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    EPIGENTICA: UM NOVO CAMPO DA GENTICAEPIGENETICS: A NEW GENETIC FIELDHENRIQUE REICHMANN MULLER 1, KARIN BRAUN PRADO 2

    1 Acadmico do Curso de Cincias Biolgicas da Universidade Positivo, Curitiba -PR.2 Professora da Disciplina de Imunologia do Curso de Cincias Biolgicas da Universidade Positivo, Doutora em Gentica pela UFPR.

    RESUMO

    Epigentica definida como modificaes do genoma, herdvel durante a diviso celular, que no envolve uma mudana na sequncia do DNA. Mecanismos epigenticos atuam para mudar a acessibilidade da cromatina para regulao transcricional pelas modificaes do DNA e pela modificao ou rearranjo de nucleossomos. Estes mecanismos so componentes crticos no desenvolvimento normal e no crescimento das clulas. A regulao epigentica do gene colabora com as alteraes genticas do desenvolvimento do cncer. Nesta reviso, examinamos os princpios bsicos dos mecanismos epigenticos e suas contribuies para o controle do ciclo celular, assim como as conseqncias clnicas dos erros epigenticos. Alm disso, direcionamos nossa pesquisa para o uso das vias epigenticas em ensaios para tratamentos contra o cncer e para os resultados do Projeto Epigenoma Humano (PEH). Palavras-chave: Metilao do DNA; Modificaes das histonas; Ilhas CpG.

    1 INTRODUO

    O termo epigentica origina-se do pre-fixo grego epi, que significa acima ou sobre algo(1) e estuda as mudanas herdadas nas funes dos genes, observadas na genti-ca, mas que no alteram as sequncias de bases nucleotdicas da molcula de DNA(2). Os padres epigenticos so sensveis a modificaes ambientais que podem causar mudanas fenotpicas que sero transmitidas aos descendentes.(1) Segundo Tang e Ho(3), a epigentica definida como as mudanas herdveis na ex-presso do gene que no alteram a sequncia do DNA, mas que so herdveis pela mitose e ao longo das geraes. Feinberg(4) define a epigentica como mo-dificaes no genoma que so herdadas durante

    a diviso celular e que no esto relacionadas com a mudana na sequncia do DNA. Existem algumas caractersticas que distinguem a epigentica dos mecanismos da gentica convencional: a reversibilidade, os efeitos de posicionamento, a habilidade de agir em distncias no esperadas maio-res do que um nico gene.(4) Existem dois mecanismos principais envolvidos na epigentica: alteraes nas histonas e padro de metilao do DNA, que envolve modificaes na estrutura das ligaes covalentes do DNA.(5) Esses meca-nismos atuam modificando a acessibilidade da cromatina para a regulao da trans-crio localmente ou globalmente, pelas modificaes no DNA e pelas modificaes ou rearranjos dos nucleossomos.(6) Alm desses principais mediadores epigenticos,

    1 Rua Prof. Pedro Viriato Parigot de Souza, 5300- Bloco Marrom- Laboratrio de GenticaCampo Comprido, Curitiba- Paran, CEP 81280-330. Tel: (41) 3317-32962 E-mail: [email protected]

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    h tambm a presena de RNAs no codi-ficadores, que podem atuar interferindo na transcrio de genes.(3) Esses mecanismos regulam funes celulares cruciais como a estabilidade do geno-ma, a inativao do cromossomo X, o imprinting gnico, a reprogramao de genes no imprin-tados, e atuam no desenvolvimento da plastici-dade como as exposies a fatores endgenos ou exgenos durante os perodos crticos, que alteram permanentemente a estrutura e a funo especfica de sistemas de rgos.(3) Os nucleossomos e as histonas so estruturas associadas ao DNA com a funo de organizao da cromatina. Tal organizao est intimamente associada expresso gnica. Mu-danas na estrutura da cromatina influenciam a expresso dos genes, sendo que, esto inativos quando a cromatina est condensada e os genes so expressos quando a cromatina estiver aberta, ou seja, no condensada.(7) Esses estados din-micos da cromatina so controlados por padres epigenticos reversveis de metilao do DNA e de modificaes das histonas.(8) A metilao do DNA indispensvel para as funes do genoma dos vertebra-dos e est relacionada com processos de regulao gnica, estabilidade cromoss-mica e imprinting parental.(9) Existe uma forte correlao entre a cromatina inativa com a metilao do DNA(10), ou seja, a metilao silencia a expresso dos genes. Quando o DNA estiver hipometilado, a cromatina estar ativa, permitindo a transcri-o dos genes. Porm, quando o DNA estiver hipermetilado a cromatina estar inativa, im-pedindo a expresso dos genes.(5) Ao contrrio do genoma, que idntico nos diferentes tipos celulares, o epigenoma dinmico e varia de uma clula para outra, pois, o epigenoma corresponde cromatina, s pro-tenas associadas e aos padres de modifica-es covalentes do DNA obtidos pela metilao e que permitem a organizao e manuteno dos programas de expresso dos genes.(5) Nesta reviso, analisamos os prin-cipais mecanismos epigenticos e o modo como esses atuam na regulao da expres-

    so dos genes. Verificamos tambm, como as modificaes epigenticas atuam na promo-o e/ou desencadeamento do cncer. Alm disso, descrevemos algumas terapias que se utilizam do conhecimento da epigentica para o tratamento do cncer. Relatamos tambm os avanos nas pesquisas realizadas no es-tudo do Projeto Epigenoma Humano (PEH).

    2 DESENVOLVIMENTO

    2.1 Mecanismos epigenticos

    Eventos epigenticos incluindo a meti-lao do DNA e as modificaes das histonas apresentam um importante papel para o desen-volvimento normal e so cruciais para estabe-lecer a programao correta da expresso dos genes.(11) Para melhor compreenso do leitor, as Tabelas 1 e 2 descrevem as enzimas e as regies do genoma envolvidas nos mecanismos epigenticos e um resumo de suas funes.

    2.1.1 Metilao do DNA

    Os padres de metilao so estabe-lecidos e mantidos nos dinucleotdeos CpG (pares de Citosina-fosfato-Guanina) por uma famlia de enzimas, as DNA metiltransferases (DNMTs) que reconhecem os dinucleotdeos CpG hemimetilados, depois da replicao do DNA.(4) A metilao do DNA em clulas humanas restrita s adies covalentes do grupamento metil na posio 5 do anel da citosina e tambm nos dinucleotdeos CpG, em uma poro menor no CpNpG.(12) As ilhas CpG so localizadas, em sua maioria, nas regies promotoras de genes e apresentam tamanho igual ou superior 200 pares de bases (pb) sendo que h pelo menos 10 vezes mais metilao nessa regio do que em outras regies do genoma com CpG.(9) O processo de metilao mediado, ao menos, por trs DNA metiltransferase (DNMT1, DNMT3a, DNMT3b), que catalizam e transferem o grupamento metil da S-adenosyl-L-metionina (doador de metil) para as bases de citosina ou adenina na molcula de DNA.(13) Acredita-se

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    Tabela 1 - Enzimas envolvidas no processo epigentico do DNA.

    Nome da enzima Abreviao Funo ConsequnciasDNA metil-transferase DNMT Catalisa a transferncia

    de grupos metil para o DNA

    Metilao do DNA- silenciamento de genes

    DNMT1 Mantm os padres de metilao normais da clula

    DNMT3a e DNMT3b Promovem uma nova metilao no DNA, principalmente nas ilhas CpG

    Histona desacetilase HDAC Promove a desacetilao das histonas.

    Retirada de grupos acetila: inativa cromatina

    HDAC2

    Demetilases de histonas: Amino-oxigenases dependentes de FAD: LSD1 e JmjC

    Retiram o grupo metil das histonas atravs de um processo oxidativo: LSD1- reao de oxidao com liberao de formaldedo;JmjC- reao de oxidao com -cetoglutarato e Fe+2 com liberao de formal-dedo.JHDM1- demetila o amino-cido Lisina da posio 36 da histona H3.

    Retira grupos metil nas histonas.

    JHDM1 (demetilase-1 de histonas contendo domnios de demetilao)

    Histona acetil-transferase HAT Acetilao das histonas: ativao da cromatina

    Histona Metil-transferase HMT Ex: SUV39

    Fonte: Adaptao de DAlessio A C & Szyf M. 2006.

    Tabela 2 - Regies do genoma e suas funes na epigentica.

    Regies do DNA/histona Siglas FunesDomnio de ligao da metilao MBD Local de ligao das protenas liga-

    doras de DNA metilado, ex; MeCp2 e recruta protenas modificadoras de histona para os genes metilados.

    MBD2 MBD2- demetila DNA in vitro e in vivo. Tem ao em genes demetila-dos endogenamente.

    Membro do complexo multiproteico policomb PRC2

    EZH2 Recrutamento de DNMTs e localizar no DNA o ponto de metilao.

    Fonte: DAlessio A C & Szyf M. 2006.

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    que os padres de metilao do DNA so re-lativamente baixos durante o desenvolvimento da clula e so realizados pelas DNMT3a e DNMT3b, que catalizam a metilao de novo, principalmente nas ilhas CpG.(14) Esses padres so mantidos nas clulas somticas ao serem copiados para as clulas-filhas pela DNMT1, que replica os padres de metilao de ge-raes parentais metiladas para as geraes seguintes ainda no metiladas.(15) A metilao do DNA interfere na expres-so dos genes por meio de mecanismos diretos e indiretos. Primeiro, a metilao de ilhas CpG presentes nas regies promotoras dos genes impede diretamente, atravs de uma barreira fsica, o seu reconhecimento pelos fatores de transcrio, resultando na inativao do gene.(16,17) Segundo, a metilao ocorre em uma re-gio que apresenta domnios de ligao para a metilao (MBD), que se localiza ao redor de um stio de regulao da transcrio e atrai de forma indireta as protenas de domnio de ligao de metilao, como as MeCp2, que recrutam correpressores e desacetilases de histonas (HDACs) inativando a configurao da cromatina ao redor do gene, desligando-o.(18,19) As ilhas CpG so alvos de protenas que se combinam com os CpG no metilados e iniciam a transcrio do gene. Tipicamente as regies no metiladas dos pares CpG so localizadas em genes de tecido-especfico e em genes essenciais, como os de manuteno, que esto envolvidos na preservao da rotina celular e so expressos na maioria dos tecidos.(7) Em contraste, as regies CpG metiladas so geralmente associadas ao DNA silencioso, pois apresentam as regies MBD, que podem bloquear as protenas sensveis metilao (7) A metilao do DNA tambm con-trolada pela cromatina, atravs de uma interao bi-direcional entre ambas.(5) Os mecanismos epigenticos atuam na mudan-a da acessibilidade da cromatina para a regulao da transcrio local e globalmen-te, atravs de modificaes na molcula de DNA, via metilao, e tambm atravs das modificaes ou rearranjos dos nucleosso-mos.(6) O DNA hipometilado est associado

    com a cromatina ativa, acetilada e o DNA hipermetilado associado com a cromatina inativa, isto , hipoacetilada.(5)

    2.1.2 Modificaes nas histonas

    O DNA nuclear encontra-se associado s protenas histonas. Ambos encontram-se sob a forma da estrutura bsica de conden-sao do DNA, o nucleossomo. Este(20) a unidade bsica da cromatina e composto por dois complexos idnticos, cada um cons-titudo de 4 protenas histonas, que formam um octmero. As protenas histonas presentes em cada nucleossomo so: a H2A, H2B, H3 e H4.(21) Duas voltas da molcula de DNA incorporam-se a esta estrutura, que tem tam-bm a protena histona H1 associada ao DNA, contribuindo para sua condensao. As modificaes das histonas regu-lam as funes da cromatina alterando a acessibilidade do DNA aos diferentes fato-res que atuam em trans, como as enzimas de transcrio, ou pelo recrutamento de protenas especficas que reconhecem as modificaes ocorridas nas histonas.(22) Acredita-se que a acetilao das histonas H3 e H4 nas caudas N-terminais seja um sinal predominante para a ativao da cromatina, aumentando a acessibilidade da maquinaria de transcrio. Esse sinal removido pela ao das desacetilases de histonas (HDAC), que promo-vem a condensao da cromatina.(5,23)

    2.1.3 Acetilao de histonas e demetilao de DNA

    O fluxo da informao epigentica pode ser realizado em ambas as direes: da cromatina para o DNA ou vice-versa. Essa bilateralidade um mecanismo de autorreforo para a manuteno da informao epigentica.(5) A perda indevida de modificaes da croma-tina associada ao DNA metilado ser rapida-mente corrigida pelo recrutamento de enzimas modificadoras de cromatina.(18, 19) E a perda aberrante de metilao do DNA ser corrigida pelo recrutamento de DNMts pela cromatina

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    modificada.(5) Existe uma interao entre as enzimas DNMTs e HDAC e tambm entre as DNMTs e metiltransferases de histonas para a manuteno de certos padres de metilao do DNA que marcam a cromatina inativa.(24, 25) As enzimas DNMts interagem com as histonas metiltransferases como Suv39 e o com-plexo multiproteico Polycomb PRC2, EZH2, que promovem a metilao das histonas. As enzimas DNMTs so as responsveis pela manuteno e gerao de padres de metilao na clula.(5) Evi-dncias da importncia da sua funo nesse pro-cesso surgiram dos estudos em camundongos que apresentavam os genes EZH2 silenciados. Nestes, ocorriam a perda de metilao do DNA em locais que estavam marcados para serem metilados e, mesmo assim, a metilao era efe-tivada, devida a presena de DNMTs nos locais demarcados, demonstrando que ocorria no somente a metilao de novo, mas tambm era mantido o padro da metilao pr- existente.(25) A existncia da programao da expres-so de genes baseadas na alterao da estrutura da cromatina, em organismos em que o genoma no contm citosinas metiladas sugere que, em uma perspectiva evolutiva, as modificaes da cromatina precederam a metilao do DNA.(5) Essa noo de que a inativao da cromatina anterior ao processo de metilao do DNA foi observada em estudos em mamferos, que demonstraram que a quebra da cromatina influencia na metilao de DNA.(5) Em camun-dongos, a deleo do gene LSH, que codifica a helicase SNF2, cujo produto est envolvido na remodelagem da cromatina, produz uma perda significativa de metilao nas ilhas CpG pelo genoma(26), sugerindo que essa atividade de re-modelao da cromatina pelo gene LSH crucial para manter os padres de metilao do DNA.(5) A estrutura da cromatina ativa pode pro-mover a demetilao do DNA, ou seja, a remoo dos grupamentos metil. A acetilao das histonas uma reao catalizada pela enzima histona acetiltransferase (HAT) e um evento primordial para a ocorrncia da demetilao do DNA. Estu-dos realizados com inibidores de desacetilases, como a tricostatina, indicaram a ocorrncia de de-metilao nos segmentos de DNA metilados.(27, 28)

    Os mecanismos propostos para a ao da acetilao das histonas atuando como fator de demetilao do DNA so os seguintes: em uma viso mais simplis-ta do processo epigentico, as histonas com caudas no acetiladas bloqueariam o acesso das DNAs metil-transferases para a cromatina condensada, e assim evita-riam a metilao do DNA.(29) Um segundo mecanismo prope que a demetilao no ocorreria imediatamente aps a acetilao das histonas, mas seria dependente da in-terao com a enzima de transcrio RNA polimerase II com o promotor metilado do gene. Para movimentao da RNA pol II ao longo do gene a ser transcrito, ocorreria inicialmente uma fraca interao entre RNA pol II e a maquinaria de transcrio com o promotor metilado e parcialmente acetilado. Essa interao aumentaria, medida que ocorresse demetilao no DNA provocada pela acetilao das histonas. Na regio de ligao de metilao, poder ocorrer o recrutamento pela enzima RNA pol II, da demetilase de DNA, MBD2. Assim, a quan-tidade dessa demetilase um fator limitante para o processo de demetilao do DNA.(5) 2.2 Epigentica e Cncer

    Eventos epigenticos incluindo as modifi-caes de histonas e a metilao do DNA so cru-ciais para estabelecer a programao correta da expresso dos genes e erros nestes processos podem levar a uma expresso aberrante de ge-nes e a uma perda de check-points anticncer.(11) O evento epigentico mais bem es-tudado e que afeta diretamente o DNA a metilao. Tanto a hipermetilao das ilhas CpG, localizadas nos promotores de genes de supresso tumoral, e a hipometilao global aparentam apresentar um importante papel no desenvolvimento de cncer.(11) Ocorre um padro aberrante de metilao nos tumores em relao aos tecidos normais. Os genes supressores tumorais atuam normalmente reprimindo o crescimento celular e metilaes nestes genes levam ao seu silenciamento

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    e, por conseguinte, a sua perda de funo. Os genes conhecidos como protooncogenes atuam favorecendo o crescimento celular de forma ordenada. A hipometilao nesses ge-nes promove o crescimento desordenado da clula e a formao de tumores.(5) O balano entre a acetilao das his-tonas e a sua desacetilao fundamental para regulao da proliferao das clulas. Mutaes no gene que codifica a enzima HAT, ou translocaes de partes cromossmicas que envolvem esse gene, esto relacionadas com o desenvolvimento de cncer.(5) O aumento anormal da atividade da HDAC pode resultar na inativao de transcrio de genes supressores tumorais, provocando a inibio de sua transcrio devido a desacetilao das histonas seguida da metilao do DNA, inativando o gene.(5) Na transformao maligna da clula so observadas importantes modificaes, como a perda da metilao em oncogenes e em genes pro-metastticos, hipometilao global dos elementos repetitivos e hipermeti-lao em um conjunto de genes, tais como: genes supressores tumorais, genes de mol-culas de adeso, genes do reparo do DNA e em genes inibidores de metstases. A hipometilao de genes especficos talvez seja secundria para as mudanas locais da cromatina, marcadas pelos fatores de transcrio reconhecendo sequncias especficas. As mudanas globais na croma-tina que ocorrem no cncer so devidas ativao das HAT, bem como da expresso acima do normal de metiltransferase das histonas que desencadeia a demetilao global do DNA nas clulas cancerosas. Poder ocorrer tambm um aumento na atividade da DNA demetilase, acarretando uma demetilao global do DNA.(5) Hipometilao leva instabilidade ge-nmica, que provoca quebras cromossmicas, servindo como um mecanismo de ativao de genes prometastticos em estgios avana-dos de cncer. A hipermetilao serve como um mecanismo para um crescimento descon-trolado dessas clulas metastticas.(5)

    2.2.1 Terapias epigenticas para o cncer

    O cncer um processo em que er-ros genticos e epigenticos se acumulam e transformam uma clula normal em clulas invasivas ou em clulas tumorais metastti-cas. As alteraes nos padres de metilao do DNA mudam a expresso de genes as-sociados ao cncer, entre esses, os genes supressores tumorais e os oncogenes.(7) Poucas so as terapias em vigncia que se utilizam da epigentica.(2,30,31) Entre essas, tem-se aquelas que se utilizam de nucleosdeos anlogos aos do DNA, como o medicamento Azacitidina, um anlogo a nucleosdeos que incorpora-se no DNA que est em replicao e inibe a metilao, reativando os genes silencia-dos previamente. Essa terapia est em estudo, principalmente para doenas em que ocorre hipermetilao de genes, como as sndromes mielodisplsicas e leucemias.(31) O oligonucleotdeo antisense MG98 que abaixa os nveis de DNMT1 est apre-sentando resultados promissores na fase 1 das triagens clnicas e marcando tumores slidos e clulas cancerosas dos rins.(32) As anlises moleculares de bipsias de cnceres de cabea e pescoo, seguidas do tratamento de MG98, revelaram a de-metilao de genes de supresso tumoral que se encontram metilados e tambm de oncogenes que se encontravam metilados anteriormente ao tratamento.(7) Pequenas molculas como o cido val-prico que reduzem os nveis de HDACs esto sendo usadas para induzir a morte das clulas tumorais e conter o crescimento do tumor.(7) Combinaes de terapias epigen-ticas (agentes demetiladores associados com inibidores de HDACs) ou terapias epigenticas seguidas de quimioterapias convencionais (ou imunoterapias), talvez sejam mais efetivas, porque elas podem reativar genes silenciados, incluindo genes de supresso tumoral, que favorecem a ativao de clulas para agirem de acordo com estas terapias, matando as clulas cancerosas.(2, 29, 33)

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    O grande desafio para o futuro ser limi-tar os efeitos txicos em clulas normais e asse-gurar que os efeitos inditos destas drogas atin-jam os genes marcados nas clulas tumorais.(7)

    2.3 Projeto Epigenoma Humano

    Aps a concretizao e trmino do Projeto do Genoma Humano no ano de 2001, foi criado no mesmo ano o Projeto Epigenoma Humano (HEP), de iniciativa pblica-privada. Este tem como objetivo identificar, catalogar e interpretar a impor-tncia gnica dos padres de metilao em todos os genes, na maioria dos tecidos.(34) Em 2004, foram publicados os pri-meiros resultados de um estudo piloto desse projeto envolvendo uma regio do genoma altamente densa em genes, a regio do Complexo Principal de Histocompatibilidade (MHC). Tal complexo est localizado no cro-mossomo 6, cujas funes so extremamen-te diversas, sendo muitas relacionadas com o sistema imune inato e adaptativo e esto associados com a rejeio de transplantes, doenas autoimunes, doenas relacionadas a imunodeficincias, entre outras.(34) Metilaes diferenciadas nas cito-sinas possibilitam evidenciar as diferenas nos padres de metilao ao longo do genoma, que se acreditava ser especfica para as ativaes de genes, para os tipos de tecido e para os estados da doena. A iden-tificao dessas variaes nas posies de metilao ir melhorar de forma significativa a compreenso sobre a biologia do genoma e auxiliar nos diagnsticos de doenas.(34) Foram identificadas posies vari-veis de metilao (MVP) nas proximidades dos promotores dos genes e em outras re-gies relevantes de aproximadamente 150 loci contendo o MHC em diversos tecidos (cerebral, mamrio, heptico, pulmonar, muscular e prosttico) de uma grande quantidade de indivduos.(34) Para o projeto-piloto, foram de-senvolvidas tecnologias para a anlise dos estudos epigenticos, envolvendo

    tratamentos utilizando bissulfito de sdio e tambm uma ampla utilizao de PCR, para analisar e quantificar os padres de metilao do genoma.(34)

    3 CONSIDERAES FINAIS

    A epigentica desponta como uma nova fronteira a ser alcanada e transposta no cenrio mdico-cientfico. A compreenso dos mecanis-mos envolvidos no silenciamento e ativao de genes, alm daqueles conhecidos pela gentica molecular, permite a criao de modelos para tratamento de doenas como o cncer. Sob esse aspecto, este trabalho possibilitou uma anlise criteriosa dos mecanismos epigenticos, dos pa-dres de metilao usuais do genoma e forneceu informaes importantes sobre essa nova face da Gentica, que a epigentica. O estudo de revi-so permitiu reconhecer a complexidade dessa nova rea da Gentica, que recentemente vem despontando como uma forma de terapia mais eficiente e menos agressiva para o tratamento do cncer, principalmente. Alm disso, permitiu vislumbrar uma nova rea de aplicao dos conhecimentos da epigentica no que se refere ao cncer: o diagnstico e o acompanhamento clnico da doena, por ensaios que identifiquem o grau de metilao de genes relacionados com o desenvolvimento e progresso do cncer.

    ABSTRACT

    Epigenetics is defined as modifica-tions of the genome, heritable during cell division, that do not involve a change in the DNA sequence. Epigenetics mechanisms act to change the accessibility of chromatin to transcriptional regulation via modifica-tions of the DNA and by modification or rearrangement of nucleosomes. These mechanisms are critical components in the normal development and growth of cells. Epigenetic gene regulation collaborates with genetic alterations in cancer development. In this review, we had examined the basic

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    principles of epigenetic mechanisms and their contribution to cell cycle control, as well as, the clinical consequences of epi-genetics errors. In addition, we addressed our approach to epigenetic pathways in the treatments against cancer and the results of the Human Epigenome Project (HEP). Key words: DNA methylation; modifica-tions of histones; CpG islands.

    4 REFERNCIAS

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    2 Egger G, Liang G, Aparicio A et al. Epigenetics in human disease and prospects for epigenetic therapy. Nature. 2004;429:457-63.

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