EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

242
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS Autoria: Kevin Daniel dos Santos Leyser

Transcript of EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Page 1: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Programa de Pós-Graduação EAD

UNIASSELVI-PÓS

Autoria: Kevin Daniel dos Santos Leyser

Page 2: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCIRodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito

Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SCFone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090

Reitor: Prof. Hermínio Kloch

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Ivan Tesck

Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Prof.ª Bárbara Pricila Franz Prof.ª Tathyane Lucas Simão Prof. Ivan Tesck

Revisão de Conteúdo: Neivor SchuckRevisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais

Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Copyright © Editora Grupo Uniasselvi 2017Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri

Grupo UNIASSELVI – Indaial.

231.044 L685e Leyser, Kevin Daniel dos Santos

Epistemologia da teologia / Kevin Daniel dos Santos Leyser. Indaial: UNIASSELVI, 2017.

242 p. : il. ISBN 978-85-69910-60-2

1.Teologia. I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.

Page 3: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Kevin Daniel dos Santos Leyser

Possui graduação em Psicologia com Licenciatura Plena, Bacharelado e Formação pela Universidade Comunitária Regional de Chapecó (2005), em Filosofia com Licenciatura Plena pela Universidade Comunitária Regional de Chapecó (2004), em Teologia com Bacharelado pela Faculdade de Educação Teológica Logos (2002). É especialista em Psicopedagogia e Práticas Pedagógicas e Gestão Escolar pela Faculdade de Administração, Ciências, Educação, Letras (FACEL) (2007). Mestre em Educação pela Universidade Regional de Blumenau (FURB) (2011). Trabalha há 11 anos no Ensino Superior, atualmente e professor na FAMEG/UNIASSELVI em Guaramirim (SC) e no Centro Universitário Leonardo da Vinci/UNIASSELVI em Indaial (SC). Faz parte do grupo de pesquisa em Filosofia da Educação

(EDUCOGITANS). Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em epistemologia, pragmatismo e educação;

na área de Psicologia, com ênfase em psicoterapias fenomenológico-existenciais, processos cognitivos,

aprendizagem sócio emocional e educação; na área e Teologia, com ênfase em filosofia e epistemologia

da religião. Na EAD, publicou: Filosofia Geral e da Religião; Psicologia Geral e da Religião; Filosofia Política e Ética e Profissão.

Page 4: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Page 5: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Sumário

APRESENTAÇÃO ......................................................................7

CAPÍTULO 1Introdução à Epistemologia .................................................9

CAPÍTULO 2A Epistemologia da Teologia e da Religião .......................53

CAPÍTULO 3O Conhecimento Religioso e suas Implicações Epistemológicas .....................................................................89

CAPÍTULO 4Argumentos Cosmológicos da Existência Divina ............125

CAPÍTULO 5Argumentos Teleológicos da Existência Divina .............163

CAPÍTULO 6Argumentos Ontológicos da Existência Divina ..............193

CAPÍTULO 7Problemas do Mal ...............................................................215

Page 6: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Page 7: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

APRESENTAÇÃOCaro(a) pós-graduando(a), este livro tem como objetivo sistematizar os

elementos básicos da disciplina de Epistemologia da Teologia, o qual proporcionará um contato com os principais tópicos, autores e obras da área, alem dos instrumentos necessários, não apenas para acompanhar a disciplina ofertada, mas tambem para os estudos autônomos posteriores.

A epistemologia, em uma perspectiva ampla, pode ser caracterizada como o estudo do conhecimento. Dentro da disciplina da filosofia, a epistemologia é o estudo da natureza do conhecimento e da justificação. Em particular, é o estudo do conhecimento e da justificação em três aspectos: seus componentes definidores, suas condições ou fontes substantivas, e os seus limites.

Tem sido comum na epistemologia dar atenção cuidadosa não apenas à epistemologia como empreendimento generico, mas tambem explorar detalhadamente a epistemologia de disciplinas acadêmicas específicas. A epistemologia da ciência, por exemplo, recebeu a maior parte do interesse. Mas tambem se deu atenção à matemática, à história, à estetica e à etica. O mandado crucial para esses desenvolvimentos posteriores remonta a Aristóteles quando ele insistiu no que poderíamos chamar de princípio de ajuste epistêmico. Devemos ajustar nossas avaliações epistêmicas de forma apropriada ao assunto sob investigação. Como resultado, não esperamos que as afirmações históricas sejam avaliadas pelo tipo de argumentos que se aplicariam à matemática e às ciências naturais. Surpreendentemente - dada a atenção dirigida a reivindicações teológicas - esta visão não tem sido sistematicamente explorada no caso da teologia. Apesar da riqueza do material disponível tanto na filosofia como na teologia ao longo dos seculos, não tem havido nenhum esforço concertado para articular e examinar o que conta como avaliação epistemológica apropriada em teologia.

Por epistemologia da teologia, entendemos uma investigação crítica da

desiderata epistêmica apropriada aplicada à teologia. Acreditamos que o tempo está maduro na filosofia e na teologia para tal empreendimento. E estamos convencidos de que há uma grande necessidade para o desenvolvimento desta nova conversa que terá seu lugar natural na interseção da teologia e da filosofia. Este livro se propõe a introduzir esta conversa.

No primeiro capítulo introduzimos o objeto de estudo da epistemologia e seus

métodos de investigação, identificando os principais problemas e questões que neste campo são comumente levantadas.

Page 8: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

No segundo capítulo nosso foco foi o de apresentar a epistemologia da teologia ou da religião propriamente dita, descrevendo a relação entre estas áreas de conhecimento. Exploramos aqui questões atuais de debates entre posições distintas como o fideísmo, o evidencialismo e a epistemologia reformada.

No terceiro capítulo aprofundamos as implicações epistemológicas do

conhecimento religioso, percorrendo questões sobre a razoabilidade da crença religiosa e da própria possibilidade de um conhecimento religioso. O foco aqui foi particularmente na questão da justificação e da racionalidade de tal conhecimento.

No quarto, quinto e sexto capítulos, tratamos dos argumentos teístas e antiteístas

para a existência divina. Foram abordados os argumentos cosmológicos, teleológicos e ontológicos respectivamente. A proposta foi expor de maneira mais objetiva possível a lógica das argumentações em suas várias formas, iniciais e atuais, e de suas contra-argumentações.

Finalmente, no setimo capítulo, apresentaremos vários argumentos antiteístas, assim como as respostas aos mesmos, ao problema do mal. A proposta aqui, tal como nos três capítulos anteriores mencionados, e de explicitar a maneira como a justificação e a racionalidade de argumentos filosóficos e teológicos podem ser articuladas e permitirem uma análise mais apurada da própria crença religiosa.

Este e um dos principais objetivos da epistemologia da teologia ou da religião,

nos auxiliar a perceber a justificabilidade e a racionalidade do conhecimento religioso. Aplicar, portanto, a epistemologia à teologia e ao conhecimento religioso e um empreendimento certamente repleto de desafios, mas pleno de possibilidades para um crescimento acadêmico e pessoal.

Boa jornada, rumo à edificação acadêmica, profissional e pessoal, e sucesso frente aos desafios intelectuais, éticos e pessoais proporcionados pelo estudo da Epistemologia da Teologia.

Prof. Kevin Daniel dos Santos Leyser.

Page 9: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

CAPÍTULO 1

Introdução à Epistemologia

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem:

� Compreender o objeto de estudo da epistemologia e seus metodos de investigação.

� Identificar os principais problemas e questões levantados pela epistemologia.

� Comparar as diferentes abordagens de investigação da epistemologia ao conhecimento humano.

� Distinguir as posições epistemológicas quanto ao conhecimento e à justificação.

Page 10: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

10

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Page 11: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

11

Introdução à Epistemologia Capítulo 1

ContextualizaçãoNeste capítulo faremos uma introdução à epistemologia, elucidando seu

campo investigativo de modo geral, apresentando as principais abordagens, os temas centrais e os problemas que surgem nesse empreendimento. Tal intro-dução à epistemologia se faz essencial para que você, acadêmico, compreenda o objeto de estudo da epistemologia e seus metodos de investigação, podendo então, posteriormente, identificar a relação entre a epistemologia, a teologia e o conhecimento religioso.

A epistemologia, em uma perspectiva ampla, pode ser caracteri-zada como o estudo do conhecimento. Dentro da disciplina da filosofia, a epistemologia e o estudo da natureza do conhecimento e da justi-ficação. Em particular, é o estudo do conhecimento e da justificação em três aspectos: seus componentes definidores, suas condições ou fontes substantivas, e os seus limites. Todavia, para simplificar a série de tarefas com que os epistemólogos se preocupam, podemos classificar em duas categorias.

Primeiro, o desafio é determinar o que entendemos por natureza do conhec-imento. Isto é, o que significa dizer que alguém sabe, ou não sabe, alguma coisa. Trata-se de compreender o que e o conhecimento e de distinguir entre casos em que alguem conhece alguma coisa e casos em que alguem não conhece alguma coisa. Embora haja algum consenso geral sobre alguns aspectos desta questão, veremos que este tema e muito mais difícil do que se poderia imaginar.

Em segundo lugar, devemos determinar a extensão do conhecimento huma-no. Isto e, quanto nós conhecemos ou podemos conhecer? Como podemos usar nossa razão, nossos sentidos, o testemunho de outras pessoas e outros recursos para adquirir conhecimento? Há limites para o que podemos conhecer? Por exem-plo, existem algumas coisas que não podem ser conhecidas? É possível que nós não conheçamos o tanto quanto nós pensamos que conhecemos? Deveríamos ter uma preocupação legítima sobre o ceticismo, a visão de que não conhecemos ou não podemos conhecer absolutamente nada?

A epistemologia é o estudo da natureza do conhecimento e

da justificação.

Page 12: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

12

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Murilo Ferraz e Marcos Carvalho Lopes recebem Alexandre Meyer Luz, Doutor em Filosofia pela PUC do Rio Grande do Sul, professor e coordenador do programa de pós-graduação em Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina para falar sobre Epistemologia. Veja a entrevista no site: <http://filosofiapop.com.br/podcast/filosofia-pop-034-epistemologia/>.

Tipos de Conhecimento O termo "epistemologia" vem do grego episteme, que significa

"conhecimento", e do termo logos, que significa, aproximadamente, "palavra escrita ou falada, razão ou explicação". Logos e utilizada como a raiz de termos como psicologia, antropologia, teologia e lógica, e tem muitos outros significados relacionados, mas nestes contextos indica um âmbito do saber racional (NORRIS, 2007; FUMERTON, 2014).

A palavra "conhecimento" e seus cognatos são usados de diversas maneiras. Um uso comum da palavra "conhecimento" e como uma expressão de convicção psicológica. Por exemplo, podemos ouvir alguem dizer: "Eu simplesmente sabia que não iria chover, mas depois choveu." Embora isso possa ser um uso apropriado, filósofos tendem a usar a palavra "conhecer" em um sentido factivo, de modo que não se pode conhecer algo que não e o caso. Veremos mais sobre este aspecto no decorrer deste capítulo.

Mesmo se nos restringirmos a usos factivos, ainda existem múltiplos sentidos de "conhecimento", e por isso precisamos distinguir entre eles. Assim, o conhecimento pode ser explícito ou tácito. O conhecimento explícito e autoconsciente, na medida em que o conhecedor está consciente do estado de conhecimento relevante, enquanto o conhecimento tácito e implícito, escondido da autoconsciência. Muito do nosso conhecimento e tácito: e genuíno, mas desconhecemos os estados de conhecimento relevantes, mesmo que possamos alcançar a consciência através de uma reflexão adequada (BOMBASSARO, 1992). Nesse sentido, o conhecimento se assemelha a muitos de nossos estados psicológicos. A existência de um estado psicológico em uma pessoa não requer a consciência da pessoa desse estado, embora possa exigir a consciência da pessoa de um objeto desse estado (como o que e sentido ou percebido).

Page 13: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

13

Introdução à Epistemologia Capítulo 1

Outro tipo de conhecimento e o “conhecimento procedural”, às vezes chamado de competência, habilidade ou conhecimento de saber-como (know-how). Por exemplo, pode-se saber como andar de bicicleta, ou pode-se saber dirigir de Florianópolis a São Paulo. Outro tipo de conhecimento e conhecimento de trato ou familiaridade, que e um conhecimento adquirido de forma direta sem necessidade de justificativas (OLIVA, 1990). Por exemplo, pode-se dizer que se conhece alguma pessoa, ou alguma coisa por estar familiarizado com ela.

Os epistemólogos normalmente não se concentram no conhecimento procedural ou de familiaridade, no entanto, em vez disso, preferem se concentrar no “conhecimento proposicional” (CHISHOLM, 1974). Uma proposição e algo que pode ser expresso por uma sentença declarativa, e que pretende descrever um fato ou estado de coisas, como "cães são mamíferos", "2 + 2 = 7", "e errado assassinar pessoas inocentes por diversão". Observe que uma proposição pode ser verdadeira ou falsa, ou seja, não precisa realmente expressar um fato. O conhecimento proposicional, então, pode ser chamado de “conhecimento-que”. Declarações de conhecimento proposicional (ou a falta deste) são adequadamente expressas usando sentenças "que", tais como "ele sabe que Florianópolis está em Santa Catarina" ou "ela não sabe que a raiz quadrada de 9 e 3". No que se segue, estaremos preocupados apenas com o conhecimento proposicional.

O conhecimento proposicional, obviamente, abrange conhecimentos sobre uma ampla gama de assuntos: conhecimento científico, conhecimento geográfico, conhecimento matemático, autoconhecimento e o conhecimento sobre qualquer campo de estudo, como veremos no decorrer deste livro, especificamente sobre o campo teológico e religioso. Qualquer verdade pode, em princípio, ser cognoscível, embora possa haver verdades incognoscíveis. Um dos objetivos da epistemologia e determinar os criterios de conhecimento para que possamos saber o que pode ou não ser conhecido, ou seja, o estudo da epistemologia inclui fundamentalmente o estudo da metaepistemologia (o que podemos conhecer sobre o próprio conhecimento).

Uma proposição é algo que pode ser expresso por

uma sentença declarativa, e que

pretende descrever um fato ou estado

de coisas.

Page 14: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

14

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

O conhecimento não empírico ou

a priori é possível independentemente

ou antes de qualquer experiência

e requer apenas o uso da razão

A metaepistemologia e, grosso modo, o ramo da epistemologia que faz perguntas sobre questões epistemológicas de primeira ordem. Investiga aspectos fundamentais da teorização epistêmica como metafísica, epistemologia, semântica, agência, psicologia, responsabilidade, razões para a crença e alem. Assim, se, como tradicionalmente concebido, epistemologia e a teoria do conhecimento, a metaepistemologia e a teoria da teoria do conhecimento (KYRIACOU, 2016).

Podemos tambem distinguir entre diferentes tipos de conhecimento propo-sicional, com base na fonte desse conhecimento. O conhecimento não empírico ou a priori e possível independentemente ou antes de qualquer experiência e requer apenas o uso da razão. Exemplos incluem o co-nhecimento de verdades lógicas tais como a lei da não contradição, bem como o conhecimento de reivindicações abstratas (tais como reivindica-ções eticas ou reivindicações sobre vários assuntos conceituais). O co-nhecimento empírico ou a posteriori só e possível depois, ou posterior, a certas experiências sensoriais (alem do uso da razão). Os exemplos incluem o conhecimento da cor ou forma de um objeto físico ou o conhe-cimento de locais geográficos (GRECO; SOSA, 2008).

Podemos dizer que uma preocupação primordial da filosofia moderna clássica, nos seculos XVII e XVIII, era a extensão do nosso conhecimento a priori relativo à extensão do nosso conhecimento a posteriori. Racionalistas como Descartes, Leibniz e Spinoza sustenta-vam que todo conhecimento genuíno do mundo real e a priori (HUENE-MANN, 2012), enquanto que empiristas como Locke, Berkeley e Hume argumentavam que todo esse conhecimento e a posteriori (MEYERS,

2017). Em sua Crítica da Razão Pura de 1781, Kant (2001) buscou uma grande reconciliação, com o objetivo de preservar as principais lições do racionalismo e do empirismo.

Desde os seculos XVII e XVIII, o conhecimento a posteriori tem sido am-plamente considerado um conhecimento que depende, para o seu sustento, de alguma experiência sensorial ou perceptual específica. E o conhecimento a priori tem sido amplamente considerado como um conhecimento que não depende do seu fundamento em tal experiência (BONJOUR; BAKER, 2010). Kant (2001) e

O conhecimento empírico ou a posteriori só é

possível depois, ou posterior, a

certas experiências sensoriais (além do

uso da razão

Page 15: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

15

Introdução à Epistemologia Capítulo 1

outros sustentam que o fundamento para o conhecimento a priori vem unicamente de processos puramente intelectuais chamados de "razão pura" ou "entendimen-to puro". O conhecimento de verdades lógicas e matemáticas serve tipicamente como um caso padrão de conhecimento a priori, enquanto que o conhecimento da existência ou presença de objetos físicos serve tipicamente como um caso padrão de conhecimento a posteriori.

Uma tarefa importante para uma explicação do conhecimento a priori e a explicação de quais são os processos puramente intelectuais relevantes e de como eles contribuem para o conhecimento não empírico. Uma tarefa análoga para uma explicação do conhecimento a posteriori e a explicação do que e a ex-periência sensorial ou perceptual e como ela contribui para o conhecimento empí-rico. Mais fundamentalmente, os epistemólogos têm buscado uma explicação do conhecimento proposicional em geral, isto e, uma explicação do que e comum ao conhecimento a priori e a posteriori.

Podemos tambem distinguir o conhecimento entre conhecimento individual e conhecimento coletivo. A Epistemologia Social e o subcampo da epistemologia que aborda a maneira como grupos, instituições ou outros corpos coletivos podem adquirir conhecimento. Pesquise mais sobre a Epistemologia Social começando pela leitura da obra “Epistemologia Social: dimensão social do conhecimento” (MÜLLER; RODRIGUES, 2013). Veja na lista de referências deste livro o link para acessar o E-book.

A Natureza do Conhecimento Proposicional

Tendo limitado nosso foco ao conhecimento proposicional, devemos nos perguntar o que, exatamente, constitui o conhecimento. O que significa alguém saber alguma coisa? Qual é a diferença entre alguém que sabe alguma coisa e alguem que não sabe, ou entre algo que se sabe e algo que não se sabe? Uma vez que o alcance do conhecimento e tão amplo, precisamos de uma caracterização geral do conhecimento, que seja aplicável a qualquer tipo de proposição.

Page 16: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

16

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Desde o Mênon e o Teeteto de Platão (2001a, 2001b), epistemólogos têm tentado identificar os componentes essenciais, definidores do conhecimento. A identificação desses componentes proporcionará uma análise do conhecimento. Uma visão tradicional proeminente, sugerida por Platão e Kant, entre outros, e que o conhecimento proposicional (de que algo e assim) tem três componentes individualmente necessários e conjuntamente suficientes: crença, verdade e justificação. Nesta visão, o conhecimento proposicional é, por definição, uma crença verdadeira justificada. Esta é a definição tripartida que passou a ser chamada de análise padrão. Podemos esclarecê-la atendendo brevemente a cada uma de suas três condições.

O conhecimento proposicional (de que algo é assim) tem três componentes

individualmente necessários e conjuntamente

suficientes: crença, verdade e

justificação

Atividades de Estudos:

1) Entre os diferentes tipos de conhecimento, vimos que o proposicional e o alvo principal das investigações epistemológicas. Sintetize a definição tradicional de conhecimento proposicional.

__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

a) A Condição de Crença

Comecemos com a observação de que o conhecimento e um estado mental. Isto e, o conhecimento existe na mente de alguem, e as coisas não pensantes não podem conhecer nada. Além disso, o conhecimento é um tipo específico de estado mental (NORRIS, 2007). Embora as sentenças "que" tambem possam ser usadas para descrever desejos e intenções, estas, de acordo com a análise padrão, não poderiam constituir conhecimento. Em vez disso, o conhecimento e uma especie de crença. Se alguem não tem crenças sobre algo em particular, não se pode ter conhecimento sobre isso.

Por exemplo, suponha que eu deseje que me seja dado um aumento salarial, e que eu pretendo fazer o que eu possa para ganhar. Suponhamos, alem disso,

Page 17: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

17

Introdução à Epistemologia Capítulo 1

que eu duvide que realmente me seja dado um aumento, devido à complexidade do orçamento da empresa onde trabalho. Dado que eu não acredito que vai ser me dado um aumento, não se pode dizer que eu sei que vou receber o aumento. Só se eu estiver inclinado a acreditar em alguma coisa, posso conhecê-la. Da mesma forma, os pensamentos que um indivíduo nunca tenha pensado não estão entre suas crenças, e, portanto, não podem ser incluídos em seu corpo de conhecimento.

Deste modo, a condição de crença exige que qualquer pessoa que saiba que p (onde “p” representa qualquer proposição ou declaração) deve acreditar que p. Se, portanto, você não acredita que as mentes são cerebros (digamos, porque você nunca chegou a considerar o assunto), então você não sabe que as mentes são cerebros. Um conhecedor deve estar psicologicamente relacionado de alguma forma a uma proposição que e objeto de conhecimento para aquele conhecedor. Os defensores da análise padrão sustentam que somente a crença pode fornecer a relação psicológica necessária (MIGUENS, 2009). Os filósofos não compartilham uma explicação uniforme da crença, mas algumas considerações fornecem um terreno comum. As crenças não são ações de assentimento para uma proposição. Elas são estados psicológicos disposicionais que podem existir mesmo quando não manifestados (BONJOUR; BAKER, 2010). Por exemplo, você não deixa de acreditar que 2+2=4 sempre que sua atenção deixa a aritmetica. Nossa crença que p parece exigir que tenhamos uma tendência para assentir a p em certas situações, mas parece tambem ser mais do que apenas essa tendência. O que mais a crença requer continua muito controverso entre os filósofos.

Alguns filósofos, como Radford (1966), Schwitzgebel (2015), Rose e Schaffer (2013), opuseram-se à condição de crença da análise padrão com base no fato de que podemos aceitar ou assentir a uma proposição conhecida sem realmente acreditar nela. Eles afirmam que podemos aceitar uma proposição mesmo que não consigamos adquirir uma tendência, exigida pela crença, de aceitar essa proposição em determinadas situações. Nesta visão, a aceitação e um ato psicológico que não envolve qualquer estado psicológico disposicional, e tal aceitação é suficiente para relacionar psicologicamente um conhecedor a uma proposição conhecida (RODRIGUES, 2013). Independente do desempenho deste ponto de vista, uma suposição subjacente da análise padrão parece correta: nosso conceito de conhecimento requer que um conhecedor esteja de alguma forma psicologicamente relacionado a uma proposição conhecida (SMITH; SILVA FILHO, 2005; LANDESMAN, 2006; BRADLEY, 2015). Salvo essa exigência, encontraremos dificuldades para explicar como os conhecedores possuem psicologicamente seu conhecimento de proposições conhecidas.

A condição de crença exige que qualquer pessoa que saiba que p

(onde “p” representa qualquer proposição ou declaração) deve

acreditar que p.

Nosso conceito de conhecimento requer que um

conhecedor esteja de alguma forma psicologicamente

relacionado a uma proposição

conhecida

Page 18: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

18

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Mesmo se o conhecimento requer crença, a crença que p não requer conhecimento que p, uma vez que a crença geralmente pode ser falsa. Esta observação, familiar ao Teeteto de Platão (2001b), supõe que o conhecimento tem uma condição de verdade. Na análise padrão, se você sabe que p, então e verdade que p. Se, portanto, e falso que as mentes são cerebros, então você não sabe que as mentes são cerebros. É, portanto, enganoso dizer, por exemplo, que os astrônomos antes de Copernico sabiam que a Terra e plana. Na melhor das hipóteses, eles acreditavam justificadamente que eles sabiam disso.

Alem disso, podemos observar que algumas crenças, aquelas que o indivíduo ativamente processa, são chamadas de crenças ocorrentes. A maioria das crenças de um indivíduo são não ocorrentes. Estas são crenças que o indivíduo tem como plano de fundo, mas não são alvo de atenção em um determinado momento. Correspondentemente, a maioria de nosso conhecimento e não ocorrente. Apenas uma pequena quantidade do nosso conhecimento está sempre ativamente em nossa mente (EYSENCK; KEANE, 2017).

b) A Condição de Verdade

O conhecimento, então, requer crença. Naturalmente, nem todas as crenças constituem conhecimento. A crença é necessária, mas não suficiente para o conhecimento. Todos nós, às vezes, nos enganamos no que cremos. Em outras palavras, enquanto algumas de nossas crenças são verdadeiras, outras são falsas. À medida que tentamos adquirir conhecimento, então, estamos tentando aumentar nosso estoque de crenças verdadeiras, minimizando ao mesmo tempo nossas crenças falsas.

Esta condição de verdade da análise padrão não atraiu para si nenhum desafio sério. A controvérsia sobre ela se concentrou, em vez disso, na pergunta veemente de Pilatos: “O que e a verdade?” (BÍBLIA, João, 18, 38). Esta questão diz respeito sobre o que a verdade consiste e não sobre o nosso modo de descobrir o que e verdadeiro. As respostas influentes provêm de, pelo menos, três abordagens: a verdade como correspondência (ou seja, o acordo, de algum tipo especificado,

entre uma proposição e uma situação real); a verdade como coerência (isto e, a interconexão de uma proposição com um sistema especificado de proposições); e a verdade como valor cognitivo pragmático (ou seja, a utilidade de uma proposição para atingir certos objetivos intelectuais) (KIRHAM, 2003). Sem avaliar essas abordagens proeminentes, devemos reconhecer, de acordo com a análise padrão, que nosso conceito de conhecimento parece ter uma exigência factual: sabemos genuinamente que p somente se e o caso que p. A noção pertinente de "ser o caso" parece equivalente à noção de "como a realidade e" ou "como as coisas realmente são". Esta última noção parece essencial à nossa noção de conhecimento, mas está aberta à controversia sobre sua explicação.

Nosso conceito de conhecimento parece

ter uma exigência factual: sabemos

genuinamente que p somente se é o caso

que p.

Page 19: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

19

Introdução à Epistemologia Capítulo 1

Podemos dizer, então, que o propósito mais típico das crenças e descrever ou apreender a maneira como as coisas realmente são. Isto e, quando se forma uma crença busca-se uma correspondência entre a mente de alguem e o mundo (BLACKBURN, 2006). Às vezes, e claro, formamos crenças por outras razões – criar uma atitude positiva, enganar a nós mesmos, e assim por diante –, mas quando buscamos o conhecimento, estamos tentando fazer as coisas de um modo específico. Contudo, às vezes não conseguimos alcançar tal correspondência. Algumas de nossas crenças não descrevem a maneira como as coisas realmente são.

Observe que estamos assumindo aqui que existe uma coisa como a verdade objetiva, de modo que e possível que as crenças correspondam ou não correspondam à realidade. Ou seja, para que alguem conheça algo deve haver algo sobre o qual se conheça. Lembre-se de que estamos discutindo conhecimento no sentido factivo. Se não há fatos da materia, então não há nada para conhecer (ou para deixar de conhecer). Esta suposição não e universalmente aceita (DUTRA, 2001), em particular, não e compartilhada por alguns defensores do relativismo, mas isso não será abordado neste momento. Contudo, podemos dizer que a verdade e uma condição do conhecimento. Isto e, se uma crença não e verdadeira, ela não pode constituir conhecimento. Por conseguinte, se não há tal coisa como verdade, então não poderá haver conhecimento. Mesmo que haja tal coisa como verdade, se existe um domínio no qual não há verdades, então não pode haver conhecimento dentro desse domínio. Por exemplo, se a beleza está no “olhar do espectador”, então a crença de que algo e bonito não pode ser verdadeira ou falsa e, portanto, não pode constituir conhecimento.

c) ACondiçãodeJustificação

O conhecimento, então, requer crença factual. No entanto, isso não basta para apreender a natureza do conhecimento. Assim como o conhecimento requer alcançar com êxito o objetivo da crença verdadeira, tambem requer sucesso em relação à formação dessa crença. Em outras palavras, “nem todas as crenças verdadeiras constituem conhecimento” (O’HEAR, 1997, p. 46). Somente as crenças verdadeiras a que chegamos de maneira correta constituem conhecimento.

Qual é, então, o caminho certo para chegar às crenças? Além da verdade, quais outras propriedades uma crença deve ter para constituir o conhecimento? Podemos começar observando que o raciocínio sadio e a evidência sólida parecem ser a maneira de adquirir o conhecimento. Em contrapartida, um palpite de sorte não pode constituir conhecimento. Da mesma forma, a desinformação e o raciocínio falho não parecem uma receita para o conhecimento, mesmo se eles levam a uma crença verdadeira. Diz-se que uma crença é justificada se for obtida da maneira correta (NORRIS, 2007). Embora a justificação pareça, à primeira

Nem todas as crenças verdadeiras

constituem conhecimento”

(O’HEAR, 1997, p. 46). Somente as

crenças verdadeiras a que chegamos

de maneira correta constituem

conhecimento.

Page 20: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

20

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

vista, ser uma questão de uma crença estar baseada na evidência e no raciocínio, e não na sorte ou na desinformação, veremos que há muito desacordo quanto à forma de especificar os detalhes.

A exigência de que o conhecimento envolva justificação não significa necessariamente que o conhecimento requer certeza absoluta. Os seres humanos são seres falíveis, e o falibilismo e a visão de que e possível ter conhecimento mesmo quando a crença verdadeira de alguém venha a ser confirmada como falsa (RODRIGUES, 2013). Entre as crenças que são necessariamente verdadeiras e aquelas que são verdadeiras unicamente pela sorte encontra-se um espectro de crenças com relação ao qual nós temos alguma razão revogável para acreditar que elas sejam verdadeiras. Por exemplo, se eu ouvi o meteorologista dizer que há uma chance de 90% de chuva, e como resultado eu formo a crença de que vai chover, então a minha crença verdadeira de que iria chover não era verdadeira puramente por sorte. Mesmo que houvesse alguma chance de que minha crença pudesse ter sido falsa, havia uma base suficiente para que essa crença constituísse o conhecimento. Esta base é referida como a justificação para essa crença. Podemos então dizer que, para constituir conhecimento, uma crença deve ser verdadeira e justificada.

Observe que por causa da sorte, uma crença pode ser injustificada, mas verdadeira. E por causa da falibilidade humana, uma crença pode ser justificada, mas falsa (GRECO; SOSA, 2008). Em outras palavras, a verdade e a justificação são duas condições independentes das crenças. O fato de uma crença ser verdadeira não nos diz se ela é ou não justificada. Isso depende de como chegamos a esta crença. Assim, duas pessoas podem ter a mesma crença verdadeira, mas por razões diferentes, de modo que uma delas é justificada e

a outra é injustificada. Da mesma forma, o fato de que uma crença é justificada não nos diz se é verdadeira ou falsa. É claro que uma crença justificada presumivelmente será mais provável de ser verdadeira do que falsa, e crenças justificadas presumivelmente serão mais prováveis de serem verdadeiras do que crenças injustificadas (GOLDMAN, 1979). Como veremos mais adiante neste capítulo, a natureza exata da relação entre verdade e justificação é contenciosa.

Deste modo, podemos afirmar que o conhecimento não é simplesmente crença verdadeira. Como vimos, algumas crenças verdadeiras são apoiadas apenas por conjecturas com sorte e, portanto, não se qualificam como conhecimento. O conhecimento requer que a satisfação de sua condição de crença seja "apropriadamente relacionada" à satisfação de sua condição de verdade. Esta e uma maneira ampla de entender a condição de justificação da análise padrão. Mais especificamente, poderíamos dizer que um conhecedor

Algumas crenças verdadeiras são apoiadas apenas

por conjecturas com sorte e, portanto, não se qualificam

como conhecimento. O conhecimento

requer que a satisfação de sua condição

de crença seja “apropriadamente

relacionada” à satisfação de sua

condição de verdade

Page 21: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

21

Introdução à Epistemologia Capítulo 1

deve ter indicação adequada de que uma proposição conhecida e verdadeira (NORRIS, 2007). Se entendemos tal indicação adequada como uma especie de evidência que indica que uma proposição e verdadeira, alcançamos a visão geral tradicional da condição de justificação: a justificação como evidência. As perguntas sobre a justificação atraem a maior parte da atenção na epistemologia contemporânea. A controvérsia centra-se no significado de "justificação", bem como nas condições substantivas para uma crença ser justificada de uma forma apropriada ao conhecimento.

Os debates atuais sobre o significado da "justificação" giram em torno da

questão de saber se (e se assim for, como) o conceito de justificação epistêmica (relevante ao conhecimento) e normativo. Desde os anos 50, Roderick Chisholm (1974) defendeu uma noção de justificação deontológica (orientada à obrigação/dever). Podemos sintetizar essa noção na afirmação de que se uma proposição, p, é epistemicamente justificada para você, significa que é falso que você deva abster-se de aceitar p. Em outros termos, dizer que p e epistemicamente justificado é dizer que aceitar p e epistemicamente permissível – pelo menos no sentido de que aceitar p e consistente com certo conjunto de regras epistêmicas. Essa interpretação deontológica goza de ampla representação na epistemologia contemporânea. Uma concepção normativa da justificação não precisa ser deontológica. Não precisa usar as noções de obrigação e permissão. Alston (1989, 2008), por exemplo, introduziu um conceito normativo não deontológico de justificação que se baseia principalmente na noção do que é epistemicamente bom do ponto de vista de maximizar a verdade e minimizar a falsidade. Alston vincula a bondade epistêmica a uma crença sendo baseada em fundamentos adequados na ausência de razões imperativas que sejam contrárias.

Alguns epistemólogos esquivam-se das interpretações normativas da justificação considerando-as supérfluas. Um ponto de vista digno de nota é que "justificação epistêmica" significa simplesmente "suporte evidencial" de um certo tipo. Dizer que p é epistemicamente justificável até certo ponto para você e, nesta visão, apenas dizer que p e suportável em certa medida pelas suas razões evidenciais. Essa concepção não será normativa desde que as noções de suportabilidade e de razão evidencial sejam não normativas (CONEE; FELDMAN, 2004). Alguns filósofos tentaram explicar estas últimas noções sem depender dos relatos de permissibilidade epistêmica ou de bondade epistêmica. Podemos entender a noção relevante de "suporte" em termos de noções não normativas de vinculação e explicação (ou, respondendo questões de “por quê”). Podemos entender a noção de uma "razão evidencial" atraves da noção de um estado psicológico que pode estar em uma certa relação de suporte indicadora de verdade às proposições (CARRILHO, 1991;

Podemos entender a noção de uma

“razão evidencial” através da noção

de um estado psicológico que

pode estar em uma certa relação de

suporte indicadora de verdade às proposições

Page 22: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

22

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

OLIVA, 2011). Por exemplo, podemos considerar os estados não doxásticos de "parecendo perceber" algo em virtude desses estados serem melhor explicados por essas proposições. Se algo parecido com essa abordagem conseguir ser bem-sucedido, poderíamos prosseguir sem as noções normativas de justificação epistêmica mencionadas anteriormente.

Estados doxásticos e não doxásticos. Alberto Oliva (2011, p. 51-52) esclarece:

O processo de justificação só pode ser dado por con-cluído quando a evidência e conclusiva quando e impossível para p ser falsa, dada a evidência e. O criterio negativista, socrático, que se devota a descartar crenças injustificadas ou mal justificadas é insuficiente porque não pode ficar adstrito à atividade de eliminar o pseudoconhecimento. Na busca de uma teoria positiva da justificação, duas modalidades de fonte de justificação são identificáveis: 1) a doxástica, aquela em que para se justificar uma crença se recorre a outra crença ou conjunto de crenças; e 2) a não doxástica, aquela em que não se recorre a outra(s) crença(s) para se justificar determinadas crenças. [...] São doxásticas as razões que promovem a justifi-cação de uma crença com base em outra(s), e não doxásticas quando se apoiam em registros perceptuais ou em intuições racionais.

Atividades de Estudos:

1) Acabamos de ver as três condições para o conhecimento proposicional como apresentado pela análise padrão ou teoria tripartida do conhecimento. Descreva as características de cada condição: crença, verdade e justificação. E comente algumas dificuldades e desafios que as mesmas fazem emergir em sua investigação.

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Page 23: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

23

Introdução à Epistemologia Capítulo 1

O Problema de GettierPor algum tempo, a teoria da crença verdadeira justificada foi amplamente aceita

como apreendendo a natureza do conhecimento. No entanto, em 1963, Edmund Gettier publicou um artigo curto, mas amplamente influente, que deu forma a muitos trabalhos subsequentes na epistemologia. Gettier (1963) forneceu dois exemplos em que alguém tinha uma crença verdadeira e justificada, mas nos quais parece negar que o indivíduo tenha de fato conhecimento, porque a sorte ainda parece desempenhar um papel para que a sua crença tenha um resultado de ser verdadeira.

Considere um exemplo. Suponha que o relógio da faculdade (que mantem as horas de modo preciso) parou de funcionar às 11h50min da noite passada, e ainda não foi reparado. No meu caminho para a minha aula do meio-dia, exatamente doze horas depois, eu olho para o relógio e formo a crença de que são 11h50min. Minha crença e verdadeira, claro, desde que o horário seja de fato 11h50min. E minha crença é justificada, pois não tenho nenhuma razão para duvidar de que o relógio esteja funcionando, e não posso ser culpado por basear minhas crenças sobre o horário do relógio. No entanto, parece evidente que eu não sei que o horário é 11h50min. Afinal, se eu tivesse passado pelo relógio um pouco mais cedo ou um pouco mais tarde, eu teria acabado formando uma crença falsa, em vez de uma verdadeira.

Este exemplo, embora talvez um tanto exagerado, parece mostrar que é possível que a crença verdadeira justificada não consiga constituir conhecimento. Em outras palavras, a condição de justificação destinava-se a assegurar que o conhecimento se baseasse em evidências sólidas e não em sorte ou desinformação, mas os exemplos de tipo Gettier parecem mostrar que a crença verdadeira justificada pode ainda envolver sorte e, assim, ficar aquém do conhecimento. Esse problema é referido como "o problema de Gettier". Para resolver esse problema, devemos mostrar que todos os casos de crença verdadeira justificada realmente constituem conhecimento ou, ao contrário, refinar nossa análise do conhecimento.

Portanto, os contraexemplos tipo Gettier são casos em que uma pessoa justificou a crença verdadeira que p mas não tem conhecimento de que p. O problema de Gettier é o problema de encontrar uma modificação ou uma alternativa para a análise padrão que evita dificuldades de contraexemplos tipo Gettier. A controversia sobre o problema de Gettier e altamente complexa e ainda não resolvida. Muitos epistemólogos consideram a lição dos contraexemplos estilo Gettier que o conhecimento proposicional requer uma quarta condição, alem da justificação, da verdade e das condições de crença. Nenhuma quarta condição específica recebeu aceitação esmagadora, mas algumas propostas tornaram-se proeminentes. Vejamos a seguir um pouco dessas propostas para uma condição adicional à análise padrão do conhecimento.

Os exemplos de tipo Gettier parecem

mostrar que a crença verdadeira justificada pode ainda envolver sorte e, assim, ficar aquém do conhecimento

Page 24: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

24

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Assista ao vídeo de Alexandre Meyer Luz sobre a definição de conhecimento, respondendo à pergunta: O que e conhecer algo? Este vídeo está disponibilizado no site: <https://www.youtube.com/watch?v=0X8g6LOvsig>.

a) A Condição de Nenhuma Crença Falsa

Podemos pensar que existe uma solução simples e direta para o problema Gettier. Observe que meu raciocínio foi tacitamente baseado na minha crença de que o relógio está funcionando corretamente, e que essa crença e falsa. Isso parece explicar o que deu errado neste exemplo. Consequentemente, poderíamos revisar nossa análise do conhecimento, insistindo que, para constituir conhecimento, uma crença deve ser verdadeira e justificada e deve ser formada sem depender

de crenças falsas. Em outras palavras, poderíamos dizer que a justificação, a verdade e a crença são todas necessárias para o conhecimento, mas elas não são conjuntamente suficientes para o conhecimento. Há uma quarta condição, ou seja, que nenhuma crença falsa esteja essencialmente envolvida no raciocínio que levou à crença, o que tambem e necessário (BONJOUR; BAKER, 2010).

Infelizmente, isso não basta. Podemos modificar o exemplo para que minha crença seja justificada e verdadeira, e não se baseie em crenças falsas, mas ainda fica aquém do conhecimento. Tomemos o exemplo de Gettier, supracitado, e o adaptemos a essa nova condição. Neste caso, suponha que eu não tenha nenhuma crença sobre o estado atual do relógio, mas apenas a crença mais geral de que o relógio geralmente está em funcionamento. Esta crença, que é verdadeira, bastaria para justificar minha crença de que o horário é agora 11h50min. É claro, ainda parece evidente que eu não sei o horário.

b) A Condição da Ausência de Derrotadores Epistêmicos

A condição de nenhuma crença falsa não parece estar completamente equivocada. Talvez possamos acrescentar alguma outra condição à justificação e à verdade para produzir uma correta caracterização do conhecimento. Observe que, mesmo que eu não tenha ativamente formado a crença de que o relógio está funcionando corretamente, parece estar implícito no meu raciocínio, e o fato de que é falso é certamente relevante para o problema. Afinal, se me perguntassem, no momento em que olhei para o relógio, se ele está funcionando corretamente, eu teria dito que sim. Por outro lado, se eu acreditasse que o relógio não estava

Uma crença deve ser verdadeira e justificada e

deve ser formada sem depender de

crenças falsas

Page 25: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

25

Introdução à Epistemologia Capítulo 1

funcionando corretamente, eu não estaria justificado em formar uma crença sobre o tempo baseado no que o relógio diz.

Em outras palavras, a proposição de que o relógio está funcionando corretamente agora reúne as seguintes condições: e uma proposição falsa, eu não percebo que e uma proposição falsa, e se eu tivesse percebido que é uma proposição falsa, minha justificação para a minha crença de que e 11h50min teria sido anulada ou derrotada. Se denominarmos proposições como essas de "derrotadores epistêmicos", então podemos dizer que para constituir o conhecimento, uma crença deve ser verdadeira e justificada, e não deve haver qualquer derrotador epistêmico para a justificação dessa crença (OLIVEIRA, 2016). Muitos epistemólogos acreditam que esta análise está correta.

c) Explicações Causais do Conhecimento

Em vez de modificar a explicação da crença verdadeira justificada do conhecimento, adicionando uma quarta condição, alguns epistemólogos veem o problema de Gettier como motivo para buscar uma alternativa substancialmente diferente. Já observamos que o conhecimento não deve envolver sorte, e que os exemplos de tipo Gettier são aqueles em que a sorte desempenha algum papel na formação de uma crença verdadeira justificada. Em casos típicos de conhecimento, os fatores responsáveis por justificar uma crença tambem são responsáveis pela verdade desta crença (GOLDMAN, 1967). Por exemplo, quando o relógio está funcionando corretamente, minha crença é verdadeira e justificada porque é baseada no relógio, que exibe com precisão o tempo. Mas uma característica que todos os exemplos do tipo Gettier têm em comum e a falta de uma conexão clara entre a verdade e a justificação da crença em questão. Por exemplo, a minha crença de que o horário é 11h50min é justificada porque e baseada no relógio, mas e verdade porque eu passei por ele no momento certo. Assim, podemos insistir que para constituir conhecimento, uma crença deve ser verdadeira e justificada, e sua verdade e justificação devem estar conectadas de alguma forma.

Essa noção de conexão entre a verdade e a justificação de uma crença se torna difícil de formular com precisão, mas as explicações causais do conhecimento procuram apreender o espírito dessa proposta alterando mais significativamente a análise do conhecimento (NORRIS, 2007). Essas explicações sustentam que, para que alguem conheça uma proposição, deve haver uma conexão causal entre sua crença nessa proposição e o fato que a proposição encapsula. Isso mantem a condição de verdade, uma vez que uma proposição deve ser verdadeira para que ela possa encapsular um fato. No entanto, parece

Para constituir o conhecimento,

uma crença deve ser verdadeira e justificada, e não

deve haver qualquer derrotador epistêmico

para a justificação dessa crença

Para constituir conhecimento,

uma crença deve ser verdadeira e justificada, e sua verdade e

justificação devem estar conectadas de

alguma forma.

Page 26: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

26

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

ser incompatível com o falibilismo, uma vez que não permite a possibilidade de que uma crença seja justificada, mas falsa. Estritamente falando, as explicações causais do conhecimento não fazem referência à justificação, embora possamos tentar reformular o falibilismo para fazer essa observação. Collier demonstra isso em sua crítica ao artigo de Alvin Goldman (1967), no qual Goldman apresenta a sua teoria causal do conhecimento. Kenneth Collier (1973) encontrou uma lacuna na teoria causal do conhecimento elaborando um contraexemplo. O autor argumenta (COLLIER, 1973), suponha que um sujeito tenha sido, sem que ele soubesse, tratado com uma droga alucinógena. Se o alucinógeno fizer o sujeito pensar que ele está sendo drogado, então (de acordo com a teoria causal) o sujeito sabe que ele está sendo drogado. Collier sustenta que essa e uma conclusão inaceitável, e que alucinações desse tipo, ou "alucinações verídicas", não e conhecimento, mas apenas crença verdadeira.

Mesmo que os relatos causais do conhecimento já não sejam considerados corretos, eles engendraram teorias confiabilistas do conhecimento, que serão discutidas mais adiante.

Em suma, o problema de Gettier e epistemologicamente importante. Qualquer ramo da epistemologia procura um entendimento preciso da natureza (por exemplo, os componentes essenciais) do conhecimento proposicional (FUMERTON, 2014). Deste modo, nosso entendimento preciso do conhecimento proposicional requer que tenhamos uma análise desse conhecimento à prova do problema de Gettier. Os epistemólogos precisam, portanto, de uma solução defensável para o problema de Gettier, por mais complexa que seja a solução.

Atividades de Estudos:

1) Os problemas ou casos de Gettier possuem um lugar especial na investigação epistemológica do conhecimento proposicional. Explique o que e o problema de Gettier e esclareça a sua importância para a epistemologia contemporânea.

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Page 27: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

27

Introdução à Epistemologia Capítulo 1

A Natureza da JustificaçãoUma das razões pelas quais o problema de Gettier e seja confuso e que

nem Gettier, nem ninguém que o precedeu, ofereceu uma análise suficientemente clara e precisa da justificação. Dissemos que a justificação é uma questão de uma crença ter sido formada da maneira correta, mas ainda temos que dizer o que isso significa. Devemos agora considerar este assunto mais de perto.

Observamos que o objetivo de nossas práticas de formação de crenças e obter a verdade evitando o erro e que a justificação é a característica das crenças que são formadas de modo a perseguir melhor essa meta. Se pensarmos, então, no objetivo de nossas práticas de formação de crenças como uma tentativa de estabelecer uma correspondência entre a mente de alguem e o mundo, e se pensarmos também na aplicação ou na retenção da condição de justificação como uma avaliação de se este encaixe foi obtido da maneira correta, então parece haver duas abordagens óbvias para interpretar a justificação. Ou seja, em termos da mente do sujeito que crê ou em termos do mundo, ou seja, em termos de internalismo ou externalismo (KORNBLITH, 2001).

Geralmente, quando uma pessoa sabe alguma proposição, ela faz isso com base em alguma evidência, ou boas razões, ou talvez algumas experiências que ela teve. O mesmo é verdade para crenças justificadas que podem ficar aquém do conhecimento. Essas crenças são justificadas com base em alguma evidência, ou boas razões, ou experiências, ou talvez com base na maneira pela qual as crenças foram produzidas (ROLLA, 2013).

O internalismo, em primeira instância, e uma tese sobre a base do conhecimento ou da crença justificada. Esta primeira forma de internalismo sustenta que uma pessoa tem ou pode ter uma forma de acesso à base do conhecimento ou crença justificada. A ideia-chave é que a pessoa ou e ou pode estar ciente desta base. Os externalistas, pelo contrário, negam que se possa sempre ter esse tipo de acesso à base do conhecimento e da crença justificada. Uma segunda forma de internalismo, ligada apenas à crença justificada, mas provavelmente extensível ao conhecimento tambem, não diz respeito ao acesso, mas sim à base de uma crença justificada. Mentalismo é a tese de que o que finalmente justifica qualquer crença é algum estado mental do agente epistêmico sustentando essa crença (CONEE; FELDMAN, 2001). O externalismo nessa dimensão, então, seria a visão de que algo diferente dos estados mentais funciona como justificadores. Uma terceira forma de internalismo diz respeito ao próprio conceito de justificação, e não ao acesso ou à natureza dos justificadores. Esta terceira forma de internalismo é o conceito deontológico de justificação, cuja ideia principal e que o conceito de

Primeira forma de internalismo

sustenta que uma pessoa tem ou pode

ter uma forma de acesso à base do conhecimento ou crença justificada.

Externalistas negam que se possa

sempre ter esse tipo de acesso à base do conhecimento e da crença justificada.

Page 28: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

28

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

justificação epistêmica deve ser analisado em termos de cumprimento de deveres ou responsabilidades intelectuais. O externalismo com respeito ao conceito de justificação epistêmica seria a tese de que este conceito deve ser analisado em termos diferentes de deveres ou responsabilidades especiais (ROLLA, 2013; KORNBLITH, 2001).

a) Internalismo

A crença e um estado mental, e a formação de crenças e um processo mental. Consequentemente, pode-se raciocinar que, se uma crença pode estar ou não justificada – se ela é formada do modo correto – isso pode ser determinado examinando os processos de pensamento do sujeito que crê durante a formação da sua crença. Tal visão, que sustenta que a justificação depende unicamente de fatores internos à mente do crente, é chamada de internalismo (MIGUENS, 2009). O termo "internalismo" tem significados diferentes em outros contextos, aqui, será usado estritamente para se referir a esse tipo de visão sobre a justificação epistêmica.

De um modo geral, as concepções internalistas de justificação epistêmica exigem que a justificação de uma crença seja interna ao crente de alguma forma. Duas principais variedades de internalismo epistêmico sobre a justificação são o internalismo de acesso e o internalismo ontológico (VALCARENGHI, 2008). Os internalistas de acesso exigem que um crente tenha acesso interno ao(s) justificador(es) de sua crença p, a fim de se justificar em acreditar p. Para o internalista de acesso, justificação equivale a algo como o crente estar ciente (ou capaz de estar ciente) de certos fatos que fazem sua crença em p racional, ou ela ser capaz de dar razões para sua crença em p. No mínimo, o internalismo de acesso requer que o crente tenha algum tipo de acesso reflexivo ou consciência a qualquer coisa que justifique sua crença. O internalismo ontológico é a visão de que a justificação de uma crença e estabelecida pelos estados mentais de cada um. O internalismo ontológico pode ser distinto do internalismo de acesso, mas os dois são muitas vezes pensados como sendo concordantes, uma vez que são geralmente considerados capazes de ter acesso reflexivo aos estados mentais (KORNBLITH, 2001).

Assim, de acordo com o internalismo, os únicos fatores que são relevantes para a determinação de se uma crença é justificada são os outros estados mentais do crente. Afinal de contas, um internalista argumentará, apenas os estados mentais de um indivíduo – suas crenças sobre o mundo, seus inputs sensoriais (por exemplo, seus dados sensoriais) e suas crenças sobre as relações entre suas várias crenças – podem determinar quais novas crenças ele irá formar. Então somente os estados mentais de um indivíduo podem determinar se alguma crença particular e justificada. Em particular, para ser justificada, uma crença deve ser adequadamente baseada ou apoiada por outros estados mentais (KORNBLITH, 2001).

Tal visão, que sustenta que a

justificação depende unicamente de

fatores internos à mente do crente,

é chamada de internalismo

Page 29: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

29

Introdução à Epistemologia Capítulo 1

Isso levanta a questão do que constitui a base ou relação de apoio entre uma crença e os outros estados mentais. Podemos dizer que, para que a crença “X” seja devidamente baseada na crença “Y” (ou crenças Y1 e Y2, ou Y1, Y2 e ... Yn), a verdade de Y deve ser suficiente para estabelecer a verdade de X. Em outras palavras, Y deve implicar X. Vamos considerar a relação entre crenças e inputs sensoriais mais adiante. No entanto, se quisermos permitir a nossa falibilidade, devemos dizer que a verdade de Y oferece uma boa razão para acreditamos que X tambem e verdadeira, tornando plausível ou provável que X seja verdadeira. Uma elaboração sobre o que conta como uma boa razão para a crença, portanto, e uma parte essencial de qualquer explicação internalista da justificação.

No entanto, há uma condição adicional que devemos acrescentar: a crença Y deve ser ela mesma justificada, uma vez que crenças injustificadas não podem conferir justificação a outras crenças. Porque a crença Y deve também ser justificada, deve haver alguma crença justificada Z em que Y é baseada? Se assim for, Z deve ser justificada, e pode derivar sua justificação de alguma outra crença justificada, W. Esta corrente de crenças derivando sua justificação de outras crenças pode continuar para sempre, levando-nos em uma regressão infinita (LANDESMAN, 2006). Embora a ideia de uma regressão infinita possa parecer preocupante, as formas primárias de evitar tal regressão podem ter seus próprios problemas tambem. Isso levanta o "problema da regressão", que começa a partir da observação de que há apenas quatro possibilidades quanto à estrutura das crenças justificadas de um indivíduo:

1) A série de crenças justificadas, cada uma baseada na outra, continua infinitamente.

2) A série de crenças justificadas circula de volta ao seu início (X é baseada em Y, Y em Z, Z em W, e W em X).

3) A série de crenças justificadas começa com uma crença injustificada.4) A série de crenças justificadas começa com uma crença que é justificada,

mas não em virtude de basear-se em outra crença justificada.

Essas alternativas parecem esgotar as possibilidades. Ou seja, se alguem tem alguma crença justificada, uma dessas quatro possibilidades deve descrever as relações entre essas crenças. Como tal, uma explicação internalista completa da justificação deve decidir entre as quatro possibilidades.

b) Fundacionalismo

Consideremos cada uma das quatro possibilidades mencionadas anteriormente. A alternativa 1 parece inaceitável porque a mente humana pode conter apenas um número finito de crenças, e qualquer processo de pensamento

Uma elaboração sobre o que conta

como uma boa razão para a crença, portanto, é uma parte essencial de qualquer explicação internalista

da justificação.

Page 30: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

30

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

que leve à formação de uma nova crença deve ter algum ponto de partida. A alternativa dois parece não ser melhor, já que o raciocínio circular parece ser falacioso. E a alternativa três já foi descartada, uma vez que torna a segunda crença na série (e, portanto, todas as crenças subsequentes) injustificada. Isso deixa a alternativa quatro, que deve, por processo de eliminação, estar correta.

Essa linha de raciocínio, tipicamente conhecida como argumento de regressão, leva à conclusão de que existem dois tipos diferentes de crenças justificadas: aquelas

que começam uma série de crenças justificadas e aquelas que se baseiam em outras crenças justificadas. As primeiras, chamadas de crenças básicas, são capazes de conferir justificação a outras crenças não básicas, sem que elas mesmas tenham sua justificação conferida por outras crenças. Como tal, há uma relação assimetrica entre crenças básicas e não básicas. Essa visão da estrutura da crença justificada é conhecida como "fundacionalismo" (NORRIS, 2007). Em geral, o fundacionalismo implica que há uma relação assimetrica entre quaisquer duas crenças: se A e baseado em B, então B não pode ser baseado em A.

Consequentemente, segue-se que pelo menos algumas crenças (ou seja, crenças básicas) são justificadas de alguma maneira, exceto por meio de uma relação com outras crenças. As crenças básicas devem ser autojustificadas, ou devem derivar sua justificação de alguma fonte não doxástica, como inputs sensoriais (OLIVA, 2011). A fonte exata da justificação das crenças básicas precisa ser explicada por qualquer explicação fundacionalista da justificação que pretenda ser completa.

c) Coerentismo

Os internalistas podem estar insatisfeitos com o fundacionalismo, já que permite a possibilidade de crenças justificadas sem se basear em outras crenças. Uma vez que foi a nossa solução para o problema de regressão que nos levou

ao fundacionalismo, e uma vez que nenhuma das alternativas parece palatável, podemos procurar uma falha no problema em si. Observe que o problema e baseado em uma suposição fundamental, mas ate então não declarada: a saber, que a justificação é de estilo linear. Ou seja, a afirmação do problema de regressão pressupõe que a relação de base e paralela a um argumento lógico, com uma crença baseada em uma ou mais crenças de forma assimetrica (MIGUENS, 2009).

Assim, um internalista que considera o fundacionalismo problemático pode negar essa suposição, sustentando que a justificação e o resultado de uma relação holística entre crenças. Ou seja, pode-se sustentar que as crenças derivam sua justificação por inclusão em um

O fundacionalismo implica que há uma relação assimétrica

entre quaisquer duas crenças: se

A é baseado em B, então B não pode ser baseado em A.

sustentar que as crenças derivam sua justificação por inclusão em um conjunto de

crenças que possuem coesão

umas com as outras como um todo. Um proponente de tal

visão é chamado um coerentista

Page 31: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

31

Introdução à Epistemologia Capítulo 1

conjunto de crenças que possuem coesão umas com as outras como um todo. Um proponente de tal visão e chamado um coerentista (RODRIGUES, 2013).

A justificação para os coerentistas estabelece uma relação de apoio mútuo entre muitas crenças, ao inves de uma serie de crenças assimetricas. Uma crença deriva sua justificação, de acordo com o coerentismo, não por ser baseada em uma ou mais crenças, mas em virtude de sua participação em um conjunto de crenças que se encaixam do modo certo. O coerentista precisa especificar o que constitui a coerência, e claro, deve ser algo mais do que a consistência lógica, já que duas crenças não relacionadas podem ser consistentes. Por isso, deve haver alguma relação positiva de apoio. Por exemplo, algum tipo de relação explicativa entre os membros de um conjunto coerente para que as crenças sejam individualmente justificadas.

O coerentismo e vulnerável ao que chamamos de "objeção de isolamento" (BONJOUR, BAKER, 2010). Isso indica que há a possibilidade de que um conjunto de crenças tido como coerente, ou uma crença deste conjunto, esteja isolado da realidade. Considere, por exemplo, um trabalho de ficção. Todas as declarações no trabalho de ficção podem formar um conjunto coerente, mas presumivelmente acreditar em todas as declarações, e somente nas declarações, de uma obra de ficção não irá tornar alguém justificado. Na verdade, qualquer forma de internalismo parece vulnerável a essa objeção e, portanto, uma explicação internalista da justificação que seja completa deve abordá-la. Lembre-se de que a justificação requer uma correspondência entre a mente e o mundo, e uma ênfase desmedida nas relações entre as crenças na mente parece ignorar a questão de saber se essas crenças correspondem à maneira como as coisas realmente são.

d) Fundacionalismo Versus Coerentismo

Ao falar de indicadores fundamentais de verdade nos leva a uma controversia-chave sobre a justificação: a justificação epistêmica, e, portanto, o conhecimento, tem fundamentos e, em caso afirmativo, em que sentido? Esta questão pode ser esclarecida como a questão de se algumas crenças não só podem (a) ter sua justificação epistêmica de forma não inferencial (isto é, à parte do suporte evidencial de outras crenças), mas também (b) fornecer justificação epistêmica para todas as crenças justificadas que carecem dessa justificativa não inferencial. O fundacionalismo, como descrito acima, oferece uma resposta afirmativa a esta edição, e e representado em diversas maneiras, por exemplo, Aristóteles, Descartes, Russell, C. I. Lewis, e Chisholm (NORRIS, 2007).

Os fundacionistas não compartilham de uma explicação uniforme da justificativa não inferencial. Alguns epistemólogos, como Bonjour (1978) e Sellars (2008), interpretam a justificação não inferencial como autojustificação.

Page 32: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

32

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Outros rejeitam a autojustificação literal das crenças e argumentam que as crenças fundacionais têm sua justificação não inferencial em virtude do suporte evidencial dos vereditos de estados psicológicos de não-crença. Estados estes como a percepção (estados de “aparentemente-perceber”) – posição defendida pelo epistemólogo Alston (2008), como a sensação (estados de "aparentemente-sentir") – posição defendida por MacGrew (2003), ou como a memória (estados de "aparentemente-lembrar") – posição defendida por Audi (2002, 2003). Outros ainda entendem a justificação não inferencial em termos de uma crença que é "produzida de forma confiável" (GOLDMAN, 1967, 1979), ou seja, causada e sustentada por algum processo (sendo este processo não dependente da crença, não-crença) ou fonte de crença (por exemplo, percepção, memória, introspecção) que tende

a produzir crenças verdadeiras e não crenças falsas. Esta última visão assume a fonte causal de uma crença como sendo crucial para a sua justificação (GUIMARÃES, 2009). Ao contrário de Descartes, os fundacionistas contemporâneos separam claramente as reivindicações à justificação fundacional não inferencial daquelas reivindicações à certeza. Eles geralmente se contentam com um fundacionalismo modesto, o que implica que crenças fundamentais não precisam ser indubitáveis e infalíveis. Isso contrasta com o fundacionalismo radical de Descartes (RODRIGUES, 2013; BONJOUR, 2008; SARTORI, 2006).

Os fundacionistas contemporâneos

separam claramente as reivindicações

à justificação fundacional não

inferencial daquelas reivindicações à

certeza.

O FUNDACIONALISMO DE RENÉ DESCARTES

O fundacionalismo moderno foi iniciado pelo filósofo francês moderno Rene Descartes. Em suas Meditações (2004), Descartes desafiou os princípios contemporâneos da filosofia, argumentando que tudo o que ele tinha aprendido a partir ou atraves de seus sentidos era dubitável. Ele usou vários argumentos para desafiar a confiabilidade dos sentidos, citando erros perceptivos e as possibilidades de estar sonhando ou sendo enganado por um Demônio do Mal. Descartes (2002) tentou estabelecer as fundações seguras para o conhecimento para evitar o ceticismo. Ele contrastou a informação fornecida pelos sentidos, que e incerta e imprecisa, com as verdades da geometria, que são claras e distintas. As verdades geometricas são tambem certas e indubitáveis. Descartes tentou assim encontrar verdades claras e distintas porque seriam indubitavelmente verdadeiras e um fundamento adequado para o conhecimento. O seu metodo era questionar todas as suas crenças ate que ele alcançasse algo claro e distinto que fosse indubitavelmente verdadeiro. O resultado foi seu cogito ergo sum - “penso, logo, sou”,

Page 33: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

33

Introdução à Epistemologia Capítulo 1

ou a crença de que ele estava pensando – sua convicção indubitável apropriada como fundamento para o conhecimento. Isso resolveu o problema de Descartes do Demônio do Mal – a possibilidade de que ele estava sendo enganado por um Demônio do Mal, tornando falsas todas as suas crenças sobre o mundo externo. Mesmo que suas crenças sobre o mundo externo fossem falsas, suas crenças sobre o que ele estava experimentando ainda eram indubitavelmente verdadeiras, mesmo se essas percepções não se relacionassem com nada no mundo.

Como vimos anteriormente, o concorrente tradicional do fundacionalismo é a teoria coerentista da justificação, isto é, o coerentismo episódico. Esta teoria não é a definição de coerência da verdade propriamente dita. É a visão de que a justificação de qualquer crença depende dessa crença ter suporte evidencial de alguma outra crença atraves de relações de coerência, tais como vinculação ou relações explanatórias. Proponentes notáveis desta teoria incluem Hegel, Bosanquet e Sellars (GRECO; SOSA, 2008). Uma proeminente versão contemporânea do coerentismo epistêmico afirma que as relações de coerência evidencial entre crenças são tipicamente relações explanatórias. A ideia, a grosso modo, é que uma crença é justificada para você desde que melhor explique ou seja melhor explicada por algum membro do sistema de crenças que tem poder explanatório máximo para você. O coerentismo contemporâneo e uniformemente sistêmico ou holístico. Ele encontra a fonte última de justificação em um sistema de crenças ou crenças potenciais interconectadas (COSTA, 2002).

Assim o problema do argumento do isolamento continua preocupando todas as versões do coerentismo que visam explicar a justificação empírica. Vimos que de acordo com esse argumento, o coerentismo implica que você pode estar epistemicamente justificado em aceitar uma proposição empírica que e incompatível, ou pelo menos improvável, com sua evidência empírica total. A suposição-chave desse argumento e que a sua evidência empírica total inclui os estados de consciência (de não-crença) sensoriais e perceptivos, como a sua sensação de dor ou o aparentemente ver alguma coisa. Estes não são estados de crença. O coerentismo epistêmico, por definição, faz da justificação uma função unicamente de relações de coerência entre proposições, tais como as proposições que o sujeito crê ou aceita. Assim, esse coerentismo parece isolar a justificação da importação evidencial de estados de consciência de não-crença. Os coerentistas tentaram lidar com este problema, mas nenhuma resolução recebeu uma aceitação ampla.

O coerentismo epistêmico, por definição, faz da justificação uma

função unicamente de relações de coerência

entre proposições, tais como as

proposições que o sujeito crê ou aceita

Page 34: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

34

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

e) Externalismo

Podemos pensar que focar unicamente em fatores internos à mente do sujeito que crê conduzirá inevitavelmente a uma explicação equivocada da justificação. A alternativa, então, e que pelo menos alguns fatores externos à mente do crente determinem se ele está ou não justificado em acreditar. Um proponente de tal visão e chamado de externalista (NORRIS, 2007).

As visões externalistas da justificação emergiram na epistemologia durante o final do século XX. As concepções externalistas da justificação afirmam que fatos externos ao crente podem servir como justificação para uma crença. De acordo com o externalista, um crente não precisa ter qualquer acesso interno ou compreensão cognitiva de quaisquer razões ou fatos que tornam sua crença justificada. A avaliação da justificação do externalista pode ser contrastada com o internalismo de acesso, que exige que o crente tenha acesso reflexivo interno a razões ou fatos que corroborem sua crença para justificar-se

em mantê-la. O externalismo, por outro lado, sustenta que a justificativa para a crença de alguem pode vir de fatos que são inteiramente externos à consciência subjetiva do agente (ROLLA, 2013).

De acordo com o externalismo, a única maneira de evitar a objeção de isolamento e garantir que o conhecimento não inclui a sorte e considerar alguns fatores diferentes das outras crenças do indivíduo. Que fatores, então, devem ser considerados? A versão mais proeminente do externalismo, chamada de confiabilismo, sugere que devemos considerar a fonte de uma crença (OLIVA, 2011). Crenças podem ser formadas como resultado de muitas fontes diferentes, tais como experiência sensorial, razão, testemunho, memória. Mais precisamente, poderíamos especificar qual o sentido perceptivo usado, quem forneceu o testemunho, que tipo de raciocínio e usado, ou quão recente e a memória relevante (GUIMARÃES, 2009). Para cada crença, podemos indicar o processo cognitivo que levou à sua formação.

Alvin Goldman e um dos mais famosos proponentes do externalismo na epistemologia, conhecido por desenvolver o confiabilismo. Em seu artigo "O que é crença justificada?" (1979), Goldman caracteriza a concepção confiabilista da justificação. O autor referido observa que um processo confiável de formação de crenças é aquele que geralmente produz crenças verdadeiras.

Então, em sua forma mais simples e mais direta, o confiabilismo sustenta que se uma crença é ou não justificada depende se esse processo de formação de crenças é uma fonte confiável de

As concepções externalistas

da justificação afirmam que fatos externos ao crente podem servir como

justificação para uma crença

O confiabilismo sustenta que se uma

crença é ou não justificada depende se esse processo de formação de

crenças é uma fonte confiável de crenças

verdadeiras

Page 35: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

35

Introdução à Epistemologia Capítulo 1

crenças verdadeiras (BRANDON, 2013). Uma vez que estamos buscando uma correspondência entre a nossa mente e o mundo, crenças justificadas são aquelas que resultam de processos que regularmente alcançam tal correspondência. Assim, por exemplo, usar a visão para determinar a cor de um objeto bem iluminado e relativamente próximo é um processo confiável de formação de crenças para uma pessoa com visão normal, mas não para uma pessoa daltônica. Formar crenças com base no testemunho de um especialista e susceptível de produzir crenças verdadeiras, mas formar crenças com base no testemunho de mentirosos compulsivos não e. Em geral, se uma crença e o resultado de um processo cognitivo que confiavelmente (a maior parte do tempo – ainda queremos deixar espaço para a falibilidade humana) conduz a crenças verdadeiras, então essa crença é justificada.

Os exemplos acima começam a delinear um desafio ao confiabilismo, na medida em que mesmo sendo a formação de uma crença um evento único, a confiabilidade do processo depende do desempenho a longo prazo desse processo. Por exemplo, uma moeda que e jogada apenas uma vez e cai com a cara para cima, tem, no entanto, 50% de chance de cair com a coroa para cima, mesmo que o seu desempenho real tenha rendido a cara 100% do tempo. E isso requer que especifiquemos qual processo está sendo usado, para que possamos avaliar seu desempenho em outras instâncias. No entanto, os processos cognitivos podem ser descritos em termos mais ou menos gerais: por exemplo, o mesmo processo de formação de crenças pode ser descrito de várias maneiras como experiência sensorial, visão, visão de uma pessoa com visão normal, visão de uma pessoa com visão normal à luz do dia, visão de uma pessoa com visão normal na luz do dia ao olhar uma árvore, visão de uma pessoa com visão normal na luz do dia ao olhar uma araucária, e assim por diante. O "problema da generalidade" observa que algumas dessas descrições podem especificar um processo confiável, mas outras podem especificar um processo não confiável, de modo que não podemos saber se uma crença é justificada ou injustificada, a menos que conheçamos o nível apropriado de generalidade para descrever o processo (LUZ, 2005).

Mesmo que o problema da generalidade possa ser resolvido, resta outro problema para o externalismo. Keith Lehrer (2000) apresenta este problema por meio de seu exemplo do Sr. Truetemp. Truetemp tem, sem o seu conhecimento, um “tempucomp” – um dispositivo que lê com precisão a temperatura e causa uma crença espontânea sobre essa temperatura – implantado em seu cerebro. Como resultado, ele tem muitas crenças verdadeiras sobre a temperatura, mas ele não sabe por que ele tem ou qual e a sua fonte. Lehrer argumenta que, embora o processo de formação de crenças do Truetemp seja confiável, sua ignorância do tempucomp torna suas crenças de temperatura injustificadas e, portanto, que um processo cognitivo confiável não pode render justificação a

Um processo cognitivo confiável não pode render

justificação a menos que o crente esteja ciente do fato de que o processo é

confiável.

Page 36: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

36

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

menos que o crente esteja ciente do fato de que o processo é confiável. Em outras palavras, o simples fato de que o processo é confiável não basta, conclui Lehrer, para justificar quaisquer crenças que são formadas por meio desse processo.

f) Teorias Causais e Contextualistas

Alguns epistemólogos contemporâneos endossam o contextualismo em relação à justificação epistêmica, uma visão sugerida por Dewey, Wittgenstein e Kuhn, entre outros (GRECO; SOSA, 2008). Nesta visão, todas as crenças justificadas dependem de seu suporte evidencial em algumas crenças injustificadas que não precisam de justificação. Em qualquer contexto de investigação, as pessoas simplesmente assumem (a aceitabilidade de) algumas proposições como pontos de partida para a investigação, e essas proposições "contextualmente básicas", embora sem apoio evidencial, podem servir como suporte evidencial para outras proposições. Os contextualistas enfatizam que as proposições contextualmente básicas podem variar de contexto para contexto (por exemplo, da investigação teológica à investigação biológica) e de grupo social para grupo social (DEROSE, 2008; RODRIGUES, 2013). O principal problema para os contextualistas vem de sua visão de que suposições injustificadas podem fornecer a justificação epistêmica para outras proposições. Precisamos de uma explicação precisa de como uma suposição injustificada pode render suporte evidencial, como uma crença não provável pode fazer outra crença provável. Neste aspecto os contextualistas ainda não ofereceram uma explicação uniforme.

Como já referimos anteriormente, na seção sobre explicações causais do conhecimento, alguns epistemólogos recomendaram que desistíssemos da tradicional condição de evidência para o conhecimento. Eles recomendam que interpretemos a condição de justificação como uma condição causal, a qual comentamos na seção sobre os problemas de tipo Gettier (GOLDMAN, 1967). A grosso modo, a ideia e que você sabe que p se e somente se (a) você acredita que p, (b) p e verdadeiro, e (c) sua crença de que p e causalmente produzida e sustentada pelo fato que torna p verdadeiro. Esta e a base da teoria causal do conhecimento, que vem com detalhes variados. Qualquer teoria causal enfrenta serios problemas do nosso conhecimento de proposições universais. Evidentemente, sabemos, por exemplo, que todos os dicionários são produzidos por pessoas, mas nossa crença de que isso e assim parece não estar causalmente suportada pelo fato de que todos os dicionários são humanamente produzidos. Não e claro que este último fato causalmente produz qualquer crença.

Em qualquer contexto de

investigação, as pessoas

simplesmente assumem (a

aceitabilidade de) algumas

proposições como pontos de partida

para a investigação, e essas proposições

“contextualmente básicas”, embora

sem apoio evidencial, podem

servir como suporte evidencial para

outras proposições.

Page 37: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

37

Introdução à Epistemologia Capítulo 1

Outro problema e que as teorias causais geralmente negligenciam o que parece ser crucial para qualquer explicação da condição de justificação: a exigência de que o suporte justificativo de uma crença seja acessível, em algum sentido, ao crente (RODRIGUES, 2013). A ideia, a grosso modo, e que se deve ser capaz de acessar, ou trazer à consciência, a justificação subjacente às crenças. As origens causais de uma crença são, naturalmente, muitas vezes muito complexas e inacessíveis para um crente. Portanto, as teorias causais enfrentam problemas de uma exigência de acessibilidade sobre a justificação. O internalismo em relação à justificação preserva uma exigência de acessibilidade sobre o que confere justificação, enquanto o externalismo epistêmico rejeita essa exigência. Os debates sobre internalismo e externalismo abundam na epistemologia atual, mas os internalistas ainda não compartilham uma explicação detalhada e uniforme da acessibilidade (KORNBLITH, 2001).

Atividades de Estudos:

1) Vimos que há um debate no centro das discussões epistemológicas que podemos chamar de debate Internalismo versus Externalismo. Em poucas palavras, procure sintetizar a que se refere este debate.

__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Fontes de ConhecimentoDada a caracterização do conhecimento realizada, há muitas

maneiras como se pode vir a conhecer alguma coisa. O conhecimento de fatos empíricos sobre o mundo físico envolverá necessariamente a percepção, ou seja, o uso dos sentidos. A ciência, com sua coleção de dados e realização de experimentos, e o paradigma do conhecimento empírico. No entanto, grande parte do nosso conhecimento mais mundano vem dos sentidos, como vemos, ouvimos, cheiramos, tocamos e saboreamos os vários objetos em nossos ambientes (KORNBLITH, 2008; FELDMAN, 2008).

Grande parte do nosso conhecimento mais mundano vem dos sentidos, como

vemos, ouvimos, cheiramos, tocamos

e saboreamos os vários objetos em nossos ambientes

Page 38: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

38

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Mas todo o conhecimento requer alguma quantidade de raciocínio. Os dados coletados pelos cientistas devem ser analisados para que o conhecimento seja posteriormente produzido, e nós extraímos inferências com base no que nossos sentidos nos dizem. Alem disso, o conhecimento de fatos abstratos ou não empíricos dependerá exclusivamente do raciocínio. Em particular, acredita-se que a intuição e uma especie de acesso direto ao conhecimento do a priori (BEALER, 2008).

Uma vez que o conhecimento e obtido, ele pode ser sustentado e transmitido aos outros. A memória nos permite conhecer algo que conhecíamos no passado, talvez, se não nos lembrarmos mais da justificação original. O conhecimento também pode ser transmitido de um indivíduo para outro através do testemunho. Isto é, minha justificação para uma crença particular poderia equivaler ao fato de que alguma fonte confiável me disse que é verdade (AUDI, 2002; GUIMARÃES, 2009).

Em suma, há algumas teorias principais da aquisição do conhecimento. O empirismo, que enfatiza o papel da experiência, especialmente a experiência baseada em observações perceptivas pelos cinco sentidos na formação de ideias, ao mesmo tempo em que descarta a noção de ideias inatas. Refinamentos desse princípio básico levaram ao fenomenalismo, positivismo, cientificismo e positivismo lógico. O racionalismo, que sustenta que o conhecimento não e derivado da experiência, mas e adquirido por processos a priori ou e inato (na forma de conceitos) ou intuitivo. O representacionalismo (ou realismo indireto ou dualismo epistemológico), que sustenta que o mundo que vemos na experiência consciente não e o próprio mundo real, mas apenas uma replica em miniatura da realidade virtual desse mundo em uma representação interna. O construtivismo (ou construcionismo), que pressupõe que todo conhecimento e "construído", na medida em que e contingente à convenção, à percepção humana e à experiência social (BONJOUR; BAKER, 2010).

Uma vez que o conhecimento é obtido, ele pode ser sustentado e transmitido aos

outros

O CeticismoOs epistemólogos debatem os limites, ou escopo, do conhecimento. Quanto

mais restritos forem os limites do conhecimento, mais ceticos somos. Dois tipos influentes de ceticismo são o ceticismo do conhecimento e o ceticismo

da justificação. O ceticismo irrestrito do conhecimento implica que ninguém sabe nada, enquanto que o ceticismo irrestrito da justificação implica a visão mais extrema de que ninguem está nem mesmo justificado em acreditar em nada (SMITH, 2004). Algumas formas de ceticismo são mais fortes do que outras. O ceticismo do conhecimento em sua forma mais forte implica que e impossível para qualquer um saber alguma coisa. Uma forma mais fraca negaria a realidade do

Dois tipos influentes de ceticismo são o ceticismo do

conhecimento e o ceticismo da

justificação.

Page 39: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

39

Introdução à Epistemologia Capítulo 1

nosso conhecimento, mas deixaria aberta a sua possibilidade (PEREIRA, 2007). Muitos ceticos restringiram seu ceticismo a um domínio particular de conhecimento suposto: por exemplo, conhecimento do mundo externo, conhecimento de outras mentes, conhecimento do passado ou do futuro ou conhecimento de itens não percebidos. Tal ceticismo limitado e mais comum do que o ceticismo irrestrito na história da epistemologia (WILLIAMS, 2008; LANDESMAN, 2006).

Argumentos apoiando ceticismo vêm em muitas formas. Um dos mais difíceis e o problema do critério, cuja versão foi declarada pelo cetico do seculo XVI, Michel de Montaigne.

Para julgar [entre o falso e o verdadeiro] nas aparências das coisas, precisamos de um metodo de distinção; para validar esse método, precisamos de um argumento que o justifique; mas, para validar esse argumento, precisamos do próprio me-todo em questão. E aí estamos, andando em círculos (MO-SER; MULDER; TROUT, 2004, p. 166-167).

Esta linha de argumento cetico se originou na Grecia antiga, com a própria epistemologia (PEREIRA, 2007). Força-nos a enfrentar esta questão: como podemos especificar o que sabemos sem ter especificado como sabemos, e como podemos especificar como sabemos sem ter especificado o que sabemos? Existe alguma maneira razoável de sair desse círculo ameaçador? Este e um dos problemas epistemológicos mais difíceis, e uma epistemologia convincente deve oferecer uma solução defensável para ela. A epistemologia contemporânea ainda não tem uma resposta amplamente aceita a este problema urgente. Aqui, vamos considerar dois dos argumentos mais proeminentes em apoio ao ceticismo sobre o mundo externo.

a) O Ceticismo Cartesiano

Na primeira de suas Meditações, Rene Descartes oferece um argumento em apoio ao ceticismo, que ele então tenta refutar nas Meditações posteriores. O argumento observa que algumas de nossas percepções são imprecisas. Nossos sentidos podem nos enganar. Às vezes confundimos um sonho com uma experiência de vigília, e e possível que um demônio maligno esteja nos enganando sistematicamente (SMITH, 2005). A versão moderna do cenário do demônio do mal, proposta por Hilary Putnam (2004), e que você e um cerebro numa cuba, porque os cientistas removeram seu cérebro de seu crânio, conectando-o a um computador sofisticado e imerso em uma cuba de líquido de conservação. O computador produz o que parecem ser experiências sensoriais genuínas e tambem

A versão moderna do cenário do

demônio do mal, proposta por Hilary

Putnam (2004), é que você é um

cérebro numa cuba

Page 40: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

40

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

responde às reações do seu cerebro para fazer parecer que você e capaz de se movimentar em seu ambiente como você fazia quando seu cerebro ainda estava em seu corpo. Mesmo que este cenário possa parecer muito exagerado, devemos admitir que e pelo menos possível (MURCHO, 2006). Como resultado, algumas de nossas crenças serão falsas.

Para obtermos a justificação de nossas crenças, devemos ter alguma maneira de distinguir entre aquelas crenças que são verdadeiras (ou, pelo menos, que são provavelmente verdadeiras) e aquelas que não são. Mas assim como não há sinais conclusivos que nos permitam distinguir entre o despertar e o sonhar, não há sinais que nos permitam distinguir entre crenças que são precisas e crenças que são o resultado das maquinações de um demônio maligno. Essa indistinguibilidade entre a crença confiável e não confiável, sustenta o argumento, torna todas as nossas crenças injustificadas e, portanto, não podemos saber nada. Uma resposta satisfatória a esse argumento, então, deve mostrar que somos realmente capazes de distinguir entre crenças verdadeiras e falsas, ou que não precisamos ser capazes de fazer tal distinção.

b) O Ceticismo Humeano

De acordo com este ceticismo, meus sentidos podem me dizer como as coisas parecem, mas não como elas realmente são. Precisamos usar a razão para construir um argumento que nos leve das crenças sobre como as coisas parecem às crenças justificadas sobre como elas são. Mas mesmo se formos capazes de confiar em nossas percepções, para que saibamos que elas são precisas, David Hume argumenta que o espectro do ceticismo permanece. Observe que só percebemos uma parte muito pequena do universo em qualquer momento dado, embora pensemos que temos conhecimento do mundo alem do que estamos

percebendo atualmente. Segue-se, então, que os sentidos por si só não podem explicar esse conhecimento, e que a razão deve suplementar os sentidos de alguma forma para justificar tal conhecimento. No entanto, argumenta Hume, a razão é incapaz de justificar qualquer crença sobre o mundo externo alem do escopo de nossas percepções sensoriais atuais. Consideremos dois desses possíveis argumentos e a crítica de Hume a eles (PEREIRA, 2007; SMITH, 1995).

A razão é incapaz de justificar qualquer

crença sobre o mundo externo

além do escopo de nossas percepções sensoriais atuais.

Page 41: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

41

Introdução à Epistemologia Capítulo 1

Assista ao vídeo Empirismo e Ceticismo: Hume - o sonho dogmático da razão. Curso Livre de Humanidades – Filosofia, com Roberto Bolzani Filho. Prof. Dr. de História da Filosofia Antiga/USP. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=PwzuU1_BUIA>.

• Identidade Numérica versus Qualitativa

Nós acreditamos tipicamente que o mundo externo e, na maior parte das vezes, estável. Por exemplo, acredito que meu carro está estacionado onde eu deixei esta manhã, embora eu não esteja olhando para ele. Se eu fosse espiar para fora da janela agora e visse o meu carro, eu poderia formar a crença de que o meu carro tem estado no mesmo espaço durante todo o dia. Qual é a base para essa crença? Se for solicitado a tornar explícito o meu raciocínio, posso proceder da seguinte forma:

1) Eu tive duas experiências sensoriais do meu carro: uma esta manhã e outra agora.

2) As duas experiências dos sentidos foram (mais ou menos) idênticas.3) Portanto, e provável que os objetos que as causaram sejam idênticos.4) Portanto, um único objeto – meu carro – esteve naquele espaço de

estacionamento o dia todo.

Um raciocínio semelhante sustentaria todas as nossas crenças sobre a persistência do mundo externo e de todos os objetos que percebemos. Mas essas crenças são justificadas? Hume (2009) pensa que não, uma vez que o argumento anterior (e todos os argumentos como ele) contem um equívoco. Em particular, a primeira ocorrência de "idêntico" refere-se à identidade qualitativa. As duas experiências dos sentidos não são uma e a mesma, mas são distintas. Quando dizemos que elas são idênticas queremos dizer que uma é semelhante a outra em todas as suas qualidades ou propriedades. Mas a segunda ocorrência de "idêntico" refere-se à identidade numérica. Quando dizemos que os objetos que causaram as duas experiências dos sentidos são idênticos, queremos dizer que há um objeto, em vez de dois, que e responsável por ambos. Esse equívoco, argumenta Hume, torna o argumento falacioso. Portanto, precisamos de outro argumento para apoiar nossa crença de que os objetos persistem mesmo quando não os observamos (SMITH, 1995).

Page 42: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

42

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

O Tratado da Natureza Humana (2009), publicado em 1738, e uma obra do filósofo escocês David Hume, considerada por muitos ser a obra mais importante de Hume e uma das obras mais influentes na história da filosofia. O Tratado é uma declaração clássica de empirismo filosófico, ceticismo e naturalismo. Na introdução, Hume apresenta a ideia de colocar toda a ciência e a filosofia em uma nova base, a saber, uma investigação empírica sobre a natureza humana. David Hume, nesta obra, apresenta seus argumentos sobre a identidade numerica e qualitativa (citadas acima) e seus argumentos contra a indução (que veremos a seguir).

• O Ceticismo de Hume Sobre a Indução

Suponha que um argumento satisfatório pudesse ser encontrado em apoio de nossas crenças na persistência de objetos físicos. Isso nos forneceria o conhecimento de que os objetos que observamos persistiram mesmo quando não os observávamos. Mas, alem de acreditar que esses objetos persistiram ate agora, acreditamos que eles persistirão no futuro. Tambem acreditamos que objetos que nunca observamos de maneira semelhante persistiram e persistirão. Em outras palavras, esperamos que o futuro seja mais ou menos como o passado e as partes do universo que não observamos como as partes que observamos. Por exemplo, acredito que meu carro persistirá no futuro. Qual é a base para essa crença? Se for solicitado a tornar explícito o meu raciocínio, posso proceder da seguinte forma:

1) Meu carro sempre persistiu no passado.2) A natureza e a grosso modo uniforme atraves do tempo e do espaço (e

assim o futuro será mais ou menos como o passado).3) Portanto, meu carro vai persistir no futuro.

Um raciocínio semelhante subjugaria todas as nossas crenças sobre o futuro e sobre o não observado. Essas crenças são justificadas? Novamente, Hume pensa que não, já que o argumento anterior, e todos os argumentos como ele, contêm uma premissa não sustentada, ou seja, a segunda premissa, que pode ser chamada de Princípio da Uniformidade da Natureza (PUN). Por que devemos crer que esse princípio e verdadeiro? Hume (2009) insiste que nós fornecemos alguma razão em apoio a esta crença. Como o argumento acima e um argumento indutivo ao inves de um dedutivo, o problema de mostrar que e um bom argumento e tipicamente referido como o "problema da indução" (PEREIRA,

Page 43: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

43

Introdução à Epistemologia Capítulo 1

2007; SMITH, 1995). Poderíamos pensar que existe uma solução simples e direta para o problema da indução, e que podemos de fato apoiar nossa crença de que o PUN e verdadeiro. Tal argumento seria o seguinte:

1) O PUN sempre foi verdade no passado.2) A natureza e a grosso modo uniforme atraves do tempo e do espaço (e

assim o futuro será mais ou menos como o passado).3) Portanto, o PUN será verdadeiro no futuro.

Este argumento, entretanto, e circular. A sua segunda premissa e o próprio PUN. Consequentemente, precisamos de outro argumento para apoiar nossa crença de que o PUN é verdadeiro e, assim, justificar nossos argumentos indutivos sobre o futuro e o não observado.

Assista ao vídeo “Ceticismo e Empirismo”, do Curso Livre de Humanidades – Filosofia, com Oswaldo Porchat de Assis Pereira. Prof. Emerito/USP. Disponível no site: <https://www.youtube.com/watch?v=bxrjJxuVqwI>.

Falibilidade e CeticismoPodemos então dizer que ate mesmo as crenças bem

fundamentadas podem estar equivocadas. Podemos ser enganados pelos nossos sentidos. Somos falíveis em questões perceptivas como em nossas memórias, em nosso raciocínio e em outros aspectos. Poderíamos então nos perguntar, como fazem os ceticos, se sabemos mesmo que e improvável que agora estejamos enganados pelos nossos sentidos. Poderíamos tambem nos perguntar se estamos mesmo justificados em nossa crença de que tal erro não ocorreu quando começamos a ler este capítulo neste livro.

Suponha que não estejas justificado em acreditar que há um livro diante de você e que você esteja lendo agora este capítulo. Se não, como podes estar justificado em acreditar o que parecem ser verdades muito menos óbvias, como que a sua casa e segura contra tempestades, que seu carro e seguro para dirigir, e que sua comida não está envenenada? E como podes saber as muitas coisas que precisas saber na vida, como que sua família e amigos são dignos de confiança, que você pode controlar seu comportamento e, assim, podes determinar parcialmente o seu futuro. São questões difíceis e importantes.

Somos falíveis em questões perceptivas

como em nossas memórias, em nosso

raciocínio e em outros aspectos.

Page 44: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

44

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Estas questões indicam como a vida humana seria insegura e desordenada se não pudéssemos supor que possuímos crenças e conhecimentos justificados. Nós colocamos em risco nossas vidas todos os dias sobre o que nós acreditamos conhecer. Seria inquietante rever essa posição e recuar para a visão de que, na melhor das hipóteses, temos justificativa para acreditar. Mas se tivéssemos que desistir ate dessa visão moderada e concluir, digamos, que o que acreditamos não é nem sequer justificado, teríamos de enfrentar uma crise. Ao discutir o ceticismo, são exploradas exatamente essas questões. Podemos, então, suspender temporariamente os desafios céticos, e assumir o ponto de vista do senso comum de que as crenças com uma base como a de minha crença de que existe um livro diante de mim não são apenas justificadas, mas também constituem conhecimento (PEREIRA, 2007).

Uma vez que procedemos nesta suposição do senso comum e fácil ver que há muitos tipos diferentes de circunstâncias em que as opiniões se levantam de tal maneira que são aparentemente justificadas e constituem o conhecimento. Ao considerar essa variedade de circunstâncias que dão justificação e conhecimento, podemos explorar como as crenças estão relacionadas à percepção, à memória, à consciência, à razão e ao testemunho. Questões que exploraremos ao falarmos sobre a epistemologia da teologia e do conhecimento religiosos nos próximos capítulos deste livro.

Em suma, ao considerarmos a questão do que podemos conhecer nos deparamos com o fato de que qualquer justificação do conhecimento dependerá de outra crença para sua justificação, o que parece conduzir a uma regressão infinita. O ceticismo começa com a aparente impossibilidade de completar esta cadeia infinita de raciocínio e argumenta que, em última instância, nenhuma crença e justificada e, portanto, ninguém realmente sabe nada. O falibilismo também afirma que a certeza absoluta sobre o conhecimento é impossível, ou pelo menos que todas as pretensões ao conhecimento poderiam, em princípio, ser equivocadas. Ao contrário do ceticismo, no entanto, o falibilismo não implica a necessidade de abandonar o nosso conhecimento, apenas reconhece que, porque o conhecimento empírico pode ser revisto por observação adicional, qualquer das

coisas que tomamos como conhecimento pode eventualmente revelar-se falsa.

Em resposta a esse problema de regressão, surgiram várias escolas de pensamento, algumas já exploradas neste capítulo e outras que agora só iremos mencionar. O fundacionalismo, que afirma que algumas crenças que apoiam outras crenças são fundamentais e não necessitam de justificação por outras crenças (autojustificação ou crenças infalíveis ou baseadas na percepção ou em certas considerações a priori) (MIGUENS, 2009). O Instrumentalismo, que

O ceticismo começa com a aparente impossibilidade

de completar esta cadeia infinita de raciocínio e

argumenta que, em última instância, nenhuma crença é justificada e,

portanto, ninguém realmente sabe

nada.

Page 45: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

45

Introdução à Epistemologia Capítulo 1

e a visão metodológica de que conceitos e teorias são meramente instrumentos úteis, e seu valor é medido pelo quão eficaz eles são na explicação e previsão de fenômenos. O instrumentalismo, portanto, nega que as teorias sejam verdades-avaliáveis (NORRIS, 2007). O pragmatismo, que e um conceito semelhante, que sustenta que algo só e verdadeiro na medida em que funciona e tem consequências práticas (VIDAL; CASTRO, 2006). O infinitismo, que tipicamente leva a série infinita a ser meramente potencial, e um indivíduo precisa apenas ter a capacidade de apresentar as razões relevantes quando surge a necessidade. Portanto, ao contrário da maioria das teorias tradicionais de justificação, o infinitismo considera uma regressão infinita como uma justificação válida (BRADLEY, 2015). O coerentismo, que sustenta que uma crença individual é justificada circularmente pelo modo como ela se encaixa (em coerência) com o resto do sistema de crenças de que faz parte, de modo que a regressão não procede de acordo com um padrão de justificação linear. E o funderentismo, termo criado por Susan Haack (1997), e outra posição que se destina a ser uma unificação do fundacionalismo e coerentismo evitando seus problemas (OLIVA, 2011).

A filósofa e epistemóloga Susan Haack desenvolve sua proposta do Funderentismo em sua obra Evidência e Investigação (1997). Nesta obra ela apresenta tanto o fundacionalismo quanto o coerentismo, suas forças e debilidades, e possíveis alternativas possibilitadas pela perspectiva pragmatista.

Como sugestão de uma leitura mais aprofundada, mas tambem de fácil acesso e introdução aos principais temas da epistemologia, temos o verbete “epistemologia” da The Stanford Encyclopedia of Philosophy elaborado por Mathias Steup. Acesse este artigo traduzido no seguinte endereço eletrônico: <https://www.academia.edu/9792970/Epistemologia_-_Tradu%C3%A7%C3%A3o_do_Verbete_Epistemology_da_Stanford_Encyclopedia_of_Philosophy>.

Page 46: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

46

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Algumas ConsideraçõesNeste capítulo introduzimos o campo prolífico da investigação epistemológica.

Abordamos os tipos de conhecimento e nos centramos no conhecimento proposicional. Conseguimos explorar a natureza deste conhecimento abordando as suas condições de crença, verdade e justificação, apontando também os problemas que surgem de cada uma dessas condições, como demonstrado pelo problema de Gettier e seus contraexemplos. Alem disso, investigamos a natureza do conhecimento a partir do internalismo, fundacionalismo, coerentismo, externalismo e as teorias causais e contextualistas. O que nos levou ao desafio pervasivo do ceticismo que perdura ainda em toda investigação do conhecimento humano.

Em suma, o estudo do conhecimento e um dos aspectos mais fundamentais

da investigação filosófica. Qualquer reivindicação de conhecimento deve ser avaliada para determinar se ela realmente constitui conhecimento ou não. Tal avaliação requer, essencialmente, uma compreensão do que e conhecimento e de quanto conhecimento e possível. Enquanto esta introdução fornece uma visão geral das questões importantes da epistemologia, e claro que deixa as perguntas mais básicas sem resposta. A epistemologia continuará a ser uma área de discussão filosófica enquanto estas questões permanecerem.

No próximo capítulo vamos introduzir a epistemologia da teologia e da religião. Agora que você já possui um conhecimento sobre a epistemologia, poderá compreender os desafios que este campo investigativo impõe sobre o saber teológico e o conhecimento religioso. Deste modo, procure aprofundar os tópicos e questões versadas aqui neste capítulo para aproveitar ao máximo os temas e ideias que estão por vir a seguir.

ReferênciasALSTON, W. P. Epistemicjustification: essays in the theory of knowledge. London: Cornell University, 1989.

ALSTON, W. P. Conhecimento perceptivo. In: GRECO, J.; SOSA, E. (Orgs). Compêndio de epistemologia. São Paulo: Edições Loyola, 2008. p. 347-378.

AUDI, R. The sources of knowledge. In: MOSER, P. (Ed.). The Oxford handbook of epistemology. Cambridge: Oxford University Press, 2002. p. 71-94.

AUDI, R. Epistemology: a contemporary introduction to the theory of knowledge. 2. ed. New York and London: Routledge, 2003.

Page 47: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

47

Introdução à Epistemologia Capítulo 1

BEALER, G. O a priori. In: GRECO, J.; SOSA, E. (Orgs). Compêndio de epistemologia. São Paulo: Edições Loyola, 2008.

BÍBLIA. N. T. J. In: BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada: contendo o antigo e o novo testamento. Tradução de João Ferreira de Almeida. Rio de Janeiro: Sociedade Bíblica do Brasil, 1966.

BLACKBURN, S. Verdade: um guia para os perplexos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.

BOMBASSARO, L. C. As fronteiras da epistemologia: como se produz o conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1992.

BONJOUR, L. Can Empirical Knowledge Have a Foundation? American Philosophical Quarterly, Champaign (Illinois), v. 15, n. 1, p. 1-14, 1978. Disponível em: <https://www.jstor.org/stable/20009690>. Acesso em: 20 abr. 2017.

BONJOUR, L. A dialetica do fundacionalismo e o coerentismo. In: GRECO, J. SOSA, E. (Orgs). Compêndio de epistemologia. São Paulo: Edições Loyola, 2008.p. 191-230.

BONJOUR, L.; BAKER, A. Filosofia: Textos Fundamentais Comentados. Porto Alegre: Artmed, 2010.

BRADLEY, D. A critical introduction to formal epistemology. London: Bloomsburry Academic, 2015.

BRANDON, R. B. Articulando razões: uma introdução ao inferencialismo. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2013.

CARRILHO, M. Epistemologia: Posições e Críticas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1991.

CHISHOLM, R. M. Teoria do Conhecimento. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1974.

COLLIER, K. W. Contra de causal theory of knowing. Philosophical Studies: an international journal for philosophy in the Analytic Traditon. v. 24, n. 5. p. 350-352, set. 1973. Disponível em: <https://www.jstor.org/stable/4318800?seq=1#page_scan_tab_contents>. Acesso em: 16 maio 2017.

Page 48: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

48

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

CONEE, E.; FELDMAN, R. Internalism Defended. American Philosophical Quarterly, v. 38, n. 1, p. 1-18, 2001. Disponível em: <http://joelvelasco.net/teaching/4330/FeldmanConee_InternalismDefended.pdf>. Acesso em: 17 mai. 2017.

CONEE, E.; FELDMAN, R. Evidentialism. New York: Oxford University Press, 2004.

COSTA, A. P. Notas sobre a teoria coerentista da verdade. Criticanarede, Metafísica, 19 mar. 2002. Disponível em: <http://criticanarede.com/fil_teoriacoerentista.html>. Acesso em: 18 abr. 2017.

DEROSE, Keith. Contextualismo: explanação e defesa. In: GRECO, John; SOSA, Ernest (Orgs). Compêndio de epistemologia. São Paulo: Edições Loyola, 2008. p. 297-324.

DESCARTES, Rene. PrincípiosdeFilosofia. Rio de Janeiro: UFRJ, 2002.

DESCARTES, Rene. Meditaçõessobrefilosofiaprimeira. Campinas: Unicamp, 2004.

DUTRA, L. H. de A. Verdade e investigação: o problema da verdade na teoria do conhecimento. São Paulo: EPU, 2001.

EYSENCK, M. W.; KEANE, M. T. Manual de Psicologia Cognitiva. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.

FELDMAN, R. Naturalismo metodológico na epistemologia. In: GRECO, J.; SOSA, E. (Orgs). Compêndio de epistemologia. São Paulo: Edições Loyola, 2008. p. 271-296.

FUMERTON, Richard. Epistemologia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

GETTIER, E. Éacrençaverdadeirajustificadaconhecimento? Trad. Célia Teixeira, 1963. Disponível em: <http://www.investigacoesfilosoficas.com/wp-content/uploads/Gettier-1963-E_-a-crenc_a-verdadeira-justificada-conhecimento.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2017.

GOLDMAN, A. I. A Causal Theory of Knowing, The Journal of Philosophy, v. 64, n. 12, jun. 22, p. 357-372, 1967. Disponível em: <http://faculty.arts.ubc.ca/rjohns/goldman_causal.pdf>. Acesso em: 26 abr. 2017.

Page 49: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

49

Introdução à Epistemologia Capítulo 1

GOLDMAN, A. I. O que é crença justificada. Trad. Luiz Helvécio Marques, Sergio R. N. Miranda e Desiderio Murcho. InvestigaçõesFilosóficas, 1979. Disponível em: <http://www.investigacoesfilosoficas.com/wp-content/uploads/Goldman-1979-O-que-e_-a-crenc_a-justificada.pdf>. Acesso em: 27 abr. 2017.

GRECO, J.; SOSA, E. (Orgs). Compêndio de epistemologia. São Paulo: Edições Loyola, 2008.

GUIMARÃES, R. R. Conhecimentoejustificaçãonaepistemologiada memória. 2009. 85 f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009. Disponível em: <http://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/2828>. Acesso em: 25 abr. 2017.

HAACK, S. Evidencia e investigación: hacia la reconstrucción en epistemologia. Trad. Maria Ángeles Martínez Garcia. Madrid: Tecnos, 1997.

HUENEMANN, C. Racionalismo. Trad. Jacques A. Wainberg. Petrópolis: Vozes, 2012.

HUME, D. Tratado da natureza humana: uma tentativa de introduzir o metodo experimental de raciocínio nos assuntos morais. 2. ed. rev. e ampliada. São Paulo: UNESP, 2009.

KANT, I. Critica da razão pura. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.

KYRIACOU, C. Metaepistemology. In: PRITCHARD, D. (Ed.). Oxford Bibliographies Online. New York: Oxford University Press, 2016. Disponível em: <http://www.oxfordbibliographies.com/view/document/obo-9780195396577/obo-9780195396577-0302.xml?rskey=ny5ykp&result=1&q=metaepistemology#firstMatch>. Acesso em: 29 abr. 2017.

KIRKHAM, R. L. Teorias da verdade: uma introdução crítica. São Leopoldo: Unisinos, 2003.

KORNBLITH, H. (Ed.). Epistemology: Internalism and Externalism. Oxford: Blackwell, 2001.

KORNBLITH, H. Em defesa de uma epistemologia naturalizada. In: GRECO, J.; SOSA, E. (Orgs). Compêndio de epistemologia. São Paulo: Edições Loyola, 2008. p. 253-270.

Page 50: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

50

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

LANDESMAN, C. Ceticismo. Trad. Cecília Camargo Bartalotti. São Paulo: Loyola, 2006.

LEHRER, K. Theory of Knowledge. 2. ed. Boulder; Colorado: Westview Press, 2000.

LUZ, A. M. Justificação, confiabilismo e virtude intelectual, Veritas, Porto Alegre, v. 50, n. 4, p. 191-218, Dez, 2005. Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/veritas/article/download/1822/1352>. Acesso em: 21 abr. 2017.

MCGREW, T. A defense of classical foundationalism. In: POJMAN, L. P. (Ed.). The theory of knowledge. Belmont: Wadsworth/Thomson Learning, 2003. p. 194-206.

MEYERS, R. G. Empirismo. Trad. Marcus Penchel. Petrópolis: Vozes, 2017.

MIGUENS, S. Compreender a Mente e o Conhecimento. Porto: FLUP, 2009.

MOSER, P. K.; MULDER, D. H.; TROUT, J. D. A Teoria do Conhecimento: uma introdução temática. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

MÜLLER, F. de M.; RODRIGUES, T. V. (Orgs.). Epistemologia social: dimensão social do conhecimento. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2013. Disponível em: <http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/Ebooks/Pdf/978-85-397-0176-6.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2017.

MURCHO, D. Pensar outra vez: filosofia, valor e verdade. Vila Nova de Famalicão: Quasi, 2006.

NORRIS, C. Epistemologia: conceitos-chave em filosofia. Porto Alegre: Artmed, 2007.

O’HEAR, A. Karl Popper: filosofia e problemas. Trad. Luiz Paulo Rouanet. São Paulo: Ed. da UNESP, 1997.

OLIVA, A. (Org.). Epistemologia: a cientificidade em questão. Campinas: Papirus, 1990.

OLIVA, A. Teoria do conhecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

OLIVEIRA, R. E. de. Metaconhecimento e ceticismo de segunda ordem. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2016.

Page 51: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

51

Introdução à Epistemologia Capítulo 1

PEREIRA, O. P. Rumo ao ceticismo. São Paulo: Editora UNESP, 2007.

PLATÃO. Mênon. Trad. Maura Iglesias. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Loyola, 2001a.

PLATÃO. Teeteto, Crátilo. Trad. Carlos Alberto Nunes. 3. ed. rev. Belem: EDUFPA, 2001b.

PUTNAM, H. Cerebros numa Cuba, Fundamento, n. 8, 2004. Tradução de L. H. Marques Segundo. Disponível em: <http://www.revistafundamento.ufop.br/index.php/fundamento/article/view/217/76>. Acesso em: 23 abr. 2017.

RADFORD, C. Knowledge—By Examples, Analysis, v. 27, n. 1, p. 1–11, 1966. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/3326979>. Acesso em: 19 abr. 2017.

RODRIGUES, T. V. Uma introdução ao contextualismo na epistemologia contemporânea. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2013.

ROLLA, G. Conceitos de conhecimento no debate contemporâneo: internalismo e externalismo. Dissertação (Mestrado em Filosofia). 145 f. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. 2013. Disponível em: <http://hdl.handle.net/10183/88337>. Acesso em: 28 abr. 2017.

ROSE, D.; SCHAFFER, J. Knowledge Entails Dispositional Belief, Philosophical Studies, v. 166, p. 19-50, 2013. Disponível em: <http://www.jonathanschaffer.org/knowbelieve.pdf>. Acesso em 21 abr. 2017.

SARTORI, C. A. Sobre a viabilidade do fundacionismo epistêmico moderado. 2006. 118 f. Tese (Doutorado em Filosofia) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006. Disponível em: <http://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/2857>. Acesso em: 26 abr. 2017.

SCHWITZGEBEL, E. Belief. In: ZALTA, E. N. (Ed.). Stanford Encyclopedia of Philosophy. 2015. Disponível em: <http://plato.stanford.edu/entries/belief/>. Acesso em: 14 abr. 2017.

SELLARS, W. EmpirismoeFilosofiadaMente. São Paulo: Vozes, 2008.

SMITH, P. J. O ceticismo de Hume. São Paulo: Loyola, 1995.

SMITH, P. J. Ceticismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

Page 52: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

52

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

SMITH, P. J.; SILVA FILHO, V. J. (Orgs.). Significado,verdade,interpretação: Davidson e a filosofia. São Paulo: Loyola, 2005.

STEUP, M. Epistemology. Trad. Eros Moreira Carvalho, Flavio Williges, Mateus Stein, Paola Oliveira de Camargo. In: ZALTA, E. N. (Ed.). The Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2016. Disponível em: <https://www.academia.edu/9792970/Epistemologia_-_Tradu%C3%A7%C3%A3o_do_Verbete_Epistemology_da_Stanford_Encyclopedia_of_Philosophy>. Acesso em: 29 abr. 2017.

VALCARENGHI, E. C. O internalismo pode integrar uma análise correta do conceito de conhecimento? Kriterion, Belo Horizonte, v. 49, n. 117, p. 39-66, 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-512X2008000100003&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 29 abr. 2017.

VIDAL, V.; CASTRO, S. de. A questão da verdade: da metafísica moderna ao pragmatismo. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006.

WILLIAMS, M. Ceticismo. In: GRECO, J.; SOSA, E. (Orgs). Compêndio de epistemologia. São Paulo: Edições Loyola, 2008.p. 65-116.

Page 53: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

CAPÍTULO 2

A Epistemologia da Teologia e da Religião

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem:

�Identificar a relação entre a epistemologia, a teologia e o conhecimento religioso.

�Conhecer o estado atual do debate entre o fideísmo, o evidencialismo e a epistemologia reformada.

�Examinar as relações entre a fe e a razão no contexto epistemológico.

� Comparar as posições epistemológicas no contexto das crenças religiosas.

Page 54: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

54

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Page 55: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

55

A Epistemologia da Teologia e da Religião Capítulo 2

ContextualizaçãoA epistemologia religiosa e o estudo de como as crenças religiosas dos sujeitos

podem ter ou não ter alguma forma de status epistêmico positivo (como conhecimento, justificação, autorização e racionalidade) e se elas precisam mesmo de tal status apropriado para si. O debate atual enfoca mais centralmente no tipo de base sobre a qual um crente religioso pode estar racionalmente justificado em manter certas crenças sobre Deus (se Deus existe, quais são os atributos de Deus, o que Deus está fazendo etc.) É necessário estar tão justificado para acreditar como um crente religioso deve (em algum sentido de “deveria” mais geral do que a justificação racional). Engajando-se nessas questões temos principalmente três grupos de pessoas, que se chamam de “fideístas”, “epistemólogos reformados” e “evidencialistas”.

O fideísmo é difícil de definir porque aqueles que se denominam fideístas possuem uma variedade de posições relacionadas, mas distintas. Os pontos de vista assim chamados poderiam estar mais relacionados pela semelhança da família e não por qualquer propriedade que eles tenham em comum. Os fideístas, podemos dizer, ocupam posições ao longo de um espectro. O fideísmo em sua forma extrema e a visão de que as crenças religiosas têm um status especial (ao inves de estarem sujeitas a padrões de evidência comuns, por exemplo, os padrões da ciência, da lei ou da história), de modo que alguem pode possuir racionalmente algumas crenças teístas sem qualquer evidência de apoio ou ate mesmo contrariamente ao que sua evidência suporta. Um exemplo desta posição é a afirmação de Kierkegaard (2013, p. 105): “Se eu posso apreender objetivamente, então eu não creio; mas, justamente porque eu não posso fazê-lo, por isso tenho de crer”. Formalmente podemos expressar o fideísmo forte da seguinte maneira: “Eu posso/devo acreditar na proposição p precisamente porque parece absurdo e incrível”, ou um pouco menos extremo, “para qualquer proposição p, eu posso/devo acreditar p, mesmo que (i) eu não tenha evidências para p e (ii) p pareça incrível em seus próprios termos”.

Em uma forma moderada, o fideísmo é a visão de que a evidência é ambígua para as crenças teístas, e, portanto, pode-se optar por manter as crenças teístas devido à sua natureza especial moralmente centrada. Pascal (2005), por exemplo, representa esta posição. Formalmente podemos expressar o fideísmo moderado da seguinte maneira: “Para alguma gama de proposições p, eu posso/devo acreditar p, mesmo que eu não tenha evidência para p, enquanto p: (i) parece credível em seus próprios termos, e (ii) p e coerente com outras coisas em que eu acredito na base de evidências adequadas”.

Page 56: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

56

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

O fideísmo em uma forma fraca (mas certamente não incontroversa) é a visão de que alguém deve ter fé ou confiança em Deus a fim de racionalmente manter uma crença teísta. Ou seja, embora possamos ter bons argumentos e evidências para a crença racional na existência de Deus, nós não precisamos utilizar tais argumentos e evidências para estar racionalmente justificados ou estar em nosso direito epistêmico de garantir a crença racional em Deus. Kelly James Clark (2001) situa Alvin Plantinga assim com Tomás de Aquino nesta forma de fideísmo. Formalmente podemos expressar o fideísmo fraco da seguinte maneira: “Para alguma gama de proposições p, eu posso/devo acreditar p, embora eu não tenha evidência para p, enquanto p: (i) parece credível em seus próprios termos, e (ii) p deriva de uma fonte confiável ou fidedigna”.

Os epistemólogos reformados afirmam que alguém pode racionalmente manter algumas crenças teístas (incluindo a crença de que Deus existe), sem qualquer argumento ou inferência. Ou seja, algumas crenças teístas são adequadamente básicas ou imediatamente justificadas de alguma forma (PLANTINGA, 2003).

Os evidencialistas afirmam que para qualquer crença teísta que alguém

justificadamente mantém, este alguém mantém essa crença com base em evidências de apoio adequadamente suficientes. Chamaremos essa posição de evidencialismo epistêmico, porque às vezes o evidencialismo, especialmente quando alvo dos argumentos dos epistemólogos reformados, e usado para se referir à conjunção do evidencialismo epistêmico – a visão de que a crença justificada requer evidência – e posições adicionais, a saber, que (1) a evidência consiste inteiramente de um certo tipo de proposições fundamentais e (2) as crenças teístas (por exemplo, que Deus existe) não estão entre essas fundamentações. Chamaremos a conjunção destas posições de hiperevidencialismo, que será posteriormente melhor explicado.

A seguir faremos, primeiramente, um breve levantamento histórico do evidencialismo (epistêmico), do fideísmo e da epistemologia reformada. Após apresentaremos a posição do fideísta, então a posição do evidencialista e, finalmente, a posição do epistemólogo reformado, concluindo com alguns comentários sobre o estado atual do debate.

Uma Breve História da Fé e da RazãoNa Idade Média temos já uma prolífica reflexão sobre a relação da fé e da

razão. Por exemplo, os teólogos medievais, como Boecio em sua Consolatio Philosophiae (1998), sustentavam certas crenças sobre Deus, mas confiavam na filosofia para fornecer razões para essas crenças. Outros, como Agostinho em seu Sermão 43 (GILSON, 1995), diziam que devemos ter fe buscando o entendimento fides quarens intellectum, ou seja, que temos crenças que nós transformamos

Page 57: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

57

A Epistemologia da Teologia e da Religião Capítulo 2

em conhecimento, entendendo-as. Temos tambem Anselmo no Proslogion (2008) e no Monológio (1988), que sustentava que devemos crer para que possamos entender (credo ut intelligam) e, para isso, oferecia um argumento ontológico para a existência de Deus, defendendo que Deus tinha certos atributos e argumentando que para que os pecados de alguem fossem expiados por Deus, Deus precisava se tornar um ser humano. Entre estas reflexões não podemos esquecer de Tomás de Aquino em sua Summa Theologica (2001), que sustentou que era conveniente e necessário que acreditássemos nas coisas prováveis pela razão com base na revelação. Ele afirmava que mesmo no que diz respeito às verdades sobre Deus que a razão humana poderia ter descoberto, era necessário que o homem fosse ensinado por uma revelação divina, porque a verdade sobre Deus como a razão poderia descobrir, só seria conhecida por poucos, depois de muito tempo, com muita análise, e ainda assim com muitos erros.

Estes teólogos medievais, entre outros, sustentavam, portanto, que argumentos podem ser dados para o teísmo e que esses argumentos tornam racional para alguem acreditar com base nesses argumentos. Alem disso, de acordo com Tomás de Aquino, podemos acreditar no teísmo sem provas teístas, mas se acreditamos na base de provas, transformamos nossa crença em conhecimento, que e uma condição epistêmica melhor para se ter.

Na Idade Moderna tambem podemos ver que os pensadores despendiam seu tempo e reflexões sobre a fé e a razão. Por exemplo, Descartes, em suas Meditações (2004), na Monadologia de Leibniz (2009), no Ensaio sobre o entendimento humano de Locke (1999) e em Berkeley (1996) nos Três Diálogos. Podemos perceber nestas obras e nestes autores, que todos ofereciam argumentos para a existência de Deus. Ao oferecer esses argumentos e dedicar um tempo considerável a eles, eles parecem indicar, às vezes em declarações mais explícitas, que em circunstâncias normais um crente deve pelo menos basear sua crença nesses argumentos e que haveria algo intelectualmente errado com aqueles que não o fizessem.

Durante o Iluminismo, precipitado em parte pela filosofia de Locke (1999), o pensamento parece ter sido sustentado por muitos de que a única maneira racional de acreditar que Deus existe era atraves de argumentos. Locke sustentou que devemos proporcionar nossa crença de acordo com a evidência, que a evidência consiste em um conjunto de proposições que são diretamente vistas como verdadeiras e que são indubitáveis ou evidentes para os sentidos e que a proposição de que Deus existe não estaria naquele conjunto de proposições.

Page 58: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

58

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Para uma boa exposição da visão de Locke, veja a obra “John Locke and the ethics of belief”, de Nicholas Wolterstorff (1996), especialmente as páginas 88-133. Assim como a obra “Moral e história em John Locke”, de Edgar Jose Jorge Filho (1992).

Locke (1999) pensava que Deus poderia iluminar as mentes das pessoas e lhes revelar diretamente verdades, mas ele não achava que isso acontecesse de fato. A visão de Locke, muitas vezes chamada de "visão iluminista" ou algo semelhante, emparelhada com a visão de que o argumento para a existência de Deus não é forte o suficiente para fazer a crença de que Deus existe racional – ou pelo menos não é forte o suficiente para torná-la racional para alguém acreditar com a convicção da qual a fe exige – e o que os epistemólogos reformados chamam de “o desafio evidencialista" à crença religiosa (PLANTINGA; WOLTERSTORFF, 1983; WOLTERSTORFF, 2008).

Ainda na esteira do Iluminismo, Immanuel Kant afirma que os argumentos tradicionais para a existência de Deus não conseguem ser uma base adequada para acreditarmos no teísmo (KANT, 2001). Embora em seus primeiros trabalhos, como em O único fundamento possível de uma demonstração da existência de Deus, de 1763 (WOOD, 2008), ele permitiu um possível tipo de argumento em apoio do teísmo. Entretanto, a filosofia de Kant parece impedir alguém de acreditar que Deus existe com bases epistêmicas. Se acreditarmos que Deus existe, deve ser por motivos práticos (KANT, 2003).

O pensador romântico Sören Aabye Kierkegaard concordou que não devemos basear a crença teísta em argumentos. Todavia, para Kierkegaard (2010), a verdadeira crença em Deus e a fe, e a fe e a crença de que você tem "em virtude do absurdo". A fe, assim, estaria acima da razão, e se alguem agisse de acordo com a fe, agiria contra ou fora da jurisdição da razão. Ou seja, Kierkegaard e um defensor do fideísmo. O fideísmo também foi proposto mais tarde por Wittgenstein (1998) e foi desenvolvido e modificado desde então, especialmente por Dewi Zephaniah Phillips (2016), C. Stephen Evans (1998) e John Bishop (2007).

Os epistemólogos reformados também acreditam, em resposta ao "desafio evidencialista", que e racional para alguem acreditar que Deus existe na ausência de argumentos. Alvin Plantinga e Nicholas Wolterstorff (1983) publicaram o locus classicus da epistemologia reformada, Faith and Rationality, e a epistemologia

Page 59: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

59

A Epistemologia da Teologia e da Religião Capítulo 2

reformada se desenvolveu ao longo do tempo em uma visão madura representada pela obra Warranted Christian Belief, de Plantinga (2000). Hoje, muitos filósofos se classificam como epistemólogos reformados, incluindo George Mavrodes (1970), Michael Bergmann (2012) e William Alston (1993, 2008).

Warranted Christian Belief significa Crença Cristã Garantida.

O evidencialismo epistêmico tambem tem adeptos contemporâneos entre os crentes religiosos, incluindo Richard Swinburne (2001), Paul Moser (2010), William Lane Craig (2000), Trent Dougherty (2011) e Stephen Wykstra (1989). O trabalho inovador de Paul Moser (2008) pode levar alguns a acreditar que ele não e um evidencialista. No entanto, Moser considera-se um evidencialista (2010) e deixa isso explícito, desde que a evidência não se restrinja às proposições. C. Stephen Evans (2010) tambem se considera um evidencialista, desde que a evidência não se restrinja a argumentos ou inferências formais.

Richard Swinburne (2004), por exemplo, ofereceu argumentos probabilísticos e cumulativos para a existência de Deus. Ele reconhece que podemos justificadamente crer que Deus existe sem argumentos, mas também afirma que os argumentos para a existência de Deus tornam racional que alguem acredite que Deus existe.

A maioria dos filósofos ateus contemporâneos da religião assume o evidencialismo epistêmico. Por exemplo, John Mackie (1994), Jordan Sobel (2003) e Graham Oppy (2009). Todavia, não está claro se há qualquer adepto contemporâneo ao hiperevidencialismo, pois há poucos epistemólogos que aceitam o fundacionalismo clássico. Como podemos ver nas posições de Timothy McGrew (1995) e Bonjour (2003), que defendem algo semelhante ao fundacionalismo clássico, no entanto em nenhum lugar eles negam que se possa ter alguma justificativa imediata para crenças teístas.

Dado que os três principais pontos de vista no debate não são mutuamente exclusivos (na verdade, C. Steven Evans transita em cada categoria pelo menos uma vez), não deve ser surpreendente descobrir que muitos aderentes de um lado do debate igualmente mantêm uma posição suficiente para colocá-los em um dos outros lados tambem. No entanto, os adeptos de uma posição muitas vezes rejeitam a adesão aos outros lados do debate. Isto e frequentemente devido a diferenças de ênfase que resultam de muitas influências diferentes, às vezes incluindo o contexto histórico. Nas próximas três seções, descreveremos o fideísmo, o evidencialismo (epistêmico) e a epistemologia reformada, respectivamente, com mais detalhes, então diremos algo sobre como as visões interagem.

Page 60: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

60

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Atividades de Estudos:

1) No contexto Iluminista, o “desafio evidencialista” foi proposto à crença religiosa. Descreva o que seria este desafio.

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

O FideísmoO fideísmo, em sua forma extrema, é a visão de que alguém pode

racionalmente manter certas crenças teístas contrárias ao que sua evidência suporta ou sem qualquer evidência de apoio (HELM, 2008). Alguns, como John Greco (2007), definem o fideísmo como a visão de que a fé se opõe à razão, mas a natureza dessa oposição não é clara, e assim, definir o fideísmo dessa maneira é inútil. O fideísmo é mantido também por Wittgenstein (1998), de acordo com D. Z. Phillips. Phillips (2016) que, por exemplo, afirma que as crenças religiosas têm criterios de aceitabilidade que outros tipos de crenças não possuem.

O pensamento de Wittgenstein é complexo, podemos separar em duas

fases. O dito primeiro Wittgenstein – do Tractatus Logico-Philosophicus (1968), Conferência sobre ética (1990a) e Observações sobre o ramo dourado de Frazer (2011) – descreve a religião e a teologia como não científicas e sem sentido. Nesta fase do seu pensamento, a linguagem religiosa não se refere a fatos empíricos observáveis e ultrapassa os limites da linguagem apropriada. Deus não se revela no mundo. Como não há fatos por trás dele, a religião não é científica. Isso significa que, embora a religião se mostre ou se manifeste, não se pode falar dela. Portanto, a posição do primeiro Wittgenstein sobre a religião pode ser resumida como a algo não científico e inefável. No entanto, ele afirma que a carência de sentido da religião e a sua própria essência e o desejo de dizer algo sobre o sentido último da vida deve ser respeitado.

Page 61: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

61

A Epistemologia da Teologia e da Religião Capítulo 2

Já em uma conversa com o Círculo de Viena, em 1931, Wittgenstein observou que o Tractatus é um livro dogmático (WAISMANN, 1979). Isto pode naturalmente ser entendido como um primeiro passo para o seu trabalho posterior. Na verdade, podemos considerar o seu livro Observações sobre o ramo dourado de Frazer como um trabalho de transição. Afinal, embora ele ainda compare a religião à ciência, já há um foco claro nas práticas da religião. Isso evoca associações com o Investigações Filosóficas de Wittgenstein (1999), que será discutido a seguir.

A postura do dito segundo Wittgenstein – da Palestra sobre crença religiosa (1996a), Investigações Filosóficas de Wittgenstein (1999), Da Certeza (1990b) e Observações sobre as cores (1996b) – em relação à religião pode ser resumida em sua visão da religião como prática e jogo de linguagem. Embora a religião normalmente não se baseie em evidências científicas, existe um discurso religioso com um critério próprio de significado. Religião, teologia e fala sobre Deus são jogos de linguagem ou formas de vida em que os crentes se expressam por meio de imagens religiosas (não verificáveis). No entanto, o significado das palavras religiosas e o seu uso na linguagem religiosa. Portanto, a veracidade ou falsidade não se baseia em um critério científico externo, mas no acordo entre crentes, por exemplo, na teologia. O que a linguagem religiosa significa aparece da diferença prática que eles proporcionam na orientação da vida de uma pessoa.

Na verdade, há um grande número de livros e artigos sobre comentários e tópicos religiosos na obra de Wittgenstein (MICHELETTI, 2007; MEJIA, 2006; SPICA, 2009; MALCOLM, 1993; ARRINGTON; ADDIS, 2001; MANDELI, 2012; PHILLIPS, 1993, 2016). Eles discutem principalmente os seguintes tópicos: a religião como jogo de linguagem ou forma de vida, a natureza da crença religiosa e da linguagem, o uso de imagens na religião, a relevância teológica da filosofia de Wittgenstein, a ideia de teologia como gramática, questões em religião comparada e a concepção de Wittgenstein do misticismo. Além disso, os pensamentos religiosos de Wittgenstein foram comparados, em particular, com Aquino, Agostinho, Barth, Buber, Dewey, James, Kafka, Kierkegaard, Levinas, Rosenzweig e Tolstoi.

O termo "fideísmo wittgensteiniano" pertence a Kai Nielsen, que atribuiu uma posição fideísta a alunos ou seguidores de Wittgenstein, filósofos como Winch, Hughes, Malcolm, Cavell, Phillips e mais tarde ao próprio Wittgenstein (NIELSEN, 1967). O que esses pensadores têm em comum e a ideia de que o discurso teológico e sui generis e, portanto, não pode ser entendido e julgado em termos diferentes dos seus. A verdade e o sentido de uma concepção religiosa do mundo não devem ser entendidos com base no objeto que ela deseja representar, mas apenas com base na tradição ou na comunidade dentro da qual a visão emergiu e na qual ela tem sua função.

Page 62: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

62

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

O fideísmo, que geralmente é atribuído a Pascal, Kierkegaard, James e Wittgenstein, tem suas origens na pergunta de Tertuliano: "Que tem Jerusalém a ver com Atenas?" (apud BRAATEN; JENSEN, 1990, p. 35), Isto e, qual e a relação entre razão e fe? Hoje em dia, defende a visão de que as verdades religiosas só podem ser conhecidas por meio da fe e não pela razão, são, portanto, independentes dela ou mesmo hostis a ela. As verdades religiosas seriam, em outras palavras, pré-racionais ou suprarracionais. A variante wittgensteiniana do fideísmo é diversamente caracterizada por subscrever uma ou mais das seguintes teses: 1) que a religião e logicamente isolada de outros aspectos da vida, 2) que o discurso religioso e essencialmente autorreferencial e não nos permite falar sobre a realidade, 3) que as crenças religiosas só podem ser compreendidas por crentes religiosos e 4) que a religião não pode ser criticada (AMESBURY, 2009). Embora seja duvidoso que Wittgenstein se reconheça nessas teses, pelo menos alguns de seus seguidores aderiram a ela. Enfim, uma clara diferença com fideístas como Pascal e Kierkegaard é que o próprio Wittgenstein não é um apologista cristão.

Em uma segunda interpretação, Wittgenstein é descrito como um religioso

antirrealista ou relativista (TRIGG, 2010). Em contraste com os realistas, os antirrealistas não acreditam em uma realidade independente de nossas concepções sobre ela. Eles acreditam que não há verdade, significado, fato ou existência não relacionados à nossa compreensão da realidade. Se, por exemplo, Deus como um Ser existe na realidade e inacessível, vai alem da experiência e, portanto, não faz sentido. Isso implica que o ateísmo e descartado pelo antirrealismo. A ideia de que a forma como concebemos a realidade está ligada às capacidades humanas, como nossa linguagem, se encaixa perfeitamente nos pensamentos de Wittgenstein sobre os jogos de linguagem e as formas de vida. A religião não seria uma questão de conhecimento ou evidência científica, mas uma tentativa de falar sobre Deus, que não se revela em nossa realidade. Alem disso, o que conta é o que as religiões significam para a nossa vida prática. Uma vez que o discurso religioso está entrelaçado com a linguagem religiosa, não há possibilidade de ficar fora dela e de criticar ou apoiar a religião com base, por exemplo, em fatos externos. A religião e sobre inteligibilidade e ininteligibilidade em vez de veracidade ou falsidade. A partir daí, e um pequeno passo para o relativismo religioso ou mesmo para o ceticismo. Uma religião específica não pode mais ser universal ou objetivamente verdadeira, porque sua linguagem e relativa à prática e as ideias não podem ser acessadas empiricamente. O significado do mundo religioso depende unicamente do seu uso na linguagem religiosa.

Page 63: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

63

A Epistemologia da Teologia e da Religião Capítulo 2

Pensadores considerados fideístas wittgensteinianos, como Malcolm (1993) e Phillips (1993), partem dessas duas interpretações sugeridas nos parágrafos anteriores, tentando tecer uma narrativa possível para as crenças religiosas. Assim, podemos dizer que tanto as inspirações do primeiro, quanto do segundo Wittgenstein, estão presentes nas argumentações dos pensadores considerados como fideístas wittgensteinianos.

Como exemplo, podemos descrever a posição de Norman Malcolm (1993), que sustenta que as ideias de Wittgenstein sobre os jogos de linguagem encontradas em Da Certeza (WITTGENSTEIN, 1990b), particularmente aquelas que insistem em sua própria falta de fundamento, são especialmente válidas para a linguagem atraves da qual as crenças religiosas são expressas. Por crença religiosa, Malcolm não significa os aspectos doutrinários de uma crença em Deus, mas a atitude das pessoas religiosas em geral, incluindo, por exemplo, a dos budistas, que afirmam que não creem em Deus. Para Malcolm, a filosofia da religião e interessante porque e o campo onde, por um lado, há uma forte preocupação em proporcionar demonstrações e um desejo preeminente de oferecer um fundamento racional a uma forma de vida e, por outro lado, há uma evidente falha de tal esforço.

Malcolm (1993), juntamente com os outros fideístas wittgensteinianos (PHILLIPS, 1993; HUANG, 1995) e fideístas de modo mais generalizado, mostra uma marcada aversão por qualquer esforço para elaborar uma teologia que, a partir da observação do mundo natural, chegaria através do raciocínio à definição das características de Deus ou, com base no mesmo criterio, procurariam avaliar as doutrinas religiosas. Para ele, e impossível teorizar uma única abordagem epistemológica de diferentes assuntos, e preciso cada vez usar a abordagem apropriada ao objeto investigado, reconhecendo assim as limitações e o fracasso de qualquer esforço para estudar o fenômeno religioso atraves de abordagens reducionistas e com metodos emprestados de outras disciplinas.

Poderíamos, portanto, alegar que a estratégia dos fideístas parece destinada a evitar o confronto eliminando o terreno comum entre as línguas que permite que diferentes formas de vida se envolvam no diálogo. Em seu esforço de oposição a uma tendência perigosa para a homologação de estilos expressivos, os fideístas vão para o outro extremo, a atitude de acordo com a qual tudo é significativo. Os limites do fideísmo wittgensteiniano, que em última análise é uma forma de relativismo religioso, e que ele não pode esperar ser universalmente válido.

Page 64: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

64

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

De qualquer modo, o fideísmo wittgensteiniano, para Malcolm (2000), é a tese de que existem vários "jogos de linguagem" diferentes e que, embora seja apropriado fazer perguntas sobre a justificação dentro de um jogo de linguagem, é um erro perguntar sobre a justificação de "jogar" o Jogo em questão. Desta forma, a epistemologia e relativizada aos jogos de linguagem, eles próprios relacionados com as formas de vida, e é usada para avaliar as afirmações religiosas, sendo menos rigoroso do que o evidencialismo. Aqui, sugere o autor supracitado, parece haver uma tese de autonomia e uma tese de incomensurabilidade. A tese da autonomia diz-nos que as declarações religiosas só devem ser julgadas como justificadas ou não justificadas pelos padrões implícitos na forma de vida religiosa, e isso pode ser restrito ainda mais, por exemplo, às formas de vida religiosa do cristianismo, do hinduísmo ou de qualquer outra religião em particular. A tese da incomensurabilidade nos diz que as declarações religiosas são diferentes das afirmações científicas ou metafísicas e, portanto, estamos confundindo usos diferentes da linguagem se julgarmos as declarações religiosas pelos padrões da ciência ou da metafísica (PHILLIPS, 2016). Se pressionarmos a tese da autonomia, aproximaremos o fideísmo wittgensteiniano ao fideísmo de muitos religiosos conservadores, mas se pressionarmos a tese da incomensurabilidade, o aproximaremos de uma posição liberal extrema, como aquela de Braithwaite (1986), em que a religião trata de atitudes e não de fatos, o que, certamente, seria rejeitado pelos religiosos conservadores.

Talvez a crítica mais óbvia ao fideísmo wittgensteiniano seja que, mesmo que se conceda a teoria subjacente das formas de vida e dos jogos de linguagem, e um fato histórico, justificado pelos critérios do "jogo" da história, que a maioria dos judeus, cristãos e muçulmanos pertencem a uma forma de vida com fortes compromissos metafísicos, e em que declarações tais como "Há um Deus" são intencionadas tanto como "Há uma estrela com dez vezes a massa do Sol", assim como "Há esperança". Portanto, o fideísmo wittgensteiniano seria apenas apropriado para religiões como o Zen Budismo e para algumas vertentes relativamente recentes e liberais do judaísmo e do cristianismo que rejeitaram o compromisso metafísico tradicional, como em Don Cupitt (1999).

Bishop (2007) endossa uma versão moderada do fideísmo que ele chama de "fideísmo jamesiano modesto", segundo o qual às vezes é moralmente (e talvez epistemicamente) permitido que alguem assuma uma proposição como verdadeira mesmo quando ela julga corretamente que a proposição não está adequadamente apoiada por sua evidência total. Parece que Bishop sustenta que a justificação epistêmica é subsumida sob justificação moral. “A questão da justificabilidade como aplica-se às crenças de fé é, em última instância, uma questão de justificabilidade moral [...]". Esta questão de justificabilidade é sobre

Page 65: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

65

A Epistemologia da Teologia e da Religião Capítulo 2

a justificabilidade epistêmica. Bishop argumenta assim: nós nos preocupamos com a justificabilidade epistêmica das crenças de fé porque nós "devemos ter a intenção de, em todas as nossas crenças, apreender a verdade e evitar o erro", e temos essa intenção por causa das consequências práticas de nossas crenças (BISHOP, 2007, p. 33).

Bishop (2007) oferece as condições em que e moralmente admissível

assumir uma proposição não adequadamente apoiada como verdadeira. Uma dessas condições e que a evidência para a proposição seja ambígua. Diferentes gestalts dos mesmos dados poderiam estar disponíveis (BISHOP, 2013), e quando isso ocorre (e as outras condições se obtêm), uma pessoa estaria moralmente autorizada a adotar uma das gestalts e assumir a proposição como verdadeira. Vejamos como Bishop afirma isso:

A evidência [para o Deus teísta clássico] e "aberta" no sentido de que ela não mostra a verdade da afirmação de que Deus existe nem a verdade de que sua negação é significativamente mais provável do que não. A tese descreve ainda esta situação de evidência aberta como "ambiguidade", fazendo a afirma-ção de que a evidência total disponível está sistematicamente aberta a duas interpretações competitivas viáveis - num sen-tido de "viável" que e difícil de torná-las totalmente precisas, mas pode ser comparado por analogia com o sentido em que o desenho do pato-coelho [...] está aberto a duas Gestalts per-ceptivas viáveis. (2007, p. 71)

Figura 1 - Ilusão de ótica da cabeça de um pato ou de um coelho

Fonte: JASTROW, Joseph. The mind’s Eye. Popular Science Monthly. v. 54, p. 299-231, 1899. Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:PSM_V54_D328_Optical_illusion_of_a_duck_or_a_rabbit_head.png>. Acesso em: 12 jun. 2017.

Page 66: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

66

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

A posição de Bishop e incompatível com o evidencialismo epistêmico. De acordo com o evidencialismo epistêmico padrão, a atitude que se encaixa em situações de ambiguidade evidencial e a suspensão do juízo ou, em um modelo mais refinado, uma credibilidade de aproximadamente “0,5” (há maneiras com as quais os evidencialistas lidam com a vaguidade, que não veremos aqui por questões de brevidade). A grosso modo, as teorias da credibilidade demonstram que a credibilidade de uma teoria sempre estará entre 0 e 1. O valor de uma estimativa de credibilidade nos diz a proporção de variabilidade na medida atribuível à pontuação verdadeira (HEGENBERG, 1965). Uma credibilidade de 0,5 significa que cerca de metade da variância da pontuação observada é atribuível à verdade e metade é atribuível ao erro (uma credibilidade de 0,8 significaria que a variabilidade e de cerca de 80% de capacidade à verdade e 20% de erro, e assim por diante). Assim, embora não esteja claro se Bishop se considera opositor ao evidencialismo epistêmico, sua posição parece incompatível com o evidencialismo epistêmico padrão.

Eis porque Bishop não pode estar vendo a si mesmo como opondo ao

evidencialismo. Bishop argumenta contra o "evidencialismo moral" (2007, p. 62), que e a conjunção do evidencialismo, como mencionado anteriormente, mais o princípio da conexão moral: alguem e moralmente permitido manter uma crença como verdadeira apenas se estiver justificada por sua evidência. Bishop parece estar negando o princípio da conexão moral, não o evidencialismo. Alem disso, a ambiguidade evidencial de uma proposição e compatível com o evidencialismo (POSTON, 2009).

C. Stephen Evans (1998) endossa uma versão fraca do fideísmo, uma visão que ele chama de "fideísmo responsável". De acordo com essa visão, os processos de raciocínio humano têm a tendência de errar em certos aspectos como resultado do pecado, e esse erro só pode ser melhorado pela fe. Alguem que tem fe pode apropriadamente ter uma crença que parece ser irracional por aqueles que não têm fe, mas isso e de se esperar, e a pessoa que tem fe e, de fato, razoável.

As posições de Evans e de Bishop diferem da forma extrema do fideísmo. Ou seja, eles são compatíveis com a negação da visão de que alguem pode racionalmente manter algumas crenças teístas ao contrário do que sua evidência suporta ou sem qualquer evidência de apoio. Alem disso, a visão de Evans e compatível com a negação da visão de Bishop. A visão de Bishop, como descrevemos, e incompatível com o evidencialismo epistêmico padrão, mas pode ser que alguns epistemólogos reformados e evidencialistas epistêmicos tenham os mesmos compromissos que os fideístas (como Evans) que mantêm uma forma fraca de fideísmo. Discutiremos a interação entre fideísmo, evidencialismo e epistemologia reformada mais adiante. Na próxima seção, descreveremos o evidencialismo.

Page 67: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

67

A Epistemologia da Teologia e da Religião Capítulo 2

Atividades de Estudos:

1) Há várias posições que podem ser consideradas como fideístas. Nesta seção discorremos sobre a posição de alguns pensadores. Compare as posições fideístas de Wittgenstein, Bishop e C. Stephen Evans.

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

O EvidencialismoO evidencialismo epistêmico é a visão de que um sujeito está justificado

em acreditar em uma proposição somente se estiver adequadamente apoiada por evidências. O evidencialismo epistêmico e tipicamente formulado em termos de justificação proposicional. Isso pode ser descrito por condicionais cujos antecedentes descrevem as experiências do sujeito (amplamente interpretadas) e cujos resultados indicam que alguma proposição tem algum status epistêmico positivo para essa pessoa (CHISHOLM, 1974). Alternativamente, ele pode ser descrito por relações de apoio epistêmicas entre uma proposição-alvo e uma proposição conjuntiva descrevendo as experiências do sujeito ou crenças básicas ou o conhecimento (SWINBURNE, 2001). O que não está incluído na justificação proposicional e que um sujeito realmente acredita na proposição-alvo. Enquanto a justificação proposicional é uma relação entre proposições ou uma função das experiências para o status epistêmico, a justificação doxástica e uma propriedade de crenças em que o conteúdo proposicional da crença é justificado pela evidência do sujeito e, alem disso, o sujeito está apropriadamente atentivo e corretamente responsivo a essas evidências. O evidencialismo epistêmico e antes de tudo uma teoria sobre a justificação proposicional.

Como teoria completa da justificação epistêmica, o evidencialismo

epistêmico é a visão de que um sujeito se justifica em crer uma proposição em algum momento específico se, e somente se a evidência do sujeito apoia suficientemente essa proposição naquele momento (e, claro, porque a evidência a suporta). Vale observar que aquilo que está entre parênteses não é parte oficial

Page 68: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

68

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

da definição do evidencialismo, pelo menos como definido por seus principais proponentes, Conee e Feldman (2004). No entanto, eles a endossam como parte do projeto mais amplo do evidencialismo. Conee e Feldman (2004) declaram o evidencialismo de três maneiras. Aqui estão duas:

1) EJ - A atitude doxástica D em relação à proposição p e epistemicamente justificada para S em t se e somente se tendo D em relação a p corresponde à evidência que S tem em t. (CONEE; FELDMAN, 2004, p. 83).

2) E - S justifica-se em acreditar p se e somente se a evidência de S está em equilíbrio, apoia p. (CONEE; FELDMAN, 2008, p. 83)

“E” e (menos claramente) “EJ”, no entanto, têm um problema com a direção do bicondicional da direita para a esquerda. Se a evidência de alguem apoia uma proposição com apenas uma probabilidade de 0.5001, S não se justifica em (plenamente) acreditar p (embora o sujeito se justificaria em manter uma crença parcial muito tênue em grau 0.5001). O limiar de justificação para a crença (plena) precisa ser maior do que simplesmente estar em equilíbrio, apoiado por evidências. Se houvesse uma moeda que tivesse uma probabilidade de 0.5001 de cair com a cara para cima, eu não estaria justificado em (plenamente) acreditar que em seu próximo giro, que ela iria cair do mesmo modo. A próxima tese de Conee e Feldman exclui essa objeção.

3) ES - A justificação epistêmica da atitude doxástica de qualquer pessoa em relação a qualquer proposição, em qualquer momento, sobrevem fortemente à evidência que a pessoa tem no momento. (CONEE; FELDMAN, 2004, p. 101).

Eles resumem a “ES” desta forma: o corpo total de evidências de alguem estabelece inteiramente quais atitudes doxásticas em relação a quais proposições são epistemicamente justificadas em qualquer circunstância possível.

Tentamos afirmar essa proposta de Conee e Feldman de forma mais sucinta e menos tecnica. Para aprofundar as discussões sobre estas teorias da justificação e suas implicações, sugerimos a leitura da obra O conhecimento como crença verdadeira justificada, de Luís Estevinha Rodrigues (2013).

Page 69: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

69

A Epistemologia da Teologia e da Religião Capítulo 2

Locke e outros acrescentam uma tese de proporcionalidade, de que devemos crer em uma proposição somente na medida, ou no grau em que ela e apoiada por nossa evidência. Definimos o evidencialismo aqui sem nos comprometermos com a tese mais forte da proporcionalidade, mas e uma extensão natural, dada a gradualidade da crença. Aplicado às crenças sobre Deus, alguem estaria justificado em acreditar em algo somente se sua evidência apoia o que ela acredita. Ninguém estaria justificado em acreditar em algo sobre Deus sem evidência suficiente para apoiar essa crença (KOSLOWSKI, 2009).

Os evidencialistas teístas com frequência oferecem argumentos para a existência de Deus e para suas crenças sobre os atributos divinos. As provas teístas incluem argumentos cosmológicos, morais, ontológicos, teleológicos e de outros tipos para a existência de Deus. Atualmente esses argumentos são oferecidos como parte de um caso cumulativo para o teísmo. A acumulação de muitos argumentos plausíveis independentes para a mesma proposição oferece a essa proposição uma probabilidade maior do que qualquer um dos argumentos por conta própria. Os evidencialistas teístas tambem acham importante responder a argumentos contra a existência de Deus, principalmente argumentos a partir da magnitude, duração e distribuição do sofrimento no mundo e argumentos da ocultação ou obscuridade divina (alguns chamam de argumento da descrença).

Para trabalhos recentes sobre o problema do mal, veja as obras Deus, a liberdade e o mal, de Plantinga (2012); O problema do mal e algumas variedades de ateísmo, de Rowe (2013), e Será que Deus existe, de Swinburne (1998). Para aprofundar o conhecimento sobre a ocultação divina, veja a obra Divine Hidenness, de Howard-Snyder e Moser (2001).

A Epistemologia ReformadaOs epistemólogos reformados argumentam que alguém pode justificadamente

acreditar que Deus existe (e manter algumas outras crenças teístas) sem quaisquer argumentos ou inferências. Plantinga (PLANTINGA; WALTERSTORFF, 1983) argumenta que alguém pode justificadamente acreditar que Deus existe sem argumentos ou inferências. Em seu trabalho posterior (PLANTINGA, 2000), "justificado" e seus cognatos se tornaram mais estreitos, de modo que se a crença de alguém é propriamente básica, ela é justificada (mas não o contrário). Ainda assim, se uma crença e propriamente básica, acredita-se nela sem argumentos

Page 70: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

70

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

ou inferências, por isso, para Plantinga, essas crenças teístas justificadas (e propriamente básicas) ainda são acreditadas sem quaisquer argumentos ou inferências. Ou seja, se p está "sem argumentos ou inferências", queremos dizer, como parece que Plantinga o faz, que p não está evidencialmente apoiado por outras proposições. Para Plantinga, a questão central não e se alguem que possui uma crença teísta p pode fornecer argumentos para p, mas se de fato existem bons argumentos para p. (PLANTINGA, 2000; 2003).

Algumas crenças teístas são consideradas imediatas ou adequadamente básicas. Isto e, são apropriadamente mantidas, mas não com base em outras proposições. Deste modo, as crenças de que Deus existe (e outras crenças) seriam muito parecidas com crenças perceptivas ou memórias. De acordo com William Alston (1993), por exemplo, as crenças sobre Deus são justificadas com base nas percepções que temos de Deus. De acordo com Alvin Plantinga (2000; 2003), quando a crença religiosa e produzida por Deus num crente religioso do modo certo, o resultado e a fe, que e uma crença religiosa imediatamente justificada (ainda mais garantida – warranted – ou com maior aval epistêmico). Alguns epistemólogos reformados acreditam que temos uma faculdade especial, chamada de sensus divinitatis, pela qual percebemos ou de outra forma obtemos crenças imediatamente justificadas a respeito de Deus. No entanto, a maioria dos epistemólogos reformados tambem acha importante responder a argumentos contra a existência de Deus, principalmente argumentos a partir da magnitude, duração e distribuição do sofrimento no mundo e argumentos da ocultação divina. Descreveremos as opiniões de Plantinga e Alston com um pouco mais de detalhes.

• Especificamente para Plantinga (2000), muitas crenças religiosas são apropriadamente básicas. Isto e, são apropriadas e básicas. Uma crença e básica para um assunto apenas no caso em que o sujeito mantem a crença não com base em outras crenças que ele possa ter. Uma crença e apropriada apenas no caso em que a crença é justificada, racional e garantida (com aval epistêmico). Uma crença é justificada apenas no caso em que o sujeito não está violando quaisquer obrigações intelectuais por acreditar. A crença e racional apenas no caso em que o sistema cognitivo do sujeito está funcionando corretamente e o sujeito tem feito o seu melhor no que diz respeito à formação da crença. Uma crença e garantida apenas no caso em que a crença do sujeito e produzida por um processo de formação de crenças que está (1) funcionando corretamente, (2) em um ambiente epistêmico apropriado, (3) projetado para atingir a verdade, e (4) com sucesso atinge a verdade. De acordo com Plantinga, se o cristianismo e verdadeiro, as crenças fundamentais sobre o cristianismo, incluindo as crenças teístas, atendem a esses criterios e, portanto, são apropriadamente básicas.

Page 71: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

71

A Epistemologia da Teologia e da Religião Capítulo 2

• Especificamente para Alston (1993), muitas pessoas percebem Deus (onde perceber algo não exige que a coisa percebida exista), e com base em sua percepção de Deus, as pessoas formam crenças justificadas a respeito de Deus. Alston argumenta por essa afirmação, oferecendo, primeiro, relatos de pessoas que alegaram ter percebido Deus. Essas percepções são semelhantes às experiências perceptuais paradigmáticas: consciência do objeto, do objeto sendo-lhes apresentado, etc. Alston então argumenta que mesmo que a percepção de Deus não ocorra atraves dos sentidos normais, pode haver uma faculdade diferente responsável por oferecer as percepções de Deus. Não podemos justificar crenças baseadas na percepção sensorial normal sem argumentar em círculo, então precisamos começar com nossas práticas de produção de crença normalmente aceitas baseadas nas percepções que temos. As crenças relevantes sobre Deus, que as pessoas que têm percebido Deus possuem, são justificadas com base em suas práticas normais de formar crenças baseadas em percepções, desde que não tenhamos razões suficientes para assumir as percepções de Deus como não confiáveis. Mas, como acontece com as percepções normais, não temos uma boa razão para considerar as percepções de Deus como não confiáveis. Mesmo que haja relatos contraditórios sobre as percepções de Deus, cada pessoa que percebe Deus, pelo menos, tem uma razão interna suficiente para se engajar em práticas de formação de crenças usando sua percepção de Deus.

A epistemologia reformada e motivada em pelo menos três maneiras. Primeiro, a epistemologia reformada e parcialmente motivada por uma interpretação particular das escrituras cristãs. Por exemplo, Plantinga (2000) oferece sua explicação influenciada em parte por João Calvino. De acordo com essa interpretação, os seres humanos são cognitivamente defeituosos devido ao pecado. Os seres humanos cognitivamente defeituosos não obtêm ajuda por acreditar nas premissas de um argumento teísta. Seria necessário um ato especial de Deus para que os seres humanos tivessem crenças garantidas, com aval epistêmico, sobre Deus.

O ponto de vista do epistemólogo reformado tambem e motivado pelo fato de que muitas pessoas acreditaram no teísmo sem acreditar na base de argumentos, às vezes chamados de forma enganosa de "evidência proposicional" (ALSTON, 1993). Plantinga diz, por exemplo, que se precisássemos proporcionar nossa crença de acordo com argumentos, então apenas algumas pessoas estariam justificadas em suas crenças sobre Deus, e somente depois de muito esforço e tempo, e sua crença seria ainda incerta e "atravessada com falsidade" (PLANTINGA, 2000). Aqui, Plantinga está claramente ecoando a linguagem de

Page 72: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

72

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Aquino em sua Summa Theologica. Se apenas algumas pessoas têm crenças religiosas justificadas, então o teísmo estaria, como afirma Stephen Wykstra (apud PLANTINGA, 1991, p. 290), em "grande problema doxástico". A maioria dos crentes estaria agindo de forma contrária aos seus deveres intelectuais. Mas, o argumento tenta assim sustentar, o teísmo não está com esse problema, então não precisamos proporcionar nossas crenças de acordo com nossos argumentos.

A epistemologia reformada tambem obtem sua motivação argumentando contra a visão de Locke – o que chamamos de "hiperevidencialismo", mas que os epistemólogos reformados muitas vezes chamam simplesmente de evidencialismo (MICHELETTI, 2007). Bergmann (2010) chama essa visão opositora de "evidencialismo teísta".

Uma objeção ao evidencialismo semelhante à objeção do epistemólogo reformado ao evidencialismo ocorre tambem fora da epistemologia religiosa. Como podemos ver em Dougherty (2011), que afirma que outros desafios para o evidencialismo vêm de exemplos de crenças justificadas que parecem não ter qualquer evidência. No entanto, uma maneira de enquadrar esses debates não e se o evidencialismo e verdadeiro, mas sim como ele deve ser compreendido, como devemos entender a natureza da evidência, de tê-la, e de como ela apoia uma proposição ou atitude.

No caso dos epistemólogos reformados, há dois tipos de argumentos contra o hiperevidencialismo. O primeiro e mostrar que há muitas crenças que estamos justificados em manter, mas que tais crenças não são mantidas com base em quaisquer argumentos (ou evidência proposicional). Por exemplo, a crença de que existem outras mentes, as crenças baseadas na memória e a crença de que o mundo não foi criado há cinco minutos. Alem disso, algumas pessoas acreditam em coisas sobre Deus ao ver um belo pôr-do-sol sem qualquer evidência a oferecer, e presumivelmente essas crenças são justificadas.

O segundo argumento contra a visão de Locke é que essa visão define os padrões de crença justificada a respeito de Deus em um patamar muito elevado. Ou seja, pelos padrões de Locke não poderia haver evidência suficiente para a existência de Deus. Os padrões seguem algo como isto: as evidências de que você precisa para fundamentar sua crença, para que ela seja justificada, devem ser proposições que sejam autoevidentes, infalíveis, irrevogáveis, etc. Nenhuma prova teísta tem premissas que sejam autoevidentes, infalíveis ou irrevogáveis.

Page 73: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

73

A Epistemologia da Teologia e da Religião Capítulo 2

Para ver que o alvo desse tipo de argumento e a visão de que a evidência consiste inteiramente em proposições, argumentos ou crenças, veja Advice to Christian Philosophers, de Plantinga (1984), e Religious Epistemology, de Clark (2004). Para um argumento contra a opinião de um oponente que as crenças fundamentais devem ser infalíveis, veja Religion and Epistemology, de Plantinga e Bergmann (2015). Para um argumento contra a visão de que as crenças fundamentais devem ser autoevidentes, veja The Prospects for Natural Theology, de Plantinga (1991).

Às vezes e difícil dizer se os epistemólogos reformados assumem o seu alvo como sendo uma posição segundo a qual a evidência consiste inteiramente em proposições ou segundo a qual a evidência consiste inteiramente em crenças (ou no conteúdo de crenças). Para permanecermos consistentes, vamos representar o alvo como uma visão proposicional sempre que possível. Se o alvo for uma visão doxástica, apenas pequenas alterações serão necessárias.

Alem disso, ate mesmo as provas teístas que são probabilísticas envolvem muitas premissas cujas probabilidades precisam ser multiplicadas para render a probabilidade da conclusão. Multiplicar as probabilidades das premissas resulta em uma probabilidade muito baixa para a conclusão, uma probabilidade que não e suficiente para justificar a crença na conclusão (PLANTINGA, 2000). Portanto, se a visão de Locke é verdadeira, os padrões de justificação estabelecidos são muito elevados e, como resultado, muitas crenças teístas careceriam de justificação.

Uma diferença entre a epistemologia reformada e o fideísmo é que o primeiro exige defesa contra objeções conhecidas, como o Argumento Lógico do Mal proposto por Mackie (1955), enquanto que o segundo pode descartar tais objeções como irrelevantes ou, pior, como tentações intelectuais. Uma diferença entre a epistemologia reformada e o fideísmo wittgensteiniano é que o primeiro propõe um relaxamento universal das condições rigorosas do evidencialismo, enquanto o último só propõe um relaxamento para o caso das crenças religiosas.

Page 74: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

74

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

A epistemologia reformada poderia estar correta e, no entanto, ser muito menos significativa do que seus proponentes consideram ser. Isso aconteceria se, de fato, poucas crenças religiosas se fundamentassem nos tipos de experiências religiosas comuns que a maioria dos crentes tem. Pois, na verdade, pode ser que as crenças façam parte da causa da experiência e não ao contrário (KATZ, 1978).

Atividades de Estudos:

1) A epistemologia reformada e uma posição que traz inúmeras questões para discussões na epistemologia da teologia e da religião. Apresente sua compreensão sobre o que seria a epistemologia reformada.

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

O Estado Atual do DebateO fideísmo e a epistemologia reformada são ambas reações à visão

Iluminista, tanto do Iluminismo inglês, representado pelos escritos de John Locke, o Iluminismo escocês, representado pelos escritos de David Hume e Thomas Reid, o Iluminismo francês, representado pelos escritos de Diderot e o Barão de Holbach, e o Iluminismo alemão, representado pelos escritos de Immanuel Kant. Entretanto, as contra-argumentações da epistemologia reformada estão estreitamente associadas a posições expressas por Locke, que tem como núcleo as três teses seguintes, que servem como premissas para a conclusão de que a crença justificada de que Deus existe não é fundacional, que podemos chamar de Evidencialismo Iluminista.

a) O argumento do hiperevidencialismo

1) Evidencialismo epistêmico: A crença B é justificada para S no momento t somente se a evidência de S suporta suficientemente B no momento t (onde os criterios gerais para o que conta como evidência para crenças religiosas são os mesmos que os criterios para o que conta como evidência para crenças não religiosas).

Page 75: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

75

A Epistemologia da Teologia e da Religião Capítulo 2

A evidência E de S pode suportar B inferencialmente ou não inferencialmente. A evidência E suporta não inferencialmente B apenas no caso em que E e uma experiência não doxástica, interpretada amplamente, que S tem e B e uma resposta epistemicamente adequada à E. A evidência de S suporta inferencialmente B apenas no caso em que E consiste em outras crenças racionais que S tem e o conteúdo de E dedutivamente, indutivamente, ou abdutivamente sustenta o conteúdo de B.

O evidencialismo Iluminista tambem contem a visão de que o suporte evidencial para uma proposição só pode ser obtido se a proposição for fundacional ou suficientemente provável nas proposições fundacionais. Esta adição, no entanto, e desnecessária para o argumento anterior. Alem disso, o evidencialismo epistemológico contemporâneo não contem essa adição.

2) A explicação fundacional clássica da evidência: a evidência de S consiste inteiramente em proposições que são infalíveis, autoevidentes, irrevogáveis, etc.

As evidências a que nos referimos neste argumento são evidências básicas. Algumas pessoas pensam que as coisas que são inferidas fazem parte das suas próprias evidências, mas isso e só de uma maneira de falar. O que e verdade e que as proposições inferidas podem servir como premissas em um argumento convincente. Mas, como lemas, elas são sempre elimináveis e só servem a um propósito pedagógico para nos permitir recorrer a regras mais simples de inferência.

3) A tese teológica particular: A proposição de que Deus existe não e infalível, autoevidente, irrevogável, etc.

4) A proposição de que Deus existe não faz parte da evidência de S (a partir das premissas 2 e 3), então,

5) Hiperevidencialismo: Se a crença de S de que Deus existe é justificada, está suficientemente apoiado por outras proposições (ou seja, é suportado inferencialmente) - (a partir das premissas 1 e 4).

O principal objetivo da epistemologia reformada e incluir a proposição de que Deus existe nos fundamentos, de modo a negar o hiperevidencialismo. A visão do Iluminismo, representado pela posição de John Locke, conforme considerada pelos epistemólogos reformados, inclui compromissos que impedem a proposição de que Deus existe a partir dos fundamentos. Colocar Deus nas fundações requer a rejeição de pelo menos um desses compromissos (geralmente a premissa 2). Mas o argumento acima pode ser generalizado de modo a remover qualquer referência ao fundacionalismo clássico. Qualquer fundacionalismo que exija que as fundações tenham uma característica que a proposição de que Deus existe não tem, gera a mesma conclusão de uma maneira muito semelhante:

Page 76: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

76

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

b) O argumento generalizado do hiperevidencialismo

1) Evidencialismo epistêmico: A crença B é justificada para S se, e somente se, a evidência de S suporta suficientemente B em t (onde os criterios gerais para o que conta como evidência para crenças religiosas são os mesmos que os criterios para o que conta como evidência para crenças não religiosas).

2) Explicação seletiva da evidência: a evidência de S consiste inteiramente em proposições que têm a característica F.

3) Tese teológica particular: A proposição de que Deus existe não tem F.

Destes, segue-se que

4) A proposição de que Deus existe não faz parte da evidência de S. (a partir de 2 e 3)

Assim,

5) Hiperevidencialismo: Se a crença de S de que Deus existe é justificada, está suficientemente apoiada por outras proposições (ou seja, é suportado inferencialmente – a partir de 1 e 4).

O fideísmo em suas formas extremas e moderadas implica a negação da premissa 1. Os fideístas do tipo extremo sustentam que alguém pode racionalmente manter uma crença contrária à sua evidência ou sem qualquer evidência de apoio, ou que os criterios para o que conta como evidência diferem para crenças religiosas e para as crenças não religiosas. Os fideístas do tipo moderado sustentam que às vezes e racional manter uma crença teísta, mesmo que seja ambíguo o fato de se a evidência apoia essa crença. Se alguem negasse a premissa 1, naturalmente não precisaria negar nenhuma outra premissa para negar a premissa 5, e pensaria que seria irrelevante para a racionalidade das crenças teístas se a premissa 4 fosse verdade. Por outro lado, os fideístas do tipo fraco podem endossar a premissa 1 (a visão de Evans e compatível com esta premissa – como descrevemos acima) enquanto que podem negar outra premissa. Como a discussão restante sobre a epistemologia reformada deixará claro, o endosso de um tipo fraco de fideísmo é compatível com um endosso da epistemologia reformada.

Os epistemólogos reformados negam a premissa 5. De fato, eles definem sua posição em oposição ao hiperevidencialismo (o que os epistemólogos reformados chamaram simplesmente de evidencialismo). Quase todos os epistemólogos reformados negam a premissa 5 porque negam a premissa 4: os epistemólogos reformados sustentam que a existência de Deus pode ser uma crença apropriadamente fundacional – não precisa estar apoiada por outras

Page 77: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

77

A Epistemologia da Teologia e da Religião Capítulo 2

proposições para ser justificada – e assim pode ser parte de nossa evidência, e se for apoiada por evidências proposicionais (por exemplo, do tipo fundacionalista clássico), isto seria meramente uma justificação "bônus". Se os epistemólogos reformados negam a premissa 4, e porque eles negam a premissa 2 ou a 3.

Os epistemólogos reformados rejeitam qualquer fundacionalismo que propõe uma condição necessária para ser fundacional, em que a proposição de que Deus existe não pode se encontrar. Ao inves de fazer isso de forma fragmentada, no entanto, eles sugerem o seu próprio fundacionalismo com uma condição suficiente para a existência de Deus ser fundacional. Esta abordagem proativa origina uma "epistemologia reformada" mais espessa, especialmente o modelo estendido Aquino/Calvino de Plantinga. Mas o mesmo efeito e alcançado por certos fundacionalismos moderados contemporâneos, incluindo o conservadorismo fenomenal, que veremos mais adiante.

A epistemologia reformada e completamente consistente com a premissa 1) Esta premissa e irrelevante se alguem e um epistemólogo reformado. Alem disso, como se mostrou nos parágrafos anteriores, se alguem negasse a premissa 1) ela não precisaria negar a premissa 2 ou 3. Os fideístas extremos e moderados negam a premissa 1 e os epistemólogos reformados não endossam o fideísmo extremo ou moderado (WOLTERSTORFF, 1996). De fato, Plantinga endossa explicitamente o evidencialismo epistêmico. Em sua obra, Plantinga (2000) argumenta que a garantia (o aval epistêmico) requer evidência, de modo que um sujeito não pode legitimamente acreditar que Deus existe sem evidência.

Os epistemólogos reformados argumentam contra a premissa 2. Por exemplo, Kelly James Clark (2001), William Alston (1993) e Alvin Plantinga (2000), todos epistemólogos reformados, argumentam explicitamente contra a premissa 2. Uma maneira de caracterizar a epistemologia reformada, como em Greco (2007), e a oposição à ideia de que as crenças sobre Deus precisam ser baseadas em um tipo particular de fundamento – o tipo envolvido em dar razões ou argumentos para as crenças de alguem. Mas as razões referidas são, como Greco deixa claro, baseadas em crenças autoevidentes ou incorrigíveis. Esta estrategia pode, e claro, ser generalizada.

Alem disso, Paul Moser (2010) e C. Stephen Evans (2010), que poderiam ser chamados de epistemólogos reformados, mas que tambem endossam o evidencialismo epistêmico, tambem negam a premissa 2. Ainda mais, Richard Swinburne (2004), um evidencialista que alguns dos epistemólogos reformados dizem que ele desenvolve o projeto do Iluminismo tal como legado por Locke (WOLTERSTORFF, 1998), nega a premissa 2 e endossa a visão de que a experiência religiosa fornece evidência básica, não inferencial para o teísmo. Além disso, o compromisso de Swinburne (2001) com o credulismo o compromete

Page 78: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

78

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

a possibilidade de uma crença plenamente justificada na base da experiência religiosa. Portanto, negar a premissa 2 não e exclusivo daqueles que se chamam epistemólogos reformados. Na verdade, e negado por muitos que se chamam tambem evidencialistas.

Não só muitos epistemólogos reformados (pessoas que mantêm que a crença em Deus pode ser apropriadamente básica) mantêm o evidencialismo epistêmico, mas tambem muitos evidencialistas epistêmicos sustentam que a crença em Deus pode ser apropriadamente básica (e, portanto, epistemologia reformada). Qualquer evidencialista que sustenta que a experiência religiosa fornece uma base racional sobre a qual pode-se acreditar que Deus existe, endossa a visão de que alguem pode racionalmente acreditar que Deus existe sem o argumento de outras proposições. Para essa pessoa, a existência de Deus e imediata e básica. Assim, quem pensa que a experiência religiosa fornece evidências com base nas quais alguem pode racionalmente acreditar que Deus existe (ou manter outras crenças teístas) e tanto um epistemólogo evidencialista quanto um epistemólogo reformado.

O evidencialista epistêmico e epistemólogo reformado podem concordar, contrariamente ao ponto de vista de Locke, que e racional ter como crença básica que existem outras mentes e que o mundo não foi criado há cinco minutos. O evidencialista epistêmico sustenta que e racional para um sujeito acreditar nessas coisas com base em sua evidência. Se a evidência não se restringe a crenças ou argumentos, o evidencialista epistêmico pode assumir que as evidências (em alguns casos, pelo menos) são intuições, experiências ou estados aparentes. De fato, os principais evidencialistas epistemológicos, como Conee e Feldman (2004, 2008), não mantêm teorias proposicionais de evidências, mas sim, afirmam que a evidência em última instância consiste em experiências. Desta forma, o evidencialista epistêmico também pode afirmar que é racional ter como crenças básicas que há outras mentes e que o mundo não foi criado há cinco minutos.

Aqui está apenas um exemplo de como isso pode ser feito. Os evidencialistas podem manter o evidencialismo epistêmico e sustentar que alguem pode racionalmente acreditar que Deus existe sem argumento, mantendo o conservadorismo fenomênico. Dougherty (2011), por exemplo, apresenta uma breve história da experiência em evidências relacionadas ao conservadorismo fenomênico. Já Conee apresenta seu "evidencialismo aparente" (CONEE; FELDMAN, 2004), em que para ele as aparências que p fornece razões para acreditar que p. Esta visão tem seus predecessores, Chisholm (1974) chama seu ponto de vista de "common-sensism", uma variação da filosofia do senso comum. No caso de Swinburne (2001), ele centra sua epistemologia em um "princípio da credulidade", e Huemer (2001) chama seu ponto de vista de "conservadorismo fenomênico".

Page 79: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

79

A Epistemologia da Teologia e da Religião Capítulo 2

Uma maneira de formular o conservadorismo fenomênico e esta: Se parecer para um sujeito S que uma proposição p se mantem, então S tem uma razão (irrefutável) para acreditar p. Esse não é o princípio da credulidade de Swinburne ou o conservadorismo fenomênico de Huemer, ambos muito fortes. As aparências podem ser bastante fracas para não fazer p provável ou justificado (mesmo prima facie), respectivamente. Se o estado aparente é suficientemente forte, então S tem uma razão suficientemente forte para acreditar p, de modo que S está justificado em acreditar p. Esses estados aparentes não são crenças, não são autoevidentes e não são infalíveis, mas constituem evidência. Assim como o funcionalismo apropriado de Plantinga, o conservadorismo fenomênico e (ou poderia pelo menos ser facilmente incorporado) uma forma de fundacionalismo não clássico (HUEMER, 2001).

Além disso, pode parecer-nos suficientemente forte que existem outras mentes e que o mundo não foi criado há cinco minutos. Para o evidencialista conservador fenomênico que aceita que as experiências religiosas fazem parecer que existe um Deus, as crenças (não desviantes) resultantes dessas experiências serão devidamente baseadas em evidências. Compare o relato de percepção que Alston (1993, p. 5) oferece, “uma consciência de que algo está aparecendo a alguem como tal e tal”, com um aparente, que e "uma especie de experiência com conteúdo proposicional" de Tucker (2011, p. 55-56). Se as percepções de Alston não coincidem com os estados aparentes, talvez ele corresponda a um estado como-se-aparente, que e não proposicional e que causalmente precede estados aparentes. Assim, pode-se ser um evidencialista epistêmico e um epistemólogo reformado. Chris Tucker (2011) ate tentou reconciliar o evidencialismo conservador fenomênico com a explicação do aval epistêmico – garantia/warrant – (e não apenas a justificação, o aval epistêmico e tudo o que for adicionado à crença verdadeira para torná-la conhecimento) e um lugar para o que alguns epistemólogos reformados acreditam ser uma faculdade especial para perceber Deus: o sensus divinitatis.

Alem disso, alguem que sustenta tanto o evidencialismo epistêmico quanto a epistemologia reformada também pode ser consistentemente um fideísta do tipo fraco. Esta pessoa pode considerar que existem condições para adquirir adequadamente evidências, e uma dessas condições e a fe. Talvez essa evidência seja uma experiência ou o aparente ou algum outro fundamento, e ao obter essa evidência, a pessoa estaria imediatamente justificada em acreditar que Deus existe.

Talvez seja útil para alguem denominar-se um evidencialista (para mostrar sua oposição ao fideísmo extremo ou moderado) ou um epistemólogo reformado (para mostrar sua oposição à visão iluminista) ou um fideísta do tipo fraco (para mostrar sua oposição à opinião de que o pecado ou a fe não e relevante à formação racional da crença). Estes títulos são úteis como um meio de identificar-se com uma determinada comunidade com distinções históricas particulares. No entanto, deve ser claro que quando alguém diz que se identifica com um desses três pontos de vista, eles não estão necessariamente se opondo aos outros.

Page 80: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

80

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Para aprofundar seus estudos sobre estas três posições, sugerimos a leitura dos seguintes artigos. Para a epistemologia reformada veja os artigos de Uchôa, Epistemologia reformada, anuladores e evidencialismo (2011) e Epistemologia reformada e a racionalidade da crença cristã (2015); para o debate atual entre fideístas, epistemólogos reformados e evidencialismo teísta veja A racionalidade da crença religiosa, um mapa do debate filosófico atual, de Oliveira (2013).

Algumas ConsideraçõesNeste capítulo apresentamos apenas um aspecto introdutório da

epistemologia da teologia e da religião. Você foi convidado a revisitar brevemente a história da fe e da razão como um plano de fundo para as posições hoje sustentadas por pensadores que participam dos debates nesta área. Procuramos caracterizar estas posições, o fideísmo, o evidencialismo e a epistemologia reformada. Entretanto, podemos dizer que são apenas generalizações que podem esconder diversas nuances e ramificações que ainda não exploramos. O que levanta o desafio para que você, acadêmico, procure aprofundar seus estudos sobre as questões introduzidas aqui.

No próximo capítulo vamos voltar a alguns temas já explorados, procurando ampliar o debate sobre as implicações epistemológicas ao conhecimento religioso. Portanto, não deixe de rever os conceitos e as posições apresentadas neste capítulo para aproveitar ao máximo o conhecimento que estamos construindo sobre este campo de investigação da epistemologia da teologia.

ReferênciasALSTON, W. Perceiving God: the epistemology of religious experience. New York: Cornell University Press, 1993.

ALSTON, W. P. Conhecimento perceptivo. In: GRECO, John; SOSA, Ernest (Orgs). Compêndio de epistemologia. São Paulo: Edições Loyola, 2008. p. 347-378.

Page 81: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

81

A Epistemologia da Teologia e da Religião Capítulo 2

AMESBURY, R. Fideism. In: Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2009. Disponível em: <plato.stanford.edu/entries/fideism>. Acesso em: 23 maio 2017.

ANSELMO, S. Monológio. In: ______. Santo Anselmo de Cantuária. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988.

ANSELMO, S. Proslogion seu alloquium de dei existentia. Covilhã: LusoSofia:press, 2008. Disponível em: <http://www.lusosofia.net/textos/anselmo_cantuaria_proslogion.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2017.

AQUINO, S. T. de. Suma de Teologia. 4. ed. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2001.

ARRINGTON, R. L.; ADDIS, M. (Orgs). Wittgenstein and Philosophy of Religion. London New York: Routledge, 2001.

BERGMANN, M. Religious Belief, Epistemology of (Recent Developments). In: STEUP, M. (Ed.). A Companion to Epistemology. 2. ed. Malden, MA: Blackwell Publishers, 2010. p. 697–699.

______. Rational Religious Belief without Arguments. In: POJMAN, L.; REA, M. (Eds.). Philosophy of Religion: An Anthology. Belmont, CA: Wadsworth, 2012. p. 534–549.

BERKELEY, G. Três diálogos entre Hilas e Filonous em oposição aos céticos e ateus. São Paulo: Abril Cultural, 1996.

BISHOP, J. Believing by Faith: an essay in the epistemology and ethics of religious belief. New York: Oxford University Press, 2007.

______. Evidence. In: TALIAFERRO, C.; HARRISON, V.; GOETZ, S. (Eds.). The Routledge Companion to Theism. Taylor & Francis, 2013. p. 167–181.

BOÉCIO. AConsolaçãodaFilosofia. Trad. Willian Li. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

BONJOUR, L.; SOSA, E. EpistemicJustification. Malden, MA: Wiley-Blackwell, 2003.

BRAATEN, C.; JENSEN, R. (Eds). Dogmática cristã. São Leopoldo: Sinodal, 1990. v. 1.

Page 82: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

82

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

BRAITHWAITE, R. B. An Empiricist's View of the Nature of Religious Belief. In: MITCHELL, Basil (Ed.). The philosophy of religion. Oxford: Oxford University Press, 1986. p. 72-91. Disponível em: <http://philosophicalfragments.com/pdf/The_Philosophy_of_Religion.pdf>. Acesso em: 17 abr. 2017.

CHISHOLM, R. M. Teoria do Conhecimento. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1974.

CLARK, K. J. Return to reason: a critique of Enlightenment Evidentialism and a defense of reason and belief in God. Grand Rapids, MI: Wm B. Eerdmans, 2001.

CLARK, K. J. Religious epistemology. In: FIESER, J.; DOWDEN, B. The Internet Encyclopedia of Philosophy. 2004. Disponível em: <http://www.iep.utm.edu/relig-ep/>. Acesso em: 20 abr. 2017.

CONEE, E.; FELDMAN, R. Evidentialism. New York: Oxford University Press, 2004.

______. Evidence. In: SMITH, Q. (Ed.). Epistemology: New Essays. New York: Oxford University Press, 2008. p. 83–104.

CRAIG, W. L. The Classical Method. In: COWAN, S. (Ed.). Five Views on Apologetics. Grand Rapids: Zondervan Publishing, 2000. p. 25–55.

CUPITT, D. Depois de Deus: o futuro da religião. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

DESCARTES, R. Meditaçõessobrefilosofiaprimeira. Campinas: Unicamp, 2004.

DOUGHERTY, T. Evidentialism and Its Discontents. New York: Oxford University Press, 2011.

______. Skeptical Theism. In: ZALTA, E. (Ed.). The Stanford Encyclopedia of Philosophy. 2016. Disponível em: <http://plato.stanford.edu/entries/skeptical-theism/>. Acesso em: 24 abr. 2017.EVANS, C. S. Faith Beyond Reason: A Kierkegaardian Account. Grand Rapids, MI: Eerdman’s Publishing, 1998.

______. Natural Signs and Knowledge of God. New York: Oxford University Press, 2010.

GILSON, E. AFilosofiaNaIdadeMédia. Trad. Eduardo Brandão e Carlos Eduardo Silveira Matos. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

Page 83: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

83

A Epistemologia da Teologia e da Religião Capítulo 2

GRECO, J. Reformed Epistemology. In: MEISTER, C.; COPAN, P. (Eds.). The Routledge Companion to Philosophy of Religion. New York: Routledge University Press, 2007. p. 629–639.

HEGENBERG, L. Introduçãoàfilosofiadaciência: explicações científicas. São Paulo: Herder, 1965.

HELM, P. Belief Policies. Cambridge: Cambridge University Press, 2008.

HOWARD-SNYDER, D.; MOSER, P. (Eds.). Divine Hiddenness: New Essays. Cambridge: Cambridge University press, 2001.

HUANG, Y. Foundation of Religious Beliefs after Foundationalism: Wittgenstein between Nielsen and Phillips, Religious Studies, v. 31, n. 2, p. 251-267, 1995. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/20019740>. Acesso em 23 maio 2017.

HUEMER, M. Skepticism and the Veil of Perception. Lanham: Rowman & Littlefield, 2001.

JORGE FILHO, E. J. Moral e história em John Locke. São Paulo: Loyola, 1992.

KANT, I. Crítica da razão pura. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.

______. Crítica da razão prática. Edição Bilíngue. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

KATZ, S. Language Epistemology and Mysticism. In: KATZ, S. (Ed.). Mysticism and Philosophical Analysis. New York: Oxford University Press, 1978. Disponível em: <http://www2.trincoll.edu/~kiener/KatzS_Language_Epistemology_Mysticism_1978.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2017.

KIERKEGAARD, S. A. Temor e tremor. Lisboa: Relógio D’Água, 2010.

KIERKEGAARD, S. Pós-Escrito às migalhas filosóficas. Petrópolis: Vozes, 2013. v. 1.

KOSLOWSKI, A. A. Alvin Plantinga e seu macroargumento contra o naturalismo. Tese (Doutorado em Filosofia). 224 f. Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Florianópolis: USFC, 2009. Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/92699/272754.pdf?sequence=1>. Acesso em: 27 abr. 2017.

Page 84: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

84

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

LEIBNIZ, G. W. A monadologia e outros textos. São Paulo: Hedra, 2009.

LOCKE, J. Ensaio sobre o entendimento humano. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999.

MACKIE, J. L. Evil and Omnipotence. Mind, New Series, v. 64, n. 254, p. 200- 212, Apr., 1955. Disponível em: <http://www.douglasficek.com/teaching/phil-2250/evil-and-omnipotence.pdf>. Acesso em: 25 maio 2017.

MACKIE, J. L. El milagro del teísmo: argumentos a favor y en contra de la existencia de Dios. Madrid: Tecnos, 1994.

MALCOLM, N. Wittgenstein: A Religious Point of View? London: Routledge, 1993.

MALCOLM, N. The Groundlessness of Belief. In: DAVIES, Brian (Ed.). Philosohpy of Religion. New York: Oxford University Press, 2000. p. 115-122. Disponível em: <http://sarahhoneychurchteaching.wikispaces.com/file/view/ayer+and+malcolm+-+god+talk.PDF>. Acesso em: 17 abr. 2017.

MANDELI, A. V. WIttgesntein sobre as crenças religiosas.110 f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Universidade Estadual de Londrina, Centro de Letras e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Filosofia, Londrina, 2012. Disponível em: <http://www.uel.br/pos/mestradofilosofia/Documentos/AlisonVanderMandeliMESTRADOFIL22082012.pdf>. Acesso em: 23 maio 2017.

MAVRODES, G. Belief in God: A Study in the Epistemology of Religion. New York: Random House, 1970.

McGREW, T. The Foundations of Knowledge. Lanham, MD: Rowman & Littlefield, 1995.

MEJIA, S. Wittgenstein y la creencia religiosa. Ideas y Valores. Bogotá, Colômbia, v. 55, n. 132, p. 3-29, 2006. Disponível em: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=80915451001>. Acesso em: 25 maio 2017.

MICHELETTI, M. FilosofiaAnalíticadaReligião. São Paulo: Loyola, 2007.

MOSER, P. The Elusive God. Cambridge: Cambridge University Press, 2008.

______. The Evidence for God. Cambridge: Cambridge University Press, 2010.

Page 85: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

85

A Epistemologia da Teologia e da Religião Capítulo 2

NIELSEN, K. Wittgensteinian fideist. Philosophy, v. 42, n. 161, p. 191-209, 1967. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/3749076>. Acesso em: 15 abr. 2017.

OLIVEIRA, R. E. de. A racionalidade da crença religiosa, um mapa do debate filosófico atual. Revista Batista Pioneira, v. 2, n. 2, dez./2013. Disponível em: <http://revista.batistapioneira.edu.br/index.php/rbp/article/download/33/42>. Acesso em: 27 abr. 2017.

OPPY, G. Arguing about Gods. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.PASCAL, B. Pensamentos. 2. ed. Trad. Mário Laranjeira. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

PHILLIPS, D. Z. Wittgenstein and religion. London: Macmillan, 1993.

PHILLIPS, D. Z. Faith and Philosophical Inquiry. London: Routledge, 2016.

PLANTINGA, A.; WOLTERSTORFF, N. (Eds.). Faith and Rationality. Notre Dame, Indiana: University of Notre Dame Press, 1983.

PLANTINGA, A. Advice to Christian Philosophers. Faith and Philosophy, v. 1, n. 3, p. 253–271, 1984. Disponível em: <https://www.calvin.edu/academic/philosophy/virtual_library/articles/plantinga_alvin/advice_to_christian_philosophers.pdf>. Acesso em: 20 maio 2017.

______. The Prospects for Natural Theology. Philosophical Perspectives, v. 5, 1991, p. 287–315. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/2214098>. Acesso em: 25 abr. 2017.

______. Warranted Christian Belief. New York: Oxford University Press, 2000.

______. A crença religiosa como realmente básica. In: TALIAFERRO, C.; GRIFFITHS, P. J. Filosofiadasreligiões: uma antologia. Instituto Piaget: Lisboa, 2003.

______. Deus, a liberdade e o mal. São Paulo: Vida Nova, 2012.

PLANTINGA, A.; BERGMANN, M. Religion and Epistemology. In: CRAIG, E. (Ed.). The Routledge Encyclopedia of Philosophy, 2015. Disponível em: <https://www.rep.routledge.com/articles/thematic/religion-and-epistemology/v-2.> Acesso em 24 maio. 2017.

Page 86: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

86

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

POSTON, T. Review: John Bishop: Believing by Faith: an essay in the epistemology and ethics of religious belief, Mind v. 118, n. 469, 2009, p. 151–155. Disponível em: <https://doi.org/10.1093/mind/fzp003>. Acesso em: 23 abr. 2017.

RODRIGUES, L. E. O conhecimento como crença verdadeira garantida. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2013. Disponível em: <http://www.lancog.com/uploads/6/7/1/6/6716383/estevinha_luis_o_conhecimento_como_crena_verdadeira_garantida.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2017.

ROWE, W. O problema do mal e algumas variedades de ateísmo. In: MIRANDA, S. (Ed.) O Problema do Mal: uma antologia de textos filosóficos. Marília: Poiésis, 2013.

SOBEL, J. Logic and Theism: Arguments for and against beliefs in God. Cambridge: Cambridge University Press, 2003.

SPICA, M. A. Wittgenstein: A religião para alem do silêncio. Tese (Doutorado) – UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina: 2009 - p.243.

SWINBURNE, R. Seráquedeusexiste?Lisboa: Gradiva, 1998.

SWINBURNE, R. EpistemicJustification. New York: Oxford University Press, 2001.

______. The Existence of God. Oxford University Press, 2004.

TRIGG, R. Theological realism and antirealism. In: TALIAFERRO, C.; DRAPER, P.; QUINN, P. L. (Eds). A Companion to Philosophy of Religion. Oxford: Wiley-Blackwell, 2010. p. 651-658.

TUCKER, C. Phenomenal Conservatism and Evidentialism in Religious Epistemology. In: VANARRAGON, R.; CLARK, K. J. (Eds.). Evidence and Religious Belief. New York: Oxford University Press, 2011. p. 52–73.

UCHÔA, B. H. Epistemologia reformada, anuladores e evidencialismo. Interações – Cultura e Comunidade, Uberlândia, v. 6, n. 10, p. 127-143, jul./dez. 2011. Disponível em: <http://periodicos.pucminas.br/index.php/interacoes/article/download/6205/5731>. Acesso em: 20 abr. 2017.

______. Epistemologia reformada e a racionalidade da crença cristã. ÁgoraFilosófica, Ano 15, n. 1, jan./jun. p. 2015 – 85, 2015. Disponível em: <http://www.unicap.br/ojs/index.php/agora/article/download/617/486>. Acesso em: 18 abr. 2017.

Page 87: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

87

A Epistemologia da Teologia e da Religião Capítulo 2

WAISMANN, F. Wittgenstein and the Vienna Circle: conversations. Trad. Joachim Schulte e Brian McGuinness. Oxford: Basil Blackwell, 1979.

WITTGENSTEIN, L. Tractatus Logico-Philosophicus. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1968.

______. Conferencia sobre ética. 2. ed. Trad. Fina Birules. Barcelona: Paidós, 1990a.

______. Da certeza. Lisboa: Edições 70, 1990b.

______. Palestra sobre crença religiosa. In: WITTGENSTEIN, Ludwig. Cultura e Valor. Lisboa: Edições 70, 1996a.

______. Anotações sobre as cores. Lisboa: Edições 70, 1996b.

______. Aulas e conversas sobre estética, psicologia e fé religiosa. Lisboa: Cotovia, 1998.

______. InvestigaçõesFilosóficas. São Paulo: Nova Cultural, 1999.

______. Observações Sobre o Ramo Dourado de Frazer. Trad. João Jose de Almeida. Porto: Deriva Editores, 2011.

WOLTERSTORFF, N. P. John Locke and the Ethics of Belief. New York: Cambridge University Press, 1996.

______. Faith. In: The Routledge Encyclopedia of Philosophy. 1998. Disponível em: <https://www.rep.routledge.com/articles/thematic/faith/v-1>. Acesso em: 19 abr. 2017.

______.Epistemologia da religião. In: GRECO, John; SOSA, Ernest (Orgs). Compêndio de epistemologia. São Paulo: Edições Loyola, 2008. p. 469-502.

WOOD, A. W. Kant. Trad. Delamar Jose Volpato Dutra. Porto Alegre: Artmed, 2008.

WYKSTRA, S. Toward a Sensible Evidentialism: On the Notion Needing Evidence. In: ROWE, W.; WAINWRIGHT, W. (Eds.). Philosophy of Religion. Orlando: Harcourt Brace Jovanovich, 1989.p. 426–43.

Page 88: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

88

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Page 89: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

CAPÍTULO 3

O Conhecimento Religioso e suas Implicações Epistemológicas

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem:

�Compreender a razoabilidade da crença religiosa e a possibilidade do conhecimento religioso.

�Identificar as alternativas à filosofia Iluminista na proposta da conscienciosidade epistêmica.

�Analisar as implicações do experiencialismo para o conhecimento religioso.

�Constatar a complexidade da relação entre justificação e racionalidade.

Page 90: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

90

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Page 91: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

91

O Conhecimento Religioso e suas Implicações Epistemológicas Capítulo 3

ContextualizaçãoA religião e uma prática humana complexa que inclui emoções

distintas, crenças, atos e criações artísticas e musicais que expressam e promovem um sentido do sagrado. As pessoas que pertencem a uma tradição de fe particular geralmente pensam que têm conhecimento religioso adquirido atraves da prática de sua religião, mas suas crenças religiosas formam apenas uma parte da prática. As crenças têm um papel mais central para algumas pessoas do que para outras, e as crenças são muito mais importantes em algumas religiões do que em outras. O Cristianismo e o Islã são religiões doutrinárias cuja prática torna certas crenças cruciais, enquanto o Budismo e muito menos focado em exigir a crença como parte da prática. No entanto, uma maneira importante de distinguir uma religião de outra religião está nas crenças que são características das diferentes tradições religiosas. Tambem pode haver crenças que distinguem aqueles que praticam a religião daqueles que não praticam nenhuma, mas essa diferença é mais difícil de identificar.

Os filósofos epistemólogos se interessam por saber se os ensinamentos de qualquer religião são verdadeiros porque muitas religiões oferecem respostas às perguntas que os filósofos fazem: Qual é a origem do mundo material? Qual é a natureza da pessoa humana? Existe um Deus? De onde vieram o bem e o mal? Existe uma vida após a morte? Os filósofos fazem essas perguntas fora da prática de qualquer religião e sem supor que uma ou mais religiões oferecem respostas verdadeiras a essas perguntas. A filosofia também é uma prática e, embora as regras da filosofia sejam elas próprias um tema de debate filosófico, é justo dizer que os filósofos epistemólogos sempre tiveram padrões especialmente fortes para o que conta como respostas boas às perguntas similares àquelas descritas acima e padrões especialmente fortes para avaliar as respostas que são propostas. Na medida em que as crenças de uma prática religiosa competem com as crenças de outra prática sobre questões que os filósofos epistemólogos levantam, a epistemologia tenta julgar a disputa.

Os filósofos epistemólogos fazem mais distinções do que aquelas comumente feitas fora da prática da filosofia. Uma importante distinção para o tema deste capítulo é a distinção entre conhecimento e crença razoável. Os filósofos quase sempre concordam que você não pode conhecer algo a menos que seja verdade, mas pode ser razoável para você acreditar em algo mesmo que seja falso. Por exemplo, pode ser perfeitamente razoável para você acreditar que o colesterol alto aumenta suas chances de contrair doenças cardíacas, mas se a crença for falsa, você não a conhece. Assim, acreditar razoavelmente não garante que você obtenha a verdade, e por isso não garante o conhecimento, como vimos anteriormente nos casos de tipo-Gettier (GETTIER, 1963).

As crenças têm um papel mais central

para algumas pessoas do que para outras, e as

crenças são muito mais importantes em algumas religiões do

que em outras.

Page 92: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

92

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Tambem e possível que você obtenha a verdade sem acreditar razoavelmente. Você pode ser irrazoável, mas sortudo. Então talvez você acredita que beber chá verde aumenta a longevidade porque você leu em uma propaganda. Mas mesmo que seja verdade que o chá verde vai fazer você viver mais tempo, você não sabe disso se a sua fonte e uma simples propaganda. Você não sabe disso porque a crença não e razoável em tais circunstâncias. Assim, o conhecimento parece requerer alguma combinação de crer na verdade e crer razoavelmente.

A maneira pela qual a verdade e a crença razoável se separam torna tentador pensar que os filósofos epistemólogos deveriam fazer uma discussão

da razoabilidade da crença religiosa independentemente de uma investigação da verdade religiosa. Em outras palavras, a verdade e uma coisa, a razoabilidade e outra, e o conhecimento e uma combinação de ambas. Se assim for, a verdade religiosa e uma coisa, a razoabilidade na crença religiosa e outra, e o conhecimento religioso e uma combinação das duas. Isso pode sim ser basicamente correto ate certos limites, e para a maior parte deste capítulo vamos nos concentrar na razoabilidade da crença religiosa e não na sua

verdade. Mais adiante do texto, examinaremos novamente a influente teoria do conhecimento religioso – a epistemologia reformada – que rejeita a independência da verdade e da razoabilidade no caso da crença cristã.

A verdade é uma coisa, a razoabilidade

é outra, e o conhecimento é uma

combinação de ambas.

A Crença Religiosa e os Princípios Orientadores da Filosofia Iluminista

Nós empreendemos, ate o momento, uma investigação do conhecimento religioso partindo da filosofia, não da religião, mas não é óbvio que esta é a maneira correta de proceder. Se pensarmos que devemos começar com um tratamento do conhecimento fora do domínio da religião, e depois aplicar esse tratamento à questão do que e o conhecimento religioso e se este e possível, poderíamos acabar com uma visão distorcida da natureza do conhecimento religioso. Isso porque os filósofos geralmente começam com certos casos paradigmáticos de conhecimento, e isso limita a forma como o conceito de conhecimento e aplicado fora do domínio dos paradigmas.

Tipicamente, os paradigmas consistem em casos simples de conhecimento

perceptivo, conhecimento baseado na memória e casos incontroversos de conhecimento científico. Este método cria problemas para a compreensão de muitos tipos de conhecimento, particularmente o conhecimento moral, o conhecimento que depende da habilidade e o conhecimento que depende da experiência ou da sabedoria especial. Se há conhecimento que deriva da

Page 93: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

93

O Conhecimento Religioso e suas Implicações Epistemológicas Capítulo 3

sabedoria de algumas pessoas ou tradições excepcionais, ou que depende de experiências que nem todo ser humano possui, o conhecimento religioso, sem dúvida, estaria nessa categoria. Mas e difícil explicar esse tipo de conhecimento se permitimos que os paradigmas padronizados do conhecimento ditem a maneira como entendemos o conhecimento religioso.

Há razões pelas quais a filosofia contemporânea ainda lida com o projeto moderno, mesmo que denunciando sua crise, como vemos nos trabalhos de Hegel, Marx, Husserl e Heidegger, por exemplo (OLIVEIRA, 2001). Uma dessas razões e que herdamos atitudes e princípios que limitam severamente as fontes de conhecimento em que confiamos e que estabelecem normas para a correta relação entre as crenças que aceitamos como razoáveis. A maioria dessas atitudes, como já vimos nos capítulos anteriores, surgiu durante o Iluminismo (representado por diferentes pensadores do Iluminismo inglês, escocês, francês e alemão, como referido no capítulo anterior). Algumas delas são bem conhecidas e muitas vezes debatidas, mas algumas delas foram tão completamente assimiladas que nem sequer são notadas. Por exemplo, os estudiosos de Descartes estão bem cientes de que Descartes era um fundacionalista. Ele pensava que nossas crenças têm uma estrutura como uma pirâmide invertida, com algumas crenças na base apoiando todo o edifício de nossas crenças. Para ter a estrutura mais razoável e segura, as crenças fundamentais devem ser indubitáveis, absolutamente infalíveis (NUNES, 2017; POLÓNIO, 2015). O legado de Descartes (LENNON, 2011) incluiu uma propensão ao fundacionalismo extensamente discutida, mas deixou-nos também algo mais: uma suspeita da autoridade epistêmica e uma falta de confiança na sabedoria das tradições e dos outros indivíduos (SOUZA FILHO, 2004). Descartes (2004) começa suas Meditações com um lamento de que as pessoas e as instituições que ele anteriormente tinha confiado epistemicamente o desapontaram. E seus próprios sentidos o haviam desapontado. Portanto, sua busca por um novo metodo de obtenção de conhecimento baseava-se na perda da confiança epistêmica nos outros e na perda parcial da confiança em si mesmo. Experiências de perda de confiança na autoridade e nas tradições eram amplamente difundidas no início do período moderno. O resultado e que a suspeita da autoridade de todos os tipos está profundamente enraizada na cultura moderna.

Experiências de perda de confiança

na autoridade e nas tradições

eram amplamente difundidas no início

do período moderno.

Page 94: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

94

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Danilo Marcondes (2010, p. 255) define o projeto moderno como “a busca da fundamentação da possibilidade do conhecimento e das teorias científicas na análise da subjetividade, do indivíduo considerado como sujeito pensante, como dotado de uma mente ou consciência caracterizada por uma determinada estrutura cognitiva, bem como por uma capacidade de ter experiências empíricas sobre o real, tal como encontramos no racionalismo e no empirismo, embora em diferentes versões”.

Temos herdado uma outra ideia do Iluminismo que afeta o modo como abordamos o conhecimento religioso: o igualitarismo intelectual (ZAGZEBSKI, 2012). Supõe-se comumente que todos nós somos aproximadamente iguais em nossas capacidades epistêmicas. Qualquer experiência que fundamenta a crença deve ser uma experiência que qualquer pessoa pode ter. Alem disso, supõe-se que ninguem e especialmente sábio ou, se há pessoas sábias, não podemos identificá-las de uma forma que seria útil para nós mesmos. Benedito Nunes expressa bem essa herança ao afirmar que o Iluminismo se caracteriza pela:

[...] uniformidade da razão, que ligou entre, numa só matriz filo-sófica, essa mesma ideia de Razão – o bom senso cartesiano, igualmente compartilhado por todos os homens – e a ideia de Natureza – o conjunto daquelas disposições que, acessíveis ao livre exame analítico, seriam iguais em toda parte, escapan-do à força do hábito, ao prestígio da autoridade, às tradições e aos caprichos das circunstâncias históricas, bem como à in-fluência, considerada perturbadora, das paixões e dos hábitos [...] tambem decorreram dela o consensus gentium, como ins-tância coletiva da razão uniforme, o cosmopolitismo abstrato, nivelador de todas as diferenças nacionais e todas as particu-laridades locais, e o igualitarismo intelectual, que se completou por uma curiosa tendência anti-intelectualista, que defendia a posse pacífica, pela simples aplicação do bom senso, de ver-dades essenciais, acessíveis, em igual medida, aos cidadãos civilizados europeus e aos selvagens [...] (NUNES, 1985, p. 56)

Portanto, se existem comunidades epistêmicas, elas não têm estrutura de autoridade, não há tradições confiáveis e não há pessoas a quem o resto de nós deva depender de seus insights (visão clara, repentina, comumente intuitiva, de um problema e sua resolução). Tanto o igualitarismo intelectual como a suspeita moderna da autoridade são componentes importantes do liberalismo político.

Page 95: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

95

O Conhecimento Religioso e suas Implicações Epistemológicas Capítulo 3

Assim, a suspeita da autoridade epistêmica e o igualitarismo intelectual têm raízes na teoria política moderna, bem como na epistemologia. Esses aspectos da prática filosófica geralmente não são debatidos porque são tomados como garantidos.

Há muitas maneiras diferentes em que esses princípios e atitudes afetam a maneira como os filósofos se aproximam da razoabilidade da crença religiosa e da possibilidade do conhecimento religioso. Por exemplo, geralmente não e observado que as discussões sobre a justificação da crença religiosa, pelo menos desde Hume (1992, 2009), assumem duas formas diferentes de fundacionalismo. Primeiro, assume-se que a crença teísta e a base para todas as outras crenças religiosas. Em segundo lugar, supõe-se que as crenças são o fundamento da religião. A religião e uma prática em que as crenças vêm em primeiro lugar e o resto da prática, incluindo emoções, atos e rituais religiosos, derivam sua justificação da justificação independente das crenças religiosas.

A suspeita da autoridade

epistêmica e o igualitarismo intelectual têm raízes na teoria

política moderna, bem como na epistemologia

Álvaro Nunes (2017, p. 7) explica o que e o Fundacionalismo da seguinte maneira: “A ideia base do fundacionismo e a de que justificamos as nossas crenças apelando a outras crenças que são mais básicas, ate chegarmos a crenças tão básicas que não seja possível ou razoável procurar justificá-las através de outras crenças. Assim, de acordo com o fundacionismo há dois tipos de crenças, as básicas, ou fundacionais, e as não básicas, ou não fundacionais. As crenças não fundacionais são crenças que, para que sejam consideradas conhecimento, têm de ser justificadas por outras crenças. As crenças fundacionais, evidentemente, são as crenças que justificam as crenças não fundacionais. Para o fundacionismo, o conhecimento e como um edifício de crenças, em que as crenças mais básicas suportam as outras, da mesma forma que os andares inferiores de um edifício suportam os outros”.

Page 96: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

96

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Essas duas formas de fundacionalismo, juntamente com o igualitarismo intelectu-al e a suspeita da autoridade, explicam uma linha de pensamento sobre a religião que persiste desde o Iluminismo. Esta linha de pensamento conduz a uma dúvida geral sobre a razoabilidade da crença religiosa. Ela pode ser descrita da seguinte forma:

(1) A justificação da prática da religião depende da justificação das crenças reli-giosas.

(2) A justificação das crenças religiosas depende da justificação do teísmo.

(3) A justificação do teísmo depende do sucesso de argumentos cujas premis-sas devem ser acessíveis a qualquer pessoa inteligente ordinária. Nenhuma experiência especial pode ser assumida, e nenhuma confiança na autoridade pode ser realizada.

Essas premissas levam ao ceticismo sobre a religião se acrescentarmos mais uma afirmação:

(4) Não há argumento sólido para o teísmo que comece com premissas acessíveis a qualquer pessoa inteligente ordinária sem referência à experiência especial ou à autoridade.

É possível, diante deste desafio imposto pelo fundacionalismo, assumir uma abordagem diferente, uma em que não sejam as virtudes intelectuais baseadas no evidencialismo ou no confiabilismo o critério único e último para o conhecimento. Code (1987), Montmarquet (1993) e Zagzebski (1996), por exemplo, propõem a conscienciosidade epistêmica como a virtude intelectual nuclear para chegarmos ao conhecimento. Veremos na seção a seguir como podemos assumir esta abor-dagem alternativa.

A Conscienciosidade Epistêmica: Emoções, Confiança, Autoridade, Testemunho, Imitação e Sabedoria

Podemos alegar que nenhuma das reivindicações (1)-(3) mencionadas foi estabelecida. Na verdade, podemos ate mesmo dizer que elas são todas falsas. Seria preciso uma teoria muito mais elaborada da pessoa humana do que os epistemólogos concordam em estabelecer na premissa (1). Por que devemos pensar que as emoções devem ser justificadas por uma justificação previa e independente das crenças? É claro que algumas emoções precisam ser justificadas por crenças. Por exemplo, meu medo do objeto em meu quintal precisa ser justificado em minha crença de que é uma serpente. Todavia, algumas emoções podem ser mais básicas do que qualquer crença e a emoção pode

Page 97: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

97

O Conhecimento Religioso e suas Implicações Epistemológicas Capítulo 3

servir para justificar a crença, e não vice-versa (BRUN; DOGUOGLU; KUENZLE, 2016). Podemos alegar que há emoções que fundamentam as crenças morais dessa maneira. Sentimos repugnância diante de uma exibição de arrogância, admiração por um ato de coragem e indignação por atos de injustiça. Se somos adeptos da filosofia moral, poderemos explicar o que e bom sobre a coragem e como isso e um ato de coragem e o que e mau sobre a arrogância e a injustiça e por que esses atos particulares se qualificam como atos de arrogância ou injustiça.

Todavia, e altamente duvidoso que nos engajássemos em teorias morais desse tipo se não fosse por uma visão mais fundamental sobre o valor ou a desvalorização de atos particulares que detectamos atraves das emoções (NUSSBAUM, 2012; SOLOMON, 2014; ZAGZEBSKI, 2004). Da mesma forma, parece que há uma variedade de emoções religiosas, incluindo reverência, temor e remorso que servem um papel paralelo em revelar o valor religioso para nós. De qualquer forma, a possibilidade de que as emoções religiosas desempenhem um papel fundamental na justificação da prática religiosa não foi descartada (LEYSER, 2015).

A verdade da premissa (2) tambem não foi estabelecida. Sandra Menssen e Thomas D. Sullivan (2002) argumentaram que nem sempre e razoável estabelecer a existência de uma pessoa antes de estabelecer que essa pessoa se comunicou com você. Eles dão o exemplo do programa de pesquisa SETI (Pesquisa de Inteligência Extraterrestre) que monitora um grande número de sinais de rádio do espaço na tentativa de descobrir se algum deles provavelmente seria enviado por seres inteligentes em outras partes do universo. Suponha que os pesquisadores descobrem uma sequência de 1126 bits correspondente aos números primos de 2 a 101. Eles estariam justificados em acreditar que "alguns seres altamente inteligentes enviaram esse sinal", e isso por sua vez os justificaria inferir que "alguma forma de vida altamente inteligente existe (ou existiu) em algum outro lugar no universo”. Menssen e Sullivan usam esse exemplo para defender a falsidade da seguinte visão comum sobre a relação entre a crença em afirmações de revelação e a crença no teísmo: “Não se pode obter um argumento filosófico convincente para uma afirmação de revelação sem primeiro obter um caso altamente plausível para a existência de Deus”.

Mas se Menssen e Sullivan estiverem certos ao afirmar que esse ponto de vista e falso, a premissa (2) tambem seria falsa. Embora muitas vezes seja dado como certo que não e razoável adotar as crenças de uma religião teísta sem primeiro justificar a crença em Deus, isso pode não ser a maneira como uma pessoa razoável opera. Por exemplo, uma crença de que "Eu fui perdoado por Deus" pressupõe logicamente a crença de que “Deus existe”, mas não se segue disso que eu não possa estar justificado em acreditar na primeira crença sem

Algumas emoções podem ser mais básicas do que

qualquer crença e a emoção pode servir

para justificar a crença

Page 98: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

98

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

primeiro estar justificado em acreditar na segunda. Em alguns casos, pode ser o inverso.

A premissa (3) tem sido discutida com mais frequência do que as outras duas, e tem muitos detratores. Alguns filósofos se opõem ao fato de que exclui argumentos para o teísmo que se fundamentam na experiência religiosa (PORTUGAL, 2002). William Alston (1993, 2008) propôs que a experiência religiosa pode justificar a crença religiosa para as pessoas que têm essas experiências, de uma forma que é paralela à justificação das crenças sobre o mundo físico baseadas na experiência sensorial. Esta abordagem do conhecimento religioso e particularmente atraente para os empiristas, uma vez que eles sustentam que a experiência individual e a fonte última do conhecimento. Mas exige a rejeição de uma forma forte de igualitarismo intelectual.

Há outras razões para rejeitar a premissa (3). A religião e uma prática comum. É claro que pessoas individuais podem ser religiosas sem participar de uma comunidade religiosa, mas a principal razão pela qual a maioria das pessoas religiosas pensam ter conhecimento religioso e que o adquiriram por meio da participação em uma comunidade religiosa com ensino autoritário (ZAGZEBSKI, 2012). A autoridade pode derivar de um texto sagrado ou da tradição ou de alguma combinação dos dois, mas e muito duvidoso que a maioria das pessoas pensa que seu conhecimento religioso deriva de sua experiência pessoal e o uso de sua própria razão. Assim como não pensam que suas crenças são baseadas em testemunhos de sua comunidade, cuja fidedignidade é algo que eles podem demonstrar pelo uso de sua razão sem a ajuda de participantes na mesma comunidade (COADY, 1992; GOLDBERG, 2010). Que explicação do conhecimento e da crença razoável elucidaria isso?

Podemos dizer que a confiança em nós mesmos é a base, mas a autoconfiança nos leva a confiar em alguns outros mais do que em nós mesmos em certos aspectos. A autoconfiança apoia a confiança na autoridade e na

sabedoria de certos indivíduos (GOLBERG, 2010). Uma maneira de ver isso e que há um desejo natural pela verdade e há uma crença natural de que o desejo natural pela verdade é satisfatório. Confiar na crença natural requer que tenhamos uma confiança básica de que nossas faculdades naturais e disposições para formar crenças nos colocam em uma boa posição para obter a verdade. Mas não confiamos em

nós mesmos do mesmo modo o tempo todo, e confiamos em nós mesmos, em particular, quando temos o amor disciplinado pela verdade, o que podemos chamar de conscienciosidade epistêmica (CODE, 1987; MONTMARQUET, 1993). Somos epistemicamente conscienciosos quando exercitamos nossas faculdades formadoras de crenças da melhor maneira possível. Quando somos epistemicamente conscienciosos, conscienciosamente passamos a acreditar que

A autoconfiança apoia a confiança na autoridade e na sabedoria de certos

indivíduos

Page 99: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

99

O Conhecimento Religioso e suas Implicações Epistemológicas Capítulo 3

existem outras pessoas que são mais confiáveis do que nós mesmos, e uma vez que confiamos na maneira como chegamos a ter tal crença, confiamos na própria crença (GRECO, 2015). Há indivíduos que têm qualidades, das quais confiamos em nós mesmos, em maior grau do que nós próprios – conscienciosidade epistêmica, capacidade de avaliar evidências, bom juízo prático e muitas outras qualidades que uma pessoa conscienciosa confia em sua busca pela verdade. Em muitos casos, concordar com o juízo de tal pessoa resulta em uma autoconfiança consistente.

Confiar em nós mesmos nos leva a confiar em certos outros mais do que em nós mesmos de outra maneira também. Há emoções que a maioria de nós confia e emoções que a maioria de nós não confia. Uma emoção que provavelmente confiamos quando somos conscienciosos é a emoção da admiração (SOSA, 2013). Quando confiamos em nossa emoção de admiração, confiamos que a pessoa que admiramos e admirável, merecedora de admiração. Às vezes, admiramos epistemicamente outra pessoa e confiamos nessa emoção. Confiamos então que a pessoa que epistemicamente admiramos e epistemicamente admirável (ZAGZEBSKI, 2012; LUZ, 2013). Se essa pessoa acredita algo no domínio de sua admirabilidade, isso nos dá uma razão para acreditar tambem. Naturalmente, essa razão pode ser derrotada por outras coisas em que confiamos mais, mas muitas vezes não há nada em que confiamos mais.

A sabedoria está muitas vezes incrustrada nas comunidades e não nos indivíduos. Isto e especialmente verdadeiro quando a comunidade existe para transmitir a sabedoria de um indivíduo cuja sabedoria excepcional ocorre apenas uma vez em um milênio, ou uma vez em dez milênios. Uma pessoa pode pertencer a tal comunidade e confiar nela de uma maneira que é semelhante à sua confiança em si mesmo (KUSCH, 2002). Ele pode admirar a qualidade da sabedoria que ele percebe na comunidade e pode confiar nessa admiração. Podemos dizer que a confiança nas pessoas sábias e na sabedoria das comunidades e a base da autoridade epistêmica. A autoridade repousa sobre a confiança e a confiança na autoridade é justificada pela autoconfiança.

A confiança na autoridade pode levar ao conhecimento (COADY, 1992). Uma maneira e atraves do testemunho daqueles em autoridade, e conhecimento através de testemunho pode ser justificado por confiança conscienciosa. Não há nenhuma razão aparente para que não possa haver conhecimento religioso adquirido atraves do testemunho dessa maneira (LACKEY, 2008; LACKEY; SOSA, 2011).

Somos epistemicamente conscienciosos

quando exercitamos nossas faculdades

formadoras de crenças da melhor maneira possível.

A confiança nas pessoas sábias e na sabedoria das comunidades é a

base da autoridade epistêmica. A

autoridade repousa sobre a confiança

e a confiança na autoridade é justificada pela autoconfiança.

Conhecimento através de

testemunho pode ser justificado por confiança conscienciosa.

Page 100: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

100

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Mas nós adquirimos conhecimento de outros em que temos confiança por outras maneiras que não o testemunho. A posição aqui e que nós adquirimos muitos tipos de conhecimento, inclusive o conhecimento religioso, imitando aqueles que o têm, os povos cuja sabedoria nós admiramos. Tomasello (1996) já afirmou que a transmissão cultural parece depender da imitação. Ao observar um modelo, há duas coisas que se pode imitar: o fim ou o meio. A emulação, por exemplo, e uma forma de aprendizagem observacional, diferente da imitação, que se concentra nos resultados ambientais da ação em vez da ação de um modelo. A emulação não e sempre bem-sucedida,

no entanto, porque nem sempre é possível alcançar um fim sem conhecer os meios adequados. Tomasello reserva o termo "imitação" para os casos em que os observadores executam as ações que observam. Esta e uma ferramenta poderosa para a transmissão social, e e algo em que os seres humanos são muito bons.

Além disso, autores como Christoph Wulf (WULF, 2016; GEBAUER; WULF, 2004), Rene Girard (2009) e Billett (2014) enfatizam o papel fundamental da “mimese” no processo de aprendizagem e de humanização. Rene Girard chega a argumentar que a mimese vai alem da representação ou da verdade, que de fato determina a ambas. Girard elabora uma especie de epistemologia etica baseada na mimese e na representação, sendo que a primeira determinaria a última (SPARIOSU, 1984).

Montmarquet (1993) e Zagzebski (1996) alegam que uma pessoa conscienciosa tambem pode imitar os hábitos intelectuais e os modos de conhecer daqueles que ela admira epistemicamente. Esta e a maneira como nós aprendemos uma área especializada de aprendizagem ou uma habilidade. Nós imitamos aqueles que são autoridades na área por sua maestria e conhecimento especializado. Existem metodos desenvolvidos pelos melhores praticantes de cada área que são transmitidos para a próxima geração durante o curso da prática daquela área de conhecimento. O mesmo se aplica aos metodos de meditação e contemplação desenvolvidos ao longo de muitos seculos por mentores espiritualmente sábios em comunidades religiosas. Com sorte, imitar um exemplo de sabedoria espiritual pode resultar na aquisição de algumas das verdades mais importantes que um ser humano pode aprender (ZAGZEBSKI, 2012).

Esta abordagem do conhecimento religioso e contrária ao valor moderno do igualitarismo intelectual e à desvalorização da autoridade. Vivemos em uma epoca que foi chamada de "a era da suspeita", como vários escritores desde Stendhal a Nathalie Sarroute sustentaram, e tal suspeita já fora identificada nos pensadores franceses como em Descartes, Pascal e Malebranche (MORIARTY, 2003).

Nós adquirimos muitos tipos de conhecimento,

inclusive o conhecimento

religioso, imitando aqueles que o

têm, os povos cuja sabedoria nós admiramos.

Page 101: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

101

O Conhecimento Religioso e suas Implicações Epistemológicas Capítulo 3

Era da suspeita, porque tantas tendências intelectuais debilitam a confiança – a confiança na autoridade política, religiosa e epistêmica e a confiança nas tradições de sabedoria. No extremo epistêmico, solapam a confiança no testemunho como fonte de conhecimento. Uma vez que o testemunho, a autoridade e a existência de pessoas sábias são cruciais para a transmissão do conhecimento religioso como compreendido na maioria das grandes tradições religiosas, a era da suspeita debilita a religião mais diretamente do que prejudica as práticas humanas que não dependem da sabedoria ou da autoridade, como a ciência moderna. Mas todas as práticas humanas exigem confiança entre os participantes da prática, e todos os seres humanos precisam confiar em si mesmos quando estão sendo conscienciosos (GOLDBERG, 2010). É no mínimo duvidoso que nossa época possa debilitar a confiança na autoridade e na sabedoria tão profundamente, sem solapar a confiança da qual ninguém quer abrir mão.

O testemunho, a autoridade e a existência de pessoas sábias

são cruciais para a transmissão do

conhecimento religioso como

compreendido na maioria das grandes tradições religiosas

Atividades de Estudos:

1) Qual é o legado do fundacionalismo iluminista para o conhecimento religioso? Quais são as possíveis respostas a este legado que possibilitam o conhecimento religioso?

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Conectando a Verdade da Religão com a Crença Razoável: Alvin Plantinga

Alvin Plantinga e bem conhecido por seu ataque sustentado contra a premissa (3) – a justificação do teísmo depende do sucesso de argumentos cujas premissas devem ser acessíveis a qualquer pessoa inteligente ordinária. Nenhuma experiência especial pode ser assumida, e nenhuma confiança na autoridade pode ser realizada –. Plantinga não critica as características da premissa (3) que mencionamos, e não ataca o fundacionalismo. Plantinga aceita

Page 102: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

102

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

uma forma de fundacionalismo, mas argumenta que a crença na existência de Deus pode estar na própria fundação (PLANTINGA, 1983, 1993). Em sua outra obra, ele argumenta que a crença cristã tambem pode estar na fundação (PLANTINGA, 2000). De acordo com o autor referido, a crença nas doutrinas cristãs pode ser o resultado da instigação do Espírito Santo na ocasião em que uma pessoa entra em contato com a doutrina, por exemplo, ao ouvir o Evangelho proclamado. Se este processo de adquirir crença está de acordo com o plano divino projetado para os seres humanos após a Queda, essas crenças são produzidas por um processo confiável para obter a verdade, um processo que resulta de faculdades epistêmicas funcionando apropriadamente tal como Deus intencionou. Se essa suposição for verdadeira, crenças assim adquiridas são racionais em vários sentidos diferentes de racional, e constituem conhecimento. São crenças fundacionais ou crenças propriamente básicas (PLANTINGA, 2003).

O que torna razoável a crença cristã nessa abordagem não pode ser separado da sua verdade. Anteriormente, neste capítulo, vimos que os filósofos quase sempre separam a racionalidade ou a razoabilidade da verdade de uma crença. O que torna uma crença razoável e uma coisa. O que a torna verdadeira e outra coisa. Uma crença pode ser razoável e falsa ou verdadeira e irrazoável. Plantinga (2000) não rejeita a separação da verdade e da razoabilidade em geral, mas defende uma maneira de pensar sobre a crença cristã que liga sua razoabilidade à sua verdade. Plantinga argumenta que, desde que o mundo seja de uma certa maneira e os seres humanos sejam de uma certa maneira, e razoável acreditar em certas coisas que o cristianismo ensina, pois teríamos conhecimento dessas coisas. Se o mundo for de uma maneira diferente, então não

seria razoável acreditar nessas coisas, e nós não as conheceríamos.

O argumento depende da ideia de que um dos dogmas do cristianismo e um ensinamento sobre a maneira pela qual os cristãos passam a acreditar nos princípios do cristianismo. O cristianismo não só explica o que e a verdade religiosa, mas como e que nós passamos a acreditar nessas verdades de uma forma que seja razoável. Assim, entre as principais doutrinas cristãs, como a doutrina de que Jesus Cristo e o Filho de Deus, há uma doutrina que diz que os cristãos passam a crer nessas doutrinas pelo poder do Espírito Santo, de acordo com um plano projetado que visa a verdade da mesma forma que nossas outras faculdades, tais como sensação, memória e raciocínio, visam a verdade. Segue-se que, se o conjunto básico de doutrinas cristãs e verdadeiro, a crença no mesmo, na forma descrita por uma das doutrinas do conjunto, e razoável. A verdade do cristianismo garante sua própria razoabilidade, então a razoabilidade vem de graça. E se for verdadeiro, tambem tem a combinação da verdade e da razoabilidade necessárias para o conhecimento. Portanto, se o cristianismo e verdadeiro, a crença nele e razoável e os cristãos têm conhecimento dos princípios do cristianismo (PLANTINGA, 2000).

Os filósofos quase sempre separam

a racionalidade ou a razoabilidade da verdade de uma

crença. O que torna uma crença razoável é uma coisa. O que a torna verdadeira é

outra coisa

Page 103: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

103

O Conhecimento Religioso e suas Implicações Epistemológicas Capítulo 3

Podemos dizer que Plantinga conseguiu demonstrar a tese condicional de que “se” o cristianismo é verdadeiro e inclui entre suas doutrinas uma afirmação crucial sobre a maneira pela qual os cristãos adquirem crenças cristãs, então crer nessas doutrinas e racional para aqueles que acreditam no modo descrito por essa doutrina. A questão e o que foi realizado para aqueles de nós que querem saber se a crença cristã e racional. Dizer que e racional se for verdadeiro não e muito útil para aqueles que pensam que sua verdade e indeterminada. Mesmo as pessoas que são cristãs e, portanto, acreditam que as doutrinas cristãs são verdadeiras, podem querer algo mais quando perguntam se a crença cristã satisfaz os padrões de racionalidade. Para explicar esta questão, podemos primeiro identificar um princípio de racionalidade que esclarece o que pode ser visto como preocupante sobre a posição de Plantinga, e porque a questão do conhecimento religioso e da crença razoável e um tópico apropriado para um livro de epistemologia.

Podemos supor que a racionalidade e uma parte intrínseca da natureza humana, talvez até mesmo a parte que mais claramente a define (LUZ, 2013). Isto não é afirmar que nenhum animal não humano seja racional, mas afirmar que todos os seres humanos normais são racionais. Na verdade, e parte do que entendemos por racionalidade que está conectado com a nossa humanidade. A racionalidade, portanto, transcende as diferenças individuais e as diferenças culturais, bem como as diferenças entre uma tradição religiosa e outra. Ser racional e poder falar com outras pessoas e fazer-se compreender, não importa quem são essas outras pessoas. É o que nos permite formar uma comunidade humana, que transcende as comunidades humanas individuais que habitamos, incluindo as comunidades religiosas. O fato de que a racionalidade e uma parte intrínseca da nossa humanidade tem um corolário, e este e o princípio da racionalidade que pretendemos propor. Podemos denominá-lo de Princípio de Reconhecimento Racional: Se uma crença e racional, sua racionalidade e reconhecível, em princípio, por pessoas racionais em outras culturas.

Este princípio, obviamente, precisa ser detalhado e muito tem de ser incluído na qualificação "em princípio". Mas o que se está sugerindo aqui não é que todo ser humano em todos os lugares seja capaz de compreender a racionalidade de cada crença humana racional. Mas sugere-se que nossa humanidade comum significa, pelo menos, que as pessoas mais racionais – as pessoas mais sábias – em todas as culturas podem compreender a racionalidade das crenças das pessoas racionais em outras culturas (SENOR, 1995). É esta propriedade que explica porque a filosofia existe como uma disciplina transcultural e por que a questão do conhecimento religioso é um tópico que os filósofos podem discutir, aderindo ou não a qualquer tradição religiosa.

Princípio de Reconhecimento Racional: Se uma crença é racional, sua racionalidade é reconhecível,

em princípio, por pessoas racionais em outras culturas.

Page 104: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

104

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Aparentemente, a estrategia de Plantinga (2000) viola o Princípio do Reconhecimento Racional. Não permite que um observador racional, fora da comunidade dos crentes, distinga entre a racionalidade do cristianismo defendida por Plantinga e as crenças de qualquer grupo, por mais irracionais e bizarros que se possa pensar que sejam, por exemplo, os adoradores do Sol, seguidores de seitas, devotos dos deuses gregos etc. – assumindo que eles são inteligentes o suficiente para construir suas próprias doutrinas epistêmicas em seus próprios modelos à maneira como Plantinga o faz. Assim, um crente inteligente que acredita em Zeus também pode acreditar que Zeus o atingiu com um raio que tem o efeito de lhe dar crenças verdadeiras, incluindo a crença de que Zeus existe e que o atingiu com um raio. Mas será que pensamos que o crente em Zeus não e racional, mesmo que ele e os membros de seu culto sejam capazes de produzir um argumento exatamente paralelo ao de Plantinga? Se assim for, a racionalidade das crenças religiosas deve depender de outra coisa que não seja a sua verdade. Essa outra coisa, portanto, deverá ser tal que sua racionalidade seja compreensível para qualquer pessoa racional, se não para toda pessoa racional em toda parte, pelo menos para as pessoas mais racionais em qualquer lugar.

Atividades de Estudos:

1) Quais são os argumentos de Alvin Plantinga em defesa da razoabilidade e da verdade da crença teísta? Identifique ao menos um aspecto problemático da proposta de Plantinga.

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Então, o que uma pessoa conscienciosa faz? A pergunta responde a si mesma. Ela e conscienciosa. Ninguem pode esperar mais dela, mas tambem não devem esperar menos. As restrições do Iluminismo sobre a crença religiosa com as quais começamos são muito exigentes. Elas não permitem que uma pessoa razoável confie no que ela confia quando ela é conscienciosa. Mas parece que as restrições de Plantinga não são exigentes o suficiente. Uma pessoa conscienciosa presta atenção a outras pessoas conscienciosas e presta atenção especial às pessoas

Page 105: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

105

O Conhecimento Religioso e suas Implicações Epistemológicas Capítulo 3

que ela considera sábias, sejam elas membros ou não de sua própria tradição. Isso não quer dizer que ela deve ser igualitária e confiar nas pessoas de outras comunidades, tanto quanto confia nos membros da sua própria comunidade, mas que o seu reconhecimento da racionalidade comum a todos os seres humanos, o qual está presente de forma exemplar em alguns seres humanos, deve conduzi-la a tratar outras pessoas, mesmo aquelas fora de sua comunidade, como verificações de suas crenças.

O conhecimento religioso, em alguns aspectos, e um tipo especial de conhecimento porque depende muito da confiança nas autoridades e dos exemplos de sabedoria. Mas de outras maneiras o conhecimento religioso e como qualquer outro conhecimento. Visa a verdade de uma forma que e epistemicamente conscienciosa (CODE, 1987; MONTMARQUET, 1993; ZAGZEBSKI, 1996).

O conhecimento religioso, em

alguns aspectos, é um tipo especial de conhecimento porque depende

muito da confiança nas autoridades e dos exemplos de

sabedoria

Como sugestão de pesquisa para aprofundar seu conhecimento sobre a relação da experiência religiosa, a crença teísta e seu aval epistêmico, comparando a posição de dois autores que são mencionados neste capítulo, William Alston e Alvin Plantinga, indicamos a dissertação de Maurício Moto Saboya Pinheiro (2006), “Experiência Religiosa e Crença em Deus”, que pode ser acessada neste endereço eletrônico: <http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/1835/1/2006_Maur%C3%ADcio%20Mota%20Saboya%20Pinheiro.pdf>.

Evidencialismo Versus Experiencialismo

Podemos nos sentir ainda insatisfeitos e seguir perguntando: por que alguns ainda pensam que nenhuma proposição religiosa pode ser conhecida? A base mais comum para sustentar essa visão e, provavelmente, muito parecida com a razão mais comum para sustentar que não há conhecimento moral, a saber, que as proposições religiosas, como a de que Deus existe, não podem ser conhecidas a priori ou com base na experiência (ZANGWILL, 2004), tal como inferir a existência de Deus a partir da premissa de que o design de Deus para o universo e a melhor explicação da ordem que encontramos nele.

Page 106: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

106

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Ambos os aspectos dessa afirmação negativa têm sido discutidos por filósofos e teólogos em grande extensão, e existem argumentos bem conhecidos para a existência de Deus, que pretendem fornecer o conhecimento de que Deus existe (ZILLES, 1989). Alguns deles fazem uso apenas de premissas a priori. Outros usam apenas proposições empíricas como premissas. Por exemplo, o argumento ontológico, de uma forma, procede das premissas a priori de que Deus e supremamente perfeito (tem todas as perfeições no mais alto grau) e que a existência e uma perfeição, para chegar à conclusão de que Deus existe. Em contraste, o argumento da causa primeira (de uma forma) usa a premissa empírica de que há movimento, juntamente com a premissa geral de que não pode haver uma cadeia infinita de causas de movimento, e conclui que Deus, como um primeiro motor imóvel, existe.

Há uma vasta literatura sobre estes e todos os outros argumentos historicamente importantes para a existência de Deus (YANDELL, 1999; ZILLES, 1989; SWEETMAN, 2013). Não estamos agora preocupados com argumentos para a existência de Deus. Vamos abordar estas questões em capítulos posteriores neste livro. Apenas queremos dizer sobre esses argumentos que aparentemente nada implica que pode ou que não pode haver argumentos convincentes para a existência de Deus. Por exemplo, nada que digamos sobre as fontes básicas de conhecimento ou sobre sua transmissão implica que essas fontes não poderiam de alguma forma levar a argumentos que conduzam ao conhecimento de Deus ou de alguma outra realidade espiritual. O mesmo se aplica à justificação de crenças sobre Deus ou alguma realidade espiritual, e ambos os pontos se mantêm dentro de uma epistemologia fundacionalista ou coerentista (WOLTERSTORFF, 2008).

E quanto à possibilidade – menos frequentemente discutida do que os argumentos para a existência de Deus – de um conhecimento direto (não inferencial) de Deus? Ou seja, uma especie de "percepção direta de Deus" que e confessadamente extrassensorial, isto e, não física, de fato uma percepção "na qual não está envolvida nenhuma consciência de qualia sensorial, sem cores, formas, sons, cheiros e coisas semelhantes” (ALSTON, 1993, p.16-17). O estudo da epistemologia exclui essa possibilidade? Considerações epistemológicas gerais às vezes tentam excluir, mas de fato não conseguem. Na verdade, se pode haver um conhecimento natural, como no caso do conhecimento direto de resultados aritmeticos normalmente conhecíveis somente atraves de cálculos, então há alguma razão para se pensar que o conhecimento pode construir-se em uma pessoa de tal forma que a pessoa poderia ter conhecimento direto de Deus. O tipo de conhecimento em questão foi apoiado por João Calvino (1509-1564) e apelidado de “sensus divinitatis:

Nada que digamos sobre as fontes

básicas de conhecimento ou sobre sua

transmissão implica que essas fontes não poderiam de

alguma forma levar a argumentos

que conduzam ao conhecimento de

Deus ou de alguma outra realidade

espiritual

Page 107: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

107

O Conhecimento Religioso e suas Implicações Epistemológicas Capítulo 3

O primeiro livro de Calvino, Institutes of the Christian Religion (Instituições da religião cristã), de 1559, começa discutindo este problema fundamental da teologia cristã: como podemos saber algo a respeito de Deus? Ele afirma que certo conhecimento geral de Deus pode ser alcançado por meio da criação – na humanidade, na ordem natural e no próprio processo histórico. Identifica duas bases para este conhecimento: a primeira, sub-jetiva; a segunda, objetiva. O primeiro fundamento e o “senso da divinidade” (sensus divinitatis), ou a “semente da religião” (sêmen religionis), implantado em cada ser humano por Deus. Deus implantou nos seres humanos o sentido ou pressentimen-to de sua existência divina. (McGRATH, 2005, p. 176).

É evidente que pode haver menos misterio sobre como um mero mecanismo de cálculo possa ser implantado no cerebro, como no caso do Sr. Truetemp, apresentado por Lehrer (2000), do que sobre como possa ocorrer o conhecimento de uma realidade externa, espiritual. Mas um misterio não e uma impossibilidade.

Se, no entanto, e possível que exista um Deus todo-poderoso (onipotente), então Deus poderia criar tal conhecimento teísta direto. Se pode haver tal conhecimento, então uma forma do que e chamado evidencialismo estaria equivocada, a saber, o evidencialismo sobre o conhecimento teísta, como já vimos anteriormente, e a visão de que o conhecimento de Deus e impossível, exceto com base em evidências adequadas. O tipo de evidência pretendida não e a "evidência não inferencial dos sentidos", como aquela que temos de que há uma página de um livro diante de nós, mas o tipo dito padrão de evidência, que teríamos na forma de premissas a partir das quais poderia inferir-se conclusões teístas.

Como o evidencialismo se aplica à justificação? Temos os casos prima facie de conhecimento direto de algo que normalmente e conhecível apenas atraves de evidências ou inferências (ALSTON, 2008), tal como o resultado da multiplicação de dois números de três dígitos. Se há conhecimento direto aqui, não precisa ser um caso de crença justificada. Portanto, não podemos usar tais exemplos para refutar o evidencialismo sobre a justificação teísta: a visão de que crenças justificadas sobre Deus são impossíveis, exceto com base em evidências.

Page 108: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

108

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

O termo prima facie vem da teoria etica proposta por Ross (2002) e transposta à epistemologia por Chisholm (1964), referindo-se à justificação à primeira vista. O princípio prima facie, portanto, é um princípio que trata da crença justificada nos casos em que a evidência contrária está ausente. O princípio pode ser declarado deste modo: “Se alguem tem evidência prima facie para P e não há evidência para não-P no tempo t, então este alguém está justificado em acreditar P no tempo t.” A evidência prima facie, então, e tal evidência que, na ausência de outras evidências, ela é suficiente para estabelecer uma crença justificada. A aplicação ao argumento para a existência de Deus e que, muitas pessoas conhecem Deus (ou pensam que conhecem Deus) e que isto seria evidência prima facie de Deus. Se supusermos que as evidências ateístas foram refutadas, então alguém estaria justificado em crer em Deus.

Será que alguém poderia estar diretamente justificado em crer tais proposições religiosas como aquela que Deus existe? Isso exigiria ter um sexto sentido, ou algum tipo de faculdade mística? (ZANGWILL, 2004). E mesmo se houvesse tal coisa, geraria uma justificação diretamente ou somente através de uma descoberta de correlações adequadas entre suas deliberações e o que e crido atraves da razão ou da experiência comum, por exemplo, atraves das visões religiosas que permitem prever eventos publicamente observáveis? Neste último caso, a faculdade mística não seria uma fonte básica de justificação. Antes que pudesse justificar as crenças que ela produz, teria que ganhar suas credenciais de justificação por meio de uma proporção suficiente dessas crenças recebendo confirmação de outras fontes, como a percepção e a introspecção (PORTUGAL, 2002).

Há, porem, uma maneira de resistir ao evidencialismo e argumentar pela possibilidade de justificação direta de certas crenças religiosas sem supor que

existam fontes de justificação além da razão e da experiência normal. Em particular, essa abordagem não precisa de apreensões místicas, como experiências inefáveis não mundanas, ou revelações divinas especiais (JAMES, 1995).

Podemos denominar esta posição como experiencialismo, uma vez que fundamenta a justificação de algumas crenças religiosas muito importantes na experiência e não em crenças evidenciais ou na apreensão racional direta (PORTUGAL, 2002). As pessoas religiosas

experiencialismo fundamenta a justificação de

algumas crenças religiosas muito importantes na

experiência e não em crenças evidenciais

ou na apreensão racional direta

Page 109: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

109

O Conhecimento Religioso e suas Implicações Epistemológicas Capítulo 3

dizem, às vezes que, na vida perfeitamente comum, Deus fala com elas, elas estão conscientes de Deus na beleza da natureza e podem sentir a presença de Deus. Descrições desse tipo podem ser consideradas metafóricas. Mas se Deus e, como muitos pensam, propriamente concebido como uma pessoa (divina), estas declarações podem ter um significado literal.

É natural objetar que tudo o que se ouve diretamente nessas experiências e um tipo especial de voz (presumivelmente em nível mental), que tudo o que se vê diretamente e a beleza natural que o sujeito pensa que manifesta Deus, e que o sujeito simplesmente sente um tom espiritual em sua experiência. A partir dessas posições e fácil concluir que, na melhor das hipóteses, o sujeito está indiretamente justificado em acreditar que está experienciando Deus. Afinal, o sujeito acredita nisso inferencialmente. Por exemplo, com base na sua crença de que a voz que ouve e de Deus, pode-se acreditar que a beleza que se vê e uma manifestação da criação divina, e assim por diante.

A Analogia Perceptual e a Possibilidade do Conhecimento Teísta Direto

Para avaliar o caso apresentado para mostrar que as crenças teístas são inferenciais e, portanto, não candidatas a ser diretamente justificadas (ou conhecimento direto), compare-a à percepção. Suponha que argumentemos que alguém somente está indiretamente justificado em acreditar que existe um campo verde à sua frente, uma vez que ele acredita nisso com base na crença de que há grama, uma superfície com textura verde, e assim por diante. Devemos aceitar isso? Provavelmente não. Normalmente não temos essas crenças quando acreditamos que há um campo verde diante de nós, mesmo se o vemos, vendo a sua superfície gramada.

No entanto, o assunto e muito mais complicado do que isso. Pode-se argumentar que, uma vez que Deus é infinito e não físico, não se pode conhecer Deus atraves da experiência. Mas este argumento e falho. Mesmo se um córrego fosse infinitamente longo, eu ainda poderia vê-lo, ao ver parte dele. Ver uma coisa infinita não é ver a sua infinitude.

Mas, se ao ver o fluxo não estamos vendo seu infinito, então como isso pode ser visto como base para saber que o fluxo é infinito? Da mesma forma, se Deus e experienciado, como a experiência pode revelar que e Deus que está sendo experienciado? O problema não e que Deus e não físico. O não físico pode ser facilmente experienciado, e de fato de forma direta. Assim,

Page 110: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

110

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

minha experiência de meu próprio pensamento presumivelmente não precisa ser de algo físico, mesmo que de fato seja de algo físico, digamos um processo cerebral. E mesmo que deva ser físico, por causa de alguma conexão necessária que pode conter entre o mental e o físico, esta experiência não e de meus pensamentos como sendo físicos.

O problema, então, não e que não possa haver experiência, ate mesmo experiência não mística de Deus. É, ao menos em parte, que se for possível alguem experienciar, digamos, o falar de Deus, não estaria claro como este alguém poderia saber (ou crer justificadamente) que e Deus falando. Como alguem saberia que não estava tendo uma experiência meramente interna, como falar a si mesmo numa voz que se pensa ser de Deus, ou ate mesmo alucinar uma voz divina?

Em parte, a questão e como alguem pode reconhecer a Deus. Claramente, isso requer ter um conceito de Deus. Mas isso e adquirível sem já ter conhecimento da existência de Deus. Tambem se precisa de um conceito de, por exemplo, uma sonata para reconhecer uma quando a ouvimos. Estes conceitos são muito diferentes, mas qualquer um deles pode ser adquirido sem realmente se saber (ou se ter experienciado) da existência daquilo que representa.

Aqui e importante recordar a analogia perceptual. Por que seria menos provável que fosse alucinatória minha experiência de olhar para o campo verde? É verdade que há uma diferença: podemos, com todos os outros sentidos, verificar que vemos um campo gramado, enquanto que Deus parece perceptualmente acessível, no máximo, à visão e à audição – presumivelmente indiretamente, já que Deus e visto em coisas apropriadas e ouvido atraves de vozes ouvidas, quem sabe por vozes internas, que não são literalmente a voz de Deus (pelo menos se a voz de um ser deve estar fisicamente fundamentada em uma incorporação física, embora, mesmo nesse caso, alguns diriam que a voz de Deus estava fisicamente incorporada em Cristo).

Mesmo se Deus for acessível à visão e à audição apenas indiretamente, não segue disso que o conhecimento e a crença sobre Deus sejam indiretos. Como podemos ver na teoria do sense-datum (dados sensoriais), podemos saber uma coisa atraves de outra sem inferir fatos sobre a primeira de fatos sobre a segunda (RUSSELL, 2008). Assim, a força dessa diferença entre a possível acessibilidade perceptual de Deus e aquela dos objetos físicos pode ser exagerada. Certamente não e verdade que a experiência sensorial só pode ser

confiável quando a verificação por todos os outros sentidos é possível. Se fosse assim, não poderíamos justificadamente acreditar que vemos um feixe de luz que e perceptualmente acessível apenas à nossa visão.

Se for possível alguém experienciar, digamos, o falar de Deus, não estaria claro como este alguém poderia saber (ou crer

justificadamente) que é Deus falando

Mesmo se Deus for acessível à visão e à audição apenas indiretamente, não segue disso que o conhecimento e a crença sobre Deus

sejam indiretos.

Page 111: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

111

O Conhecimento Religioso e suas Implicações Epistemológicas Capítulo 3

Os dados sensoriais são os supostos objetos dependentes da mente de que estamos conscientes diretamente na percepção e que possuem exatamente as propriedades que parecem ter. Por exemplo, os teóricos dos dados sensoriais, como Moore, Russel, Price e Ayer, dizem que, ao ver um tomate em condições normais, forma-se uma imagem do tomate na mente. Esta imagem e vermelha e redonda. Muitos filósofos, como Sellars, Ryle, Quine e McDowell rejeitaram a noção de dados sensoriais, seja porque acreditam que a percepção nos dá uma percepção direta dos fenômenos físicos, em vez de meras imagens mentais, ou porque acreditam que os fenômenos mentais envolvidos na percepção não têm as propriedades que nos parecem (por exemplo, eu poderia ter uma experiência visual representando um tomate vermelho, redondo, mas minha experiência não e ela mesma vermelha ou redonda). Defensores de dados sensoriais argumentaram, entre outras coisas, que os dados sensoriais são necessários para explicar fenômenos como a variação perspectiva, a ilusão e a alucinação. Os críticos dos dados sensoriais opuseram-se ao compromisso da teoria com o dualismo mente-corpo, aos problemas que levanta para o nosso conhecimento do mundo externo, à sua dificuldade em localizar os dados sensoriais no espaço físico e ao seu aparente compromisso com a existência de objetos com propriedades indeterminadas (BLACKBURN, 1997).

Problemas da AbordagemExperiencialista

Há muitas outras questões relevantes aqui. Tomemos primeiro uma questão psicológica do tipo relevante para a epistemologia. Será que as pessoas realmente acreditam diretamente que, digamos, Deus está falando com elas, ou tal crença e baseada – mesmo que não de modo autoconsciente – em acreditar que a voz em questão tem certas características, nas quais as pessoas creem que indicam a fala de Deus? (VALLE, 1998). Em segundo lugar, por que e relevante a possibilidade de corroboração por outras pessoas – o que poderíamos chamar de justificação social? (MÜLLER; RODRIGUES, 2013).

Será que de fato importa para a justificação experiencial de acreditar em Deus, por exemplo, que não seja qualquer pessoa normal que possa ver Deus na

Page 112: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

112

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

beleza da natureza, enquanto que qualquer pessoa normal possa ver um campo verde? Ou este contraste e atenuado pelas diferenças marcadas na acuidade perceptual que encontramos entre pessoas claramente normais, particularmente em questões complicadas como a percepção estetica na música e na pintura, onde o que e ouvido ou visto diretamente não pode ser visto nem ouvido sem a prática e a sensibilidade?

Uma questão relacionada aqui e o possível papel do testemunho como fonte social de justificação direta (LACKEY; SOSA, 2011). Se e verdade que as crenças baseadas no testemunho são geralmente diretas, então talvez certo testemunho teísta por alguns forneça conhecimento de Deus para outros, como nos referimos anteriormente neste capítulo. Mesmo que supusessemos que poucas pessoas têm conhecimento teísta ou crença teísta justificada (pelo menos "de primeira mão"), pode-se argumentar que as correntes de testemunho relevantes podem se estender a muitas pessoas – seja durante um

determinado período de tempo ou, onde há uma comunidade de crentes, atraves do tempo estendendo-se por milhares de anos.

Certamente, a justificação parece diferente do conhecimento aqui, pelo menos na medida em que o sujeito deve ter justificativa para acreditar em alguém como requisito para adquirir justificação do que foi atestado (LUZ, 2013). Mas talvez, os crentes religiosos muitas vezes têm essa justificativa para aceitar o testemunho em assuntos religiosos. Pelo menos não e óbvio, por exemplo, que, para estar justificado nas crenças religiosas com base no testemunho, eles devem ter uma espécie de justificação que está fora do seu alcance como pessoas racionais (ZAGZEBSKI, 2012).

Seja qual for o lugar do testemunho para fornecer conhecimento ou justificação teísta, pode-se expandir as possibilidades para experiência direta de Deus. Poderia Deus ser visto, não necessariamente da maneira eterea e direta como os místicos às vezes imaginam, mas de uma maneira mais comum e não menos direta? Se assim for, há mais terreno para testemunhar, bem como menos necessidade do testemunho como fonte de conhecimento ou justificação teísta (JAMES, 1995). Poderia Deus ser visto, por exemplo, na natureza, ao inves de ser inferido dela? Aqui está uma das expressões poeticas de Alberto Caeiro (PESSOA, 1997, p. 93) dessa ideia:

Mas se Deus é as flores e as árvoresE os montes e o sol e o luar,

Então acredito nele,Então acredito nele a toda a hora,

E a minha vida é toda uma oração e uma missa,

Se é verdade que as crenças baseadas no testemunho são geralmente diretas, então talvez certo testemunho teísta por alguns forneça conhecimento de Deus para outros

Page 113: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

113

O Conhecimento Religioso e suas Implicações Epistemológicas Capítulo 3

E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.

Afinal, se a natureza é a obra de Deus – talvez o trabalho contínuo de Deus –, poderia haver um sentido no qual Deus e visto nela por aqueles com a sensibilidade apropriada? Uma sensibilidade especial e necessária ate mesmo para ver a beleza em uma pintura. Com certeza, a relação da beleza com a pintura que a possui e diferente da relação de Deus com a natureza concebida como reveladora de Deus. O ponto, no entanto, e apenas que uma sensibilidade especial pode ser necessária para a percepção teísta, e não que seja exatamente como a percepção estetica (ROCHA, 2010).

A sugestão não e que a natureza e em parte constitutiva de Deus, pelo menos não da maneira que a forma e a textura pelas quais eu percebo uma árvore são em parte constitutivas dela. Ainda assim, poderia a natureza ser parcialmente constitutiva de Deus? Se assim for, então perceber diretamente a Deus pode, de certo modo, ser muito fácil. Não se poderia ver uma bela paisagem sem ver Deus, embora se pudesse ver a paisagem sem vê-la como manifestando Deus.

As dimensões dessas questões se ampliam rapidamente e ate mesmo os muitos pontos que surgiram não nos permitem determinar com alguma confiança se pode haver crenças religiosas diretamente justificadas. Muitas vezes foi considerado óbvio que não pode haver, entretanto, e importante ver porque não e realmente óbvio. Na melhor das hipóteses, e muito difícil estabelecer restrições absolutas sobre quais tipos de crenças podem ser justificadas diretamente (SWEETMAN, 2013). Isso vale ate mesmo se a única maneira pela qual as crenças podem ser justificadas diretamente seja em virtude de sua fundamentação nas fontes básicas de justificação (LUZ, 2013).

Uma observação paralela vale ressaltar aqui para as restrições absolutas sobre o que podemos justificadamente acreditar (ou conhecer) com base em um ou mais argumentos. É particularmente difícil determinar o que pode ser justificadamente crido (ou conhecido) atraves de uma combinação de argumentos plausíveis, mas individualmente inconclusivos para a mesma conclusão. Como os coerentistas e os fundacionistas moderados se esforçam por mostrar, há ocasiões em que uma crença se justifica não por um ou mais argumentos conclusivos, mas por seu apoio – o que implica algum grau de coerência – em muitos conjuntos de premissas independentes em que nenhuma das quais, por si só, bastaria para justificá-la (SARTORI, 2006). Os argumentos que podem trabalhar juntos aqui não se limitam ao tipo tradicional procedente de premissas

É muito difícil estabelecer

restrições absolutas sobre quais tipos

de crenças podem ser justificadas

diretamente

Há ocasiões em que uma crença se justifica não por um ou mais argumentos conclusivos, mas por

seu apoio – o que implica algum grau de coerência – em muitos conjuntos

de premissas independentes

em que nenhuma das quais, por si só, bastaria para

justificá-la

Page 114: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

114

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

sobre o mundo externo. Quando se tem justificação não inferencial, digamos de uma experiência perceptual, pode-se formular um argumento que procede de premissas que descrevem a ocorrência e o caráter da experiência. Tais argumentos da experiência podem ser combinados com o tipo tradicional.

Deve-se, no entanto, reconhecer que e difícil na prática distinguir, mesmo em nosso caso, entre crenças que estão fundamentadas diretamente em uma das fontes básicas e crenças que estão fundamentadas nessas fontes atraves de outras crenças das quais podemos nem mesmo estar cientes, ou atraves de inferências que não percebemos que estamos fazendo a partir de proposições que estamos conscientes que acreditamos. Isso significa que o que consideramos ser crença direta, como a crença de que Deus pediu a alguem fazer um sacrifício por outra pessoa, pode realmente estar baseado em pelo menos uma outra crença e pode depender, para sua justificação, na evidência ou fundamentos que alguma outra crença expressa. Ainda assim, mesmo que não possamos dizer se uma crença e inferencial, poderemos ser capazes de determinar em quais crenças adicionais se baseia se ela for inferencial, e então poderemos defender sua justificação com base nestas.

Suponha, por razões de argumentação, que não possa haver crenças religiosas diretamente justificadas do tipo que estamos discutindo. É importante observar que ainda pode haver conhecimento direto de tais proposições, se (como temos argumentado) pudermos conhecer certos tipos de coisas em virtude de uma conexão com elas, mesmo que não se tenha justificativa para crer nelas. Para algumas pessoas religiosas, até mesmo o conhecimento sem justificação pode ser considerado muito precioso neste caso. Talvez seja um tipo de fideísmo.

Justificação e RacionalidadeEste tema sobre justificação teísta, às vezes, é chamado de questão de

fe e razão. Ao discutir essa questão, a razão – acima de tudo a racionalidade na manutenção de crenças religiosas – e comumente considerada como sendo aproximadamente equivalente à justificação. Podemos considerar, no entanto, que, embora uma crença justificada deva ser racional, uma crença racional que não esteja manifestamente injustificada não precisa ser justificada positivamente (SENOR, 1995). Considere a crença de que alguem gosta de você. Pode ser racional com base em um vago sentido "intuitivo" antes de ser justificada pela evidência.

Além disso, a justificação parece mais ligada a justificadores específicos do que à racionalidade a qualquer análogo de um justificador (LUZ, 2013). Se eu acredito justificadamente que há um copo frio na minha mão, minha justificação e (principalmente) minhas sensações táteis. Se eu acreditar racionalmente que uma pintura e bela, não precisa haver nada comparável no modo de uma

Page 115: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

115

O Conhecimento Religioso e suas Implicações Epistemológicas Capítulo 3

base sensorial. Devo ter sensações de cor, mas não há nenhuma sensação especificamente da beleza como há do copo frio.

Talvez a racionalidade em sua maior parte pertença às crenças que são amplamente consoantes com a razão e contrastam principalmente com aquelas que são irracionais (GERT, 1998), enquanto que as justificadas contrastam principalmente com as injustificadas. Uma crença injustificada – como muitos filósofos descobriram à sua própria maneira – não precisa ser irracional. Além disso, a justificação não só contrasta com a irracionalidade, mas parece sempre traçar algum tipo de fundamentação específica e adequada.

Em adição, há pelo menos um aspecto em que a justificação representa um padrão normativo menos permissivo que a racionalidade. A mera ausência de condições que tornariam uma crença injustificada não implica que ela esteja justificada, mas, no máximo, pode-se suspender o julgamento de sua negação em oposição a estar justificado em descrer a proposição em questão (acreditando que ela seja falsa). Mas, uma pessoa racional, na ausência de condições que tornariam irracional manter uma crença, ao menos em conjunto com certos padrões experienciais ou sociais que a favorecem, tende a implicar que ela e racional (ALSTON, 1989). Posso racionalmente acreditar que uma pintura e bela se parece-me assim e eu não posso encontrar nenhuma razão do contrário. Não posso crer justificadamente nisso sem algum fundamento (embora o fundamento possa ser apenas uma sensação de que e como outras pinturas foram amplamente consideradas belas por observadores competentes). Se a racionalidade e uma noção normativa mais fraca – isto é, mais permissiva – do que a justificação, ela ainda fornece um status positivo significativo que uma crença teísta pode ter mesmo que não seja justificada (SENOR, 1995). Esse é um ponto importante. As crenças científicas, morais e de outros tipos também podem alcançar a racionalidade mais facilmente do que a justificação, mesmo que, quando o fazem, é comumente um estágio no caminho da justificação.

Em qualquer caso, se a racionalidade é possível sem justificação, mas e implícita por ela, uma conclusão plausível e que os fundamentos experienciais e racionais que produzem justificação podem, mesmo quando não possuem peso suficiente para render a justificação, ainda assim render uma crença baseada neles sendo racional. Uma crença teísta poderia então ser racional, mesmo se não justificada. Poderia haver, certamente, alguma consideração que pesasse no sentido da justificação, e poderíamos falar aqui de algum grau de justificação. Mas como os exemplos que nós exploramos anteriormente mostram, pode-se ter algum grau de justificação para uma proposição sem se ter uma justificativa geral para crer nela.

Se a racionalidade é uma noção

normativa mais fraca – isto é, mais

permissiva – do que a justificação, ela ainda fornece um status positivo

significativo que uma crença teísta pode ter mesmo que não

seja justificada

Os fundamentos experienciais e racionais

que produzem justificação podem,

mesmo quando não possuem peso

suficiente para render a justificação, ainda assim render

uma crença baseada neles sendo racional

Page 116: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

116

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Esses pontos sobre a diferença entre justificação e racionalidade não mostram que alguem de fato tenha crenças teístas racionais, ou ate mesmo que crenças científicas ou morais sejam sempre racionalmente mantidas. Mas se a racionalidade é uma noção mais fraca do que a justificação, pelo menos haveria melhor razão para se pensar que isso e assim do que haveria se os requisitos para a racionalidade fossem tão fortes quanto os da justificação. Em particular, qualquer que seja o peso das considerações que vimos favorecendo a possibilidade de justificação de crenças religiosas, essas considerações pesam mais fortemente em favor da possibilidade da racionalidade de tais crenças (STUMP, 1993).

Atividades de Estudos:

1) Podemos argumentar que há uma distinção entre justificação e a racionalidade. Explique qual seria esta distinção e quais as suas consequências para as crenças teístas.

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Aceitação, Presunção e féUma outra linha de pensamento deve ser retomada aqui, antes

de finalizarmos o capítulo. Não precisamos explorar a justificação ou a racionalidade nesse domínio apenas em termos de crença. A crença tem sido absolutamente dominante na maioria das discussões epistemológicas da cognição, mas não e a única atitude cognitiva que levanta questões epistemológicas ou e avaliável em relação à justificação ou fundamentos de apoio. Há atitudes mais fracas do que a crença no grau de convicção que elas implicam, mas suficientemente fortes nessa dimensão psicológica para guiar o pensamento e a ação. Alguns filósofos consideram a aceitação desta maneira (STUMP, 1993).

Aceitar uma hipótese científica, nessa terminologia não implica acreditar nela, mas pode levar alguem a comprometer-se a usar a hipótese – digamos, como a hipótese de que determinada doença e causada por uma química em particular – como premissa de raciocínio (experimental) e de orientação para a ação ordinária.

Há atitudes mais fracas do que a crença no grau

de convicção que elas implicam, mas

suficientemente fortes nessa dimensão

psicológica para guiar o pensamento e a

ação.

Page 117: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

117

O Conhecimento Religioso e suas Implicações Epistemológicas Capítulo 3

Da mesma forma, no âmbito da etica se pode presumir a verdade de uma proposição moral (TRASFERETTI; MILLEN; ZACHARIAS, 2015), digamos que um determinado trabalho envolveria alguém em um conflito de interesses, sem que de fato acredite nisso. E na teologia, pode-se ter fé (STUMP, 1993) de que, por exemplo, Deus e soberano no universo, sem crer nisso de modo absoluto – embora, e claro, que não se pode ter fe que isso e assim se alguem não acredita. Em todos os três casos – a aceitação, a presunção e a fe – não se pode ter dúvidas muito fortes sobre a proposição, mas se pode ter ou entreter algum grau de dúvida, de um modo que não se poderia ter se alguem realmente acreditasse.

Parece claro que o peso da evidência ou fundamentação necessária para justificação ou racionalidade será menor para essas atitudes que não implicam crença do que para a crença. Por exemplo, a fe de que um amigo vai se recuperar de uma doença pode ser racional quando a situação e muito desoladora para uma crença justificada de que a recuperação ocorrerá. Eu poderia ser perfeitamente razoável, ate onde as evidências me permitem ir, em ter fe onde eu estaria injustificadamente minimizando os fatos se eu acreditasse que a recuperação ocorreria. E posso aceitar uma hipótese, pelo menos para fins de determinar como pensar e agir em uma questão urgente, quando seria de fato prematuro acreditar. Com certeza, a fe religiosa difere de maneira significativa do tipo de fé que acabamos de descrever, mas o ponto principal ainda se aplica: quaisquer que sejam os fundamentos necessários para uma crença teísta justificada, fundamentos mais fracos bastarão para a fe teísta com o mesmo conteúdo.

Quaisquer que sejam os fundamentos necessários

para uma crença teísta justificada,

fundamentos mais fracos bastarão para

a fé teísta com o mesmo conteúdo.

Algumas ConsideraçõesAcontece, então, que a epistemologia amplamente concebida pode considerar

não apenas o alcance de nosso conhecimento e a crença justificada, mas também, o alcance de nossa crença racional, de nossa conscienciosidade epistêmica e ate de outras atitudes racionais em relação a proposições, como certos tipos de aceitação, presunção e fe. Esta extensão da avaliação epistemológica a outras atitudes mais fracas fornece mais espaço para a racionalidade do que haveria se a crença fosse o único objeto da racionalidade. A mesma força de evidência ou fundamentação pode nos levar ainda mais longe no domínio de atitudes como aceitação, presunção e fe do que na crença.

A questão de como nosso conhecimento e justificação se estendem além de nossas crenças fundamentadas diretamente na experiência ou na razão acaba por ser complicada. Pelo menos, temos justificativa para rejeitar a visão estereotipada de que, embora exista, obviamente, o conhecimento científico como um resultado

Page 118: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

118

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

de prova, e no mínimo duvidoso que exista qualquer conhecimento moral ou ate mesmo que possa haver qualquer conhecimento religioso. Parece um erro falar de prova científica se isso significa prova (dedutiva) de hipóteses científicas ou teorias a partir de evidências observacionais ou outras evidências científicas. Além disso, o conhecimento científico não representa com frequência crenças incontroversas de generalizações precisas, mas e comumente conhecimento aproximado, muitas vezes reconhecido por necessitar de refinamento, ou conhecimento de aproximação, formulado com as restrições apropriadas não especificadas.

No próximo capítulo vamos aprofundar as questões sobre a fe e a racionalidade, centrando-nos na questão de se a fe religiosa pode mesmo escapar ao desafio da irracionalidade. Por isso, é fundamental que você, acadêmico, compreenda bem os conceitos apresentados no primeiro capítulo sobre a epistemologia geral, no segundo capítulo sobre a epistemologia da teologia e da religião e neste capítulo sobre as implicações da epistemologia para o conhecimento religioso.

ReferênciasALSTON, W. P. Epistemicjustification: essays in the theory of knowledge. London: Cornell University, 1989.

______. Perceiving God: the epistemology of religious experience. Ithaca, NY: London: Cornell University Press, 1993.

______. Conhecimento perceptivo. In: GRECO, John; SOSA, Ernest (Orgs). Compêndio de epistemologia. São Paulo: Edições Loyola, 2008. p. 347-378.

BILLETT, S. Mimetic learning at work: learning in circumstances of practice. New York: Springer, 2014.

BLACKBURN, S. DicionárioOxforddeFilosofia. Trad. Desiderio Murcho et al. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997.

BRUN, G.; DOGUOGLU, U.; KUENZLE, D. (Eds.). Epistemology and emotions. New York: Taylor & Francis, 2016.

CHISHOLM, R. M. The Ethics of requirement. American Philosophical Quarterly, v. 1, n. 2, p. 147-153, 1964. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/20009130>. Acesso em: 27 maio 2017.

Page 119: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

119

O Conhecimento Religioso e suas Implicações Epistemológicas Capítulo 3

COADY, C. A. J. Testimony: A Philosophical Study. Oxford: Oxford University Press, 1992.

CODE, L. Epistemic Responsibility. Hanover: University Press of New England and Brown University Press, 1987.

DESCARTES, R. Meditaçõessobrefilosofiaprimeira. Campinas: Unicamp, 2004.

GEBAUER, G.; WULF, C. Mimese na cultura: agir social, rituais e jogos, produções esteticas. São Paulo: Annablume, 2004.

GERT, B. Morality: its nature and justification. New York: Oxford University Press, 1998.

GETTIER, E. Éacrençaverdadeirajustificadaconhecimento? Trad. Célia Teixeira, 1963. Disponível em: <http://www.investigacoesfilosoficas.com/wp-content/uploads/Gettier-1963-E_-a-crenc_a-verdadeira-justificada-conhecimento.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2017.

GIRARD, R. Anorexia e desejo mimético. Lisboa: Edições Texto e Grafia. 2009.

GOLDBERG, S. C. Relying on Others: An Essay in Epistemology. Oxford: OxfordUniversity Press, 2010.

GRECO, J.; TURRI, J. Epistemologia da virtude. Tradução de Breno Ricardo Guimarães Santos, Pedro Merlussi. Intuitio, Porto Alegre, v. 8, n. 1, p. 325-362, junho, 2015. Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/intuitio/article/download/19738/13572>. Acesso em: 29 abr. 2017.

HUME, D. Diálogos sobre a religião natural. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

______. Tratado da natureza humana: uma tentativa de introduzir o metodo experimental de raciocínio nos assuntos morais. 2. ed. rev. e ampliada. São Paulo: UNESP, 2009.

JAMES, W. As variedades da experiência religiosa: um estudo sobre a natureza humana. São Paulo: Cultrix, 1995.

KUSCH, M. Knowledge by Agreement: The Programme of Communitarian Epistemology. Oxford: Oxford University Press, 2002.

Page 120: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

120

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

LACKEY, J. Learning from Words: Testimony as a Source of Knowledge. Oxford: Oxford University Press, 2008.

LACKEY, J.; SOSA, E. The Epistemology of Testimony. Oxford: Oxford University Press, 2011.

LEHRER, K. Theory of Knowledge. 2. ed. Boulder; Colorado: Westview Press, 2000.

LENNON, T. M. O legado de Descartes no seculo VXII: problemas e polêmicas. In: BROUGHTON, J.; CARRIERO, J. (Orgs.). Descartes. Trad. Ethel Rocha, Lia Levy. Porto Alegre: Penso, 2011.

LEYSER, K. D. dos S. Os sentimentos e os pensamentos religiosos: efeitos da religião nos processos psicológicos humanos. In: LEYSER, Kevin Daniel dos Santos; TAVARES, Fábio Roberto. Psicologia geral e da religião. Indaial: Uniasselvi, 2015. p. 83-170.

LUZ, A. M. Conhecimentoejustificação: problemas de epistemologia contemporânea. Pelotas: NEPFil online, 2013. Disponível em: <http://nepfil.ufpel.edu.br/publicacoes/1-conhecimento-e-justificacao.pdf>. Acesso em: 23 abr. 2017.

McGRATH, Alister. Fundamentos do Diálogo entre Ciência e Religião. Tradução de Jaci Maraschin. São Paulo: Edições Loyola, 2005.

MARCONDES, D. Iniciaçãoàhistóriadafilosofia: dos pre-socráticos a Wittgenstein. 13. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2010.

MENSSEN, S.; SULLIVAN, T. D. The existence of God and the existence of Homer: rethinking theism and revelatory claims. Faith and Philosophy, v. 19, n. 3, p. 331–347, 2002. Disponível em: <https://www.pdcnet.org/pdc/bvdb.nsf/purchase?openform&fp=faithphil&id=faithphil_2002_0019_0003_0331_0347>. Acesso em: 29 abr. 2017.

MONTMARQUET, J. Epistemic Virtue and Doxastic Responsibility. Lanham: Rowman and Littlefield, 1993.

MORIARTY, M. Early modern french thought: the age of suspicion. New York: Oxford Universty Press, 2003.

MÜLLER, F. de M.; RODRIGUES, T. V. (Orgs.). Epistemologia social: dimensão social do conhecimento. Porto Alegre: EDIPUCRS,

Page 121: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

121

O Conhecimento Religioso e suas Implicações Epistemológicas Capítulo 3

2013. Disponível em: <http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/Ebooks/Pdf/978-85-397-0176-6.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2017.

NUNES, Á. O racionalismo de Descartes. Criticanarede, Epistemologia, 15 fev. 2017. Disponível em: <http://criticanarede.com/his_descartes.html>. Acesso em: 26 maio 2017.

NUNES, B. A visão romântica. In: GUINSBURG, J (Org.). O Romantismo. São Paulo: Perspectiva, 1985.

NUSSBAUM, M. Paisajes del pensamiento: la inteligencia de las emociones. Trad. Araceli Maira. Barcelona: Paidós, 2012.

OLIVEIRA, M. A. de. Afilosofianacrisedamodernidade. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2001.

PESSOA, F. O guardador de rebanhos e outros poemas. São Paulo: Cultrix, 1997.

PINHEIRO, M. M. S. Experiência Religiosa e Crença em Deus: avaliação comparativa das abordagens de Alston e Plantinga. 150 f. Dissertação (Mestrado em Filosofia). Brasília: Departamento de Filosofia da Universidade de Brasília, 2006. Disponível em: <http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/1835/1/2006_Maur%C3%ADcio%20Mota%20Saboya%20Pinheiro.pdf>. Acesso em: 27 abr. 2017.

PLANTINGA, A. Reason and belief in God. In: PLANTINGA, A.; WOLTERSTORFF, N. (Eds.). Faith and Rationality. Notre Dame, Indiana: University of Notre Dame Press, 1983.

______. Warrant and Proper Function. New York: Oxford University Press,1993.

______. Warranted christian belief. Oxford: Oxford University Press, 2000.

______. A crença religiosa como realmente básica. In: TALIAFERRO, C.; GRIFFITHS, P. J. Filosofiadasreligiões: uma antologia. Instituto Piaget: Lisboa, 2003.

POLÓNIO, A. O fundacionalismo de Descartes. Criticanarede, Epistemologia, 19 fev. 2015. Disponível em: <http://criticanarede.com/his_descartes.html>. Acesso em: 26 maio 2017.

Page 122: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

122

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

PORTUGAL, A. C. Epistemologia da experiência religiosa: Uma comparação entre Alston e Swinburne. Numen: revista de estudos e pesquisa da religião, Juiz de Fora, v. 7, n. 2, p. 137-180. 2002. Disponível em: <https://numen.ufjf.emnuvens.com.br/numen/article/viewFile/720/622>. Acesso em: 15 abr. 2017.

ROCHA, A. R. Epistemologia e sensibilidade: a afirmação da experiência como forma de percepção da realidade. Ciberteologia - Revista de Teologia & Cultura, Ano VI, n. 31, p. 43-89. 2010. Disponível em: <http://ciberteologia.paulinas.org.br/ciberteologia/wp-content/uploads/downloads/2010/09/Epistemologia.pdf>. Acesso em: 29 abr. 2017.

ROSS, W. The Right and the Good. Oxford: Oxford University Press, 2002.

RUSSELL, B. Osproblemasdafilosofia. Lisboa: Edições 70, 2008.

SARTORI, C. A. Sobre a viabilidade do fundacionismo epistêmico moderado. 2006. 118 f. Tese (Doutorado em Filosofia) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006. Disponível em: <http://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/2857>. Acesso em: 26 abr. 2017.

SENOR, T. D. (Ed.). The Rationality of Belief and the Plurality of Faith. Ithaca, NY: London: Cornell University Press, 1995.

SOLOMON, R. Fiéis às nossas emoções: o que elas realmente nos dizem. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014.

SOSA, E. Epistemologia da Virtude: crença apta e conhecimento reflexivo. São Paulo: Edições Loyola, 2013.

SOUZA FILHO, D. M. Modernidade, Subjetividade e Linguagem. In: 28o Encontro Anual da ANPOCS. 26 a 30 de outubro de 2004, Caxambu-MG, 2004. Disponível em: <https://anpocs.com/index.php/papers-28-encontro/st-5/st13-4/3989-dsouzafilho-modernidade/file>. Acesso em: 25 maio 2017.

SPARIOSU, M. (Ed.). Mimesis in contemporary theory: an interdisciplinary approach. Philadelphia: John Benjamins, 1984.

STUMP, E. (Ed.). Reasoned Faith: essays in philosophical theology. Ithaca, NY: Cornell University Press, 1993.

SWEETMAN, B. Religião: conceitos-chave em filosofia. Porto Alegre: Penso, 2013.

Page 123: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

123

O Conhecimento Religioso e suas Implicações Epistemológicas Capítulo 3

TOMASELLO, M. Do Apes Ape? In: HEYES, C. M.; GALEF B. G. (Eds.). Social Learning in Animals: The Roots of Culture. London, UK: Academic Press, 1996. p. 319–346.

TRASFERETTI, J. A.; MILLEN, Maria Inês de Castro; ZACHARIAS, Ronaldo. Ética teológica. São Paulo: Paulus, 2015.

VALLE, E. Psicologia e experiência religiosa. São Paulo: Loyola. 1998.

WOLTERSTORFF, N. P. Epistemologia da religião. In: GRECO, John; SOSA, Ernest (Orgs). Compêndio de epistemologia. São Paulo: Edições Loyola, 2008. p. 469-502

WULF, C. Aprendizagem cultural e mimese: jogos, rituais e gestos. Revista Brasileira de Educação, v. 21, n. 66, jul-set. 2016. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v21n66/1413-2478-rbedu-21-66-0553.pdf>. Acesso em: 28 abr. 2017,

YANDELL, K. Philosophy of Religion: a contemporary introduction to the philosophy of religion. London: New York: Routledge, 1999.

ZAGZEBSKI, L. Virtues of the Mind. Cambridge: Cambridge University Press, 1996.

ZAGZEBSKI, L. T. Divine Motivation Theory. Cambridge: Cambridge University Press, 2004.

______. Epistemic authority: a theory of trust, authority, and autonomy in belief. Oxford: Oxford University Press, 2012.

ZANGWILL, N. The myth of religious experience. Religious Studies, v. 40, n. 1, p. 1- 22, mar. 2004. Disponível em: <https://www.hull.ac.uk/php/465848/HOMEPAGE/PDFs/mythre.pdf>. Acesso em: 29 abr. 2017.

ZILLES, Urbano. O problema do conhecimento de Deus. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1989.

Page 124: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

124

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Page 125: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

CAPÍTULO 4

Argumentos Cosmológicos da Existência Divina

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo, você terá os seguintes objetivos de aprendizagem:

� Compreender os argumentos teístas cosmológicos da existência divina, clássicos e contemporâneos.

� Identificar as objeções antiteístas aos argumentos cosmológicos da existência divina.

� Comparar os argumentos cosmológicos da contingência, da razão suficiente e kalam.

� Analisar o argumento cosmológico para o ateísmo.

Page 126: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

126

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Page 127: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

127

Argumentos Cosmológicos da Existência Divina Capítulo 4

ContextualizaçãoPor pelo menos dois milênios filósofos têm tentado demonstrar, por meio

da razão e do argumento, que Deus existe. É claro que nem todos os teístas concordam que a existência de Deus pode ser demonstrada atraves de argumentos, e alguns ate mesmo concordam com a tese ateísta de que nenhuma explicação racional da existência de Deus pode ser oferecida. Alguns teístas, porém, têm ido tão longe a ponto de afirmar que existem meios racionais para provar que Deus existe, enquanto outros afirmam que a existência de Deus pode ser demonstrada de forma plausível, mas não comprovada.

Muitos argumentos foram construídos para provar, ou, pelo menos, fornecer razões à crença em Deus, e neste e nos próximos dois capítulos estaremos examinando três deles. Neste capítulo vamos trabalhar atraves de várias formas do argumento cosmológico (MORELAND, 2013; CRAIG, 2001; ROWE, 2011). Cada uma das diferentes versões do argumento cosmológico começa concentrando-se em algum fato empírico do universo a partir do qual se segue que algo fora do universo deve ter causado a sua existência. Suponha que, usando um exemplo de inúmeras possibilidades, em alguma futura exploração tripulada a um planeta distante, os astronautas descobrissem seis objetos esfericos descansando perfeitamente um em cima do outro. Certamente, esses descobridores concluiriam que esses objetos e sua estrutura hierárquica devem ter vindo de alguma coisa e de algum lugar. Mas eles tambem poderiam perguntar sobre outras coisas, como: “Qual foi a causa da existência dessa coisa que fez com que esses objetos existissem?” E assim em diante. Mas pode esta serie de causas para as coisas continuarem indefinidamente? Intuitivamente, parece que ela deve parar em algum lugar – deve haver alguma causa originária. Assim, tambem, argumentam os defensores do argumento cosmológico, quando começamos a examinar as causas das (ou as razões para) as coisas que existem no universo, e das quais o universo e composto, a cadeia causal deve parar em algum lugar. Para os teístas, essa causa e Deus.

No que se segue, vamos primeiro considerar três argumentos cosmológicos da existência de Deus, bem como várias objeções para eles. Essa demarcação tripartite dos argumentos cosmológicos foi primeiro oferecida por William Craig (2001) e se tornou a maneira padronizada de delimitar tais argumentos. Após esta consideração, exploraremos uma especie de argumento cosmológico que conclui que Deus não existe.

Page 128: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

128

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

O argumento cosmológico: a partir dos termos gregos cosmos (mundo ou universo) e logos (razão ou explicação racional). O argumento cosmológico, desenvolvido pela primeira vez pelos antigos filósofos gregos, assume uma variedade de formas. O tema comum entre todos eles e que, desde que há um cosmos que existe, ao inves de apenas nada, deve ter sido causado por algo alem dele.

O Argumento da ContingênciaA pessoa que provavelmente recebeu o maior reconhecimento por oferecer

um argumento cosmológico para a existência de Deus e o monge católico, Tomás de Aquino (1224-1274).

São Tomás de Aquino (1224-1274) foi um teólogo proeminente, filósofo e apologista cristão medieval da Igreja Católica Romana. Ele escreveu muitos livros sobre uma grande variedade de tópicos, incluindo a fe e a razão, revelação, epistemologia, ontologia, etica e governo. Seu estilo de escrita e complexo e conciso, e muitas vezes segue o estilo da dialética medieval. Sua obra mais influente e o seu opus magnum – o Summa Theologiae (2001) – uma teologia sistemática maciça. São Tomás foi canonizado pela Igreja Católica em 1326.

Em sua obra a Summa Theologiae, Tomás de Aquino (2001) oferece cinco argumentos concisos para a existência de Deus, dos quais quatro são cosmológicos em sua natureza. Aquino não inventou os argumentos cosmológicos; eles remontam, pelo menos tanto quanto os antigos filósofos gregos Platão (c. 428- c. 348 AEC) – verifique sua obra As leis (2010), no livro 10, para uma versão do argumento cosmológico – e Aristóteles (384-322 AEC) – verifique sua obra Metafísica (2002), no v. 2, livro 12, e sua obra Física (2009), v. 1, livros 7 e 8 – e são mais plenamente articulados pelos pensadores medievais judaicos, cristãos e islâmicos. Em nenhum outro lugar, no entanto, eles são tão clara e concisamente postos do que na obra de Tomás de Aquino, a Summa – todos os três argumentos

Page 129: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

129

Argumentos Cosmológicos da Existência Divina Capítulo 4

estão contidos em pouquíssimas páginas (2001, p. 110-113). O mais famoso dos argumentos cosmológicos de Aquino e o seu argumento chamado de “terceira via”. Tambem conhecido como o argumento da contingência ou o argumento cosmológico tomista (derivado de seu nome, Tomás de Aquino), ele o expõe como segue:

A terceira via e a que se deduz do possível e do necessário. E diz: Encontramos, entre as coisas, as que podem existir ou não existir, uma vez que algumas podem ser produzidas ou des-truídas, e consequentemente e possível que existam ou que não existam. Mas e impossível que as coisas submetidas a tal possibilidade existam sempre, pois o que leva em si mesmo a possibilidade de não existir, em um tempo não existiu. Se, pois, todas as coisas levam em si mesmas a possibilidade de não existir, houve um tempo em que nada existiu. Mas se isto e verdade, tampouco agora existiria nada, posto que o que não existe não começa a existir, mas que por algo que já existe. Se, pois, nada existia, e impossível que algo começasse a existir; em consequência, nada existiria; e isto e absolutamente falso. Logo nem todos os seres são somente possibilidade; senão que e preciso algum ser necessário. Todo ser necessário en-contra sua necessidade em outro, ou não a tem. Por outro lado, não e possível que nos seres necessários se busque a causa de sua necessidade levando este proceder indefinidamente, como já ficou provado ao tratar das causas eficientes. Portan-to, e preciso admitir algo que seja absolutamente necessário, cuja causa de sua necessidade não esteja em outro, senão que ele seja a causa da necessidade dos demais. O que todos chamam Deus (AQUINO, 2001, p. 112).

A característica central deste argumento cosmológico e descrita no "Argumento da contingência" no Quadro 1 a seguir.

O mais famoso dos argumentos cosmológicos de Aquino é o seu

argumento chamado de “terceira via”.

Quadro 1 – O argumento da contingência

1)

Há coisas contingentes no mundo; isto e, há coisas (ou seres) no mundo que:

• Começam a existir em algum momento.• São causadas a existir por alguma outra coisa.• Poderiam deixar de existir, em algum momento.• Poderiam nunca ter existido.

2)

Mas nem todas as coisas podem ser coisas contingentes, pois nesse caso nada existiria agora desde que o que começa a existir o faz atraves do que já existe (ou seja, o nada não pode causar algo a existir).

Page 130: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

130

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

3)

Uma vez que existem coisas contingentes, deve haver alguma coisa não contingente ou necessária. Ou seja, deve haver alguma coisa (ou ser) que:

• Não começou a existir em algum momento.• Não e causado a existir por alguma outra coisa.• Não deixará de existir em algum momento.• Não poderia não ter existido.• É o que causou as coisas contingentes a existir.

4) Nós chamamos essa coisa necessária (ou ser) Deus.

Fonte: O autor.

Seguindo o próprio Tomás de Aquino em seus escritos posteriores, nesta forma do argumento estamos evitando a questão do infinito temporal e centrando-nos na dependência lógica das coisas contingentes em uma causa não contingente (ou necessária). Concordamos com aqueles estudiosos que afirmam que enquanto Aquino se refere ao tempo nesse argumento, esta referência e, em última análise simplesmente um dispositivo retórico e não uma declaração de um estado de coisas real. Para um resumo conciso e útil das primeiras quatro vias, veja Norman Geisler e Winfried Corduan (2003), nas páginas 158-160.

Poderíamos simplificar o argumento ainda mais: 1. Se existem coisas contingentes, então um fundamento (necessário) não contingente deve existir para explicar a sua existência; 2. Coisas contingentes existem; 3. Portanto, um fundamento (necessário) não contingente deve existir para explicar sua existência.

Uma vez que o argumento é válido, o que significa que se as premissas são verdadeiras a conclusão deve seguir, a pergunta diante de nós e se as premissas são ou não verdadeiras. Voltemos, portanto, ao Quadro 1.

A premissa 1 e amplamente sustentada: há coisas contingentes no mundo. Por exemplo, considere gato do meu amigo, Cheshire. O gato Cheshire começou a existir, foi causado a existir por alguma outra coisa (principalmente seus pais), eventualmente deixará de existir, e poderia nunca ter existido (suponha que seus pais nunca tivessem se encontrado). Portanto, há coisas contingentes, ou seres, no mundo. A premissa 1, então, parece razoável para acreditarmos. No entanto, o passo seguinte no argumento – a premissa 2 – não e tão intuitivamente plausível.

Page 131: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

131

Argumentos Cosmológicos da Existência Divina Capítulo 4

É o caso de que nem todas as coisas podem ser coisas contingentes? Aquino argumenta que, se todas as coisas são contingentes, então nada poderia vir a existir uma vez que não teria havido qualquer agência causal originária pela qual pudesse causar qualquer coisa a existir. Existem várias formas de apoiar este ponto. Em primeiro lugar, pode-se argumentar que nada poderia ter vindo à existência porque, nesse caso, uma serie contingente teria de ser de fato uma série infinita, mas uma série infinita real é impossível (a noção de uma série infinita real será discutida a seguir na seção sobre o argumento kalam). Entretanto, o próprio Aquino não sustenta essa visão, por isso vamos ignorá-la aqui.

Em segundo lugar, independentemente de ser possível, ou não, uma serie causal infinita real, argumenta-se que, desde que coisas contingentes são coisas que poderiam não existir, então elas não são coisas necessárias (ou seres necessários); a sua existência e uma existência possível, não uma existência necessária – ela depende de outra. Mas nem toda a existência pode ser existência possível, pois o que e meramente possível não pode contar como o que e real. Por exemplo, se g foi causado por f e f foi causado por e, e e foi causado por d, e assim por diante, parece que a serie e inexplicável por si só, não importa quanto retrocedermos. Se todas as coisas na serie são contingentes (isto e, coisas dependentes de outras coisas), parece que a soma total da serie tambem e contingente. Uma vez que cada coisa na serie de coisas contingentes precisa de uma causa para a sua existência, como pode a serie tomada como um todo tambem não necessitar de uma causa?

Em um famoso debate do século XX entre o filósofo ateu Bertrand Russell (1872-1970) e o filósofo católico Padre Frederick Copleston (1907-1994), este último resumiu o ponto central de forma concisa:

Se somarmos chocolates, obteremos, no fim, chocolates, e não um carneiro. Se acrescentarmos chocolates até o infini-to, obteremos, presumivelmente, um número infinito de cho-colates. Se somarmos seres contingentes até o infinito, ainda obteremos seres contingentes, e não um ser necessário. Uma série infinita de seres contingentes será, a meu ver, tão incapaz de se causar a si mesma como um ser contingente (RUSSEL, 1972, p. 108-109).

Aquino argumenta que, se todas as coisas são

contingentes, então nada poderia vir a

existir uma vez que não teria havido qualquer agência

causal originária pela qual pudesse causar

qualquer coisa a existir

Page 132: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

132

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Escute o debate antológico promovido pela BBC em 1948. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Bz67ogt745w>. Ou leia o debate na íntegra no livro de Bertrand Russel, Por que não sou cristão (1972). Outro excelente livro, com um capítulo específico sobre os argumentos cosmológicos e Bruce e Barbone (2013), Os 100 argumentos mais importantes da filosofia ocidental. No capítulo 2 deste livro, Mark Nelson (2013), descreve elucidativamente o argumento da contingência.

Assim, como enunciado na premissa 3, parece que uma causa externa – uma que e em si não causada e fundamenta a serie contingente – e necessária para a serie (veja a Figura 2). Como veremos na próxima seção, este argumento para a premissa 2 é muito semelhante ao argumento de razão suficiente.

Figura 2 – A necessidade de uma causa externa não causada

Fonte: O autor.

Alem disso, os defensores do argumento da contingência podem argumentar que este fundamento não causado da serie contingente e o que se entende por Deus. Portanto, Deus deve existir.

Claro, nem todos concordam com esta conclusão. De modo a negar a conclusão, no entanto, deve-se negar uma ou mais das premissas. A seguir estão algumas das várias objeções a esta forma do argumento cosmológico.

Objeção 1: A série contingente simplesmente é

A primeira resposta e alegar de que a serie causal não precisa de uma explicação; ela simplesmente e. Esta foi uma resposta básica oferecida por

Page 133: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

133

Argumentos Cosmológicos da Existência Divina Capítulo 4

Bertrand Russell no debate observado acima. Ele argumentou que derivamos nossa compreensão de uma causa de nossas observações sobre o que acontece no mundo. Mas por que ir alem disto? Não há nenhuma razão, sustenta ele, para ir alem de nossa experiência e supor que toda a serie precisa de uma explicação. Como ele diz: "não vejo nenhuma razão para pensar que haja qualquer causa. Todo conceito de causa se deriva de nossa observação de coisas particulares; não vejo razão alguma para supor que o total tenha qualquer causa [...]. Eu diria que o universo simplesmente está aí, e isso e tudo" (RUSSEL, 1972, p. 109).

Como um defensor do argumento cosmológico responderia a essa objeção? Uma forma seria a alegação de que uma vez que cada parte da serie precisa de uma causa então a serie como um todo deve precisar tambem de uma causa, pois a serie e nada mais do que a soma de suas partes. No entanto, isso leva à próxima objeção.

Uma vez que cada parte da série

precisa de uma causa então a série como um todo deve precisar também de uma causa, pois a

série é nada mais do que a soma de suas

partes.

Bertrand Arthur William Russell (1872-1970) era um matemático britânico, lógico, filósofo e reformador social. Ele se tornou um membro do Trinity College, em Cambridge e mais tarde em sua carreira um Docente em Filosofia. Em 1916, ele foi demitido de sua posição na universidade devido ao seu agnosticismo e ao seu pacifismo. Mais tarde ele foi reintegrado, mas recusou a oferta. Ele escreveu uma serie de livros importantes, incluindo Principia mathematica (2001, coautoria com A. N. Whitehead) e Os problemas da filosofia (2008). Em 1949, ele recebeu o Prêmio Nobel de Literatura.

Objeção 2: A falácia da composição

À medida que o debate continuou, Russell acusou Copleston de cometer uma falácia lógica – a falácia da composição. Veja como a objeção e feita: só porque as partes de um todo têm um atributo específico (tais como ser contingente), não segue daí que o todo tambem tenha esse atributo. Vários exemplos podem ser citados para demonstrar o ponto. Por exemplo, apesar de todas as pedras que formam a parede de um castelo medieval sejam pequenas, não segue disso que a parede do castelo medieval tambem seja pequena. Assim tambem com o universo, argumenta-se, só porque cada parte que o compõem e contingente, e, portanto, em necessidade de uma explicação causal, não segue disso que o todo e contingente e, portanto, em necessidade de uma explicação causal.

Page 134: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

134

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Os defensores do argumento cosmológico respondem, argumentando que esta analogia do castelo e defeituosa. Uma analogia mais acurada, eles mantêm, e a seguinte: uma vez que a parede do castelo medieval e feita de pedras, a mesma e uma parede de pedra do castelo. Ou seja, uma vez que todas as partes que compõem esta parede do castelo são pedras, a parede como um todo e de pedra. Assim tambem com o universo, uma vez que cada uma das partes que o compõem e contingente, o conjunto deve ser contingente tambem.

Os objetores discordam, e o debate então gira em torno de qual tipo de analogia melhor reflete o universo e suas partes constituintes.

Objeção 3: Explicando as partes de um todo explica o todo em si mesmo

Uma objeção relacionada com a anterior e que, se as partes individuais que formam uma coisa são todas explicadas, então, a coisa toda em si mesma é explicada também. O historiador e filósofo escocês David Hume (1711-1776) escreveu uma obra-prima em filosofia da religião intitulada Diálogos sobre a religião natural (1992). Ao fazer este tipo de objeção, Hume afirma o seguinte:

Mas o todo, você diz, precisa ter uma causa. Minha resposta e que a união dessas partes em um todo, assim como a união de várias províncias diferentes em um reino, ou de vários mem-bros distintos em um corpo, realiza-se simplesmente por um ato arbitrário da mente e não tem influência sobre a natureza das coisas. Se eu lhe tivesse mostrado as causas particulares de cada indivíduo de uma coleção de vinte partículas mate-riais, seria muito pouco razoável que você me perguntasse, a seguir, pela causa das vinte como um todo. Pois ela já foi sufi-cientemente explicada ao se explicarem as causas das partes (HUME, 1992, IX, p. 123).

Hume está certamente correto que por vezes e o caso que uma explicação sobre as partes de uma coisa explica o todo do qual as partes consistem, pelo menos em um nível. Usando o seu próprio exemplo referindo-se a um reino particular, uma explicação para "Por que isso e um reino?" poderia ser "Porque há várias províncias unidas". Mas, e claro, em outro nível esta resposta e incompleta. Pode-se tambem buscar razoavelmente a causa por que as províncias foram, de fato, unidas umas às outras para formar o reino, pois os reinos são os tipos de coisas que envolvem a união de províncias por razões específicas. Portanto, esta analogia, bem como a que ele usa sobre os membros de um corpo, não parecem funcionar no modo como Hume havia imaginado.

Só porque as partes de um todo têm um atributo específico

(tais como ser contingente), não

segue daí que o todo também tenha esse

atributo

Se as partes individuais que formam uma

coisa são todas explicadas, então, a coisa toda em si mesma é explicada

também

Page 135: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

135

Argumentos Cosmológicos da Existência Divina Capítulo 4

Para que possamos afirmar que o universo como um todo não precisa de uma causa, parece que teríamos de afirmar que os indivíduos contingentes do qual a serie consiste tambem não precisam de causas. Mas isso seria simplesmente afirmar que eles não são contingentes afinal de contas. De fato, alguns sustentam a visão de que não existem seres contingentes, e o fazem isso por várias razões. Uma destas razões oferecidas e que os termos “contingente” e “necessário” carecem de sentido.

Objeção4:Quemcausoudeusaexistir?

Pode-se objetar que, se o universo como um todo precisa de uma explicação porque a serie contingente da qual ele consiste precisa de uma explicação, então assim tambem Deus precisa de uma explicação. Por outro lado, se Deus não precisa de uma causa, então a serie contingente que compõe o universo não precisa de uma causa tambem.

Em resposta, os defensores do argumento concordam que a serie causal deve parar em algum lugar – deve haver uma explicação fundamentadora. No entanto, por definição, coisas contingentes necessitam causas, ao passo que as coisas necessárias não. Assim, por definição, Deus (como um ser necessário não contingente) não precisa de uma causa. Isso significa que, por definição, Deus é a causa não causada que explica a serie contingente que compõe o universo. Se Deus realmente existe ou não e uma questão separada desta resposta à objeção; ela só está afirmando uma definição comumente aceita de Deus, e, em seguida, observando que tal definição, de fato, fornece uma explicação fundamentadora para a serie que de outra forma seria inexplicável.

Objeção 5: Mesmo admitindo a existência de uma causa necessária, esta causa não precisa ser deus

Há um número de diferentes aspectos desta objeção, mas a essência dela e que mesmo se admitirmos as premissas 1-3, não há nenhuma razão para acreditar que este ser necessário e Deus – certamente não o Deus das religiões teístas. Esta e uma seria objeção a esta forma do argumento cosmológico. Por que se deve inferir que o ser necessário e equivalente a Deus? Talvez a ser necessário e mais semelhante ao “Deus” de Aristóteles, um "motor imóvel" de pensamento impessoal puro. Tal ponto de vista de Deus está muito longe daquele pessoal, envolvente sendo oferecido pelas grandes religiões teístas.

Se Deus não precisa de uma

causa, então a série contingente que

compõe o universo não precisa de uma

causa também.

Page 136: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

136

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Uma resposta a essa objeção e manter que o ser necessário exigido pelo argumento cosmológico e melhor compreendido como o ser mais perfeito do argumento ontológico, um exemplo de tal posição pode ser visto nas partes A605-7 e 508-10 da Crítica Razão Pura de Kant (2001). Vamos examinar o argumento ontológico no Capítulo 6, mas uma dificuldade aqui, como observado por Immanuel Kant (1704-1824), e que, se o conceito de um ser necessário e expresso em termos do conceito de um ser mais perfeito (e o último e central para o argumento ontológico), isto parece fazer o argumento cosmológico dependente do argumento ontológico, e muitos têm argumentado que o argumento ontológico é deficiente.

Outra resposta a essa objeção e simplesmente conceder e admitir que este argumento cosmológico, tomado por si só, não implica o Deus das religiões tradicionais. Respondedores desta especie tipicamente sustentam que ele fornece razão para acreditar em algum tipo de Deus, e assim fornece razão para não ser um ateu.

Se o conceito de um ser necessário é expresso em termos do conceito de um ser mais perfeito (e o último é central para o argumento ontológico), isto

parece fazer o argumento cosmológico dependente

do argumento ontológico

O Argumento da Razão SuficienteUma segunda forma de argumento cosmológico e chamada de

o argumento da razão suficiente, ou o argumento cosmológico da razão suficiente. É semelhante ao argumento da contingência, mas é baseado na premissa de que deve haver uma razão suficiente, ou explicação (e não uma causa), para a existência de qualquer ser contingente, assim como para o universo contingente como um todo. Os primeiros defensores do argumento da razão suficiente foram o filósofo racionalista alemão Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) – verifique sua obra A monadologia (2009) – e o filósofo Inglês Samuel

Clarke (1675-1729) – verifique a sua obra A demonstration of the being and attributes of God (1728). O Quadro 2 a seguir, “O argumento da razão suficiente”, mostra um modo de declarar tal argumento.

Deve haver uma razão suficiente, ou explicação (e não uma causa), para a existência de qualquer ser

contingente, assim como para o

universo contingente como um todo.

Quadro 2 - O argumento razão suficiente

1) Todas as coisas (seres) que existem devem ter uma razão suficiente para a sua existência.

2) A razão suficiente para a existência de uma coisa deve estar na coisa em si ou fora da coisa.

3)Todas as coisas no universo são coisas para as quais a razão suficiente das mesmas se encontra fora delas mesmas (ou seja, nada no universo fornece sua própria explicação para a sua existência).

Page 137: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

137

Argumentos Cosmológicos da Existência Divina Capítulo 4

4) O universo não e nada mais do que a coleção das coisas que o compõem.

5) Assim, deve haver uma razão suficiente, para o universo como um todo, que se encontra fora dele mesmo.

6) Não pode haver uma regressão infinita de tais razões suficientes, pois então não haveria nenhuma explicação final das coisas.

7)Portanto, deve haver uma coisa (ser) primeira autoexplicativa cuja razão suficiente para a sua existência encontra-se em si mesma, em vez de fora de si (ou seja, um ser necessário cuja não existência e impossível).

Fonte: O autor.

Em termos simples, a essência desse argumento e que tudo o que existe no mundo precisa de uma explicação para a sua existência, e nada no mundo fornece uma explicação para si mesmo (incluindo o mundo como um todo). Então, deve haver uma explicação fora dele – uma explicação que é suficiente em si mesma. E nós chamamos essa explicação "Deus".

Uma pergunta relacionada colocada por Leibniz e esta: "Por que existe algo em vez de nada?" Por que o universo existe, em vez de apenas nada? Não parece razoável buscar uma explicação para sua existência? Uma analogia pode ser útil neste momento. O filósofo Richard Taylor (1919-2003) nos pede para imaginar que estamos caminhando por uma floresta e nos deparamos com uma bola translúcida:

Suponha, então, que você tenha encontrado esta bola trans-lúcida e esteja mistificado por ela. Agora seja o que for que você pondere sobre ela, há uma coisa que você dificilmente questionaria; nomeadamente, que ela não apareceu lá por si só, que ela deve a sua existência a algo. Você pode não ter a mais remota ideia de onde e como ela veio parar lá, mas você dificilmente duvidaria de que houvesse uma explicação. A ideia de que ela poderia ter vindo do nada, de que poderia existir sem que haja qualquer explicação para sua existência, e uma que poucas pessoas consideram digna de entretenimento (TAYLOR, 1969, p. 100-101).

Ele continua:

Isso ilustra uma crença metafísica que quase parece fazer par-te da própria razão, mesmo que apenas alguns homens pensem nisso; a crença de que há uma explicação para a existência de qualquer coisa, alguma razão do por que isso deve existir ao inves de não. A não-existência de algo, o que não deve ser confundida com a extinção da existência de algo, nunca requer uma explica-ção; mas a existência requer. Que nunca devesse haver qualquer bola na floresta não exige qualquer explicação ou razão, mas que devesse haver tal bola, exige (TAYLOR, 1969, p. 100-101).

Page 138: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

138

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Se referindo a alguma coisa de concreto em particular, como um taco de beisebol ou a bola translúcida mencionada acima ou ao universo como um todo, dada a sua existência, parece razoável pedir uma explicação para a mesma. O defensor do argumento da razão suficiente, então, coloca o detrator na defensiva e faz a pergunta: "Quem está sendo mais razoável, a pessoa que sustenta que há uma razão suficiente para a existência do universo, ou a pessoa que nega isso?". À primeira vista, a resposta parece óbvia.

Em resposta, tem havido uma serie de objeções levantadas contra o argumento de razão suficiente. Várias das objeções mencionadas acima em relação ao argumento da contingência, por exemplo, tambem podem ser aplicadas a este argumento. Nós não vamos ensaiar essas objeções aqui, mas outras foram levantadas especificamente em relação ao argumento da razão suficiente.

Objeção 1: Não há maneira alguma de demonstrar que o princípio da razãosuficienteéverdadeiro

De acordo com essa objeção, não há maneira de provar o princípio de Leibniz da razão suficiente (que cada fato e declaração verdadeira tem uma razão suficiente para o porquê é do jeito que é e não o contrário). Em primeiro lugar, não há evidência empírica alguma para provar o princípio – que não se pode inferir a partir de nossa experiência sensorial que cada fato e declaração verdadeira tem uma razão suficiente para a maneira que e. Em segundo lugar, não e uma verdade logicamente necessária – a sua verdade pode ser logicamente negada. Em terceiro lugar, não é uma verdade a priori; enquanto uma série de filósofos tem acreditado que o mesmo seja verdadeiro, outros negaram que e. Desde que a premissa 1 do argumento e baseada neste princípio, esta objeção levanta sérias dúvidas sobre o argumento da razão suficiente.

Uma maneira de responder a essa objeção e manter que o princípio da razão suficiente é mais razoável de acreditar do que de negar. Pode-se, por exemplo, argumentar que e uma crença propriamente básica (como a minha crença de que eu existo, ou a minha crença de que há realmente um mundo externo) ou que se pode simplesmente intuir sua verdade. Parece de fato que muitos, se não a maioria das pessoas, acreditam que há alguma razão porque as coisas existem e não o contrário. Pode-se, tambem, observar que a própria prática da ciência pressupõe que este princípio e verdadeiro. Imagine um cenário em que um cientista, com a intenção de encontrar a razão pela qual vinte ratos experimentais desenvolveram em seu laboratório tumores grandes, concluir que não há nenhuma razão afinal para tais crescimentos! É duvidoso que o cientista seria levado a serio.

É claro que essas respostas pressupõem que o princípio em si seja coerente, mas, como veremos a seguir, alguns têm argumentado que não o e.

Não há evidência empírica alguma

para provar o princípio – que não se pode

inferir a partir de nossa experiência sensorial que cada fato e declaração

verdadeira tem uma razão suficiente para

a maneira que é.

Page 139: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

139

Argumentos Cosmológicos da Existência Divina Capítulo 4

Crença propriamente básica. Uma crença propriamente básica é uma crença da qual é possível, mas insensato exigir justificação. Os exemplos incluem as crenças de que eu existo, de que há outras mentes, e de que há um mundo externo.

Objeção2:Oprincípiodarazãosuficienteéincoerente

De acordo com essa objeção, o princípio da razão suficiente acaba por ser uma noção incoerente em relação à existência do universo. Veja como a objeção se desenvolve. Ou a explicação para a existência do universo contingente está em si mesma em necessidade de mais explicações, ou ela não está. Se ele está em necessidade de mais explicações, então ela tambem e contingente, e por isso não fornece uma explicação última (ou seja, não é uma razão suficiente) para o universo. Por outro lado, se a explicação para a existência do universo contingente e em si mesma uma explicação necessária, então o que explica (isto e, o universo) deve tambem ser necessário. O universo teria que ser necessário, em vez de contingente, uma vez que o que se explica por uma razão suficiente também está implicado por ela. Portanto, se o universo está implicado por um ser necessário, então ele tambem deve ser necessário. Se o universo e necessário, então ele não precisa de uma explicação externa para sua existência.

Em resposta, os defensores do argumento da razão suficiente concedem que a explicação para a existência do universo contingente deve ser ela mesma contingente, ou necessária, e eles concluem que ela deve ser necessária. No entanto, eles não concordam com o ponto de que, desde a explicação do universo e um ser necessário, o universo deve ser ele mesmo necessário. A razão de que não teria de ser necessário, eles argumentam, e que se o ser necessário – ou seja, Deus – tem livre arbítrio, então Deus poderia ter escolhido não criar o mundo. Por isso, e contingente, não necessário.

No entanto, se Deus não precisava ter criado o mundo, então citar a sua existência não fornece uma razão suficiente para a existência do mundo. É necessário haver uma razão por que ele escolheu fazer o mundo. Se esta e uma razão suficiente, então Deus não poderia deixar de ter criado o mundo e sua escolha não foi livre (em um sentido indeterminístico). Se e um fato contingente que Deus escolheu criar este mundo, o princípio da razão suficiente não será satisfeito, porque exige que todos os fatos contingentes tenham uma explicação suficiente.

Se o universo está implicado por um ser necessário,

então ele também deve ser necessário.

Se o universo é necessário, então ele não precisa de

uma explicação externa para sua

existência.

Page 140: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

140

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Alem disso, respondem aos objetores, se Deus e o ser mais perfeito (como os teístas tradicionais sustentam), e se um ser perfeito não criaria um universo inferior (como os teístas tradicionais tambem sustentam), então Deus teve que criar este mundo – o melhor de todos mundos possíveis. Portanto e necessário, não contingente. (Veja, por exemplo, William Rowe (2011), especificamente o Capítulo 2, “O argumento cosmológico”). E assim o debate continua.

Objeção 3: A subjetividade de uma explicação

Outra objeção e que, mesmo supondo que cada coisa tem uma explicação suficiente, o que constitui uma justificação satisfatória para uma pessoa pode não ser para outra. A este respeito a visão de mundo

dos indivíduos pode entrar em jogo. Uma explicação satisfatória para um ateu de um dado fenômeno pode ser muito diferente daquela para um teísta, ou para um panteísta, ou para um panenteísta.

Objeção 4: A ciência tem demonstrado que não é necessário haver razões ou explicações para todas as coisas e eventos

Muitos físicos e filósofos da ciência contemporâneos sustentam uma interpretação indeterminista da mecânica quântica em que certos eventos quânticos acontecem sem qualquer causa ou razão previa. Então, por que se deve sustentar que o próprio universo necessita de uma razão ou explicação? Talvez tenha simplesmente sempre existido, ou talvez tenha surgido na existência por nenhuma razão afinal.

No entanto, nem todos concordam com esta interpretação da mecânica quântica e alguns têm argumentado que a questão aqui e epistemológica, não ontológica. Em outras palavras, só porque não sabemos por que um determinado evento quântico ocorreu, isso não quer dizer que não houve razão para esse evento. Albert Einstein (1879-1955), que foi agraciado com o Prêmio Nobel por sua contribuição à teoria quântica, por exemplo, nunca concordou com essa interpretação. Como ele disse, "Deus não joga dados" com o universo. No entanto, seu colega Niels Bohr (1885-1962) – cofundador da (indeterminística) interpretação de Copenhague da mecânica quântica – disse isso em resposta: “Einstein, não diga a Deus o que fazer". Na epoca, cada lado desta disputa científica acusava o outro de ter o ônus da prova. Atualmente ainda há debate, e novas evidências sugerem avanços e mais complexidades. Stephen Hawking (1999, s.p., tradução nossa), por exemplo, afirmou que “o futuro do universo não

Se Deus é o ser mais perfeito

(como os teístas tradicionais

sustentam), e se um ser perfeito não criaria um universo inferior (como os

teístas tradicionais também sustentam), então Deus teve que criar este mundo – o

melhor de todos mundos possíveis.

Page 141: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

141

Argumentos Cosmológicos da Existência Divina Capítulo 4

e completamente determinado pelas leis da ciência, e seu estado atual, como pensava Laplace. Deus ainda tem alguns truques na manga”. Entretanto Hawking (1999, s.p. tradução nossa) e enfático ao posicionar-se referente à posição de Einstein sobre o assunto. Ele diz que Einstein estava duplamente errado quando disse que ‘Deus não joga dados’. “Deus não só joga dados, mas Ele às vezes nos confunde jogando-os onde ninguem os pode ver [...] o universo não se comporta de acordo com as nossas ideias preconcebidas. Ele continua a nos surpreender”.

O Argumento KalamUma terceira forma do argumento cosmológico e referida como o argumento

Kalam – o termo "kalam” é uma palavra árabe que significa “teologia especulativa". Foi desenvolvido nos tempos medievais por dois filósofos islâmicos, al-Kindi (c. 801-c. 873) e al-Ghazali (1058-1111). O seu principal defensor nos últimos tempos é o filósofo cristão William Lane Craig (1949-), e, ao explicar e defender o argumento, estabelece a estrutura mostrada na Figura 3 a seguir.

Para uma história e defesa do argumento Kalam, veja a obra de William Lane Craig, The Kalam Cosmological Argument (2000) ou o texto de Harry Lesser (2013), que sintetiza a proposta de Craig.

Figura 3 - OS dilemas do argumento Kalam

Fonte: O autor.

Page 142: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

142

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Os dilemas são óbvios. O universo teve um começo ou não teve. Se teve, este começo foi causado ou não foi causado. Se ele foi causado, a causa foi pessoal ou foi impessoal. Com base nesses dilemas, o argumento pode ser colocado na forma lógica demonstrada no Quadro 3 “O argumento kalam”.

Quadro 3 – O argumento Kalam1) Tudo que começa a existir tem uma causa para sua existência.2) O universo começou a existir.3) Portanto, o universo tem algum tipo de causa para sua existência.4) A causa do universo, ou e uma causa impessoal ou um Deus pessoal.5) A causa do universo não e impessoal.6) Por isso, a causa do universo e um Deus pessoal.

Fonte: O autor.

Como foi dito, o argumento e logicamente válido. Então, mais uma vez, a questão importante e, são as premissas verdadeiras? A primeira premissa parece intuitivamente óbvia. Se alguma coisa vem a ser, ou passa à existência, deve haver algo que causou a sua existência. Historicamente, esta primeira etapa não foi muitas vezes negada, ate mesmo por aqueles que duvidaram ou negaram a existência de Deus,

pela simples razão de que os eventos físicos parecem ser rastreáveis às causas anteriores (em teoria, se não na prática real). Mas enquanto a sua verdade pode ser intuitiva, como observado na seção anterior têm surgido nos últimos tempos objeções significativas para ela. Por exemplo, Quentin Smith (2010, p. 128), um filósofo ateu, escreve um excelente texto argumentativo para “mostrar que esta segunda parte “teísta” [do argumento Kalam] não e sólida e que há uma segunda parte “ateia” sólida que mostra que o universo se causa a si mesmo”.

Um tipo diferente de objeção a esta primeira premissa e que, se tudo o que existe tem uma causa, Deus tambem não precisaria de uma causa? Esta objeção tambem foi discutida anteriormente. Mas observe que a alegação no argumento Kalam não e que TUDO o que existe necessita de uma causa. Em vez, e que tudo o que começa a existir tem uma causa.

Se alguma coisa vem a ser, ou

passa à existência, deve haver algo

que causou a sua existência.

Page 143: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

143

Argumentos Cosmológicos da Existência Divina Capítulo 4

Al-Ghazali (1058-1111) foi um destacado teólogo, filósofo e místico do islã medieval. Ele tem sido celebrado como a “Prova do Islã” e o “Renovador da Religião”. Sua obra mais famosa e a The incoherenceofthephilosophers (AIncoerência dos filósofos), em que ele ataca uma versão aristotélica da filosofia árabe. Neste trabalho, ele argumenta que a razão por si só não e capaz de fornecer uma prova completa para uma visão de mundo teísta. Mas ele não fornece um argumento de que o universo teve um começo no tempo – um argumento Kalam – pois ele sustenta que acreditar em um universo eterno e equivalente a acreditar no ateísmo.

Na explicação padrão cristã, judaica, islâmica e hindu teísta, Deus não começou a existir. Deus sempre existiu; Deus e a causa não causada. Então, perguntar quem/o que causou a causa não causada e fazer uma pergunta incoerente. Claro que se poderia opor-se a esse significado de Deus, mas o opositor pode, pelo menos, conceder que tal significado é coerente; se é verdadeiro ou falso e uma questão diferente.

Outras críticas da primeira premissa foram oferecidas, no entanto, a etapa no argumento que tem sido mais contestada pelo antagonista do argumento Kalam não e a premissa 1, mas a premissa 2. Craig e outros têm sustentado que existem argumentos filosóficos e evidências científicas que apoiam fortemente a alegação de que o universo começou a existir. Então, vamos agora examinar evidências para essa afirmação, bem como respostas a elas.

Um Argumento Filosófico Para o Início do Universo

Existem dois principais argumentos filosóficos para a premissa de que o universo teve um começo. Nós só temos espaço aqui para um deles – aquele que vários filósofos consideram ser o mais plausível – que vamos chamar de “o argumento da travessia do infinito". Este pode ser expresso em três etapas.

Page 144: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

144

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Quadro 4 – O argumento da travessia do infinito (Sustentando a premissa 2 do argumento Kalam)

1) A serie de eventos no tempo que compõe toda a história do universo e uma cole-ção formada adicionando um membro após o outro.

2) Uma coleção formada adicionando um membro após o outro não pode ser um infi-nito real.

3) Por conseguinte, a serie de eventos no tempo que se torna toda a história do uni-verso não pode ser um infinito real.

Fonte: Adaptado de Craig (2000).

Uma vez que a série não pode ser um infinito real, deve ser finita. Sendo finita, a série de eventos no tempo deve ter um começo. Assim, o universo deve ter um começo.

Vamos examinar cada uma das etapas desse argumento. Em primeiro lugar, prima facie, a etapa 1 parece ser bastante clara. Os eventos que formam toda a história são tomados um após o outro. Eles não ocorreram todos simultaneamente, mas foram sequencialmente ocorrendo na medida em que o tempo avançou. Assim como os eventos que ocorreram em sua vida a partir das 8 horas desta manhã ate as 20 horas desta noite são uma coleção de eventos formados por uma adição sucessiva (eles são uns adicionados após o outro), assim tambem são todos os eventos em sua vida e, de fato, todos os eventos na história. Embora, esta visão do tempo não seja universalmente aceita, e uma objeção a esta premissa e que ela implica uma noção errada da natureza do tempo. Sugere-se que a premissa está pressupondo uma Teoria-A, ou serie-A, do tempo, na qual há fluxo temporal real. Mas essa visão do tempo é debativel (veja as leituras do LEO-DICAS).

Para aprofundar nas questões da filosofia e física do tempo, sugerimos a leitura dos seguintes textos. Os capítulos Natureza do tempo, Análises adicionais do tempo, e Natureza relativística do tempo, de Osvaldo Pessoa Jr (2014) – capítulos 7, 8 e 9, respectivamente –, o artigo A irrealidade do tempo (2014) de MacTaggart J. e MacTaggart E., e o texto de Craig (2010), Começar a existir. Todos estes disponíveis on-line (verifique na referência deste Livro para acessar os textos). Outra importante obra e o livro Uma breve história do tempo, de Hawking (2015).

Page 145: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

145

Argumentos Cosmológicos da Existência Divina Capítulo 4

A premissa 2 e geralmente a mais criticada por opositores. Antes de analisá-la, no entanto, a frase "infinito real" precisa ser explicada brevemente. Por definição, um infinito real é uma totalidade ou conjunto de coisas ou acontecimentos completos em vez de indefinidos. A fim de ter clareza sobre isso, é útil contrastar um infinito real com um infinito potencial. Um infinito potencial é um conjunto incompleto em que ele continua indefinidamente, mas nunca alcança o ponto de ser um infinito real. Por exemplo, você poderia começar a contar agora e continuar para sempre. Mas você nunca iria chegar ao lugar onde você poderia parar e dizer: "Eu finalmente terminei a contagem de um conjunto infinito real de números".

Um infinito potencial, então, é indefinido no sentido em que ganha novos membros, à medida que se expande, mas nunca chega a um fim. Um infinito real, por outro lado, é definido – é um conjunto completo; tem um número fixo de membros nele. O ponto aqui e que desde que você nunca poderia alcançar um infinito real, movendo-se de um membro após o outro (isto é, pela adição sucessiva), mas ainda assim, aqui estamos no final do conjunto de eventos que compõem a história ate este ponto, o conjunto de eventos que compõe o passado não pode ser realmente infinito. Assim, o conjunto de eventos que formam o passado devem ser finitos, e, portanto, o universo deve ter um começo.

Um infinito potencial é um conjunto incompleto em

que ele continua indefinidamente,

mas nunca alcança o ponto de ser um

infinito real.

O campo da matemática que trata de infinitos reais é chamado de “teoria dos conjuntos”, e há um debate animado sobre se conjuntos infinitos reais existem na realidade ou são meras ideias na mente. Para saber mais sobre a teoria dos conjuntos, consulte a monografia de Renan Maneli Mezabarba, Uma introdução à teoria axiomática dos conjuntos (2012). Veja também a monografia de Christiano O. de Rezende Sena (2011), para aprofundar a relação do conceito de infinito com a teoria dos conjuntos.

Objeção: As séries temporais não têm começo

Várias objeções foram oferecidas para este argumento da travessia do infinito, e uma delas é dada por Nicholas Everitt (2004) – veja as páginas 63-64. Talvez, sugere ele, não há nenhum ponto de partida afinal para as series temporais; talvez a serie não tenha um membro mais antigo. Nenhum regresso vicioso emerge de tal afirmação, argumenta ele, pois assim como o futuro pode continuar para sempre, assim tambem o passado poderia voltar para sempre. É apenas no assumir um início/começo de uma série infinita que se cria o problema objecionável.

É apenas no assumir um início/começo de uma série infinita que

se cria o problema objecionável.

Page 146: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

146

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

No entanto, a seguinte resposta pode ser feita. Se houvesse uma serie sem começo, seria absurdo supor que em algum momento nós poderíamos alcançar o momento presente.

O problema aqui não é nem uma questão de não ter tempo suficiente nem de infinitamente adicionar um membro após o outro. Pelo contrário, parece ser um absurdo metafísico. Craig (2014, s.p.) expressa desta forma:

De fato, a ideia de uma serie sem começo terminando no pre-sente parece absurda. Para dar apenas uma ilustração: supo-nha que encontremos um homem que afirma ter contado atra-ves da eternidade e agora está terminando: …, -3, -2, -1,0. Poderíamos perguntar por que ele não terminou de contar on-tem ou anteontem ou no ano passado? Até lá um tempo infinito já teria se passado, então ele já deveria ter terminado naquele tempo. Portanto, em nenhum ponto no passado infinito pode-ríamos encontrar o homem terminando sua contagem, porque em tal ponto ele já deveria ter terminado! De fato, não importa quão longe voltemos ao passado, nós nunca poderemos en-contrar o homem terminando a contagem, pois em qualquer ponto que o alcançarmos ele já terá terminado. Mas se em nenhum ponto do passado podemos encontrar ele contando [até o fim], isto contradiz a hipótese de que ele esteve contando pela eternidade. Isto ilustra o fato de que a formação de um infinito real por adição consecutiva é igualmente impossível se alguém o faz até ou do infinito.

Os objetores poderiam responder argumentando que a noção de uma serie sem começo pode parecer absurda, mas o fato e muitas vezes mais estranho que a ficção. Parece absurdo supor que o objeto físico perante mim, um teclado de computador, e na verdade principalmente espaço vazio com inúmeras micropartículas girando em altas taxas de velocidade. Mas de acordo com as nossas melhores teorias físicas, isto e precisamente o que o teclado e. Muitas outras objeções concisamente afirmadas a este argumento filosófico contra a travessia do infinito estão expostas nas páginas 219-224 da obra de Richard Sorabji (1983).

Duas Supostas Evidências Científicas Para o Início do Universo

O universo e grande tanto no espaço como no tempo e, durante grande parte da história da humanidade, estava alem do alcance de nossos instrumentos e nossas mentes. Isso mudou dramaticamente no seculo XX. Os avanços foram conduzidos igualmente por ideias poderosas da relatividade geral de Einstein

Page 147: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

147

Argumentos Cosmológicos da Existência Divina Capítulo 4

às teorias modernas das partículas elementares e instrumentos poderosos dos refletores de 100 e 200 polegadas que George Ellery Hale construiu, que nos levou alem da nossa Via Láctea, ao Telescópio Espacial Hubble, que nos levou de volta ao nascimento das galáxias. Ao longo dos últimos 20 anos, o ritmo do progresso acelerou com a percepção de que a materia escura não e feita de átomos comuns, a descoberta da energia escura e o surgimento de ideias ousadas, como a inflação cósmica e o multiverso.

O universo de 100 anos atrás era simples: eterno, imutável, consistindo de

uma única galáxia, contendo alguns milhões de estrelas visíveis. A imagem hoje e mais completa e muito mais rica. O cosmos começou há 13,7 bilhões de anos atrás com o Big Bang. Uma fração de segundo após o início, o universo era uma sopa quente e sem forma das partículas, quarks e leptons mais elementares. À medida que expandiu e arrefecia, camada em camada de estrutura desenvolveu: nêutrons e prótons, núcleos atômicos, átomos, estrelas, galáxias, aglomerados de galáxias e, finalmente, superaglomerados. A parte observável do universo está agora habitada por 100 bilhões de galáxias, cada uma contendo 100 bilhões de estrelas e provavelmente um número similar de planetas. As próprias galáxias são mantidas unidas pela gravidade da misteriosa materia escura. O universo continua a se expandir e, de fato, o faz em um ritmo acelerado, impulsionado pela energia escura, uma forma de energia ainda mais misteriosa, cuja força gravitacional repele em vez de atrair.

Neste contexto podemos ao menos, para o nosso propósito argumentativo, apresentar duas das evidências científicas mais recorrentes nos textos científicos de cosmologia sobre a origem do universo.

Evidência 1: A segunda lei da termodinâmica

Uma das leis mais estabelecidas da ciência hoje e a segunda lei da termodinâmica. A entropia e fundamental para esta segunda lei, que e entendida como sendo a medida da energia indisponível, ou distúrbio, num sistema fechado. Um exemplo de entropia seria a medida da diminuição de energia termica numa brasa. À medida que a brasa arrefece, a energia na madeira dissipa-se enquanto o calor se dispersa no ambiente circundante. De acordo com a segunda lei, a quantidade de energia disponível em um sistema termodinâmico fechado – um sistema no qual nenhuma nova massa ou energia e posta – diminui ao longo do tempo. Se o universo e um sistema termodinâmico fechado, a entropia do universo está aumentando ao longo do tempo. Para colocá-lo de forma diferente, a quantidade de energia disponível e de ordem no universo está diminuindo ao longo do tempo. Como tal, irá acabar por atingir um estado de equilíbrio termodinâmico (neste caso, tal equilíbrio significaria que a temperatura se manteria constante). Todas as estrelas quentes no universo, por exemplo, eventualmente acabariam

Page 148: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

148

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

por se esfriar e permaneceriam estáveis a uma temperatura constante – não gastando mais energia de calor. O universo acabará por chegar a um estado de equilíbrio termodinâmico e de desordem máxima, o que alguns se referem como a “morte térmica" do universo (SWEETMAN, 2001). A questão, então, levantada pelos proponentes do Kalam, e esta: “Por que o universo já não chegou a este estado de equilíbrio termodinâmico?"

Considere a seguinte analogia. Suponha que você entra em uma sala e vê uma xícara de cafe expresso posta sobre a mesa perante de você. Você pondera quanto tempo ela está posta ali e então, enquanto ninguem está olhando, você toma um gole. Você descobre que o cafe ainda está quente. Você, então, concluiria que a xícara de cafe estava ali por meses, semanas ou ate mesmo dias? Claro que não. Por que não? Por causa da segunda lei da termodinâmica e da entropia; a energia termica no cafe não foi totalmente dissipada, e por isso não poderia ter estado lá por muito tempo. Uma vez que o universo ainda está "quente" (note a estrela quente no nosso próprio sistema solar, por exemplo – o sol), argumentam os defensores do argumento Kalam, ele não poderia ter existido para sempre ou ele tambem já teria "esfriado" há muito tempo. Portanto, o universo não poderia ter existido para sempre; ele deve ter um começo. Nem todos concordam com esta conclusão, e claro.

Objeção 1: A teoria do universo oscilante escapa ao controle da segunda lei e elimina a necessidade de um início do universo

Alguns físicos têm argumentado que o universo poderia escapar da morte termica elaborando a hipótese de um ciclo de expansão e contração do universo, conhecida como a "Teoria do Universo Oscilante" – ou pulsátil – (HOLT, 2013). Neste modelo, depois de uma expansão do universo, a gravidade, eventualmente, o detêm, provoca uma contração, e ele colapsa novamente em uma singularidade. Após a contração e o colapso, algum mecanismo faz com que o universo exploda em um novo universo e, então, inicia o processo de expansão mais uma vez. Uma vez que este ciclo pode continuar indefinidamente, não há necessidade de postular uma morte térmica final, e, portanto, não há necessidade de postular um ponto final ou início ao universo. A evidência empírica ao longo dos últimos 50 anos tem favorecido fortemente o modelo padrão do Big Bang, no entanto, e não tanto o modelo oscilante. A evidência para o Big Bang tem sido tão forte, de fato, que praticamente ninguém sustenta o modelo oscilante atualmente (HAWKING, 2015; CRAIG, 2014).

Uma vez que o universo ainda

está “quente” (note a estrela quente no nosso próprio sistema solar, por exemplo – o sol), argumentam os defensores do

argumento Kalam, ele não poderia ter

existido para sempre ou ele também já teria “esfriado” há

muito tempo.

Page 149: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

149

Argumentos Cosmológicos da Existência Divina Capítulo 4

Objeção2:Ouniversoéinfinito,eassimasegundaleidatermodinâmicanão se aplica ao universo como um todo

De acordo com essa objeção, o universo é infinito e, portanto, não é um sistema termodinâmico fechado. Desde que não e um sistema deste tipo, a segunda lei não se aplica ao próprio universo. Atualmente existe um debate entre os cosmólogos sobre se o universo é infinito ou finito em extensão e volume espacial. No entanto, de acordo com a cosmologia do Big Bang, o universo observável (a região do espaço que qualquer observador hipotetico pode ver, e que é cientificamente relevante) é certamente finito.

Evidência 2: A teoria do Big Bang

Um segundo tipo de evidência científica oferecida para o início do universo é a teoria do Big Bang. Por muitos seculos, os astrônomos e cientistas geralmente aceitaram que o Universo era estático – que era estacionário e não em expansão, pelo menos não em qualquer sentido significativo. No entanto, no início de 1900, uma série de observações científicas muito importantes estava ocorrendo e que mudariam o velho paradigma. Uma dessas observações foi do astrônomo Vesto Slipher (1875-1969), em 1914. Ele observou que um número de nebulosas (uma nebulosa e uma massa difusa de gás ou poeira interestelar) foi se afastando da Terra variando em altas taxas de velocidade. Os astrônomos da epoca não sabiam o que fazer com esta descoberta observacional e seu significado passou despercebido.

Então, na década de 1920, o astrônomo Edwin Hubble (1889-1953) – usando um grande telescópio de 100 polegadas – observou que as nebulosas observadas por Slipher eram na verdade galáxias muito alem de nossa própria galáxia Via Láctea e que elas estavam, de fato, se movendo mais longe em distância e em altas velocidades. Veja como Hubble demonstrou esta recessão de galáxias. Ele estava estudando a luz de galáxias distantes, e ele observou que as cores (cores entendidas como comprimentos de onda de luz) emitidas por estas galáxias não se encaixavam com os comprimentos de onda esperadas. Em vez disso, elas se deslocaram para a extremidade do espectro vermelho, e este desvio para o vermelho (redshift) da luz das galáxias aumentava numa proporção direta a distância em que as galáxias foram localizadas. Este efeito redshift observacional combinava com as concepções teóricas que os cosmólogos já tinham sugerido – que o universo estava realmente em expansão.

Page 150: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

150

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

A evidência observacional de Hubble, juntamente com os postulados teóricos, causou a maioria dos cosmólogos atuais a concordarem que o universo se originou em uma singularidade infinitamente densa e que, a partir deste início inicial, o próprio espaço se expandiu com a passagem do tempo (veja a Figura 3). Como o físico teórico Stephen Hawking (1942- ) expressa: "Quase todo mundo agora acredita que o universo, e o próprio tempo, teve um começo no Big Bang” (HAWKING; PENROSE, 1997, p. 20).

Stephen Hawking e Professor Lucasiano de Matemática da Universidade de Cambridge (uma posição mantida por Sir Isaac Newton). Ele é amplamente reconhecido como o mais físico teórico brilhante desde Einstein. Sua pesquisa centrou-se principalmente sobre as leis básicas que governam o universo e, junto com Roger Penrose, ele mostrou que a Teoria da Relatividade Geral de Einstein implica que o espaço e o tempo tiveram um começo no Big Bang e irão acabar em buracos negros. Ele já publicou tantos artigos acadêmicos e livros populares, incluindo o best-seller Uma breve história do tempo (2015).

Figura 4 – A expansão do espaço com a passagem do tempo

Fonte: O autor.

Page 151: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

151

Argumentos Cosmológicos da Existência Divina Capítulo 4

Objeção: Alternativas para o Big Bang

Nem todos concordam com a teoria do Big Bang, no entanto. Existem outros modelos do universo que têm sido propostos ao longo das últimas decadas, incluindo as novas teorias da “cosmologia de branas” que introduzem multidimensões do universo (HORVATH et al., 2007; NOVELLO, 2010). Estes modelos são atualmente considerados protocientíficos, e talvez as próximas decadas oferecerão novos insights sobre sua plausibilidade. Neste momento, no entanto, o modelo mais bem estabelecido do universo – o que continua a ser mais corroborado pela evidência científica – é a teoria tradicional do Big Bang. Ela não explica tudo o que precisa ser explicado sobre o nosso universo, porem, e, como acontece com todas as teorias científicas, pode ser bem aconselhável mantê-la provisoriamente.

A Causa do Universo é um Deus Pessoal?

Ate agora, em nossa análise do argumento Kalam, os argumentos têm focado principalmente sobre se o universo começou a existir, e no caso afirmativo, se a sua existência precisa de uma causa. O elemento final do argumento Kalam tem a ver com a causa do universo e um Deus pessoal ou não.

Quais podem ser algumas das razões para sustentar que a causa do universo e pessoal, como os proponentes do argumento Kalam mantêm? De acordo com a cosmologia do Big Bang, antes do início do universo (antes em um sentido ontológico, não temporal) não havia tempo, espaço, materia ou energia, e, portanto, nenhuma mudança de um estado de coisas para outro. Mas em tal estado, como pode um primeiro evento ocorrer? Poderia surgir espontaneamente e sem uma causa? Isto pareceria ser menos do que razoável. Outra possibilidade e que e um evento pessoal em que um agente escolhe livremente agir. Esta e a resposta teísta: um Deus pessoal atemporal, sem espaço, sem materia, trouxe o universo à existência por sua própria escolha livre. Deste ponto de vista, a decisão de Deus de criar o universo não foi determinada por uma causa anterior. Pelo contrário, foi um evento autocausado deliberadamente escolhido por um Deus pessoal para uma razão (não determinativa) ou conjunto de razões (ABBAGNANO, 2007; O’CONNOR, 2000).

De acordo com a cosmologia do Big

Bang, antes do início do universo

(antes em um sentido ontológico,

não temporal) não havia tempo,

espaço, matéria ou energia, e, portanto, nenhuma mudança de um estado de coisas para outro.

Page 152: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

152

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Mas a ideia de um evento de autocausado – e de forma mais ampla o que e referido como "causação por agente" (BONJOUR; BAKER, 2010) – tem seu próprio conjunto de dificuldades, não sendo a menor delas a questão de que um evento autocausado parece ser um evento não causado. Se assim for, postular um Deus pessoal como a primeira causa não resolve nada.

Outra possibilidade e que não há um agente causal externo ao nosso universo que e pessoal, mas não e Deus (pelo menos no sentido tradicional). Talvez um ser pessoal, mas finito de fora do universo causou a singularidade Big Bang. No entanto, dadas as constrições do modelo padrão do Big Bang, tal ser necessitaria ser imaterial e atemporal, e estas são propriedades que os ateus consideram onerosas.

Veja o vídeo O argumento cosmológico Kalam, de William Lane Craig, disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=1nHsebfA_Gs>. Assista também à refutação deste argumento por Peter Millican, no vídeo Argumento Kalam refutado. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=d-10EFV5u8s>.

Um Argumento Cosmológico Para Ateísmo

Embora o argumento Kalam utilize o trabalho recente em cosmologia do Big Bang como suporte científico para o início do universo, tem-se tambem argumentado que a teoria do Big Bang e incompatível com o teísmo. O principal defensor deste argumento cosmológico para o ateísmo é Quentin Smith (1952- ), e seu argumento pode ser apresentado na forma mostrada no Quadro 5, “O argumento cosmológico para o ateísmo", a seguir.

Embora o argumento Kalam utilize o trabalho

recente em cosmologia do Big Bang como suporte

científico para o início do universo,

tem-se também argumentado que a teoria do Big Bang é incompatível com o

teísmo.

Page 153: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

153

Argumentos Cosmológicos da Existência Divina Capítulo 4

Quadro 5 – O argumento cosmológico para o ateísmo

1 A singularidade Big Bang (o ponto inicial do universo onde a curvatura do espaço se torna, pelo menos teoricamente, infinita) é o estado mais antigo do universo.

2O estado mais antigo do universo e inanimado (2 segue a partir de 1 desde que a singularidade envolve as condições de temperatura infinita, curvatura infinita, e densidade infinita hostis à vida).

3

Nenhuma lei governa a singularidade Big Bang e, consequentemente, não há garantia de que ela irá emitir uma configuração de partículas que irá evoluir num universo animado (com base no princípio da ignorância, de Stephen Hawking em que a singularidade e inerentemente caótica e imprevisível).

4 O estado mais antigo do universo não e garantido que evoluirá para um estado animado do universo (implicado pelas premissas 1-3).

5*

A premissa 4 e inconsistente com a hipótese de que Deus – a visão judaico-cristã--islâmica clássica de Deus como criador do universo – criou o estado mais antigo do universo, pois e verdade que, se Deus criou o estado mais antigo do universo, então, Deus teria assegurado que o primeiro estado do universo evoluiria num estado animado do universo.

6+ Portanto, o Deus judaico-cristão-islâmico clássico não existe (implicado pelas premissas 4-5).

* Acrescentamos as premissas 5 e 6 com base nas conclusões que derivam das quatro primeiras premissas.

Fonte: Adaptado do argumento de Quentin Smith (2010, 1992).

Para resumir o argumento, o estado imprevisível e caótico da singularidade Big Bang e incompatível com o Deus criador das religiões teístas. O argumento e logicamente válido, portanto, novamente devemos considerar se as premissas são verdadeiras. Os teístas têm oferecido uma serie de objeções a este argumento, e vamos considerar em seguida três das principais.

Objeção 1: A singularidade não é ontologicamente real

De acordo com essa objeção, a premissa 1 do argumento e falsa, pois enquanto a explosão do Big Bang e tomada como sendo um evento real, a singularidade é entendida como sendo uma ficção teórica, e, portanto, não sendo o estado mais antigo do universo. Se a premissa 1 e falsa, o argumento ateísta entra em colapso. Um proponente desta objeção é William Lane Craig:

[...] A singularidade não tem status ontológico positivo: à medida em que alguem rastreia a expansão cósmica de volta no tempo, a singularidade representa o ponto em que o universo deixa de existir. Não faz parte do universo, mas representa o ponto em que o universo em contratação invertido no tempo desaparece no não ser. Não houve um primeiro instante do universo justaposto à sin-gularidade. A serie temporal e como uma serie de frações que con-vergem para 0 como seu limite: 1/2, 1/4, 1/8, ..., 0. Tal como não existe uma primeira fração, assim tambem não há um primeiro es-tado do Universo. A singularidade e, portanto, equivalente a nada ontologicamente (CRAIG; SMITH, 1995, p. 224, tradução nossa).

Page 154: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

154

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Craig argumenta ainda que uma boa razão para interpretar a singularidade como irreal e que ela e descrita como não tendo dimensões espaciais e sem duração temporal. Como ele diz: "A singularidade tem zero dimensionalidade e existe por nenhum período de tempo; ela e de fato um ponto matemático" (CRAIG; SMITH, 1995, p. 227, tradução nossa). Sustentar que tal ponto é real é reificar uma mera construção matemática.

Smith contrapõe essa objeção, argumentando que não há razão para rejeitar a realidade da singularidade; ao contrário, ele argumenta que, na cosmologia do Big Bang padrão, a singularidade e o termino real dos caminhos espaço-temporais convergentes dirigidos ao passado. O debate, então, gira em torno da metafísica do tempo, do espaço e da matemática.

Singularidade Big Bang: um ponto hipotetico no espaço-tempo onde as leis da física deixam de funcionar e a densidade do universo e a curvatura do espaço-tempo se torna infinita. Na maioria dos modelos Big Bang do universo, este e o ponto onde o tempo em si mesmo começou.

Objeção 2: Deus não é limitado por leis ou pela falta delas para realizar os propósitos divinos

De acordo com essa objeção, a premissa 3 e falsa, pelo menos por duas razões. Em primeiro lugar, poderia ser o caso de que o plano de Deus fosse de intervir nos estágios iniciais do universo, a fim de garantir que os organismos vivos, incluindo os seres humanos, acabariam eventualmente por evoluir. Não e, necessariamente, um sinal de planejamento mau ou irracional da parte de Deus fazer isso. Pode ser que, ao contrário do universo do relojoeiro postulado pelos deístas, Deus está envolvido criativamente no universo em diferentes fases do seu desenvolvimento. Enquanto que isto pode não ser a maneira mais eficiente para criar um universo, argumentam os objetores, o Deus das religiões teístas não está preocupado principalmente com a eficiência. Tal Deus não está preocupado com a escassez de poder.

Em segundo lugar, pode ser que, ao contrário de Smith (e de Hawking), a singularidade não e um "caldeirão de ilegalidade violento e aterrorizante" (CRAIG; SMITH, 1995, p. 235). Talvez existam leis que governam a singularidade que ainda necessitam ser descobertas – leis que irão demonstrar que o princípio da ignorância e falso.

Page 155: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

155

Argumentos Cosmológicos da Existência Divina Capítulo 4

Outra resposta correlata e negar a premissa 5 que Deus teria assegurado um estado animado do universo. Não parece haver qualquer necessidade lógica ou metafísica para Deus criar este universo acima e alem de um universo inanimado, ou para não criar qualquer universo em absoluto. No entanto, os teístas admitem que parece sim haver alguma força existencial e possivelmente um suporte religioso para a crença de que o Deus das principais religiões teístas iria criar organismos vivos (especialmente racionais e morais). Mas talvez esses sentimentos são apenas anseios antropocêntricos.

Objeção 3: A hipótese teísta da criação é mais simples e, portanto, mais propensa a ser verdade do que a hipótese ateísta

Essa objeção, levantada pelo filósofo Richard Swinburne (1934- ) é que uma criação divina e uma visão mais simples do que a visão ateísta, e como tal, é mais provável que seja verdadeira (SWINBURNE, 1998). Swinburne está operando no princípio científico de que quanto mais simples a explicação para algo, mais provável e para esta ser verdadeira. Este princípio, juntamente com a suposição (1) que o universo físico e uma coisa bastante complexa, e a suposição (2) que Deus e um ser simples (simples, no sentido que um ser com poder, conhecimento, e bondade infinitos é mais simples do que um ser, ou objeto, com valores finitos), conduz à conclusão de que uma explicação teísta para o universo e mais provável de ser verdadeira do que aquela de um ateu.

O ateu pode responder em pelo menos duas maneiras. Primeiro, ele poderia conceder o princípio da simplicidade e da suposição (2), mas negar a suposição (1). Isto e precisamente o que Smith faz. Ele concede o princípio, mas nega a suposição (1) pelo seguinte motivo: uma vez que a singularidade tem zero volume espacial, zero duração temporal, e não tem valores finitos particulares para sua densidade, "Parece razoável supor [... que] este ponto instantâneo e o objeto físico mais simples possível" (SMITH, 1992, s.p.). Concedendo que este objeto simples e pelo menos tão simples quanto a hipótese teísta, e mais simples supor que o universo começou a partir do mesmo tipo de material básico (ou seja, coisas materiais) do que postular algum tipo adicional de material (ou seja, "coisa-divina" imaterial).

Uma criação divina é uma visão mais simples do que a visão ateísta, e como tal, é mais

provável que seja verdadeira

Page 156: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

156

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

No artigo “Um argumento cosmológico a partir do Big Bang para a inexistência de Deus”, Quentin Smith (1992) levanta objeções argumentativas às propostas de Craig e Swinburne, entre outros argumentos cosmológicos. Vale a pena conferir a tradução deste artigo no seguinte site: Disponível em: <https://rebeldiametafisica.wordpress.com/argumentos-ateologicos/>.

Uma segunda resposta que um ateu poderia oferecer e negar o princípio da simplicidade (provavelmente não seria uma boa jogada, dado o modo como a ciência e realmente praticada) ou negar a suposição (2).

Atividades de Estudos:

1) Vários argumentos cosmológicos foram formulados ao longo dos anos para evidenciar a existência divina. Normalmente os argumentos podem ser expostos em uma serie de premissas seguidas de uma conclusão. Veja o seguinte argumento: 1 - Tudo que começa a existir tem uma causa para sua existência; 2 - O universo começou a existir; 3 - Portanto, o universo tem algum tipo de causa para sua existência; 4 - A causa do universo, ou e uma causa impessoal ou um Deus pessoal; 5 - A causa do universo não e impessoal; 6 - Por isso, a causa do universo e um Deus pessoal. Assinale a alternativa correta sobre qual foi o argumento descrito acima.

a) Argumento Cosmológico para o Ateísmo.b) Argumento da Contingência.c) Argumento Kalam.d) Argumento da Razão Suficiente.

Page 157: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

157

Argumentos Cosmológicos da Existência Divina Capítulo 4

Algumas ConsideraçõesO argumento cosmológico e menos um argumento particular que um

tipo de argumento. Ele usa um padrão geral de argumentação (logos) que faz uma inferência de fatos particulares alegados sobre o universo (cosmos) para a existência de um ser único, geralmente identificado ou referido como Deus. Entre esses fatos iniciais, esses seres ou eventos particulares no universo são causalmente dependentes ou contingentes, que o universo (como a totalidade das coisas contingentes) e contingente em que poderia ter sido diferente do que e, que o Grande Fato Contingente Conjuntivo possivelmente tem uma explicação, ou que o universo veio a existir. A partir desses fatos, os filósofos inferem dedutivamente, indutivamente ou abdutivamente por inferência à melhor explicação de que uma causa inicial ou sustentadora, um ser necessário, um motor impassível ou um ser pessoal (Deus) existe e que este causou e/ou sustenta o universo. Podemos assim dizer que o argumento cosmológico faz parte da teologia natural clássica, cujo objetivo é evidenciar a afirmação de que Deus existe.

Por um lado, o argumento surge da curiosidade humana quanto ao porquê

tem algo em vez de nada ou algo diferente. Invoca uma preocupação com algumas explicações completas, últimas ou melhores daquilo que existe de forma contingente. Por outro lado, levanta questões filosóficas intrinsecamente importantes sobre a contingência e a necessidade, a causalidade e a explicação, o relacionamento parte/todo (meriologia), o infinito, os conjuntos, a natureza do tempo e a natureza e origem do universo.

De acordo com o que vimos neste capítulo, a melhor definição de um argumento cosmológico e que e um argumento a posteriori para uma causa ou razão para o cosmos. Três itens nesta definição merecem ênfase. Primeiro, o cosmológico e um argumento de a posteri. Ao contrário do argumento ontológico, o argumento cosmológico sempre contém uma premissa existencial, isto é, afirma que existe algo. O fato de que tambem pode empregar princípios a priori, como a contradição ou o princípio da causalidade, não anula o fato de que o argumento como um todo e a posteriori, uma vez que a verdade e sobre o fato de que algo existe. Segundo, o argumento cosmológico busca uma causa ou razão. Algumas versões do argumento, como vimos, concluem há um ser que e a primeira causa do universo, seja no sentido temporal como no sentido hierárquico. Outras versões colocam um ser que é a razão suficiente para o mundo. A distinção entre causa e razão e uma que raramente e apreciada, mas que deve ser mantida se entendemos corretamente as diferentes formas do argumento. Em terceiro lugar, como vimos, o argumento cosmológico procura explicar o cosmos. A maioria das versões do argumento cosmológico e certamente todos as modernas tentam explicar a existência do mundo. Mas os argumentos do primeiro motor imóvel não

Page 158: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

158

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

procuram uma causa da existência do mundo, mas uma causa para o mundo ser um cosmos, geralmente, postulando um sistema astronômico de esferas, iniciado pelo motor. Aqui, um limite um tanto arbitrário e nebuloso e desenhado entre os argumentos cosmológicos e teleológicos, este último tambem busca uma causa de que o mundo seja um cosmos, mas com ênfase na ordem, no design e na adaptação dos meios aos fins. O argumento cosmológico, portanto, não precisa necessariamente concluir uma causa da existência do universo, pois suas formas antigas eram dualistas e buscavam apenas explicar o movimento cósmico.

O argumento cosmológico tem uma longa e venerável história, possuindo uma resiliência sob a crítica que e verdadeiramente notável. Seu apelo e amplo, e tem sido proposto por pagãos, muçulmanos, judeus, cristãos, católicos e protestantes, e ate mesmo panteístas. Entre o catálogo de seus defensores estão as maiores mentes do mundo ocidental: Platão, Aristóteles, al-Ghazali, Maimônides, Anselmo, Boaventura, Aquino, Descartes, Spinoza, Berkeley, Locke e Leibniz. A durabilidade do argumento e a estatura de seus defensores e um testemunho eloquente do fato de que, para o homem, esse mundo aponta para uma realidade maior alem de si mesma.

ReferênciasABBAGNANO, N. Dicionáriodefilosofia. 5. ed. Trad. Alfredo Bossi e Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

AQUINO, S. T. de. Suma de teología. 4. ed. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2001.

ARISTÓTELES. Metafísica. Bilíngue: grego-português. Org. por Giovanni Realie. Trad. Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 2002. 3 v.

______. Física I e II. Trad. Lucas Angioni. Campinas, SP: Unicamp, 2009.

BONJOUR, L.; BAKER, A. Filosofia: Textos fundamentais comentados. Porto Alegre: Artmed, 2010.

BRUCE, M.; BARBONE, S. (Orgs.). Os 100 argumentos mais importantes daFilosofiaOcidental: uma introdução concisa sobre lógica, etica, metafísica, filosofia da religião, ciência, linguagem, epistemologia e muito mais. Trad. Ana Lucia Rocha Franco. São Paulo: Cultrix, 2013.

CLARKE, S. A demonstration of the being and attributes of God: a discurse concerning the unchangeable obligations of natural religion,

Page 159: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

159

Argumentos Cosmológicos da Existência Divina Capítulo 4

and the truth and certainty of the Christian revelation. London: W. Botham, for J. and Knapton, 1728. Disponível em: <http://www.archive.org/details/discourseconcern00clar>. Acesso em: 15 maio 2017.

CRAIG, W. L.; SMITH, Q. Theism, atheism, and big bang cosmology, Oxford: Clarendon Press, 1995.

______. The kalam cosmological argument. Eugene: Wipf and Stock Publishers, 2000.

______. The cosmological argument from Plato to Leibniz. Eugene: Wipf and Stock Publishers, 2001.

______. Deus, tempo e eternidade. Trad. Marcos Vasconcelos. Reasonable Faith, 23 de jul. 2002. Disponível em: <http://www.reasonablefaith.org/portuguese/deus-tempo-e-eternidade>. Acesso em: 26 maio 2017.

______. Começar a existir. Trad. Marcos Vasconcelos. Reasonable Faith, Q & A, n. 168, 5 de jul. 2010. Disponível em: <http://www.reasonablefaith.org/portuguese/Comecar-a-Existir>. Acesso em: 26 maio 2017.

______. A existência de Deus e o início do Universo. Trad. Wagner Kaba. Respostas ao Ateísmo, 7 set. 2014. Disponível em: <http://www.respostasaoateismo.com/2014/09/a-existencia-de-deus-e-o-inicio-do.html>. Acesso em: 22 maio 2017.

EVERITT, N. The non-existence of God. New York: Routledge, 2004.

GEISLER, N.; CORDUAN, W. Philosophy of religion. 2. ed. Eugene: Wipf and Stock Publishers, 2003. Disponível em: <http://books.google.com/books?vid=ISBN1592441343>. Acesso em: 11 maio 2017.

HAWKING, S.; PENROSE, R. A natureza do espaço e do tempo. Campinas: Papirus, 1997.

HAWKING, S. Does God play Dice? 1999. Disponível em: <http://www.hawking.org.uk/does-god-play-dice.html>. Acesso em: 15 maio 2017.

______. Uma breve história do tempo. Rio de Janeiro: Editora Intrinseca, 2015.

HOLT, J. Por que o mundo existe? Um misterio existencial. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2013.

Page 160: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

160

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

HORVATH, J. et al. Cosmologia física: do micro ao macrocosmos e vice-versa. São Paulo: Livraria da Física, 2007.

HUME, D. Diálogos sobre a religião natural. Trad. Jose Oscar de Almeida Marques. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

KANT, I. Crítica da razão pura. Trad. Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Frandique Morujão. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.

LEIBNIZ, G. W. A monadologia e outros textos. Trad. Fernando Luiz Barreto Gallas e Souza. São Paulo: Hedra, 2009.

LESSER, H. O argumento Kalam para a existência de Deus. In: BRUCE, M.; BARBONE, S. (Orgs.). Os 100 argumentos mais importantes da filosofiaocidental: uma introdução concisa sobre lógica, etica, metafísica, filosofia da religião, ciência, linguagem, epistemologia e muito mais. Trad. Ana Lucia Rocha Franco. São Paulo: Cultrix, 2013. p. 41-43.

MCTAGGART, J.; MCTAGGART, E. A irrealidade do tempo. Kriterion, Belo Horizonte, v. 55, n. 130, p. 747-764, Dec. 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-512X2014000200017&lng=en&nrm=iso>. Acesso em:12 maio 2017.

MEZABARBA, R. M. Uma introdução à Teoria Axiomática dos Conjuntos. Monografia (Licenciado em Matemática). 154 f. Aquidauana, UFMS, 2011. Disponível em: <https://fernandobatista89.files.wordpress.com/2013/03/uma-introduc3a7c3a3o-c3a0-teoria-axiomc3a1tica-dos-conjuntos.pdf>. Acesso em: 19 maio 2017.

MORELAND, J. P. O argumento cosmológico. In: Racionalidade e fé cristã. São Paulo: São Paulo: Hagnos, 2013. p. 17-52. Disponível em: <http://www.hagnos.com.br/imgextras/racionalidade-da-fe-crista_1-cap.pdf>. Acesso em: 1 jun. 2017.

NOVELLO, M. Do Big Bang ao universo eterno. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.

NELSON, M. T. O Argumento da contingência cosmológica. In: BRUCE, M.; BARBONE, S. (Orgs.). Os 100 argumentos mais importantes da filosofiaocidental: uma introdução concisa sobre lógica, etica, metafísica, filosofia da religião, ciência, linguagem, epistemologia e muito mais. Trad. Ana Lucia Rocha Franco. São Paulo: Cultrix, 2013. p. 37-40.

O’CONNOR, T. Persons and causes: the metaphysics of free will. Oxford: Oxford University Press, 2000.

Page 161: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

161

Argumentos Cosmológicos da Existência Divina Capítulo 4

PESSOA Jr., O. Filosofiadafísicaclássica. São Paulo: USP, 2014. Disponível em: <http://www.fflch.usp.br/df/opessoa/FiFi-14>. Acesso em: 19 maio 2017.

PLATÃO. As Leis: incluindo Epinomis. Trad. Edson Bini. 2. ed. Bauru, São Paulo: EDIPRO, 2010.

ROWE, W. Introduçãoàfilosofiadareligião. Trad. Vítor Guerreiro. Lisboa: Verbo, 2011.

RUSSELL, B. Osproblemasdafilosofia. Trad. Desiderio Murcho. Lisboa: Edições 70, 2008.

______. Porque não sou cristão: e outros ensaios sobre religião e assuntos correlatos. Trad. Brenno Silveira. São Paulo: Livraria Exposição do Livro, 1972. Disponível em: <https://racionalistasusp.files.wordpress.com/2010/01/porque_no_sou_cristo__bertrand.pdf>. Acesso em 12 maio 2017.

SENA, C. O. de R. Umahistóriasobreoinfinitoatual. Monografia (especialista em matemática para professores do ensino básico) 29f. Belo Horizonte, UFMG, 2011. Disponível em: <http://www.mat.ufmg.br/~espec/Monografias_Noturna/Monografia_ChristianoOtavio.pdf>. Acesso em: 25 maio 2017.

SORABJI, R. Time, creation and the continuum: theories in antiquity and the early middle ages. London: Duckworth, 1983. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/165766745/Richard-Sorabji-Time-Creation-and-the-Continuum-BookFi-org#scribd>. Acesso em: 25 maio 2017.

SMITH, Q. Argumentos cosmológicos kalam a favor do ateísmo. In: MARTIN, M. Um mundo sem Deus: ensaios sobre o ateísmo. Trad. Desiderio Murcho. Lisboa: Edições 70, 2010. p. 128-143. Disponível em: <https://humanoemdemasia.files.wordpress.com/2015/04/kalam-cosmological-arguments-for-atheism.pdf>. Acesso em: 17 maio 2017.

SMITH, Q. Um argumento cosmológico a partir do Big Bang para a inexistência de Deus. Trad. Gilmar Pereira dos Santos. Faith and Philosophy, v. 9, n. 2, p. 217-237, 1992. Disponível em: <https://rebeldiametafisica.wordpress.com/argumentos-ateologicos/>. Acesso em: 20 maio 2017.

SWEETMAN, B. Religião: conceitos-chave em filosofia. Trad. Roberto Cataldo Costa. Porto Alegre: Penso, 2013.

Page 162: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

162

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

SWINBURNE, R. The existence of God. Oxford: Clarendon Press, 1979.

______. SeráqueDeusexiste? Trad. de Desiderio Murcho, Ana Cristina Domingues e Miguel Fonseca. Lisboa: Gradiva, 1998.

TAYLOR, R. Metafísica. Rio de Janeiro: Zahar, 1969.

WHITEHEAD, A. N.; RUSSELL, B. 1910-1913 Principia mathematica, vol. s I (1910), II (1912) e III (1913). [S.l.]: Merchant Books, 2001, 3 v.

Page 163: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

CAPÍTULO 5

Argumentos Teleológicos da Existência Divina

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem:

� Compreender os argumentos teístas teleológicos da existência divina, clássicos e contemporâneos.

� Identificar as objeções antiteístas aos argumentos teleológicos da existência divina.

� Comparar os argumentos teístas teleológicos do desígnio, do ajuste fino e do design inteligente.

� Analisar as objeções antiteístas aos argumentos do desígnio, do ajuste fino e do design inteligente.

Page 164: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

164

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Page 165: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

165

Argumentos Teleológicos da Existência Divina Capítulo 5

ContextualizaçãoComo vimos no capítulo anterior, os argumentos cosmológicos começam com

o fato de que existem coisas existentes contingentemente no mundo e concluem com a existência de um criador não contingente para explicar a existência dessas coisas. Os argumentos teleológicos (ou argumentos do, ou para o design), por outro lado, são bastante diferentes, pois eles começam com certas propriedades do mundo e concluem com a existência de um grande arquiteto/designer do mundo – um designer com certas propriedades mentais, tais como intenção, conhecimento e propósito.

A origem do argumento teleológico retorna aos pensadores antigos do Oriente e do Ocidente. Na Índia, por exemplo, o argumento foi proposto pela escola Nyaya (100-1000 EC), que defendeu a existência de Deus com base na ordem do mundo – ordem esta que foi comparada com artefatos e com o corpo humano (VALLE, 1997; COLLINS, 2013). No Ocidente, o argumento pode ser rastreado ate Heráclito (c. 535-575 AEC), Platão, Aristóteles e os estoicos. Embora o argumento continuasse a ser utilizado de vez em quando ao longo da história, o seu renascimento ocorreu no início do século XIX, com William Paley (1743-1805), talvez o seu defensor mais ardente.

Argumento teleológico: deriva dos termos gregos telos (fim ou objetivo) e logos (razão ou explicação racional). O argumento teleológico, primeiro desenvolvido por antigos filósofos gregos e indianos, assume uma variedade de formas. O tema comum entre todas elas é que a ordem meios/fins que existe no mundo natural é melhor explicada por um design intencional/proposital.

Page 166: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

166

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

O Argumento do Desígnio (Design) de Paley

O livro de William Paley, Natural Theology (2006) – Teologia Natural, originalmente publicado em 1802, e uma defesa e explicação sustentada do argumento do desígnio. Começa com estas palavras:

Ao atravessar uma charneca, suponha que eu choquei meu pe contra uma rocha, e pergunto-me como a pedra foi parar lá. Eu poderia possivelmente responder à minha curiosidade, que, por tudo o que eu possa saber, a pedra tinha estado lá desde sempre. Absurda seria esta resposta, ainda que porventura não fosse fácil demonstrar que assim o e. Mas suponha que eu tivesse encontrado um relógio no chão, no lugar da rocha, e devesse investigar como o relógio passou a estar nesse lugar. Eu dificilmente pensaria na resposta que eu tinha antes dado, que, por tudo o que eu possa saber, o relógio pode sempre ter estado lá. No entanto, por que não deveria esta resposta servir para o relógio, bem como para a pedra? Por que não e admis-sível no segundo caso, como no primeiro? Por esta razão, e por nenhuma outra, que, quando chegamos a inspecionar o re-lógio, percebemos (o que não poderíamos descobrir na pedra) que suas várias partes são enquadradas e unir com um propó-sito, e. g. que elas estão assim formadas e ajustadas de modo a produzir o movimento e que o movimento assim regulado de modo a apontar a hora do dia; que, se as diferentes partes tivessem sido formadas diferentes da que são, de um tamanho diferente do que elas são, ou postas de qualquer outra forma, ou em qualquer outra ordem, do que aquela em que elas são postas, nenhum movimento em absoluto teria sido exercido na máquina, ou nenhum movimento que teria respondido à utili-zação que agora e servida por ele [...]. Sendo observado este mecanismo (que exige de fato uma análise do instrumento e, talvez, algum conhecimento previo do assunto, para perceber e compreendê-lo; mas, sendo uma vez, como já dissemos, ob-servado e compreendido), a inferência, pensamos, e inevitável, que o relógio deve ter tido um fabricante: que deve ter existido, em algum momento, e em algum lugar ou outro, um artífice ou artífices que o formaram com o propósito que posso hoje observar; que compreendeu a sua construção, e projetou o seu uso [...]. Cada indicação de artifício, toda a manifestação de desígnio, que existia no relógio, existe nas obras da natureza; com a diferença, no lado da natureza, de ser maior e mais nu-merosa, e num grau que excede todo cálculo (PALEY, 2006, p. 7-8, 16, tradução nossa).

Page 167: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

167

Argumentos Teleológicos da Existência Divina Capítulo 5

William Paley (1743-1805) foi um teólogo inglês, filósofo e apologista cristão. Ele se tornou um membro do Christ College de Cambridge, em 1766. Escreveu uma serie de livros, incluindo o The Principles of Moral and Political Philosophy, que se tornou o livro-texto de etica na Universidade de Cambridge. Sua obra mais famosa e a Natural History: or evidences of the existence and attributes of the Deity, collected from the appearances of nature (1802) – o livro no qual ele apresenta sua analogia do relojoeiro. O livro Teologia Natural pode ser lido em espanhol na íntegra, em sua edição de 1825, no Google Books, disponível em: <https://books.google.com.br/books?id=hQVeAAAAcAAJ&hl=pt-BR&source=gbs_navlinks_s>.

Paley está usando um argumento da analogia: uma vez que podemos inferir um designer (arquiteto) de um artefato, como um relógio, dado o seu propósito evidente e sua estrutura ordenada, assim tambem devemos inferir um grande designer das obras da natureza, uma vez que elas são ainda maiores em termos de sua ordem e de sua complexidade – o que ele posteriormente descreve como “meios ordenados para fins". O argumento de Paley pode ser esboçado na forma apresentada no Quadro 1 "O argumento do desígnio de Paley".

O argumento de Paley, é claro, não permaneceu sem ser desafiado. Algumas das objeções mais ardentes surgiram a partir dos trabalhos de David Hume e de Charles Darwin.

Quadro 6 – O argumento do desígnio de Paley

1) Artefatos (como um relógio), com suas configurações de meios para fins, são os produtos de desígnios (humanos).

2) As obras da natureza, tais como a mão humana, se assemelham a artefatos.3) Assim, as obras da natureza são, provavelmente, os produtos de desígnio.

4) Alem disso, as obras da natureza são muito maiores em número e maiores em complexidade.

5) Por isso, as obras da natureza foram, provavelmente, os produtos de um grande designer – muito mais poderoso e inteligente do que um designer humano.

Fonte: O autor.

Page 168: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

168

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

a) Objeções 1-3: As refutações de Hume

Talvez as objeções mais familiares ao argumento do desígnio de Paley são aquelas refutações oferecidas pelo filósofo cético David Hume em seu livro, publicado em 1779, Diálogos sobre a Religião Natural (1992). É importante notar que, embora a obra de Hume tivesse sido publicada 23 anos antes da obra de Paley, por alguma razão este último não referenciou ou não levou em consideração a obra de Hume. O que parece e que ele simplesmente não estava ciente da mesma. De qualquer modo, uma importante refutação de Hume e que a analogia entre as obras da natureza e os artefatos humanos não e

particularmente forte. Vemos esta refutação nas partes VI e VII dos Diálogos sobre a Religião Natural (1992). Existem várias razões pelas quais a analogia e fraca, incluindo: (1) ao contrário de relógios, existe apenas um universo, e, portanto, não temos outros universos para compará-lo ou julgá-lo, e (2) em muitos aspectos o mundo (ou seja, a acumulação das obras da natureza) não e como um artefato ou máquina humana e poderia tão facilmente ser concebido como um grande animal ou vegetal. Como tal, ela levanta a falácia de uma petição de princípio (petitio principii) supondo que o mesmo foi designado.

Uma importante refutação de

Hume é que a analogia entre as obras da natureza

e os artefatos humanos não é particularmente

forte.

Petição de princípio (do latim, petitio principii). Tambem chamada de argumento circular ou, em inglês, begging the question, e uma falácia informal. Neste tipo de argumento, a conclusão que visa ser provada e utilizada como uma premissa no mesmo argumento. O erro, portanto, não se encontra no aspecto formal do argumento, assim, a forma da inferência não chega a ser inválida. Entretanto, as premissas não sustentam devidamente a verdade da conclusão, podendo gerar engano.

Outra refutação e que mesmo que possamos inferir um grande designer do universo, esse designer acaba por ser algo menos do que o Deus das religiões teístas. Desde que efeitos semelhantes surgem de causas semelhantes, a partir de um mundo finito não podemos inferir um designer infinito. Além disso, existem imperfeições brutas e males consideráveis no mundo. Então, se o mundo e designado, e razoável concluir que o designer (ou designers, já que não há razão para presumir apenas um), deve ter esses defeitos correspondentes tambem.

Mesmo que possamos inferir

um grande designer do universo, esse

designer acaba por ser algo menos do

que o Deus das religiões teístas.

Page 169: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

169

Argumentos Teleológicos da Existência Divina Capítulo 5

Uma terceira refutação e que só porque um universo tem a aparência de desígnio, não se segue que e de fato projetado (HUME, 1992 – parte VIII). Hume cita como uma alternativa a hipótese de Epicuro, que propôs que o universo é composto por um número finito de partículas que se deslocam em movimento aleatório. Eventualmente estas partículas vão acabar em um estado estável, e este estado teria a aparência de desígnio, sem realmente o ser. Em outras palavras, o universo aparentemente projetado pode vir a ser o resultado de mero acaso.

David Hume (1711-1776), filósofo e historiador escocês, é amplamente reconhecido como o filósofo mais importante a escrever em inglês e um dos pensadores mais importantes na história da filosofia ocidental. Entre suas obras filosóficas mais significativas estão o Tratado da Natureza Humana (1739-1740), Ensaios sobre o Entendimento Humano (1748), e sua obra mais controversa, Diálogos sobre a Religião Natural (publicado postumamente em 1779), no qual ele ataca o argumento do desígnio. Outros textos que apresentam uma leitura de tais refutações são os seguintes: Marcos R. da Silva (2006), Marília Cortês Ferraz (2012) e Evelise R. T. Laux (2010). Todos disponíveis on-line. Verifique os endereços eletrônicos nas referências respectivas no final deste capítulo.

O que pode ser dito em resposta a essas refutações? Em primeiro lugar, contrariamente à alegação de Hume, pode-se argumentar que, mesmo o mundo sendo único, não se segue que um argumento da analogia não se pode aplicar. Se analogias não pudessem ser aplicadas a eventos exclusivos, conclusões absurdas viriam a seguir. Por exemplo, nunca se poderia chegar à conclusão sobre um artefato único (digamos, descoberto a partir de um período antigo) que ele fora projetado. Mas tais conclusões são com frequência alcançadas por arqueólogos. Em segundo lugar, enquanto a analogia do relógio/mundo pode não ser perfeita, ainda assim capta o ponto central: em que a finalidade, a ordem e a intenção são evidentes, e razoável postular um designer. E as obras da natureza parecem refletir finalidade, ordem e intenção. Mais será dito sobre isso abaixo.

Com relação à segunda refutação, várias respostas podem ser oferecidas. Em primeiro lugar, Hume está certo ao notar que o argumento não prova que o Deus das religiões existe. No entanto, isso sem dúvida fornece provas de que e provável que exista um grande designer do mundo (ou seja, um designer das obras da natureza das quais o mundo e composto). Outros argumentos poderiam

Page 170: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

170

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

ser utilizados para apoiar este em uma tentativa de demonstrar a existência do Deus das religiões. Em segundo lugar, quanto ao mal e às imperfeições no mundo, pode ser respondido que este argumento não aborda a questão da onibenevolência divina, mas, sim, a questão da finalidade, da intenção e do design. Deus pode não ser capaz de criar um mundo com seres livres que nunca cometeriam atos maus, mesmo que Deus seja um ser onibenevolente e onipotente (FERRAZ, 2012). Veremos mais sobre esta questão no capítulo 7, “Problemas do Mal”.

A terceira refutação de Hume, de que o mundo poderia ter surgido a partir de um mero acaso, nos leva a uma quarta objeção ao argumento de Paley, e nos conduz a Charles Darwin.

b) Objeção 4: Uma visão darwiniana dos organismos biológicos

Talvez o pensador mais influente do século XIX foi Charles Darwin (1809-1882). Em seu livro A Origem das Espécies (2009), publicado em 1859, Darwin propôs o que se tornou uma das teorias mais significativas na história do pensamento humano: que os organismos vivos se desenvolveram a partir de formas simples às formas mais complexas gradualmente ao longo do tempo e atraves dos processos puramente naturais e não intencionais de variação aleatória, a seleção natural e a sobrevivência do apto. Esta e, naturalmente, a teoria da evolução de Darwin.

Deus pode não ser capaz de criar um mundo com seres livres que nunca cometeriam atos

maus, mesmo que Deus seja um ser onibenevolente e

onipotente

Para uma apresentação clara da Teoria da Evolução, leia a obra de Ernst Mayr, O que é a evolução (2009), a obra de Mark Ridley, Evolução (2006) e a obra de Douglas Futuyama, Biologia Evolutiva (2009). Essas três obras apresentam não somente a história da teoria, mas as evidências em diversas áreas da ciência e seu status atual. Um texto excelente que visa esclarecer algumas dúvidas sobre a confusão que muitos fazem se a evolução e uma teoria ou um fato e o texto Evolução é um fato e uma teoria, de Laurence Moran (1993) – Disponível em: <http://www.darwin.bio.br/?p=75>.

Page 171: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

171

Argumentos Teleológicos da Existência Divina Capítulo 5

À primeira vista, a teoria da evolução parece soar a sentença de morte para o argumento do desígnio de Paley, pois aqui temos o acaso e as leis da natureza, em vez de intenção, propósito e desígnio, explicando as obras da natureza. Portanto, não há necessidade de postular um grande designer do mundo. O que segue abaixo é uma visão comum da aparente destruição de Darwin do argumento do desígnio:

Tem sido geralmente aceito (então e agora) que a doutrina da seleção natural de Darwin efetivamente demoliu o clássico argu-mento do desígnio de William Paley para a existência de Deus. Ao mostrar como a adaptação cega e gradual poderia falsificar o projeto aparentemente proposital que Paley [...] e outros tinham observado nos artifícios da natureza, Darwin os privou de seu argumento da inferência analógica que o propósito evidente a ser observado nos artifícios pelo qual os meios e os fins estavam relacionados na natureza era necessariamente uma função da mente (GILLESPIE, 1979, p. 83-84, tradução nossa).

Enquanto que a teoria de Darwin providenciou claramente uma alternativa significativa para uma história grandiosa da criação sobre as obras da natureza, pelo menos duas respostas podem ser oferecidas quanto à sua aparente força destrutiva para o argumento do desígnio. Em primeiro lugar, como veremos a seguir, nem todo mundo está convencido de que um relato puramente naturalista, não intencional, fornece uma explicação completa de toda a flora e a fauna que existem no mundo natural. Em segundo lugar, mesmo tendo em conta uma visão darwiniana total das coisas, o defensor do argumento do desígnio poderia afirmar que este processo evolutivo é o próprio método pelo qual o designer está realizando suas intenções e propósitos para o mundo. Um argumento semelhante a este e levantado por F. R. Tennant (1956).

Na verdade, o próprio Darwin pode ter mantido este ponto de vista, pelo menos em um ponto em sua carreira. No ano seguinte ao que ele publicou A Origem das Espécies, ele disse o seguinte em duas cartas (de 22 de maio e 26 de novembro de 1860, respectivamente) ao biólogo de Harvard, Asa Gray [estas cartas estão disponíveis em português na obra organizada por Burkhardt, Evans e Pearn (2009)]:

Estou inclinado a olhar para tudo como resultado de leis de-signadas, com os detalhes, seja bom ou ruim, deixados para a elaboração de que podemos chamar de acaso [...](DARWIN apud MARTIN, p. 162, tradução nossa).

Eu não posso pensar que o mundo como o vemos e o resul-tado do acaso; entretanto eu não posso olhar para cada coisa separada como o resultado de um desígnio (DARWIN apud RUSE, p. 273, tradução nossa).

Nem todo mundo está convencido de que um relato

puramente naturalista, não

intencional, fornece uma explicação

completa de toda a flora e a fauna que existem no mundo

natural.

Page 172: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

172

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

No entanto, as refutações de Hume, combinadas com a explicação evolucionista de Darwin dos organismos vivos, afundaram o argumento do desígnio no seculo XIX e no início ate meados do seculo XX (DAWKINS, 2005; GOULD, 1993; LIMA FILHO, 2015; BRAUSTEIN, 2014; BIZZO, 2007, 2010). No entanto, ele foi “ressuscitado” na segunda metade do seculo XX em uma variedade de formas e ate agora e provavelmente o argumento mais amplamente discutido e influente para a existência de Deus. Duas das versões recentes mais importantes são o ajuste fino (fine-tuning) e argumentos do design inteligente. Vamos primeiro dar uma olhada no ajuste fino.

As refutações de Hume, combinadas com a explicação

evolucionista de Darwin dos

organismos vivos, afundaram o

argumento do desígnio no século XIX e no início até meados do século

XX

Charles Darwin (1809-1882) foi um naturalista inglês que é considerado um dos pensadores mais influentes na história da civilização ocidental. Suas observações feitas durante sua viagem de cinco anos no Beagle foram fundamentais no desenvolvimento de sua teoria da seleção natural. Seu livro, A Origem das Espécies (1859), estabeleceu a evolução pela descendência comum como a explicação científica central para o desenvolvimento e a diversificação dos organismos biológicos. Em A descendência do Homem (1871), ele aplicou sua teoria diretamente aos seres humanos. Para uma leitura excelente da biografia de Darwin, veja a obra de Desmond e Moore (2007) e assista aos documentários Charles Darwin – a origem das espécies (disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=0uH57hCY9t0>) e Charles Darwin: documentário (disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=3S-HQ206WYE>).

O Argumento do Ajuste FinoAlguns estudiosos que acreditam que as estruturas meios-para-fins,

aparentemente propositais no reino da biologia, podem ser totalmente explicadas por processos evolutivos naturais, tambem sustentam que certos aspectos não biológicos ou inorgânicos do universo são mais bem explicados por meio de um designer inteligente. Alguns argumentaram que as leis fundamentais e os parâmetros da física e as condições iniciais do universo são extraordinariamente equilibradas – ou "ajustadas finamente" – com as condições precisas e ideais para a vida ocorrer e florescer. Robin Collins (2013), por exemplo, um dos

Page 173: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

173

Argumentos Teleológicos da Existência Divina Capítulo 5

defensores mais importantes do argumento teleológico do ajuste fino, afirma que "as condições iniciais do universo são equilibradas no ‘fio de uma navalha’” para a existência da vida. Dezenas de tais parâmetros e condições foram propostos, incluindo os seguintes, descritos por Collins (1999):

1) Se a explosão inicial do big bang diferisse em força por tão pouco quanto uma parte em 1060, o universo teria rapidamente entrado em colapso sobre si mesmo ou expandido rápido demais para que as estrelas pudessem se formar. Em ambos os casos, a vida seria impossível. (Como John Jefferson Davis aponta, uma precisão de uma parte em 1060 pode ser comparada ao disparar uma bala em um alvo de uma polegada no outro lado do universo observável, vinte bilhões de anos luz de distância, e acertar o alvo.)

2) Os cálculos indicam que se a força nuclear forte, a força que une os prótons e nêutrons juntos em um átomo, tivesse sido mais forte ou mais fraca por tão pouco quanto cinco por cento, a vida seria impossível.

3) Cálculos feitos por Brandon Carter mostram que se a gravidade fosse mais forte ou mais fraca por uma parte em 1040, então, as estrelas que sustentam a vida, como o Sol, não poderiam existir. Isto tornaria provavelmente a vida impossível.

4) Se o nêutron não fosse cerca de 1.001 vezes a massa do próton, todos os prótons se deteriorariam em nêutrons ou todos os nêutrons se deteriorariam em prótons e, assim, a vida não seria possível.

5) Se a força eletromagnetica for ligeiramente mais forte ou mais fraca, a vida seria impossível, por uma variedade de diferentes razões.

Muitos dos parâmetros e condições são aparentemente não relacionados e, se assim for, isto reduz mais ainda a probabilidade de sua ocorrência por acaso. As opções explicativas são basicamente limitadas a três: o ajuste fino dos parâmetros e condições ocorreram por acaso, por necessidade, ou por design inteligente.

Assim, podemos esboçar um argumento teleológico do ajuste fino da maneira mostrada no Quadro 7 abaixo.

Quadro 7 – Um argumento teleológico do ajuste fino

1) O ajuste fino do universo aconteceu por acaso, ou por necessidade, ou por um design inteligente.

2) O ajuste fino do universo não aconteceu por acaso ou por necessidade.3) Portanto, o ajuste fino do universo aconteceu por um design inteligente.

Fonte: O autor.

Page 174: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

174

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

As Respostas ao Argumento do Ajuste Fino

Não e surpresa que vários estudiosos discordam que o design inteligente deve ser reivindicado, a fim de explicar a existência dos parâmetros "ajustados finamente" e das condições iniciais do universo. A premissa do argumento de que é principalmente desafiada é a segunda: o ajuste fino do universo não aconteceu por acaso ou por necessidade. Vamos considerar três respostas proeminentes.

a) A hipótese dos muitos universos

Uma maneira de explicar o nosso universo finamente ajustado sem postular um designer inteligente e sugerir que há um número

muito grande de universos – talvez um número infinito deles. Dado este elevado número, não e surpreendente que, pelo menos, um deles (o nosso, neste caso) inclui condições e parâmetros iniciais que permitem a vida. Embora seja mais provável que um universo decorrente do acaso inclua parâmetros avessos à vida, se o número de universos é grande o suficiente, certamente alguns deles teriam exatamente os parâmetros certos para a vida. Felizmente para nós, o nosso universo é um destes. Enquanto escritores de ficção científica têm desfrutado de muito sucesso na criação de tais cenários, os recentes avanços na teoria das cordas e na cosmologia inflacionária também conduziram os estudiosos a levar a serio a noção de universos múltiplos.

Os críticos, no entanto, observam que não há atualmente nenhuma evidência experimental em apoio das hipóteses dos muitos universos. Embora haja algum apoio na física para a teoria das cordas e para a cosmologia inflacionária, elas são atualmente provisórias e altamente especulativas (GREENE, 2001). Alem disso, como filósofo Robin Collins alegou, mesmo que haja um número infinito de universos, parece que eles devem ser produzidos por algum tipo de "gerador de muitos universos". Tal dispositivo, no entanto, necessitaria ser em si mesmo finamente ajustado, e, portanto, na necessidade de uma explicação que conduziria a um designer inteligente. Este argumento tambem e levantado por Craig (2007). Collins (2013) argumenta que ate mesmo um mecanismo simples, como uma máquina de fazer pão, precisa ser bem projetado para produzir pães. Quanto mais um fabricante de universos, que produz universos finamente ajustados como o nosso próprio.

Vários estudiosos discordam

que o design inteligente deve ser reivindicado, a fim de explicar

a existência dos parâmetros

“ajustados finamente” e das

condições iniciais do universo.

Page 175: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

175

Argumentos Teleológicos da Existência Divina Capítulo 5

Assista ao vídeo de Brian Greene, O Multiverso e a Teoria de Cordas, publicado pela TED, disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=pDPIg6HNRME>.

b) O princípio antrópico

Existem diferentes versões do princípio antrópico ("antrópico", que significa relacionado aos seres humanos). Um excelente artigo introdutório a estas versões e o de Comitti (2011). A versão mais difundida destas é o que os físicos John Barrow e Frank Tipler chamam de o Princípio Antrópico Fraco (ou suave), WAP (da sigla em inglês, Weak Anthropic Principle). Aqui está a definição que eles oferecem:

O Princípio Antrópico Fraco (WAP): os valores observados de todas as quantidades físicas e cosmológicas não são igual-mente prováveis, mas eles carregam valores limitados pela exigência de que existem locais onde a vida baseada em car-bono pode evoluir e pela exigência de que o Universo seja velho o suficiente para que ele já tenha feito isso (BARROW; TIPLER, 1988, p. 15, tradução nossa).

Eles tambem observam uma característica central que emerge deste princípio:

As características básicas do Universo, incluindo propriedades tais como a sua forma, tamanho, idade e as leis da mudança, devem ser observadas como sendo de um tipo que permite a evolução de observadores, pois, se a vida inteligente não evo-luísse em um outro universo possível, seria óbvio que ninguem estaria perguntando sobre a razão do tamanho, da forma, da idade observada do Universo, e assim por diante (BARROW; TIPLER, 1988, p. 1-2).

Em outras palavras, se as leis físicas e as constantes do universo não fossem exatamente como elas são – justamente afinadas para a vida –, não estaríamos aqui para perceber esse fato. Não haveria observadores em um universo que não tivesse as condições necessárias para a vida. Assim, uma vez que estamos aqui para observá-los, não devemos nos surpreender que as condições são exatamente certas para a vida, mesmo que vivamos em um universo puramente naturalista. Portanto, não há necessidade de se conjecturar um designer inteligente do universo.

Se as leis físicas e as constantes do universo não

fossem exatamente como elas são –

justamente afinadas para a vida –, não

estaríamos aqui para perceber esse fato.

Page 176: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

176

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Em resposta, pode-se argumentar que o nosso estar aqui para reconhecer o ajuste fino nem nega o assombro das condições, tampouco elimina a necessidade de uma explicação pelo design inteligente. Richard Swinburne utiliza a seguinte analogia para demonstrar este ponto:

Suponha que um louco sequestra uma vítima e fecha-a em um quarto com uma máquina de embaralhar cartas. A máquina embaralha dez maços de cartas ao mesmo tempo e, em segui-da, tira uma carta de cada maço e exibe simultaneamente as dez cartas. O sequestrador diz à vítima que ele logo irá por a máquina a trabalhar e ela apresentará a primeira tirada, mas que a menos que o sorteio consista em um ás de copas de cada maço, a máquina simultaneamente desencadeará uma explosão que vai matar a vítima, em consequência da qual não poderemos ver quais foram as cartas que a máquina sacou. A máquina e então posta a trabalhar, e para assombro e alívio da vítima, a máquina apresenta um ás de copas tirado de cada maço. A vítima pensa que este fato extraordinário precisa de uma explicação em termos de a máquina ter sido manipulada de alguma forma. Mas o sequestrador, que agora aparece, lan-ça dúvidas sobre esta sugestão. "Não e de surpreender", diz ele, "que a máquina sacou apenas ases de copas. Você não poderia possivelmente ver qualquer outra coisa. Por que você não estaria aqui para ver qualquer coisa, se qualquer outra car-ta tivesse sido sacada”. Mas e claro que a vítima está certa e o sequestrador está errado. Há algo extraordinariamente na necessidade de uma explicação no fato dos dez ases serem sacados. O fato de que esta ordem em particular e uma condi-ção necessária do sorteio a ser percebido, em absoluto torna o que e percebido menos extraordinário ou sem a necessidade de explicação (SWINBURNE, 1979, p. 138, tradução nossa).

O debate volta-se então sobre a questão de se essas "coincidências antrópicas" são mais razoavelmente assumidas como sendo acidentais ou intencionais (POLKINGHORNE, 2007; HORVATH, 2007; MACGRATH, 2005).

c)Quemprojetouoprojetista?

Uma terceira resposta ao argumento do ajuste fino é que apresentar um designer inteligente como uma explicação para o universo finamente ajustado simplesmente move o debate um passo atrás, pois então podemos fazer a pergunta: "Quem projetou o projetista?" Em seu já familiar diálogo sobre a religião, David Hume levanta essa objeção:

Como, então, poderíamos nos dar por satisfeitos com relação à causa daquele Ser que você toma como o Autor da Natureza, ou, de acordo com seu sistema antropomórfico, daquele Mun-do Ideal no qual você encontra a origem do mundo material?

Apresentar um designer

inteligente como uma explicação para o universo

finamente ajustado simplesmente

move o debate um passo atrás, pois então podemos

fazer a pergunta: “Quem projetou o

projetista?”

Page 177: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

177

Argumentos Teleológicos da Existência Divina Capítulo 5

Não teríamos iguais razões para buscar a origem desse mun-do ideal em outro mundo ideal, ou princípio intelectivo? Mas, se nos detemos em algum ponto e não avançamos mais, de que serve ter avançado ate aí? Como poderíamos nos dar por satisfeitos sem avançar in infinitum? E que satisfação, afinal, encontraríamos nessa progressão infinita? Recordemo-nos da história do indiano e seu elefante [o filósofo indiano disse que o mundo estava descansando na parte traseira de um elefan-te, e o elefante estava descansando na parte traseira de uma grande tartaruga, e a tartaruga na parte traseira de algo que não sabia o quê]: ela nunca foi tão adequada como ao presente assunto. Se o mundo material repousa sobre um mundo ide-al semelhante, este mundo ideal deve repousar sobre algum outro, e assim indefinidamente. Seria melhor, portanto, jamais lançar os olhos para alem do mundo material presente. Ao su-por que ele contem em si mesmo o princípio de sua própria ordem, estamos, na realidade, afirmando que ele é Deus; e quanto antes chegarmos àquele Ser Divino, tanto melhor para nós. Quando você dá um passo além do sistema mundano, apenas excita uma disposição inquisitiva que jamais poderá ser satisfeita (HUME, 1992, IV, p. 64).

Em outras palavras, mesmo se pudermos explicar o ajuste fino aparente do mundo como sendo o produto de um projetista (designer) inteligente, este designer deve ter uma mente que é tão "finamente ajustada" quanto o mundo natural. Assim, o designer tambem está na necessidade de uma explicação, do mesmo modo o designer do designer, e assim por diante. Se entrarmos na disputa da necessidade de uma explicação para o design aparente, este processo continua indefinidamente. Todavia, por que adicionar hipóteses desnecessariamente? Por que não simplesmente parar com o mundo físico? Essa argumentação, por exemplo, é levantada por Dawkins (2005).

Para entender as críticas de Dawkins em sua obra O Relojoeiro Cego (2005), veja tambem o documentário homônimo disponível em: <http://www.dailymotion.com/video/x4c16yq>.

Page 178: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

178

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

O Argumento do Design InteligenteOutra forma recente do argumento teleológico e muitas vezes referida como

o argumento do design inteligente. Este argumento está enraizado no trabalho que está sendo feito por um grupo de filósofos, cientistas e outros que fazem parte do Movimento do Design Inteligente. O que os membros deste grupo têm em comum e a crença de que certos metodos de probabilidade podem ser utilizados para determinar se um dado sistema biológico foi projetado. William Dembski, um líder no movimento, argumenta que "demonstrando o design transcendente do universo é uma inferência científica, e não um sonho filosófico fantástico" (2005, p. 223, tradução nossa). Ele desenvolveu o que chama de um Filtro Explicativo (Explanatory Filter) para a detecção de design. Em forma simplificada, o filtro faz três perguntas na seguinte ordem:

1) Será que uma lei explica isso?2) Será que o acaso explica isso?3) Será que o design explica isso?

Movimento do Design Inteligente: o movimento do design inteligente começou na década de 1980, e inclui filósofos, cientistas e outros estudiosos que consideram a visão darwiniana de que causas naturais não dirigidas poderiam produzir toda a diversidade e complexidade da vida como inadequada, e que propõem um programa de investigação em que causas inteligentes se tornam a chave para o entendimento dessa diversidade e complexidade. Personagens principais do movimento incluem Phillip Johnson, Michael Behe, William Dembski, Paul Nelson e Stephen Meyer.

Primeiro, deve-se tentar determinar se a lei (ou seja, a regularidade/necessidade) explica melhor um evento, objeto ou estrutura. Se um evento (vamos usar "evento" aqui para significar um evento, objeto ou estrutura) tem uma alta probabilidade de ocorrer, então e explicável por lei. Por exemplo, a subida da mare do Atlântico duas vezes por dia e um evento regular – e mais bem explicável pelas leis da natureza. No entanto, se a lei não explica um evento, então, nos voltamos ao acaso. Por exemplo, se eu rodar uma roleta, eu uso o acaso para explicar por que a roda parou onde parou (e claro, onde a roleta para não e na verdade uma questão de sorte/acaso, pois há leis da natureza bem específicas

Page 179: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

179

Argumentos Teleológicos da Existência Divina Capítulo 5

que determinam onde ela irá parar. Nós nos referimos a isso como sorte/acaso porque nós não sabemos onde, precisamente, as leis da natureza farão a roleta parar. Poderia argumentar-se que somente em um nível quântico há o verdadeiro acaso, ou talvez que não há acasos em absoluto). Em seguida, a fim de eliminar o acaso e concluir com o design como a melhor explicação de um evento, Dembski aplica o que ele chama de complexidade especificada (specified complexity), para a qual ele oferece a seguinte descrição:

Uma única letra do alfabeto é especificada sem ser complexa (ou seja, está de acordo com um padrão dado independente-mente, mas e simples). Uma longa sequência de letras alea-tórias é complexa sem ser especificada (ou seja, requer um conjunto de instruções complicado para caracterizar, mas não está em conformidade com nenhum padrão dado independen-temente). Um soneto de Shakespeare e tanto complexo quanto especificado (DEMBSKI, 1999, s.p., tradução nossa).

O algoritmo do filtro explicativo está diagramado na Figura 5.

Figura 5 – O algoritmo do filtro explicativo

Fonte: O autor.

Page 180: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

180

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Assim, se houver eventos, objetos ou estruturas no mundo natural que sejam ao mesmo tempo complexos e especificados, Dembski conclui que são melhor explicados pelo design.

Um exemplo que os defensores do design inteligente usam muitas vezes como um caso de complexidade especificada na natureza são os sistemas “irredutivelmente complexos". A pessoa que cunhou o termo (complexidade irredutível) e o bioquímico Michael Behe. Ele o define desta forma:

Por irredutivelmente complexo quero dizer um sistema único composto por várias partes que interagem bem combinadas que contribuem para a função básica, onde a remoção de qual-quer uma das partes faz com que o sistema efetivamente deixe de funcionar. Um sistema irredutivelmente complexo não pode ser produzido diretamente (isto e, melhorar continuamente a função inicial, continuando a funcionar pelo mesmo meca-nismo) por modificações suaves e sucessivas de um sistema precursor, porque qualquer precursor de um sistema irreduti-velmente complexo, no qual está faltando uma parte, e, por definição, não funcional. Um sistema biológico complexo, se há uma coisa dessas, seria um poderoso desafio à evolução darwiniana (BEHE, 1997, p. 39).

Behe usa a analogia simples de uma ratoeira para demonstrar seu ponto (veja a Figura 6.

Um exemplo que os defensores do design inteligente

usam muitas vezes como um caso

de complexidade especificada na

natureza são os sistemas

“irredutivelmente complexos”.

Figura 6 – Ratoeira Padrão

Fonte: O autor.

Page 181: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

181

Argumentos Teleológicos da Existência Divina Capítulo 5

Uma ratoeira típica consiste de um martelo, uma mola, uma barra de proteção e uma plataforma ou base à qual todas as outras partes estão conectadas. Cada uma dessas partes e um componente necessário para a captura do rato, e em conjunto as partes constituem uma condição suficiente para a captura de um rato. Se qualquer uma das partes que compõem a armadilha estivesse ausente, ela não iria funcionar como um dispositivo de captura do rato. É, portanto, um mecanismo complexo irredutível na medida em que não pode ser reduzido em termos de componentes e ainda assim funcionar como uma ratoeira.

O argumento de Behe, então, e que o mundo bioquímico tem uma serie de sistemas que consistem de partes interdependentes calibradas finamente que não funcionariam sem que cada um dos seus componentes operasse em conjunto. Estes sistemas, sendo irredutivelmente complexos, não podem, portanto, ser explicados pelo gradualismo e pela seleção natural da teoria da evolução. Postular um designer para eles e uma hipótese muito melhor.

Um exemplo primário que Behe usa de um sistema bioquímico irredutivelmente complexo é o flagelo bacteriano ("flagelo" é derivado do latim flagellum e significa um chicote ou chibata). No início de 1970, certas bactérias foram vistas a deslocar-se ao girar seus flagelos, ou cauda tipo-chicote, que giram em altas taxas de velocidade – alguns deles centenas de rotações por segundo. A estrutura destas bacterias inclui o que e comparado a um motor de popa. Como indica a Figura 7, existe um número de componentes diferentes (cerca de 40 no total) que trabalham em conjunto no movimento das bacterias, incluindo um gancho, um filamento, um estator e um rotor (TORTORA; FUNKE; CASE, 2012).

O mundo bioquímico tem uma série

de sistemas que consistem de partes

interdependentes calibradas

finamente que não funcionariam sem que cada um dos

seus componentes operasse em

conjunto.

Page 182: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

182

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Figura 7 – O motor do flagelo bacteriano, um exemplo de um mecanismo "irredu-tivelmente complexo"

Fonte: Disponível em: <http://creationwiki.org/pool/images/f/fb/627px-Flagellum_base_dia-gram_pt.svg.png>. Acesso em: 1 jul. 2015.

O que interessa aqui e que as 40 partes das quais este motor flagelar consiste aparentemente devem ser organizadas exatamente assim. Se qualquer uma delas estiver mal colocada ou ausente, o "motor" não vai funcionar. É, portanto, um mecanismo complexo irredutível. Os defensores do argumento do design inteligente afirmam que e mais razoável acreditar que um designer inteligente esteve envolvido na criação de um sistema deste tipo do que o sistema ter se desenvolvido gradualmente através de processos darwinianos naturalistas. A menos que o mecanismo seja totalmente funcional, a seleção natural não teria nenhum motivo para preservá-lo.

Behe (2007) levantou novas argumentações a favor da complexidade irredutível no decorrer dos anos. Todavia, todas elas sofreram respostas contra-argumentativas, por exemplo, as argumentações de Kenneth R. Miller (2002, 2004) e Jonh H. McDonald (2011), o que gerou respostas

de Behe (2000) e um vívido debate que ainda continua.

Os defensores do argumento do design inteligente

afirmam que é mais razoável

acreditar que um designer inteligente

esteve envolvido na criação de um sistema deste tipo do que o sistema

ter se desenvolvido gradualmente

através de processos

darwinianos naturalistas.

Page 183: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

183

Argumentos Teleológicos da Existência Divina Capítulo 5

Um argumento do design inteligente pode, assim, ser apresentado sob a forma indicada no Quadro 8, "Um exemplo do argumento Design Inteligente”, abaixo.

Quadro 8 – Um exemplo do Argumento do Design Inteligente

1 Se houver eventos, objetos ou estruturas no mundo natural, que são complexas e especificadas, então é razoável concluir que elas são o resultado de design.

2Existem eventos, objetos ou estruturas no mundo natural, como sistemas molecu-lares irredutivelmente complexos, que são ao mesmo tempo complexos e especifi-cados.

3 Portanto, e razoável concluir que eles são o resultado de um design.

Fonte: O autor.

Objeções ao Argumento do Design Inteligente

Existem inúmeras objeções ao argumento do design inteligente. Abaixo estão duas significativas – a primeira focada na premissa 1 e a segunda focada na premissa 2.

Objeção 1: O argumento do design inteligente assenta-se sobre pressupostosfilosóficoscontenciosos,emvezdeinferênciacientífica

Uma objeção a filtro explicativo de Dembski é que ele pressupõe que se não houver um processo científico conhecido pelo qual se possa explicar o fenômeno em questão, então isso é motivo suficiente para concluir que não existe tal processo. No entanto, é uma afirmação contenciosa de que, simplesmente porque um evento e inexplicável perante as leis e os processos naturais atualmente conhecidos, então, seria melhor explicável pelo design inteligente. Isto levanta uma serie de preocupações epistemológicas, não sendo a menor das quais que ele parece violar a própria natureza do método científico da descoberta; ou seja, a busca de explicações do fenômeno natural contingente em termos de princípios, leis e processos físicos. Como um estudioso diz, "acontece que identificar decisivamente uma instância de [complexidade especificada] requer compromisso de pressupostos filosóficos que não são eles próprios concomitantes com a prática da ciência" (O’CONNOR, 2003, p. 69, tradução nossa).

Em resposta, pode-se argumentar que o filtro do design está proporcionando o melhor processo de descoberta perante a evidência científica disponível e o

Identificar decisivamente

uma instância de [complexidade

especificada] requer compromisso

de pressupostos filosóficos que não são eles próprios

concomitantes com a prática da ciência

Page 184: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

184

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

metodo mais razoável para explicar os eventos. Se uma nova evidência conduzir a uma explicação naturalística não intencional e não proposital do evento, então a explicação do design pode ser revogada. Claro, pode-se sustentar que todas as explicações biológicas devem incluir explicações naturalistas não intencionais, e não propositais. Mas fazer disso uma suposição metafísica a priori antes de examinar a evidência pode muito bem ser viés injustificado contra a própria possibilidade do design inteligente.

Objeção 2: Desafios para os alegados exemplos de complexidadeirredutível

Um segundo tipo de objeção enfoca os exemplos oferecidos como sendo irredutivelmente complexos. Um desafiante central dos exemplos de complexidade irredutível de Behe e o professor de biologia Kenneth Miller. Miller oferece a seguinte crítica ao flagelo bacteriano como prova da complexidade irredutível:

A evolução produz máquinas bioquímicas complexas ao co-piar, modificar e combinar proteínas previamente usadas para outras funções. À procura de exemplos? O sistema no ensaio de Behe já dá conta do recado. Ele escreve que, na ausên-cia de "praticamente qualquer uma" de suas partes, o flagelo bacteriano "não funciona". Mas adivinhem? Um pequeno grupo de proteínas do flagelo funciona, sim, sem o resto da máqui-na – e usado por muitas bacterias como um dispositivo para injetar venenos em outras celulas. Embora a função realizada por esta pequena parte quando funciona sozinha e diferente, do mesmo modo pode ser influenciada pela seleção natural (MILLER, 2002, p. 75, tradução nossa).

A objeção é simples. O flagelo é um caso de complexidade redutível, não de complexidade irredutível, uma vez que, pelo menos, alguns dos seus componentes têm uma função sem o flagelo tomado como um todo. A seleção natural poderia, então, ter favorecido esses componentes individuais no desenvolvimento evolutivo do flagelo; nenhuma hipótese do design inteligente e necessária e, portanto, a analogia da ratoeira e falha. Ele continua:

Ironicamente, o próprio exemplo de Behe, a ratoeira, mostra o que há de errado com a ideia. Tirando duas partes (o gancho e a barra de metal), você pode não ter uma ratoeira, mas você terá uma máquina de três partes que serve como um clipe de gravata ou clipe de papel totalmente funcional. Se tirar a mola, você tem um chaveiro de duas partes. O gancho de algumas ratoeiras pode ser usado como um anzol e a base de madeira como um peso de papel [...]. O ponto, que a ciência compre-

O flagelo é um caso de complexidade redutível, não de

complexidade irredutível, uma vez que, pelo menos, alguns dos seus

componentes têm uma função sem o

flagelo tomado como um todo.

Page 185: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

185

Argumentos Teleológicos da Existência Divina Capítulo 5

endeu há muito tempo, e que pedaços e peças de máquinas supostamente irredutivelmente complexas podem ter diferen-tes – mas ainda úteis – funções (MILLER, 2002, p. 75, tradução nossa).

Uma refutação à objeção de Miller é que, enquanto há funções específicas de proteínas individuais antes que elas formem juntas e se tornem um flagelo bacteriano – assim como pode haver funções individuais de algumas das partes de uma ratoeira –, há ainda a dificuldade de explicar como todas as partes individuais formaram-se em conjunto na máquina complexa tipo flagelo. Clipes, anzóis e chaveiros não se coadunam em ratoeiras sem um plano projetado e, ainda, alega-se que as inter-relações das proteínas elementares que compõem o motor flagelar têm superfícies que são muito menos adequadamente combinadas, se integrada de forma aleatória, do que as partes da ratoeira. Alem disso, nesse momento somente dez por cento das 40 partes de motor do flagelo são encontradas em outras estruturas da celula, e assim as outras partes do sistema carecem de uma explicação darwiniana (BEHE, 2007).

Evidente que se pode responder que a observação de que não existe nenhuma explicação naturalista atual para as inter-relações das proteínas, ou para as outras partes do sistema, ou para a sua união, não implica que não há nenhuma tal explicação. E isso nos leva de volta à objeção 1, que o argumento do design inteligente se baseia em certos pressupostos filosóficos em vez de inferência científica.

Para uma crítica mais avançada do argumento do Design veja John Leslie Mackie (1994), El Milagre del Teísmo, nas páginas 83-102. Um excelente vídeo que retrata uma batalha jurídica que ocorreu em Dover, nos Estados Unidos, sobre o ensino da evolução e do design inteligente e o documentário “Dia do julgamento: Design Inteligente no banco dos réus”, disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ngyqGn1Ldd0>. Veja também o debate “Criacionismo x Evolucionismo” da SESC TV, mediado por Mario Cortella, disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=53JrgU1-W78>.

Page 186: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

186

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Atividades de Estudos:

1) Vários argumentos teleológicos foram formulados ao longo dos anos para evidenciar a existência divina. Normalmente os argumentos podem ser expostos em uma serie de premissas seguidas de uma conclusão. Veja o seguinte argumento: 1 - Artefatos (como um relógio), com suas configurações de meios para fins, são os produtos de desígnios (humanos); 2 - As obras da natureza, tais como a mão humana, se assemelham a artefatos; 3 - Assim, as obras da natureza são, provavelmente, os produtos de desígnio; 4 - Alem disso, as obras da natureza são muito maiores em número e maiores em complexidade; 5 - Por isso, as obras da natureza foram, provavelmente, os produtos de um grande designer – muito mais poderoso e inteligente do que um designer humano. Assinale abaixo a alternativa correta sobre qual foi o argumento descrito acima.

a) Argumento Teleológico do Ajuste Fino.b) Argumento do Desígnio de Paley.c) Argumento da Razão Suficiente.d) Argumento do Design Inteligente.

Algumas ConsideraçõesComo vimos neste capítulo, alguns fenômenos dentro da natureza exibem

tal singularidade e complexidade de estrutura, função ou interconexão que muitas pessoas acharam natural - se não inescapável - ver uma mente deliberativa e diretiva por trás desses fenômenos. A mente em questão, antes da própria natureza, geralmente é considerada como sobrenatural. Pensadores filosoficamente inclinados têm historicamente e no presente trabalhado para moldar a intuição relevante em uma inferência mais formal, logicamente rigorosa. Os argumentos teístas resultantes, em suas diversas formas lógicas, compartilham um foco no plano, propósito, intenção e design e por isso são classificados como argumentos teleológicos ou, frequentemente, como argumentos de ou para o design.

Page 187: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

187

Argumentos Teleológicos da Existência Divina Capítulo 5

Apesar de ter desfrutado alguns defensores proeminentes ao longo dos seculos, tais argumentos, como demonstrado aqui, tambem atraíram serias críticas de vários grandes pensadores históricos e contemporâneos. Tanto os críticos como os defensores são encontrados não só entre os filósofos, mas também provêm de disciplinas científicas e de outras disciplinas.

A questão e por que os argumentos do design permanecem tão duradouros se a evidência empírica e inferencialmente ambígua, os argumentos logicamente controversos e as conclusões disputadas? Uma possibilidade e que eles são realmente melhores argumentos do que a maioria dos críticos filosóficos admitem. Outra possibilidade e que as intuições de design não dependem de inferências. A situação pode ser paralela à da existência de um mundo externo, a existência de outras mentes e uma série de outros assuntos familiares. Uma série de figuras proeminentes historicamente de fato considerou que poderíamos determinar de forma mais ou menos perceptiva que várias coisas na natureza eram candidatas a atribuições de design. Poderíamos ate mesmo dizer que as intuições do design estão incorporadas em nosso pensamento quase que naturalmente. De fato, as estruturas de design parecem, para muitos, fazer parte do próprio tecido da própria ciência, o que poderia conduzir muitos a argumentar que a ciência começou como uma consequência da teologia, e todos os cientistas, ateus ou teístas aceitam uma visão de mundo essencialmente teológica. Tudo isso sugere a alguns que estamos lidando com uma categoria diferente de formação e aquisição de crenças. E tambem sugere que o pensamento do design pode ser natural para nossos tipos de intelecto.

De qualquer modo, a percepção e a apreciação da complexidade incrível e a beleza das coisas na natureza - seja biológica ou cósmica - tem certamente inclinado muitos para pensamentos de propósito e design na natureza e constituiu importantes momentos de afirmação para aqueles que já aceitam posições de design. O status dos argumentos correspondentes, e claro, não e apenas uma questão de disputa atual, mas o status da disputa parece estar em ascensão. E, independentemente do que se pensa dos argumentos neste ponto, desde que a natureza tenha o poder de nos mover, as convicções e os argumentos do design provavelmente não desaparecerão silenciosamente.

ReferênciasBARROW, John; TIPLER, Frank. The anthropic cosmological principle. Oxford: Oxford University Press, 1988.

Page 188: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

188

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

BEHE, Michael J. Irreducible Complexity: Obstacle to Darwinian Evolution. Professorenforum-Journal, v. 8, n. 3, 2007. Disponível em: <http://www.professorenforum.de/uploads/tx_news/irreducible-complexity.pdf>. Acesso em: 3 jun. 2017.

______. A mouse trap defended: a response to critics. The True. Origin Archive: exposing the Myth of Evolution. Discovery Institute, 2000. Disponível em: <http://www.trueorigin.org/behe05.php>. Acesso em: 10 maio 2017.

______. A caixa preta de Darwin: o desafio da bioquímica à teoria da evolução. Trad. Ruy Jungman. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

BIZZO, Nelio. Darwin e o rompimento com a teologia natural de Paley. Brazilian Geographical Journal: Geosciences and Humanities research medium. v. 1, p. 21-32, 2010. Disponível em: <http://www.seer.ufu.br/index.php/braziliangeojournal/article/view/8175/5234>. Acesso em: 25 maio 2017.

______. Darwin e o fim da adaptação perfeita dos seres vivos: a superação da visão teológica de Paley e o princípio da divergência. FilosofiaeHistóriada Biologia, v. 2, p. 351-367, 2007. Disponível em: <http://www.abfhib.org/FHB/FHB-02/FHB-v02-21-Nelio-Bizzo.pdf>. Acesso em: 26 maio 2017.

BRAUNSTEIN, Guilherme Kunde. Continuidade entre problemas na “Teologia Natural” de William Paley e na “Origem das Espécies” de Charles Darwin. 2014. Monografia (Bacharel em Ciências Biológicas). Instituto de Biociências. Departamento de Genetica. Universidade Federal do Sul, Porto Alegre, 2014. Disponível em: <http://hdl.handle.net/10183/109790>. Acesso em: 29 maio 2017.

BURKHARDT, Frederick; EVANS, Samantha; PEARN, Alison (Orgs.). A evolução: cartas seletas de Charles Darwin 1860-1870. Trad. de Alzira Vieira Allegro. São Paulo: UNESP, 2009.

COLLINS, Robin. The teleological argument. In: MEISTER, Chad; COPAN, Paul (Eds.). The Routledge Companion to Philosophy of Religion. London: Routledge, 2013. p. 411-421.

______. A scientific argument for the existence of God: the fine-tuning design argument. In: MURRAY, Michael J. Reason for the hope within. Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans Publishing, 1999. p. 47-75.

COMITTI, V. S. Princípio antrópico cosmológico. Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 33, n. 1, 1504, 2011. Disponível em: <http://www.

Page 189: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

189

Argumentos Teleológicos da Existência Divina Capítulo 5

sbfisica.org.br/rbef/pdf/331504.pdf>. Acesso em: 13 maio 2017.

CRAIG, William Lane. O multiverso e o argumento do projeto. Trad. de Marcos Vasconcelos. Reasonable Faith, Q & A, n. 14, 23 de jul. 2007. Disponível em: <http://www.reasonablefaith.org/portuguese/o-multiverso-e-o-argumento-do-projeto>. Acesso em: 26 maio 2017.

DARWIN, Charles. A origem das espécies. Trad. de Ana Afonso. Leça da Palmeira: Planeta Vivo, 2009.

DAWKINS, Richard. O Relojoeiro Cego: A Teoria da Evolução contra o Desígnio Divino. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

DEMBSKI, William A. Diseño Inteligente: um puente entre la ciencia y la tecnologia. Trad. Daniel Andres Diaz. Miami: VIda, 2005.

______. Explaining Specified Complexity. Metanexus: The Online Fórum on Religionand Science. 13 set. 1999. Disponível em: <http://www.metanexus.net/essay/explaining-specified-complexity>. Acesso em: 3 jun. 2017.

DESMOND, Adrian; MOORE, James. Darwin: a vida de um evolucionista atormentado. Trad. Renato Azevedo. 5. ed. São Paulo: Geração Editorial, 2007.

FERRAZ, Marília Côrtes de. Existência de Deus, natureza divina e a experiência do Mal nos Diálogos de Hume. 2012. 192 f. Tese (Doutorado em Filosofia). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Filosofia. Universidade de São Paulo: SP, 2012. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8133/tde-31082012-112634/publico/2012_MariliaCortesDeFerraz_VRev.pdf>. Acesso em: 12 maio 2017.

FUTUYAMA, Douglas. Biologia evolutiva. Trad. Iulo Feliciano Afonso. 3. ed. Ribeirão Preto: FUNPEC, 2009.

GILLESPIE, Neal. Charles Darwin and the problem of creation. Chicago, IL: University of Chicago Press, 1979.

GOULD, Stephen Jay. Darwin e Paley encontram a Mão Invisível. In: _______. Dedo Mindinho e seus Vizinhos: Ensaios de História Natural. Tradução de Sergio Flaksman. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

GREENE, Brian. O universo elegante: supercordas, dimensões ocultas e a busca da teoria definitiva. Trad. José Viegas

Page 190: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

190

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Filho. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

HORVATH, Jorge et al. Cosmologia física: do micro ao macrocosmos e vice-versa. São Paulo: Ed. Livraria da Física, 2007.

HUME, David. Diálogos sobre a religião natural. Trad. Jose Oscar de Almeida Marques. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

LAUX, Evelise Rosane Treptow. Do argumento do desígnio: David Hume. 2010. 88 f. Dissertação (Mestre em Filosofia). Universidade Católica do Rio Grande do Sul: Porto Alegre, 2010. Disponível em: <http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/2010/artigos_teses/2011/filosofia/dissertacao/hume_evelise.pdf>. Acesso em: 13 maio 2017.

LIMA FILHO, Maxwell Morais. A crítica de Darwin ao argumento teleológico de Paley. In: MAIA, Antonio Glaudenir Brasil; OLIVEIRA, Geovani Paulino (Orgs.). Filosofia,religiãoesecularização. Porto Alegre: Editora Fi, 2015. p. 84-108/ Disponível em: <http://media.wix.com/ugd/48d206_de70e326d1ea48509ced8df82cecf15e.pdf>. Acesso em: 2 jun. 2017.

MACKIE, John Leslie. El milagro del teísmo: argumentos a favor y en contra de la existencia de Dios. Madrid: Tecnos, 1994.

MARTIN, Michael (Ed.). Introducción al ateísmo. Trad. Sandra Chaparro Martinez. Madrid: AKAL, 2010.

MAYR, Ernst. O que é a evolução. Trad. Ronaldo Sergio de Biasi e Sergio Coutinho de Biasi. Rio de Janeiro: Rocco, 2009.

McDONALD, John H. A reducibly complex mouse trap. Department of biological Sciences, University of Delaware, 14 mar. 2011. Disponível em: <http://udel.edu/~mcdonald/mousetrap.html>. Acesso em: 30 maio 2017.

McGRATH, Alister. Fundamentos do Diálogo entre Ciência e Religião. Tradução de Jaci Maraschin. São Paulo: Edições Loyola, 2005.

MILLER, Kenneth R. The Flagellum Unspun: The Collapse of “Irreducible Complexity”. In: DEMBSKI, William A.; RUSE, Michael (Eds.). Debating Design: from Darwin to DNA. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. p. 81-97

______. The flaw in the mouse trap. Natural History, p. 75, abr. 2002. Disponível em: <http://www.evcforum.net/RefLib/NaturalHistory_200204_Miller.html>. Acesso em: 3 jun. 2017.

Page 191: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

191

Argumentos Teleológicos da Existência Divina Capítulo 5

MORAN, Laurence. Evolução é um fato e uma teoria. 1993. Disponível em: <http://www.darwin.bio.br/?p=75>. Acesso em: 29 jul. 2015.

O’CONNOR, Robert. The Design inference. In: MANSON, Neil A. Godand Design: the teleological argument and modern science. London: Routledge, 2003. p. 66-88.

PALEY, William. Natural Theology: evidence of the existence and attributes of the deity, collected from the apperances of nature. Oxford: Oxford University Press, 2006.

______. Teología natural: demonstracion de La existência y de los atributos de la Divindad: fundada em los fenómenos de la naturaleza. Trad. Joaquín Lorenzo Villanueva Estengo. Londres: Ackermann and Strand, 1825. Disponível em: <https://books.google.com.br/books?id=hQVeAAAAcAAJ&hl=pt-BR&source=gbs_navlinks_s>. Acesso em: 26 maio 2017

POLKINGHORNE, John. O princípio antrópico e o debate entre ciência e religião. Trad. de Guilherme V. R. de Carvalho. Faraday Paper, n. 4, abr. 2007. Disponível em: <https://www.faraday.st-edmunds.cam.ac.uk/resources/Faraday%20Papers/Faraday%20Paper%204%20Polkinghorne_PORT.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2017.

RIDLEY, Mark. Evolução. Trad. Henrique Ferreira, Luciane Passaglia, Rivo Fischer. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.

RUSE, Michael. Charles Darwin. Trad. Elena Marengo. Buenos Aires: Katz Editores, 2008.

SILVA, Marcos Rodrigues da. Hume e o argumento do desígnio. Kriterion, Belo Horizonte, n. 113, p. 115-130, jun. 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/kr/v47n113/31144.pdf>. Acesso em: 30 maio 2017.

SWINBURNE, Richard. The existence of God. Oxford: Clarendon Press, 1979.

TENNANT, Frederick Robert. Philosophical Theology. v. 2: the world, the soul, and God. Cambridge: Cambridge University Press, 1956.

TORTORA, Gerard J.; FUNKE, Berdell R.; CASE, Christine L. Microbiologia. 10. ed. Porto Alegre: Artmed, 2012.

VALLE, Gabriel. FilosofiaIndiana. São Paulo: Loyola, 1997.

Page 192: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

192

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Page 193: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

CAPÍTULO 6

Argumentos Ontológicos da Existência Divina

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem:

� Compreender os argumentos teístas ontológicos da existência divina, clássicos e contemporâneos;

� Identificar as objeções antiteístas aos argumentos ontológicos da existência divina;

� Comparar os argumentos teístas ontológicos de Anselmo e de Alvin Plantinga;

� Analisar as objeções antiteístas aos argumentos de Anselmo e de Alvin Plantinga.

Page 194: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

194

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Page 195: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

195

Argumentos Ontológicos da Existência Divina Capítulo 6

ContextualizaçãoNos dois últimos capítulos examinamos os argumentos cosmológicos e

teleológicos. Ambos focados em alguma característica do universo, concluíram que Deus deve ser postulado como a explicação para estas características (argumento cosmológico) ou que estas apontam para um designer do universo (argumento teleológico). Estes argumentos são a posteriori, pois são baseados em premissas que podem ser conhecidas somente pela experiência do mundo. Outro tipo de argumento tenta demonstrar que a não existência de Deus e impossível – este e o argumento ontológico. É bem singular entre os argumentos tradicionais para a existência de Deus, na medida em que e um argumento a priori, pois está baseado em premissas que supostamente podem ser conhecidas independentemente da experiência do mundo.

O argumento ontológico tem atormentado os filósofos – ateus e não teístas igualmente – por seculos. Existem diferentes versões do argumento, e estaremos incluindo aqui o que são, talvez, duas de suas mais fortes formulações: o argumento clássico de Anselmo e o argumento contemporâneo de Plantinga.

Argumento ontológico: deriva dos termos gregos ontos (ser) e logos (narrativa racional). O argumento ontológico, desenvolvido pela primeira vez por Santo Anselmo de Cantuária, assume uma variedade de formas. O tema comum entre eles e que eles começam a priori – procedendo a partir do mero conceito de Deus – e concluem que Deus deve existir.

O Argumento Ontológico de AnselmoUm dos pensadores mais criativos da Idade Media foi Santo Anselmo de

Cantuária (1033-1109). Ele era tanto um monge devoto quanto um apologista da ortodoxia cristã, e todos os seus escritos são centrados sobre a teologia cristã – para explicá-la ou defendê-la. Dois de seus livros, o Monologion (1988) e o Proslogion (2008), incluem argumentos para a existência de Deus. No primeiro trabalho, os argumentos de Anselmo são complexos e provavelmente não muito eficazes em convencer os outros de suas conclusões. No Proslogion ele procura:

um único argumento que não necessitasse de nenhum outro para se demonstrar, e que bastasse por si mesmo para garantir que Deus existe verdadeiramente, que ele e o Sumo Bem, sem nada de outra coisa precisar, do qual todas as coisas têm ne-cessidade para existir, e bem existir [...] (ANSELMO, 2008, p. 7).

Page 196: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

196

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Anselmo desejava um argumento que não fosse falhar em convencer os outros de sua verdade, e ele acreditava que ele tinha feito isso com o argumento ontológico. Este argumento foi desenvolvido pela primeira vez por Anselmo no Livro II de sua Proslogion, e alguns têm argumentado que ele apresenta diferentes versões dele nos Livros II e III. Para os nossos propósitos, vamos concentrar-nos no argumento, tal como apresentado no Livro II, um comentário reflexivo sobre uma passagem do livro de Salmos do Antigo Testamento em que se lê "Disse o nescio no seu coração: Não há Deus" (SALMOS 14.1, ACF – BÍBLIA, 1994).

Assim, pois, Senhor, tu que dás a inteligência da fe, dá-me, tanto quanto aches bem, que eu compreenda que tu existes como nós <o> acreditamos e que tu és o que nós acreditamos. Nós acreditamos, com efeito, que tu es “alguma coisa maior do que a qual nada pode ser pensado”. Será que não existe uma tal natureza, uma vez que o “insensato disse no seu coração: ‘Deus não existe’”? Mas certamente este mesmo insensato, quando ouve isto que eu digo – ‘alguma coisa maior do que a qual nada pode ser pensado’ –, compreende o que ouve, e o que ele compreende existe na sua inteligência, mesmo se ele não compreende que isso existe <na realidade>. Porque uma coisa e que certa realidade esteja no intelecto, outra e compre-ender que tal realidade existe. De facto, quando um pintor pen-sa antes o que vai fazer, tem na inteligência o que ainda não fez, mas de modo nenhum compreende que exista o que ainda não fez. Pelo contrário, quando já o pintou, tem na inteligên-cia o que já fez e compreende que isso existe <na realidade>. Mesmo o insensato está, pois, convicto de que “alguma coisa maior do que a qual nada pode ser pensado” existe pelo menos no intelecto: porque ele compreende-o quando o ouve, e tudo o que e compreendido existe no intelecto.

Mas, sem dúvida, “aquilo maior do que o qual nada pode ser pensado” não pode existir unicamente no intelecto. Se, na ver-dade, existe pelo menos no intelecto, pode pensar-se que exis-ta tambem na realidade, o que e ser maior. Se, pois, “aquilo maior do que o qual nada pode ser pensado” existe apenas no intelecto, então “aquilo mesmo maior do que o qual nada pode ser pensado” e “algo maior do que o qual algo pode ser pensado”. Mas isto, <como é evidente>, é claramente impossí-vel. Existe, pois, sem a menor dúvida, “alguma coisa maior do que a qual nada pode ser pensado” tanto no intelecto como na realidade (ANSELMO, 2008, p. 12).

Santo Anselmo de Cantuária (1033-1109) foi um dos principais pensadores cristãos do seculo XI. Ele era o arcebispo de Cantuária e se opôs às Cruzadas, enquanto mantinha seu posto. Ele e mais conhecido hoje por seu argumento ontológico, mas seu trabalho na teologia natural e na teologia filosófica vai bem além disso. Ele

Page 197: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

197

Argumentos Ontológicos da Existência Divina Capítulo 6

tambem desenvolveu outros argumentos para a existência de Deus e escreveu sobre assuntos tais como a natureza de Deus, a encarnação, o livre-arbítrio, o pecado e a redenção. Seus trabalhos incluem o Monologion, o Proslogion e o Cur Deus homo (Por que Deus se fez homem?).

A escrita aqui e um pouco evasiva e, assim, presta-se a diferentes interpretações (OPPY, 2007; UCKELMAN, 2013). Aqui está uma forma de explicar o argumento:

1) Todo mundo (ate mesmo o ateu) e capaz de entender pelo termo "Deus" um ser do qual nenhum maior pudesse ser concebido.

2) Assim, um ser, do qual nenhum maior pode ser concebido, existe na mente (ou seja, no entendimento) quando se ouve falar de tal ser.

3) Podemos conceber um ser do qual nenhum maior pode ser concebido que existe tanto na mente e na realidade.

4) Existir na realidade e maior do que a existir somente na mente.5) Se, portanto, um ser, do qual nenhum maior pode ser concebido, existe

somente na mente e não na realidade, não e um ser do qual nenhum maior pode ser concebido.

6) Portanto, um ser do qual nenhum maior pode ser concebido existe na realidade.

Vamos descompactar o argumento. Primeiro, a premissa 1 e bastante simples. Não está fazendo quaisquer afirmações sobre se Deus existe ou não. Está simplesmente alegando que qualquer pessoa racional deve ser capaz de entender o que se quer dizer quando se define Deus como um ser do qual nenhum maior pode ser concebido (ou seja, o maior ser que se possa imaginar). Negar que Deus existe e negar que existe um ser do qual nenhum maior pode ser concebido. Parece que ate mesmo um ateu poderia, ao menos, conceder a Anselmo esta definição.

A segunda premissa está levantando o ponto de que em certo sentido um ser do qual nenhum maior pode ser concebido existe na mente daquele que entende o conceito. A fim de afirmar ou negar a existência de um ser do qual nenhum maior pode ser concebido, é necessário entender o que é que está sendo afirmado ou negado. Então, um ser superior do qual nenhum maior pode ser concebido existe, pelo menos, como uma entidade mental ou um conceito, se este é afirmado ou negado. É importante notar aqui que existem várias maneiras que as coisas podem existir (ou, vários modos de existência):

Qualquer pessoa racional deve ser

capaz de entender o que se quer dizer quando se define

Deus como um ser do qual nenhum maior pode ser

concebido

Page 198: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

198

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

a) na mente, mas não na realidade (exemplos incluem unicórnios, centauros, Papai Noel);

b) na realidade, mas não na mente (tal como uma estrela não descoberta);c) tanto na mente como na realidade (como o autor deste LIVRO, Kevin D. S.

Leyser);d) nem na mente, tampouco na realidade (como a internet em 500 AEC).

A reivindicação na premissa 2 e simplesmente que um ser do qual nenhum maior pode ser concebido existe na mente (e, portanto, existe tanto como a ou como c).

Na premissa 3 a alegação e que podemos entender a noção de um ser do qual nenhum maior pode ser concebido como existindo tanto mentalmente e quanto na realidade (como em c). O autor deste livro existe atualmente tanto na realidade quanto em um conceito ou uma ideia na mente. Assim, tambem, podemos pelo menos conceber Deus como existente na mente e na realidade (mas se Deus realmente existe, na realidade, e uma questão diferente neste ponto). A premissa

4 levanta a questão de que e maior/melhor existir na realidade do que apenas na mente. Esta e claramente uma premissa questionável, e para muitos a solidez do argumento depende disso. Vamos explorar este ponto mais adiante, quando examinarmos a objeção de Kant.

A quinta premissa simplesmente segue a partir da anterior. Se e verdade

que e maior/melhor existir na realidade do que na mente, então um ser que existe apenas na mente não seria o maior ser concebível; afirmar o contrário é contradizer a si mesmo, pois você estaria afirmando que o maior ser possível (um que existe na realidade) não e o maior ser possível. Portanto, somos levados a concluir logicamente que Deus (um ser superior do qual nenhum maior pode ser concebido) existe na realidade.

Podemos entender a noção de um ser do qual nenhum maior pode ser concebido

como existindo tanto mentalmente e quanto na realidade

O próprio Bertrand Russell, quando jovem, foi momentaneamente convencido pelo argumento ontológico. Considere esta declaração: “Lembro o momento preciso, um dia em 1894, quando eu caminhava pela Trinity Lane e vi num clarão (ou achei ter visto) que o argumento ontológico e válido. Tinha saído para comprar uma lata de fumo; no caminho de volta, de repente a joguei para o alto e exclamei, ao pegá-la: ‘Uau, o argumento ontológico e real” (2009, p. 14). Todavia, depois Russell considerou todos os argumentos ontológicos como casos de erros de gramática.

Page 199: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

199

Argumentos Ontológicos da Existência Divina Capítulo 6

As Críticas do Argumento de AnselmoAs críticas foram levantadas contra o argumento ontológico de Anselmo

desde o seu início, mesmo entre os devotos crentes religiosos. Vamos nos concentrar aqui em duas das críticas mais influentes.

a) A maior ilha possível

Uma das primeiras objeções ao argumento ontológico foi oferecida por um dos monges companheiros de Anselmo, Gaunilo de Marmoutiers (c. seculo XI). Gaunilo de Marmoutiers (1988) ofereceu várias objeções ao argumento, mas talvez a mais conhecida e uma objeção baseada na analogia da maior ilha possível. Considere a ideia de uma ilha perfeita – uma ilha que existe, mas foi perdida pela humanidade. Seguindo a mesma estrutura que o argumento de Anselmo descrito acima, podemos construir o seguinte:

1) Todo mundo e capaz de entender pelo termo "ilha perfeita" uma ilha da qual nenhuma maior/melhor pode ser concebida.

2) Então, uma ilha da qual nenhuma maior/melhor pode ser concebida existe na mente (ou seja, no entendimento), quando se ouve falar de uma tal ilha.

3) Podemos conceber uma ilha da qual nenhuma maior/melhor pode ser concebida que existe tanto na mente e na realidade.

4) Existir na realidade e maior do que a existir somente na mente.5) Se, portanto, uma ilha da qual nenhuma maior/melhor pode ser concebida

existe somente na mente e não na realidade, não e uma ilha da qual nenhuma maior/melhor pode ser concebida.

6) Por isso, uma ilha da qual nenhuma maior/melhor pode ser concebida existe na realidade.

Esta estrategia da ilha perdida de Gaunilo e chamada de um argumento reductio ad absurdum. É uma forma de argumento em que você (1) assume uma posição para o bem do argumento, (2) segue a estrutura do argumento e deriva um resultado absurdo ou ridículo, e (3), em seguida, conclui que a estrutura do argumento original deve ter sido errada, pois ela conduziu a uma conclusão absurda. Gaunilo de Marmoutiers (1988, p. 116) conclui sua refutação desta forma:

Se, digo, essa pessoa presumisse, com semelhante raciocínio, que eu devesse admitir a existência real daquela ilha, acredita-ria que estivesse brincando, ou não saberia distinguir qual de nós dois eu deveria julgar mais estulto: se a mim, que prestei fe nas suas palavras, ou se a ela, caso estivesse convencida de ter colocado sobre bases sólidas a existência da ilha sem primeiro constatar se essa superioridade e, verdadeiramente e sem sombra de dúvida, real, de modo que não suscite na minha inteligência um conceito falso e incerto.

Esta estratégia da ilha perdida de

Gaunilo é chamada de um argumento

reductio ad absurdum.

Page 200: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

200

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Seu ponto, obviamente, e que o argumento da ilha perfeita não prova na verdade que tal ilha existe – seria absurdo acreditar que há uma ilha perfeita –, portanto, este argumento deve ser falho. E, uma vez que o argumento ontológico de Anselmo segue a mesma estrutura básica, este tambem deve ser falho. Anselmo oferece a sua própria resposta a Gaunilo:

Em toda confiança respondo-te que se alguém consegue encontrar-me um ser — excetuando "aquele do qual não se pode pensar [conceber] nada maior" — existente na realida-de ou apenas no pensamento, ao qual seja possível aplicar congruentemente a minha argumentação, eu encontrarei com certeza a Ilha Perdida e a entregarei a essa pessoa, de modo que nunca mais há de perdê-la. Contudo, parece estar já cla-ro que não e possível pensar [conceber] como não existente “o ser do qual não e dado pensar nada maior", porque a sua existência alicerça-se numa razão segura e verdadeira. Se as-sim não fosse, não existiria de maneira nenhuma (ANSELMO, 1988, p. 120).

O argumento de Anselmo e que, ao contrário de um ser do qual nada maior pode ser concebido, a maior ilha possível não e algo que se pode "descobrir" ao seguir sua linha de raciocínio. Anselmo parece implicar aqui que ele pode conceber uma tal ilha não existindo. Com Deus – aquilo alem do qual nada maior pode ser concebido – e impossível conceber tal ser como não existente. Mas não e assim com a ilha perfeita.

Avaliar a resposta de Anselmo e difícil. Por um lado, não está claro exatamente o que ele quer dizer, nesta resposta concisa, talvez simplista. Alem disso, se ele quer dizer que e possível conceber uma ilha perfeita como não existente, não está claro o que ele quer dizer com "concebível" neste contexto. Em qualquer caso, na avaliação da solidez da refutação de Gaunilo, muito depende do significado da expressão concebível, e continua havendo um debate animado em curso sobre isso. Stephen T. Davis (2003), por exemplo, argumenta que a refutação de

Gaunilo, nessa passagem, não e sólida.

b) A existência não é um predicado

Talvez a objeção mais seria ao argumento ontológico de Anselmo (pelo menos a versão apresentada no Proslogion, livro II) foi levantada por Immanuel Kant (1724-1804). Ele alegou que a existência não e um predicado verdadeiro/real. Veja, por exemplo, em sua Crítica da Razão Pura (2001) a Quarta Seção (Da impossibilidade de uma prova ontológica da existência de Deus). A objeção e levantada contra a premissa 4 (com a premissa 3) no argumento acima e pode ser enunciada da seguinte forma (esta e uma interpretação comum

A existência não é um predicado

de tal forma que é uma propriedade

que pode ser afirmada de uma coisa. Existência

não acrescenta ao conceito de uma coisa; todavia,

a existência é a instanciação de uma

coisa.

Page 201: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

201

Argumentos Ontológicos da Existência Divina Capítulo 6

da objeção de Kant): a existência não e um predicado de tal forma que e uma propriedade que pode ser afirmada de uma coisa. Existência não acrescenta ao conceito de uma coisa; todavia, a existência e a instanciação de uma coisa.

Considere este exemplo. Suponha que você vê um gato andar na sua frente, e que o gato porventura é preto. Quando você faz a alegação de que o gato é preto, você está adicionando uma propriedade (pretidão) ao conceito de um gato. Há outros gatos que não são pretos; não e essencial para o conceito de um gato que este seja preto. Quando você alega que o gato existe, no entanto, você não está adicionando qualquer coisa ao conceito de um gato; você só está dizendo que o conceito de um gato é exemplificado ou instanciado. No argumento de Anselmo, ele está insinuando que a existência e um predicado que acrescenta ao conceito de um ser do qual nada maior pode ser concebido (e maior ter a propriedade de existente do que não tê-la). Mas, argumenta Kant, ao afirmar que algo existe não acrescenta nada ao conceito de um tal ser (ou a qualquer outro conceito); está apenas afirmando que o conceito é instanciado. Portanto, o argumento de Anselmo e falho. Um excelente artigo que explora os limites desta crítica kantiana pode ser encontrado em Xavier (2007).

Em resposta, o seguinte ponto poderia ser feito. Eu posso conceber um gato em particular em minha mente – considere, mais uma vez, o gato Cheshire do meu amigo – e eu posso pensar sobre este gato. Eu posso ter a expectativa de cuidar dele, de acariciá-lo, de alimentá-lo, e assim por diante. Mas eu tambem posso pensar em outro gato, um gato idêntico ao Cheshire em todos os aspectos, exceto um: este gato só existe na minha mente, não na realidade; ele e um gato imaginário. Eu nunca posso realmente cuidar, acariciar ou alimentar este gato, pois ele só existe em minha mente. De fato, parece que há algo maior sobre o primeiro gato – ele realmente existe!

Immanuel Kant (1724-1804) foi um filósofo alemão que é amplamente considerado como um dos pensadores mais importantes na história da filosofia ocidental. Seu trabalho na epistemologia, metafísica, ética e estética influenciou muitos trabalhos na filosofia depois dele. Seus livros principais incluem Crítica da Razão Pura (2001), Religião nos limites da simples razão (1992) e Crítica da Razão Prática (2003).

Page 202: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

202

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Uma refutação e que a existência de Cheshire não acrescentou nada de novo ao conceito de Cheshire; não há diferença de propriedades entre os conceitos do Cheshire existente e do Cheshire não existente, apenas as diferentes maneiras que eles estão relacionados com as nossas experiências. Eu posso realmente alimentar e acariciar o Cheshire existente, mas não ao Cheshire imaginário. Todavia, isso não implica uma nova propriedade. E se a existência não e uma propriedade, ela não pode ser uma propriedade maior. Assim, a quarta premissa do argumento de Anselmo e falsa, e, portanto, o argumento falha.

Para uma visão panorâmica dos argumentos de Anselmo, assim como das objeções que foram levantadas contra ele, veja o artigo de Peter Millican (2004), o capítulo “O argumento Ontológico” de Rowe (2011) e a dissertação de Pereira (2012), verifique nas referências bibliográficas.

O Argumento Ontológico Modal Alvin Plantinga

Recentemente, Alvin Plantinga (1932-) desenvolveu uma versão do argumento ontológico que utiliza a semântica da lógica modal: possibilidade, necessidade e mundos possíveis. Um mundo possível e um mundo que e logicamente possível (ao contrário de, digamos, um mundo que contenha contradições, como um em que João e Maria são mais baixos do que o outro, simultaneamente, ou que há quadrados redondos, ou que 2 + 2 = 5). Assim, ao interpretar o argumento modalmente, Plantinga espera evitar as objeções de Kant de que a existência não e uma propriedade real. Ele formula sua argumentação

tendo em mente que um ser maximamente excelente e aquele que e onisciente, onipotente e moralmente perfeito em todos os mundos possíveis, seu argumento pode ser simplificado e declarado desta forma:

1) É possível que exista um ser que seja maximamente grandioso (um ser que podemos chamar de Deus).

2) Portanto, há um mundo possível em que um ser maximamente grandioso existe.3) Um ser maximamente grandioso e necessariamente maximamente excelente

em todos mundos possíveis (por definição).

Ao interpretar o argumento modalmente,

Plantinga espera evitar as objeções de Kant de que a existência não é uma propriedade

real.

Page 203: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

203

Argumentos Ontológicos da Existência Divina Capítulo 6

4) Uma vez que um ser maximamente grandioso e necessariamente maximamente excelente em todos os mundos possíveis, este ser e necessariamente maximamente excelente no mundo real.

5) Portanto, um ser maximamente grandioso (ou seja, Deus) existe no mundo real.

Graham Oppy (2007) o simplifica ainda mais. Resumidamente ele diria: Digamos que uma entidade e maximamente excelente se ela for onipotente, onisciente e moralmente perfeita. Digamos, ainda mais, que uma entidade e maximamente grandiosa se e somente se ela for maximamente excelente em todos os mundos possíveis. Então o argumento de Plantinga seguiria a seguinte forma: 1. É possível que exista uma entidade maximamente grandiosa; 2. (Portanto) existe uma entidade maximamente excelente (derivado da premissa 1).

Este argumento é formalmente válido (novamente, isso significa que, se as suas premissas são verdadeiras, a sua conclusão deve tambem ser verdadeira). Mas e um argumento sólido? Ou seja, são as suas premissas verdadeiras tambem? O próprio Plantinga não acredita que o argumento fornece prova conclusiva de que Deus existe, pois alguns podem negar a primeira premissa. No entanto, ele afirma que não há nada contrário à razão ou irracional em aceitá-lo (PLANTINGA, 2012). Em um texto posterior, Self-Profile (1985), ele declarou que tinha posto o criterio para o sucesso do argumento elevado demais. E escreveu o seguinte: “o argumento ontológico oferece fundamentos para a existência de Deus tão bons quanto qualquer outro argumento filosófico sério oferece para qualquer conclusão filosófica importante” (1985, p. 71, tradução nossa). Então, enquanto não estabelece a verdade de que Deus exista, ele acredita que, pelo menos, estabelece a sua "aceitabilidade racional".

Para uma introdução à Lógica Modal veja Mortari (2001), especificamente no capítulo 18, e a dissertação de Coscarelli (2008). Gomes (2011) e um excelente artigo que introduz o argumento ontológico modal de Plantinga. Verifique nas referências bibliográficas deste capítulo para acessar às leituras sugeridas. Para uma exposição em vídeo sobre o argumento ontológico de Plantinga e respostas às objeções, veja O Argumento Ontológico para a Existência de Deus de Alvin Plantinga (Uma Introdução), disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=pqY7gYCnBiM>; e veja Respondendo objeções ao argumento ontológico, disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ldU_acK3clE>.

Page 204: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

204

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Vamos tomar as premissas, uma por vez. A primeira premissa afirma que é possível que Deus – um ser maximamente grandioso – existe. O caso de que e possível que tal ser existe e crucial para o argumento, e nós vamos examinar isso mais de perto a seguir, na primeira objeção.

A premissa 2 traz para o argumento a noção de mundos possíveis. Isto, tambem, e uma premissa crucial, e uma para a qual há um desacordo generalizado. Em uma descrição de mundos possíveis, deve-se observar a semântica (semântica tem a ver com os significados dos termos e símbolos), tais mundos não são realidades que na verdade ou literalmente existem independente do nosso pensamento sobre eles; eles são constructos que nos ajudam a pensar e compreender uma serie de conceitos difíceis, como contrafatuais, proposições e propriedades.

Poderíamos pensar em mundos possíveis como uma grande conjunção: a & b & c & d ... (cada conjunção individual representa uma proposição ou alegação). Um mundo possível, então, não e um outro universo, tão real quanto o universo do qual fazemos parte. Pelo contrário, e uma descrição completa da realidade – um conjunto completo de proposições – e existem inúmeras descrições da realidade. Por exemplo, há um mundo possível “a & b & c & d ...” como indicado acima. Mas há também um mundo possível “-a & b & c & d ...” ("-a" significa "não a"), e outro “a & -b & c & d ...”, e ainda um outro “-a & -b & c & -d ...”, e assim por diante. Uma e apenas uma das descrições de mundos possíveis incluirá apenas conjunções verdadeiras e, portanto, retratará o mundo como ele realmente e; ou seja, o mundo real (CRAIG, 2006).

Um mundo possível, então, não é um outro universo,

tão real quanto o universo do qual fazemos parte.

Lógica Modal e um sistema de lógica que utiliza tais expressões modais como “possivelmente” e “necessariamente”. As proposições são verdadeiras ou falsas. Às vezes, porem, uma proposição não e apenas verdadeira, mas necessariamente verdadeira. Outras proposições são falsas, mas possivelmente verdadeiras, e outras, ainda, são falsas e necessariamente falsas. Utilizando estas noções de necessidade e possibilidade, os princípios básicos da lógica modal incluem tais alegações como “se algo e impossível, então e necessariamente falso” e “o que e necessário e ao mesmo tempo verdadeiramente real e possível”. A lógica modal tornou-se uma ferramenta utilizada com frequência na análise formal dos argumentos filosóficos, especialmente na metafísica, na epistemologia e na filosofia da religião.

Page 205: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

205

Argumentos Ontológicos da Existência Divina Capítulo 6

Não há mundo possível que contenha contradições ou que e metafisicamente inconcebível. Por exemplo, não existe um mundo possível, onde tudo nesse mundo e tanto circular quanto retangular ao mesmo tempo, pois ser assim seria uma contradição. Nem há um mundo possível em que o Papa Francisco seja uma cor, pois os seres humanos individuais não podem concebivelmente ser idênticos às cores (claro, o Papa Francisco tem uma cor particular, e o nome "Papa Francisco" poderia ser atribuído a qualquer cor em particular, mas esses fatos fogem do ponto). Alegar, então, que há um mundo possível em que existe um ser maximamente grandioso não e uma alegação de que há algum universo de "carne e sangue" onde Deus está, mas que a proposição “um ser maximamente grandioso existe” consiste em alguma descrição máxima da realidade.

Com a terceira premissa há simplesmente o ponto de que a definição de um ser maximamente grandioso indica que este e necessariamente onisciente, onipotente e moralmente perfeito em todos os mundos possíveis. Descrever um ser maximamente grandioso como sendo algo menos de onisciente, onipotente e moralmente perfeito é interpretar mal o significado de um ser como definido no presente caso.

A premissa 4 tambem está enraizada na semântica de mundos possíveis. Um dos mundos possíveis (ou seja, uma das descrições completas da realidade) e o mundo real. Assim, se um ser maximamente grandioso e necessariamente maximamente excelente em todos os mundos possíveis, este ser e necessariamente maximamente excelente no mundo real.

Finalmente, a conclusão decorre logicamente das anteriores: um ser maximamente grandioso existe no mundo real.

Objetivo ao Argumento Modal de Plantinga

Uma serie de objeções foram levantadas contra as versões modais do argumento ontológico. Vamos examinar brevemente três destas.

Objeção 1: A existência de deus é uma impossibilidade lógica ou metafísica

Em relação à premissa 1, e possível que um ser maximamente grandioso exista? Alguns acreditam que não o e – que e impossível que exista um ser maximamente grandioso ou excelente. Por exemplo, como veremos no capítulo 7 deste livro, pode-se argumentar que a presença do mal e do sofrimento no

Não há mundo possível que

contenha contradições ou que é metafisicamente

inconcebível.

Page 206: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

206

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

mundo refuta, ou pelo menos conta fortemente contra, a existência de um ser que e onisciente, onipotente e moralmente perfeito. Tem sido argumentado que as duas proposições, “Deus existe” e “o mal existe”, são contradições lógicas. Se isso e verdadeiro, e se o mal existe, então não há nenhum mundo possível em que Deus exista.

Em sua forma mais simples, o problema e este: Deus e oni-potente; Deus e totalmente bom; e, todavia, o mal existe. Pa-rece haver alguma contradição entre essas três proposições, de sorte que, se quaisquer duas delas fossem verdadeiras, a terceira seria falsa. Porem, ao mesmo tempo, todas as três são partes essenciais da maior parte das posições teológicas: o te-ólogo, assim parece, a uma só vez deve aderir e não pode con-sistentemente aderir a todas as três (MACKIE, 2010, p. 684).

Outras razões tambem foram oferecidas para demonstrar que simplesmente não e possível que um ser maximamente grandioso possua as propriedades tradicionalmente atribuídas a Deus, inclusive que tais propriedades são internamente contraditórias (RUNDLE, 2013). Por exemplo, tem-se argumentado que a onisciência divina contradiz a perfeição divina (a onisciência e a perfeição são dois

atributos comumente atribuídos a Deus). O argumento pode ser posto desta forma (MICHELETTI, 2007; KENNY, 2003; GRIM, 2010):

1) Um ser perfeito não está sujeito a alterações.2) Um ser perfeito sabe/conhece tudo.3) Um ser que sabe/conhece tudo sempre sabe que horas são.4) Um ser que sabe/conhece sempre qual e a hora está sujeito a alterações.5) Um ser perfeito e, portanto, sujeito a mudanças.6) Um ser perfeito não e, portanto, um ser perfeito.7) Portanto, não há ser perfeito.

As respostas podem ser oferecidas, tais como que a premissa 1 e falsa. Mas essa objeção à coerência divina, assim como outras, está disponível na literatura na tentativa de demonstrar a impossibilidade de existência de Deus.

Tem-se argumentado que

a onisciência divina contradiz a perfeição

divina

Veja o texto de Craig (2014) para algumas respostas às objeções. E o livro de Michael Martin (2010) para outras objeções.

Page 207: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

207

Argumentos Ontológicos da Existência Divina Capítulo 6

Objeção 2: Um problema com a semântica dos mundos possíveis

Uma questão importante no que diz respeito aos argumentos modais como este e se a lógica modal utilizada e o tipo apropriado de lógica para possibilidades metafísicas. Alguns argumentam que não o e (MURCHO, 2002; CID, 2010). Outro ponto a considerar e que, enquanto nós podemos concordar que o mundo real existe, não existe um acordo universal sobre o papel ontológico ou funcional que os mundos possíveis devem desempenhar nas discussões metafísicas. Considere este exemplo. Jane Austen poderia ter escrito um livro sobre a escravidão na Inglaterra no seculo XVIII. Ou ela poderia ter escrito um livro sobre a Guerra de Troia. Mas será que o fato de que ela poderia ter escrito esses livros implica que eles realmente existem em um mundo possível? O que significaria dizer que eles assim o fazem? Você não pode tocar esses livros; você não pode ler esses livros; você não pode ate mesmo ver esses livros. Não há nada que você possa fazer com estes livros porque eles não são reais; eles não existem. Assim, parece estranho dizer que eles existem em um mundo possível.

Se uma das razões para que os romances de Jane Austen sobre a escravidão e a Guerra de Troia não existem e porque nada existe em um mundo possível, então seria falsa a afirmação de que Deus (ou seja, um ser maximamente grandioso) existe em um mundo possível. E se Deus não existe em um mundo possível, então a premissa 2 do argumento de Plantinga e falsa, e o argumento e infundado (GOMES, 2011).

Objeção 3: O problema das fadas, fantasmas, gremlins e unicórnios

Por fim, Michael Martin (1932-2015) argumentou que o argumento modal de Plantinga pode ser parodiado de tal forma que se você o afirmar acaba também afirmando a existência de criaturas míticas. Ele começa definindo a propriedade de ser de uma fada especial como sendo uma pequena criatura da floresta com poderes mágicos em todos os mundos possíveis. Modificando o seu argumento para corresponder ao argumento ontológico de Plantinga como descrito acima, ele e executado da seguinte forma (MARTIN, 1990):

1 ) É possível que uma fada especial exista.2 ) Portanto, há um mundo possível em que existe uma fada especial.3 ) Uma fada especial é necessariamente uma pequena criatura da floresta com

poderes mágicos em todo mundo possível (por definição).

Enquanto nós podemos concordar

que o mundo real existe, não

existe um acordo universal sobre o

papel ontológico ou funcional que os

mundos possíveis devem desempenhar

nas discussões metafísicas.

Page 208: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

208

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

4 ) Desde que uma fada especial e necessariamente uma pequena criatura da floresta com poderes mágicos em todos os mundos possíveis, esta fada é necessariamente uma pequena criatura da floresta com poderes mágicos no mundo real.

5 ) Por isso, uma fada especial existe no mundo real.

O argumento de Martin e que a premissa 1 ‘ não e mais contrária à razão do que a premissa 1, então se nós afirmamos 1 e concluímos que 5 é racionalmente aceitável, devemos também afirmar 1 ‘ e concluir que 5 ‘ é racionalmente aceitável. Seguindo a mesma linha de argumentação, tambem temos de concluir que fantasmas, gremlins e unicórnios especiais, assim como inúmeras outras criaturas míticas, tambem existem.

Em resposta, pode-se argumentar que a premissa 1 ‘ e claramente contrária à razão ao passo que a premissa 1 não o e, pois não e possível que uma fada especial exista desde que fadas são objetos presumivelmente físicos (ou essencialmente conectadas aos objetos físicos). Mas nenhum objeto físico pode ser um ser necessário, uma vez que e possível que não existam objetos físicos em absoluto. Desde que o ser maximamente excelente de Plantinga não e necessariamente um objeto físico, a objeção de Martin não se aplica ao argumento de Plantinga (DAVIS, 2003). É interessante notar que esta refutação e similar, em aspectos importantes, à refutação de Anselmo a Gaunilo. A história de fato se repete.

Michael Martin (1932-2015) foi um filósofo analítico, ateu e Professor Emerito da Universidade de Boston. Seu trabalho focou principalmente na filosofia da religião e publicou numerosos artigos e livros que defendem o ateísmo e respondem aos argumentos a favor da existência de Deus. Ele escreveu Um mundo sem Deus: ensaios sobre o Ateísmo (2010) e Atheism: a philosophical justification (1990).

Atividades de Estudos:

1) Vários argumentos ontológicos foram formulados ao longo dos anos para evidenciar a existência divina. Normalmente, os argumentos podem ser expostos em uma serie de premissas seguidas de uma conclusão. Veja o seguinte argumento: 1 - É

Page 209: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

209

Argumentos Ontológicos da Existência Divina Capítulo 6

possível que uma fada especial exista; 2 - Portanto, há um mundo possível em que existe uma fada especial; 3 - Uma fada especial é necessariamente uma pequena criatura da floresta com poderes mágicos em todo mundo possível (por definição); 4 - Desde que uma fada especial e necessariamente uma pequena criatura da floresta com poderes mágicos em todos os mundos possíveis, esta fada e necessariamente uma pequena criatura da floresta com poderes mágicos no mundo real; 5 - Por isso, uma fada especial existe no mundo real. Assinale abaixo a alternativa correta sobre qual foi o argumento descrito acima.

a) Argumento da Contradição entre Onisciência divina e Perfeição divina.

b) Argumento Ontológico Modal de Alvin Plantinga.c) Argumento Ontológico de Anselmo.d) Argumento de Michel Martin.

Algumas ConsideraçõesExiste um argumento para a existência de Deus que equivale à prova

conclusiva?

Como vimos neste capítulo, Anselmo pensou que ele havia descoberto tal prova e propôs-a no que veio a ser conhecido como o Argumento Ontológico. Não surpreendentemente, seu argumento suscitou interesse e controversia na epoca. O fato de que continuou a fazê-lo durante os seculos ate o presente momento e evidência da importância do assunto e do fascínio das questões intelectuais envolvidas.

O Argumento Ontológico de São Anselmo e certamente um dos argumentos

mais audaciosos da história da filosofia ocidental, pode até ser o mais audacioso, e também um dos mais desconcertantes. Alguns filósofos, como vimos, chegam a desprezar tal argumento, tal como Santo Tomás de Aquino o fez. Outros pensaram que o tinham refutado, Immanuel Kant pensou que tinha feito isso. Muitos filósofos tentaram ignorá-lo, mas é difícil para um filósofo sério ignorar as reivindicações de um motivo de raciocínio tão ousado e elegante.

Page 210: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

210

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Vimo neste capítulo que outros filósofos desenvolveram sua própria versão do argumento de Anselmo. Algumas dessas versões são bastante rudimentares, outras são muito sofisticadas. No século XVII, todos os filósofos racionalistas de renome, incluindo Descartes, Malebranche, Leibniz e Spinoza, promoveram alguma versão ou outra do argumento. Nos três seculos seguintes, o argumento sofreu períodos de negligência quase completa. Mas, após cada período de negligência, o argumento sempre foi reconduzido, redefinido e re-criticado.

O argumento ontológico certamente não e negligenciado hoje. Provavelmente

nenhum outro argumento para a existência de Deus - na verdade, para a existência de qualquer coisa - recebeu tanta atenção no último meio seculo, como o argumento ontológico. Com certeza, os detratores do argumento são mais numerosos hoje do que os defensores. Mas os detratores não são obviamente mais agudos, engenhosos ou sábios do que os defensores, essas características podemos perceber em ambo os lados da disputa argumentativa. E, às vezes, um detrator ate chega a se transforma em um defensor, ou vice-versa.

É importante finalizar esclarecendo que o objetivo aqui, ao apresentar

algumas posições teístas e antiteístas com críticas e objeções aos argumentos ontológicos, tal como fizemos nos capítulos anteriores sobre os argumentos para a existência divina, e oferecer um esboço da profunda e vasta literatura da conversação filosófica e epistemológica sobre questões do conhecimento teológico e religioso. Este esboço tem o intuito de ser umponto de partida em direção a mais leituras e reflexões sobre a racionalidade, razoabilidade, justificabilidade, e outros possíveis avais epistêmicos para a crença e para o conhecimento religioso.

ReferênciasANSELMO, Santo. Proslogion seu Alloquium de Dei existential. Trad. Jose Rosa. Covilhã: LusoSofia:press, 2008. Disponível em: <http://www.lusosofia.net/textos/anselmo_cantuaria_proslogion.pdf>. Acesso em: 1 jul. 2017.

______. Monológio. In: ANSELMO, Santo. Santo Anselmo de Cantuária. Trad. Ângelo Ricci, Ruy Afonso da Costa Nunes. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988.

CID, Rodrigo Reis Lastra. Dois tipos de possibilidades metafísicas. Theoria – Revista Eletrônica de Filosofia. v. 2, n. 5, p. 87-94, 2010. Disponível em: <http://www.theoria.com.br/edicao0510/dois_tipos_de_possibilidades_metafisicas.pdf>. Acesso em: 27 maio 2017.

COSCARELII, Bruno Costa. Introdução à Lógica Modal. 2008. Dissertação (Mestrado em Matemática). Instituto de Matemática e Estatística,

Page 211: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

211

Argumentos Ontológicos da Existência Divina Capítulo 6

Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/45/45131/tde-17062009-161423/publico/Coscarelli_IntroducaoLogicaModal.pdf>. Acesso em: 27 maio. 2017.

CRAIG, William Lane. A coerência do teísmo. Trad. Marcos Vasconcelos. Reasonable Faith, Q & A, n. 372, 1 jan. 2014. Disponível em: <http://www.reasonablefaith.org/portuguese/qa-372>. Acesso em 28 maio 2017.

______. O argumento ontológico. In: BECKWITH, Francis J.; CRAIG; William Lane; MORELAND, J. P. (Eds.). Ensaios apologéticos: um estudo para uma cosmovisão cristã. Trad. Jose Fernando Cristófalo. São Paulo: Hagnos, 2006. p. 149-166.

DAVIS, Stephen T. O argumento ontológico. In: COPAN, Paul; MOSER, Paul K. (Eds.). The rationality of theism. London: Routledge, 2003. p. 100-103. Disponível em: <http://allenvaz.blogspot.com.br/2015/05/stephen-t-davis-o-argumento-ontologico.html>. Acesso em: 17 maio 2017.

GOMES, Nelson Gonçalves. O argumento ontológico de Plantinga. Veritas, v. 56, n. 2, p. 47-63, Porto Alegre, maio/ago. 2011.

GRIM, Patrick. Argumentos da Impossibilidade. In: MARTIN, Michael. Um mundo sem Deus: ensaios sobre o ateísmo. Trad. Desiderio Murcho. Lisboa: Edições 70, 2010. p. 154-167. Disponível em: <https://humanoemdemasia.files.wordpress.com/2015/04/impossibility-arguments.pdf>. Acesso em: 13 maio 2017.

KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. Edição Bilíngue. Trad. Valerio Rohden. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

______. Crítica da razão pura. Trad. Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Frandique Morujão. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.

______. A religião nos limites da simples razão. Trad. Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 1992.

KENNY, Anthony. Omniscience, Eternity, and Time. In: MARTIN, Michael; MONNIER, Ricki (Eds.). The impossibility of God. Amherst: Prometheus Books, 2003. p. 210-223.

MACKIE, J. L. Mal e onipotência. In: BONJOUR, Laurence; BAKER, Ann. Filosofia: Textos Fundamentais Comentados. Porto Alegre: Artmed, 2010. p. 683-689.

Page 212: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

212

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

MARMOUTIERS, Gaunilo de. Livro em favor de um insipiente. In: ______. Santo Anselmo de Cantuária. Trad. Ângelo Ricci, Ruy Afonso da Costa Nunes. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988. p. 112-117.

MARTIN, Michael. Um mundo sem Deus: ensaios sobre o ateísmo. Trad. Desiderio Murcho. Lisboa: Edições 70, 2010.

______. The ontological argument. In: MARTIN, Michael. Atheism: a philosophical justification. Philadelphia: Temple University Press,1990. p. 79-95.

MICHELETTI, Mario. Filosofiaanalíticadareligião. São Paulo: Loyola, 2007.

MILLICAN, Peter. The one fatal flaw in Anselm’s argument. Mind, v. 113, n. 451 p. 437-476, jul. 2004. Disponível em: <http://millican.org/papers/2004OntArgMind.pdf>. Acesso em: 20 maio 2017.

MORTARI, Cezar A. Introdução à lógica. São Paulo: UNESP, 2001.

MURCHO, Desiderio. Essencialismo naturalizado. Coimbra: Angelus Novus, 2002.

OPPY, Graham. Ontological arguments and belief in God. Cambridge: Cambridge University Press, 2007.

PEREIRA, Diego Fragoso. Uma interpretação não ontológica do argumento anselmiano de Proslogion. 2012. 145 f. Dissertação (Mestre em Filosofia). Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2012. Disponível em: <http://dspace.c3sl.ufpr.br:8080/dspace/handle/1884/27427?show=full>. Acesso em: 21 maio 2017.

PLANTINGA, Alvin. Self-Profile. In: TOMBERLIN, James E.; INWANGEN, Peter Van (Eds.). Alvin Plantinga. Dordrecht: D. Reidel, 1985. Disponível em: <http://www.andrewmbailey.com/ap/AP_Self_Profile.pdf>. Acesso em: 23 maio 2017.

PLANTINGA, Alvin. Deus, a liberdade e o mal. Trad. Desiderio Murcho. São Paulo: Vida Nova, 2012.

ROWE, William. O argumento ontológico. In: ______. Introduçãoàfilosofiada religião. Trad. Vítor Guerreiro. Lisboa: Verbo, 2011. p. 42-58.

RUNDLE, Bede. Problems with the concept of God. In: MEISTER, Chad; COPAN, Paul (Eds.). The Routledge Companion to Philosophy of Religion. London: Routledge, 2013. p. 468-476.

Page 213: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

213

Argumentos Ontológicos da Existência Divina Capítulo 6

RUSSELL, Bertrand. My mental development. In: ______. The basic writings of Bertrand Russell. Robert E. Egner e Lester E. Denonn (Eds.). London: Routledge, 2009. p. 9-22.

UCKELMAN, Sara L. O argumento ontológico. In: BRUCE, Michael; BARBONE, Steven (Orgs.). Os 100 argumentos mais importantes daFilosofiaOcidental: uma introdução concisa sobre lógica, etica, metafísica, filosofia da religião, ciência, linguagem, epistemologia e muito mais. Trad. Ana Lucia Rocha Franco. São Paulo: Cultrix, 2013. p. 44-46

XAVIER, Leonor Maria. O argumento ontológico: Kant e Santo Anselmo. In: LEONEL, Ribeiro dos Santos (Org.). Kant em Portugal: 1974-2004. Lisboa: CFUL, 2007. p. 447-460.

Page 214: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

214

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Page 215: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

CAPÍTULO 7

Problemas do Mal

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem:

� Compreender os argumentos antiteístas do problema do mal, os clássicose os contemporâneos.

� Identificar as objeções teístas aos argumentos do problema do mal.

� Comparar os argumentos do problema lógico do mal, o probabilístico, o evidencial e o existencial.

� Analisar as teodiceias de Agostinho, a Irinena, a da formação da alma e a do processo e suas respectivas objeções.

Page 216: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

216

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Page 217: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

217

Problemas do Mal Capítulo 7

ContextualizaçãoOnde quer que olhemos no mundo, as pessoas estão sofrendo. Nas favelas,

em Calcutá; em bares, na Irlanda do Norte; nas cidades costeiras, do Equador; nas igrejas, em Nova York; nos campos de arroz, na China; no sertão nordestino, no Brasil; em Serra Leoa, na África; nas ruínas de Alepo, na Síria; e a lista continua. Não há lugar onde a dor esteja ausente, nenhum lugar onde não exista sofrimento humano e animal.

De certa forma, parece que nosso mundo ficou melhor ao longo das eras desde o surgimento do primeiro Homo sapiens no planeta Terra. De fato, tem havido progressos sólidos, especialmente no aproveitamento da natureza. E grande parte da barbárie dos tempos antigos parece ter diminuído em geral. Veja, por exemplo, a pesquisa de Steven Pinker (2013), publicada em sua excelente obra Os anjos bons da nossa natureza: porque a violência diminuiu. O mundo certamente não e uma utopia, ainda não o e, de qualquer maneira. O seculo XX experimentou terríveis atrocidades humanas. Nesse seculo, por exemplo, perto de meio bilhão de pessoas morreram de varíola; mais de 200 milhões de vidas foram desperdiçadas na guerra e no democídio (RUMMEL, 1998), o assassinato de pessoas por um governo; e cerca de 12 milhões morreram de AIDS – a maioria deles nos últimos 15 anos do século XX. As palavras do filósofo Hegel sintetizam o último século: “A história aparece então como o ‘patíbulo onde foram sacrificadas a felicidade dos povos, a sabedoria dos Estados, a virtude dos indivíduos’” (MARCUSE, 2004, p. 202).

Há sempre a esperança de que um novo seculo trará paz, prosperidade e erradicação de males que persistem. A realidade e que esta pode muito bem ser uma esperança inalcançável. A maioria de nós tem o desejo, mas se tivessemos a capacidade de remover a perturbação do mundo, faríamos isso num piscar de olhos. Se tivessemos o poder, o mal e a miseria seriam eliminados de imediato.

Espera! Muitos acreditam que há alguem que tem não só o desejo, mas o conhecimento e o poder para remover para sempre o mal e o sofrimento que existe no mundo. Para a maioria dos teístas, há um Deus que existe como um ser todo-poderoso, todo conhecedor e totalmente bom. Certamente, se este tipo de ser existe, ele/ela destruiria o mal e o sofrimento. Então, por que persistem? O filósofo cético David Hume reconheceu este problema e expressou isso de forma concisa: “A Divindade quer evitar o mal, mas não e capaz disso? Então ela e impotente. Ela e capaz, mas não quer evitá-lo? Então ela e malevola. Ela e capaz de evitá-lo e quer evitá-lo? De onde, então, provem o mal?” (HUME, 1992, p. 136).

Page 218: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

218

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Esta e uma versão importante do problema do mal. As raízes deste argumento vão tão longe no passado como no antigo filósofo grego Epicuro (341-270 a.C.), e o problema tem assumido muitas formas ao longo dos seculos.

Neste capítulo vamos examinar o problema do mal em algumas de suas manifestações mais importantes – tanto problema em si mesmo e as várias respostas e soluções que têm sido oferecidas historicamente e em tempos recentes. Antes de passar aos próprios argumentos, no entanto, vamos primeiro esboçar algumas das questões centrais relevantes para o debate.

Classificando o MalAlguns termos familiares são bastante fáceis de entender, mas quase

impossíveis de definir. Tomemos a palavra "jogo", por exemplo. Como Ludwig Wittgenstein (1999) assinalou, é virtualmente impossível definir esta palavra, embora normalmente temos nenhum problema de escolher um jogo dentre alguma outra atividade ou evento (Se você duvida da dificuldade de definir "jogo",

apenas tente oferecer uma definição que inclui apenas jogos e exclui todo o resto). Muitas outras palavras são como esta, incluindo o termo "mal". Enquanto que uma série de definições de "mal" foi oferecida ao longo dos séculos, os debates sobre como deve ser definido são intermináveis. Então, ao invés de tentar oferecer uma definição formal, vamos usar exemplos familiares, do que e comumente considerado como sendo males, como o nosso padrão e guia. Aqui, então, são alguns exemplos comuns de mal: catástrofes naturais, como terremotos, furacões e incêndios florestais em que ocorre a morte de vida inocente; intenso sofrimento e dor, como uma criança sendo

espancada ate a morte por um inimigo tribal bárbaro, ou uma mulher grávida morrendo de câncer, ou uma zebra sendo comida viva por um leão; deficiências físicas, mentais ou emocionais, tais como nascer com uma fenda palatina, ou ter transtorno de personalidade borderline, ou experienciar fraqueza da vontade em um momento crucial, e assim por diante. O mal vem em toda a variedade de formas e tamanhos. Dado este fato, os filósofos têm classificado o mal de várias maneiras, e uma das classificações mais comuns é a distinção entre o mal natural e o mal moral.

Enquanto que uma série de definições

de “mal” foi oferecida ao longo

dos séculos, os debates sobre como

deve ser definido são intermináveis.

Page 219: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

219

Problemas do Mal Capítulo 7

O Mal Natural e o Mal MoralJohn Hick (2010, p. 12, tradução nossa) oferece uma descrição

muito concisa desta distinção quando escreve: "O mal moral e o que nós, seres humanos, originamos: pensamentos e atos crueis, injustos e perversos. O mal natural e o mal que se origina independentemente das ações humanas: na doença [...] terremotos, tempestades, secas, tornados etc.". O mal moral e o tipo de mal pelo qual um agente moral e moralmente responsável, incluindo tanto ações (como mentir, estuprar, assassinar etc.) quanto traços de caráter (como a malícia, ganância, inveja, e assim por diante). O mal natural inclui os eventos pelos quais os agentes morais não são responsáveis.

O mal moral é o tipo de mal pelo qual um agente

moral é moralmente responsável,

O mal natural inclui os eventos pelos quais os agentes morais não são responsáveis.

Mal natural: o mal que resulta de fenômenos naturais e não e provocado pelo livre-arbítrio de um agente moral. Ele inclui desastres naturais e determinadas doenças humanas.

Mal moral: o mal que resulta de um agente moral ao abusar de seu livre-arbítrio de tal forma que o agente e condenável por ele. Ele inclui ações humanas, bem como traços de caráter.

Para uma excelente exploração dos problemas do mal, recomendamos a leitura da obra editada por Sergio Miranda (2013), O problema do mal.

O Mal Horrendo e GratuitoEnquanto estamos escrevendo este capítulo, e possível que uma querida

amiga sua tenha sido diagnosticada com câncer de mama de estágio três. Imaginemos que ela tem um marido e dois filhos pequenos e, dadas as probabilidades, ela não tem uma grande chance de viver mais de cinco anos. Por que isso aconteceu? Por que ela? Por que agora? O que pode ser ganho por ela passar por vários anos de quimioterapia e dor, e o terrível pensamento de deixar seu marido e filhos, sem uma esposa e mãe?

Page 220: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

220

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Imagine outra situação. Você está lendo no jornal local que uma mãe de várias crianças foi sair de sua garagem, sem saber que a sua filha de três anos de idade saiu de casa e caminhou atrás do veículo dela. A mãe, inadvertidamente, atropelou a menina, matando-a no processo. Será que esses eventos não soam sem sentido, totalmente inúteis? E se Deus – um ser onipotente (todo-poderoso), onisciente (todo conhecedor) e onibenevolente (plenamente bom) – existe, por que ele deixaria isso acontecer? Qual é o sentido disso? Estes são exemplos de mal gratuito, injustificado, e eles são inumeráveis.

Há tambem exemplos de um mal de um tipo diferente – o que e referido como o mal horrendo. Estes são males terríveis que, quando experienciados por uma pessoa, dão-lhe a razão para duvidar de que sua vida, como um todo, poderá ser percebida como sendo uma grande dádiva para ela. A filósofa da religião Marilyn McCord Adams (2000) oferece exemplos de males horrendos, como o estupro de uma mulher seguido do decepamento de seus braços com um machado, a morte lenta pela fome e o ter que escolher qual de suas próprias crianças deve viver e qual será morta por terroristas. Dois exemplos ilustres são comumente usados para exemplificar o mal gratuito e horrendo – exemplos referidos como os casos do Corço e de Sue. O caso do Corço foi oferecido por William Rowe (2011) e o caso Sue por Bruce Russell (1996) – veja a nota abaixo. O caso do Corço parece ser gratuito, injustificado (parece não haver qualquer sentido para a sua ocorrência), e o caso Sue parece ser horrendo (você teria que se esforçar muito para encontrar um exemplo mais terrível de violência horrenda em que a vítima poderia legitimamente questionar-se, dado este mal, se sua breve vida poderia ser percebida integralmente como sendo uma grande dádiva para ela).

O Caso do Corço (mal gratuito): suponha que em alguma floresta distante um raio atinge uma árvore, resultando em um incêndio florestal. Uma corça está presa no fogo, terrivelmente queimada, e encontra-se em horrível agonia durante vários dias antes da morte aliviar seu sofrimento. Ate onde podemos ver, o intenso sofrimento da jovem corça e sem sentido. Ao contrário dos seres humanos, não se atribui livre-arbítrio aos corços, pelo que não podemos imputar o terrível sofrimento do corço a um mau uso do livre-arbítrio. Por que permitiria então Deus que isto acontecesse quando, se existe, podia tê-lo impedido com tanta facilidade? Admite-se em geral que somos simplesmente incapazes de imaginar um bem superior cuja realização dependa, sob qualquer perspectiva razoável, de Deus permitir que aquele corço sofra terrivelmente. Tampouco parece razoável supor que há um mal imenso que Deus

Page 221: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

221

Problemas do Mal Capítulo 7

seria incapaz de impedir se não permitisse que o corço sofresse durante cinco dias. Suponha-se que por «mal sem sentido» entendemos um mal que Deus (se existe) poderia ter impedido sem com isso perder um bem superior ou sem ter de permitir um mal igualmente mau ou pior. Será que o sofrimento do corço e um mal sem sentido? Seguramente que o terrível sofrimento do animal durante esses cinco dias não parece do nosso ponto de vista fazer qualquer sentido. Quanto a isto, o consenso é, ao que parece, quase universal, pois dada a onisciência e o poder absoluto de Deus, ser-lhe-ia extremamente fácil ter impedido o incêndio ou ter impedido que o corço fosse apanhado pelas chamas. Alem disso, como vimos, e extraordinariamente difícil imaginar um bem superior cuja realização dependa, sob qualquer perspectiva razoável, de Deus permitir que aquele corço sofra terrivelmente. E e igualmente difícil imaginar um mal equivalente, ou ate pior, que Deus se visse forçado a permitir caso impedisse o sofrimento do corço. Parece, portanto, perfeitamente razoável pensar que o sofrimento do corço e um mal sem sentido, um mal que Deus (se existe) podia impedir sem com isso perder um bem superior ou ter de permitir um mal equivalente ou pior (ROWE, 2011, p. 123-124). Desde que o sofrimento intenso da jovem corça era evitável e, até onde podemos ver, injustificado, não parece que de fato existem casos de intenso sofrimento que um ser onipotente e onisciente poderia ter evitado sem perder, assim, algum bem maior ou permitir algum mal igualmente ruim ou pior?

O Caso Sue (mal horrendo): nas primeiras horas do dia de Ano Novo de 1986, uma menina foi brutalmente espancada, estuprada e depois estrangulada em Flint, Michigan. A mãe da menina estava morando com o namorado e um outro homem que estava desempregado, além de seus três filhos, incluindo um bebê de nove meses de idade, filho de seu namorado. Na véspera de Ano Novo, todos os três adultos foram beber em um bar perto da casa da mulher. O namorado, que estava usando drogas e bebendo muito, foi convidado a se retirar do bar às 20h. Depois de várias reaparições, ele finalmente deixou de fato o bar cerca de 21h30. A mulher e o homem desempregado permaneceram no bar ate as 2h da madrugada, ponto em que a mulher foi para casa e o homem foi a uma festa na casa de um vizinho. Talvez por inveja, o namorado atacou a mulher quando ela entrou na casa. Seu irmão interveio, atingindo o namorado e deixando-o desmaiado e caído sobre uma mesa. O irmão foi embora. Mais tarde, o namorado atacou a mulher novamente e, desta vez, ela o deixou inconsciente. Após ver os filhos, ela foi para a cama. Mais tarde, a filha de cinco anos de idade desceu as escadas para

Page 222: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

222

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

ir ao banheiro. O homem desempregado testemunhou que, quando ele voltou da festa, às 3h45, ele encontrou a menina de cinco anos de idade morta. No seu julgamento, o namorado foi absolvido do crime porque seu advogado lançou dúvidas sobre a inocência do homem desempregado. Mas a menina fora estuprada, espancada gravemente sobre a maior parte de seu corpo, e estrangulada por um desses homens naquela noite.

Existem diferentes formas de expressar os problemas existentes, perante males como estes e a alegada existência de um Deus onipotente, onisciente e onibenevolente. A seguir vamos explorar dois diferentes tipos de problemas – teóricos e existenciais – acompanhados por várias objeções e respostas a eles.

Atividades de Estudos:

1) É possível, e por vezes necessário, classificar os sentidos do termo “mal”, para evitar problemas conceituais e para delimitar o campo de discussão e investigação. De acordo com o texto, pudemos ver pelo menos quatro tipos de “mal”. Acerca destes quatro tipos de classificações do “mal”, associe os itens, utilizando o código a seguir:

I- Mal Horrendo.II- Mal Gratuito.III- Mal Natural.IV- Mal Moral.

( ) O mal que resulta de fenômenos da natureza e não e provocado pelo livre-arbítrio de um agente moral.

( ) O mal que resulta de um agente moral ao abusar de seu livre-arbítrio de tal forma que o agente e condenável por ele.

( ) O mal terrível que ao ser experienciado dá a razão ao indivíduo de duvidar de que a sua vida tenha qualquer sentido.

( ) O mal injustificado que para a sua ocorrência não se encontra qualquer razão e carece de total sentido.

Page 223: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

223

Problemas do Mal Capítulo 7

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) I, II, III, IV.b) III, IV, I, II.c) II, IV, III, I.d) IV, I, III, II.

Problemas Teóricos do MalO problema do mal pode ser descrito como o problema de conciliar a crença

em Deus com a existência do mal. Mas o problema do mal, como o próprio mal, tem muitas faces. Pode, por exemplo, ser expressado como um problema experiencial ou como um problema teórico. No primeiro caso, o problema é a dificuldade de adotar ou manter uma atitude de amor e confiança em relação a Deus quando confrontado com o mal que e profundamente perplexo e perturbador.

Em contrapartida, o problema teórico do mal e a questão puramente

"intelectual" de determinar o impacto, se houver, da existência do mal sobre o valor da verdade ou o status epistêmico da crença teísta. Com certeza, esses dois problemas estão interligados - considerações teóricas, por exemplo, podem oferecer perspectivas à própria experiência do mal, como acontece quando o sofrimento melhor compreendido torna-se mais fácil de suportar. Nesta seção o foco será sobre a dimensão teórica do mal, posteriormente vamos falar sobre o problema existencial. O aspecto teórico do problema do mal vem em duas variedades: o problema lógico e o problema evidencial, como veremos a seguir.

O Problema Lógico do MalComo o título do capítulo indica, não há simplesmente um único

problema do mal, os problemas são muitos e variados. A maioria dos problemas decorre das seguintes duas crenças: (1) Deus – um ser onipotente, onisciente e onibenevolente – existe e (2) O mal – em suas múltiplas manifestações – existe.

Não há simplesmente um único problema do mal, os problemas

são muitos e variados.

Page 224: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

224

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Quadro 9 – O problema lógico do mal

1) Se Deus existe, então Deus e onipotente (todo-poderoso), onisciente (todo conhe-cedor) e onibenevolente (plenamente bom).

2) Um ser onipotente teria o poder para eliminar o mal.3) Um ser onisciente teria o conhecimento para eliminar o mal.4) Um ser onibenevolente teria o desejo para eliminar o mal.5) Um ser onipotente, onisciente e onibenevolente eliminaria o mal.6) O mal existe.7) Então, Deus (um ser onipotente, onisciente e onibenevolente) não existe.

Fonte: O autor.

De uma forma ou de outra, parece haver uma incoerência ao afirmarmos essas duas crenças. Uma forma do problema alega que as proposições 1 e 2 do quadro acima, "O problema lógico do mal", são logicamente inconsistentes. Essa reivindicação por si só assumiu uma variedade de formas, mas a estrutura geral do argumento pode ser exposta da seguinte forma: os teístas geralmente tentaram demonstrar que tanto as premissas 2, 4 ou 5 não são necessariamente verdadeiras. Para a conclusão 7 decorrer logicamente a partir de premissas 1-6, cada uma delas teria de ser verdadeira. Se uma ou mais delas e falsa, no entanto, ou se há uma boa razão para duvidar da veracidade de uma ou mais delas, isso faz com que todo o argumento se torne suspeito.

Para uma visão geral destes problemas, verifique a obra de Sweetman (2013), especialmente as páginas 91-93. Para compreender melhor as críticas e refutações ao problema lógico do mal, veja o artigo O desafio do Deus Malévolo, de Stephen Law (2010), disponível em: <https://rebeldiametafisica.wordpress.com/tag/problema-logico-do-mal/>, e o artigo O problema lógico do mal, de James R. Beebe (2011), disponível em: <https://rebeldiametafisica.wordpress.com/2011/06/24/o-problema-logico-do-mal/>.

Resposta 1 – O argumento "impossível de provar o contrário"

Uma resposta e que o problema lógico do mal não funciona porque, para que ele tenha sucesso, deve-se demonstrar que Deus não tem nenhuma boa razão moral para permitir que qualquer mal em particular exista. Todavia, estabelecer

Page 225: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

225

Problemas do Mal Capítulo 7

que a existência de um mal particular e a existência de Deus são incompatíveis não pode ser realizado. Considere estas palavras de Paul Draper (um proponente do problema do mal e não aderente ao teísmo):

Para entender por que isso e assim, e crucial entender que a incapacidade de produzir coisas como círculos quadrados que são logicamente impossíveis de produzir ou saber declarações como 2 + 3 = 10 que são logicamente impossíveis de saber não conta como uma falta de poder ou uma falta de conhecimento. Em outras palavras, nem mesmo um ser todo-poderoso e to-do-conhecedor pode ter mais poder ou mais conhecimento do que e logicamente possível para um ser ter. Suponha, então, que algo de bom, G, que vale a pena o meu sofrimento [...] logicamente implica que eu sofra (ou que Deus me permita so-frer). Isso certamente parece possível (epistemologicamente) [...] Tais bens seriam conhecidos por um ser todo-conhecedor mesmo que estejam alem do nosso alcance. Alem disso, se existem tais bens, então, nem mesmo um ser todo-poderoso e todo-conhecedor poderia produzi-los sem permitir-me sofrer e, portanto, ate mesmo um ser todo-poderoso e todo-conhecedor poderia ter uma boa razão moral para permitir o meu sofrimen-to (DRAPER, 2008, p. 143-144).

Podemos ate imaginar casos em que algum mal possa ser necessário para que o bem possa resultar. Por exemplo, mostrar o perdão a alguem que tenha o prejudicado maldosamente e que esteja arrependido, ou mostrar coragem perante a tortura, ambos exigem logicamente que eu estivesse ferido e torturado. Se estes são bons exemplos não vem ao caso, pois e logicamente possível que certos bens justificam certos males, e é impossível provar o contrário.

Resposta 2: A Defesa Do Livre-Arbítrio

Na literatura sobre Deus e o mal, uma distinção e feita frequentemente entre uma defesa e uma teodiceia. A defesa e uma resposta aos argumentos antiteístas do mal, e seu objetivo e demonstrar que esses argumentos falham. A teodiceia e uma tentativa de explicar por que Deus e justificado em permitir o sofrimento e o mal. Defesas são oferecidas em resposta a uma variedade de argumentos do mal, mas elas são tipicamente acopladas com argumentos lógicos. Vamos primeiro examinar uma defesa proeminente e depois explorar várias teodiceias.

Na literatura sobre Deus e o mal, uma

distinção é feita frequentemente

entre uma defesa e uma teodiceia.

Page 226: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

226

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

O termo Teodiceia deriva dos Ensaios de Teodiceia, de Leibniz (2013), refere-se ao conjunto de argumentos que procuram defender e justificar a crença em Deus (um ser onipotente, onibenevolente e onisciente), perante a presença do mal no mundo.

Uma versão importante da defesa do livre-arbítrio e oferecida por Alvin Plantinga (1990, 2012), e em forma truncada segue mais ou menos assim: É possível que Deus, mesmo sendo onipotente, não pudesse criar um mundo com seres livres que nunca escolhessem o mal. Alem disso, e possível que Deus, mesmo sendo onibenevolente, desejasse criar um mundo que contenha o mal se a bondade moral requeresse criaturas morais livres. Aqui está como Plantinga expressa a resposta em forma preliminar:

Um mundo com criaturas que são significativamente livres (e livres em realizar mais boas ações do que más ações, como deveria ser) e mais valioso do que um mundo que não con-tenha criaturas livres. Deus pode criar criaturas livres, mas Ele não pode causar ou determinar que elas façam apenas o que e certo. Pois, se Ele assim o faz, então elas não são significativamente livres, afinal, elas não fazem o que é certo li-vremente. Para criar criaturas capazes de boa moral, portanto, Ele deve criar criaturas capazes de fazer o mal, e Ele não pode dar a essas criaturas a liberdade para fazer o mal e, ao mesmo tempo, impedi-las de fazê-lo. Como se viu, infelizmente, algu-mas das criaturas livres que Deus criou escolheram errado no exercício da sua liberdade; esta e a fonte do mal moral. O fato de que criaturas livres às vezes escolhem errado, no entanto, não conta nem contra a onipotência de Deus, tampouco contra sua bondade; pois Ele poderia ter antecipado e evitado a ocor-rência do mal moral somente se removesse a possibilidade do bem moral (PLANTINGA, 2012, p. 30).

Então, o argumento lógico do mal falha porque e pelo menos logicamente possível que Deus (um ser onipotente e onibenevolente) pudesse ter criado um mundo de criaturas livres e ainda ser incapaz de garantir que este mundo não tivesse nenhum mal nisso. Portanto, as premissas 2 e 5 podem ser falsas, e por isso a conclusão não segue necessariamente; o argumento e falho. Devemos tambem observar que Plantinga inclui em seu argumento a possibilidade de depravação transmundo (transworld depravity, a afirmação de que há pelo menos um mundo possível em que uma pessoa tem a liberdade moralmente significativa e ainda comete pelo menos uma ação moralmente errada) como mais uma

É possível que Deus, mesmo sendo

onibenevolente, desejasse criar um mundo que

contenha o mal se a bondade moral

requeresse criaturas morais livres.

Page 227: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

227

Problemas do Mal Capítulo 7

suposição, a fim de assegurar que é logicamente impossível que haja um possível mundo em que não há mal. Assim, independentemente de qual Deus criou o mundo, uma ou mais pessoas individuais podem ser responsáveis por realizar o mal, porque elas estão sofrendo a depravação transmundo. Este argumento e consistente com a doutrina cristã da Queda.

Os críticos do argumento de Plantinga, como o filósofo ateu J. L. Mackie (2010), responderam afirmando que ele pressupõe uma visão incompatibilista do livre-arbítrio (em que o livre-arbítrio e incompatível com o determinismo – humano ou divino), e que uma visão compatibilista e muito mais plausível. Dada uma noção compatibilista do livre-arbítrio, Deus poderia criar criaturas "livres" que façam nenhum mal, porque ele poderia determinar cada uma de suas ações. Atualmente, a maioria dos filósofos, no entanto, concorda que a defesa do livre-arbítrio derrotou o problema lógico do mal, pois, mesmo que admitamos que o compatibilismo seja verdadeiro, Plantinga oferece o argumento como apenas uma possibilidade lógica. Enquanto que e logicamente possível que o incompatibilismo seja verdadeiro, então a conclusão necessária do problema lógico do mal e rebaixada.

Outro ponto a favor do problema lógico do mal e que, enquanto o argumento

de Plantinga pode ter sucesso em cortar pela raiz o ponto de que o mal moral e incompatível com a existência de Deus, ele não aborda o problema do mal natural, pois os males da natureza não ocorrem por escolhas de criaturas livres. A resposta de Plantinga e sugerir que e pelo menos logicamente possível (embora ele não está afirmando ou negando a verdade da questão) que talvez pessoas não humanas livres sejam responsáveis pelos males naturais (por exemplo, espíritos rebeldes ou anjos caídos). Enquanto isto for uma possibilidade lógica, a alegação de que a existência de Deus e os males naturais são inconsistentes e refutada.

A alegação de que a existência de Deus e os males naturais são inconsistentes é

refutada.

Para uma compreensão mais aprofundada da defesa do livre-arbítrio e sua refutação, veja o artigo A defesa do livre-arbítrio refutada e a inexistência de Deus demonstrada, de Raymond D. Bradley (2007), disponível em: <https://rebeldiametafisica.wordpress.com/2011/07/08/a-defesa-do-livre-arbitrio-refutada-e-a-inexistencia-de-deus-demonstrada/>.

Page 228: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

228

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

O Problema Probabilístico ou Evidencial do Mal

Enquanto o problema lógico do mal tem sido (tal como muitos acreditam agora) para todos os efeitos refutado, isto não deixou o ateu de mãos vazias em termos de um argumento contra a crença em Deus perante os fatos do mal. Um outro tipo de argumento tenta demonstrar que a existência do mal evidencia contra a crença racional em Deus, embora a existência de ambos não seja logicamente inconsistente. Este argumento, tambem referido como o "problema probabilístico do mal", e apresentado em muitas formas, mas a sua essência e que, se o Deus do teísmo existe, ele provavelmente não criaria um mundo como o nosso – um mundo cheio de todo o mal horrendo e gratuito que nele encontramos. Desde que o nosso mundo existe, tal Deus provavelmente não existe. Este tipo de argumento tambem tem sido referido como "indutivo", "a posteriori" e argumento “evidencial". Vamos examinar um outro tipo de argumento evidencial na próxima seção.

a) O problema probabilístico

A estrutura geral do argumento pode ser apresentada como exposto no Quadro 10 a seguir. Ao contrário da conclusão do problema lógico do mal, este argumento conclui afirmando que é improvável que Deus existe, em vez de que e necessariamente verdade que Deus não existe. Este argumento assume força especial quando reflete sobre as profundezas do mal que existem, como os males aparentemente gratuitos e horrendos mencionados no início deste capítulo. Não e mais provável que Deus não existe, dada a existência desses tipos de males?

Quadro 10 – O problema probabilístico

1) Se Deus existe, então Deus e onipotente, onisciente e onibenevolente.

2) Um ser onipotente, onisciente e onibenevolente pode criar qualquer mundo possível logicamente.

3) Se um ser onipotente, onisciente e onibenevolente fosse criar um mundo, tal ser criaria o melhor de todos os mundos possíveis.

4) Um ser onipotente, onisciente e onibenevolente teria o poder, o conhecimento e o desejo de evitar o mal e o sofrimento no melhor de todos os mundos possíveis.

5)É improvável que o mundo que existe (por exemplo, nosso mundo), que está cheio de uma grande quantidade de mal horrendo e gratuito, seja o melhor de todos os mundos possíveis.

6) Portanto, e improvável que Deus, um ser onipotente, onisciente e onibenevolente, exista.

Fonte: O autor. A estrutura deste argumento segue basicamente o delineamento oferecido por Plantinga (2012).

Page 229: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

229

Problemas do Mal Capítulo 7

Resposta 1: O lapso de leibniz

Plantinga respondeu a este argumento afirmando que ele não e sólido, pois incorpora o que ele chama de "O Lapso de Leibniz" (PLANTINGA, 2012). A objeção aqui e que a premissa 2 e possivelmente falsa. Ao contrário da noção de Gottfried Leibniz de que o nosso mundo e o melhor de todos os mundos possíveis (logicamente), pode ser que Deus, embora onipotente, não seja capaz de criar simplesmente qualquer mundo logicamente possível. Se as pessoas têm livre-arbítrio libertário, como descrito acima, então há certos mundos que ate mesmo um ser todo-poderoso não poderia criar (PLANTINGA, 1978).

Considere o seguinte exemplo. Suponha que o diretor executivo de uma grande empresa de utilidades, vamos chamá-lo de "Pedro", e apresentado por seus contabilistas com o fato de que a empresa está em sérias dificuldades financeiras. Suponha ainda que em discussões com João, seu contador-chefe, Pedro percebe que ao triturar alguns documentos, e cometer algumas pequenas mentiras, ele pode blefar sua saída da situação e convencer seus acionistas de que a empresa está excepcionalmente bem. Depois de alguns anos disto, ele supõe que tudo ficará bem.

Agora, considere estes dois cenários: (1) se o contador tivesse apresentado a Pedro a oportunidade de destruir os documentos e encobrir a dívida, ele teria aceitado a oferta, e (2) se o contador tivesse apresentado a Pedro a oportunidade de destruir os documentos e encobrir a dívida, ele teria rejeitado a oferta.

Agora, considere dois mundos possíveis, M e M*, que têm o Pedro neles e são idênticos ate o ponto em que e oferecida a Pedro a oportunidade de destruir os documentos e encobrir a dívida. Suponha que em M ele aceita a oferta e em M* ele não a aceita. O argumento de Plantinga, então, e que se M ou M* tornar-se real e em parte devido a Deus e em parte a Pedro. Dado o livre-arbítrio de Pedro, se Pedro aceita a oferta de fazer errado, então Deus não poderia fazer ocorrer o cenário em que Pedro rejeita a oferta – Deus não poderia fazer ocorrer o M*.

Claro, aqui depende muito se aceitamos ou rejeitamos a visão libertária de livre-arbítrio. Mas se o libertarianismo e mesmo possível, então a premissa 2 perde a sua força, e assim tambem a conclusão (PLANTINGA, 2012).

Resposta 2: Não há o melhor de todos os mundos possíveis

A segunda resposta para o problema probabilístico do mal e que ele pressupõe que há, de fato, um melhor de todos os mundos possíveis. No entanto, de acordo com uma série de filósofos, não pode haver um melhor de todos os

Se as pessoas têm livre-arbítrio libertário, como descrito acima, então há certos mundos que até mesmo um ser

todo-poderoso não poderia criar

Page 230: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

230

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

mundos possíveis. Considere isto: para qualquer melhor de todos os mundos possíveis imagináveis, pode-se sempre imaginar apenas mais uma coisa boa nesse mundo. Mais uma boa maçã, por exemplo, ou mais "criaturas sencientes delirantemente felizes" (PLANTINGA, 2012). Se este for o caso, então poderia haver um mundo melhor do que o melhor de todos os mundos possíveis, o que seria uma alegação impossível.

Uma resposta a essa objeção e que, embora possa ser o caso que se poderia conceber um cenário como esse, não se segue que o mesmo poderia (metafisicamente) acontecer. Poderia haver razões pelas quais a adição de mais uma coisa boa não faria um mundo particular melhor do que e.

O Argumento Evidencial de RoweOutro tipo de argumento evidencial que tenta evitar as críticas ao argumento

probabilístico apresentado acima foi oferecido pelo filósofo William Rowe (2011, 2013). Vemos a seguir o seu argumento, oferecido em forma ligeiramente modificada, exposto no Quadro 11.

Quadro 11 – O argumento evidencial do Mal, de William Rowe

1)Existem grandes quantidades de mal horrendo e gratuito que um ser onipotente, onisciente e onibenevolente poderia ter evitado sem perder um bem maior ou permitir algum mal igualmente ruim ou pior.

2)Um ser onipotente, onisciente e onibenevolente teria impedido os males horren-dos e gratuitos que existem, a menos que o ser não pudesse fazê-lo sem perder um bem maior ou permitir algum mal igualmente ruim ou pior.

3) Portanto, um ser onipotente, onisciente e onibenevolente não existe.

Fonte: O autor.

À primeira vista parece que o teísta concordaria com as duas premissas. No entanto, uma vez que este argumento está em uma forma válida, se concordarmos com as duas premissas, a conclusão decorre necessariamente – um ser onipotente,

onisciente e onibenevolente não existe. O que e o teísta pode fazer?

Objeção 1: Limitações epistêmicas cognitivas

Uma objeção ao argumento de Rowe é que, uma vez que somos seres humanos finitos, limitados, simplesmente não estamos em uma posição epistêmica apropriada para fazer uma avaliação legítima sobre o que um ser onisciente, onipotente e onibenevolente poderia ou iria

Dadas as nossas óbvias limitações

temporais e espaciais, nós simplesmente não podemos

justificadamente fazer julgamentos morais sobre Deus

Page 231: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

231

Problemas do Mal Capítulo 7

fazer em qualquer situação, inclusive situações em que o mal existe. Dadas as nossas óbvias limitações temporais e espaciais, nós simplesmente não podemos justificadamente fazer julgamentos morais sobre Deus (WYKSTRA, 2013).

Objeção 2: Deus pode usar o sofrimento e o mal para nosso bem maior

A segunda objeção e que pode muito bem não haver nenhum mal gratuito nem horrendo como definido acima. Por exemplo, depois de descrever sua jornada pessoal atraves do que lhe parecia à primeira vista como um mal gratuito em sua vida e a de sua família, o filósofo John Feinberg oferece dez "usos do sofrimento", em que um teísta cristão pode ter conforto. Não podemos delineá-los aqui, mas eles incluem Deus, permitindo a dor, a fim de proporcionar uma oportunidade para demonstrar a fe verdadeira ou genuína e promover a maturidade na vida (FEINBERG, 2004). Pode-se objetar a isso citando os exemplos dos tipos de Ivan Karamazov (como as crianças que são jogadas aos cães), nos quais parece evidente que nem todos os casos de sofrimento/mal estão conectados a um bem maior. No entanto, a resposta poderia ser dada de que, mesmo se isto for assim, de um modo geral todo o mal/sofrimento, no final, será redimido por Deus. Marilyn McCord Adams (2000) elabora tal ponto, utilizando uma estrutura teológica cristocêntrica que leva a serio o Filho de Deus sofredor. Ela argumenta que há uma boa razão para que os cristãos acreditem que Deus irá, no final, engolfar e derrotar todos os horrores pessoais atraves da participação integradora nos males na relação de uma pessoa com Deus.

Objeção 3: O mal gratuito é consistente com o teísmo

Uma terceira objeção foi proposta recentemente por adeptos do teísmo aberto. Deste ponto de vista, a existência de um mal gratuito (e talvez horrendo) não e incompatível com o teísmo. Os teístas abertos sustentam (como o fazem uma serie de teístas tradicionais) que o livre-arbítrio deve ser de um tipo incompatibilista, a fim de ser moralmente significativo, e por isso é bom que Deus tenha criado seres humanos com livre-arbítrio. Esta liberdade, no entanto, implica a possibilidade de agentes livres escolherem o bem e o mal. Nem a onipotência, tampouco a onisciência de Deus, poderiam excluir a existência do mal – ate mesmo o mal gratuito –, desde que a contingência real acaba por ser uma parte do universo. Para o teísta aberto, a onisciência de Deus não inclui o conhecimento de alguns eventos futuros, como as ações humanas livres. Assim, na criação do universo Deus não tinha conhecimento de grande parte do mal que iria ocorrer no futuro.

Nem a onipotência, tampouco a

onisciência de Deus, poderiam excluir a existência do mal

– até mesmo o mal gratuito –, desde

que a contingência real acaba por

ser uma parte do universo.

Page 232: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

232

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Teísmo aberto: a visão de que Deus e onisciente, mas não tem conhecimento de determinados eventos futuros (como as ações humanas livres futuras), porque ainda não existem e não são predeterminados, portanto eles não podem possivelmente ser conhecidos, mesmo por um ser onisciente.

O Problema Existencial do MalO problema existencial do mal (que e chamado por diferentes nomes,

incluindo o "problema religioso", o "problema moral”, o "problema pastoral", o "problema psicológico" e o "problema emocional") não é fácil de definir ou delinear. Simplificando, é a noção de que a sensação existencial de certos tipos de mal leva à descrença em Deus ou na crença religiosa em geral. Um exemplo pode esclarecer o significado e o poder do problema.

Algum tempo atrás estávamos com um grupo de amigos esperando na fila em um restaurante. Estávamos envolvidos em uma discussão teológica bastante sofisticada (concedido, tenho amigos incomuns!) Quando uma jovem de pé diante de nós perguntou se nós estávamos falando sobre Deus. "Sim, estamos", dissemos. "Na verdade, estamos discutindo a natureza e os atributos de Deus." "Bem," ela disse, "Eu parei de acreditar em Deus há dois anos. Enquanto meu pai estava sofrendo e morrendo de câncer, eu decidi que eu não podia mais acreditar em Deus”. Enquanto ela disse essas palavras, ela se tornou emocional. Quase podíamos sentir a sua dor enquanto as lágrimas começaram a escorrer de seu rosto em sua agonia sobre o seu pai perdido e a dor que ele deve ter passado. Isto, sem dúvida, e um caso claro do problema existencial do mal.

Alem disso, quando se considera os males terríveis e gratuitos observados no início deste capítulo (especialmente se alguem passou pessoalmente por essas experiências), não é nenhuma surpresa que as pessoas afirmam ser incapazes de ver o mundo teisticamente – ser incapaz de acreditar em um Deus pessoal, e muito menos venerá-lo e adorá-lo.

Resposta

Uma resposta comum para o problema existencial do mal, de cunho experiencial, e que o "problema" aqui não e realmente um argumento em absoluto, e, portanto, não tem a necessidade de uma resposta lógica, racional.

A sensação existencial de certos

tipos de mal leva à descrença em

Deus ou na crença religiosa em geral.

Page 233: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

233

Problemas do Mal Capítulo 7

Quando um indivíduo é pessoalmente confrontado com o mal e o sofrimento significativo, a principal coisa que ela precisa não é uma resposta lógica ou teórica, mas, sim, o cuidado, a simpatia e a amizade. Como Plantinga diz, nesses momentos de dor uma pessoa não precisa de "iluminação filosófica", mas de “cuidado pastoral" (PLANTINGA, 2012). O filósofo e teólogo John Feinberg esclarece:

Pense em uma criança que sai para brincar em um playground. Em algum momento durante a brinca-deira, ela cai e machuca o joelho. Ela corre para sua mãe para conforto. Agora, sua mãe pode fazer várias coisas. Ela pode dizer à filha que isso acon-teceu porque ela estava correndo muito rápido e não estava olhando para onde estava indo. Que ela deve ter mais cuidado da próxima vez. A mãe, se souber, pode ate explicar as leis da física e da causalidade que estavam ope-rando para fazer com que o machucado de sua filha seja exa-tamente do tamanho e da forma que e. A mãe pode ate explicar por alguns momentos sobre as lições que Deus está tentando ensinar sua filha a partir desta experiência (FEINBERG, 2004, p. 454, tradução nossa).

Se ela, em seguida, faz uma pausa e pede à sua filha, "Você entende, querida?", não se surpreenda se a menina respondesse: "Sim, mamãe, mas ainda dói!". Toda a explicação, naquele momento, não impede a sua dor. A criança não precisa de um discurso; ela precisa de abraços e beijos de sua mãe. Haverá um tempo para o discurso mais tarde; agora ela precisa de conforto.

Quando um indivíduo é

pessoalmente confrontado com o mal e o sofrimento

significativo, a principal coisa que ela precisa não é

uma resposta lógica ou teórica, mas, sim, o cuidado, a simpatia e a

amizade.

As Três TeodiceiasEnquanto o cuidado pastoral pode muito bem ser um elemento importante

na resposta àqueles que experimentam dor e sofrimento, ele não faz nada para resolver os problemas teóricos remanescentes observados acima. Existem maneiras de realmente explicar por que Deus permitiria o mal no mundo? Há, de fato. Houve uma série de tentativas de justificar a Deus e os caminhos de Deus dada a realidade do mal. Tais respostas são chamadas teodiceias, e a seguir vamos examinar as três mais importantes.

a) A teodiceia do livre-arbítrio de agostinho

Como observado anteriormente, a teodiceia e diferente de uma defesa, em que o objetivo de uma teodiceia é justificar Deus e os caminhos de Deus dada a existência do mal em um mundo criado por Deus, enquanto que uma defesa e uma tentativa de demonstrar que os argumentos antiteístas do mal

Page 234: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

234

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

são malsucedidos. Existem diferentes tipos de teodiceias, e uma das mais significativas historicamente é aquela oferecida pelo grande teólogo e padre da Igreja, Santo Agostinho. É referida como a teodiceia do livre-arbítrio, e expomos uma forma de delineá-la no Quadro 12, a seguir.

Quadro 12 – A Teodiceia do Livre-arbítrio de Agostinho

1) Deus criou o universo, e tudo nele era bom.

2)

Algumas das criações de Deus – nomeadamente, as pessoas – foram presentea-das com a boa dádiva da liberdade da vontade (tendo a liberdade da vontade no universo e melhor do que não a ter, uma vez que um universo moral exige isso, e um universo moral e melhor do que um universo não moral ou amoral).

3)Algumas dessas pessoas criadas – primeiros anjos, e então seres humanos – es-colheram livremente se afastarem da bondade de Deus; ou seja, eles "pecaram" e caíram de seu estado de perfeição (por exemplo, a "Queda" da humanidade).

4) Esta conversão da vontade, ou pecar, trouxe o mal moral e natural para o universo.

5) O mal, ainda que provocado por pessoas criadas, não e uma coisa ou entidade; e uma deprivação metafísica, ou falta ou privação, do bem (uma privatio boni).

6)Deus finalmente retificará o mal quando ele julgar o mundo, inaugurando o seu reino eterno com aquelas pessoas que foram salvas por meio de Cristo e enviando para o inferno eterno aquelas pessoas que são perversas e desobedientes.

Fonte: O autor, baseado na obra O livre-arbítrio, de Santo Agostinho (1995).

Esta tem sido a teodiceia mais utilizada no Ocidente desde o seculo V da era comum, e ela ainda e amplamente utilizada hoje, por exemplo, na excelente obra de Richard Swinburne (1998). Ela também tem sido amplamente criticada. Duas objeções são as seguintes.

Objeções

Para Agostinho, Deus e totalmente soberano e não está sujeito às escolhas e aos caprichos de pessoas falíveis e finitas. Se Deus, então, e soberano, como e que o mal emergiu em seu universo? Parece haver um conflito entre a defesa do livre-arbítrio de Agostinho, de um lado, e sua visão de Deus, de outro, pois parece que Deus, entendido desta maneira, poderia ter criado pessoas que seriam santos espirituais e, portanto, sempre escolheriam o bem. Então, por que elas escolheram pecar?

Alem disso, como poderia um ser onibenevolente criar um inferno onde inúmeras pessoas passarão a eternidade no sofrimento e em agonia? Parece haver um conflito aqui entre a soberania de Deus e a bondade de Deus.

Deus é totalmente soberano e não está sujeito às escolhas e aos caprichos de pessoas falíveis e

finitas.

Page 235: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

235

Problemas do Mal Capítulo 7

Santo Agostinho (354-430 EC) foi um filósofo, teólogo e padre cristão da Igreja entre os mais influentes na história. Sua peregrinação espiritual o levou do ceticismo como um jovem adulto ate tornar-se Bispo de Hipona em seus últimos anos. Seu trabalho sobre a liberdade humana difundiu sua carreira, e praticamente todos os filósofos medievais de renome no Ocidente cristão interagiam com a obra de Agostinho sobre o livre-arbítrio e questões relacionadas, tais como a presciência, predestinação e a graça divina. Suas obras filosóficas mais importantes incluem A Cidade de Deus (1990), O Livre-Arbítrio (1995) e sua autobiografia, o Confissões (1996).

Teodiceia: a palavra “teodiceia” vem de duas palavras gregas – theos (Deus), e dikei (justiça). A teodiceia e uma tentativa de reivindicar a bondade e a justiça de Deus perante a realidade do mal.

b) A teodiceia irineana ou da “formação da alma”, de Hick

Com base no trabalho de Irineu (130-202 EC), um bispo cristão primitivo, John Hick, desenvolveu uma teodiceia que está em contraste gritante com o tipo agostiniano (SWEETMAN, 2013). Em vez de Deus criar um paraíso com seres humanos perfeitos que então caíram em pecado, a teodiceia de Irineu narra isso ao contrário. Deus criou pessoas boas, mas não desenvolvidas, pois a maturidade moral requer enfrentamento de provações e dificuldades na vida. A existência do mal, então, não e o resultado de pessoas perfeitas que escolhem pecar, mas e um elemento necessário do processo de desenvolvimento de pessoas humanas (e talvez outras) imaturas em seres maduros espiritual e moralmente, e o mal e uma parte da estrategia de Deus na formação das almas. A teodiceia pode ser expressa como exposta no Quadro 13, a seguir.

Deus criou pessoas boas, mas não desenvolvidas,

pois a maturidade moral requer

enfrentamento de provações e

dificuldades na vida.

Page 236: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

236

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Quadro 13 – Uma teodiceia irineana da formação das almas

1) Deus criou o mundo como um lugar bom (mas não um paraíso) para o desenvolvi-mento de pessoas humanas tanto espiritual quanto moralmente.

2) Atraves de meios evolutivos, Deus fez emergir pessoas humanas com a liberdade de vontade e a capacidade para amadurecer no amor e na bondade.

3) O mal e o resultado tanto da criação de um mundo bom de formação de almas e da escolha humana de pecar.

4)

Ao colocar as pessoas humanas neste ambiente desafiador, através de suas pró-prias respostas livres, elas têm a oportunidade de escolher o que e certo e bom e, portanto, crescer gradualmente em pessoas maduras (que exibem as virtudes da paciência, coragem e generosidade, por exemplo) que Deus deseja que elas sejam.

5)

Deus continuará a trabalhar com as pessoas humanas, mesmo na vida após a morte, se necessário, permitindo-lhes a oportunidade para amar e escolher o bem, de tal forma que no escaton (último, fim das coisas) todos serão levados a um relacionamento correto com Deus.

Fonte: O autor.

Objeções

Uma serie de objeções têm sido oferecidas para a teodiceia da formação de almas de Hick. Uma delas centra-se na aparente evidência contrária. Muitas pessoas não melhoram através das dificuldades que elas enfrentam; muitas vezes, as dificuldades na vida de alguém causam o fim de sua vida em tragédia absoluta. Uma rápida olhada no noticiário da noite em praticamente qualquer dia fornecerá uma ampla demonstração deste ponto. Um defensor da teodiceia poderia responder que a vida presente não e tudo que existe, e Deus terá muito tempo para trabalhar em um indivíduo que responde mal agora. É claro que isso depende de uma crença maior na vida após a morte – algo que não temos suporte probatório empírico.

Outra objeção à teodiceia da formação de almas e que ela parece ser uma forma bastante brutal de Deus para amadurecer as almas. Sugerir que todo o sofrimento e a dor – todos os males horrendos – já experimentados ao longo da história foram o resultado da grande intenção cósmica de Deus, faz Deus parecer

um pouco menos do que o ser onipotente, onisciente e onibenevolente que a maioria dos teístas pensa que Deus e.

c) Uma teodiceia do processo

A teologia do processo (e a filosofia) foi desenvolvida pela primeira vez por Alfred North Whitehead (1861-1947). Ela continuou a ser desenvolvida por Charles Hartshorne (1897-2000) e mais recentemente por John Cobb Jr. (1925-). Baseia-se na premissa fundamental de que

Enquanto que Deus não é o mundo (isso

seria panteísmo), Deus participa

do mundo (isso é panenteísmo) – Deus e o mundo

estão em processo juntos.

Page 237: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

237

Problemas do Mal Capítulo 7

Deus e o mundo estão em fluxo. Enquanto que Deus não é o mundo (isso seria panteísmo), Deus participa do mundo (isso e panenteísmo) – Deus e o mundo estão em processo juntos. Deus não só age sobre o mundo, mas este tambem age sobre aquele. Todas as coisas, incluindo Deus, estão no processo de se tornar, em vez de ser estáticos. Neste processo de tornar-se, as entidades respondem a cada momento, fazendo escolhas, e estas escolhas são reais e significativas; elas nunca são perdidas, mas são continuamente adicionadas à experiência global de Deus. Deus aprende a partir de tais experiências, e, portanto, está sempre crescendo em conhecimento e entendimento. Este ponto de vista do conhecimento de Deus está claramente em contraste com a teologia tradicional, em que a onisciência de Deus e eternamente completa e exaustiva.

Alem disso, na visão do processo, a onipotência de Deus e rejeitada. O poder de Deus não é compreendido como sendo infinito, mas limitado na medida em que outras entidades livres, como as pessoas humanas, tambem têm o poder de fazer suas próprias escolhas. Alem disso, o poder de Deus e persuasivo ao inves de coercivo; Deus não força as criaturas a fazer o bem, mas tenta atraí-las na direção certa. Infelizmente, elas não podem ser sempre atraídas, e às vezes elas fazem as escolhas erradas; às vezes elas fazem coisas más. Todas as entidades, incluindo Deus, continuam a evoluir, e a esperança e que, eventualmente, todo o mal será erradicado na medida em que as criaturas livres aprendam com as experiências anteriores (suas próprias e aquelas da história) o que e, em última análise, bom e certo. Podemos delinear a teodiceia do processo como exposta no Quadro 14, a seguir.

O poder de Deus não é compreendido como sendo infinito,

mas limitado na medida em que outras entidades livres, como as

pessoas humanas, também têm o

poder de fazer suas próprias escolhas.

Quadro 14 – Uma Teodiceia do Processo

1)Deus não e o criador transcendente que criou o mundo ex nihilo (do nada), mas e Deus-no-mundo; isto e, o panenteísmo no qual tudo está em Deus, mas nem tudo e Deus.

2)Deus não e nem onisciente nem onipotente no sentido tradicional; o poder de Deus e compartilhado com outras entidades, e o conhecimento de Deus aumenta na me-dida em que suas experiências aumentam.

3)O universo e caracterizado pela evolução, processo e mudança, alguns dos quais têm sido provocados pelas escolhas livres autodeterminadas de entidades, incluindo Deus e as pessoas finitas.

4)Algumas das escolhas feitas por pessoas humanas são boas e algumas são más. Há a esperança de que o mal continuará a ser engolfado na medida em que todas as experiências sejam sintetizadas na própria vida consciente de Deus.

Fonte: O autor.

Page 238: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

238

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

Para ler uma versão recente e inspiradora da teodiceia do processo baseada na criação a partir do caos, é interessante observar o texto de David R. Griffin (2001).

Objeções

Várias objeções e críticas têm sido oferecidas ao pensamento do processo e sua respectiva teodiceia. Observaremos brevemente três delas. Em primeiro lugar, a crítica típica do processo ao entendimento tradicional do poder divino tem sido posta em questão. Enquanto que uma ramificação da teologia calvinista inclui o poder de Deus como sendo exclusivo e implicando determinação soberana absoluta de todos os eventos, certamente esta não e a única, nem mesmo a mais comum compreensão do poder divino. Então, essa crítica do processo está mal colocada contra a maioria das noções tradicionais da onipotência. Por outro lado, a crítica do processo referente à teologia tradicional que afirma o livre-arbítrio humano e, portanto, uma limitação de alguma especie no poder de Deus, e sem dúvida fraca. Por exemplo, em resposta a uma teodiceia do livre-arbítrio, os filósofos do processo alegaram que tal visão permitiria que Deus pudesse eliminar qualquer mal particular que ocorresse orientado pela vontade livre, mas ele não o faz. Portanto, Deus poderia parar um estuprador antes de estuprar, fazer uma bomba terrorista não explodir, ou fazer com que um ladrão seja pego, antes de fugir. Uma vez que Deus poderia fazer tais coisas sem interromper o livre-arbítrio, mas não o faz, argumentam eles, Deus não e realmente bom sob esta perspectiva. No entanto, os defensores da teodiceia do livre-arbítrio respondem argumentando que um tipo de livre-arbítrio em que não se permite as ações de uma pessoa serem eficazes não é verdadeiramente livre-arbítrio em absoluto. Assim, tal objeção não se justifica.

A segunda objeção tem a ver com a negação do processo com relação à criação ex nihilo. Na perspectiva do processo, o mundo não foi criado por Deus a partir do nada. Existem várias explicações para a existência do mundo levantadas pelos pensadores do processo. Todavia, uma explicação muito comum e que ele e eterno; ele nunca

começou a existir. No entanto, essa visão contradiz o modelo Big Bang padrão do universo, que e amplamente difundido entre os cosmólogos e os astrônomos. É claro que o veredicto sobre esta questão ainda está em aberto.

A objeção final é que a teodiceia do processo realmente não se parece muito com uma teodiceia. Deus e muito impotente para eliminar os males do mundo, na medida em que Deus não tem nem o conhecimento nem o poder de, em última análise, resolver o problema. Alem disso, muitos veem o mal e o sofrimento no mundo como cada vez pior, não melhor (Esta visão pode ser confrontada com as pesquisas de Steven Pinker [2013] em sua obra Os anjos bons da nossa natureza, na qual ele defende a tese de que, pelo menos, certos tipos de mal – como a

Na perspectiva do processo, o mundo não foi criado por Deus a partir do

nada.

Page 239: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

239

Problemas do Mal Capítulo 7

violência física – estão, sim, diminuindo com o desenrolar da história humana). Enquanto que Deus sempre faz o melhor que pode na visão do processo, mesmo assim não parece que ele está fazendo muito, pois o mal ainda abunda. Nem parece que Deus está melhorando em sua capacidade de evoluir um mundo melhor. Diante disso, sem a esperança escatológica de uma eliminação definitiva do mal, a palavra "teodiceia" aqui pode ser um termo impróprio.

Veja o vídeo de Steven Pinker sobre a diminuição da violência, disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=wtPHieLCWrs>.

Veja também o vídeo de William Craig sobre o problema do sofrimento, disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=8o2BtYlH4Sc>.

Algumas ConsideraçõesVimos que o problema do mal vem em uma variedade de formas, com as

formas mais difíceis que parecem surgir dentro dos ensinamentos do próprio teísmo ortodoxo. No entanto, não e claro que qualquer uma dessas versões do problema do mal seja insuperável. Tanto as formas lógicas como as evidenciais do problema do mal podem ser, ao menos em certos aspectos, refutadas, e os problemas gerados pelo ocultamento divino e a doutrina tradicional do inferno não chamam necessariamente ao abandono do teísmo, mas, ao máximo, para uma reavaliação de certos pressupostos teológicos. O problema do mal e certamente sério, especialmente em termos de suas ramificações práticas - as crises de fé frequentemente enfrentadas por aqueles em meio a tribulações e sofrimentos severos demandam sábias orientações e conselhos espirituais - mas qualquer evidência racional que o problema do mal ofereça contra o teísmo e passível de boas contra argumentações ao nível das disputas argumentativas.

Nos capítulos anteriores, vimos que, mesmo que haja argumentos

aparentemente bons para a existência de Deus, esses argumentos podem ser solapados se possuirmos argumentos fortes contra a existência de Deus. Se uma testemunha ocular alegou ter visto você roubar uma loja de conveniência ontem no centra da sua cidade, isso constitui uma boa evidência de que você cometeu

Page 240: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

240

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

o crime. Mas se 500 pessoas, incluindo inúmeros repórteres de televisão e jornal, assistiram você ganhar a medalha de ouro de salto em altura nos jogos na China no mesmo dia, a força dessa "boa evidência" anterior desapareceria rapidamente.

Os argumentos contra a existência de Deus são tão poderosos? Alguns

pensam assim. No entanto, como vimos, esses argumentos dependem de pressupostos que estão abertos a alguns sérios desafios. Quão sérios são esses desafios é uma questão para cada um de nós decidir.

É comum que os acadêmicos, ao finalizar uma leitura de um par de

capítulos como estes deste livro, erguerem as suas mãos em desespero. "Se os especialistas não podem concordar sobre o que a evidência mostra, como vou decidir?" Essa e uma boa pergunta. Aqui está uma boa resposta: use as mesmas habilidades de raciocínio críticas que você usa quando você faz julgamentos sobre qual candidato votar em uma eleição ou quando decidir qual carro e o melhor para comprar. Em ambos os casos, você estará exposto a argumentos a favor e contra cada alternativa. Mas isso não precisa, e, na maioria dos casos, não o leva à paralisia. Em vez disso, você decide quais fatores são os mais atraentes em coerência com o seu processo de raciocínio e de tomada de decisão, e você procede em conformidade. Recomendamos que você faça o mesmo aqui. Deixando de lado suas preferências e preconceitos, dê uma olhada nos vários argumentos e avalie-os por si mesmos. O que parece mais plausível? Quando você responde a essa pergunta, você formou um julgamento fundamentado e reflexivo sobre uma questão de grande importância.

ReferênciasADAMS, Marilyn McCord. Horrendous evils and the goodness of God. Ithaca, NY: Cornell University Press, 2000.

AGOSTINHO, Santo. Confissões. Trad. J. Oliveira Santos e A. Ambrósio de Pina. São Paulo: Nova Cultural, 1996.

______. O Livre-Arbítrio. 3. ed. Trad. Nair de Assis Oliveira. São Paulo: Paulus, 1995.

______. A Cidade de Deus: (contra os pagãos). Trad. Oscar Paes Leme. 4. ed. pt. I. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Fundação Agostiniana Brasileira, 1990.

BEEBE, James R. O problema lógico do mal. Trad. Gilmar Pereira dos Santos. 2011. Disponível em: <https://rebeldiametafisica.wordpress.com/2011/06/24/o-problema-logico-do-mal/>. Acesso em: 29 maio 2017.

Page 241: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

241

Problemas do Mal Capítulo 7

BRADLEY, Raymond D. A defesa do livre-arbítrio refutada e a inexistência de Deus demonstrada. Trad. Gilmar Pereira dos Santos. 2007. Disponível em: <https://rebeldiametafisica.wordpress.com/2011/07/08/a-defesa-do-livre-arbitrio-refutada-e-a-inexistencia-de-deus-demonstrada/>. Acesso em: 29 maio 2017.

DRAPER, Paul. The argument from evil. In: COPAN, Paul; MEISTER, Chad (Eds.). Philosophy of Religion: Classic and Contemporary Issues. Oxford: Blackwell, 2008. p. 142-154.

FEINBERG, John S. The many faces of evil: theological systems and the problems of evil. rev. Wheaton, IL: Crossway Books, 2004.

GRIFFIN, David Ray. Creation out of Nothing, Creation out of Chaos, and the Problem of Evil. In: DAVID, Stephen T. (Ed.). Encountering Evil: Live Options in Theodicy. Louisville, KY: Westminster John Knox Press, 2001. p. 108-125. Disponível em: <http://www.anthonyflood.com/griffincreationoutofchaos.htm>. Acesso em: 27 maio 2017.

HICK, John. Evil and the God love. New York: Palgrave MacMillan, 2010.

HUME, David. Diálogos sobre a religião natural. Trad. Jose Oscar de Almeida Marques. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

LAW, Stephen. O desafio do Deus malévolo. Trad. Gilmar Pereira dos Santos. Religious Studies, v. 46, 2010. Disponível: <https://rebeldiametafisica.wordpress.com/2011/11/09/o-desafio-do-deus-malevolo/>. Acesso em: 28 maio 2017.

LEIBNIZ, G. W. Ensaios de Teodiceia: sobre a bondade de Deus, a liberdade do homem e a origem do mal. Trad. William de Siqueira Piauí e Juliana Cecci Silva. São Paulo: Estação Liberdade, 2013.

MACKIE, J. L. Mal e onipotência. In: BONJOUR, Laurence; BAKER, Ann. Filosofia: Textos Fundamentais Comentados. Porto Alegre: Artmed, 2010. p. 683-689. MARCUSE, Herbert. Razão e revolução: Hegel e o advento da teoria social. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004.

MIRANDA, Sergio (Ed.). O Problema do Mal: uma antologia de textos filosóficos. Marília: Poiesis, 2013.

PINKER, Steven. Os anjos bons da nossa natureza: por que a violência diminuiu. Trad. Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

Page 242: EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

242

EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA

PLANTINGA, Alvin. Deus, a liberdade e o mal. Trad. Desiderio Murcho. São Paulo: Vida Nova, 2012.

______. God and other minds: a study of the rational justification of belief in God. Ithaca, NY: Cornell University Press, 1990.

______. The nature of necessity. Oxford: Claredon Press, 1978. Disponível em: <http://books.google.com/books?vid=ISBN0191037176>. Acesso em: 26 maio 2017.

ROWE, W. O problema do mal e algumas variedades de ateísmo. In: MIRANDA, S. (Ed.) O Problema do Mal: uma antologia de textos filosóficos. Marília: Poiésis, 2013.

______. Introduçãoàfilosofiadareligião. Trad. Vítor Guerreiro. Lisboa: Verbo, 2011.

RUMMEL, Joseph Rudolph. Democídio versus genocídio. Trad. Leandro Diniz. Hawaii-edu. 1998. Disponível em: <http://traducoesessenciais.blogspot.com.br/2009/03/democidio-versus-genocidio-qual-e-o-que.html>. Acesso em: 23 maio 2017.

RUSSEL, Bruce. Why doesn’t God intervene to prevent Evil? In: POJMAN, Luis P. Philosophy: The Quest for Truth 3. ed. Belmont: Wadsworth, 1996. p. 74-80. Disponível em: <http://infidels.org/library/modern/bruce_russell/intervene.html>. Acesso em: 24 maio 2017.

SWEETMAN, Brendan. Religião: conceitos-chave em filosofia. Trad. Roberto Cataldo Costa. Porto Alegre: Penso, 2013.

SWINBURNE, Richard. Providence and the problem of evil. Oxford: Claredon Press, 1998.

WITTGENSTEIN, Ludwig. InvestigaçõesFilosóficas. Trad. Jose Carlos Bruni. São Paulo: Nova Cultural, 1999.

WYKSTRA, Stephen J. O obstáculo humano aos argumentos indiciários do sofrimento: evitar os males da “aparência”. In: MIRANDA, S. (Ed.) O Problema do Mal: uma antologia de textos filosóficos. Marília: Poiesis, 2013.