ENTREVISTA ILÍDIO FLORES O 1º Português a ser eleito na...

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16 / terça-feira, amarante / 15 de abril 2014 / ano 1 / Nº 05 ENTREVISTA ILÍDIO FLORES O 1º Português a ser eleito na Escandinávia Flor do Tâmega (FT) - Faz quanto tempo que saiu de Amarante para a Finlândia? Ilídio Flores (IF) - Saí de Amarante para a Finlândia em 1989, há cerca de 25 anos. FT - Como foi a adaptação ao novo país? IF - Embora viva cá há 25 anos, ainda não estou totalmente adaptado. O mais difícil de me adaptar foi o inverno rigoroso de cerca de 7 meses, com frio intenso. Aqui  há uns anos atrás apanhei com 40 graus nega- tivos, com um escuro macabro nas noites polares. Por outro lado, o verão tem cerca de 2 meses de claridade, o chamado sol da meia-noite. É dia durante as 24 horas. FT - Que tipo de trabalho faz? IF - Quando vim para  a Finlândia, tive dificuldades em arranjar emprego. A Fin- lândia não é tradicionalmente um país de emigração. Passei dez anos a fazer trabalhos precários. Só no ano 2000 passei a ter em- prego fixo. Trabalho numa escola do ensino especial, como assistente pessoal de uma criança autista, apoiando-o nas tarefas esco- lares. Já faço trabalho voluntário há 25 anos no seio das crianças e jovens no mundo do futebol. Neste momento, treino uma equi- pa júnior feminina e uma equipa de jovens iniciados. Sou ainda responsável pela escola de futebol, onde tem  crianças desde os 4 aos 7 anos. FT - O que o fez entrar na política na Finlândia? IF - O meu primeiro contacto com a poli- tica remonta a 1982, quando, com 16 anos, me filiei na juventude comunista portugue- sa. Já em 1985 me tinha filiado no Partido Comunista Português. Em 1987 fui tirar um curso político à antiga RDA. Em 2004, já na Finlândia, fui abordado por uns ami- gos que me convidaram a fazer parte da lista da Liga de Esquerda como indepen- dente nas eleições locais. Aceitei o desafio e estive perto de ser eleito ficando a escassos 4 votos. Em 2007 filiei-me no Partido Comunista Finlandês. Um ano mais tarde fui candida- to às eleições locais, sendo o único candi- dato do partido que tinha pela frente uma missão impossível. Em 2012 fui convidado pela Liga de Es- querda às eleições locais e aceitei, embora pensasse que não haveria qualquer hipótese de ser eleito. Nessa altura já estava feita a fusão de três cidades no mapa eleitoral, com o nome de Äänekoski, com cerca de 20.000 habitantes. Foi uma luta renhida pela eleição do último candidato da Liga de Esquerda. Frise-se que aqui vota-se diretamente nos candida- tos. Fui eleito e fiz história. Fui o primeiro estrangeiro a ser eleito nesta cidade e segu- ramente o primeiro português a ser eleito nos países nórdicos. FT - O que significou ser eleito? IF - A minha eleição foi uma demonstra- ção da luta, do poder de iniciativa e da te- nacidade dos portugueses emigrantes. Não foi apenas uma vitória pessoal, mas sim de todos os portugueses espalhados pelos qua- tro cantos do mundo. As minhas filhas Amanda  e Sofia tiveram um papel importante na minha eleição, tendo mobilizado muitos jovens a votar em mim. FT - Como olha a comunidade finlande- sa para os portugueses? IF - Somos um comunidade ainda pe- quena, com cerca de 350 portugueses na Finlândia. A maior parte vive na capital Helsínquia. A maioria dos portugueses re- sidentes são estudantes, que depois acabam por ficar no país. Aqui, em Äänekoski, somos 10 portugue- ses, se contarmos com os nossos filhos que têm dupla nacionalidade. Somos vistos com bons olhos pelos finlandeses. Em 25 anos aqui, nunca tive qualquer problema com quem quer que seja e nunca fui alvo de ati- tudes racistas. FT - Está com saudades da sua terra? IF - Se estou com saudades da minha ter- ra? Isso não é pergunta que se faça, porque toda a gente sabe a resposta. Amarante está sempre presente no meu dia-a-dia. Quando estamos fora é que damos valor à nossa terra, vendo-a com outros olhos. Regra geral vou a Amarante uma vez por ano, normalmente em julho. Nessa altura, reúno os amigos do tempo da secundária e fazemos um convívio com música, não fos- sem os meus grandes amigos, o doutor An- tónio Pinto, mais conhecido por Chalana, e o  Paulo Teles, homens da guitarra! FT - Espera um dia voltar?IF - Em 2005 estive um ano em Portugal, tentando re- gressar e adaptar-me a Portugal. Estive um ano à procura de emprego, mas em vão. As saudades das filhas eram enormes, acaban- do por adoecer com uma depressão grave e regressei à Finlândia. Quando chegar à idade da reforma, seguramente, voltarei a Amarante. Tenho ideias de passar o inverno em Portugal e o Verão na Finlândia. Até lá há muito caminho por desbravar. 9 - Qual a mensagem para os amaranti- nos? Aos amarantinos deixo uma mensagem de solidariedade e de amizade. Que acreditem num futuro melhor para que os seus filhos não tenham necessidade de emigrar. Aqui a situação económica também está má. São muito os jovens qualificados que saem do país, na sua maioria, enfermeiros. Os principais destinos são a Suécia, Norue- ga  Dinamarca e Inglaterra. Quero deixar um abraço forte para a minha família e amigos, em especial, para a minha irmã Fátima e irmão Gonçalo. QUANDO ESTAMOS FORA É QUE DAMOS VALOR À NOSSA TERRA, VENDO-A COM OUTROS OLHOS. A MARANTINOS PELO MUNDO

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16 / terça-feira, amarante / 15 de abril 2014 / ano 1 / Nº 05

E N T R E V I STA I L Í D I O F LO R E S

O 1º Português a ser eleito na EscandináviaFlor do Tâmega (FT) - Faz quanto tempo que saiu de Amarante para a Finlândia?Ilídio Flores (IF) - Saí de Amarante para a Finlândia em 1989, há cerca de 25 anos. FT - Como foi a adaptação ao novo país?IF - Embora viva cá há 25 anos, ainda não estou totalmente adaptado. O mais difícil de me adaptar foi o inverno rigoroso de cerca de 7 meses, com frio intenso. Aqui  há uns anos atrás apanhei com 40 graus nega-tivos, com um escuro macabro nas noites polares. Por outro lado, o verão tem cerca de 2 meses de claridade, o chamado sol da meia-noite. É dia durante as 24 horas. FT - Que tipo de trabalho faz?IF - Quando vim para  a Finlândia, tive dificuldades em arranjar emprego. A Fin-lândia não é tradicionalmente um país de emigração. Passei dez anos a fazer trabalhos precários. Só no ano 2000 passei a ter em-prego fixo. Trabalho numa escola do ensino especial, como assistente pessoal de uma criança autista, apoiando-o nas tarefas esco-lares. Já faço trabalho voluntário há 25 anos no seio das crianças e jovens no mundo do futebol. Neste momento, treino uma equi-pa júnior feminina e uma equipa de jovens iniciados. Sou ainda responsável pela escola de futebol, onde tem  crianças desde os 4 aos 7 anos. FT - O que o fez entrar na política na Finlândia?IF - O meu primeiro contacto com a poli-tica remonta a 1982, quando, com 16 anos, me filiei na juventude comunista portugue-sa. Já em 1985 me tinha filiado no Partido Comunista Português. Em 1987 fui tirar um curso político à antiga RDA. Em 2004, já na Finlândia, fui abordado por uns ami-gos que me convidaram a fazer parte da lista da Liga de Esquerda como indepen-dente nas eleições locais. Aceitei o desafio e estive perto de ser eleito ficando a escassos 4 votos. Em 2007 filiei-me no Partido Comunista Finlandês. Um ano mais tarde fui candida-to às eleições locais, sendo o único candi-dato do partido que tinha pela frente uma missão impossível. Em 2012 fui convidado pela Liga de Es-querda às eleições locais e aceitei, embora pensasse que não haveria qualquer hipótese de ser eleito. Nessa altura já estava feita a fusão de três cidades no mapa eleitoral, com

o nome de Äänekoski, com cerca de 20.000 habitantes.Foi uma luta renhida pela eleição do último candidato da Liga de Esquerda. Frise-se que aqui vota-se diretamente nos candida-tos. Fui eleito e fiz história. Fui o primeiro estrangeiro a ser eleito nesta cidade e segu-ramente o primeiro português a ser eleito nos países nórdicos. FT - O que significou ser eleito?IF - A minha eleição foi uma demonstra-ção da luta, do poder de iniciativa e da te-nacidade dos portugueses emigrantes. Não foi apenas uma vitória pessoal, mas sim de todos os portugueses espalhados pelos qua-tro cantos do mundo. As minhas filhas Amanda  e Sofia tiveram um papel importante na minha eleição, tendo mobilizado muitos jovens a votar em mim. FT - Como olha a comunidade finlande-sa para os portugueses?IF - Somos um comunidade ainda pe-quena, com cerca de 350 portugueses na Finlândia. A maior parte vive na capital Helsínquia. A maioria dos portugueses re-sidentes são estudantes, que depois acabam por ficar no país. Aqui, em Äänekoski, somos 10 portugue-

ses, se contarmos com os nossos filhos que têm dupla nacionalidade. Somos vistos com bons olhos pelos finlandeses. Em 25 anos aqui, nunca tive qualquer problema com quem quer que seja e nunca fui alvo de ati-tudes racistas. FT - Está com saudades da sua terra?IF - Se estou com saudades da minha ter-ra? Isso não é pergunta que se faça, porque toda a gente sabe a resposta. Amarante está sempre presente no meu dia-a-dia. Quando estamos fora é que damos valor à nossa terra, vendo-a com outros olhos. Regra geral vou a Amarante uma vez por ano, normalmente em julho. Nessa altura, reúno os amigos do tempo da secundária e fazemos um convívio com música, não fos-

sem os meus grandes amigos, o doutor An-tónio Pinto, mais conhecido por Chalana, e o  Paulo Teles, homens da guitarra! FT - Espera um dia voltar?IF - Em 2005 estive um ano em Portugal, tentando re-gressar e adaptar-me a Portugal. Estive um ano à procura de emprego, mas em vão. As saudades das filhas eram enormes, acaban-do por adoecer com uma depressão grave e regressei à Finlândia. Quando chegar à idade da reforma, seguramente, voltarei a Amarante. Tenho ideias de passar o inverno em Portugal e o Verão na Finlândia. Até lá há muito caminho por desbravar. 9 - Qual a mensagem para os amaranti-nos?Aos amarantinos deixo uma mensagem de solidariedade e de amizade. Que acreditem num futuro melhor para que os seus filhos não tenham necessidade de emigrar. Aqui a situação económica também está má. São muito os jovens qualificados que saem do país, na sua maioria, enfermeiros. Os principais destinos são a Suécia, Norue-ga  Dinamarca e Inglaterra. Quero deixar um abraço forte para a minha família e amigos, em especial, para a minha irmã Fátima e irmão Gonçalo.

QUANDO ESTAMOSFORA É QUE DAMOS VALOR À NOSSA TERRA, VENDO-A COM OUTROS OLHOS.

AMARANTINOS PELO MUNDO