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POL ÍTICA ESTADO DE MINAS D O M I N G O , 1 7 D E J U N H O D E 2 0 1 2 6 ARTE: JANEY COSTA SANDRA KIEFER depoimento de Dilma Rousseff é parte do processo aberto em março de 2001 no Conselho dos Direitos Humanos de Minas Gerais (Conedh-MG), criado por determinação do então governador Itamar Franco para indenizar presos políticos mineiros. O nome de Dilma foi o 12º da primeira leva de 53 militantes po- líticos de Minas a receber R$ 30 mil a título de repara- ção por torturas impostas por agentes do Estado, que, em vez de cumprir a função de proteger, cons- trangeram pessoas em território mineiro. Na docu- mentação, consta que o valor, ainda que simbólico, foi depositado na conta de Dilma em 2002. Era outro contexto na época. Ninguém imagina- va que a arredia Dilma Rousseff se disporia a conce- der um depoimento pessoal relatando as torturas sofridas em Minas. E mais: ninguém cogitaria que a ex-estudante do Colégio Estadual Central de Belo Horizonte viria a se tornar um dia presidente da Re- pública. A indenização mineira foi paga em março de 2002, 10 anos e dois meses antes da instalação da Comissão Nacional da Verdade, em Brasília. Só agora saiu a indenização a Dilma pelo Conedh do Rio de Janeiro, reivindicada em 2004. A presidente divulgou que vai doar a importância de R$ 20 mil ao Tortura Nunca Mais. O promotor de Justiça de Juiz de Fora Antônio Au- rélio Silva foi o relator do processo de Dilma por Mi- nas, na ocasião. Avesso a entrevistas, diz apenas que o processo correu à revelia de Dilma, que inicialmen- te resistiu a entrar com pedido de reparação por ter sofrido tortura. Sua inscrição foi feita sob pressão de representantes mineiros do Tortura Nunca Mais. Eles conseguiram colher a assinatura da mãe dela, Dilma Jane, que morava então no Bairro São Luiz, na Região da Pampulha, em BH. "No primeiro momento Dilma foi contra, mas de- pois entendeu a importância histórica do ato e aca- bou colaborando no processo", afirma. Antônio Auré- lio se recorda que os membros do conselho foram ao Rio Grande do Sul coletar depoimentos de ex-presos políticos mineiros “exilados” naquele estado, mas não tinham esperanças de conseguir ouvir a então secretária das Minas e Energia. Na última hora, Dil- ma teria mudado de ideia. Segundo o promotor, "o fato de Dilma ter sido torturada mais barbaramente em outras unidades da federação não elide a ela des- se merecimento, porque Dilma também foi vítima de constrangimentos aqui", defende. Com o aval de Itamar, preocupado com a questão dos direitos humanos, foram criados programas que tiveram continuidade, como o Programa de Proteção a Testemunhas e o Disque Direitos Humanos. No en- tanto, na opinião do antigo integrante da Comissão Estadual de Indenização às Vítimas de Tortura (Cei- vt) Robson Sávio, que ouviu Dilma em 2001, o então governador só se esqueceu de fornecer infraestrutu- ra ao Conselho Estadual de Direitos Humanos. "Eu me sentia numa missão quixotesca", diz Robson. Ainda hoje a comissão sofre com a precariedade das instalações no Maletta. Só conta com o apoio de voluntários e a boa vontade de jovens estagiá- rios. "Meu maior sonho é digitalizar o passado de nossos militantes históricos, que está jogado nes- tas caixas de papelão", desabafa o presidente do Co- nedh-MG, o advogado e professor da PUC Minas, Emílcio José Lacerda. "Há pouco interesse pelos nossos processos. Na época da última eleição à presidência, porém, ten- taram ter acesso aos arquivos da Dilma. Mas tiveram azar, porque um dos nossos conselheiros levou o processo dela para casa e permaneceu com ele até o fim da campanha", comenta o professor, fiel aos prin- cípios éticos e guardião de uma causa maior. Robson Sávio, ex-presidente da Comissão Estadual de Indenização às Vítimas de Tortura, que ouviu Dilma em 2001 MARCOS MICHELIN/EM/D.A PRESS

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POLÍTICA

E S T A D O D E M I N A S ● D O M I N G O , 1 7 D E J U N H O D E 2 0 1 2

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SANDRA KIEFER

depoimento de Dilma Rousseff é parte do processoaberto em março de 2001 no Conselho dos DireitosHumanos de Minas Gerais (Conedh-MG), criado pordeterminação do então governador Itamar Francopara indenizar presos políticos mineiros. O nome deDilma foi o 12º da primeira leva de 53 militantes po-líticos de Minas a receber R$ 30 mil a título de repara-ção por torturas impostas por agentes do Estado,que, em vez de cumprir a função de proteger, cons-trangeram pessoas em território mineiro. Na docu-mentação, consta que o valor, ainda que simbólico,foi depositado na conta de Dilma em 2002.

Era outro contexto na época. Ninguém imagina-va que a arredia Dilma Rousseff se disporia a conce-der um depoimento pessoal relatando as torturassofridas em Minas. E mais: ninguém cogitaria quea ex-estudante do Colégio Estadual Central de BeloHorizonte viria a se tornar um dia presidente da Re-pública. A indenização mineira foi paga em marçode 2002, 10 anos e dois meses antes da instalaçãoda Comissão Nacional da Verdade, em Brasília. Sóagora saiu a indenização a Dilma pelo Conedh doRio de Janeiro, reivindicada em 2004. A presidentedivulgou que vai doar a importância de R$ 20 milao Tortura Nunca Mais.

O promotor de Justiça de Juiz de Fora Antônio Au-rélio Silva foi o relator do processo de Dilma por Mi-nas, na ocasião. Avesso a entrevistas, diz apenas queo processo correu à revelia de Dilma, que inicialmen-te resistiu a entrar com pedido de reparação por tersofrido tortura. Sua inscrição foi feita sob pressão derepresentantes mineiros do Tortura Nunca Mais. Elesconseguiram colher a assinatura da mãe dela, DilmaJane, que morava então no Bairro São Luiz, na Regiãoda Pampulha, em BH.

"No primeiro momento Dilma foi contra, mas de-pois entendeu a importância histórica do ato e aca-bou colaborando no processo", afirma. Antônio Auré-lio se recorda que os membros do conselho foram aoRio Grande do Sul coletar depoimentos de ex-presospolíticos mineiros “exilados” naquele estado, masnão tinham esperanças de conseguir ouvir a entãosecretária das Minas e Energia. Na última hora, Dil-ma teria mudado de ideia. Segundo o promotor, "ofato de Dilma ter sido torturada mais barbaramenteem outras unidades da federação não elide a ela des-se merecimento, porque Dilma também foi vítimade constrangimentos aqui", defende.

Com o aval de Itamar, preocupado com a questãodos direitos humanos, foram criados programas quetiveram continuidade, como o Programa de Proteçãoa Testemunhas e o Disque Direitos Humanos. No en-tanto, na opinião do antigo integrante da ComissãoEstadual de Indenização às Vítimas de Tortura (Cei-vt) Robson Sávio, que ouviu Dilma em 2001, o entãogovernador só se esqueceu de fornecer infraestrutu-ra ao Conselho Estadual de Direitos Humanos. "Eume sentia numa missão quixotesca", diz Robson.

Ainda hoje a comissão sofre com a precariedadedas instalações no Maletta. Só conta com o apoiode voluntários e a boa vontade de jovens estagiá-rios. "Meu maior sonho é digitalizar o passado denossos militantes históricos, que está jogado nes-tas caixas de papelão", desabafa o presidente do Co-nedh-MG, o advogado e professor da PUC Minas,Emílcio José Lacerda.

"Há pouco interesse pelos nossos processos. Naépoca da última eleição à presidência, porém, ten-taram ter acesso aos arquivos da Dilma. Mas tiveramazar, porque um dos nossos conselheiros levou oprocesso dela para casa e permaneceu com ele até ofim da campanha", comenta o professor, fiel aos prin-cípios éticos e guardião de uma causa maior. ■■ Robson Sávio, ex-presidente da Comissão Estadual de Indenização às Vítimas de Tortura, que ouviu Dilma em 2001

MARCOS MICHELIN/EM/D.A PRESS