa forma, até ter chegado aos refrões no “Trachiniae”. Eu nãosei se cheguei a alguma coisa assim, mas realmente pensei que fosse uma extensão da escalamusical completa. Pode ser uma ilusão. Estive sempre interessado na implicação da mudançade altura do som na união de “motz et son”, da palavra e melodia.

ENTREVISTADOR — Escrever os “Cantos” agora consome tudo do seu interesse técnico ou aescrita de traduções, como o “Trachiniae”, que você acabou de mencionar, o satisfaz dandomais trabalho manual?

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POUND — Vejo o trabalho a ser feito e adentro nele. O “Trachiniae” surgiu da leitura queFenollosa Noh encena para a nova edição, e do desejo de ver o que aconteceria a uma peçaGrega, com aquela mesma base e esperança, sendo executada pela companhia Minorou. Avisão de Cathay na Grécia, parecendo poesia, estimula correntes secundárias.

ENTREVISTADOR — Você acha que o verso livre é particularmente um padrão Americano? Euimagino que William Carlos Williams provavelmente acha que sim, e considera os iâmbicosIngleses.

POUND — É como na frase de Eliot: “Nenhum verso é libre para o homem que quer fazer umbom trabalho.” Eu acho que o melhor verso livre vem de uma tentativa de voltar à métricaquantitativa. Suponho que esse verso seja nãoInglês sem ser especificamente Americano.Lembrome de Cocteau tocando tambores em uma banda de jazz como se fosse um difícilproblema matemático. Eu te direi uma coisa que considero ser uma forma Americana: oparêntese jamesiano. Você realiza que a pessoa com a qual está falando não passou pordiferentes passos, e então volta a eles. Em verdade, o parêntese jamesiano melhorouimensamente agora, tanto que penso ser algo definitivamente Americano. Isso consiste noempenho que se faz quando encontramos outro homem que teve muita experiência paraencontrar o ponto onde as duas experiências se tocam, para que ele realmente saiba do quevocê está falando.

ENTREVISTADOR — Seu trabalho inclui grande quantidade de experiência, assim comoforma, constituição específica. O que você considera ser a maior qualidade que uma poesiapossa ter? É algo em sua forma, ou uma qualidade de pensamento?

POUND — Eu não acho que se possa colocar as qualidades necessárias em ordem hierárquica,mas devemos ter uma curiosidade contínua, que, é claro, não faz de ninguém um escritor,mas se não houver isso, a pessoa definha, murcha. E a questão de fazer algo sobre issodepende de uma energia persistente. Um homem como Agassiz nunca fica entediado oufatigado. A mudança da recepção de estímulos para o registro é o que toma a energia de umavida toda.

ENTREVISTADOR — Você acha que o mundo moderno mudou as maneiras que a poesia podeser escrita?

POUND — Existe muita competição que não havia antes. Observe o lado sério da Disney e olado confucionista da Disney. Foi criado um ethos, assim como no filme da “Perri”, umaesquilo fêmea, onde há os valores da coragem e ternura dispostos de modo que todos possamcompreender. Lá temos uma genialidade absoluta. Podemos ver uma correlação da naturezamais grandiosa do que havia sido vista antes do tempo de Alexandre o Grande. Alexandredava ordens para que se o pescador encontrasse algo interessante, uma coisa específica,falasse para Aristóteles. E com essa correlação, chegamos à ictiologia em um grau científicoque permaneceu assim por dois mil anos. E agora é possível obter com uma câmera umaenorme correlação de particularidades. A capacidade de fazer contato é um tremendo desafiopara a literatura. Isso expõe a questão do que é necessário ser produzido e do que ésupérfluo.

ENTREVISTADOR — Talvez seja uma oportunidade também. Particularmente quando você erajovem, e até mesmo no decorrer da produção dos Cantos, você mudou seu estilo poéticovárias vezes. Você nunca se satisfez em fixarse em algum lugar. Você estavaconscientemente buscando ampliar seu estilo? O artista precisa continuar mudando?

POUND — Eu acho que o artista deve continuar mudando. Você está tentando levar a vida demodo que não entedie as pessoas, e tenta derrubar o que vê.

ENTREVISTADOR — Eu gostaria de saber o que você acha dos movimentos contemporâneos.Eu não vi comentários seus sobre poetas mais recentes que Cummings, a não ser sobreBunting e Zukofsky. Outras coisas o ocuparam, eu suponho.

POUND — Não é possível ler tudo. Eu estava tentando decifrar fatos históricos, e não épossível ver o que há atrás de sua própria cabeça. Eu não acho que haja registros de qualquerhomem capaz de criticar as pessoas que surgem após ele. É uma questão diáfana daquantidade de leitura que um homem pode realizar. Eu não sei se é ele ou uma pedrapreciosa que coletou, mas de qualquer forma, umas das coisas que Frost disse em Londres em1912 – ou quando quer que tenha sido – foi isso: “Resumo da oração: ‘Ó Deus, preste atençãoem mim’. ” E é essa a atitude dos jovens escritores – não exatamente para a divindade! – eem geral é preciso limitar a leitura aos poetas jovens que são recomendados no mínimo poroutros jovens poetas, como patrocinadores. É claro que um discurso desse tipo poderia levar àconspiração, mas de qualquer jeito... Enquanto critica pessoas mais novas, não se tem tempopara fazer comparação estimativa. Quando alguém aprende algo de uma pessoa, se comparacom ela. Eu vejo tempos agitados agora, mas... Para condições gerais, há indubitavelmenteuma alegria. E Cal (Robert) Lowell é muito bom.

ENTREVISTADOR — E você aconselhou os jovens por toda a sua vida. Você tem algo especialpara dizer a eles agora?

POUND — Para incrementarem sua curiosidade e não serem falsos. Mas isso não é suficiente.A mera anotação e uma dor de barriga e o esvaziamento da lata de lixo não são suficientes.Um estudante da Universidade da Pensilvânia em Punchbowl costumava ter como lema,“Qualquer tolo idiota pode ser espontâneo.”

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ENTREVISTADOR — Uma vez você escreveu que tinha quatro dicas úteis de predecessoresliterários vivos, que eram Thomas Hardy, William Butler Yeats, Ford Madox Ford e RobertBridges. Quais eram essas dicas?

POUND — A de Bridges era a mais simples: um aviso contra homofônicos. A de Hardy era onível ao qual se deve concentrar no assunto da questão, e não na questão. A de Ford, emgeral, era o frescor da língua. E você disse que a de Yeats era a quarta dica? Bem, por voltade 1908 Yeats havia escrito letras simples nas quais não há retirada da ordem natural daspalavras.

ENTREVISTADOR — Você era secretário de Yeats em 1913 e 1914. Que tipo de coisas vocêfazia para ele?

POUND — Na maioria das vezes, ler em voz alta. “Dawn in Britain” de Doughty, e assim pordiante. E discutir, é claro. A contradição Irlandesa. Ele tentava aprender a manusear umaquarenta e cinco (arma de fogo), o que era engraçado. Ele debatiase com as folhas comouma baleia, e algumas vezes dava a impressão de ser um idiota pior que eu.

ENTREVISTADOR — Há uma controvérsia acadêmica sobre sua influência em Yeats. Vocêtrabalhou em suas poesias com ele? Você cortou algum dos poemas dele do mesmo modocom que fez no “The Waste Land”?

POUND — Não acho que me lembre de algo assim. Estou certo de ter contestado expressõesparticulares. Certa vez, com Rapallo, eu tentei – pelo amor de Deus – evitar que eleimprimisse uma coisa. Eu disse a ele que estava uma porcaria. Tudo o que ele fez foiimprimir aquilo com um prefácio dizendo que eu disse que era um lixo. Me lembro de quandoTagore começou a rabiscar na beirada de suas provas, e disseram a ele que aquilo era arte.Houve um show disso em Paris. “Isso é arte”? Ninguém estava muito interessado nessesrabiscos, mas é claro que muitas pessoas mentiram para ele. Na medida em que ocorre amudança em Yeats, acho que Madox Ford pode ter algum crédito. Yeats nunca teria aceitadoum conselho de Ford, mas eu acho que Fordie o ajudou, através de mim, tentando buscar adireção de uma maneira de escrever natural.

ENTREVISTADOR — Alguém já o ajudou em seu trabalho assim como você ajudou aosoutros? Quer dizer, com críticas ou cortes?

POUND — Além de Fordie rolando no chão indecorosamente e segurando a cabeça com asmãos, e gemendo em certa ocasião, não acho que ninguém tenha me ajudado no decorrer dosmeus manuscritos. A natureza de Ford então parecia ter se perdido, mas ele levou a brigacontra arcaísmos terciários.

ENTREVISTADOR — Você se associou de perto com artistas visuais – GaudierBrzeska eWyndham Lewis nos vórtices do movimento, e mais tarde com Picabia, Picasso e Brancusi.Isso teve alguma coisa a ver com você como escritor?

POUND — Eu creio que não. Posso ter olhado as pinturas nas galerias e ter encontrado algo.O poema “O Jogo de Xadrez” mostra o efeito da arte abstrata moderna, mas o vorticismo, nomeu ponto de vista, era uma renovação do senso de construção. A cor morreu e Manet e osimpressionistas a ressuscitaram. Então o que eu podia chamar de senso de forma semanchou, e o vorticismo, sendo distinto do cubismo, era uma tentativa de restabelecer osenso de forma – a forma que havia em “De Prospectiva pingendi”, de Piero della Francesca, oseu tratado sobre proporções e composição. Eu me iniciei na ideia de formas comparativasantes de deixar a América. Um amigo chamado Poole fez um livro sobre composição. Eu tinhaalgumas coisas em mente quando cheguei em Londres, e tinha ouvido falar sobre Catulusantes de ouvir sobre poesia moderna Francesa. Há um tanto de biografia que pode serretificado.

ENTREVISTADOR — Eu estava pensando sobre suas atividades literárias na América antes devir à Europa. Falando nisso, quando você veio pela primeira vez?

POUND — Em 1898, quanto tinha doze anos, com minha tia avó.

ENTREVISTADOR — Você estava lendo poesia Francesa nesta época?

POUND — Não, eu acho que estava lendo “Elegy in a Country Churchyard” de Gray ou algoassim. Não, eu não estava lendo poesia Francesa. Eu comecei a estudar Latim no outro ano.

ENTREVISTADOR — Você entrou na faculdade com quinze, não é?

POUND — Eu fiz isso pra me livrar dos exercícios na Academia Militar.

ENTREVISTADOR — Como você começou a ser um poeta?

POUND — Meu avô, de um lado, costumava corresponderse com o banco local em versos.Minha avó e seus irmãos, do outro lado, costumavam usar versos de cabo a rabo em suascartas. Era pra garantir que ninguém além deles havia escrito aquelas coisas.

ENTREVISTADOR — Você aprendeu alguma coisa em seus estudos universitários que otenham ajudado como poeta? Eu creio que você estudou por sete ou oito anos...

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POUND — Apenas seis. Bem, seis anos e quatro meses. Eu escrevia o tempo todo,especialmente enquanto estudante da graduação. Eu comecei estudando Latim e Brut deLayamon no primeiro ano. Eu entrei para a Universidade por conta do meu Latim; foi a únicarazão pela qual eles me aceitaram. Eu tinha a ideia, aos quinze, de fazer um levantamentogeral. É claro que se eu era ou não um poeta, era uma questão para os deuses decidirem,mas ao menos cabia a mim descobrir o que havia sido feito.

ENTREVISTADOR — Você foi professor apenas por quatro meses, até onde me lembro. Masvocê sabe que agora os poetas na América são, na maior parte das vezes, professores. Vocêtem alguma ideia sobre a conexão do ensino na Universidade com a produção de poesia?

POUND — É o fator econômico. Um homem tem que conseguir seu sustento de algum modo.

ENTREVISTADOR — Como você levou tantos anos na Europa?

POUND — Ah, Deus. Ó meu Deus! Meu ganho inicial de Outubro de 1914 a Outubro de 1915era de £42.10.0. Esses números estão profundamente encravados em minha memória... Eununca fui muito bom em escrever para as revistas. Certa vez eu fiz um artigo satírico para a“Vogue”, eu acho que era essa a revista, sobre um pintor que eu não admirava. Elespensaram que eu havia conseguido o tom certo e então Verhaeren morreu, e eles me pedirampara fazer uma nota sobre ele. Então eu me acalmei e disse, “Você quer uma bela, inteligentee rápida notícia obituária do homem mais melancólico da Europa.” “Como assim ele eramelancólico?” “Sim,” eu disse. “Ele escreveu sobre camponeses ou faisões?” “Camponeses”.“Ó, não acho que devamos falar sobre isso.” Foi assim que eu aleijei minha capacidade defazer dinheiro por não saber ficar quieto.

ENTREVISTADOR — Li em algum lugar – creio que você mesmo escreveu – que uma veztentou escrever um romance. Onde isso foi parar?

POUND — Felizmente, na lareira do Langham Palace. Acho que houve duas tentativas antesque eu tivesse qualquer ideia acerca do que deveria ser um romance.

ENTREVISTADOR — E essas tentativas tiveram alguma coisa a ver com “Hugh SelwynMauberley”?

POUND — As tentativas foram feitas bem antes de “Mauberley”. “Mauberley” veio mais tarde,mas foi a tentativa precisa no sentido de reduzir o romance ao tamanho do verso. Érealmente “Contacts and Life”. Wadsworth parecia achar “Propertius” difícil porque era sobreRoma, de modo que se aplicou a mesma coisa ao mundo exterior contemporâneo.

ENTREVISTADOR — Você disse que foi Ford quem o ajudou a adquirir uma linguagemnatural, não foi? Voltemos novamente para Londres.

POUND — Estávamos à procura de uma linguagem simples e natural, e Ford, dez anos maisvelho, acelerou o processo nessa direção. Havia uma discussão contínua a esse respeito. Fordconhecia as melhores pessoas que haviam chegado antes dele, como se vê, e não tinhaninguém com quem se divertir até que Wyndhan, eu e minha geração surgimos. Ele eracompletamente contrário ao dialeto, digamos assim, de Lionel Johnson e Oxford.

ENTREVISTADOR — Você esteve em contato por duas ou três décadas com todos osprincipais escritores ingleses da época, e com uma porção de pintores, escultores e músicos.De todas essas pessoas, qual foi a mais estimulante para você como artista?

POUND — Eu me baseava mais em Ford e Gaudier. Eu deveria pensar que as pessoas sobreas quais escrevi eram as mais importantes para mim. Não há muito o que se rever quanto aisso. Talvez eu possa ter limitado minha obra, assim como o interesse nela, concentrandomena inteligência específica de certas pessoas, ao invés de observar no caráter e personalidadecompletos dos meus amigos. Wyndham Lewis sempre proclamava que eu jamais vi aspessoas, pois nunca notava como elas eram más, como eram uns filhos da mãe. Eu nãoestava nem um pouco interessado nos vícios dos meus amigos, mas sim na inteligência deles.

ENTREVISTADOR — James era um tipo de padrão para você em Londres?

POUND — Quando ele morreu, tive a impressão de que não se havia mais ninguém a quemperguntar qualquer coisa. Até então, achava que alguém deveria saber. Depois de meussessenta e cinco anos, tive grande dificuldade em constatar que eu era mais velho que oJames quando o conheci.

ENTREVISTADOR — Você conheceu Remy de Gourmont pessoalmente? Você o mencionoumuitas vezes.

POUND — Apenas por cartas. Houve uma carta que Jean de Gourmont também considerouimportante, onde ele disse, “Franchement d’écrire ce qu’on pense, seul plaisir d’un écrivain.*”

*Francamente, escrever o que se pensa é o único prazer de um escritor.

ENTREVISTADOR — É surpreendente que você tenha vindo à Europa e se associadorapidamente com os melhores escritores vivos. Você já sabia de algum desses poetas naAmérica, antes de ir embora? Robinson significava algo para você?

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POUND — Aiken tentou me fazer gostar de Robinson, mas não conseguiu. Isso aconteceu emLondres também. Então arranquei dele a informação de que havia um cara de Harvardescrevendo coisas interessantes. Mr. Eliot apareceu mais ou menos um ano depois. Não, achoque por volta de 1900, já tínhamos Carman e Hovey, Carwine e Vance Cheney. A impressão,então, era a de que as coisas Americanas eram tão boas, sob qualquer aspecto, quanto asInglesas. E tínhamos as edições piratas de Mosher das edições inglesas. Não, eu fui paraLondres porque achava que Yeats sabia mais sobre poesia do que qualquer outra pessoa. Euvivia minha vida em Londres visitando Ford à tarde e Yeats à noite. Mencionando sobre umpara o outro, sempre começava uma discussão. Esse era o exercício. Fui estudar com Yeats everifiquei que Ford discordava dele. Assim, continuei a discordar dos dois por vinte anos.

ENTREVISTADOR — Em 1942, você escreveu que você e Eliot tiveram uma desavençachamando um ao outro de protestante. Gostaria de saber o que foi essa divergência.

POUND — Ah, eu e Eliot começamos a discordar desde o começo. O que há de divertido numaamizade intelectual é que a gente diverge quanto a isto ou aquilo, e concorda quanto a apenasalguns pontos. Eliot teve durante toda a vida a paciência cristã da tolerância, ou coisa assim,e trabalhando bastante arduamente, deve ter me achado um sujeito muito difícil. Desde quenos conhecemos, começamos a discordar a respeito de muitas coisas. Tambémconcordávamos em poucas coisas, e imagino que nós dois tivemos razão quanto a uma ououtra coisa.

ENTREVISTADOR — Bem, houve algum ponto em que, poética e intelectualmente, você sesentiu mais deslocado do que já havia estado?

POUND — Há todo o problema da relação entre o Cristianismo e o Confucionismo, e aquestão dos diferentes ramos do Cristianismo. Há a luta a favor dos Ortodoxos – Eliot pelaIgreja, eu brigando por determinados teólogos. Em certo sentido, a curiosidade de Eliotparecia estar focada em um número menor de problemas. Até mesmo isso é muito para sedizer. A verdadeira perspectiva da geração experimental era uma questão de ethos individual.

ENTREVISTADOR — Você acha que, como poetas, vocês sentiram uma divergência emfundamentação técnica, sem relação com os temas?

POUND — Primeiramente, eu diria que a divergência era uma diferença quanto aos temas.Indubitavelmente, ele possuía uma linguagem natural. Quanto à linguagem teatral, me pareceque ele deu uma contribuição muito importante. E foi capaz também de fazer contato com umambiente sobrevivente, e um estado sobrevivente de compreensão.

ENTREVISTADOR — Isso me lembra duas óperas — “Villon” e “Cavalcanti” — que vocêescreveu. Como você começou a compor música?

POUND — Eu queria a palavra e a melodia. Eu desejava que a grande poesia fosse cantada, ea técnica libretto de ópera Americana não era satisfatória. Eu queria, com a qualidade dostextos de “Villon” e “Cavalcanti”, obter algo mais amplo que a simples lírica. É isso. ENTREVISTADOR — Suponho que seu interesse na “canção das palavras” foi estimuladoparticularmente pelo seu estudo da Provença. Você acha que sua descoberta da poesiaprovençal constituiu seu maior avanço? Ou talvez tenham sido os manuscritos de Fenollosa?

POUND — O Provençal começou com um interesso muito imaturo, então não foi realmenteuma descoberta. E o Fenollosa foi inesperado e um choque diante da minha ignorância. Eupossuía o conhecimento interno da significação de Fenollosa e a ignorância de uma criança decinco anos.

ENTREVISTADOR — Como a Sra. Fenollosa se encontrou com você?

POUND — Bom, me encontrei com ela na casa de Sarojini Naidu e ela disse que Fenollosahavia vivido em oposição a todos os professores e academias. Ela tinha visto algumas deminhas obras, falou também que eu era a única pessoa capaz de terminar aquelas anotaçõesda mesma forma com que Earnest as queria prontas. Fenollosa viu o que necessitava serfeito, mas não teve tempo para terminar.

ENTREVISTADOR — Deixeme mudar de assunto agora e perguntar algumas coisas que sãomais biográficas que literárias. Eu li que você nasceu em Hailey, Idaho, em 1985. Suponhoque tenha sido bem difícil lá, não é?

POUND — Eu parti de lá com dezoito meses de idade, e não me lembro dessa dificuldade.

ENTREVISTADOR — Você não cresceu em Hailey?

POUND — Não, não cresci lá.

ENTREVISTADOR — O que sua família fazia lá quando você nasceu?

POUND — Meu pai abriu um negócio governamental lá. Eu cresci perto da Filadélfia. Nossubúrbios da Filadélfia.

ENTREVISTADOR — O índio selvagem do Oeste então não era...?

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POUND — O índio selvagem do oeste é apócrifo, e o ensaiador assistente da mina não era umdos mais notáveis bandidos da fronteira.

ENTREVISTADOR — Acredito que seja verdade que seu avô construiu uma via férrea. Qualfoi a história disso?

POUND — Bem, ele levou a ferrovia até Chippewa Falls e eles não o deixaram ampliar maisos trilhos. Isso está nos “Cantos”. Assim, ele foi para o norte do Estado de Nova Iorque eencontrou trilhos numa estrada de ferro abandonada, comprou tudo e os transportou, e entãousou esse crédito com os lenhadores para fazer a estrada chegar até Chippewa Falls. O quegente aprende em casa é diferente do que se aprende na escola.

ENTREVISTADOR — O seu interesse em cunhagem começou com o trabalho de seu pai namina?

POUND — Posso ficar horas falando disso. Os departamentos governamentais eram maisinformais naquela época, embora eu não saiba de qualquer outro menino que tenha entrado lápara visitálos. Hoje em dia os visitantes são conduzidos através de túneis de vidro e veemas coisas de certa distância, mas naqueles tempos podíamos ir à sala de fundição e ver o ouroempilhado no cofre. Ofereciamnos um grande saco de ouro, dizendo que podíamos leváloconosco. Mas a gente não conseguia levantar. Quando os democratas finalmente voltaram aogoverno, contaram todos os dólares em prata – quatro milhões de dólares em prata. Todos ossacos haviam apodrecido naquelas grandes galerias úmidas, e eles carregavam todo odinheiro com pás maiores que as de carvão, para colocar as quantias nas máquinas de contar.Esse espetáculo de moedas removidas como se fossem camadas humíferas, aqueles sujeitoscobertos de dinheiro até à cintura lançando as moedas, por meio de pás, nas chamas de gás –era coisa que mexia com a imaginação. Há, ainda, toda a técnica de se fazer dinheirometálico. Em primeiro lugar, o exame da prata requer muito mais habilidade que o exame doouro. O ouro é simples. É pesado, depois refinado e pesado de novo. Podese saber o grau dometal por meio de pesos apropriados. Mas o teste da prata constitui uma solução nebulosa; aexatidão do olho na medição da espessura da nebulosidade constitui uma percepção estética,como o senso crítico. Agradame a ideia da fínura do metal, que analogamente nos remete aohábito de testar manifestações verbais. Naquela época tanto as barras de ouro como osespécimes de piritas tidas como ouro, eram levadas ao escritório do meu pai. A gente ouviaa conversa sobre o último sujeito que trouxera uma barra de ouro que não passava de ourofajuto.

ENTREVISTADOR — Sei que você considera a reforma monetária como a chave de um bomgoverno. Gostaria de saber por qual processo o senhor passou dos problemas estéticos paraos problemas governamentais. Acaso a Grande Guerra, em que morreram tantos de seusamigos, foi responsável por isso?

POUND — A Grande Guerra chegou de surpresa e, certamente, ver os ingleses – essa genteque jamais fez coisa alguma – uniremse e lutarem, foi algo muito impressionante. Mas assimque tudo acabou eles morreram, e a gente passou os vinte anos seguintes tentando evitar aSegunda Guerra. Não sei dizer exatamente quando começou meu estudo sobre o governo. Acho que a redação da New Age Office me ajudou a ver a guerra não como um acontecimentoisolado, mas como parte de um sistema, uma guerra após outra.

ENTREVISTADOR — Há um ponto específico de ligação entre a literatura e a política quevocê estabelece em seus escritos que me interessa muito. No “A.B.C. of Reading” você dizque os bons escritores são aqueles que mantém a linguagem eficiente, e que essa é a funçãodeles. Você desassocia essa função do partido político. É possível que um homem do partidoerrado use eficientemente a linguagem?

POUND — Pode. Aí é que está todo o problema! Uma arma é sempre boa, não importa quemaperte o gatilho.

ENTREVISTADOR — Pode um instrumento pacífico ser usado para criar desordem? Suponhaque uma boa linguagem seja usada para fomentar um mau governo. Um mau governo não fazuma má linguagem?

POUND — Sim, mas a má linguagem está fadada a fazer um mau governo, enquanto que aboa linguagem não está destinada a fazer um mau governo. Isso também é Confúcio: se asordens não forem claras, não podem ser executadas. As leis de Lloyd George eram umabagunça tão grande que os advogados nunca sabiam o que elas significavam. E Talleyrandproclamou que os políticos mudavam o sentido das palavras entre uma e outra conferência.Os meios de comunicação se rompem, e é disso que estamos sofrendo agora. Estamossuportando o esforço de se trabalhar sobre o subconsciente sem apelar para a razão. Elesrepetem uma denominação qualquer em uma música e depois repetem a música sem essadenominação, para que justamente a música traga à mente aquela denominação. Penso noassalto. Sofremos do uso da linguagem para esconder os pensamentos e impedir todas asrespostas diretas e vitais. Há o uso delimitado da propaganda, linguagem retórica, meramentepara calar e iludir.

ENTREVISTADOR — Onde terminam a ignorância e a inocência e o sofismo começa?

POUND — Existe a ignorância natural e a artificial. Eu diria que no presente momento aignorância artificial é cerca de oitenta e cinco por cento.

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ENTREVISTADOR — Que tipo de atitude se pode tomar?

POUND — A única chance de vitória contra a lavagem cerebral é o direito que cada homemtem de ter suas ideias julgadas de cada vez. Jamais se chega à clareza enquanto se tem taisideias empacotadas, enquanto uma palavra é usada por vinte e cinco pessoas de vinte e cintomaneiras diferentes. Essa me parece ser a primeira luta, se quisermos que sobre algumintelecto. É duvidoso até que ponto se permitirá à alma individual sobreviver de algum modo.Hoje temos um movimento Budista que tem tudo, exceto Confúcio em seus ensinamentos.Uma Circe Indiana de negação e dissolução.

Defrontamonos com um número enorme de mistérios. Há o problema da benevolência, oponto em que a benevolência deixou de ser eficaz. Eliot diz que eles passam o tempo tentandoimaginar sistemas tão perfeitos onde ninguém precisará ser bom. A gente não pode seesquivar de uma porção de questionamentos feitos nesse ensaio de Eliot, como, por exemplo,a questão de saber se existe qualquer possibilidade de se mudar a escala de valores de Dantepela escala de valores de Chaucer. Se existe, até que ponto? As pessoas que perderam areverência perderam muito. Foi esse o ponto em que rompi com Tiffany Thayer. Todas essaspalavras imponentes se convertem em clichês. Há o mistério da dispersão, o fato de aspessoas que presumivelmente se entendem, se encontrarem geograficamente dispersas. Umhomem que se adapta ao seu meio, como ocorre com Frost, deve ser considerado um homemfeliz. Oh, a sorte de um homem como Mavrocordato, que está em contato com outros estudiosos,de modo que exista algum lugar em que ele pode confirmar um ponto! Agora, em relação acertos pontos em que desejo verificação, há um sujeito chamado Dazzi, em Veneza, paraquem escrevo e que me vem com uma resposta, como, por exemplo, que fosse para umaquestão que pudesse referirse à Doação de Constantino. Mas as vantagens que supomosserem inerentes na universidade – onde existem outras pessoas que contrôl * a opinião ouque contrôl os dados – eram muito grandes. É enfraquecedor não têlas. Claro que tenhotentado há mais de dez anos fazer com que qualquer membro de uma faculdade americana serefira a qualquer outro membro de sua mesma faculdade, em seu próprio departamento oufora dele, com inteligência, e que o respeite para discutir assuntos sérios. Num dos casos,um desses senhores lamentava o fato de que outro indivíduo havia deixado a faculdade. Não tenho conseguido obter respostas diretas de pessoas acerca de questões que mepareciam de importância vital. Isso pode ter sido devido à violência ou obscuridade com queeu fazia as perguntas. Acho que a chamada obscuridade não é obscuridade na linguagem, masno fato de a outra pessoa não ser capaz de perceber por que dizemos alguma coisa. O ataquecontra Endymioni, por exemplo, se tornou complicado por que Gífford e companhia nãoconseguirem perceber por que razão Keats estava fazendo aquilo. Outra luta tem sido a demanter o valor de um caráter local e particular, de uma determinada cultura, nesta grandeconfusão, nesta terrível avalanche rumo à uniformidade. Toda a luta tem por objetivo apreservação da alma individual. O inimigo é a supressão da história; contra nós, há adesnorteante propaganda e lavagem cerebral, luxo e violência. Sessenta anos atrás, a poesiaera a arte do pobre: um homem nos limites da civilização, ou Frémont, partindo com um textogrego no bolso. Um homem que quisesse o melhor poderia conseguilo numa fazendasolitária. Na época, havia o cinema, e agora existe a televisão.

ENTREVISTADOR — A sua ação política que todos se lembram, foram declarações pelo rádiofeitas na Itália durante a guerra. Quando o senhor proferia tais palestras tinha consciência deque estava infringindo a lei americana?

POUND — Não, fiquei completamente surpreso. Como vê, eu tinha feito aquela promessa. Concediamme a liberdade do microfone duas vezes por semana. "Não pedirão que diga coisaalguma contrária à sua consciência ou ao seu dever como cidadão americano”. Pensei que issoabrangia tudo.

* Pound indica que está usando o contrôler Francês: “verificar, checar informações ou fatos.”

ENTREVISTADOR — A lei da traição não se refere a "conceder ajuda e conforto ao inimigo",e o inimigo não é o país com quem se está em guerra?

POUND — Eu achava que estava lutando em favor de uma questão condicional. Quer dizer,pode ser que eu estivesse completamente maluco, mas sentia, sem dúvida, que não estavacometendo traição. Wodehouse também falou no rádio, mas os britânicos não o proibiram.Ninguém me disse que não fizesse isso também. Não houve comunicação alguma, até ocolapso de que as pessoas que haviam falado pela rádio seriam submetidas a processosjudiciais. Tendo trabalhado durante anos para evitar a guerra, e vendo a loucura da Itália edos Estados Unidos, eu certamente não estava dizendo às tropas que se revoltassem. Euachava que estava lutando por uma questão interna de governo constitucional. E se qualquerhomem, qualquer indivíduo, puder dizer que ouviu de minha boca palavras contra raças,crença ou cor, que se apresente e as repita com detalhes. O “Guide to Kulchur” foi dedicado aBasil Bunting e a Louís Zukovsky, um quacker e um judeu.

Não sei se você acha que os russos devem estar em Berlim ou não. Não sei se eu estavafazendo algum bem ou não, ou se estava fazendo algum mal. Oh, eu estava provavelmentedo lado errado. Mas a lei em Boston, diz que não há traição sem que haja intenção de tal. Euestava certo quanto à preservação dos direitos individuais.

Se, quando o poder executivo ou qualquer outro ramo do governo se excede em seus poderes

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legítimos, ninguém protesta, a gente perde todas as liberdades. Meu método de oposição àtirania esteve errado durante um período de mais de trinta anos – mas não tinha nada a vercom a Segunda Guerra Mundial em particular. Se o indivíduo, ou o herético, apreender certaverdade essencial, ou vir algum erro no sistema que está sendo aplicado, ele próprio cometetantos erros marginais, que se considera esgotado antes de poder provar seu ponto de vista. O mundo, nos últimos vinte anos, acumulou muita histeria: ansiedade quanto a uma terceiraguerra, tirania burocrática e histeria causada por fórmulas de papel. A imensa e inegávelperda de liberdade, tal como era em 1900, é inegável. Temos visto o aceleramento daeficiência dos fatores tiranizantes. Basta, para isso, que se mantenha um homempreocupado. As guerras são feitas para criar débitos. Creio que há possibilidade nos satélitesdo espaço e em outras formas de fazer dívidas.

ENTREVISTADOR — Quando você foi pego pelos americanos esperava ser preso? Ou mesmoser enforcado?

POUND — No começo, fiquei perplexo, pensando que havia cometido algum engano em algummomento. Eu esperava voltarme para mim mesmo e que me perguntassem o que eu haviaaprendido. Eu fiz isso, mas ninguém me perguntou nada. Sei que me analisei em váriasocasiões, durante as transmissões, refletindo que não cabia a mim fazer certas coisas, nemtrabalhar para um país estrangeiro. Oh, era uma paranóia pensar que se podia argumentarcontra as usurpações, contra os sujeitos que desencadearam a guerra para que os EstadosUnidos participasse dela. Todavia, odeio a ideia de obediência a algo que é errado. Fui,depois, levado para o pátio da prisão, em Chiavari. Eles fuzilavam os prisioneiros, e eu penseique tinha chegado meu fim. Então, finalmente, um sujeito se aproximou de mim e disse queele estaria ferrado se ele me entregasse aos americanos, a menos que eu mesmo quisesseser entregue.

ENTREVISTADOR — Em 1942, quando os Estados Unidos entraram na guerra, eu entendi quevocê tentou sair da Itália e voltar para a América. Quais foram as circunstâncias da recusa?

POUND — Tais circunstâncias foram só boato. Não tenho muito claro na minha memória umcerto período de tempo, e acho que... Eu lembro que tive uma chance de chegar até Lisboa, eficar escondido lá até o fim da guerra.

ENTREVISTADOR — Por que você quis voltar aos EUA naquela época?

POUND — Eu queria voltar durante a eleição, antes da eleição.

ENTREVISTADOR — A eleição foi em 1940, não é?

POUND — Seria em 1940. Honestamente, não lembro o que aconteceu. Meus pais estavammuito velhos para viajar. Eles tiveram que ficar em Rapallo. Meu pai se aposentou lá.

ENTREVISTADOR — Durante aqueles anos de guerra na Itália você escreveu poesias? Os“Pisan Cantos” foram escritos enquanto você esteve internado. O que você escreveu duranteaqueles anos?

POUND — Argumentos, argumentos e argumentos. Ah, eu fiz algumas traduções de Confúcio.

ENTREVISTADOR — Como foi o fato de você voltar a escrever poesia somente depois de tersido internado? O senhor não escreveu quaisquer cantos durante a guerra, escreveu?

POUND — Deixeme ver – as coisas sobre Adams apareceram pouco antes de a guerraestourar. Não. Escrevi “Oro e lavoro”. Eu estava escrevendo coisas sobre economia emitaliano.

ENTREVISTADOR — Desde sua prisão você publicou três coleções de “Cantos” erecentemente, “Thrones”. Você já deve estar perto do fim. Poderia dizer o que vai fazer nos“Cantos” restantes?

POUND — É difícil escrever um paradiso, quando todas as indicações superficiais são as deque se deveria escrever um apocalipse. É evidentemente muito mais fácil encontrarhabitantes para um inferno ou para um purgatório. Estou tentando reunir os registros dosvoos mais altos da mente. Talvez eu tivesse feito melhor em colocar Agassiz no topo, aoinvés de Confúcio.

ENTREVISTADOR — Você está mais ou menos estagnado?

POUND — Ok, estou estagnado. A pergunta é: estou morto, como os senhores A.B.Cdesejam? Caso eu enguice, e é o que provisoriamente terei de fazer: devo elucidarobscuridades; tornar mais claras ideias definidas e dissociações. Devo descobrir uma fórmulaverbal para combater o aumento da brutalidade – o princípio de ordem versus desintegraçãodo átomo. Havia um homem no manicômio, a propósito, que insistia em dizer que o átomojamais fora desintegrado.

Um épico é um poema que contém história. A mente moderna contém elementosheteróclitos. A poesia épica teve êxito quando todas ou uma grande parte das respostas erampressupostas, pelo menos entre o autor e a assistência, ou uma grande massa da assistência.A tentativa, numa época experimental é, por conseguinte, temerária. O senhor conhece a

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história: “O que você está desenhando, Johnny?” “Deus.” “Mas ninguém sabe qual é aaparência Dele.” “Saberão, quando eu terminar!” Tal confiança já não é mais possível.Existem temas épicos. A luta pelos direitos individuais é um assunto épico, consequência dosjulgamentos por conselhos de jurados em Atenas até Anselmo versus William Rufus, até oassassinato de Becket e, desde o assassinato de Coke até John Adams.

Então, tal luta parece surgir contra um bloco. A natureza da soberania é uma questão épica,embora possa ser um tanto obscurecida pelas circunstâncias. Algo disso pode ser traçado,indicado; evidentemente, tem de ser condensado, a fim de adquirir forma. A natureza doindivíduo, o conteúdo heteróclito da consciência contemporânea. Essa a luta da luz contra asubconsciência; exige obscuridades e penumbras. Uma grande parte do que se escreve hojeem dia evita as áreas inconvenientes do assunto.

Eu estou escrevendo a fim de resistir à ideia de que a Europa e a civilização estãocaminhando para o Inferno. Se estou sendo "crucificado por uma ideia" – isto é, a ideiacoerente em torno da qual minhas confusões se acumulam é devido, provavelmente, à ideiade que a cultura europeia necessita sobreviver, de que suas melhores qualidades devemsobreviver juntamente com quaisquer outras culturas, qualquer que seja a sua universalidade.Contra a propaganda do terror e a propaganda do luxo, terá você uma bela e simplesresposta? Temos trabalhado com certos materiais, procurando estabelecer as bases e oseixos de referência. Escrevendo assim para sermos compreendidos, há sempre o problema deratificação, sem que se renuncie ao que é correto. Há sempre a luta para não firmar umcompromisso a favor da oposição.

ENTREVISTADOR — As partes separadas dos “Cantos”, agora – as três últimas seçõesapareceram com nomes separados – significam que você está referindose a problemasparticulares em seções particulares?

POUND — Não. “Rock Drill” tinha como intenção inferir a resistência necessária paraconseguir uma tese contrária – forçar. Eu não estava seguindo exatamente as três divisões da“Divina Comédia”. Não se pode seguir o cosmo dantesco na era do experimento. Mas fiz adivisão entre pessoas dominadas pela emoção, pessoas lutando para elevarse, e aquelas quepossuem certa parte da visão divina. Os “Thrones”, no “Paraíso de Dante”, são destinados aosespíritos das pessoas que foram responsáveis por bons governos. Nos “Cantos”, os “Thrones”são uma tentativa no sentido de o homem se livrar do egoísmo e estabelecer uma definiçãode uma ordem possível ou, pelo menos, concebível sobre a terra. Temse como apoio a baixapercentagem de razão que parece agir nos assuntos humanos. Os “Thrones” dizem respeitoaos estados de espírito de pessoas responsáveis por algo mais que sua conduta pessoal.

ENTREVISTADOR — Agora que você se aproxima da parte final, fez quaisquer planos pararevisar os “Cantos”, após têlos terminado?

POUND — Não sei. Há necessidade de melhorálos, de tornálos mais claros, mas não sei seuma revisão compreensiva seria possível. Não há dúvida de que o trabalho é muito obscurocomo se encontra gora, mas eu espero que a ordem de ascensão no Paradiso seja na direçãode uma clareza maior. É claro que deve haver uma edição corrigida por conta dos erros nosquais eu rastejei.

ENTREVISTADOR — Permitame mudar de novo de assunto. Durante todos os anos quepassou internado no hospital St. Elizabeth, você conseguiu captar a realidade da Américacontemporânea através dos que foram visitálo?

POUND — O problema nos visitantes é que não dava pra saber muito sobre a oposição. Eusofro do isolamento crescente de não ter contato suficiente – quinze anos vivendo mais comideias do que com pessoas.

ENTREVISTADOR — Você tem planos para voltar aos EUA? Você quer voltar?

POUND — Sem dúvida. Mas se há nisso uma nostalgia ou não pela América, já não sei. Háuma diferença entre um AdamsJefferson abstrato, e uma América de AdamsJackson e o quequer que esteja acontecendo. Indubitavelmente tenho momentos em que deveria gostar muitode viver na América. Há essas dificuldades concretas contra o desejo geral. Richmond é umabela cidade, mas não se pode viver nela a menos que dirija um automóvel. Eu gostaria depassar pelo menos um ou dois meses por ano nos Estados Unidos.

ENTREVISTADOR — Você disse outro dia que à medida que se torna mais velho, maisamericano se sente. Como isso acontece?

POUND — Acontece. Os estrangeiros foram necessários como uma tentativa em uma base.Somos transferidos e crescemos, e somos impelidos novamente ao local de onde saímos, eesse lugar já não está mais lá. Os contatos já não estão mais lá, e eu suponho que a gente sevolta para a própria natureza e a considera misericordiosa. Você já leu as memórias de AndyWhite? Foi ele quem fundou a Universidade de Cornell. Aquele era o período de euforia,quando todo o mundo pensava que todas as boas coisas da América iriam funcionar, por voltade 1900. White abrange um período da história que vai até Buchanan. Ele alternava, sendohora embaixador da Rússia e reitor de Cornell.

ENTREVISTADOR — Então sua volta à Itália foi um desapontamento?

POUND — Sem dúvida. A Europa foi um choque. O choque de não mais se sentir no centro de

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algo talvez seja parte disso. Há também a incompreensão, a incompreensão da Europa, daAmérica orgânica. Há muitíssimas coisas que eu, como americano, não posso dizer a umeuropeu com esperança de ser compreendido. Alguém disse que eu sou o último americano aviver a tragédia da Europa.

Nota: A saúde do Sr. Pound impossibilitou que ele terminasse a revisão dessa entrevista. Otexto está completo, mas pode conter detalhes que o Sr. Pound teria mudado emcircunstâncias melhores.

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