Entrevista Prof. Paulo Otero

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 Entrevista  Professor catedrático salienta dimensão " Ainda som os herdei ros  d o  pe odo hist óri co de  M arcell o Caet ano DUARTE BRANQUINHO Paulo Otero é professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, leccionando Direito Administrativo e Direito Constitucional. Defende um modelo presidencialista para Portuga l e, em 2010, um exame seu que referia o casamento homoss exual gerou polémica. Entre outras obras, é autor dos livros "A Democracia Totalitária" e "Os Últimos Meses de Salazar". O DIABO foi à Faculdade entrevistá-lo. Por que escolheu o período final da vida de Salazar como objecto do seu livro? Porque está pouco estudado e merece alguma reflex ão, porque é o período da transição do Estado Novo, da transição do longo con sulado do Doutor Salazar para o governo do Prof. Marcello Caetano. O que eu procuro defen der no livro é o protagonismo do Almirante Américo Thomaz. Ao contrário da quilo que se possa ter pensado, ele nãofoium Almirant e"de opereta", apenas às ordens do presidente do Conselho de Ministros. Foi para além das anedotas que se contavam. .. Exactamente. Ele teve, de facto, um protagonismo central, que se começou a acentuar a partir da tentativa de golpe de Botelho Moniz, em 1961. A partir daí, o DoutorSalazardeveua permanên cia em funções à confiança que lhe foi reiterada pelo Almirante Américo Thomaz. E em 1965, quando se trata da recandidatura, há a ideia de que o Dou tor Salazar não quer ser o nomeador do seu sucessor, mas confia em Américo Thomaz nessa escolha. Algo que ocorre em 1968, com a chamada do Prof. Marcello Caetano para o Governo e a imposição de condi ções para ele aceitar e continuar no Governo feitas pelo Almirante Américo Thomaz. Há um aspecto a que chama a "farsa nacional" da ocultação Parece um argumento para um filme... E verdade. Salazar recebia mi nistros, jornalistas e outros, como se pensasse que ainda exercia fun ções. E como se não acreditasse que o Presidente da República seria capaz de o substituir em vida. Ele pensaria, creio eu, que o Preside nte da República acumularia as fun ções de Presidente do Conselho de Ministros, Os últimos meses de Sala zar são os últimos meses de um Portugal? Sim, ainda que tenham duas particularidades. Penso que Salazar continuou presente no Governo de Marcello Caetano através de Américo Thomaz. Isto é, as gran des linhas da política interna e da política externa, designadamente as de defesa, foram as definidas por Salazar. Significa que neste período tivemos Salazarismo sem Salazar. O segundo aspecto impor- tante é que nós hoje ainda somos herdeiros do período histórico de Marcello Caetano. Como assim? Por estranho que possa pare cer, ainda somos herdeiros e, de algum modo, ainda estamos no períodopós-salazarista.Aindanão encontrámos um mmo para o País, não obstante a integração euro peia e a ausência da componente ultramarina. Vivemos hoje, ainda, de algum modo, o drama de uma certa orfandade política. Se o Marcellismo foi um Salazarismo sem Salazar, será que hoje estamos a viver o Marcellismo? De algum modo, a classe polí tica da segunda década do século XXI é a classe política daqueles que não foram alunos, herdeiros 14 de Fevereiro de 2012 ética do modo como Salazar exerceu o poder Entrevista ouopositoresde Marcel loCaetano. Temos vivido os últimos trinta anos em continuidade ou em oposição a Marcello Caetano, mas ainda em diálogo com Marcello Caetano. Estamos na casa de onde saíram muitas dessas figuras... É verdade, tanto aqui como em Coimbra. De algum modo, as pes soas que saíram daqui e de Coimbra e foram constituintes reflectiram os ensinamentos de Direito Público do Prof. Marcello Caetano na Cons tituição de 1976. Há um aspecto curioso, a Constituição de 197 6, na sua versão inicial, estava bem mais próxima da Constituição de 1933, na versão resultante da revisão de 1971 do Prof. Marcello Caetano, do que da Constituição de 1933 quando ela entrou em vigor e que estava, por sua vez, mais próxima dade1911. Como comenta aqueles que hoje clamam por um Salazar? É significativo, seja uma voz popular, seja o caso do concurso televisivo "Grandes Portugueses", onde Salazar ganhou com um grande número de votos. Penso que é signif icativo por duas razões. Primeiro, pela dimensão ética do modo como exerceu o poder, isto é, sem ser em proveito próprio, mas exercido ao serviço da comunidade. Independentemente da discussão se foi bem ou mal exercido. Essa dimensão ética é algo que pode contrastar com alguns compor tamentos dos últimos 36 anos em Portugal. Em segundo lugar, mostrou uma autoridade que em certos momentos de crise o País, a população, continua a pensar que é preciso um homem no leme. Talvez explique o resulta do de um estudo recente que revelou que grande parte dos portugueses não se identific a com a democracia... É verdade, mas o preocupante é que os portugueses identificam a democracia com este modelo de democracia. E é possível a constru ção de uma democracia que não passe por este modelo, que é uma partidocracia. E por isso que defende um modelo presidencialist a? Sim, porque o presidencialismo podeseruma formadedesvitalizar este sistema partidário. Como? Há que devolver o poder às pessoas e para isso e necessár io aca bar com o monopólio dos partidos políticos no acesso à Assembleia da República. Acredita que é possível uma alteração constitucional desse tipo? Acredito que não é possível através dos partidos políticos, mas é possível através de um mecanis mo que copie o modelo da V Re pública francesa. Isto é, é possível através de um futuro Presidente da República, sendo eleito com o propósito da mudança do sistema, e o Presidente da República com o propósito de criar um novo partido político, à semelhança do que fez Sarko zy,que procurereconstruiro sistema partidário e permita a dis soluçãodaAssembleia.Paratentar devolver ao eleitorado uma nova escolha à luz de uma nova maioria, que seja uma maioria presidencial e uma maioria parlamentar. Diz-se que na Europa há uma viragem "à direita". Con ceitos como esquerda e direita ainda fazem sentido? Penso que não. Os partidos socialistas democráticos todos se converteram ao neoliberalismo. Fi caram fascinados por aquele que era o tradicional âmbito da direita, que era a aposta em políticas económicas liberais. Por paradoxal que pareça, a direita dos valores é hoje mais apos tada numa dinâmica social do que o socialismo democrático. Há uma inversão curiosa. Hoje, a preocupação com o estado social, com condições que permitam uma vida humana digna, está mais nas forças que se revêem à direita do que propriamente na sedução económica neoliberal que apanhou todos os partidos sociais- democratas, socialistas democráticos e traba lhistasdaEuropa. É curioso que "neoliberal" seja usado como um insulto por esses partidos... E possível, mas com certeza vêem-se ao espelho nesse insulto, quando o dirigem. Porquê esta direita dos va lores com essa visão de matriz social? Penso que a razão se filia na doutrina social da Igrej a. Temosvistoalgumas tenta tivas do CDS nesse sentido... Exactamente. Penso até que há uma tensão dentro deste Governo. Há uma parte do Governo profun- damente neoliberal e outra com preocupações de natureza social. Acredito que também exista esta tensão dentro do PS, mas nos úl timos anos, goste-se ou não, a que vingou foi a neoliberal. Qual é então hoje a grande diferença entre a esquerda e a direita? Tem a ver com os valores em tomo da família. A importância do casamento. A importância que tem a família como instituição nuclear da sociedade, é um elemento que é acarinhado pela direita e que tem sidopura esimplesmentedespreza do, se não mesmo vítima de grave s atentados, por parte da esquerda, nos últimos anos. Foi bastante noticiado e ge rou alguma polémica o seu exame sobre a inconstitucio nalidade do casamento ho mossexual. As pessoas ainda associam o seu nome a esse caso? E possível que associem e eu não renego aquilo que escrevi. Ago ra, é preocupante que ainda exista em Portugal uma mentalidade, por partede algun suniversitário s,ou de pseudo-intelectu ais, que têm uma mentalidade do "Portugal dos pe queninos". Isto é, a ideia de que as universid ades não devem discutir todos os assuntos, que devem estar fechadas, ou a ideia de que só é legítimo e lícito discutir o que é politicamente correcto. Tal não é o contrário de uma Universidade? Mais pa rece uma Academia Soviética... Exactamente. E o contrário de uma Universidade. Penso que algumas pessoas que defendem essa restrição e essa censura não estão muito longe de uma Acade mia Soviética. Talvez um pouco desesperadas por hoje não terem uma pátria, mas talvez a Coreia do Norte as possa acolher de braços abertos. Depois do casamento ho mossexual, há quem queira legalizar a adopção de crianças por casais homossexuais. No estado em que se encontra o País, faz sentido esse debate? Podemos ter dinheiro sem ter pão, mas à luz do pensamento dos últimos anos, todos podem viver felizes porque o leque de opções para cada um contrair matrimónio alargou significativamente. Há cla ramente o ditar da agenda política doPartidoSocialistapeloBlocode Esquerda. O Bloco comanda - não o parlamento, felizmente - mas a agenda política do PS em matérias de índole social. É para se poderem afirmar de esquerda? Talvez, se bem que é uma es querda muito estranha. Antes, a es querda batia-se pelo divórcio, agora bate-s e pelo casamento. Ser á que se está a converter às instituições típi cas da direita? Há um outro exem plo, que é o das chamadas "barri gas de aluguer". Duvidosamente conheço algo que possa ser mais aviltante da qualidade da mulher que transformá-la em mero objecto. Noutros tempos, a esquerda lutava pela dignificação da mulher, hoje trata a mulher como máquina repro dutora passíve l de pôr o seu corpo ao serviço daqueles que mais dinhei ro têm. Não deixa de ser estranho, massãocedênciasao capitalismo... Escreveu um livro chamado "DemocraciaTotalitária".Acha que hoje as democracias se estão a tornar totalitárias? O problema da democracia totalitária pode ter duas vias. Por um lado, a democra cia vive hoje, em certos casos, com partidos que reclamam modelos totalitários. O grande prob lema é sabe como é que a democracia deve tratar aqueles que são intolerantes. Devemos ser tolerante spara comos intolerante s, ou devemos responder com into lerância à intolerância? Por outro lado, hoje assistimos a um conjun to de fenómenos, decorrentes do progres socientíficoede umavisão do princípio maioritário que preo cupam a democracia neste sentido: para alguns, a maioria é critério de razão, a maioria é critério de ver dade. Quando a verdade não está dependente da maioria. A maioria é um critério de decisão de tudo aqui lo que não é essencial. Por outras palavras, há aqui uma manifestação de uma ideia de Rousseau, de que a maioria se identifica com a verdade e que quem desobedece, quem está na minoria, está errado. Tal leva ao crescente secu- ritarismo a que assistimos? Sim. Há a ideia de uma socie dade de vigilância total. Todos nós somospresumí veisculpadose não presumí veis inocentes. Há uma in versão total. Quer nas instituições, quer na ma, vemos como o "Big Brother" de que se falava está hoje presente nas nossas vidas. Isto é claramente típico de uma sociedade a caminho de um modelo totalitá rio, onde prevalece a importância do valor segurança sobre o valor liberdade. A crise que hoje vivemos é um terreno fértil para essa democracia totalitária? E um terreno fértil, antes de mais, para modelos que ponham em causa a democrac ia pluralista. Nós estamos num ambiente muito próximo daquele que ocorreu nos anos 20 do século passado na Eu ropa. Esperemos que o resultado não seja o que ocorreu nos anos 30 ou nos anos 40. Extinguiu-se o feriado do 1.° de Dezembro. Portugal já não é um país independente? Nós hoje somos um estado pro tegido, ao abrigo da 'troika', o que sign ificaquenã otemos verdadei ra soberania. Assim sendo, não há ra zão nenhuma para comemorarmos o 1.° de Dezembro. Parece-me uma decisão coerente, a de se ter supri mido a Restauração da Indepen dência, porque o que hoje temos é uma situação de dependência. No dia em que cumprirmos os nossos compromissos e em que saldarmos as nossas dívidas com o exterior, aí sim, haverá um dia de restaura ção da independência. da sucessão ao próprio Salazar. Acha que aconteceu? Penso que sim. Na altura todos os órgãos de soberania, todos os titulares, criaram uma convenção, um acordo, que era não revelar a Salazar que ele tinha sido subs tituído. Porquê? Num primeiro momento, por que em final de 1968 ninguém acre ditava que Salazar sobrevivesse. Por isso nem se colocava a questão de

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GRANDE ENTREVISTA a Paulo Otero, professor catedrático e autor de um estudo sobre o antigo Presidente do Conselho, Doutor Oliveira Salazar.

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5/13/2018 Entrevista Prof. Paulo Otero - slidepdf.com

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Entrevista   Professor catedrático salienta dimensão

" Ainda somos herdeiros do período históricodeMarcello Caetano" 

DUARTE BRANQUINHO

Paulo Otero é professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa,leccionando Direito Administrativo e Direito Constitucional. Defende um modelo presidencialistapara Portugal e, em 2010, um exame seu que referia o casamento homossexual gerou polémica.Entre outras obras, é autor dos livros "A Democracia Totalitária" e "Os Últimos Meses de Salazar".O DIABO foi à Faculdade entrevistá-lo.

Por que escolheu o períodofinal da vida de Salazar comoobjecto do seu livro?

Porque está pouco estudado emerece alguma reflexão, porque éo período da transição do EstadoNovo, da transição do longo consulado do Doutor Salazar para ogoverno do Prof. Marcello Caetano.O que eu procuro defender no livroé o protagonismo do AlmiranteAmérico Thomaz. Ao contrário daquilo que se possa ter pensado, elenão foi um Almirante "de opereta",

apenas às ordens do presidente doConselho de Ministros.

Foi para além das anedotasque se contavam...

Exactamente. Ele teve, defacto, um protagonismo central,que se começou a acentuar a partirda tentativa de golpe de BotelhoMoniz, em 1961. A partir daí, oDoutor Salazar deveu a permanência em funções à confiança quelhe foi reiterada pelo AlmiranteAmérico Thomaz. E em 1965,

quando se trata da recandidatura,há a ideia de que o Dou tor Salazarnão quer ser o nomeador do seusucessor, mas confia em AméricoThomaz nessa escolha. Algo queocorre em 1968, com a chamadado Prof. Marcello Caetano para oGoverno e a imposição de condições para ele aceitar e continuarno Governo feitas pelo AlmiranteAmérico Thomaz.

Há um aspecto a que chamaa "farsa nacional" da ocultação

Parece um argumento paraum filme...

E verdade. Salazar recebia ministros, jornalistas e outros, comose pensasse que ainda exercia funções. E como se não acreditasseque o Presidente da República seriacapaz de o substituir em vida. Elepensaria, creio eu, que o Presidenteda República acumularia as funções de Presidente do Conselhode Ministros,

Os últimos meses de Salazar são os últimos meses deum Portugal?

Sim, ainda que tenham duasparticularidades. Penso que Salazarcontinuou presente no Governode Marcello Caetano através deAmérico Thomaz. Isto é, as grandes linhas da política interna e dapolítica externa, designadamenteas de defesa, foram as definidaspor Salazar. Significa que nesteperíodo tivemos Salazarismo semSalazar. O segundo aspecto impor-tante é que nós hoje ainda somosherdeiros do período histórico deMarcello Caetano.

Como assim?Por estranho que possa pare

cer, ainda somos herdeiros e, dealgum modo, ainda estamos noperíodo pós-salazarista. Ainda não

encontrámos um mmo para o País,não obstante a integração europeia e a ausência da componenteultramarina. Vivemos hoje, ainda,de algum modo, o drama de umacerta orfandade política.

Se o Marcellismo foi umSalazarismo sem Salazar, seráque hoje estamos a viver oMarcellismo?

De algum modo, a classe política da segunda década do séculoXXI é a classe política daquelesque não foram alunos, herdeiros

14 d

ética do modo como Salazar exerceu o poder Entre

ou opositores de Marcello Caetano.Temos vivido os últimos trinta anosem continuidade ou em oposiçãoa Marcello Caetano, mas ainda emdiálogo com Marcello Caetano.

Estamos na casa de ondesaíram muitas dessas figuras...

É verdade, tanto aqui como emCoimbra. De algum modo, as pessoas que saíram daqui e de Coimbrae foram constituintes reflectiram osensinamentos de Direito Público doProf. Marcello Caetano na Constituição de 1976. Há um aspectocurioso, a Constituição de 1976, nasua versão inicial, estava bem maispróxima da Constituição de 1933,na versão resultante da revisão de1971 do Prof. Marcello Caetano,do que da Constituição de 1933quando ela entrou em vigor e queestava, por sua vez, mais próximada de 1911.

Como comenta aqueles quehoje clamam por um Salazar?

É significativo, seja uma vozpopular, seja o caso do concursotelevisivo "Grandes Portugueses",onde Salazar ganhou com umgrande número de votos. Pensoque é significativo por duas razões.Primeiro, pela dimensão ética domodo como exerceu o poder, istoé, sem ser em proveito próprio, masexercido ao serviço da comunidade.Independentemente da discussãose foi bem ou mal exercido. Essadimensão ética é algo que podecontrastar com alguns comportamentos dos últimos 36 anosem Portugal. Em segundo lugar,mostrou uma autoridade que emcertos momentos de crise o País, apopulação, continua a pensar que épreciso um homem no leme.

Talvez explique o resultado de um estudo recente querevelou que grande parte dosportugueses não se identificacom a democracia...

É verdade, mas o preocupante

é que os portugueses identificama democracia com este modelo dedemocracia. E é possível a construção de uma democracia que nãopasse por este modelo, que é umapartidocracia.

E por isso que defende ummodelo presidencialista?

Sim, porque o presidencialismopode ser uma forma de desvitalizareste sistema partidário.

Como?Há que devolver o poder às

pessoas e para isso e necessário acabar com o monopólio dos partidospolíticos no acesso à Assembleiada República.

Acredita que é possíveluma alteração constitucionaldesse tipo?

Acredito que não é possívelatravés dos partidos políticos, masé possível através de um mecanismo que copie o modelo da V República francesa. Isto é, é possívelatravés de um futuro Presidenteda República, sendo eleito com opropósito da mudança do sistema,e o Presidente da República com opropósito de criar um novo partidopolítico, à semelhança do que fezSarkozy, que procure reconstruir osistema partidário e permita a dissolução da Assembleia. Para tentardevolver ao eleitorado uma novaescolha à luz de uma nova maioria,que seja uma maioria presidenciale uma maioria parlamentar.

Diz-se que na Europa háuma viragem "à direita". Conceitos como esquerda e direitaainda fazem sentido?

Penso que não. Os partidossocialistas democráticos todos seconverteram ao neoliberalismo. Ficaram fascinados por aquele que erao tradicional âmbito da direita, queera a aposta em políticas económicasliberais. Por paradoxal que pareça, adireita dos valores é hoje mais apostada numa dinâmica social do queo socialismo democrático. Há umainversão curiosa. Hoje, a preocupaçãocom o estado social, com condiçõesque permitam uma vida humanadigna, está mais nas forças que serevêem à direita do que propriamentena sedução económica neoliberal queapanhou todos os partidos sociais-democratas, socialistas democráticose trabalhistas da Europa.

É curioso que "neoliberal"seja usado como um insultopor esses partidos...

E possível, mas com certezavêem-se ao espelho nesse insulto,quando o dirigem.

Porquê esta direita dos valores com essa visão de matrizsocial?

Penso que a razão se filia nadoutrina social da Igreja.

Temos visto algumas tentativas do CDS nesse sentido...

Exactamente. Penso até que háuma tensão dentro deste Governo.Há uma parte do Governo profun-

damente neoliberal e outra compreocupações de natureza social.Acredito que também exista estatensão dentro do PS, mas nos últimos anos, goste-se ou não, a quevingou foi a neoliberal.

Qual é então hoje a grandediferença entre a esquerda ea direita?

Tem a ver com os valores emtomo da família. A importância docasamento. A importância que tema família como instituição nuclearda sociedade, é um elemento queé acarinhado pela direita e que temsido pura e simplesmente desprezado, se não mesmo vítima de gravesatentados, por parte da esquerda,nos últimos anos.

Foi bastante noticiado e gerou alguma polémica o seuexame sobre a inconstitucionalidade do casamento homossexual. As pessoas aindaassociam o seu nome a essecaso?

E possível que associem e eunão renego aquilo que escrevi. Agora, é preocupante que ainda existaem Portugal uma mentalidade, porparte de alguns universitários, ou depseudo-intelectuais, que têm umamentalidade do "Portugal dos pequeninos". Isto é, a ideia de que asuniversidades não devem discutirtodos os assuntos, que devem estar

fechadas, ou a ideia de que só élegítimo e lícito discutir o que époliticamente correcto.

Tal não é o contrário deuma Universidade? Mais parece uma Academia Soviética...

Exactamente. E o contráriode uma Universidade. Penso quealgumas pessoas que defendemessa restrição e essa censura nãoestão muito longe de uma Academia Soviética. Talvez um poucodesesperadas por hoje não teremuma pátria, mas talvez a Coreia

do Norte as possa acolher debraços abertos.

Depois do casamento homossexual, há quem queiralegalizar a adopção de criançaspor casais homossexuais. Noestado em que se encontra oPaís, faz sentido esse debate?

Podemos ter dinheiro sem terpão, mas à luz do pensamento dosúltimos anos, todos podem viverfelizes porque o leque de opçõespara cada um contrair matrimónioalargou significativamente. Há claramente o ditar da agenda políticado Partido Socialista pelo Bloco deEsquerda. O Bloco comanda - nãoo parlamento, felizmente - mas aagenda política do PS em matériasde índole social.

É para se poderem afirmarde esquerda?

Talvez, se bem que é uma esquerda muito estranha. Antes, a esquerda batia-se pelo divórcio, agorabate-se pelo casamento. Será que seestá a converter às instituições típicas da direita? Há um outro exemplo, que é o das chamadas "barrigas de aluguer". Duvidosamenteconheço algo que possa ser maisaviltante da qualidade da mulherque transformá-la em mero objecto.Noutros tempos, a esquerda lutavapela dignificação da mulher, hojetrata a mulher como máquina repro

dutora passível de pôr o seu corpoao serviço daqueles que mais dinheiro têm. Não deixa de ser estranho,mas são cedências ao capitalismo...

Escreveu um livro chamado"Democracia Totalitária". Achaque hoje as democracias seestão a tornar totalitárias?

O problema da democraciatotalitária pode ter duas vias. Porum lado, a democracia vive hoje,em certos casos, com partidos quereclamam modelos totalitários. Ogrande problema é sabe como é que

a democrque são intolerantesou devemlerância àlado, hojeto de fenóprogresso

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da sucessão ao próprio Salazar.Acha que aconteceu?

Penso que sim. Na altura todosos órgãos de soberania, todos ostitulares, criaram uma convenção,um acordo, que era não revelar aSalazar que ele tinha sido substituído.

Porquê?Num primeiro momento, por

que em final de 1968 ninguém acreditava que Salazar sobrevivesse. Porisso nem se colocava a questão de