ENTREVISTA Os desafios da cerâmica vermelha ENTREVISTA são os países da Europa Ocidental, com...
Transcript of ENTREVISTA Os desafios da cerâmica vermelha ENTREVISTA são os países da Europa Ocidental, com...
36 NovaCer ● Outubro 2010 ● Edição 08
ENTREVISTA
Os desafiosda cerâmica vermelha
Com longa tradição na área de cerâmica,
o centenário Instituto de Pesquisas
Tecnológicas, com sede em São Paulo, é uma das maiores
instituições de pesquisa do país.
Nesta entrevista, o pesquisador do Setor
de Recursos Minerais e Tecnologia Cerâmica,
Luiz Carlos Tanno, fala dos projetos, desafios
e carências do setor.
nacional na área de calibração e foi o primeiro labo-
ratório credenciado pelo Inmetro.
NC - O IPT existe só em São Paulo?
LCT - Além da sede localizada na cidade de São
Paulo, dentro da cidade universitária, o IPT possui o
Laboratório de Calçados e Produtos de Proteção no
município de Franca e está construindo o Laborató-
rio de Estruturas Leves em São José dos Campos.
NC - O que representa o IPT para o Brasil?
LCT - Com mais de cem anos de existência, o
Instituto esteve presente em todas as etapas de
desenvolvimento nacional, tendo participação
importante tanto nas épocas críticas – como na
Revolução de 1932 e na segunda Guerra Mundial,
quanto no processo de industrialização, deixando
sua marca no desenvolvimento do país. O IPT é
reconhecido nos meios técnicos nacionais e inter-
NovaCer - O que é o IPT e como ele funciona? Qual sua estrutura?
Luiz Carlos Tanno - O IPT é um instituto vinculado
à Secretaria de Desenvolvimento do Estado de São
Paulo e há mais de cem anos colabora com o proces-
so de desenvolvimento do Brasil. É um dos maiores
institutos de pesquisa do país, conta com laborató-
rios capacitados e equipe de pesquisadores e téc-
nicos que atuam nas áreas de inovação, pesquisa e
desenvolvimento, serviços tecnológicos, desenvol-
vimento e apoio metrológico, informação e educa-
ção em tecnologia. O IPT prevê soluções e serviços
tecnológicos que visam aumentar a competitivida-
de das empresas e promover a qualidade de vida. O
IPT possui 12 centros tecnológicos e atua de forma
multidisciplinar contemplando os segmentos de
energia, transportes, petróleo e gás, meio ambiente,
construção civil, cidades e segurança. É referência
37NovaCer ● Outubro 2010 ● Edição 08
ENTREVISTA
nacionais por responder às demandas tecnológi-
cas da sociedade e do setor produtivo, focando
seus negócios em áreas de convergência entre
suas competências e as prioridades dos setores
público e privado.
NC - O que é o Patem - Programa de Apoio Tecnológico aos Municípios?
LCT - A Secretaria de Desenvolvimento do Esta-
do de São Paulo, por intermédio do Programa de
Apoio Tecnológico aos Municípios (Patem), finan-
cia serviços especializados do IPT para obtenção
de pareceres técnicos em mu-
nicípios de pequeno e médio
porte. Os temas trabalhados são:
planejamento territorial, obras
de infraestrutura pública, defesa
civil, mineração, cerâmica, resí-
duos sólidos, recursos hídricos,
agricultura irrigada, habitação,
distritos industriais, turismo
e Arranjos Produtivos Locais
(APLs). O programa existe desde
1989.
NC - Na área de cerâmica vermelha em quais estados o IPT atua?
LCT - O IPT já atuou em vários
estados brasileiros, com
destaque para o estado da Bahia
onde assessorou a equipe da
CBPM (Companhia Baiana de
Pesquisa Mineral) na elaboração
do “Catálogo das Matérias-
Primas Cerâmicas da Bahia” e do
“Portfólio do Polo Cerâmico da Bahia”. Estes dois
produtos consistem em uma peça de divulgação
dos recursos que o estado dispõe para instalação
de empreendimentos mínero-cerâmicos.
NC - Qual a importância da indústria de cerâmica vermelha para o Brasil?
LCT - Os números divulgados pela Associação Nacio-
nal da Indústria Cerâmica (Anicer) em 2010 mostram
a importância do setor de cerâmica vermelha no
Brasil:
• Geração de empregos diretos: 293 mil;
• Geração de empregos indiretos: 1,25 milhão;
• Faturamento anual: R$ 6 bilhões;
• Indústria de Cerâmica Vermelha: 4,8% da Indústria
da Construção Civil;
• Indústria da Construção Civil:
7,3% do PIB nacional - R$ 126,2
bilhões;
• Macrossetor da Construção:
18,4% do PIB nacional.
NC - Qual a atuação do IPT na área de cerâmica vermelha? O que há de novidade?
LCT - O IPT tem longa tradição
de atuação na área de cerâmica.
As primeiras atividades datam
da década de 1930, quando as
empresas do ramo começaram
a se estruturar. Nesta época,
como único laboratório brasileiro
de apoio à indústria cerâmica,
o IPT atuou intensamente na
caracterização de matérias-
primas de diferentes regiões do
país. Atualmente, o instituto tem
realizado estudos de prospecção
e pesquisa de depósitos de argilas
para suprimento das demandas
de matérias-primas em diversos aglomerados
cerâmicos no estado de São Paulo. Além disso, presta
serviço de extensão tecnológica, por meio do Prumo
(Projeto Unidades Móveis), para as micro e pequenas
As primeiras atividades
(do IPT) datam da
década de 1930,
quando as empresas do ramo
começaram a se estruturar
38 NovaCer ● Outubro 2010 ● Edição 08
ENTREVISTA
cerâmica, que podem atender de-
mandas em toda a cadeia produti-
va de cerâmica vermelha, desde a
matéria-prima até o produto final.
NC - Como funcionam as centrais de massas? De que forma os ceramistas são beneficiados com as centrais?
LCT - Para os APLs mínero-cerâmi-
cos de Tambaú e Vargem Grande
do Sul no centro-leste do estado
de São Paulo, o IPT elaborou um
projeto conceitual de Central de
Massa Cerâmica, abrangendo o es-
boço do layout da estrutura produ-
tiva, dimensionamento dos equi-
pamentos estacionários e móveis,
operações unitárias de processa-
mento de substâncias/produtos minerais e estimati-
vas de investimentos, entre os quais se inclui um la-
boratório para caracterização tecnológica cerâmica.
A implantação da central deve corresponder a um
upgrade tecnológico na atual estrutura de produção
de matérias-primas, oferecendo aos ceramistas ar-
gilas beneficiadas (cominuídas e homogeneizadas)
e misturas dosadas prontas para o consumo, com
a composição específica para cada tipo de produto
(telhas, blocos, tubos etc.), ambas armazenadas em
lotes com propriedades controladas. Os benefícios
esperados aos negócios dos ceramistas advindos
do suprimento mais qualificado – realizado por uma
atividade especializada de processamento de mas-
sas cerâmicas – correspondem a ganhos de produ-
tividade: isso ocorrerá em razão de diminuições nas
perdas do processo, nos custos de investimentos e
operacionais (estocagem de argilas, preparação das
misturas) e nas despesas com o manuseio e destino
de refugos, bem como a melhoria da qualidade dos
empresas do setor de cerâmica
vermelha. Os atendimentos
do Prumo utilizam unidades
móveis, veículos equipados com
equipamentos laboratoriais
portáteis especializados por setor,
operados por um engenheiro e
um técnico do IPT. É realizada
uma série de ensaios e análises de
matérias-primas e são detectadas
as deficiências em equipamentos,
em processos e no ferramental, ou
falhas no treinamento de recursos
humanos. A partir do diagnóstico,
são sugeridas as modificações
necessárias para sanar os
problemas e implementadas
as soluções possíveis, com
comprovação imediata dos resultados obtidos.
O atendimento é realizado dentro das próprias
instalações das empresas em um período de até dois
dias.
NC - Qual a maior demanda do IPT na área de cerâmica vermelha?
LCT - A maior demanda atual se dá na questão do
suprimento de matérias-primas para os vários aglo-
merados cerâmicos do estado de São Paulo. Nesse
sentido, foram realizados vários estudos para iden-
tificação de novos depósitos de argilas e também
elaborados modelos de zoneamento para a inserção
da atividade de mineração nos instrumentos de or-
denamento territorial dos municípios, com vistas a
garantir a disponibilização das reservas minerais.
NC - Qual a estrutura do IPT para trabalhar com cerâmica vermelha?
LCT - O IPT dispõe de equipes multidisciplinares nas
áreas de geologia, engenharia de minas e engenha-
ria de materiais, além de laboratório de tecnologia
A implantação da central (de massa) deve
corresponder a um upgrade
tecnológico na atual
estrutura de produção de
matérias-primas
40 NovaCer ● Outubro 2010 ● Edição 08
ENTREVISTA
significativo na estrutura de produção de matérias-
-primas para o segmento de cerâmica vermelha; essa
estrutura deve ser acompanhada da instalação de um
laboratório de caracterização tecnológica para ofer-
tar ao segmento um material mais qualificado, em
comparação ao atualmente produzido pelas minera-
doras ou cerâmicas;
e) associativismo: uma ação fundamental é o in-
centivo ao associativismo, des-
tacando-se a importância da
cooperação e interação dos em-
preendedores em busca de solu-
ções comuns para resolução de
entraves e desenvolvimento das
atividades; entre as ações, inclui-
-se a criação de uma cooperativa
de mineradores de argila para
atuarem de forma organizada,
favorecendo a regularização dos
empreendimentos, minimizando
custos de produção por meio da
conjugação de equipamentos e
melhorando o padrão de quali-
dade da matéria-prima, além da
recuperação ambiental.
NC - Em 2009, o IPT descobriu a quarta maior reserva de argila do Brasil. O que isso representa para o setor? Quando ela vai entrar em funcionamento? Quem será beneficiado?
LCT - O estudo do IPT, financiado pela Secretaria de
Desenvolvimento do Estado de São Paulo, resultou
na descoberta da quarta maior reserva de argila do
Brasil, nos municípios de Presidente Epitácio e Cas-
tilho, calculada em torno de 135 milhões de tonela-
das. A descoberta vai beneficiar cerca de 95 empre-
sas que produzem blocos e telhas e que empregam
em torno de 1,5 mil pessoas. O volume de matéria-
-prima consumida por essas empresas é de cerca de
produtos. Nesses moldes, não existe nenhuma cen-
tral de massa para cerâmica vermelha no Brasil.
NC - Quais as principais carências do setor de cerâmica vermelha hoje?
LCT - O setor de cerâmica vermelha no Brasil enfrenta
diversos desafios para a manutenção e o aprimora-
mento do seu parque industrial:
a) reservas de argilas: há necessidade de melhoria
do conhecimento geológico das
atuais reservas e novos estudos
prospectivos para definição de
outras áreas potenciais de argilas,
com o objetivo de ampliar as re-
servas atuais e atender à deman-
da crescente do mercado consu-
midor para os próximos anos;
b) manutenção do suprimento
de argilas para o setor cerâmico:
é importante o estabelecimento
do ordenamento territorial geo-
mineiro nos polos de produção
para compatibilizar a atividade
extrativa com outras vocações
econômicas do território e com a
preservação ambiental, de forma
a garantir para as próximas déca-
das o suprimento de matérias-
-primas para as indústrias de cerâmica vermelha;
c) formalização da atividade extrativa: é de suma im-
portância a formalização das atividades de extração
de argilas, uma vez que parte dos empreendimentos
opera de maneira informal ou em desacordo com a
legislação mineral e ambiental, colocando em risco
tanto o controle e a recuperação ambiental das áreas
mineradas, quanto o próprio abastecimento das ce-
râmicas;
d) inovação na produção das matérias-primas: a im-
plantação de uma central de massa é um avanço
As melhores referências
em cerâmica vermelha
são os países da Europa
Ocidental, com destaque para
Espanha e Itália
41NovaCer ● Outubro 2010 ● Edição 08
ENTREVISTA
são os países da Europa Ocidental, com destaque
para Espanha e Itália.
NC - O setor de cerâmica vermelha no Brasil é composto em sua maioria por micro e pequenas empresas, sendo que as olarias ainda existem em grande número no mercado. Os ceramistas e oleiros estão atentos à modernização dos seus parques fabris?
LCT - O setor de cerâmica vermelha no Brasil
é composto por pequenos
empreendimentos familiares
artesanais (olarias, em grande
parte não-incorporadas nas
estatísticas oficiais), cerâmicas de
pequeno e médio portes (com
deficiências de mecanização
e gestão) e empreendimentos
de médio a grande porte de
tecnologia mais avançada. A
grande maioria das empresas tem
sua competitividade baseada
em custos. Mais recentemente,
o setor empresarial vem
tomando iniciativas para
aprimoramento tecnológico e competitivo, como
a adesão a programas de qualidade, implantação
de laboratórios de caracterização tecnológica
de matérias-primas e produtos, qualificação de
mão de obra, desenvolvimento no uso de novos
combustíveis, estudos de incorporação de resíduos
na massa cerâmica e diversificação da produção. Esse
esforço de modernização do setor tem sido liderado
pela Anicer, articulada com associações e sindicatos
regionais. Muitos desses esforços equivalem a
estruturas organizativas de APLs, e contam com a
participação ativa de órgãos como o Sebrae (Serviço
Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas),
Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial)
e outros centros de pesquisa e inovação.
1,5 milhão de toneladas/ano, ou seja, há reserva para
a produção do APL por mais 85 anos. Para entrar em
atividade, a reserva depende da liberação do DNPM.
NC - As cerâmicas que serão beneficiadas por essa reserva temem a falta de matéria-prima em curto prazo. Os ceramistas devem se preocupar?
LCT - O que acontece, é que a Cooperativa das
Indústrias de Cerâmica do Oeste Paulista trabalha
com pouco estoque, depende
da regularização do DNPM para
iniciar as atividades na jazida.
A cooperativa já solicitou ao
departamento e aguarda o
trâmite burocrático, que depende
de cada situação.
NC - Os ceramistas reclamam bastante da demora para os órgãos competentes liberarem licenças ambientais. Em sua opinião por que isso acontece?
LCT - É uma situação delicada.
Demora porque segue o trâmi-
te burocrático e cada situação
é analisada particularmente.
Muitos ceramistas reclamam por desconhecerem o
processo e o que sabemos é que o DNPM está traba-
lhando para agilizar as regularizações.
NC - Como o IPT ou outro órgão descobre uma jazida?
LCT - A descoberta se dá por meio de estudos
prospectivos e de pesquisa mineral, envolvendo
reconhecimento geológico, execução sistemática
de sondagens, coleta de amostras e caracterização
tridimensional dos depósitos de argila encontrados.
NC - Qual país pode ser considerado o melhor exemplo quando falamos em pesquisa tecnológica no setor de cerâmica vermelha?
LCT - As melhores referências em cerâmica vermelha
O setor empresarial
vem tomando iniciativas para aprimoramento
tecnológico e competitivo
NC