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ESTADO DE MINAS S E G U N D A - F E I R A , 1 8 D E J U N H O D E 2 0 1 2 POL ÍTICA EDITOR: Baptista Chagas de Almeida EDITOR-ASSISTENTE: Renato Scapolatempore E-MAIL: [email protected] TELEFONE: (31) 3263-5293 3 Vinte e duas mensagens endereçadas a militantes políticos levaram Dilma de volta às sessões no pau de arara, desta vez, em Minas SANDRA KIEFER “Orós, Peço-lhe procurar com urgência a Stela e mandá-la procurar por João, à rua Oruá, 246, no bairro S. Paulo, para discu- tir um troço. Se não conseguir encontrá- la, vá você mesma. É importantíssimo. Saudações de Gabriel” Apesar de ter sido escrito na surdina, o bilhete enviado por Gabriel, um dos codi- nomes de Ângelo Pezzuti, principal diri- gente do Comando de Libertação Nacio- nal (Colina) em Belo Horizonte, consegue preservar a correção gramatical e de- monstrar a urgência do momento. Preso na Colônia Magalhães Pinto, a Penitenciá- ria de Neves, na Grande BH, Gabriel tenta- va escapar da prisão, como outros compa- nheiros, envolvendo no ousado plano de fuga a jovem militante política Estela, co- dinome de Dilma Rousseff, que mais tar- de seria eleita democraticamente à Presi- dência do Brasil. Ele pensou que poderia contar também com a ajuda de Oroslinda Maria Taranto Goulart, a Orós, que era do setor operário da Organização Político Mi- litar (OPM). Mas a verdade é que a mensa- gem (veja reprodução ao lado) nunca chegaria à mão de nenhuma das duas mi- litantes políticas, sendo interceptada pe- los agentes da repressão. Por causa desse e de outros 21 bilhetes endereçados a Dilma (Estela), a Oroslinda (de codinome Mônica) e a outros compa- nheiros de militância, Dilma voltaria a ser torturada, agora nos porões da ditadura de Juiz de Fora, em Minas. Ao descrever os sis- temas de troca de guarda, as cinco galerias de celas e inclusive desenhar o mapa da penitenciária (veja reprodução na pági- na 4) , Pezzuti involuntariamente desper- tou a suspeita de que havia militantes infil- trados em órgãos de segurança de Minas. “Eu não tinha a menor ideia do que se tratava, pois tinha saído de BH no início de 1969 e isso era no início de 1970. Desconhe- cia as tentativas de fuga do Ângelo Pezzu- ti, mas eles supuseram que se tratava de uma mentira”, revelou Dilma, em depoi- mento até então inédito, prestado em 2001 à equipe do Conselho Estadual de Di- reitos Humanos (Conedh-MG), segundo publicou ontem com exclusividade o Estado de Minas, revelando em primeira mão os relatos e a dor da própria presiden- te na prisão em Minas. Pensativa, Estela disse mais: “Talvez uma das coisas mais di- fíceis de você ser no interrogatório é ino- cente. Você não sabe nem do que se trata”. O resultado dos bilhetinhos foi um só: Dilma voltou a apanhar em Minas, e de forma ainda mais brutal. Os agentes da repressão queriam que Estela contasse o que sabia sobre o plano de fuga dos pre- sos, a qual, aliás, acabou não ocorrendo. “Até tentei ajudar, mas logo depois a polí- cia foi atrás de mim. Não deu tempo”, la- menta Oroslinda, que deixou para trás o apelido de Orós e hoje é conhecida como Linda. De codinome Mônica, a ex-mili- tante entrou para a clandestinidade e nunca chegou a ser presa pelos órgãos de segurança. Atualmente, trabalha como LEIA MAIS SOBRE OS DEPOIMENTOS DE DILMA E A REPERCUSSÃO NO BRASIL E NO MUNDO PÁGINAS 4 E 5 REPRODUÇÃO Bilhetes foram a causa do horror chefe de gabinete de outra militante da época, a ministra Eleonora Menicucci, da Secretaria de Políticas para Mulheres, que também entrou com pedido de indeniza- ção na comissão mineira. Ao ser trazida num camburão de São Paulo para Juiz de Fora, Estela imaginava que seria apenas interrogada, como das outras vezes, pois já estava na fase final do julgamento na auditoria da 4ª Circunscri- ção Judiciária Militar (CJM), em Juiz de Fo- ra. Mas as sessões de sofrimento, que já haviam acontecido em São Paulo e no Rio de Janeiro, recomeçaram em Minas. “A convicção de que haveria traidores no meio policial militar explicava a violência dos interrogatórios e a intensidade das torturas, que, sem cessar, intercalavam, ao longo do dia: pau de arara, afogamen- to, choques elétricos, palmatória, pau de arara, num rodízio infernal e, em alguns momentos, o horror da simultaneidade de todas essas sevícias”, declarou Dilma, quando era secretária das Minas e Ener- gia do Rio Grande do Sul, ainda filiada ao PDT. O documento serviu de base para re- querer a indenização de R$ 30 mil conce- dida às vítimas de tortura pelo Conedh- MG, a primeira comissão do país a reco- nhecer esse direito, ainda na época do go- vernador Itamar Franco. A mensagem de Ângelo Pezzuti, sob o codinome Gabriel, que, interceptada por agentes militares, nunca chegaria à mão de Dilma e de Oroslinda

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E S T A D O D E M I N A S ● S E G U N D A - F E I R A , 1 8 D E J U N H O D E 2 0 1 2

POLÍTICA E D I T O R : B a p t i s t a C h a g a s d e A l m e i d a

E D I T O R - A S S I S T E N T E : R e n a t o S c a p o l a t e m p o r e

E - M A I L : p o l i t i c a . e m @ u a i . c o m . b r

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Vinte e duas mensagens endereçadas a militantes políticos levaramDilma de volta às sessões no pau de arara, desta vez, em Minas

SANDRA KIEFER

“Orós,Peço-lhe procurar com urgência a

Stela e mandá-la procurar por João, à ruaOruá, 246, no bairro S. Paulo, para discu-tir um troço. Se não conseguir encontrá-la, vá você mesma. É importantíssimo.

Saudações de Gabriel”

Apesar de ter sido escrito na surdina, obilhete enviado por Gabriel, um dos codi-nomes de Ângelo Pezzuti, principal diri-gente do Comando de Libertação Nacio-nal (Colina) em Belo Horizonte, conseguepreservar a correção gramatical e de-monstrar a urgência do momento. Presona Colônia Magalhães Pinto, a Penitenciá-ria de Neves, na Grande BH, Gabriel tenta-vaescapardaprisão,comooutroscompa-nheiros, envolvendo no ousado plano defuga a jovem militante política Estela, co-dinome de Dilma Rousseff, que mais tar-de seria eleita democraticamente à Presi-dência do Brasil. Ele pensou que poderia

contar também com a ajuda de OroslindaMaria Taranto Goulart, a Orós, que era dosetoroperáriodaOrganizaçãoPolíticoMi-litar (OPM). Mas a verdade é que a mensa-gem (veja reprodução ao lado) nuncachegaria à mão de nenhuma das duas mi-litantes políticas, sendo interceptada pe-los agentes da repressão.

Por causa desse e de outros 21 bilhetesendereçados a Dilma (Estela), a Oroslinda(de codinome Mônica) e a outros compa-nheiros de militância, Dilma voltaria a sertorturada,agoranosporõesdaditaduradeJuizdeFora,emMinas.Aodescreverossis-temas de troca de guarda, as cinco galeriasde celas e inclusive desenhar o mapa dapenitenciária (veja reprodução na pági-na 4), Pezzuti involuntariamente desper-touasuspeitadequehaviamilitantesinfil-trados em órgãos de segurança de Minas.

“Eu não tinha a menor ideia do que setratava,poistinhasaídodeBHnoiníciode1969eissoeranoiníciode1970.Desconhe-cia as tentativas de fuga do Ângelo Pezzu-ti, mas eles supuseram que se tratava de

uma mentira”, revelou Dilma, em depoi-mento até então inédito, prestado em2001àequipedoConselhoEstadualdeDi-reitos Humanos (Conedh-MG), segundopublicou ontem com exclusividade oEstado de Minas, revelando em primeiramãoosrelatoseadordaprópriapresiden-te na prisão em Minas. Pensativa, Esteladissemais:“Talvezumadascoisasmaisdi-fíceis de você ser no interrogatório é ino-cente.Vocênãosabenemdoquesetrata”.

O resultado dos bilhetinhos foi um só:Dilma voltou a apanhar em Minas, e deforma ainda mais brutal. Os agentes darepressão queriam que Estela contasse oque sabia sobre o plano de fuga dos pre-sos, a qual, aliás, acabou não ocorrendo.“Até tentei ajudar, mas logo depois a polí-cia foi atrás de mim. Não deu tempo”, la-menta Oroslinda, que deixou para trás oapelido de Orós e hoje é conhecida comoLinda. De codinome Mônica, a ex-mili-tante entrou para a clandestinidade enunca chegou a ser presa pelos órgãos desegurança. Atualmente, trabalha como ❚ ❚

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E A REPERCUSSÃO NO BRASIL E NO MUNDO

PÁGINAS 4 E 5

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Bilhetes foram acausa do horror

chefe de gabinete de outra militante daépoca, a ministra Eleonora Menicucci, daSecretaria de Políticas para Mulheres, quetambém entrou com pedido de indeniza-ção na comissão mineira.

Ao ser trazida num camburão de SãoPaulo para Juiz de Fora, Estela imaginavaque seria apenas interrogada, como dasoutras vezes, pois já estava na fase final dojulgamento na auditoria da 4ª Circunscri-ção Judiciária Militar (CJM), em Juiz de Fo-ra. Mas as sessões de sofrimento, que jáhaviam acontecido em São Paulo e no Riode Janeiro, recomeçaram em Minas. “Aconvicção de que haveria traidores nomeio policial militar explicava a violênciados interrogatórios e a intensidade dastorturas, que, sem cessar, intercalavam,

ao longo do dia: pau de arara, afogamen-to, choques elétricos, palmatória, pau dearara, num rodízio infernal e, em algunsmomentos, o horror da simultaneidadede todas essas sevícias”, declarou Dilma,quando era secretária das Minas e Ener-gia do Rio Grande do Sul, ainda filiada aoPDT. O documento serviu de base para re-querer a indenização de R$ 30 mil conce-dida às vítimas de tortura pelo Conedh-MG, a primeira comissão do país a reco-nhecer esse direito, ainda na época do go-vernador Itamar Franco.

A mensagem de Ângelo Pezzuti, sob o codinome Gabriel, que, interceptada

por agentes militares, nunca chegaria à mão de Dilma e de Oroslinda