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er UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTROS DE HUMANIDADES E ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE TARCISA BEZERRA GOMES A FAMÍLIA EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE SOCIAL NO CONTEXTO HODIERNO DA DESINSTITUCIONALIZAÇÃO PSIQUIÁTRICA FORTALEZA – CEARÁ 2015

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er

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTROS DE HUMANIDADES E ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS

MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE

TARCISA BEZERRA GOMES

A FAMÍLIA EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE SOCIAL NO

CONTEXTO HODIERNO DA DESINSTITUCIONALIZAÇÃO PSIQUIÁTRICA

FORTALEZA – CEARÁ

2015

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TARCISA BEZERRA GOMES

A FAMÍLIA EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE SOCIAL NO CONTEXTO

HODIERNO DA DESINSTITUCIONALIZAÇÃO PSIQUIÁTRICA

Dissertação submetida à Coordenação do Curso de Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade, da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Políticas Públicas e Sociedade. Orientador: Prof. Dr. João Bosco Feitosa dos Santos.

FORTALEZA – CEARÁ

2015

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Ao meu amor maior! Meu baluarte,

minha fortaleza, minha proteção e

refúgio. Razão pela qual nunca desisti de

sonhar e acreditar. Uma baixinha porreta,

guerreira, forte, nascida nos rincões do

sertão piauiense. Dedico esta dissertação

à senhora, Terezinha Maria Bezerra, a

quem tenho orgulho de chamar de: mãe.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por existir, guiar meus passos e nunca me deixar sozinha.

À minha família, vocês são tudo para mim. Se retornei para casa, depois de um longo e

distante percurso, foi por cada um: Terezinha (mãe), Francisco João (pai), Deusinha

(irmã), Marinalva (irmã), Ridevaldo (irmão), Dejnalva (irmã), Francivaldo (irmão),

Mara Thaís (sobrinha), Ana Marta (sobrinha), Mariana (sobrinha), Matheus (sobrinho),

Marina (sobrinha), Ana Ruth (sobrinha), Maiara (sobrinha) e Miguel (sobrinho). Ah!

Keith, minha cadelinha linda, onde estiver, você sempre fará parte do que somos.

Ao meu orientador, Prof. Dr. João Bosco Feitosa dos Santos, anjo sem asas, pelo olhar

sensível e caloroso que acalentou meu espírito num momento de tribulação e quase

desistência.

Ao César Henrique Bandeira de Melo, por me fazer descobrir que o amor compartilhado

é possível.Você veio para ficar, não obstante a ausência. Seu incentivo foi

imprescindível. “Eu sei que vou te amar. Por toda a minha vida eu vou te amar”.

Às minhas amigas-irmãs Ivânia Cristina (Serviço Social/UFPI) e Lidiane Ramos

(MAPPS/UECE), por estarem comigo. Com vocês é mais fácil caminhar.

Às amigas, mais que colegas de profissão, do Serviço Social da Defensoria Pública da

União, Oscarina, Gisele, Eliza, Luciana, Roberta e Fabrícia, pelo apoio, pelo cuidado e

por me ensinarem o prazer do trabalho em equipe.

Às amigas, mais que colegas de profissão, do Serviço Social da Emergência do Hospital

Geral de Fortaleza, em especial Vilani, Socorro Gomes, Osmarina, Socorro Brito,

Branca e Sandra, por dividirem comigo risos e alegrias em meio a um espaço tão repleto

de dor.

Às Profas. Dras. Socorro Osterne e Lúcia Conde, integrantes da banca avaliadora da

qualificação e também da defesa, pela aceitação do convite, tempo dispensado à leitura

e pelas contribuições que enriqueceram sobremodo a pesquisa.

À minha amiga Fê Mendes, longe e ao mesmo tempo perto, que, com sua sensibilidade

artística, sempre captou, com precisão, os meus anseios e aperreios.

Às famílias entrevistadas e seus respectivos representantes, pela cooperação, pela

disposição em participar desta caminhada e pela emoção que me fizeram sentir diante

da bravura, senso de responsabilidade e comprometimento com seus parentes ainda

mais fragilizados em razão do sofrimento mental. Vocês são heróis admiráveis!

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Aos ditos “loucos”, que colorem a vida com suas sandices encantadas e nos ensinam

que a “normalidade” enfeia e escurece o mundo.

A todos que direta e indiretamente contribuíram para a realização deste trabalho, desde

os primeiros passos até aqui, muito obrigada! Certo estava o pensador quando disse que

um sonho sonhado sozinho é um sonho. Um sonho sonhado junto é uma realidade.

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“O louco

Perguntais-me como me tornei louco.

Aconteceu assim:

Um dia, muito tempo antes de muitos

deuses terem nascido, despertei de um

sono profundo e notei que todas as

minhas máscaras tinham sido roubadas –

as sete máscaras que havia confeccionado

e usado em sete vidas – e corri sem

máscaras pelas ruas cheias de gente,

gritando: ‘Ladrões, ladrões, malditos

ladrões!’.

Homens e mulheres riram de mim e

alguns correram para casa, com medo de

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mim. E quando cheguei à praça do

mercado, um garoto trepado no telhado

de uma casa gritou: ‘É um louco!’.

Olhei para cima, para vê-lo. O sol beijou

pela primeira vez minha face nua. Pela

primeira vez o sol beijava minha face nua,

e minha alma inflamou-se de amor pelo

sol, e não desejei mais minhas máscaras.

E, como num transe, gritei:

‘Benditos, benditos os ladrões que

roubaram minhas máscaras!’

Assim me tornei louco.

E encontrei tanta liberdade como

segurança em minha loucura: a liberdade

da solidão e a segurança de não ser

compreendido, pois aquele desigual que

nos compreende escraviza alguma coisa

em nós.”

(Kahlil Gibran)

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RESUMO

Esta dissertação discute os contornos atuais da política de saúde mental e seus reflexos no

segmento familiar. O objetivo consistiu em desvelar dilemas e vicissitudes das famílias em

situação de vulnerabilidade social no contexto hodierno da desinstitucionalização

psiquiátrica. Para tanto, realizou-se pesquisa de natureza quanti-qualitativa com suporte

bibliográfico, documental e uso da entrevista semiestruturada e observação flutuante. O

locus foi a Defensoria Pública da União no Ceará (DPU/CE), tendo como sujeitos da

pesquisa famílias com demanda psíquica atendidas pelo Serviço Social na instituição, as

quais buscam assistência jurídica para obtenção de direitos sociais destinados à pessoa com

deficiência mental e negados no âmbito administrativo. A pesquisa revelou que os

familiares enfrentam dilemas e vicissitudes tanto na esfera microfamiliar, através dos

conflitos que envolvem questões financeiras, físicas e emocionais marcadas pelas pressões

socioeconômicas e pela sobrecarga adjunta à situação; quanto na esfera macrossocial,

devido ao crescente processo de centralização familiar em face da desproteção do Estado e

às mazelas estruturais de uma conjuntura política pautada por interesses globais e

econômicos que reverberam no provimento da política de proteção social. Por conseguinte,

postula-se que a rede protetiva em saúde mental funciona de modo precário com a falta

recorrente de psiquiatras nos Centros de Atenção Psicossocial, na estrutura inadequada

dessas unidades de saúde mental, na recorrente indisponibilidade de medicação psiquiátrica

nos serviços públicos de saúde, nas crises constantes dos parentes mentalmente adoecidos

que levam à busca por maior internação psiquiátrica, dentre outros. Conclui-se que tais

questões precisam ser amplamente discutidas no sentido de atentar para as demandas

familiares, uma vez que o segmento tem relevância no modelo e não responder às suas

necessidades pode incorrer em riscos para os avanços da desinstitucionalização psiquiátrica.

Palavras-chave: Família. Vulnerabilidade social. Proteção social. Desinstitucionalização

psiquiátrica.

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ABSTRACT

This master thesis discusses the outlines of the current mental health policy and its

reflexes on families. The objective consists in revealing dilemmas and vicissitudes of

families in situations of social vulnerability within today’s context of psychiatric

deinstitutionalization. Therefore, a quanti-qualitative research was carried out using

bibliographical and documental support, as well as semi-structured interviews and

floating observation. The locus was the Public Defender’s Office (P.D.O./CE) and it has

as subjects families with psychiatric demands who are assisted by the institution’s

Social Service and seek for legal assistance to guarantee mentally impaired people the

social rights that had been denied to them at the administrative scope. The study found

that the families face dilemmas and vicissitudes both on the micro-familiar level,

through conflicts involving financial, physical and emotional matters marked by

socioeconomic pressure and by the overload of the situation as a whole; as well as on

the macro-social level, due to the growing process of family centralization before the

lack of State protection and the structural illnesses of a policy based on global and

economic interests that echoes into the promotion of social protection policies.

Consequently, it is postulated that the mental health protective network works

precariously due to the lack of psychiatrists at Psychosocial Attention Centers,

inadequate structure of such mental health units, recurrent unavailability of psychiatric

medications in public health service, constant crises of mentally-ill relatives, which

leads to the growing demand for psychiatric hospitalization, among other problems. One

concludes that such issues need to be widely discussed in order to closely observe

family demands, since they are relevant in the model and not meeting their needs may

incur risks to the advances of psychiatric deinstitutionalization.

Keywords: Family. Social vulnerability. Social protection. Psychiatric deinstitutionalization.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AB Atenção Básica

ApM Apoio Matricial

BPC Benefício de Prestação Continuada

CAPS Centro de Atenção Psicossocial

CAPS-AD Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas

CAPSi Centro de Atenção Psicossocial Infantil

CFB Constituição Federal Brasileira

CLT Consolidação das Leis do Trabalho

CNAS Conselho Nacional de Assistência Social

CNES Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde

CNJ Conselho Nacional de Justiça

COOPCAPS Cooperativa Social do Centro de Atenção Psicossocial

CRAS Centro de Referência de Assistência Social

CREAS Centro de Referência Especializada de Assistência Social

CSDPU Conselho Superior da Defensoria Pública da União

DPU Defensoria Pública da União

DPU/CE Defensoria Pública da União no Ceará

ETUFOR Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza

HSMM Hospital de Saúde Mental de Messejana

INSS Instituto Nacional de Seguro Social

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

LBA Legião Brasileira de Assistência

LOAS Lei Orgânica da Assistência Social

LOS Lei Orgânica da Saúde

NASF Núcleo de Apoio à Saúde da Família

NOB/SUAS Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social

OSCIP Organização da Sociedade Civil de Interesse Público

PAIF Programa de Atenção Integral à Família

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PAJ Processo Administrativo Jurídico

PETI Programa de Erradicação do Trabalho Infantil

PMF Programa Médico da Família

PNAS Política Nacional de Assistência Social

ProJovem Programa Nacional de Inclusão de Jovens

PSF Programa Saúde da Família

PT/MG Partidos dos Trabalhadores de Minas Gerais

SAMU Serviço de Atendimento Móvel de Urgência

SER Secretaria Executiva Regional

SESA Secretaria da Saúde do Estado do Ceará

TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UPA Unidade de Pronto Atendimento

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LISTA DE QUADROS

Quadro 01 – Novas configurações familiares contemporâneas ............................... 49

Quadro 02 – Modalidades de CAPS e suas especificidades .................................... 77

Quadro 03 – Matriz analítica para avaliação das práticas de desinstitucionalização 79

Quadro 04 – Distribuição de leitos nos hospitais gerais de Fortaleza ...................... 84

Quadro 05 – Distribuição dos entrevistados por nome fictício, parentesco, tipo de

família, diagnóstico e idade do PTM ................................................. 105

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LISTA DE TABELAS

Tabela 01 – Composição familiar/Membros ......................................................... 93

Tabela 02 – Composição familiar/Tipologia ......................................................... 94

Tabela 03 – Representação por gênero/Famílias monoparentais ............................ 94

Tabela 04 – Representação por gênero/Famílias ampliadas ................................... 95

Tabela 05 – Composição familiar/Gênero PTM .................................................... 95

Tabela 06 – Composição familiar/Faixa etária do PTM ........................................ 95

Tabela 07 – Composição familiar/Parentesco do PTM .......................................... 96

Tabela 08 – Composição familiar/Cuidador(a) ...................................................... 96

Tabela 09 – Situação de trabalho e renda/Trabalho e ocupação ............................. 97

Tabela 10 – Situação de trabalho e Renda/Renda familiar ..................................... 98

Tabela 11 – Situação de trabalho e renda/Benefícios sociais ................................. 98

Tabela 12 – Esquizofrenia por gênero e idade ....................................................... 99

Tabela 13 – Retardo mental por gênero e idade..................................................... 100

Tabela 14 – Escolaridade por tipo de família ........................................................ 101

Tabela 15 – Escolaridade dos parentes com transtornos mentais ........................... 102

Tabela 16 – Lazer das famílias ............................................................................. 102

Tabela 17 – Condições de infraestrutura e moradia/SER ....................................... 103

Tabela 18 – Condições de infraestrutura e moradia/Moradia ................................. 104

Tabela 19 – Condições de infraestrutura e moradia/N.º de cômodos ..................... 105

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................ 19

2 DA CONSTRUÇÃO DO OBJETO AO CAMINHO METODOLÓGICO:

UMA TRAJETÓRIA DE ENCANTAMENTOS E (RE)DESCOBERTAS ... 22

2.1 RETOMANDO A ANTIGA PAIXÃO: UM CICLO QUE NÃO SE FECHOU 23

2.2 JUNÇÃO DE PEQUENAS COISAS PARA FAZER UMA GRANDE:

PASSOS METODOLÓGICOS................................................................... 29

2.2.1 Marco teórico numa abordagem pluralista ............................................. 30

2.2.2 Procedimentos, locus e sujeitos da pesquisa ............................................ 32

3 REFLEXOS E REFLEXÕES DA FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA

NO CONTEXTO DAS MUDANÇAS ESTRUTURAIS.......................... 39

3.1 VARIABILIDADE HISTÓRICA DA FAMÍLIA: DA ERA MODERNA À

CONTEMPORANEIDADE A PARTIR DE UMA ANÁLISE PLURALISTA 41

3.2 MUDANÇAS GLOBAIS, SEUS REFLEXOS NAS FAMÍLIAS

VULNERÁVEIS E A PROTEÇÃO SOCIAL A ELAS DESTINADA ....... 50

3.2.1 Política de proteção social: a estruturação e os descompassos na

contemporaneidade .................................................................................. 56

3.3 A RELAÇÃO ENTRE FAMÍLIA E ESFERA PÚBLICA: A

REDESCOBERTA DA PRIMEIRA PELA SEGUNDA EM TEMPOS DE

MUDANÇAS ..................................................................................................... 62

4 FAMÍLIA E DESINSTITUCIONALIZAÇÃO PSIQUIÁTRICA:

RELAÇÃO SOCIALMENTE CONSTRUÍDA ....................................... 68

4.1 DA INSTITUCIONALIZAÇÃO À DESINSTITUCIONALIZAÇÃO

PSIQUIÁTRICA: TRAJETÓRIA MARCADA POR DESAFIOS ................... 69

4.2 A CONSTRUÇÃO DA DESINSTITUCIONALIZAÇÃO PSIQUIÁTRICA

NA REALIDADE BRASILEIRA ...................................................................... 75

4.2.1 O Ceará na desinstitucionalização: do interior para a capital ............... 81

4.3 A FAMÍLIA E O PROCESSO DE DESINSTITUCIONALIZAÇÃO

PSIQUIÁTRICA ........................................................................................ 85

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5 DILEMAS E VICISSITUDES DAS FAMÍLIAS PESQUISADAS:

RECORTE DE UMA REALIDADE ....................................................... 91

5.1 O PERFIL DAS FAMÍLIAS COM PARENTE EM ADOECIMENTO

MENTAL ATENDIDAS NO SERVIÇO SOCIAL DA DPU/CE ................ 92

5.1.1 Composição familiar ................................................................................ 93

5.1.2 Situação de trabalho e renda das famílias ............................................... 97

5.1.3 Saúde das famílias .................................................................................... 99

5.1.4 Educação e lazer das famílias .................................................................. 100

5.1.5 Condições de infraestrutura e moradia das famílias............................... 103

5.2 AS FAMÍLIAS E AS DEMANDAS DA DESINSTITUCIONALIZAÇÃO:

COPARTICIPAÇÃO OU UNILATERALIDADE...................................... 105

5.3 INSERÇÃO E ENGAJAMENTO DAS FAMÍLIAS NO PROJETO

TERAPÊUTICO DOS CAPS ..................................................................... 114

5.4 SUPORTE SOCIOTERAPÊUTICO DOS CAPS ÀS FAMÍLIAS

SOCIALMENTE VULNERÁVEIS ............................................................ 116

5.5 A REDE DE PROTEÇÃO SOCIAL NA DINÂMICA DOS CAPS E O

ACESSO DE SUAS AÇÕES PELOS USUÁRIOS E FAMILIARES ......... 119

6 CONCLUSÃO: SEMEANDO SONHOS NUMA TRILHA DE

DESAFIOS ............................................................................................... 124

REFERÊNCIAS ....................................................................................... 131

APÊNDICES ............................................................................................ 139

APÊNDICE A – PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA DA

UECE......................... ......................................................................................... 140

APÊNDICE B – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E

ESCLARECIDO – FAMILIARES COM PARENTE EM ADOECIMENTO

MENTAL ........................................................................................................... 143

APÊNDICE C – TERMOS DE CONSENTIMENTO LIVRE E

ESCLARECIDO – GESTOR PÚBLICO EM SAÚDE MENTAL ................... 144

APÊNDICE D – ROTEIRO DE ENTREVISTA – FAMILIARES COM

PARENTE EM ADOECIMENTO MENTAL............................................. 145

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APÊNDICE E – ROTEIRO DE ENTREVISTA – GESTOR PÚBLICO

EM SAÚDE MENTAL .............................................................................. 146

ANEXOS ................................................................................................... 147

ANEXO A – DISTRIBUIÇÃO DOS CAPS EM FORTALEZA POR

REGIONAIS .............................................................................................. 148

ANEXO B – DISTRIBUIÇÃO DAS RESIDÊNCIAS TERAPÊUTICAS

EM FORTALEZA POR REGIONAIS ....................................................... 149

ANEXO C – DISTRIBUIÇÃO DAS OCAS COMUNITÁRIAS EM

FORTALEZA POR REGIONAIS .............................................................. 150

ANEXO D – LEI FEDERAL N.º 10.216, DE 06 DE ABRIL DE 2001 ....... 151

ANEXO E – RESOLUÇÃO DO CSDPU N.º 13/2006 ................................ 154

ANEXO F – DECLARAÇÕES DE CORREÇÃO DE PORTUGUÊS E DE

NORMALIZAÇÃO.................................................................................... 157

ANEXO G – DIPLOMA DO REVISOR .................................................... 158

ANEXO H – LETRA DA CANÇÃO EM TRIBUTO A VAN GOGH ........ 159

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19

1 INTRODUÇÃO

Em sua grandiosa obra intitulada A história da loucura na Idade Clássica,

Michel Foucault (2012a) descreve com precisão a “nau dos loucos”, embarcação do

início da era medieval registrada nas pinturas dos artistas, destinada a transportar os

ditos insanos e indesejados socialmente numa viagem sem volta pelos mares bravios.

Demonstração explícita da segregação da época. Nos séculos seguintes, outras práticas

de isolamento foram emergindo. Se não mais fora do espaço da cidade, partindo em

barcos lotados, as pessoas em situação de loucura passaram a viver enclausuradas atrás

dos muros de concreto das instituições, asilos e manicômios.

Atualmente não há mais “nau dos loucos”, os asilos manicomiais ficaram

apenas como registro de um passado obscuro marcado pela violência e desrespeito à

dignidade humana. No Brasil, desde a década de 1970, quando o Movimento da

Reforma Psiquiátrica conquistou espaço social e principiou o processo de

desinstitucionalização em substituição ao modelo hospitalocêntrico, apareceram novos

elementos e atores sociais. A família, por exemplo, ganhou centralidade na atual

configuração da política de saúde mental e na extensão de tratamento ao parente com

sofrimento psíquico intermediado pelos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).

Contudo, ao mesmo tempo em que os avanços na saúde mental foram

percebidos, em especial no âmbito formal, expressos nas legislações federais, estaduais e

municipais, a contemporaneidade revela desafios à concretização do modelo pensado e

arduamente conquistado. Desafios estes engendrados nas mudanças político-econômicas

direcionadas pelo projeto neoliberal de corte público nas políticas sociais e de

reestruturação no mundo do trabalho, que também repercutem na dinâmica das famílias

em situação de vulnerabilidade social com parente em situação de sofrimento mental.

Analisar os contornos da centralização familiar no processo contemporâneo

da desinstitucionalização psiquiátrica assume relevância na medida em que ela é parte

significativa do modelo, em especial quando o momento conjuntural é adverso e gera

meandros paradoxais que reverberam nos segmentos mais vulneráveis. Portanto, mais do

que nunca, faz-se necessário olhar para a família, conhecer suas demandas e anseios com

vista ao avanço dos parâmetros da política de saúde mental a partir do modelo em curso.

Assim, este estudo se propõe a mergulhar na esfera familiar dos grupos

socialmente vulneráveis e que vivenciam o contexto da doença mental, cujos parentes

acometidos por transtorno mental são atendidos nos CAPS.

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20

Em relação à pesquisa de campo, o locus escolhido foi a Defensoria Pública

da União no Ceará (DPU/CE), espaço de minha atuação profissional como assistente

social. A referida instituição agrega, além de outras especificidades, demandas de

famílias em condição de vulnerabilidade com histórico de transtorno mental, as quais

recorrem ao órgão a fim de buscar assistência jurídica para concessão de um direito

social negado, a priori, pelo poder público.

Isto posto, o âmbito institucional em questão me possibilitou condições de

acesso e contato com os sujeitos, candidatos em potencial para a coleta de informações

pela aplicação da entrevista do tipo semiestruturada e pelo acompanhamento através da

observação flutuante.

O intento precípuo desta pesquisa consistiu em desvelar os dilemas e

vicissitudes das famílias socialmente vulneráveis com parentes acometidos por transtorno

mental no contexto hodierno e o processo da desinstitucionalização psiquiátrica.

Busco na figura do mestre Van Gogh, pintor holandês do século XIX,

através de suas obras de cunho impressionista e frases contundentes, a inspiração para

pensar a loucura sob o prisma da criatividade. Vale lembrar que o célebre artista foi

vítima de manifestações alucinatórias, sofreu internações psiquiátricas e cometeu

suicídio em 1890.

Destarte, nas partes introdutórias das seções deste estudo, principiando a

partir da segunda, figura uma tela pintada por Van Gogh e uma frase citada por ele,

como exemplo de que na loucura é possível encontrar liberdade expressiva. Logo, o

transtorno mental não se constitui o vilão da história, mas o que efetivamente fere,

destrói e mata a dignidade da pessoa com sofrimento psíquico é o pensamento desigual

de quem supostamente compreende o “louco” e tende a escravizá-lo na proliferação do

pensamento estigmatizante.

A pesquisa está dividida em seis seções, no decorrer das quais são

delineados pontos que tecem a teia das ideais e, no fim, dão vida teórica e empírica à

investigação planejada. Nesta seção, Introdução, repasso em linhas gerais as

coordenadas e sistematizações da estrutura do trabalho.

Na segunda seção, discorro sobre a construção do objeto e o caminho

metodológico percorrido, entrelaçados por encantamentos e (re)descobertas. Conforme

sintetizo, o desejo por pesquisar a temática saúde mental, com enfoque na família, advém

de antigas e renovadas paixões. Parafraseando um colega psiquiatra, uma vez picado pelo

“mosquito da saúde mental”, o sujeito não mais tem escapatória: vive eternamente essa

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21

“deliciosa doença”. Fato. É uma paixão irresistível que, a despeito de parecer adormecida,

eclode no primeiro instante em que se observa alguém imerso na fantasia da loucura.

Na terceira seção, principio as reflexões teóricas acerca das categorias,

sendo focadas a família, a vulnerabilidade social e a proteção social. Nas três, busco em

autores clássicos e contemporâneos as contribuições para compreender conceitos,

configurações e especificidades na atualidade, não perdendo a linha de raciocínio

fundamentada no percurso histórico. A escolha pelas duas últimas categorias se deve ao

fato de os sujeitos selecionados, famílias com parente em sofrimento mental,

encontrarem-se socialmente vulneráveis e, por conseguinte, requererem proteção social,

o que coaduna com o objetivo proposto na pesquisa.

Na quarta seção, abordo a categoria desinstitucionalização psiquiátrica, a

partir de um recorte histórico principiado nas primeiras medidas em assistência em

saúde mental na idade clássica, sequenciadas com o nascimento da psiquiatria e das

práticas de internação psiquiátrica (institucionalização), século XVIII, até alcançar o

modelo vigente na contemporaneidade. É dada uma atenção especial à

desinstitucionalização no contexto brasileiro e cearense, bem como à construção da

relação envolvendo a proposta e o segmento familiar.

Na quinta seção, apresento a condensação da pesquisa de campo, na qual, em

princípio, é traçado o perfil das famílias socialmente vulneráveis com parente em

sofrimento mental atendidas pelo Serviço Social da Defensoria Pública da União no Ceará

(DPU/CE), entre janeiro e dezembro de 2013. Na sequência, procedo com a análise das

entrevistas com os sujeitos da investigação, possibilitando espaço de explanação de seus

dilemas e vicissitudes frente ao processo hodierno da desinstitucionalização psiquiátrica.

Saliento que em todo o trabalho busco intercalar o conhecimento teórico

com as experiências e vivências que obtive em saúde mental, tanto na época em que

atuava diretamente na área – assistente social de um Centro de Atenção Psicossocial

(CAPS) – quanto no trabalho atual no Serviço Social DPU/CE, tentando estabelecer o

diálogo entre teoria e prática cotidiana.

Na seção conclusiva, apresento a síntese de algumas questões relacionadas

às categorias basilares, tendo como referência as fundamentações teóricas e percepções

pessoais na qualidade de pesquisadora. Por fim, exponho as considerações atinentes às

falas dos entrevistados, evidenciando a imprescindibilidade de factualmente escutar e

atentar para as vozes das famílias em situação de vulnerabilidade, as quais vivenciam o

cotidiano conflituoso e tenso da doença mental.

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22

2 DA CONSTRUÇÃO DO OBJETO AO CAMINHO METODOLÓGICO: UMA

TRAJETÓRIA DE ENCANTAMENTOS E (RE)DESCOBERTAS

“Grandes coisas não se fazem por

impulso, mas pela junção de uma

série de pequenas coisas.”

(Van Gogh)

O ilustre pintor holandês Vicente Van Gogh (1853-1890) deixou um legado

artístico-cultural materializado em suas telas de cores fortes e impressionantes,

manifestação de uma mente prodigiosa e criativa. Introspectivo, com histórico de

internações psiquiátricas, comunicou-se de modo expressivo através da pintura e frases

curtas, fazendo emergir a alma sensível à frente de seu tempo. O reconhecimento de sua

genialidade só veio postumamente. Contudo, como alguém já afirmou, um gênio não

morre, eterniza-se em sua obra. No caso do mestre, complemento a frase – ouso fazê-lo:

o sofrimento psíquico lapidou seu talento nato.

A ilustração, quadro do pintor concluído em 1886 e intitulado Os sapatos, e

uma de suas frases de efeito, acima apresentadas, completam-se numa sintonia perfeita.

É na junção da ideia simbolizada em ambas as representações que principio a respectiva

seção sobre meu caminho metodológico, cuja proposta consiste em delinear a trajetória

da aventura a que me propus fazer e que é repleta de encantamentos e (re)descobertas na

área psiquiátrica.

Em princípio, disserto acerca do objeto da pesquisa, dos passos da minha

reaproximação com a temática e, por conseguinte, dos aspectos que me motivaram a

adentrar na investigação em pauta, dando ênfase aos objetivos propostos. Ulteriormente,

sequenciando o caminho metodológico, apresento o locus do estudo, os sujeitos

integrantes do processo de investigação, as técnicas e instrumentais adotados e os

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referenciais e contribuições teóricas que subsidiaram as categorias de análise: família,

vulnerabilidade social, proteção social e desinstitucionalização psiquiátrica.

Assim, ainda em alusão à ilustração e à frase de Van Gogh, calço os sapatos

desgastados e retomo o percurso da saúde mental, ciente de que cada passo dado e

elementos metodológicos adotados se constituem em momentos significativos na

construção do trabalho de base racionalizada e sistematicamente organizada – sem

perder, também, as mesclas de emoção e encantamento. Não obstante as pedras e os

desvios encontrados pelo caminho, os quais também são parte adjunta das pequenas

coisas, intento fazer uma grande coisa: trazer a família hipossuficiente, imersa no

processo da desinstitucionalização psiquiátrica, como partícipe desta longa trilha, sendo

vista e ouvida como sujeito de direito no processo em curso da reforma psiquiátrica

brasileira, que segue enfrentando inúmeros desafios frente às mudanças estruturais

contemporâneas.

2.1 RETOMANDO A ANTIGA PAIXÃO: UM CICLO QUE NÃO SE FECHOU

A minha inserção na política de saúde mental principiou-se no ano de 2002,

quando integrei a equipe básica profissional do Centro de Atenção Psicossocial de

Itapipoca, município situado na região norte do Ceará. Até então, o contato mais

próximo que tivera com esse universo, nas lembranças de outrora, restringia-se à época

de menina, quando costumava chamar os “loucos” da vizinhança para brincarem

comigo. A despeito da relutância dos ditos “normais”, o fascínio e interesse por essas

pessoas, excluídas e rejeitadas socialmente, impeliam-me a continuar seguindo as

brincadeiras de criança na fase adulta. Era o prelúdio do que viria a ser uma das minhas

grandes paixões futuras.

Assim, já na condição de assistente social e profissional atuante na saúde

mental, precisava desbravar o então desconhecido “mundo da loucura”, indo além do

lúdico que marcou minha infância. Era preciso conhecer o percurso histórico do

atendimento aos acometidos por transtornos psíquicos, a reforma psiquiátrica e a

política nacional de saúde mental com ênfase nos serviços substitutivos, em especial na

dinâmica dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Adotei, desta feita, leituras

sobre a temática, como Amarante (1994), Delgado (2006) e Pitta (2001), bem como

uma gama de acervos legais relacionados à área.

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Ressalvo, contudo, que a sensibilidade à causa e a paixão pela saúde

mental afloraram – ou vieram à tona, marca passada de menina – na minha

experiência prática, no cotidiano institucional e nas relações com os sujeitos com

adoecimento mental e seus familiares. A ligação perdurou por 08 (oito) anos e foi

interrompida apenas pelo meu ingresso na área sociojurídica, onde atuo como

assistente social, servidora efetivada, na Defensoria Pública da União (DPU). No

entanto, mesmo com o afastamento direto da problemática, não me desvencilhei de

todo, por acabar intervindo, no atual espaço socioinstitucional, em demandas

individuais e coletivas concernentes à questão.

Destarte, foi no contato estreito com a realidade posta pelos sujeitos sociais

do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), a qual se mostrava, aprioristicamente,

transcorrer dentro da proposta vigente em saúde mental, sob o viés da

desinstitucionalização com foco na reintegração, na reinserção e no tratamento

humanizado do doente mental, que emergiram inquietações e indagações. Esses

sentimentos, por sua vez, culminaram em observações sinalizadoras do descompasso e

do contrassenso entre o formalmente instituído e o concretamente efetivado no espaço

institucional da política assistencial em saúde mental.

Convém salientar que minhas reflexões se voltaram especialmente para a

família, vista então como parte significante da desinstitucionalização e inserida na

extensão do tratamento ao adoecido mentalmente. Constatei, assim, que pouca ou

nenhuma ação era destinada ao segmento, a não ser os contatos ínfimos e ligeiros que se

procediam quando da visita do familiar nas consultas regulares aos especialistas e/ou

nas crises recorrentes dos parentes com quadro psicótico.

Diante da lacuna encontrada, iniciei um trabalho de grupo com as famílias

intitulado “Grupo de Apoio à Família: conversando é que a gente aprende”, cujas

ações eram desenvolvidas para além dos muros institucionais, na direção do âmbito

familiar, em seu locus, residência e comunidade. A pretensão era o conhecimento da

vida prática do grupo, adentrar seu espaço, não a partir de atitudes policialescas de

controle e vigilância, mas de acolhida e cooperação mútua. Consistia, pois, em atuar

na perspectiva do cuidado, com preponderância na participação conjunta.

Essa experiência possibilitou maior proximidade com a dinâmica familiar,

na medida em que permitiu conhecer com mais acuidade a realidade socioeconômica

desses indivíduos e a constatação de que, como coloca Vasconcelos (2010), a grande

totalidade do segmento familiar atendido nos CAPS compõe-se da camada

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socialmente empobrecida, também conhecida no meio jurídico como família

hipossuficiente1. Ademais, descortinou-se o aparente, não revelado a priori, acerca de

sua desproteção pelo poder público, quase lançados à própria sorte, visto que agregam

todas as mazelas inerentes à condição de pobreza e o substrato de ter, outrossim, uma

variedade de conflitos físicos, financeiros e emocionais, os quais acumulam

sobrecargas às famílias.

Diante do vislumbrado, o discurso de culpabilização familiar, registrado

inclusive entre os próprios profissionais da área, não se mostrava cabível. Claro que

havia, e ainda existem no contexto em pauta, famílias que abandonam seu parente com

transtorno mental, mas, antes da condenação, é preciso entender que, por trás do ato de

abandono e exclusão do convívio familiar, existem especificidades que requerem

reflexão crítica de tais motivações, afinal “o transtorno mental provoca deslocamentos

nas expectativas e nas relações afetivas entre as pessoas, ao ser um fenômeno não

integrado no código de referência do grupo” (ROSA, 2003, p. 243).

É pertinente colocar que o cenário contemporâneo, marcado pelas

transformações socioeconômicas, políticas e culturais da era globalizante e suas

consequências, tende a agudizar o aspecto acima descrito. Presencia-se o acirramento da

destituição social, da ampliação da pobreza e das mais diversas situações de

precariedade que afetam o mundo do trabalho e da organização social, com diluição da

responsabilidade do poder público na proteção social, e a tese, novamente posta à tona,

da responsabilidade dos indivíduos, em especial da família, na provisão do bem-estar

(MIOTO, 2009).

Esse contexto de desassistência social marca as famílias que buscam

assistência jurídica na Defensoria Pública da União, especialmente àquelas que

vislumbram a concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) para seus

parentes com sofrimento psíquico, cuja demanda é abarcada pelo Serviço Social da

instituição, mediante elaboração de perícia social para fins de defesa no pleito

requerido. São famílias que vivem à margem das condições de dignidade de vida e

que veem na justiça a última esperança para amenização de suas mazelas sociais,

uma vez que não tiveram acesso aos direitos básicos consignados legalmente, os

1 No meio jurídico, a hipossuficiência constitui condição de o sujeito não possuir disposição para arcar

com os honorários advocatícios, devido aos recursos financeiros insuficientes; é um necessitado social na forma da lei, por isso, recorre ao atendimento nas defensorias públicas. Família hipossuficiente, nessa perspectiva, consiste naquela que vive na pobreza e sobrevive com o mínimo de aporte financeiro.

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quais são operacionalizados por órgãos públicos da administração direta ou indireta.

Ou seja, busca-se no âmbito jurídico o direito indeferido na esfera administrativa

pública.

Assim, enquanto a família assume centralidade no contorno atual das

políticas sociais, através do discurso de sua valorização e importância no contexto da

vida social, paradoxalmente sofre os efeitos das mudanças estruturais globais, com

impacto no desemprego, nos processos de precarização do trabalho e no afastamento do

poder estatal na regulamentação das políticas públicas, deixando o segmento em questão

ainda mais vulnerável e fragilizado.

Ressalva-se que a participação da família é salutar no processo de

tratamento em saúde, em especial quando envolve integrante com problemas mentais.

Esse segmento social continua sendo um lugar privilegiado de proteção e pertencimento

a um campo relacional importante na reenergização existencial dos indivíduos

(MARTIN, 1995). E, claro, isso em parte explicaria sua introdução como centro das

políticas de proteção social.

Porém, faz-se mister analisar os contornos da centralidade familiar no

contexto global adverso e os desvelamentos dos dilemas postos ao segmento a partir

dessa realidade. No mais, tem-se que levar em conta que o atendimento precípuo de

assistência em saúde mental é de responsabilidade da esfera pública, mediante

intermediação do Sistema Único de Saúde (SUS), através de seus serviços de

atendimento psicossocial. A família é apenas parte desse processo, não o carro-chefe da

desinstitucionalização, e deve ser alvo, por conseguinte, de proteção das políticas

sociais públicas, segundo preconizado no suporte legal.

Ademais, consoante também visualizei nas experiências de trabalho com o

segmento, a possibilidade de a família se tornar efetivamente agente de proteção social

independe de sua organização interna. Sobre esse aspecto, entende-se que o potencial

protetor e relacional aportado pela família, em particular daquela em situação de

pobreza e exclusão, só é passível de otimização se ela própria recebe atenções básicas

(CARVALHO, 2001).

Não cabe apenas salientar sua importância na vida social materializada no

discurso da matricialidade familiar. Este, inclusive, constitui-se eixo estruturante na

esfera das políticas públicas contextuais2, quando, contraditoriamente, o respectivo

2 A regulamentação atual da Política de Assistência Social, formatada na Norma Operacional Básica do

Sistema Único da Assistência Social (NOB-SUAS/2004), orienta que a matricialidade familiar

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segmento sofre os efeitos perversos dos contornos engendrados pela economia

globalizante e suas danosas consequências.

Desse modo, nesta pesquisa, pretendo desvelar os dilemas e vicissitudes das

famílias socialmente vulneráveis, as quais se incluem no modelo vigente de saúde

mental por terem parente em adoecimento psíquico, diante do contexto atual, marcado

por intensas mudanças estruturais, ocorridas tanto no âmbito do Estado, que afetam a

gestão pública na efetivação das políticas sociais, quanto na dinâmica do mundo do

trabalho, causador de sérios comprometimentos sociais à família. Ressalva-se, em meio

a essa realidade controversa, a crescente responsabilização que vem sendo exigida pelo

segmento em questão. Busco, para tanto, responder, primordialmente, a seguinte

questão: Quais os dilemas e as vicissitudes enfrentados pelas famílias em situação de

maior vulnerabilidade social no processo hodierno da desinstitucionalização

psiquiátrica?

Complementarmente, tenho outras indagações que permeiam a pergunta-

-base e subsidiam seu alcance, a saber: Como as famílias lidam com as novas demandas

do modelo vigente em saúde mental? Os familiares percebem maior responsabilização

de seu papel social em relação ao parente acometido por transtorno mental no contexto

hodierno da desinstitucionalização? De que maneira se dá a inserção e engajamento das

famílias no projeto terapêutico do CAPS, especialmente no que tange a ações de apoio

institucional? Que ações são desenvolvidas pelo CAPS para dar suporte socioterapêutico

às famílias atendidas? Como se constitui, na perspectiva das famílias, a rede de proteção

social e de saúde mental na realidade de Fortaleza? Para as famílias, como essa rede

protetiva integra o projeto terapêutico do CAPS e é disseminada entre a demanda

institucional?

Definidas as indagações elencadas, tracei como objetivo geral do estudo a

seguinte intenção:

Desvelar os dilemas e as vicissitudes das famílias em situação de

maior vulnerabilidade social no contexto hodierno da

desinstitucionalização psiquiátrica.

constitui-se eixo estruturante de gestão do sistema. Logo, a família postula-se como unidade central na respectiva política social. Na Saúde Pública de atenção básica, há exemplos de participação da família mediante a adoção do Programa de Saúde da Família (PSF) e do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF).

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Para alcance do mesmo, delineio como objetivos específicos:

Entender como as famílias com parente em adoecimento mental

lidam com as novas demandas do modelo vigente em saúde mental;

Apreender, sob a ótica das famílias pesquisadas, os efeitos da

centralização familiar na política de saúde mental atual;

Compreender o processo de inserção e engajamento das famílias no

projeto terapêutico do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS);

Detectar, através dos sujeitos entrevistados, as ações desenvolvidas

pelo CAPS para dar suporte socioterapêutico às famílias

socialmente vulneráveis;

Identificar, a partir da perspectiva das famílias entrevistadas, a rede

de proteção social assistencial e de saúde mental, sua integração no

espaço institucional e disseminação junto às famílias mais

vulneráveis atendidas no CAPS.

Destarte, na direção provocada pelos questionamentos e objetivos

propostos, aventuro-me na busca por respostas que me serão reveladas na pesquisa

científica em questão. Pesquisar não é uma tarefa simplória. Por se configurar

dialeticamente num processo de construção e desconstrução de saberes, requer um

olhar atencioso e cuidadoso, não preso a padrões epistemológicos ditados e fechados.

A tarefa de pesquisar, a meu ver, assemelha-se à lapidação de uma pedra

bruta. Tem-se a realidade, um todo complexo repleto de inúmeras refrações, que

demanda do pesquisador uma percepção crítica e aguçada, regada contínua e

permanentemente com arsenal teórico-metodológico pluralista pela especificidade

múltipla dela decorrente, no sentido de desvelar o preciosismo do fenômeno social

com o qual, aparentemente, vislumbra-se apenas um material obscurecido e caótico.

Pedra bruta que se transforma em objeto valioso mediante a “adoção de instrumentos

de observação e crítica dos fatos observados” (OSTERNE, 2001, p. 23).

Desta feita, é na realidade da questão social que perpassa a política de

saúde mental e nos desafios familiares no processo de desinstitucionalização postos

pela contemporaneidade, oxigenada pela fundamentação teórica de base histórico-

-crítica e cultural, que me insiro no percurso da pesquisa. Neste trajeto, tenho uma

certeza: a incerteza de não saber ao certo o que encontrarei no final dele, visto que

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disponho preliminarmente apenas de aspectos norteadores – não de verdades prontas,

quais sejam, as questões a serem decifradas, os pressupostos hipotéticos e o desejo de

conhecer o novo. Diga-se, este é um desafio instigador. Portanto, que se abram as

portas do novo.

2.2 JUNÇÃO DE PEQUENAS COISAS PARA FAZER UMA GRANDE: PASSOS

METODOLÓGICOS

O desejo de fazer pesquisa científica com foco na temática de saúde mental

sempre se manteve vivo em mim, mas foi temporariamente adormecido em razão de

minha mudança na área de atuação profissional e pela necessidade de deslocamento para

a região norte do país, onde ingressei na Defensoria Pública da União em Rondônia.

No retorno à capital cearense, mediante processo de remoção, busquei de

imediato finalizar meu projeto de pesquisa, que já estava em parte formulado, e

submeti-me ao processo seletivo do Mestrado em Políticas Públicas e Sociedade, da

Universidade Estadual do Ceará (UECE). Para minha surpresa, fui aprovada.

Recomeçava, assim, minha viagem ao mundo acadêmico e a uma maior aproximação à

paixão de outrora: saúde mental!

Como exposto, a intervenção profissional como assistente social na

Defensoria Pública da União proporciona o acompanhamento de casos de famílias com

parente em situação de sofrimento mental, especialmente aquelas circunscritas em

condições de maior vulnerabilidade social. Logo, as experiências acumuladas no CAPS

e, de modo mais substancial, as vivências atuais na DPU foram decisivas para definir a

escolha do objeto da pesquisa.

O retorno aos bancos universitários, na qualidade de mestranda de um

curso que estimula a reflexão crítica frente às mudanças paradigmáticas do mundo

globalizado, possibilitou-me rever teoricamente antigos pensadores que costumavam

tirar meu sono e inquietar meu sossego; ao passo que a inclusão de outros teóricos da

linha pós-moderna, além de causar o mesmo efeito, provocou em mim a vontade de

querer mais, uma ânsia por melhor compreender esse contexto de profundas

transformações, as quais afetam as mais variadas esferas da dinâmica social, inclusive,

claro, a família. No dizer de Zygmunt Bauman (2001), são mudanças que tornam os

laços e vínculos sociais cada vez mais “líquidos” e sem consistência. Nada parece

escapar ao que o respectivo pensador intitula de “modernidade líquida”.

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2.2.1 Marco teórico numa abordagem pluralista

Numa interface pluralista, a perspectiva que orienta esta pesquisa tem seu

norte prioritário na abordagem histórico-crítica e cultural, na medida em que coloca a

problemática investigada como parte integrante das contradições inerentes à sociedade

capitalista e que se articula às particularidades do Estado, nas relações deste com a

sociedade e com os fenômenos sociais mais amplos da contemporaneidade. Logo,

acredito que o enfoque paradigmático pluralista possibilita detectar dialeticamente a

dinamicidade da questão enquanto parte constituinte de uma mesma totalidade,

imbricada por diversas determinações (econômica, cultural, social, política etc.), e que,

por conseguinte, contribui para clarear o processo reflexivo sem ideologismos que

obscureçam a realidade social pesquisada.

Para tanto, adoto uma diversidade de autores que, a meu ver, permite o

alcance de parte significativa da multiplicidade relacionada ao recorte social

investigado, cujas contribuições são levadas ao confronto teórico com correntes do

pensamento sociológico clássico e pós-moderno. É pertinente pontuar, sobre essa

escolha, que “parece ser perfeitamente factível a possibilidade de diálogo do

marxismo com outros paradigmas contemporâneos, com versões culturalistas e com

abordagens do cotidiano” (OSTERNE; BRASIL; ALMEIDA, 2013, p. 159). Logo,

foco no pluralismo teórico com agregação possível de correntes diversas e

compatíveis epistemologicamente.

No que tange às categorias de análise, estas foram definidas em consonância

com o objetivo do estudo, sendo quatro na sua totalidade: família, vulnerabilidade

social, proteção social e desinstitucionalização psiquiátrica. Na primeira são adotadas

como referências principais Bruschini (2011), Carvalho (2001), Mioto (2009), Osterne

(2001, 2004), Pereira (2009a), Sarti (2011), Singly (2010), Teixeira (2013) e Trad

(2010).

Resgato o pensamento sociológico de três grandes clássicos modernos,

Durkheim, Marx e Engels, no que se refere à questão da família, mediante, também,

autores atuais que adotam os teóricos modernos em suas reflexões sobre a família

contemporânea, como Moraes (2000) e o já citado francês Singly (2010). Afora estes,

Pierre Bourdieu, como representante sociológico pós-moderno, é também utilizado, na

medida em que analiso o simbolismo incutido na família e o sentido natural e universal

do modelo familiar que ainda perpassa o imaginário social.

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As categorias vulnerabilidade e proteção social intercalam-se à categoria

família, a partir de uma análise do contexto estrutural de mudanças no cenário atual.

Mudanças estas que afetam substancialmente a dinâmica familiar, a organização do

mundo do trabalho, as políticas sociais universais pela restrição do poder público na sua

gestão e financiamento, que, por conseguinte, trazem riscos de regressão do atual

processo gradual de avanço e conquistas na saúde mental.

Nas considerações sobre vulnerabilidade social, busco mais

contundentemente auxílio em Castel (1997), Monteiro (2011), Pizarro (2001) e

Kaztman (2001, 1999); enquanto que, na proteção social, tenho em Oliveira e Maia

(2011), Pochmann (2004, 2010), Silva, Yasbek e Giovanni (2011) e Sposati (2009) as

principais referências. Mesclo outros autores complementares, porém não menos

importantes, como Behring (2008), Iamamoto (2008), Laurell (2002) e Netto (1996,

2012), os quais subsidiam a compreensão em torno da complexa conjuntura

contemporânea e suas mudanças socioeconômicas, políticas e culturais.

As contribuições de Michel Foucault (2012b), ainda com base nas três

primeiras categorias, integram-se às reflexões atinentes à relação entre família e poder

público. No primeiro pensador pós-moderno, foco na temática da governamentalidade e

na adoção desta pelo biopoder ou biopolítica como instrumento de poder na mediação

com a coletividade.

Na última categoria, a desinstitucionalização psiquiátrica, quando também

faço menção à institucionalização, aproprio-me do aporte teórico Amarante (1996),

Berenstein (1998), Birman e Costa (1994), Mello (1997), Melman (2006), Morais e

Tanaka (2012), Souza, Lima e Pinheiro (2007), Rosa (2003), Rotelli, Leonardis e Mauri

(2001), Vasconcelos (2010) e Yasui (2006), dentre outros. Além do resgate histórico e

dos contornos atuais da saúde mental na realidade brasileira, muitos levantam como

ponto prioritário de análise o papel da família como elemento extensivo, os desafios da

participação política do segmento diante da adversidade conjuntural e os conflitos da

esfera familiar em face dos agravos políticos para o campo da saúde mental decorrentes

das mudanças estruturais contemporâneas.

Ressalvo que torno a resgatar Castel (1978 1987) e Foucault (2005, 2012a),

além de Goffman (2013), autores que se dedicaram às análises referentes à

institucionalização da loucura, a partir do nascimento da psiquiatria, e às interfaces

desse processo no transcorrer da idade clássica, média e moderna. São teóricos que

elucidam as mudanças operacionalizadas no âmbito da reforma psiquiátrica,

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modificações estas que redundam, no contexto mais atual, no processo em curso da

desinstitucionalização. Portanto, são imprescindíveis para compreensão desses

fenômenos.

Concluo a seção reafirmando que a adesão de concepções e perspectivas

diferentes à base referencial teórica é salutar desde que não redunde em ecletismo. A

divergência de pensamentos e ideias não necessariamente deve levar ao distanciamento

ou à estranheza, mas à possibilidade de enriquecimento do construto social, aqui

materializado numa pesquisa científica, permitindo novos olhares e novas concepções

numa construção pluralista. Afinal, o saber não é absoluto, e o social, além de

multidimensional, está em constante processo dinâmico.

2.2.2 Procedimentos, locus e sujeitos da pesquisa

O marco referencial teórico pauta-se, como já expus, na perspectiva

histórico-crítica, sob influência do método dialético marxista, com complementação na

abordagem cultural a partir da adoção de teóricos que trazem o cotidiano, a cultura e a

política com vista a uma melhor compreensão da realidade social (Bauman, Bourdieu,

Castel, Durkheim, Engels, Foucault, Goffman, Marx e outros). Afora, como também já

salientado, adoto essa postura por concebê-la capaz de dar conta da complexidade do

fenômeno social com suas múltiplas expressões agregadas.

Sobre a primeira influência teórica mencionada, cabe recordar que ela se

consubstancia na abordagem prioritária da pesquisa, consoante exposto:

Interpreta a realidade como uma totalidade onde tanto os fatores visíveis como as representações sociais integram e configuram um modo de vida condicionado pelo modo de produção específico. Nessa abordagem sublinha-se a base material determinante da produção da consciência, mas assume-se a importância das representações sociais como condicionantes tanto na reprodução da consciência como na construção da realidade mais ampla (MINAYO, 1993, p. 34).

Desta feita, a partir da abordagem pluralista, realizo uma pesquisa

exploratória, com abordagem direta e indireta, mediante a adoção de elementos

bibliográficos, documentais e de campo. Postulo, outrossim, que esta tem natureza

quanti e qualitativa, uma vez que, além de mensurar e descrever dados estatísticos a fim

de traçar o perfil dos sujeitos da investigação, interpreto e busco a compreensão das

particularidades expostas pelos mesmos nos depoimentos analisados.

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Em princípio, pensei como locus de realização do estudo investigativo

um dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) da capital cearense, visto que é

nesse espaço substitutivo em saúde mental que se consolida a relação família e poder

público na atual proposta defendida pela reforma psiquiátrica. Contudo, por minha

inserção profissional no órgão de defesa de direitos à população em situação de

maior vulnerabilidade socioeconômica, Defensoria Pública da União (DPU), bem

como pelo fato de acompanhar famílias com parente em adoecimento psíquico, as

quais são assistidas pelo Serviço Social da referida instituição, optei por mudar o

campo de pesquisa.

Assim, convém ressalvar que a DPU, por me possibilitar contato diário e

facilidade de acesso às famílias na especificidade objetivada, consiste no espaço de

captação dos sujeitos da pesquisa. Ou seja, não é o alvo direto da investigação

científica, mas tão somente o canal para chegar até as famílias que vivem situação de

vulnerabilidade e têm parente acometido por doença mental.

A instituição constitui-se como um órgão permanente de atuação federal,

fundamentada por determinação constitucional e Lei Complementar própria3,

estruturada para garantir defesa judicial e extrajudicial dos direitos individuais e

coletivos, de modo integral e gratuito, aos classificados na condição de necessitados.

Na forma da lei, referendado no inciso LXXIV, art. 5º, da Constituição

Federal do Brasil de 1988 (CFB/1988), são compreendidos como necessitados, para

fins de defesa jurídica gratuita, aqueles que provarem insuficiência de recursos, ou

seja, que não apresentarem aporte financeiro suficiente para arcar com honorários

advocatícios.

Como forma de melhor explicitar os parâmetros objetivos e procedimentos

para presunção e comprovação da qualidade de necessitado, o Conselho Superior da

Defensoria Pública da União (CSDPU) expediu a Resolução n.º 13, de 25 de outubro de

2006. No seu art. 1º, explicita que é presumidamente necessitado todo aquele que

integre família cuja renda mensal não ultrapasse o valor da isenção do imposto de renda.

Ressalva-se que o conceito é para fins de atendimento na DPU.

Sob esse aspecto, a instituição absorve um segmento socialmente

desprovido de condições materiais para arcar com serviços privados de assistência

jurídica. Ao considerar a hipossuficiência e necessidades outras das famílias

3 Art. 134, Constituição Federal de 1988; Lei Complementar n.º 80, de 12 de janeiro de 1994.

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atendidas, estas passam a ser qualificadas como assistidas4, podendo, para tanto,

enquadrarem-se na assistência judicial gratuita e integral, propriamente dita, na

assistência extrajudicial para resolução de conflitos e/ou na assistência jurídica

preventiva e consultiva.

A demanda que chega à DPU advém prioritariamente da negativa de algum

direito social inicialmente negado na esfera administrativa federal, que pode qualificar-

-se de cunho previdenciário, como o indeferimento de um benefício do seguro social

(aposentadorias e auxílio-doença) e benefícios assistenciais (Benefício de Prestação

Continuada); cívil, como negativas de medicações de alto custo indisponibilizadas pelo

Sistema Único de Saúde (SUS), indeferimentos e irregularidades do Programa Bolsa

Família, pendências com a Caixa Econômica Federal; e criminal, como alguma sanção e

penalidade legal de alcance federal.

O Serviço Social da Defensoria Pública da União no Ceará atualmente conta

com 07 (sete) assistentes sociais – incluo-me no grupo – e intervém de modo articulado

aos outros setores, com destaque para os ofícios jurídicos (previdenciários, cíveis e

criminais), médico, comunicação social e sociologia. A atuação do Serviço Social se dá

mediante solicitação e requerimento do defensor público federal quando da necessidade

de elaboração de perícia social para comprovação de hipossuficiência ou subsídio de

defesa. Ademais, acompanha, elabora e executa projetos sociais (DPU nas Escolas,

Visita Virtual e Tecendo Redes).

As perícias sociais, anexadas posteriormente aos Processos Administrativos

Jurídicos dos/as assistidos/as (PAJs), a fim de subsidiar a consecução do direito

requerido, são atribuições privativas dos assistentes sociais e materializam-se pelo

estudo social, sistematizado em instrumental do Serviço Social (questionário), com ação

profissional que se dá por meio do atendimento direto através da entrevista ao/à

assistido/a no espaço domiciliar e/ou institucional.

Esse processo de trabalho do assistente social, no âmbito da DPU/CE,

ultrapassa o caráter emergencial, burocrático e assistencialista por se pautar nas

reflexões das condições sócio-históricas dos/as assistidos/as, sem perder de vista o

caráter das relações sociais, conjunturais e estruturais. Tem-se, assim, a adoção da

fórmula que mescla o particular, o singular e a totalidade, elementos que compõem o 4 A partir do momento em que são admitidos na instituição pela condição de hipossuficiência e que

usufruem da assistência jurídica gratuita, tendo um processo administrativo jurídico de responsabilidade de um defensor público federal, o cidadão e a cidadã passam a ser considerados assistidos da DPU.

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que Guerra (2007) chama de instrumentalidade do Serviço Social com nuances críticas e

transformadoras.

O estudo social, com o levantamento de dados socioeconômicos

(trabalho, saúde, condições de moradia, composição familiar etc.), concluso com a

perícia social anexada ao processo de defesa, alarga o conceito de necessitado

(hipossuficiente) para além da perspectiva jurídica, alcançando a dimensão social.

As famílias assistidas não são apenas indivíduos economicamente desfavorecidos,

com o viés economicista em destaque, mas sujeitos coletivos, dotados de

significações e identidade social, que, a despeito da destituição de outros direitos

sociais de cidadania, elaboram formas de resistência e são capazes de assumir a

vanguarda de suas conquistas.

Assim, diante das possibilidades fornecidas pelo trabalho cotidiano do

Serviço Social na DPU/CE, principiei, como etapa inicial da pesquisa, mais

precisamente a partir de novembro de 2013, um levantamento dos casos com demandas

psiquiátricas entre o período de janeiro a dezembro de 2013, cujos dados estão

sistematicamente organizados em arquivo do próprio setor.

O levantamento permitiu traçar um perfil socioeconômico das famílias com

caso de transtorno mental atendidas no Serviço Social da instituição federal de defesa

jurídica, o qual se encontra descrito na quinta seção deste trabalho mediante o uso do

método estatístico. Isto posto, os sujeitos da investigação correspondem às famílias em

situação de vulnerabilidade social que têm parente com adoecimento psíquico, atendidas

nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), as quais buscam assistência jurídica na

DPU/CE enquanto última alternativa para obtenção de direitos sociais outrora negados

administrativamente.

Em termos de quantidade, no transcorrer do período do levantamento, foram

atendidos pelo Serviço Social, entre demandas diversas dos ofícios previdenciários,

civis e criminais, 339 (trezentos e trinta e nove) casos com vista à elaboração de perícia

social. Deste total, 56 (cinquenta e seis) apresentavam demanda em saúde mental com

prevalência para requisição de assistência jurídica com fins de concessão do Benefício

de Prestação Continuada (BPC)5.

5 Benefício assistencial expresso no art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social (Lei n.º 8.742/93),

regulamentada pelo Decreto n.º 6.114/2007, o qual garante um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso de sessenta e cinco anos ou mais, desde que comprovem não possuir meios para a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família.

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O passo seguinte consistiu em definir, a partir da totalidade das famílias

com demanda em transtorno psíquico e de seu perfil socioeconômico, as participantes

da entrevista semiestruturada, sendo escolhidas 16 (dezesseis), tendo como alvo os

representantes legais que detêm a curatela ou tutela do assistido. Os critérios de seleção

foram: atendimento em serviço assistencial de saúde mental no Centro de Atenção

Psicossocial (CAPS), condição de hipossuficiência abaixo de dois salários mínimos,

requerimento da concessão do amparo assistencial e famílias com parente em

adoecimento mental severo (esquizofrenia, bipolaridade e retardo mental grave),

especialmente com histórico de internação psiquiátrica.

A ideia, em princípio, era também entrevistar um representante da

coordenação de saúde mental de Fortaleza como forma de agregar informações da

realidade local atinentes ao processo de desinstitucionalização, subsidiar os objetivos

propostos, intercalar e confrontar olhares distintos, de modo a dar mais substância à

pesquisa. Entretanto, tal intento não foi possível em razão de alguns contratempos

relacionados a burocracias administrativas do Comitê de Ética em Pesquisa da UECE.

Assim, os únicos sujeitos entrevistados foram as famílias selecionadas e houve

necessidade de adaptar os questionamentos e objetivos a partir dessa nova realidade.

Na produção dos dados, faço uso da entrevista semiestruturada e da

observação flutuante6. Esta última me foi possibilitada tanto pelo exercício profissional

de assistente social em oito anos na área de saúde mental, como coordenadora de um

Grupo de Família do Centro de Atenção Psicossocial do município de Itapipoca-CE,

quanto pelo trabalho que atualmente desenvolvo na Defensoria Pública da União,

envolvendo famílias em situação de vulnerabilidade e com questões direcionadas à

saúde mental. Ou seja, continuo a acompanhar e observar continuamente a realidade-

-alvo de minha pesquisa, desta vez, entretanto, tendo o olhar de pesquisadora sobre o

fenômeno que a assistente social estava habituada a lidar.

Em relação às entrevistas com os familiares, procedi inicialmente com

contatos telefônicos direcionados aos representantes selecionados, os quais se deram em

outubro de 2014. Os meses de novembro e dezembro foram reservados para a realização

6 A observação flutuante advém da antropologia. Como instrumento de pesquisa, com base nas

considerações de Pétonnet (2009), converte o cotidiano num vasto território de caça, na medida em que se tem um contato contínuo com este. Assim, para autora, “consiste em permanecer vago e disponível em toda a circunstância, em não mobilizar a atenção sobre um objeto preciso, mas deixá-la ‘flutuar’ de modo que as informações o penetrem sem filtro, sem a priori, até o momento em que pontos de referência, de convergências, apareçam e nós chegamos, então, a descobrir as regras subjacentes” (PÉTONNET, 2009, p. 102).

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das entrevistas. Como foram 16 (dezesseis) participantes, optei por reuni-los, na própria

DPU/CE, em grupos de 03 (três) a 04 (quatro) componentes, a fim de apresentar o

projeto, seus objetivos e as razões de suas escolhas. Na ocasião, o Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido7 foi apresentado, lido e assinado individualmente

por quem tivesse o interesse de participar da pesquisa. Para nossa surpresa, a adesão foi

plena e todos esboçaram imensa vontade em participar.

A proposta, em princípio, era realizar as entrevistas nas residências de todas

as famílias. Contudo, por problemas de transporte e dificuldade de acesso aos bairros,

algumas foram feitas na sala de reunião da DPU. Convém ressalvar que, em alguns

casos, houve necessidade de eu mesma assumir os custos com deslocamento (táxi e

ônibus) devido à carência material de determinados participantes. As visitas

domiciliares ocorreram, nos casos de inacessibilidade do familiar, pelo fato de este

assumir integralmente os cuidados com o parente doente.

O material foi gravado e transcrito, sendo submetido, posteriormente, à

análise. Na análise dos dados, por se tratar de uma pesquisa prioritariamente

qualitativa, priorizei as falas dos entrevistados, reproduzindo-as integralmente,

buscando desvelar seus sentidos e significados mediante uma análise dialética que

também os consideram parte integrante da totalidade. Ademais, como cita Minayo

(1993, p. 12), fazendo referência a Sartre, em relação à abordagem qualitativa, o

método dialético “recusa-se a reduzir” e, prossegue a autora, “percebe a relação

inseparável entre mundo natural e social; entre pensamento e base material; entre

objeto e suas questões; entre a ação do homem como sujeito histórico e as

determinações que o condicionam”.

Concernente ao sigilo e à privacidade dos entrevistados, optei por substituir

os nomes reais dos representantes familiares por heróis e heroínas da mitologia grega

como forma de destacar o cotidiano marcado por lutas e batalhas diárias. Ademais, após

o nome figurativo, registro a numeração que indica a ordem cronológica da família

entrevistada, especificada de 01 (um) a 16 (dezesseis).

Em suma, na pesquisa, realizei uma investigação dividida em duas etapas,

embora ambas sempre estivessem interligadas e em conexão, uma vez que não

7 Em consonância à Resolução do CNS n.º 466/2012, tendo em vista que a pesquisa envolve seres

humanos, submeti o projeto ao Comitê de Ética da UECE em outubro de 2014. Devido à demora na liberação do parecer, aliada ao atraso da pesquisa, o orientador deu aval para a realização das entrevistas com os familiares antes do resultado conclusivo do Comitê, desde que houvesse assinatura prévia do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

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ocorreram de modo estanques, por estarem constantemente em diálogo teórico e

empírico, quais foram:

1) Bibliográfica e documental, deu-se no primeiro momento, pois se

pautou no levantamento e material escrito a partir da questão familiar e

suas mudanças na constituição e mobilidade de vida em sociedade, com

ênfase no destaque dado ao segmento centralização familiar, na política

de proteção social em ação conjunta com o Estado, das configurações

atuais das políticas públicas e do modelo gestor a elas impostas na

contemporaneidade, sem perder o fio condutor histórico, ressalvando os

processos de condução social da política de saúde mental no país desde

o princípio da reforma psiquiátrica até o contexto hodierno da

desinstitucionalização;

2) Pesquisa de campo na Defensoria Pública da União no Ceará com

prévio levantamento estatístico, entre janeiro e dezembro de 2013, das

famílias em vulnerabilidade social, atendidas pelo Serviço Social, que

têm parente com adoecimento mental. E, na sequência, adoção de

técnicas para coleta dos dados qualitativos com prevalência na

entrevista semiestruturada e observação flutuante. Nesta última etapa,

utilizei equipamentos de gravação de voz com as 16 (dezesseis)

famílias, tendo como alvo precípuo os representantes legais do parente

mentalmente adoecido.

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3 REFLEXOS E REFLEXÕES DA FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA NO

CONTEXTO DAS MUDANÇAS ESTRUTURAIS

“Não se extingua sua inspiração e

sua imaginação; não se torne o

escravo do seu modelo.”

(Van Gogh)

O quadro intitulado de Os comedores de batatas foi pintado por Van Gogh

em 1885 e revela o cenário prosaico de uma família pobre holandesa. Consoante

registro de sua fase realista, o artista procurou retratar por minudente as condições de

miserabilidade do segmento representado.

Sem embelezamento, pintada em cores escuras, a cena demonstra o

momento de uma refeição noturna realizada num ínfimo compartimento, cuja

iluminação fraca provém de um único candeeiro centralizado acima de uma rústica

mesa de madeira. Ao redor desta, estão posicionadas cinco pessoas, sendo quatro

adultos e uma criança.

Na mesa, nota-se tão somente uma travessa de batatas quentes, um bule de

cevada e algumas xícaras. A mulher mais nova, com aparente expressão interrogativa,

começa a servir o alimento, enquanto a mais velha distribui o líquido nos pequenos

recipientes. Nesse ínterim, o homem idoso e o primeiro servido seguem em primazia na

refeição.

Semelhantes à da mulher mais nova, as demais expressões faciais dos

adultos – a criança mantém-se de costas – demonstram traços tensos. É como se o

ilustre artista, na ânsia por captar a realidade posta, denotasse a escassez da família não

apenas no cenário empobrecido, na comida limitada às batatas e cevada, nas roupas

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simplórias, mas também nas fisionomias angustiadas e preocupadas diante do pouco

disponível.

Convém novamente enfatizar que a obra traduz uma dada realidade

conjuntural e histórica. Contextualiza o cenário familiar, mais especificamente o

substrato camponês do final do século XIX, com reflexo das peculiaridades e

condicionalidades pertinentes às múltiplas determinações da estrutura social na qual está

inserida. Mesmo que não represente o modelo emblemático da família nuclear moderna,

mais de característica urbana-industrial e com nuances consumista, as vicissitudes

sociais refletidas na imagem permitem associá-la à organização social então vigente, a

saber, o iminente capitalismo monopolista8.

Observando com maior acuidade a imagem impressionista, além da aparente

pauperização e da tensão refletida na cena pelas circunstâncias impostas ao grupo,

intento alcançado pelo artista, é possível perceber que ela suscita outros recursos

simbólicos passíveis de observação e reflexão: significações, representações,

identidades, dentre outros. É a família, marcada por suas complexidades e múltiplas

peculiaridades, que, similar à essência de uma obra de arte, permite uma diversidade de

olhares e análises.

Numa perspectiva histórico-cultural, a seção que se segue parte do

pressuposto que a família resulta da síntese de múltiplas determinações sócio-históricas,

econômicas e culturais, compondo-se de uma totalidade dinâmica e contraditória, e que,

por assim expresso, constitui-se uma instituição social definida pelo movimento da

história e das relações sociais inerentes à organização social nela envolta.

Diante disso, conforme sinalizado no caminho metodológico, a abordagem

adotada pauta-se na pluralidade teórico-analítica, no sentido de estabelecer um diálogo

entre as correntes epistemológicas das ciências sociais, a fim de melhor compreender o

fenômeno da família na contemporaneidade, em meio às suas variantes e múltiplos

aspectos, tendo como destaque o segmento familiar em situação de vulnerabilidade

social, ou seja, substratos sociais que enfrentam maior risco frente ao desemprego, à

8 Netto (1996), a partir da tradição teórica de Marx, assevera que o capitalismo monopolista é a fase que

sucede ao capitalismo concorrencial transcorrida no último quartel do século XIX. Redunda no ápice da contradição entre socialização da produção e a apropriação privada, orquestrada pelos grandes monopólios. Caracteriza-se, assim, pela centralização e concentração do capital, advindas da maximização do lucro, contrapondo-se ao aumento exacerbado da exploração, alienação, pauperização e desigualdade social.

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precariedade do trabalho, à pobreza e às lacunas da proteção social no cenário hodierno

de mudanças estruturais.

Na frase acima do mestre Van Gogh, colocada ao lado da imagem, a

admoestação é clara e está em consonância com a proposta pluralista: não se deve

extinguir a inspiração e a imaginação, pois, caso isso ocorra, incorre-se na armadilha

reducionista e limitada que conduz à escravidão de um modelo fechado. Por sua vez, ao

propor o diálogo entre correntes teóricas diversas na análise de dado fenômeno social, é

imprescindível o cuidado para não redundar no ecletismo.

3.1 VARIABILIDADE HISTÓRICA DA FAMÍLIA: DA ERA MODERNA À

CONTEMPORANEIDADE A PARTIR DE UMA ANÁLISE PLURALISTA

Pensar a família na contemporaneidade, caracterizada na multiplicidade de

formas e sentidos, constitui-se uma tarefa sobremodo difícil. As modificações e

reconfigurações dessa instituição social, as quais impossibilitam defini-la a partir de um

único modelo, levam ao que já se firma como consensualmente aceito na produção

acadêmica nacional e internacional, a saber, não é mais cabível falar de família, mas de

famílias (TRAD, 2010).

Contudo, antes de adentrar nessa árdua seara, necessário se faz traçar um

breve retrospecto histórico a partir das incipientes configurações da família moderna.

Como salienta Singly (2010, p. 11), “as famílias contemporâneas resultam do processo

de individualização que começa a inscrever-se na esfera política da Revolução

Francesa”. Ou seja, com a iminente sociedade moderna, a família engendra um novo

desenho social, agora numa dimensão mais individualizada e privativa, o que demarca a

separação e a delimitação entre esfera privada e esfera pública, substanciando alterações

significativas no processo sequencial até a contemporaneidade.

O autor acima referendado, para tentar compreender as transformações da

família moderna, recorre a Émile Durkheim (1858-1917), fundador da sociologia

francesa, a partir das contribuições de sua última aula do curso sociologia da família.

Para Singly (2010), o poder de análise do pai da sociologia, no que tange à família

moderna, está em situá-la no centro de um duplo movimento: de um lado, pela

“privatização”, cuja atenção se volta para as relações interpessoais no seio da família; de

outro, pela “socialização”, com maior ou menor intervenção do Estado. Conforme

ressalva:

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Desde o final do século XIX, a família torna-se cada vez mais um espaço onde os indivíduos esperam desenvolver e proteger a sua individualidade, que é valorizada, sendo a família, em simultâneo, um ‘órgão secundário do Estado’ que, através das normas, controla, mantém e regula as relações dos membros da família (SINGLY, 2010, p. 12).

O que se entende, diante disso, é que a cisão entre as esferas privada e

pública não desvincula a influência de uma sobre a outra. Para o respectivo autor, a

instituição familiar é privada, mas também pública na medida em que a intervenção

estatal se manifesta nas regulamentações e implementações de políticas voltadas para a

valorização da autonomia e proteção da individualidade. Tal fenômeno ocorreu no

Estado moderno com continuidade na contemporaneidade, mesmo diante de alterações

nas suas formas gestão e operacionalidade.

Voltando à sociologia durkheimiana, na questão familiar, este situa o

referido segmento numa perspectiva social e moralista. Oriundo de uma família judia,

pai rabino, optou por viver em condição secular a partir de sua inserção na academia.

Não obstante essa escolha, contudo, há influências de valores religiosos em suas

temáticas trabalhadas, especialmente na família e assuntos referentes ao divórcio. Por

essa dualidade, ora é conhecido como conservador, ora como liberal.

Sierra (2011) corrobora esse traço do teórico quando assevera que Durkheim

confere à família moderna um papel primordial e central na constituição da ordem

moral, como grupo e instituição social. Em sendo assim, seus membros têm deveres

entre si, ou seja, regras estabelecidas socialmente as quais devem ser cumpridas sem

constrangimentos sociais, constituindo-se um elo da solidariedade social. Em face disso,

coloca a família como um fato social, cuja existência não se explica psicológica e

biologicamente, uma vez que a consanguinidade não é o único elemento de sua

constituição, pois há que se considerar que ela é essencialmente social.

E, como tal, argumenta Singly (2010), em referência à análise

durkheimiana, que, para a família cumprir sua função social com vista à harmonia da

ordem vigente, predominantemente burguesa e urbana-industrial, a intervenção do

Estado se mostra necessária a fim de impedir o rompimento dos laços do modelo

conjugal representado na sua dimensão nuclear (pai, mãe e filhos).

Outro teórico clássico que manifestou seu posicionamento em relação à

família na sociedade capitalista emergente – pontua-se que, tal qual Durkheim,

vivenciou também as transformações impostas pela modernização – foi o filósofo

alemão Karl Marx (1818-1883). Assim, não obstante perspectivas e conclusões

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diferenciadas entre os dois pensadores sociais, é possível delimitar exatamente esse

ponto convergente, a saber, tomam a sociedade moderna como foco analítico e

concebem o homem inserido no seu contexto, não isolado, sendo por ele influenciado.

Crítico ferrenho da organização social capitalista, o pensador alemão tomou

como ponto de análise as relações de produção que se materializam na luta de classe. Na

sua concepção, só se pode entender a sociedade a partir da forma como os homens

produzem e se reproduzem socialmente pelo trabalho. Em sendo essa relação um dado

real, em constante transformação histórica, seria fundante tomá-la, analiticamente, pelas

perspectivas material, dialética e histórica. Destarte, traz como fundamento

metodológico o materialismo histórico9, então compreendido na lógica marxista como a

base filosófica de análise e compreensão da realidade social (IANNI, 1992).

Diferente de Durkheim, Karl Marx não tomou a família como um tema

específico de análise. É possível captar na sua teoria sociológica pontos que demarcam a

categoria família. Para ele, não era apenas o Estado que servia como elemento de

manutenção das relações de dominação e exploração, já que consistia numa espécie de

comitê da classe burguesa, mas havia outros agrupamentos sociais, componentes da

superestrutura, fomentadores ideológicos do status quo capitalista, como o partido, o

mercado, as organizações religiosas, a família, dentre outros.

Como ressalva Moraes (2000), é na obra Ideologia alemã, de 1846, que a

instituição da família aparece como um dos momentos de passagem para a sociedade de

classes, sendo que essa hierarquização dá-se no interior do próprio processo de trabalho,

na medida em que, na concepção de Marx e Engels:

A divisão do trabalho repousa sobre a divisão natural do trabalho na família e sobre a separação da sociedade em famílias isoladas e opostas umas às outras, – e esta divisão do trabalho implica ao mesmo tempo na repartição do trabalho e de seus produtos; distribuição desigual, na verdade, tanto em quantidade como em qualidade; ela implica, pois, na propriedade; assim, a primeira forma, o germe reside na família, onde a mulher e as crianças são escravas do homem. A escravidão, latente e muito rudimentar na família, é a propriedade privada (MARX; ENGELS apud MORAES, 2000, p. 90).

9 Na perspectiva marxista, materialismo histórico e materialismo dialético tendem a se fundir num

mesmo processo, uma vez que a dialética – transformação social pelo movimento dos seus contrários (tese, antítese e síntese) – perpassa a própria história. A história, pois, é marcada pela dialética, ou seja, pela contínua transformação que se funda nas contradições inerentes à própria dinâmica social. Para Marx, somente através do materialismo dialético (historicidade) é possível desvelar a essência que se oculta na realidade posta.

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A respectiva autora, ainda na tentativa de resgatar a temática família na

teoria marxista, evidencia que o pensador alemão e seu parceiro Engels trazem à tona

o assunto no Manifesto comunista, publicado em 1848, ao reafirmarem a relação

intrínseca entre família, opressão feminina e propriedade privada, defendendo a

abolição da família pelos comunistas. Conclui, pelo exposto, que a ênfase na

historicidade das instituições humanas, um dos marcos do pensamento marxista,

possibilitou a compreensão da família como fenômeno social em que a divisão social

do trabalho é também uma divisão sexual entre funções femininas e masculinas.

O que é possível apreender em relação à família, referendando-se no

pensamento marxista (este somado às contribuições de Engels), é que, para

compreender a estrutura familiar, torna-se imperativo inseri-la no seu movimento

histórico. Ela é parte de um processo dialético e, como tal, requer ser desvelada na

dinâmica das contradições sociais por ela envoltas, afinal, resulta de um aglomerado de

múltiplas manifestações.

O próprio Engels (2007), em A origem da família, da propriedade privada e

do Estado, originalmente publicado em 1884, postula que a família foi mudando de

feições, regras foram sendo readaptadas na sua constituição, influenciadas pelas novas

modalidades de vida em sociedade, acrescidas a outros fatores que redundaram em

necessidades outras para além do grupo familiar. Reforça o autor que a instauração da

propriedade privada e a subordinação das mulheres aos homens são fatos simultâneos.

Pelas contribuições postas, infere-se que as críticas do marxismo à

família se centra no fato desta redundar em um agrupamento social perpetuador e

disseminador da relação de dominação e exploração, especialmente tendo como alvo

a família burguesa nos moldes capitalistas, cuja configuração demarca a condição de

subalternidade e submissão na sua própria dinâmica interna. Contudo, ao que parece,

tal aspecto suplanta o âmbito interno, visto que outras famílias, as menos abastadas,

serviam como mercadoria barata – especialmente mulheres e crianças pobres – com

vista à manutenção da ordem capitalista. É como se o modelo familiar capitalista

desfizesse o sentimento que envolvia as relações familiares, limitando-as a meras

relações mercantilizadas.

No que tange à contextualização do respectivo modelo familiar burguês de

padronização nucelar, Bruschini (2011) expressa que sua consolidação se deu

factualmente na iminente sociedade industrial a partir da ascensão da burguesia, por

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volta do século XVIII, sendo que o lar burguês, além do seu caráter privativo, passou a

absorver as funções socializadoras.

Nessa esteira, ao delimitar o período histórico em que surgiu o modelo em

tela, a autora em tela chama a atenção para o fato de que a instituição familiar não tem

sustentação natural e destaca sua mutabilidade em face das influências estruturais.

Como prossegue, se antes a família aristocrática do período pré-industrial, séculos XVI

e XVII, mantinha-se como unidade de produção na qual homens, mulheres e crianças

trabalhavam no mesmo espaço, bem como não tinha função afetiva e socializadora, a

família burguesa nuclear assumiu tais papéis sociais e agregou a condição de unidade de

consumo.

Pertinente colocar, posto isto, que é inconcebível visualizar a instituição

familiar numa linearidade histórica em fases e circunstâncias estanques – aqui, por

assim dizer, recai uma crítica ao determinismo histórico marxista. O fato de a família,

nos padrões modernos, apresentar-se conforme as configurações elencadas acima não

implica afirmar que resquícios anteriores desapareçam por completo no modelo

moderno redesenhado.

Osterne (2001), a partir das considerações de Philippe Ariès em sua obra

História social da criança e da família, aponta, por exemplo, que, entre as famílias mais

pobres, havia a prevalência pelo modelo de sociabilidade medieval, especialmente no

concernente à composição, famílias mais numerosas, e na educação destinada aos filhos,

que continuavam sendo afastados da casa paterna. Contudo, paulatinamente esses traços

foram sendo suplantados, não integralmente excluídos, pelo modelo hegemônico

familiar burguês.

O recurso visual retratado no quadro de Van Gogh, exposto no início da

seção, revela também essa particularidade. Conforme é possível visualizar, tem-se uma

família camponesa, economicamente desfavorecida, que também apresenta, não

obstante viver em plena fase da sociedade moderna capitalista, elementos denotadores

que a aproximam mais de uma unidade econômica própria da organização social pré-

capitalista, visto sobreviver do próprio sustento da terra – plantação de batatas –, do que

de uma unidade consumista.

No lastro da questão referente à naturalização familiar, é relevante destacar

o sociólogo francês Bourdieu (1996), por trazer contribuições relevantes à temática.

Como coloca o pensador, a família é uma instituição imbricada de simbologismos e

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significações, cuja definição legítima tendeu à norma universal pela perspectiva do

olhar natural.

Em sendo “um princípio coletivo de construção da realidade coletiva”

(BOURDIEU, 1996, p. 126), a família constitui-se também como uma categoria que é

criada a partir das influências do mundo social. Logo, nessa abordagem sociológica, a

tendência de naturalizar um modelo específico, universalizando-o, como se deu com a

padronização da família nuclear burguesa, alcançando inclusive a fase mais

contemporânea da realidade social, deve-se a esse processo socialmente construído e

incutido no imaginário individual e coletivo.

Osterne (2004), delineando sobre a multiplicidade de formas e sentidos

atribuídos à família, num dado momento, traz um questionamento pertinente sobre ser

a família um grupo social concreto ou uma representação social. Como resposta,

assume a posição de entendê-la tanto como um fato concreto quanto como uma

realidade simbólica. Ambas são dimensões que se mesclam no mesmo “fenômeno

social essencialmente construído numa tensão dialética entre a diversidade e a

história, no qual os fatos vão se definindo no interior da dinâmica social” (OSTERNE,

2004, p. 60).

Para a autora, portanto, pensar a família como construção do vivido supera a

visão restritiva da coisa dada, da perspectiva natural, já que incorpora contradições

existentes dentro e fora de seu âmbito; ao passo que, ao absorver ideologicamente tais

elementos, ela também é uma realidade simbólica, por receber e transmitir padrões de

comportamento, crenças, hábitos, costumes, princípios e outros.

Como construto social simbólico, a família é vislumbrada para além da

abordagem economicista. Isso não quer dizer que a instituição familiar fique à margem

das estratégias de fomento na relação capital/trabalho com vista à exploração e

dominação, elementos intrínsecos da sociedade capitalista. Ao contrário, se na gênese

do capitalismo as relações de mercado influenciaram sobremodo a família, inclusive na

submissão dos setores mais pauperizados que se submetiam a trabalhos degradantes

para sobreviver, essa realidade não difere no cenário contemporâneo capitalista,

marcado pela fase financeira especulativa, a qual tende a agudizar e aprofundar as

contradições e mazelas sociais com resquícios nas mudanças estruturais presentes no

âmbito do trabalho e na intervenção estatal (BEHRING, 2008; IAMAMOTO, 2008;

NETTO, 1996, 2012).

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Porém há mais elementos, além deste, que fazem da família um espaço de

múltiplas análises, o que se justifica por sua complexa rede de significados. Sarti (2011)

assevera que o pressuposto da falta constituiu-se por muito tempo a tônica na literatura

sobre família, especialmente em relação ao segmento mais economicamente

desfavorável, na medida em que se priorizou mais a pobreza do que o pobre na denúncia

ao sistema capitalista, razão pela qual se elidiu o sujeito.

Ademais, prossegue a autora, o foco dado a esse aspecto tende a forjar uma

representação negativa deste:

Na visão sociológica sobre os pobres, sobretudo a partir dos 60, prevaleceu essa tendência a defini-los por uma negatividade, como o avesso do que deveria ser. Aliás, essa perspectiva do ‘dever ser’ marcou significativamente a literatura. Com uma ênfase ora econômica, ora política, definiu-se a condição social dos pobres a partir da exploração do trabalho pelo capital e, mais recentemente, pela ausência de reconhecimento de seus direitos de cidadania (SARTI, 2011, p. 36).

Em ambas as perspectivas, sequencia a referida autora, há uma desatenção

da vida social e simbólica do pobre no que se refere à sua dimensão positiva, ou seja, no

horizonte de atuação no mundo social e na possibilidade de transposição desta para o

plano propriamente político. Este pensado não somente no sentido de sujeito político,

enquanto consciente de sua condição de trabalhador explorado pelo capital, mas

também, e principalmente, uma vez que foi esquecido, pela retratação de como e quem

ele é, com suas subjetividades, significações e identidade construídas nas relações

cotidianas e culturalmente estabelecidas.

Uma das características do segmento familiar mais vulnerável, e que Sarti

(2010) destaca em sua análise, diz respeito à organização moral que se estabelece em

torno dos diversos arranjos feitos pelas famílias com seus parcos recursos.

Denominada pela autora de “famílias enredadas”, estas tendem a se constituir em

redes, “com ramificações que envolvem o parentesco como um todo, configura uma

trama de obrigações morais que enreda seus membros, num duplo sentido, ao

dificultar sua individualização e, ao mesmo tempo, viabilizar sua existência como

apoio e sustentação básicos” (SARTI, 2010, p. 31).

A sobrevivência destas, assim, passa também pela responsabilidade

compartilhada dentro do grupo de parentesco. Destarte, a respectiva autora conclui que

o conceito de família, para os mais pobres, aproxima-se da noção de rede de obrigações.

Porém, ainda observa que há uma delimitação da rede, visto que se restringe aos que

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convivem ou conviveram com o grupo. “Para eles, a extensão da família corresponde à

da rede de obrigações: são da família aqueles com quem se pode contar, quer dizer,

aqueles em quem se pode confiar” (SARTI, 2010, p. 33).

Ademais, Sarti (2010) chama a atenção para o fato de que, entre os

pobres, a família assume importância central não somente em razão da rede de apoio

ou ajuda mútua, justificada pela situação de desamparo social, como também vai

além, pois se configura, fundamentalmente, como uma referência simbólica que

organiza e ordena a percepção de mundo entres os seus, tanto dentro como fora do

mundo familiar.

No alcance da família contemporânea e em sua expressão mais vulnerável,

objeto deste trabalho, os reflexos são ainda mais sinuosos e multifacetados, o que leva a

concordar que as transformações em curso não afetam apenas o âmbito estrutural da

família, na especificação da tipologia que a define, mas também modificam os papéis e

as relações familiares, de modo que a pluralidade e a flexibilidade demarcam essa tão

complexa instituição social. Sobre esse ponto, a autora Leny A. Bomfim Trad destaca:

No exercício de refinamento conceitual da categoria família, é preciso, contudo, escapar à tentação de adotar modelos universais e generalizantes. Deve-se considerar tal advertência tanto na análise sobre a estrutura e dinâmica da família contemporânea, como sobre os sentidos e práticas relacionados com saúde-doença-cuidado no contexto familiar. À medida que se afirma o caráter plural ou poliforme da família, reafirma-se também sua complexidade, evidenciando-se a falência de modelos explicativos de pretensão universalista. De entrada, é necessário destacar o processo de transformação de modelos e padrões familiares heterogêneo, fragmentado e marcado por ambiguidades, quando comparamos a realidade de diferentes sociedades e/ou grupos sociais (TRAD, 2010, p. 29).

Hodiernamente, é pertinente ressalvar que, a despeito de as práticas de

família nuclear cada vez mais assumirem uma condição minoritária, comparando-se aos

novos arranjos emergentes, a autora supracitada, ao referendar o contexto brasileiro,

constata a coexistência do padrão tradicional e moderno de família.

Para melhor visualização, tem-se, a seguir, um quadro demonstrativo, no

qual são apresentadas as principais características atinentes aos arranjos e configurações

das famílias contemporâneas. Convém salientar que são exemplos de algumas tipologias

que se sobressaem no cenário atual, contudo, não há pretensão de fechar apenas nos

modelos expostos, o que se justifica pelo caráter multifacetado e poliforme da aludida

instituição social.

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Quadro 01 – Novas configurações familiares contemporâneas

Configurações Características Principais

Padrão Tradicional

Família Nuclear

Origem remete à consolidação da família burguesa no século XVIII, período capitalista industrial, com traço

patriarcal e predominância do pai, mãe e filhos.

Padrões Atuais

Família Reconstituída/Recomposta

Grupo familiar que se reconstitui a partir da formação de casais que se trazem filhos de relacionamentos

anteriores.

Família Monoparental

Decorre de divórcio ou separação, viuvez e/ou opção pessoal, na qual apenas um representante familiar

assume o cuidado dos filhos. Inexistência da presença ativa do outro na parentalidade.

Família Homoafetiva

Composição familiar advinda da junção de indivíduos do mesmo sexo, que se expressa pela união estável

e/ou formalização legal.

Família Composta/Ampliada

Família extensiva ao núcleo principal, em que são agregados, no domicílio, novos integrantes por

consanguinidade ou afinidade: avôs, tios, sobrinhos, amigos e outros.

Família Associada

Composta por pessoas com fortes laços afetivos e de amizade, as quais formam uma rede de “parentesco”.

Uniões consensuais Casais que optam por viver em união estável, portanto, sem formalização legal. Ou, no caso, que moram em

casas separadas com vista a evitar conflitos conjugais.

Casais sem filhos (Opcional)

Mantença da união restrita à dupla por opção. O casal prefere a dinâmica familiar sem a presença de filhos.

Fonte: IBGE, Censo 2010, e contribuições a partir das tipologias de Kaslow (2001). Elaborado pela autora.

Tais mudanças na configuração das famílias podem ser observadas também

nos indicadores sociodemográficos brasileiros, os quais confirmam novas tendências.

Sobre esse aspecto, Trad (2010, p. 27) elenca e destaca alguns desses indicadores que

ratificam alterações significativas na família brasileira, quais sejam: a) a multiplicidade

de arranjos que fogem ao padrão nuclear e incremento de famílias monoparentais

(predominância daquelas chefiadas por mulheres) de domicílios formados por “não

famílias”, não apenas entre os idosos (viúvos), mas também entre adultos jovens e seu

novo “individualismo”; b) o decréscimo progressivo do número de filhos por casal,

somado ao aumento de casais maduros, que afeta o tamanho das famílias.

A autora acima sequencia, doravante as configurações e tendências

explicitadas, que, no concernente ao aparato legal, as repercussões vieram a reboque.

Tanto na Constituição Federal de 1988 quanto no Código Civil Brasileiro – este

modificado em 2003 –, alterações conceituais se fizeram necessárias, especialmente na

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qualificação do entendimento em torno da legitimidade familiar. Em outras palavras, o

casamento não se configura mais como o eixo principal, devendo também ser considerada

a união estável10.

3.2 MUDANÇAS GLOBAIS, SEUS REFLEXOS NAS FAMÍLIAS VULNERÁVEIS

E A PROTEÇÃO SOCIAL A ELAS DESTINADA

Consoante se vem discorrendo, as mudanças ocorridas no plano

socioeconômico e cultural, pautadas no processo de globalização da economia

capitalista e delineadas na esfera do mundo do trabalho e na organização gerencial do

poder público, sobretudo no gerenciamento das políticas de proteção social, repercutem

sobremodo nos mais variados âmbitos sociais. O efeito dominó parece ser a tônica do

momento, visto que basta uma única peça mover-se ou sair do eixo para as demais

sofrerem os reflexos e as consequências do movimento. A família, dialeticamente

articulada à estrutura social, como também exposto, é atingida diretamente, em especial

as de condições sociais mais vulneráveis.

Trazer à tona a família vulnerável, no cenário dessas mudanças, bem como a

política nacional de proteção social a ela destinada, requer, aprioristicamente, que sejam

feitas algumas considerações sobre vulnerabilidade e proteção social, haja vista que são

categorias que substanciam a análise em pauta.

Vulnerabilidade e proteção social têm uma interface peculiar, a saber,

postulam-se enquanto expressões da questão social11 no âmbito capitalista. Portanto, são

oriundas das contradições sociais geradas numa mesma raiz e entrelaçam-se no sentido

de que uma se estabelece em detrimento da outra, sendo a segunda de responsabilidade

prioritária do poder público.

10 Mais recentemente, em maio de 2013, a justiça brasileira, por intermédio do Conselho Nacional de

Justiça (CNJ), aprovou resolução que legalizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo em todo território brasileiro, obrigando os cartórios a oficializar a união. Ressalva-se que o Supremo Tribunal Federal (STF), no ano de 2011, já havia reconhecido a família homoafetiva, conferindo aos homossexuais o direito à união estável. No Congresso Nacional, mesmo com projeto de lei específico (Proposta de Lei n.º 1.151/1995, de autoria da ex-deputada federal Marta Suplicy (PT/SP), o clima é ainda polêmico com polarizações acentuadas: de um lado, parlamentares religiosos contrários à proposta, que lutam pela suspensão da medida do CNJ e intentam instaurar plebiscito para consulta popular; de outro, congressistas defensores que reivindicam aprovação imediata do projeto em curso.

11 Considera-se questão social, na perspectiva trabalhada por Iamamoto (2000), como expressão das relações sociais entre as classes sociais antagônicas. Portanto, circunscrita às contradições sociais da sociedade capitalista, as quais redundam em lutas e resistência em face das desigualdades sociais, econômicas e políticas.

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Em suma, indivíduos e segmentos imersos em situação de vulnerabilidade

demandam proteção social, que tem no Estado seu principal gestor. Mas, conceitualmente

falando, o que seria vulnerabilidade social? Como a proteção social, no caso específico

brasileiro, é pensada e orquestrada para atender às famílias vulneráveis? Que desafios

estão postos à política de proteção social em meio às mudanças operacionalizadas pelo

mundo globalizado?

Em princípio, o marco conceitual da vulnerabilidade social integrado às

políticas sociais é fenômeno recente, datado da década de 1990, e foi gestado nos

organismos internacionais como alternativa ao conceito de pobreza e exclusão social,

uma vez que tais matrizes analíticas tenderam ao esgotamento pelas limitações

meramente econômicas (MONTEIRO, 2011). Nessa perspectiva, o foco voltava-se para

conhecer os setores mais economicamente desfavoráveis do que propriamente os

determinantes do processo de empobrecimento, redundando na focalização do

indivíduo, e não no contexto estrutural que produzia o fenômeno.

A autora supracitada aponta, não obstante uma gama de conceitos

formulados atualmente sobre vulnerabilidade social, a recorrência de imprecisões e

interpretações variadas, as quais acabam por gerar antagonismos significativos em torno

da questão. Contudo, evidencia, mediante as contribuições teóricas das quais se utilizou,

que a vulnerabilidade social se propõe a ultrapassar o reducionismo analítico das

categorias pobreza e exclusão social, inclusive incorporando-as, na medida em que a

vulnerabilidade é referendada como processo, em vez de um estado, considera múltiplos

condicionantes e, dessa maneira, é compreendida como um construto social e produto

das transformações sociais societárias.

Nessa mesma linha de extensão conceitual, no sentido de que a

vulnerabilidade social não se reduz apenas à renda e alcança também uma amplitude de

determinantes, Roberto Pizarro (2001), na obra La vulnerabilidad social y sus desafíos:

una mirada desde América Latina, discute acerca da categoria a partir das mudanças

contemporâneas capitalistas, marcadas pela abertura da economia mundial e do recuo do

Estado nas funções protetivas, e de como as mesmas repercutem no contexto dos grupos

sociais nos países latino-americanos, na medida em que os expõe à insegurança e ao

desamparo. Para ele,

La vulnerabilidad social es el resultado de los impactos provocados por el patrón de desarrollo vigente, pero también expresa la incapacidad de los grupos más débiles de la sociedad para enfrentarlos, neutralizarlos u obtener

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beneficios de ellos. Frecuentemente se identifica la condición de pobreza de la gente con vulnerabilidad. Sin embargo, la inseguridad e indefensión que caracterizan a ésta no son necesariamente atribuibles a la insuficiencia de ingresos, propia a la pobreza. En efecto, si se comparan las condiciones de vida de los trabajadores urbanos con la de los campesinos de áreas remotas, es probable que éstos, al basar su vida en la agricultura de subsistencia, se hayan visto menos afectados frente a los programas de ajuste estructural y a los golpes de naturaleza macroeconómica (PIZARRO, 2001, p. 07).

O autor referendado, portanto, chama a atenção para o fato de que a

vulnerabilidade vai além das carências econômicas, contudo a insuficiência de renda

está intrínseca à condição de vulnerabilidade social. No exemplo dado, mesmo que os

trabalhos rurais vivam com renda abaixo da linha da pobreza, em face de outros

determinantes, não necessariamente são qualificados como vulneráveis. Ao passo que os

trabalhadores urbanos que dependem predominantemente da renda do trabalho e sentem

de modo mais contundente as refrações sociais do mundo contemporâneo, mesmo não

estando sempre abaixo da linha da pobreza, encontram-se mais expostos à

vulnerabilidade social.

Isto posto, Pizarro (2001) defende que o conceito de vulnerabilidade parece

ser o que melhor se adéqua para compreender os impactos e riscos das transformações

causadas pelo novo padrão de desenvolvimento na esfera social.

Concernente ao conceito de vulnerabilidade social, o autor ressalva que sua

imprecisão realmente tem levado a confundir-se com o conceito de pobreza. Para

escapar disso, elenca dois componentes explicativos: a insegurança e desamparo vividos

por comunidades, famílias e indivíduos em suas condições de vida, resultantes do

impacto de algum tipo de fenômeno socioeconômico; e a gestão dos recursos e

estratégias utilizados pelas comunidades, famílias e indivíduos para enfrentar os efeitos

desses fenômenos.

Outro sociólogo latino-americano que traz relevantes considerações sobre a

temática, é Rubén Kaztman (1999, 2001), o qual também reputa que as situações de

vulnerabilidade social devem ser analisadas mediante a existência de ativos disponíveis

capazes de levar famílias e indivíduos a enfrentarem determinadas situações de risco.

Para o aludido autor, tais ativos disponíveis podem ser físicos (envolvem meios

essenciais para o bem-estar: terras, animais, máquinas, bens duráveis relevantes para

reprodução social), humanos (incluem o trabalho como ativo principal e seu valor

agregado com investimentos em saúde, educação e outros) e sociais (seriam as redes de

reciprocidade, confiança, contatos e acesso à informação).

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Na literatura especializada brasileira, destacam-se conceituadas autoras

contemporâneas (BEHRING, 2003; MOTA, 2010; PEREIRA, 2009; SPOSATI, 2014;

YASBEK, 2009), que direcionam suas teorias analíticas para a problemática da

vulnerabilidade concebida como uma expressão da questão social intrínseca ao

desenvolvimento histórico do capitalismo. Afora adoção de terminologias e categorias

específicas, das quais se tem, por exemplo, pobres, excluídos, necessitados,

desassistidos, sulbaternizados, dentre outras. Tais teóricas convergem para o argumento

de que grupos sociais mais vulneráveis assentam-se numa base material, porém a

dinâmica do fenômeno apresenta múltiplas refrações sociais. Em suma, para elas,

existem outras formas de precariedade atreladas à vulnerabilidade social.

Ainda sob o ponto de vista do mundo da produção, já que as mudanças

hodiernas transformam radicalmente essa esfera pela precarização crescente da mão de

obra terceirizada, desregulamentação dos direitos trabalhistas, fragilização dos

sindicatos, decréscimo das relações formais e aumento da informalidade, dentre outros

aspectos, afetando de modo substancial os grupos mais vulneráveis, faz-se pertinente

resgatar também as reflexões de Castel (1997) sobre vulnerabilidade social delineadas

em sua obra A dinâmica dos processos de marginalização: da vulnerabilidade à

“desfiliação”.

Tomando como ênfase a dinâmica atual das situações marginais, estas vistas

como processo e demarcadas pela relação de trabalho e inserção relacional, Castel

(1997, p. 23) distingue três zonas específicas: integração, zona caracterizada pelo

trabalho estável e forte inserção relacional12; vulnerabilidade, zona na qual há

predominância do trabalho precário e da fragilização dos apoios relacionais; e, por fim,

desfiliação, zona que marca o duplo processo de desligamento pela ausência de trabalho

e isolamento relacional.

Destarte, para o aludido teórico, vulnerabilidade social seria a zona

intermediária entre a integração e a desfiliação e configura-se como “um espaço social

de instabilidade, de turbulências, povoado por indivíduos em situação precária na sua

relação com trabalho e frágeis em sua inserção relacional” (CASTEL, 1997, p. 26).

Estaria no limiar da desfiliação que se consubstancia na ruptura total na participação da

atividade produtiva e do isolamento relacional.

12 A inserção relacional seria representada pela família, parentes, vizinhança e amigos, os quais compõem

um suporte de proximidade. Nesse caso, na concepção do teórico, a precariedade das condições de trabalho entre grupos populares pode ser compensada pela densidade dessa rede de proteção próxima.

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Uma vez que a vulnerabilidade social, sob essa análise sociológica, atrela-

-se, se não exclusiva, mas prioritariamente à precarização do trabalho – e sendo esse

fenômeno uma realidade atual inconteste pelas refrações e mudanças geradas no mundo

global –, Castel (1997, p. 31) chama a atenção para o fato de que “a transformação do

mercado de trabalho em termos de precarização foi acompanhada de uma degradação

dos apoios sociais relacionais, que asseguram uma ‘proteção aproximada’”. Ou seja,

ocorre justamente o que previa em caso de uma crise econômica, a saber, a zona de

vulnerabilidade se dilata, afetando trabalho e inserção relacional, avança sobre a

integração e alimenta a desfiliação.

Em face desse fenômeno, o pensador contemporâneo francês se propõe a

discutir a respeito da proteção social, compreendida por ele como condição necessária

para construção de uma “sociedade de semelhantes”, e coloca em pauta a participação e

responsabilidade do poder público com vista a atender segmentos que vivenciam

situação de vulnerabilidade social, de modo a permitir a estes, se não a integração, ao

menos o acesso às condições mínimas para ter independência, o que ele chama de

inserção. Assim, para ele, proteção social e Estado moderno se intercalam, sendo este

último elemento necessário para neutralizar ou reduzir o impacto de determinados riscos

sobre o indivíduo e a sociedade.

Para tanto, realiza um balanço, a partir da realidade francesa, da trajetória do

Estado, desde o sistema público de proteção social nos moldes do Welfare State, ou

Estado de Bem-Estar Social13, até o momento presente, acima retratado. Como

sequencia o aludido teórico, se no auge europeu do desenvolvimento das propostas do

Estado de Bem-Estar parecia haver uma espécie de estabilização da vulnerabilidade

social, na conjuntura atual, esta vem sendo retomada frente ao cenário de precarização

do trabalho. Assim, “as ‘famílias monoparentais’ associam frequentemente dependência

econômica, isolamento relacional e risco de desemprego” (CASTEL, 1997, p. 31).

A despeito do teórico se referir à realidade francesa, sua análise não destoa

do contexto brasileiro. Ao contrário, contribui para refletir sobre o cenário nacional no

que se refere aos efeitos perversos das mudanças societárias do mundo globalizado, que

13 Modelo de intervenção estatal baseado na proposta do economista inglês Keynes. Consiste na

intermediação do Estado na economia pela prevenção às crises através da oxigenação no mercado com a política do pleno emprego, bem como no âmbito social, numa lógica universalista, em que predomina o acesso de todos os cidadãos às políticas sociais de cunho protetivo. Foi implantado na Europa, inicialmente na Inglaterra, a partir de 1943, por Beveridge, sendo adotado posteriormente por outros países.

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alcança substancialmente o nosso sistema de proteção social, o qual segue um momento

de desafios e descompassos ao conquistado no âmbito legal.

Contextualmente, o marco inicial do sistema de proteção social no Brasil

remete aos anos 1930, período em que o país assume o modelo urbano-industrial e

abandona a base econômica agroexportadora. Tem-se a ascensão da burguesia industrial

e, por extensão, emerge a classe trabalhadora urbana, duas forças antagônicas que fazem

fluir conflitos sociais e demandam intervenção direta do poder público, que o faz

mediante a sistematização de um sistema de proteção social “de natureza meritocrática e

particularista, voltada tão somente aos trabalhadores assalariados com carteira assinada”

(POCHMANN, 2004, p. 10).

Na realidade ora apresentada, descortina-se um paradoxo no que concerne à

gênese da proteção social brasileira, pois se, de um lado, cabia aos trabalhadores

formais a garantia de salário mínimo e proteção por intermédio de uma legislação social

e trabalhista, ancorados na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e no seguro social

previdenciário14; por outro, ao grande contingente social destituído de vínculo com a

Previdência Social, eram destinadas ações filantrópicas e com características de

benesse, e não de direitos sociais.

O exposto acima é também ratificado pelas ponderações de Oliveira e Maia

(2011), as quais salientam que, na era governista de Getúlio Vargas, foram principiadas

outras medidas de assistência social, além da proteção social contributiva, como a

instauração da Legião Brasileira de Assistência (LBA), em 1942, cujas ações se

caracterizavam pelo viés emergencial, fragmentado e personalista, voltadas para atender

a parcela mais empobrecida.

Se esse foi o traço que marcou o início do sistema protetivo brasileiro, o que

se presenciou a posteriori não foi diferente. Com o regime militar, especialmente nas

décadas de 1960 e 1970, prevalece um reformismo centralizador, burocrático e

tecnocrático, gerido por um Estado autoritário e fortemente atrelado ao setor privado

(COBO, 2012). A despeito do fomento de um sistema protetivo mais unificado e coeso,

havendo ampliação dos direitos sociais – ressalva-se que ainda o acesso à segurança

advinha da seguridade, ou seja, de base contributiva –, presencia-se uma crise financeira

14 O fundamento do então sistema de proteção social é de base contributiva, ou seja, só tem direito à

proteção social o indivíduo inserido formalmente no mercado de trabalho. Nessa ordem, instaura-se o fenômeno denominado por Santos (1979) de cidadania regulada, visto que a garantia protetiva se limita aos cidadãos com carteira de trabalho assinada.

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e administrativa acentuada, que coloca em xeque não apenas o sistema de proteção

social, mas a própria estruturação governista nos moldes militares.

Sendo essa a situação no fim da década de 1980, eclodem na conjuntura

movimentos sociais pela redemocratização do país, pela liberdade política e pela

instauração de um sistema protetivo democrático e universalista. A mobilização social

culminou na promulgação da Constituição Federal de 1988, que principia uma nova

configuração formal no âmbito das políticas sociais, distinta da herança passada, uma

vez que coloca a política de proteção social como direito social e de responsabilidade

prioritária do Estado, ou seja, como dever público.

É a partir da “Constituição Cidadã”, de 1988, que o sistema protetivo

nacional absorve o formato de Seguridade Social, a qual “compreende um conjunto

integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a

assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social” (CFB/1988,

art. 194). Destarte, o tripé composto pelas três políticas sociais tem suas especificidades,

sendo que a previdência mantém o caráter contributivo, a saúde alcança a

universalidade e a assistência social se destina a quem dela necessitar.

3.2.1 Política de proteção social: a estruturação e os descompassos na

contemporaneidade

É indubitável afirmar que houve avanços significativos na política nacional

de proteção social com a promulgação da Lei Magna. No limiar dessa conquista formal,

outras legalizações regulamentaram o dispositivo constitucional da Seguridade Social

ao longo da década de 1990, com destaque para as leis orgânicas da Saúde, Lei n.º

8.080/1990 e Lei n.º 8.142/1990, e a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), Lei

n.º 8.742/1990.

Sposati (2009), ao delinear acerca da proteção social não contributiva com

foco na assistência social, que, segundo ressalva, encontra-se em processo de

construção, afirma que sua inclusão na Seguridade Social configura-se uma decisão

plenamente inovadora, pelos seguintes aspectos:

Primeiro, por tratar esse campo como conteúdo de política pública, de responsabilidade estatal, e não como uma ação com atividades e atendimentos eventuais. Segundo, por desnaturalizar o princípio da subsidiariedade, pelo qual a ação da família e da sociedade antecedia a do Estado. O apoio a entidades sociais foi sempre o bombo relacional adotado

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pelo Estado para não quebrar a mediação da religiosidade posta pelo pacto Igreja-Estado. Terceiro, por introduzir um novo campo em que se efetivam os diretos sociais (SPOSATI, 2009, p. 14).

Constata-se, por assim dizer, como prossegue a referida autora, que

realmente houve uma guinada conceitual e formal na política de proteção social, na

medida em que a segurança social passa a ser tratada como bem público com vista ao

alcance de todos. Ou seja, estabelece-se um pacto que inclui a universalidade da

proteção social na Seguridade Social.

Em sendo um modelo pensado e formalmente constituído pelas leis acima

referendadas, sequencia a autora que ainda se configura um vir a ser no âmbito do real,

visto que é um processo em construção, que pode, sim, sofrer refrações da própria

realidade, sendo também por ela barrado, ou não, dependendo de como será conduzido.

Afinal, assevera: “ter um modelo brasileiro de proteção social não significa que ele já

exista ou esteja pronto, mas que é uma construção que exige muito esforço de mudança”

(SPOSATI, 2009, p. 17).

Nessa esteira, é relevante destacar dois outros marcos legais que contribuem

para o fortalecimento do processo de construção da política de proteção social não

contributiva voltada para os segmentos mais vulneráveis, quais sejam, a Política

Nacional de Assistência Social (PNAS), instituída em 2004 e aprovada pela Resolução

n.º 145/2004 do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS); e a Norma

Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB/SUAS), inicialmente

aprovada pela resolução CNAS n.º 130/2005, cuja versão mais atual advém da

Resolução CNAS n.º 33/2012.

A primeira reafirma que a assistência social é uma política de Estado e

reconhece a importância da ação integrada entre poder público e sociedade numa lógica

de direito social. Assim, sustenta os pressupostos conceituais da LOAS pautados na

exigência de que “as provisões assistenciais sejam prioritariamente pensadas no âmbito

das garantias de cidadania sob vigilância do Estado, cabendo a esse a universalização da

cobertura e a garantia de direitos e acesso para serviços, programas e projetos sob sua

responsabilidade” (BRASIL, 2005b).

A segunda, como consequência da Política Nacional de Assistência Social

(PNAS/2004), na versão NOB/SUAS de 2005, delineia o Sistema Único de Assistência

Social (SUAS) e fundamenta as bases para sua operacionalização, definindo-o como

“um sistema público não contributivo, descentralizado e participativo que tem por

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função a gestão do conteúdo específico da Assistência Social no campo da proteção

social brasileira” (BRASIL, 2005c).

Como o próprio nome define, o SUAS unifica as ações socioassistenciais no

território nacional, prima pela integração dos entes federativos, respeitando suas

atribuições específicas, foca na priorização da família e organiza-se a partir da

territorialização. Ademais, efetiva-se mediante eixos estruturantes, os quais estão

delineados no art. 6º da NOB/SUAS/2012, a saber:

I – Primazia da responsabilidade do Estado na condução da política de assistência social; II – Descentralização político-administrativa e comando único das ações em cada esfera do governo; III – Financiamento partilhado entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; IV – Matricialidade familiar; V – Territorialização; VI – Fortalecimento da relação democrática entre Estado e sociedade civil; VII – Controle social e participação popular.

É interessante ressalvar que a família, no eixo da matricialidade da

NOB/SUAS/2012, destaca-se como núcleo social básico de acolhida, convívio,

autonomia, sustentabilidade e protagonismo social. Seu conceito extrapola a mera

unidade econômica para fins de cálculo per capita, sendo vista como núcleo afetivo que

vincula laços de consanguinidade, de aliança ou afinidade, circunscreve obrigações

recíprocas e mútuas e se organiza por relações de gênero.

Além disso, apoia-se no fato de que a família deve ser protegida, no sentido

de ter acesso a condições objetivas, para também proteger os seus. E isso implica não só

o fortalecimento de possibilidades de convívio e mantença entre os próprios

componentes familiares, mas fundamentalmente pela presença protetiva do poder

público de alcance ao individual e à sociedade como um todo.

No que tange mais especificamente à proteção social, uma das funções da

política de assistência social, somada à vigilância socioassistencial e à defesa de

direitos, a NOB/SUAS/2005 define-a como um “conjunto de ações, cuidados, atenções,

benefícios e auxílios com vista à redução e prevenção das vicissitudes sociais e naturais

ao ciclo da vida, à dignidade humana e à família” (BRASIL, 2005c), sendo dividida em

proteção social básica e proteção social especial.

A proteção básica, organizada no território e ofertada no Centro de

Referência da Assistência Social (CRAS), visa fortalecer a autonomia e vínculos

familiares e comunitários de famílias e indivíduos em situação de vulnerabilidade

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social. Traz como principais ações o Serviço de Proteção Integral às Famílias (PAIF), o

Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (ProJovem Adolescente) e o

Serviço de Proteção Social Básica no domicílio para Pessoas com Deficiência, Idoso e

suas Famílias. Pontua-se que o Benefício de Prestação Continuada (BPC) também

integra a proteção social básica.

Por sua vez, a proteção especial propõe-se a atuar nas famílias e indivíduos

em situação de violação de direitos, tendo como equipamento de referência o Centro de

Referência Especializado de Assistência Social (CREAS). É também organizada no

território e as ações são prestadas por nível de proteção, hierarquizada em média e alta

complexidade. Na primeira a violação sofrida não caracteriza a destituição do vínculo

familiar e comunitário, enquanto na segunda essa ruptura se efetiva.

Ainda com base no aspecto apontado por Sposati (2009) acerca de o modelo

de proteção social brasileiro encontrar-se em construção ou, consoante asseveram

Oliveira e Maia (2011), como um processo “inacabado”, há de se considerar que o

percurso de conquista delineado acima enfrentou – e enfrenta – obstáculos no que se

refere à sua consolidação no âmbito da realidade concreta.

A CFB/88 e as legislações subsequentes do sistema de proteção social do

país esbarraram numa conjuntura adversa desde sua implementação. A década de 1990,

ao invés de presenciar a consolidação da proposta de universalização dos direitos sociais

ancorados no sistema brasileiro de proteção social, assiste à sua tentativa de desmonte

pela adoção da lógica neoliberal mediante os interesses do capitalismo globalizado e

competitivo, que se propõe a reduzir a responsabilidade pública na condução das

políticas sociais.

Logo, a realidade que se descortina é desalentadora, uma vez que demarca

uma contradição no campo do bem-estar social no Brasil, pois

Tem-se, de um lado, um avanço no plano político-institucional, representado, sobretudo, pelo estabelecimento da Seguridade Social e dos princípios de descentralização e de participação social, enunciados na Constituição Brasileira de 1988. De outro, tem-se, no plano da intervenção estatal no social, um movimento orientado por posturas restritivas, com adoção de critérios cada vez de maior rebaixamento do corte da renda para fixação da linha de pobreza, para permitir acesso das populações, por exemplo, aos Programas de Transferência de Renda em grande expansão no Brasil, a partir de 2001 (SILVA; YASBEK; GIOVANNI, 2011, p. 30).

Como as autoras referidas seguem em suas explanações, não se verifica,

nesse contexto paradoxal, necessária expansão de programas e serviços por parte do

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Estado que alcancem as necessidades coletivas da população trabalhadora; ao contrário,

a tendência é privilegiar uma estrutura de benefícios que contribuem para a manutenção

das desigualdades sociais. A exemplo disso, como explicitado na citação, é a ênfase das

ações do sistema protetivo brasileiro em centrar-se na criação e expansão de Programas

de Transferência de Renda15, que, não obstante o desenvolvimento de um conjunto

amplo, mostra-se “disperso, desfocalizado, descontínuo, insuficiente” e com “traços

compensatórios e residuais” (SILVA; YASBEK; GIOVANNI, 2011, p. 31).

E é a partir dessas considerações que as aludidas pesquisadoras chegam a

um consenso acerca do nosso sistema de proteção social, nesses anos iniciais do século

XXI, ao concluir que ele tem se mostrado

Incapaz de enfrentar o empobrecimento crescente e a desproteção social de amplo contingente da população brasileira, sem lugar no mercado de trabalho ou sujeita a ocupar postos de trabalhos precários, instáveis, sem proteção social e com remuneração cada vez mais rebaixada. Ademais, os programas sociais têm sido orientados, historicamente, por políticas compensatórias e desvinculadas das políticas de desenvolvimento econômico, cujos modelos só têm servido para incrementar a concentração de renda e a manutenção de uma economia centrada na informalidade, que exclui a maioria dos trabalhadores dos serviços sociais que deveriam atender à população mais carente (SILVA; YASBEK; GIOVANNI, 2011, p. 32).

Retomando Pochmann (2004), ao estabelecer diferenças entre países do

centro do capitalismo e aqueles da periferia, quanto à proteção social, este se mostra

categórico nas suas considerações sobre o processo histórico da realidade brasileira

relacionada a essa política específica. Aponta que, a despeito de o país não assumir

integralmente um Estado de Bem-Estar Social16 nos moldes dos países capitalistas

centrais, não dá para desprezar a evolução do sistema protetivo nacional. Como

representante de uma cultura capitalista periférica, o Brasil “avançou em várias medidas

15 O carro-chefe atual da Política de Transferência de Renda é o Programa Federal Bolsa-Família,

instituído em 2003, na gestão do Presidente Lula. Agregou outros programas do gênero criado pelo governo antecessor: Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, Auxílio-Gás e Cartão-Alimentação. Salienta-se que, no decorrer de sua operacionalização, outros foram sendo agregados, como no caso do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) no ano de 2006. Em relação ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), que também integra a Rede Protetiva na condição de um programa relevante de transferência de renda, este antecedeu os citados e tem sua gênese na Lei 8.742/90.

16 Laurell (2002, p. 160) promove uma discussão interessante em relação à ofensiva neoliberal nos países latino-americanos e como se encontra sistematizada, nesses contextos sociais, a pretensa existência de um Estado de Bem-Estar Social. Conforme conclui preliminarmente, a orientação e o conteúdo das políticas sociais na realidade latino-americana, incluindo obviamente o Brasil, são pensados sob a lógica do Estado de Bem-Estar Social, porém, em face das limitações de seus programas e de seus critérios de seletividade no âmbito operacional, é cabível afirmar que este deve ser classificado como “restrito” ou “incompleto”. Tal posição, pois, coaduna-se com a posição de Pochmann (2004).

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de proteção social, sem, contudo, romper com a exclusão social” (POCHMANN, 2004,

p. 15).

Entretanto, isso se revela, como sequencia o respectivo autor, mais pelos

inúmeros obstáculos e limites da política de proteção social, materializados – como já

exposto por outros teóricos referendados neste trabalho – na ofensiva do capitalismo

global à luz de sua matriz principal – o modelo neoliberal – e da desestruturação do

mercado de trabalho, cujos efeitos nefastos combinam com uma realidade já

historicamente marcada por disparidades sociais.

Mesmo sob esse prisma adverso e controverso, o autor ainda se apresenta

positivo no que se refere a perspectivas de continuação de avanços na política de

proteção social brasileira. Para ele, o país tem “uma oportunidade singular de, ao

democratizar a democracia, constituir um novo modelo de crescimento de renda e

refazer as pazes com um futuro socialmente justo” (POCHMANN, 2004, p. 15). A

tentativa de redemocratização do país após um regime ditatorial foi um sopro de

esperança que culminou em conquistas significativas nas políticas sociais, as quais

devem servir de fundo no sentido de promover novas frentes de luta.

Especificamente em relação aos Programas de Transferência de Renda,

Pochmann (2010), ao contrário da posição das autoras acima citadas, faz uma análise

mais promissora da ação que encabeça o sistema protetivo nacional. A partir de

indicadores que refletem a condição de pobreza nas últimas recessões ocorridas na

economia brasileira, recorrendo a dados do IBGE da década de 1980 até o ano de 2009,

o autor conclui que as políticas de transferência de renda não são apenas desejáveis e

necessárias, mas também importantes, ao impactar positivamente na vida da população

mais vulnerável.

Como referenda o autor, há registros do Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada (IPEA) referentes à evolução recente da desigualdade, os quais demonstram o

papel importante que as políticas de transferência de renda têm tido na redução da

desigualdade, especialmente levando-se em conta a distribuição pessoal de renda segundo

extratos da pirâmide distributiva. Porém, enfatiza que elas não se bastam, sendo

imprescindível o crescimento mais consistente e duradouro da economia brasileira.

Acentua, portanto, que, para uma maior efetividade e longevidade dessas políticas, estas

“devem vir acompanhadas de mudanças substanciais no mercado de trabalho, o que se

obtém com aumento expressivo do contingente de postos de trabalhos formais e aumento

do seu peso dentro do conjunto das ocupações” (POCHMANN, 2010, p. 149).

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Diante das considerações apontadas, salta aos olhos uma premissa

inconteste. Seja pela postura mais crítica, a qual assevera que o perfil das políticas

sociais é aprofundado no contexto hodierno pelo projeto neoliberal, ampliando as

marcas de uma proteção social meramente compensatória e residual com ações

focalizadas na extrema pobreza; seja pela postura mais promissora, que, não obstante

esse mesmo cenário, vislumbra novas perspectivas de avanços, respaldados, inclusive,

nos Programas de Transferência de Renda. Sendo assim, é indubitável a evidência de

que o país ainda apresenta lacunas na materialização de um sistema protetivo com

nuances universalistas, o que mantém o fosso entre estruturação de bases formais e a

garantia efetiva de sua execução, e reforça seu descompasso na contemporaneidade.

3.3 A RELAÇÃO ENTRE FAMÍLIA E ESFERA PÚBLICA: A REDESCOBERTA DA

PRIMEIRA PELA SEGUNDA EM TEMPOS DE MUDANÇAS

Como brevemente sinalizado na primeira seção deste trabalho, é em meio a

essa conjuntura paradoxal, descrita acima, que o Estado redescobre a família

(CARVALHO, 2001; MIOTO, 2009). Assim, se o segmento parecia estar

“desaparecido” nos contornos iniciais do sistema de proteção social do país, principiado

na década de 1930 com Vargas e sequenciado nos governos posteriores, agora o

momento é de inseri-la na condição de copartícipe das ações do poder público pela

participação cada vez mais centralizada.

O termo desaparecido, apresentado aspado, tem uma razão de ser ao indicar

que, não obstante a relação familiar com o poder público não aparecer de modo mais

contundente no passado remoto da política social nacional, esta se consubstancia numa

tradição histórica, na medida em que “os governos brasileiros sempre se beneficiaram

da participação autonomizada e voluntarista da família na provisão do bem-estar de seus

membros” (PEREIRA, 2009a, p. 29).

Voltando à centralidade familiar atual, é pertinente afirmar que a nova

abordagem tende a revelar-se controversa e suscita dúvidas e ambiguidades, tanto pela

forma como vem sendo conduzida no contexto das mudanças societárias, quanto pelas

próprias peculiaridades que a família assume na contemporaneidade, que, consoante

visto na primeira subseção desta seção, altera sua organização, gestão e estrutura.

Pelas ponderações feitas, não há como conceber a família como espaço

uniforme e padronizado. Sua multiplicidade e variabilidade a coloca como uma instituição

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contraditória. Portanto, para trazê-la ao cerne da participação pública, é preciso considerar

suas novas configurações. Ademais, resgatando novamente Carvalho (2001) em face do

primor de sua colocação, é fundamental compreender que ela, por si mesma, no contexto

da coletividade, não processa sua base protecional e fomentadora de vínculos relacionais

caso não receba a devida proteção do Estado, especialmente quando se trata de segmentos

familiares que vivenciam situação de maior vulnerabilidade social.

No prefácio do livro de Trad (2010), Jeni Vaitsman ratifica a não

consensualidade da prevalência familiar como centro de algumas políticas sociais,

especialmente aquelas direcionadas a ações de prevenção, redução ou superação das

desigualdades e vulnerabilidades, motivadas por pelo menos dois aspectos

questionadores: primeiro, atrela-se à crítica em torno das políticas focalizadas e da

retração do Estado na provisão da proteção social; e, segundo, associa-se à ideia de

controle do Estado sobre a família.

Antes de adentrar nas questões apontadas, e levando em conta que o assunto

se volta para o complexo entrelaçamento entre duas importantes instituições sociais,

família e Estado, necessário se faz tecer considerações teóricas sobre essa relação. Ora,

como já delineado, e aqui melhor explicitado por Mioto (2009, p. 45),

[...] o surgimento do Estado, contemporâneo ao surgimento da família moderna como espaço privilegiado e lugar de afeto, não significou apenas uma separação de esferas. Significou também o estabelecimento de uma relação entre eles, até hoje conflituosa e contraditória.

Essa relação é parte integrante de outra maior, a saber, da relação entre Estado

e sociedade, na qual, segundo Pereira (2009b, p. 01), “é propiciadora da construção da

esfera pública que, por sua vez, remete aos nexos entre público e privado como instâncias

emergentes nas formações sociais burguesas instituídas nos séculos XVII e XVIII”.

É inconteste que o domínio do Estado sobre a sociedade se mostra legítimo

e que, como tal, é materializado através dos aparatos burocráticos, legais, policiais e

ideológicos17. Nessa relação de dominação, evidencia-se

17 O teórico clássico da sociedade moderna, Max Weber (1864-1920), em sua abordagem sociológica

compreensiva, busca explicar o processo de organização social e o domínio alcançado pelo Estado moderno sobre os indivíduos. Nessa perspectiva, postula que o monopólio estatal da violência constitui-se como elemento primordial para legitimação do poder do Estado. Ou seja, é o monopólio legítimo da violência que garante a existência do Estado à luz da organização moderna. Ademais, para o ilustre sociólogo, tal dominação se legitima e “se estabelece através da crença na legalidade das normas estatuídas e dos direitos de mando dos que exercem a autoridade” (QUINTANEIRO, BARBOSA e OLIVEIRA, 2002, p. 122).

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[...] uma instância de caráter universal identificada como pública (coberta pela lei e usualmente associada ao Estado), e outra particular, tida como privada, na qual as pessoas teriam, individualmente, liberdades civis protegidas (de constituir família, de firmar contrato, de fazer testamentos, de ir e vir, de pensamento e de fé) (PEREIRA 2009b, p. 01).

A autora em pauta destaca, entretanto, que esse poder exercido pelo Estado

representa a força concentrada e organizada da sociedade, que também é um bloco de

poder, com vista a regular a esfera social em seu conjunto. Logo, não dá para asseverar

que este responda apenas aos interesses de uma classe, mesmo que mantenha maior

compromisso e identificação com alguma (no caso, aponta a burguesia), mas, ao

contrário, tem que “se relacionar com todas as classes que compõem a sociedade para se

legitimar e construir a base material de sustentação. Além disso, o Estado é criatura da

sociedade, pois é essa que o engendra e o mantém” (PEREIRA, 2009b, p. 09).

Ao considerar que essa relação se pauta numa relação de poder, e que, pois,

tem um caráter dialético por aglomerar um incessante jogo de oposições e interesses, é

possível – diria mais que possível – trazer à cena Foucault (2012b), visto que suas

contribuições sobre poder e governamentalidade são de grande valia para uma melhor

contribuição da discussão em tela.

A fim de “linkar” a relação entre esfera pública e família às análises

foucaultianas, segue uma colocação de Mioto (2009) no que tange à interferência da

primeira sobre a segunda, cujas afeições a referida autora absorve das contribuições de

Saraceno (1996):

A relação família e Estado é conflituosa desde o princípio, por estar menos relacionada aos indivíduos e mais à disputa do controle sobre o comportamento dos indivíduos. Por essa razão, ela tem sido lida de duas formas opostas. Como uma questão de invasão progressiva e de controle do Estado sobre a vida familiar e individual, que tolhe a legitimidade e desorganiza os sistemas de valores radicados no interior da família. Ou como uma questão que tem permitido uma progressiva emancipação dos indivíduos. Pois, à medida que o Estado intervém enquanto protetor, ele garante os direitos e faz oposição aos outros centros de poderes tradicionais (familiares, religiosos e comunitários), movidos por hierarquias consolidadas e uma solidariedade coativa (MIOTO, 2009, p. 45).

Em sendo assim, a autora aponta que a interferência estatal se faz notar,

particularmente, em três grandes linhas: na legislação, quando define e regula as relações

familiares; nas políticas demográficas, expressas no incentivo e controle da natalidade,

por exemplo; e também na difusão da cultura de especialistas, que, com seu saber técnico,

atuam no aparato policialesco e assistencial, com destaque para o segmento popular.

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Tais questões se aproximam do que Foucault (2012b) chama de

governamentalidade, que, na compreensão do pensador francês, corresponde à arte de

governar nascida na modernidade, cuja característica principal é o controle do Estado

sobre a população. Em outras palavras, consistiria no conjunto constituído – e por isso

socialmente legítimo – de instituições, procedimentos, técnicas e táticas que permitem o

exercício do poder estatal sobre a sociedade.

Convém salientar que essa forma de poder do Estado, denominada pela

perspectiva foucaultiana de biopoder (biopolítica), não vislumbra tão somente a

disciplinarização do corpo em sua dimensão individual18, mas primordialmente alcançar

o corpo social, a população. E isso só foi possível, como coloca o teórico, a partir do

século XVIII, quando a família perde a centralidade na condição de modelo de

economia (subsistência), porém sem sair de cena, já que assume uma dimensão

instrumental, para ceder espaço à população, a qual passa a ser alvo do controle estatal.

[...] até o advento da problemática da população, a arte de governar só podia ser pensada com base no modelo da família, com base na economia entendida como gestão familiar. A partir do momento em que, ao contrário, a população aparece como absolutamente irredutível à família, esta passa para um plano secundário em relação à população, aparece como elemento interno à população, e, portanto, mais como modelo de segmento. E segmento privilegiado, à medida que, quando se quer obter alguma coisa da população – quanto aos comportamentos sexuais, à demografia, ao consumo etc. – é pela família que se deverá passar. De modelo, a família vai tornar-se instrumento, e instrumento privilegiado, para o governo da população, e não modelo quimérico para o bom governo (FOUCAULT, 2012b, p. 424).

Ainda com base no enfoque foucaultiano, é pertinente colocar que o Estado,

mesmo exercendo o poder legítimo de controle da coletividade – e o faz mediante a

apropriação do saber como instrumento de dominação pela adoção de um corpo técnico –,

não é o único elemento da esfera social que o exerce, visto que, como defende o teórico, o

poder não é um fenômeno de dominação maciço e homogêneo, mas, ao contrário,

perpassa toda a rede social, é circular e funciona em cadeia. Portanto, expressa-se pela

multiplicidade de relações de força.

18 O poder disciplinar, para Foucault (2012b), manifesta-se antes do biopoder/biopolítica, que

contextualmente seria no início da era moderna, quando findas as expressões do poder soberano. Tem como foco a disciplinarização do indivíduo e, portanto, há necessidade de vigilância, punição e controle do corpo individual, que se dá especialmente em espaços institucionais (prisões e hospitais psiquiátricos, por exemplo). Com a presença do biopoder, não se pode dizer que o poder disciplinar foi suprimido, o que ocorreu foi uma espécie de entrelaçamento entre as duas manifestações de poder. A título de informação, o poder disciplinar é mais contundentemente trabalhado na seção seguinte, que trata da (des)institucionalização psiquiátrica.

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Em assim sendo, a relação entre família e Estado se faz por resistências

mútuas, lutas, afrontamento, em suma, por relações de poder. Foi assim no passado, é

assim no presente e será assim no futuro. Contudo, isso não quer dizer que os dois entes

sociais não possam andar de mãos dadas no sentido de atuarem de modo cooperativo.

Na conjuntura brasileira do Estado Democrático de Direito, cuja proteção

jurídica se pauta na garantia e respeito das liberdades civis, ou seja, na prevalência dos

direitos humanos e garantias fundamentais, cabe ao poder público o dever legal de

atender à coletividade em suas necessidades sociais e à família e à sociedade

complementarem suas ações.

A tendência hodierna nessa relação de complementação, por sua vez,

confronta com o estabelecido nos postulados formais e jurídicos. Como já explanado,

diante das mudanças socioeconômicas e políticas, principiadas desde a década de 1970,

é crescente a tentativa de intensificar a participação da família e da sociedade nas ações

de proteção social em contrapartida à retração do Estado. Um dos principais

mecanismos para consecução desse intento tem sido o discurso em torno do

engajamento solidário ou solidariedade social.

Pereira (2009a), ao tratar acerca do pluralismo de bem-estar social como

fenômeno em destaque no cenário global, cuja proposta se baseia na providência de

bens e serviços sociais pela derivação de múltiplas fontes (Estado, mercado e

sociedade), assevera que tal modalidade de provisão social advém de uma estratégia

neoliberal implementada na década de 1980 e ancorada no discurso de uma suposta

crise fiscal estatal, o que justificaria a necessidade de maior comprometimento do

mercado e da sociedade, incluindo aqui o segmento familiar.

A aludida autora chama a atenção para a existência de uma característica

nova, a qual diferencia esta modalidade de outras tentativas de pluralidade efetivadas na

agenda pública. Como explicita, nessa nova configuração, a relação entre Estado,

mercado e sociedade ganha maior flexibilidade na medida em que o primeiro não mais

reivindica a primazia na condução da política social, tendendo ao afastamento; o

segundo, sem vocação social, abarca mais ações filantrópicas com priorização do lucro,

e não de necessidades sociais; e, por fim, ao terceiro é destinada cada vez mais

“vocação solidária”, sendo colocada numa posição central.

Diante disso, Pereira (2009a) alerta para um aspecto salutar da configuração

relacional nos moldes apresentados, a saber, no fato de que o pluralismo de bem-estar

contemporâneo redunda numa

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[...] estratégia de esvaziamento da política social como direito de cidadania, já que, com o ‘desvanecimento das fronteiras entre as esferas pública e privada’, se alarga a possibilidade de privatização das responsabilidades públicas, com consequente quebra da garantia de direitos (PEREIRA, 2009a, p. 33).

O desafio, pois, é fazer com que haja uma ação conjunta entre as três

instâncias, consoante estabelecido no arcabouço legal, sem, contudo, ferir o postulado

formal de condução precípua do Estado na provisão social. Assim, conclui:

Se o pluralismo de bem-estar quiser fazer jus ao próprio nome e angariar algum mérito no campo democrático, ele deverá ajudar a estender, em vez de restringir, a cidadania social. Para tanto, o Estado tem que se tornar partícipe, notadamente naquilo que só ele tem como prerrogativa, ou monopólio – a garantia de direitos. Isso não significa desconsideração da chamada solidariedade informal e do apoio primário, próprios da família, mas, sim, a consideração de que essas formas de proteção não devem ser irreais a ponto de lhes serem exigidas participações descabidas e impraticáveis (PEREIRA, 2009a, p. 40).

É inconteste, pelo exposto, que a família retomou um lugar de destaque na

política social e assumiu uma posição de protagonismo no cenário público, conforme

visto na atual estruturação do sistema protetivo nacional. Lógica familista ou

familiarização, categoria que expressa essa realidade, constitui-se a tônica da política de

cuidado na saúde e nas ações de matricialidade familiar da política de assistência social

(MIOTO et al., 2014; TEIXEIRA, 2013).

Entretanto, como inferido na colocação acima, mais do que realçar sua

centralização em projetos e serviços públicos – o que é salutar, visto que ela é uma

instituição que preserva funções essenciais à vida social, com destaque para o aporte

protecional, de socialização e de criação de vínculos relacionais –, é fundamental que

essa participação não comprometa a responsabilidade maior que pertence ao Estado. A

presença da família funciona em complementaridade, e não como substituta do poder

público. Portanto, a inversão disso incorre em riscos reais às conquistas sociais.

Outro aspecto que é importante considerar, ainda com base na redescoberta

da família no contexto público, está relacionado ao exercício de sua condição de sujeito

político. Como visto na perspectiva foucaultiana, o poder não é de uso exclusivo do

Estado, haja vista que perpassa todas as esferas sociais. Em assim sendo, a família é

passível de exercê-lo por constituir-se parte integrante do processo de luta que se

manifesta nas relações de poder. Portanto, o protagonismo político familiar, construído

e expresso principalmente em espaços coletivos de organização política, consubstancia-

-se em estratégia salutar para o exercício do poder e, por conseguinte, para impulsionar

formas de resistências sociais.

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4 FAMÍLIA E DESINSTITUCIONALIZAÇÃO PSIQUIÁTRICA: RELAÇÃO

SOCIALMENTE CONSTRUÍDA

“Após a experiência dos ataques repetidos,

convém-me a humildade. Assim, pois:

paciência. Sofrer sem se queixar é a única

lição que se deve aprender nesta vida.”

(Van Gogh)

Nos últimos anos de vida, em razão das crises psicóticas recorrentes, Van

Gogh passou pela experiência do hospício. Distante de sua família, enclausurado no

espaço institucional, rejeitado e incompreendido pela sociedade de sua época, o notável

artista, no ano de 1890, foi encontrado morto com um ferimento de bala na região

abdominal logo após a internação asilar. Seus biógrafos registram que nesse intercurso o

pintor mantinha como único vínculo familiar, inclusive na condição de confidente e

amigo, o irmão Theo, com quem trocava cartas. Este era o mantenedor e principal

incentivador de seu trabalho artístico.

No contexto em questão, final do século XIX, as práticas de saúde mental

europeias estavam consolidadas em torno da internação em instituições fechadas, as

quais tinham a conotação de hospital moderno e modelar. Castel (1978, 1987), Foucault

(2012a) e Goffman (2013) abordam com propriedade essa realidade e as transformações

que se seguiram, tendo como plano de fundo a história da loucura e suas estratégias

interventivas desde a idade clássica, passando pela média e alcançando a moderna,

quando o fenômeno da loucura adquire o status de doença mental a partir do surgimento

da psiquiatria e do tratamento institucionalizado.

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Na respectiva seção, família e saúde mental se mesclam numa relação

socialmente construída. Nos vários momentos históricos das práticas médicas sobre a

doença psíquica, o grupo familiar sempre teve alguma representatividade, por vezes

com uma participação mais ou menos atuante.

Portanto, o interesse nas seções subsequentes é percorrer as nuances dessa

relação construída nos processos de saúde mental, compreender o papel da família nos

moldes das práticas psiquiátricas ao longo dos períodos históricos, ou seja, da

institucionalização à desinstitucionalização psiquiátrica, além das especificidades dos

respectivos modelos, tendo como foco prioritário o último, por se consubstanciar na

atual proposta da política de saúde mental. Ressalva-se que é dada uma atenção especial

à experiência brasileira, bem como à realidade cearense/fortalezense, por se tratar do

âmbito de realização da pesquisa.

4.1 DA INSTITUCIONALIZAÇÃO À DESINSTITUCIONALIZAÇÃO PSIQUIÁTRICA:

TRAJETÓRIA MARCADA POR DESAFIOS

A loucura é um fenômeno social e, como tal, passou por mutações ao longo

do processo histórico. Percepções e intervenções em seu entorno foram adquirindo

novos contornos na medida em que emergiram outros elementos na dinâmica social.

Foucault (2012a), na obra A história da loucura, delineia a arqueologia da loucura19,

tendo como plano de fundo a idade clássica e seus desdobramentos.

Ao final da Idade Média, com o declínio do feudalismo, uma nova

organização socioeconômica se descortina e traz consigo exigências outras. Consoante

descrito na obra do pensador francês, se antes, no limiar clássico, a loucura apresentava

uma dimensão mágico-religiosa imbricada de simbolismos – tem-se, por exemplo, a

Nau dos Loucos representada nas obras renascentistas e cuja finalidade destinava-se a

conduzir tais segmentos à purificação por intermédio da água e da navegação –,

gradativamente o discurso se volta para a necessidade de deslocamento dos loucos,

19 A obra foucaultiana é dividida em dois elementos centrais: arqueologia do saber e genealogia do

poder. O primeiro se propõe a extrair os conhecimentos discursivos e sua formação histórica em um determinado campo do saber, enquanto o segundo busca descobrir e perceber os efeitos do poder presentes nesses discursos. Tem-se, pois, uma relação inseparável entre saber e poder. No caso específico da arqueologia da loucura, aspecto do estudo em pauta, Foucault (2012a) elabora a constituição de seu discurso e as mudanças que se processam a posteriori, especialmente com o advento da psiquiatria, principiada no século XVIII.

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pobres, vagabundos e presidiários aos alojamentos prisionais, antes espaços destinados

aos leprosos, os quais eram mantidos enclausurados e sem cuidados adequados. Se o louco aparecia de modo familiar na paisagem humana da Idade Média, era como que vindo de outro mundo. Agora, ele vai se destacar sobre um fundo formado por um problema de ‘polícia’, referente à ordem dos indivíduos na cidade. Outrora ele era acolhido porque vinha de outro lugar; agora, será excluído porque vem daqui mesmo, e porque seu lugar é entre os pobres, os miseráveis, os vagabundos. A hospitalidade que o acolhe se tornará, num novo equívoco, a medida de saneamento que o põe fora do caminho. De fato, ele continua a vagar, porém não mais no caminho de uma estranha peregrinação: ele perturba a ordem do espaço social. Despojada dos direitos da miséria e de sua glória, a loucura, com a pobreza e a ociosidade, doravante surge, de modo seco, na dialética imanente dos Estados (FOUCAULT, 2012a, p. 63).

É a iminente sociedade moderna e as incipientes formas de produção

capitalista que impulsionam novas práticas no trato às pessoas consideradas socialmente

inabilitadas para o processo laboral e, por conseguinte, improdutivas, tendo no

internamento seu principal mecanismo. Longe de se constituírem em locais de

tratamento e cura, as primeiras instituições serviam como estratégia para sanear o

espaço urbano mediante a reclusão e com vista à manutenção da ordem social.

Assim, a origem do internamento para os afligidos com transtornos mentais

não se vincula à função médica, mas advém das demandas impostas pela modernidade.

O homem louco, afora não produzir força de trabalho, gerar lucro e se apresentar como

“peso morto”, enfeia e tumultua as cidades e se transforma em caso de “polícia”,

devendo, para tanto, permanecer enclausurado como forma de “limpar” a sociedade

daquilo que lhe é desagradável e nocivo.

Contudo, o contexto moderno é dinâmico. A racionalidade galopa a passos

largos. Um fenômeno principiado no século XVIII transmuta e desloca o discurso da

loucura para o âmbito da medicina e das ciências modernas: o nascimento da

psiquiatria, cuja representação inicial foi o alienismo. Não se fala mais no louco, mas no

alienado. Enclausurar por enclausurar parece não fazer sentido para os especialistas da

área. Faz-se necessário ir além da mera prática carcerária, elevando o louco à categoria

de “doente mental” e objeto da intervenção médica e estatal.

Foucault (2005, 2012b), nas obras Vigiar e punir e Microfísica do poder,

respectivamente, aborda a intervenção médico-científica sob a perspectiva da

disciplinarização dos corpos, no caso do adoecido mentalmente, a partir da relação saber

e poder que se materializa na figura emblemática do técnico. O especialista, em

princípio intitulado de alienista e depois de psiquiatra, por apropriar-se do saber

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específico, exerce poder sobre este no sentido de controlar sua condição individual e

moldar a construção social do corpo conforme as exigências institucionais. Assim, no

contexto da institucionalização propriamente dita, o poder disciplinar é preponderante,

mediante a normatização imposta pelo saber técnico e que, consequentemente, redunda

na submissão e docilidade do indivíduo alvo desse poder.

Logo, para além das instituições medievais que visavam à “proteção” sem

tratamento, a institucionalização moderna se pauta na presença do especialista, que

detém o saber técnico e atua cientificamente no indivíduo internado, submetendo-o à

terapêutica dos distúrbios mentais que abrangia tanto os estudos das doenças quanto os

da instrumentalidade curativa. Sobre esse aspecto, Castel (1978, p. 37) ressalva: [...] O louco coloca um problema diferente. Nenhum vínculo racional une diretamente a transgressão que ele realiza com a repressão a que é submetido. Não poderia ser sancionado, mas, sim, deverá ser tratado. Sem dúvida o tratamento será, freqüentemente, uma espécie de sanção. Mas ainda que seja sempre assim com o louco, doravante a repressão só pode progredir disfarçada. Ela deve ser justificada pela racionalização terapêutica. É o diagnóstico médico que supõe impô-la, ou seja, que lhe fornece a condição de possibilidade.

Não tardou para aparecer figuras a fim de conduzir esse processo, sendo

destaque dois médicos: Willian Tuke e Philippe Pinel. Este último, no fim do século

XVIII e meados do XIX, promoveu mudanças significativas na medida em que

defendeu e consolidou o isolamento como prática na assistência mental francesa,

difundindo a internação psiquiátrica e a adoção de regulamentos nos espaços internos

com vista a analisar a dinâmica do doente.

O ato fundador de Pinel não é retirar as correntes dos alienados, mas, sim, o ordenamento do espaço hospitalar. Através da ‘exclusão’, do ‘isolamento’, do ‘afastamento’ para prédios distintos, as categorias misturadas no enclausuramento são desdobradas em tantas quantas forem as razões para se tornar um assistido: pobreza, velhice, solidão, abandono pelos parentes, doenças diversas. A categoria da loucura se destaca, então, em sua especificidade, decantada dessas cumplicidades ligadas pela universalidade da desgraça. E, dessa maneira, ela se tornou doença. A partir do momento em que é isolado em seu próprio espaço, o insano aparece, sem dúvida, seqüestrado como os outros, porém por outras razões. Por causa da doença (CASTEL, 1978, p. 83).

Amarante (1994), em análise à consolidação da institucionalização através

da figura de Pinel, aborda que seu gesto de liberar os loucos das correntes não implicou,

em hipótese alguma, a inscrição destes em espaços de liberdade. Ao contrário, tornou-os

ainda mais prisioneiros da ciência dos loucos. Ciência esta que os classifica e acorrenta

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pela condição de objeto de saberes/discursos/práticas institucionais, corroborando as

reflexões teóricas de Michel Foucault acima ressalvadas.

Destarte, o hospital e a internação psiquiátrica, simbolizadas nos hospícios e

manicômios, perpetuaram-se. Ademais, o avanço da ciência possibilitou que outras

técnicas de tratamento se mesclassem ao enclausuramento, como no caso dos

procedimentos terapêuticos físicos e medicamentosos. Mais do que nunca, o doente

mental passou a ser alvo do saber médico e das mais variadas formas de

disciplinarização do corpo.

A burguesia equacionou o problema político que representava a loucura delegando mandato à psiquiatria, que deslocou o problema essencialmente político que ela representava para a alçada técnica. Ao tornar a loucura administrável, medicalizou-a. A medicalização da loucura arbitrou um novo ‘status’ jurídico, social e civil para o louco, agora alienado, doente, um agente incluído em um outro código que a lei francesa de 1838 fixou num estado de minoridade social, equiparando-o à criança e, por isso, tornou o louco uma pessoa tutelada pela psiquiatria. Além da minoridade, associa médica e juridicamente à figura do louco a condição de periculosidade (risco), como categoria jurídica e moral que antecedem a sua vida civil. Posto como incapaz e inimputável, forja-se um duplo movimento de ‘psiquiatrização’ do crime e criminalização da loucura (ROSA, 2003, p. 45).

Em nome da suposta finalidade terapêutica, o atendimento asilar/manicomial

justificaria a desfiguração pessoal do interno decorrente da perda do conjunto de

identidade ou, de modo mais drástico, da própria deformação pessoal advindas de

mutilações diretas e permanentes no corpo. Goffman (2013), em Manicômios, prisões e

conventos, trata dessas questões ao apresentar a noção de instituições totais20, as quais,

segundo o autor, configuram-se em espécies de “estufas para mudar pessoas; cada uma é

um experimento natural sobre o que se pode fazer ao eu” (p. 22).

Há de se ressaltar, ainda, que a institucionalização traz elementos implícitos,

e não menos corrosivos à dignidade humana, como a rejeição, a punição e a segregação,

os quais reforçam o estigma social dos institucionalizados. Estes, na concepção da

abordagem, compõem a escória que precisa permanecer isolada – muitos doentes

mentais, inclusive, morreram à míngua como bichos enjaulados – por trás dos muros

das instituições. Em suma, são espaços que reforçam a moralidade social no sentido de

que estabelecem quem é apto para viver em sociedade, separa os bons e os maus, os 20 “[...] toda instituição tem tendência de ‘fechamento’. Quando redesenhamos as diferentes instituições

de nossa sociedade ocidental, verificamos que algumas são muito mais ‘fechadas’ do que outras. Seu ‘fechamento’ ou seu caráter total é simbolizado pela barreira à relação social com o mundo externo e por proibições à saída que muitas vezes estão incluídas no esquema físico – por exemplo, portas fechadas, paredes altas, arame farpado, fossos, água, florestas ou pântanos. A tais estabelecimentos dou o nome de instituições totais” (GOFFMAN, 2013, p. 16).

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normais e os anormais, os capazes e os incapazes, os prestáveis e os imprestáveis. O

modelo alcança seu lado mais cruel e degradante!

Com o tempo, as fissuras foram expostas e abriram espaço para críticas e

reformulações. Contextualmente, após a 2ª Guerra Mundial, criou-se o momento

propício para as tentativas de desmonte do modelo em razão dos altos índices de

cronicidade das doenças mentais e da semelhança da estrutura asilar com os campos de

concentração nazistas. A Europa e os Estados Unidos, assim, principiaram essas ações

com vista às mudanças da assistência psiquiátrica nos moldes da institucionalização.

Mediante as contribuições de Birman e Costa (1994), pode-se dividir essas

tentativas através de movimentos e suas intenções, destacando-se: Comunidades

Terapêuticas (Inglaterra e EUA) e Psicoterapia Institucional (França), com

predominância na década de 1950, e integrantes dos movimentos que criticavam a

estrutura asilar; Psiquiatria Preventiva (EUA) e Psiquiatria de Setor (França), anos

1960, ações ligadas a movimentos defensores da comunidade como espaço de atuação

da psiquiatria; Antipsiquiatria, anos 1960, e Psiquiatria Democrática Italiana, década de

1970, as quais representavam movimentos que propunham ruptura com a proposta de

atendimento asilar.

Os dois autores referidos apontam, outrossim, que os Estados Unidos, no auge

do governo do presidente Kennedy, foram os precursores da desinstitucionalização,

concebida, em linhas gerais, como uma prática assistencial psiquiátrica contrária ao

isolamento institucional. No entanto, o modelo norte-americano focava suas estratégias na

desospitalização no sentido de que o escopo era desafogar o Estado por meio da redução

de investimentos financeiros nos grandes hospitais e, por outro lado, a defesa de uma

maior participação da comunidade nas intervenções em saúde mental.

Na sequência das metamorfoses da desinstitucionalização, Souza, Lima e

Pinheiro (2007, p. 92), em alusão a Amarante (1996), apontam que o autor atribui três

sentidos que tendem a ser atribuídos ao processo21, quais sejam: desospitalização,

desassistência e desconstrução.

A desospitalização, como apontado acima na experiência norte-americana e

ratificada nas considerações de Amarante (1996), tem como princípios prevenir

21 A desinstitucionalização é considerada um processo por estar em curso. Tem suas raízes na década de

1960 e segue sua dinâmica de desenvolvimento na contemporaneidade. Ou seja, constitui-se um modelo continuado e inacabado.

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internações e promover o retorno dos institucionalizados à comunidade, constituindo-se,

sobretudo, Um programa de racionalização financeira e administrativa, sinônimo de redução de leitos hospitalares e uma das primeiras operações consequentes da crise fiscal. Portanto, não nos parece possível reduzir o conceito de desinstitucionalização a um sinônimo de desospitalização. Torna-se necessário ampliar ações em relação ao direito de moradia, ao trabalho ou mesmo ao estabelecimento de laços de solidariedade na comunidade onde se insere o louco (SOUZA; LIMA; PINHEIRO, 2007, p. 93).

O sentido da desassistência recai, por sua vez, no abandono, descuido e

desamparo aos pacientes, na medida em que, ao serem retirados do espaço hospitalar,

sem a possibilidade do cuidado familiar e comunitário, estes demandariam atendimento

nos hospitais psiquiátricos. Assim, na perspectiva levantada por Amarante (1996),

citado pelos autores elencados acima, a manutenção do hospital constitui uma

necessidade e os serviços comunitários tendem ao serviço alternativo, e não substitutivo

do atendimento asilar.

Por fim, tem-se o sentido de desconstrução. Nesse caso, a

desinstitucionalização assume-se como

Processo teórico-prático (e vice-versa) que ocorre a partir da instituição psiquiátrica, de forma a questionar o conceito de doença mental, a função dos técnicos, da ciência psiquiátrica e, principalmente, do hospital psiquiátrico. Uma desconstrução da lógica manicomial através de transformações na dinâmica do poder entre o louco e o restante da sociedade, que toma como base a cidadania do doente mental (SOUZA; LIMA; PINHEIRO, 2007, p. 93).

Convém salientar que, neste sentido empregado, sobressai-se, além da

ruptura com a assistência nos moldes do atendimento asilar, uma dimensão ética, pois,

como aponta Amarante (1996 apud SOUZA; LIMA; PINHEIRO, 2007, p. 94),

introduz-se “novos sujeitos de direitos e novos direitos para os sujeitos”. Destarte,

desconstrói-se e reconstrói-se tanto as práticas de psiquiatria quanto os conceitos

relacionados ao acometido por transtorno mental. Este abandona a condição de mero

objeto médico para se apropriar da condição de cidadão.

Foi a experiência italiana do psiquiatra Franco Basaglia, na década de 1970,

que melhor representou esse momento de desconstrução e efetivamente rompeu com a

estrutura asilar e manicomial ao instaurar a desinstitucionalização psiquiátrica nos

moldes democráticos, de base territorial, com humanização e ressocialização do

acometido por transtorno mental.

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Destarte, a desinstitucionalização psiquiátrica, segundo consideram Rotelli,

Leonardis e Mauri, é um processo pelo qual se busca

[...] eliminar os meios de contenção; restabelecer a relação do indivíduo com o próprio corpo; reconstruir o direito e a capacidade de uso dos objetos pessoais; reconstruir o direito e a capacidade de palavra; eliminar a ergoterapia; abrir as portas; produzir relações, espaços e objetos de interlocuções; liberar os sentimentos; restituir os direitos civis, eliminando a coação, as tutelas jurídicas e o estatuto de periculosidade; reativar a base de rendimentos para poder ter aceso aos intercâmbios sociais (2001, p. 33).

Assim, como defendem os reformistas, a desinstitucionalização envolve

questões mais amplas no campo jurídico-político e sociocultural, exigindo que

realmente haja o deslocamento das práticas psiquiátricas para ações de atenção

psicossociais na comunidade mediante uma rede de proteção em saúde mental.

Conduzido pelo Movimento de Reforma Psiquiátrica em nível mundial, não

tardou para a nova proposta alcançar dimensões maiores e se disseminar para além da

Europa e EUA. No Brasil, o modelo teve aceitação imediata entre profissionais e

trabalhadores da área, o que foi propiciado pela conjuntura favorável às mudanças e

pelas críticas acirradas em torno do modelo asilar no país. Tem-se, na sequência,

considerações sobre esse momento.

4.2 A CONSTRUÇÃO DA DESINSTITUCIONALIZAÇÃO PSIQUIÁTRICA NA

REALIDADE BRASILEIRA

No Brasil, o início do processo da reforma psiquiátrica eclodiu no mesmo

período do Movimento da Reforma Sanitária22, ambos iniciados na década de 1970.

Contudo, embora contemporâneos, a reforma psiquiátrica brasileira apresenta uma

história própria, inscrita no contexto internacional de mudanças pela superação da

violência asilar, sendo compreendida como um

Processo político e social complexo, composto de atores, instituições e forças de diferentes origens, e que incide em territórios diversos, nos governos federal, estadual e municipal, nas universidades, no mercado dos serviços de saúde, nos conselhos profissionais, nas associações de pessoas com transtornos mentais e

22 A saúde ganhou espaço considerável nos movimentos sociais a partir da década de 1970 em confronto

à ditadura e às condições sanitárias insatisfatórias. Profissionais e sociedade civil passaram a reivindicar o fato de que a saúde apresenta determinantes sociais e econômicos, indo além da mera ausência de doença. Como coloca Yasui (2006, p. 25), a “Reforma Sanitária se constitui, fundamentalmente, num processo político, visto que implica produção intelectual crítica, práticas e ações alternativas ao modelo hegemônico, militância cotidiana, ocupação de espaços institucionais, articulações com a sociedade e ocupação de espaços no interior do aparato estatal”.

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de seus familiares, nos movimentos sociais e nos territórios do imaginário social e da opinião pública. Compreendida como um conjunto de transformações de práticas, saberes, valores culturais e sociais, é no cotidiano da vida e das instituições, dos serviços e das relações interpessoais que o processo da Reforma Psiquiátrica avança, marcada por impasses, tensões, conflitos e desafios (BRASIL, 2005a, p. 5).

Sob influência da proposta basagliana e centrado na criação do sistema de

desinstitucionalização, o movimento foi inicialmente caracterizado por denúncias e

reivindicações de trabalhadores de saúde mental referentes às condições precárias e

desumanas dos pacientes nos hospícios.

Como apontado por Yasui (2006), diferente do Movimento da Reforma

Sanitária, que tinha uma militância mais envolvida e engajada com a política de Estado,

o Movimento da Reforma Psiquiátrica, especialmente nas suas ações iniciais, quando

ainda a desinstitucionalização não havia galgado o patamar de política pública, manteve

certa autonomia por intermédio do Movimento da Luta Antimanicomial23, braço civil de

peso considerável.

Como processo em formação, a reforma psiquiátrica apresenta momentos

distintos. Identificam-se, com base nas contribuições de Vasconcelos (2010, p. 20-21),

três fases que o autor considera importantes para o andamento da reforma no contexto

brasileiro, quais sejam:

1ª fase: 1978-1992: denúncia, primeiras tentativas de controle e humanização

da rede hospitalar, I Conferência Nacional de Saúde Mental (1986), emergência

do Movimento Antimanicomial (1987) e primeiras experiências inspiradoras de

novas estratégias e serviços (cidade de Santos e de São Paulo);

2ª fase: 1992-2001: II Conferência Nacional (1992), mobilização e conquista da

hegemonia política do modelo da desinstitucionalização de inspiração italiana e

início do financiamento e implantação dos novos serviços substitutivos;

3ª fase: 2001-2010 (?): III Conferência Nacional (2001), aprovação da Lei

10.216/200124, expansão e consolidação da rede de atenção psicossocial e

23 Movimento que surgiu em 1987, no II Congresso Nacional de Trabalhadores em Saúde Mental, na

cidade de Bauru/SP, cujo lema, “Por uma sociedade sem manicômios”, simboliza sua marca. O dia 18 de maio foi escolhido para representar o Dia Nacional da Luta Antimanicomial e é comemorado até hoje. Para Yasui (2006, p.41), “o movimento tem uma singularidade importante, qual seja, existir como movimento, sem, no entanto, tornar-se uma instituição, seguindo como uma utopia ativa, pautada em ideais de transformação do modelo hospitalocêntrico, e como materialidade na prática de profissionais, familiares, usuários e tantos outros que se identificam com seu ideário”.

24 Marco da legislação em saúde mental que dispõe sobre a proteção e direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais. Redireciona o modelo assistencial em saúde mental, promulgada em 2001. Sua origem advém do Projeto de Lei n.º 3.756/1989, de autoria do deputado federal Paulo Delgado (PT/MG), o qual propunha a extinção progressiva dos manicômios e sua substituição por outros recursos assistenciais.

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ampliação inicial da agenda política para novos problemas a serem enfrentados

(crianças e adolescentes, abuso de drogas etc.).

O modelo de desinstitucionalização, referendado na territorialização e no

cuidado, tem como dispositivos principais os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).

Estes, segundo Rocha (2002), constituem um serviço diferenciado e demarcam uma ética

de trabalho em saúde mental por implicar envolvimento com compromisso de escuta

subjetiva, pela mediação possível de laços sociais, visto que abarcam outros segmentos

sociais (comunidade e família), e pela desburocratização das respostas, pois se reconhece

a urgência de certas intervenções frente à fragilidade social dos usuários de seus serviços.

Conforme a portaria do Ministério da Saúde nº 336/2002, os CAPS se

classificam em três modalidades: CAPS I, CAPS II e CAPS III, sendo que, para tanto,

organizam-se a partir da base populacional de cobertura de suas ações, do número de

atendimentos/dia, da estrutura física e da composição de sua equipe.

Quadro 02 – Modalidades de CAPS e suas especificidades

Modalidade Capacidade operacional Equipe mínima Atendimentos

CAPS I 20.000 a 70.000

habitantes

Um médico com formação em saúde mental;

Um enfermeiro; Três profissionais das categorias:

psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional, pedagogo ou outro

necessário ao projeto terapêutico; Quatro profissionais de nível médio.

Deve atender 20 pacientes por turno, com limite de 30 pacientes por dia em regime de atendimento intensivo.

CAPS II 70.000 a 200.000

habitantes

Um médico psiquiatra; Um enfermeiro com formação em

saúde mental; Quatro profissionais das categorias:

psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional, pedagogo ou outro

necessário ao projeto terapêutico; Seis profissionais de nível médio.

Deve atender 30 pacientes por turno, com limite de 45 pacientes por dia em regime de atendimento intensivo.

CAPS III Acima de 200.000

habitantes

Dois médicos psiquiatras; Um enfermeiro com formação em

saúde mental; Cinco profissionais das categorias:

psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional, pedagogo ou outro

necessário ao projeto terapêutico; Oito profissionais de nível médio.

Deve atender 40 pacientes por turno, com limite de 60 pacientes por dia em regime de atendimento intensivo. É obrigatório funcionar 24

horas.

Fonte: Portaria do Ministério da Saúde nº 336/2002.

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Ademais, a respectiva portaria define serviços especializados para

cuidados na área de álcool e drogas, através dos Centros de Atenção Psicossocial

Álcool e Drogas (CAPS-AD), bem como de atenção a crianças e adolescentes por

intermédio dos Centros de Atenção Psicossocial Infantil (CAPSi). Cabe ressalvar,

portanto, que todos esses dispositivos em saúde mental devem desenvolver atividades

terapêuticas configuradas no projeto terapêutico institucional, reservadas às suas

especificidades, mediante atendimentos individuais, grupais e familiares; atividades

comunitárias; assembleias ou reuniões de equipe; reuniões de conselhos locais, dentre

outras.

Conforme se pauta no sistema de desinstitucionalização, o funcionamento

dos serviços se dá pela rede de proteção em saúde mental, ou seja, ultrapassa os muros

dos CAPS. Além destes, há outros dispositivos institucionais e de apoio intersetorial,

os quais se destacam: as residências terapêuticas (moradias institucionais públicas que

abrigam egressos de internações prolongadas e sem vínculo familiar), ambulatórios,

centros de convivência, serviços de saúde mental em hospitais gerais pelo fomento de

leitos psiquiátricos.

No ano de 2003, o Ministério da Saúde incorporou o Apoio Matricial

(ApM), que consiste, segundo as bases ministeriais, numa estratégia de gestão a fim

de construir uma rede ampla de cuidados a partir da articulação entre serviços

especializados de saúde mental e as Unidades de Saúde da Família. A ideia, pois, é

permitir e facilitar o direcionamento dos fluxos da rede, visando à implementação de

uma clínica ampliada de modo a favorecer a corresponsabilização entre as equipes.

Ressalva-se que a matricialidade em saúde mental segue como estratégia,

encontrando-se em processo de construção.

Guljor e Pinheiro (2007), numa pesquisa sobre demandas por cuidados na

desinstitucionalização com foco nas concepções e percepções dos trabalhadores de

saúde mental, estruturaram uma matriz analítica para avaliação da relação demanda-

necessidades-oferta, a qual é pertinente colocar em pauta em face de sua amplitude e

relevância para o acompanhamento/avaliação dos serviços implementados na

atenção em saúde mental. As autoras agrupam a matriz em dois campos específicos

de práticas: a gestão e a clínica, cujos modos de operação, consoante colocam,

ancoram-se nos universos da macropolítica (gestão) e da micropolítica (cuidado).

Abaixo a síntese da respectiva matriz analítica:

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Quadro 03 – Matriz analítica para avaliação das práticas de desinstitucionalização Categorias Macropolítica/Gestão Micropolítica/Cuidado

Articulação com a rede de saúde

CAPS como referência; Projeto terapêutico

e compartilhamento entre as equipes de saúde mental;

Articulação com o Programa Médico da Família (PMF);

Ampliação do acesso aos dispositivos da rede (exames, hospitais gerais,

odontologia, cirurgias de catarata etc.).

Prática de intercâmbio do técnico de referência com o local da internação;

Equipe de supervisão da rede privada contratada.

Intersetorialidade

Intervenção na cultura; Assessoria jurídica;

Construção de parcerias; Efetivação de projetos ligados ao

trabalho e educação; Fórum de saúde mental.

Utilização de recursos da comunidade;

Construção de laços sociais.

Infraestrutura

Investimento financeiro; Ampliação das equipes de

desinstitucionalização; Ampliação de dispositivos de moradia;

Ambulatórios ampliados (com oficinas e intervenção territorial).

Garantia de distribuição de medicamentos;

Referência de suporte para internação hospitalar.

Qualificação profissional

Mudança do olhar dos profissionais; Qualificação para trabalho com longa

permanência; Educação permanente das equipes.

Reuniões de equipe; Atenção multiprofissional/

interdisciplinar; Sensibilização dos profissionais.

Cuidado (acolhimento/ singularidade,

acompanhamento, projeto terapêutico,

vínculo)

Acolhimento imediato no CAPS com frequência intensiva em agudizações;

Programas de cuidados intensivos para pacientes com maior dependência.

Projetos terapêuticos flexíveis e individualizados;

Reavaliações permanentes dos projetos terapêuticos técnicos de

referência; Preparo e acompanhamento familiar;

Proximidade nas questões do cotidiano;

Singularização do atendimento; Resgate das histórias de vida; Período de “preparo” de saída.

Práticas integrais

Ampliação do convívio social; Projetos de geração de renda;

Auxílio financeiro; Apoio matricial.

Acompanhamento domiciliar; Atividades de lazer extra-

-hospitalares; Cuidados específicos para portadores

de deficiência física; Recursos de cidadania

(documentação); Atividades culturais na comunidade.

Participação Construção coletiva de projetos; Associação de familiares e usuários.

Espaço da fala e escuta dos usuários; Singularização dos espaços de

moradia; Assembleia de usuários.

Fonte: Guljor e Pinheiro (2007, p. 76).

Não obstante os avanços na área da política de saúde mental, em especial

pela preconização do tratamento humanizado e reintegrador do doente mental em

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detrimento do atendimento manicomial, o momento atual é desafiador para o modelo

proposto.

Sobre esse aspecto, Vasconcelos (2010) sinaliza que nos últimos anos há

sinais de excessiva institucionalização e burocratização, com forte precarização dos

vínculos de trabalho dos profissionais de saúde mental, além de outras questões no

âmbito político-econômico nacional e global que afetam os pressupostos da

desinstitucionalização.

Como toda e qualquer política pública, a política de saúde mental sofre

influência direta do contexto que a cerca, visto que seus contornos não se fazem a

reboque da realidade micro e macrossocial. Souza (2006), ao trazer uma revisão dos

principais conceitos, modelos e análises de políticas públicas à luz da literatura clássica

e da mais recente, assevera que tanto as políticas públicas (geral) quanto as sociais

(particulares) são campos multidisciplinares e que, por isso, sintetizam teorias

construídas em ambientes diversos, ou seja, a característica holística é fato inconteste.

Desde o início deste trabalho, tem-se dado ênfase às transformações

contemporâneas ocorridas nos mais variados âmbitos e como elas repercutem na gestão

pública e no mundo do trabalho a partir da década de 1990. Ressalva-se que, nesse

ínterim, a reforma psiquiátrica começava sua segunda fase, através do processo de

mobilização e de conquista da hegemonia pela desinstitucionalização, com a

implantação dos novos serviços substitutivos, conforme visto em Vasconcelos (2010).

Se nessa época a gênese das mudanças advindas do processo de

globalização e os esforços do movimento psiquiátrico com vista à efetivação do modelo

defendido foram intensificados, pode-se inferir que os desafios hoje postos à reforma

alcançaram patamar ainda mais amplo, uma vez que tais fenômenos estão infiltrados e

consolidados na dinâmica social, trabalhista e do Estado.

Há posições e críticas em torno do funcionamento dos CAPS e das condições

adversas que tais dispositivos enfrentam atualmente. Yasui (2006), numa alusão a esse

contexto, coloca em pauta os percalços da implementação da desinstitucionalização diante

da lógica financeira pautada no projeto neoliberal, o qual tende a abandonar os

investimentos nas áreas sociais e ampliar a manutenção do poder econômico através de

políticas excludentes e de controle. Para o aludido autor, a reforma psiquiátrica corre sério

risco de se converter na mera desospitalização, afora que

[...] com freqüência, profissionais que se vêem com a incumbência de implantar um serviço complexo como os CAPS, sem os recursos teóricos e

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técnicos para tal tarefa. Dessa forma, não conseguem efetivar um trabalho que proporcione, minimamente, um espaço de acolhimento ao sofrimento, à diferença. Pelo contrário, acabam reproduzindo o saber e as práticas que conhecem, criando, assim, lugares onde o modelo hegemônico novamente prevalece: mantêm uma rígida estrutura vertical; o saber e as condutas médicas preponderam; a divisão de trabalho é rígida; objetiva-se a supressão sintomática; enfoca-se exclusivamente a doença. Aquilo que deveria ser a atenção psicossocial é assim construída cotidianamente num processo que reproduz uma mesma lógica manicomial, perpetuando uma prática que, sem ser excludente no interior dos altos muros dos asilos, exclui e segrega. No lugar de um processo de transformação assistencial, norteada por princípios éticos, temos a reprodução. Minimanicômios de portas abertas e mentes fechadas. Apenas uma psiquiatria reformada (YASUI, 2006, p. 63, grifo meu).

Vasconcelos (2010), também nessa perspectiva de desafios, afirma que é

possível tirar desse momento estímulos capazes de renovar e aprofundar a reforma

psiquiátrica, desde que se faça uma avaliação criteriosa dos riscos, com o fito de

promover os ajustes táticos para viabilizar politicamente a continuidade do processo em

curso.

Assim, pontua desafios que, segundo ele, não devem, em hipótese alguma,

ser descartados, a saber: continuação da ação política do Movimento Antimanicomial,

com maior envolvimento da sociedade civil, dos trabalhadores e, sobretudo, dos

usuários e familiares, bem como do Movimento de Reforma Psiquiátrica, mediante

participação e articulação mais ampla com segmentos institucionais do campo

universitário, dos trabalhadores e da gestão estatal; e necessidade inexorável de

estabelecer articulação intersetorial de políticas e programas com vista à luta popular-

-democrática para o alcance de melhores condições de vida/trabalho para a maioria da

população e garantia de maior efetividade das ações públicas (VASCONCELOS, 2010).

4.2.1 O Ceará na desinstitucionalização: do interior para a capital

Embora a Lei 10.216/2001 reordene a assistência psiquiátrica no território

nacional sob o prisma do atendimento em serviços comunitários, o mesmo ordenamento

jurídico, contrariando as perspectivas reformistas pela desinstitucionalização, deixa

abertura para a continuação das internações psiquiátricas.

Art. 4º A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes. § 1º O tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio. § 2º O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais,

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incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros. § 3º É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições com características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos recursos mencionados no § 2º e que não assegurem aos pacientes os direitos enumerados no parágrafo único do art. 2º (BRASIL, 2001).

No que tange a esse aspecto, Brito (2004, p. 94) ressalva que o

pressuposto legal em pauta, especialmente na indicação da necessidade de

internação diante da insuficiência de recursos, é sobremodo impreciso. De acordo

com a autora, inexiste

[...] uma definição para o que seja insuficiente e essa imprecisão pode funcionar como um incentivador, pois o fato de não existir uma rede assistencial extra-hospitalar abrangente no país (embora seja muito mais ampla do que há alguns anos atrás) autoriza a internação, e não necessariamente estimula a constituição desta rede.

No caso do Estado do Ceará, a coexistência do modelo hospitalocêntrico,

baseado nas internações psiquiátricas, e do modelo substitutivo defendido pela reforma

psiquiátrica, fundado na rede de atenção de base comunitária, marca contundentemente

a história da desinstitucionalização na realidade local, em especial no âmbito de

Fortaleza.

Morais e Tanaka (2012) asseveram que a saúde mental na capital cearense

apresenta um processo histórico recente e desafiador, visto que, ao contrário de outros

municípios do Ceará –, ressalva-se que o primeiro CAPS do estado foi implantado em

1991, em Iguatu, seguido por Quixadá e Canindé, em 1993 –, a desinstitucionalização

em Fortaleza enfrentou, e enfrenta, interesses dos hospitais psiquiátricos e ambulatórios

de psiquiatria em postos de saúde pública, os quais dificultam o processo de

implementação do modelo em curso.

Portanto, a reforma psiquiátrica no Ceará se caracterizou pela

interiorização, visto que as ocorrências pioneiras foram principiadas nos municípios

do interior, alcançando posteriormente, e num processo lento, a capital.

Não obstante essas questões, o Ceará principiou as bases do novo modelo na

Região Nordeste. Afora que deu um salto qualitativo no âmbito legislativo ao tornar-se o

segundo estado brasileiro a aprovar uma Lei Estadual de extinção progressiva de leitos

em hospitais psiquiátricos e a postular a criação de serviços substitutivos em saúde

mental, a saber, a Lei n.º 12.151, de 12 de agosto de 1993.

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Segundo contextualizam Rigotto et al. (2007), concernente à

desinstitucionalização em Fortaleza, a experiência inicial se deu em 1998, com a

instauração de um CAPS na Regional III. Entretanto, tendo em vista que o processo

esbarrou nas burocracias administrativas, dois novos CAPS só foram abertos três anos

depois, em 2001, sem, contudo, impactar a lógica asilar concentrada na capital. Sobre

isso, ressalvam:

Somente a partir de 2005, com a nova gestão municipal, é que começa a ser implementada uma política de saúde mental em concordância com os principais postulados pelo Movimento da Reforma Psiquiátrica. Por muitos anos, e ainda hoje, os interesses dos donos de hospitais psiquiátricos, concentrados em Fortaleza, representam entraves ao avanço da Reforma Psiquiátrica (RIGOTTO et al., 2007, p. 16).

Como prosseguem as autoras, em 2005, a rede de CAPS ampliou-se para 14

(catorze) unidades, sendo 06 (seis) CAPS tipo I, 06 (seis) CAPS-AD e 02 (dois) CAPSi.

Na sequência, em 2007, salientam que o poder municipal negociou o fechamento de um

hospital privado de 80 (oitenta) leitos, com abertura de leitos psiquiátricos, 15 (quinze),

em hospital geral conveniado ao Sistema Único de Saúde (SUS).

Segundo informações do site oficial da Secretaria de Saúde de Fortaleza, o

município conta atualmente com 14 (catorze) CAPS, 03 (três) residências terapêuticas e

02 (duas) ocas comunitárias25 distribuídos nas Secretarias Executivas Regionais26.

Ademais, há o registro de 01 (uma) Cooperativa Social (COOPCAPS), que,

por meio de oficinas de tecido, madeira, pintura e comercialização dos produtos, busca a

inclusão social dos acometidos por transtornos mentais pelo trabalho organizado e

produção solidária; 11 (onze) Unidades de Acolhimento, sendo 06 (seis) credenciadas,

destinadas aos usuários de álcool, crack e outras drogas; 01 (uma) Unidade de

Desintoxicação na Santa Casa de Misericórdia; 11 (onze) Comunidades Terapêuticas

Conveniadas e 03 (três) Hospitais Psiquiátricos conveniados no SUS.

Consta ainda no site que, em conformidade à Lei n.º 10.216/2001, os leitos

psiquiátricos passaram a receber diárias com valor inferior aos hospitais gerais, com

vista à oxigenação financeira dos novos dispositivos da desinstitucionalização, tanto da

rede aberta e comunitária, quanto dos leitos psiquiátricos em hospitais gerais.

25 Inauguradas em 2006, na gestão petista de Luizianne Lins, as ocas são espaços comunitários de saúde

que trabalham na dimensão do cuidado, tratando o sofrimento psíquico de forma preventiva. Como também descrito no site oficial da Secretaria Municipal de Saúde, a comunidade acessa seus serviços através dos CAPS ou por demanda espontânea.

26 Seguem nos anexos as relações dos CAPS e suas especificidades, das residências terapêuticas e das ocas comunitárias, distribuídos nas Regionais, com a descrição de seus respectivos endereços.

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Em relação aos 03 (três) hospitais psiquiátricos, de acordo com a referida

fonte pesquisada, tem-se o Hospital de Saúde Mental de Messejana (HSMM), da rede

pública, que conta com 180 (cento e oitenta) leitos; e 02 (dois) da rede privada e

conveniados, a saber, o Hospital Psiquiátrico São Vicente de Paula, 130 (cento e trinta)

leitos, e a Instituição Espírita Nosso Lar, 160 (cento e sessenta) leitos. Assim, o

município de Fortaleza ainda disponibiliza 470 (quatrocentos e setenta) leitos

credenciados pelos SUS em hospitais psiquiátricos.

Contudo, ao que parece, a abertura de leitos psiquiátricos nos hospitais

gerais encontra-se aquém do esperado, se comparada à permanência dos leitos nos

hospitais psiquiátricos mencionados.

Quadro 04 – Distribuição de leitos nos hospitais gerais de Fortaleza

Estabelecimentos Natureza Leitos psiquiátricos

Hospital Infantil Albert Sabin Pública/Estado 01 Hospital Universitário Walter Cantídio Pública/Federal 04

Santa Casa da Misericórdia de Fortaleza Filantrópica/Conveniado 12 Fonte: CNES/2014

Em suma, este é o panorama da rede de proteção em saúde mental no

contexto hodierno de Fortaleza, o qual se baseia prioritariamente em dados descritos no

site oficial da Secretaria Municipal de Saúde, com complementos do site oficial da

Secretaria da Saúde do Estado do Ceará (SESA). Convém ressalvar, outrossim, que o

poder público municipal disponibiliza o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência

(SAMU 192), integrado ao SAMU 192 Nacional, em caso de necessidade de translado

do acometido de transtorno mental em face de situação de crise.

Quanto ao apoio matricial na atenção básica (AB) em Fortaleza, Morais e

Tanaka (2012) trazem conclusões salutares ao reconhecer que existem avanços e

inovações nessa prática, especialmente no sentido de se produzir uma atenção

qualificada na atenção básica concernente à saúde mental. Contudo, por apresentar-se

como um processo incipiente e complexo, os autores apontam que ainda há muito que

avançar, por exemplo, na interação com os outros níveis de atenção, com vista à

promoção da reorganização dos serviços e das práticas. Sobre isso, esclarecem:

O cuidar da AB, incorporando o ApM nos serviços de AB em Fortaleza, tem percorrido os primeiros passos, mas ainda tem enfrentado as dificuldades das ESF em assumirem a atenção em saúde mental, bem como a carência de um fluxo adequado entre os distintos níveis de atenção. Apesar dessas limitações,

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a implementação tem possibilitado, ao serviço e aos profissionais, maior sensibilização na aceitação da saúde mental na AB (MORAIS; TANAKA, 2012, p. 168).

É inconteste afirmar que Fortaleza, como todo o território nacional, vivencia

inúmeros desafios na política de saúde mental frente às transformações contemporâneas.

Exemplo disso, e não distante da minha realidade cotidiana e profissional, foi uma ação

civil pública promovida pela DPU/CE contra o atendimento do Hospital de Saúde

Mental de Messejana (HSMM), desencadeada em 2011 e sequenciada em 2012, então

provocada por denúncias de um profissional psiquiatra da respectiva instituição pública

em razão da lotação e demora de atendimentos aos usuários.

A equipe de Serviço Social da DPU/CE27, numa intervenção conjunta ao

ofício cível, procedeu com visitas institucionais e posterior elaboração de relatório

social técnico sobre o contexto. A conclusão do documento confirmou, baseando-se

também em depoimentos de profissionais, usuários e familiares, que a situação se

mostrava caótica, materializada na demora do atendimento – era comum a

permanência prolongada na fila de espera – e no crescimento exacerbado da demanda

por internação psiquiátrica numa relação inversamente proporcional à quantidade de

leitos ofertados.

Segundo ainda os depoimentos, os principais problemas apontados foram:

deficiência de assistência na rede secundária (CAPS), tanto na capital quanto no

interior, posto como principal fator motivador do inchaço da demanda; e fechamento,

sem devida instauração dos serviços substitutivos com funcionamento adequado, dos

leitos psiquiátricos oriundos dos três hospitais psiquiátricos: Mira y Lopes, Instituto de

Psiquiatria do Ceará (IPC) e Casa de Saúde São Gerardo.

4.3 A FAMÍLIA E O PROCESSO DE DESINSTITUCIONALIZAÇÃO PSIQUIÁTRICA

Consoante exposto nas seções iniciais deste trabalho, cujo foco principal se

direciona à família, evidenciou-se que o respectivo segmento assume importância

central na desinstitucionalização em seu processo hodierno, o que se justifica,

principalmente, pela redescoberta da família no cenário público. Entretanto, nem

sempre essa foi a tônica.

27 Como assistente social da DPU/CE, participei da elaboração do documento na segunda visita ao

HSMM, no ano de 2013.

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Na obra A ordem psiquiátrica: a idade de ouro do alienismo, Castel (1978)

aborda o papel da família nas sociedades pré-capitalistas em sua relação com o louco e a

loucura. Segundo o pensador francês, competia ao segmento familiar assumir a

responsabilidade pelo parente mentalmente adoecido. Entretanto, caso houvesse

perturbação da ordem por parte deste, sem que o grupo familiar pudesse “neutralizá-lo”,

era cabível a intervenção do Poder Executivo ou do Poder Judiciário, conforme se

segue.

Existe, portanto, uma oscilação entre a legitimação das reclusões pelo poder real e pelo poder judiciário, e passagem de preponderância do primeiro para o segundo. Mas de certa forma eles permanecem complementares pelo esboço de uma divisão do trabalho: garantias de justiça para os ricos e repressão pelos do executivo para os pobres. E, sobretudo, sob estas mudanças, o espírito geral da legislação da loucura no Antigo Regime continua a fazer da loucura, na medida do possível, uma ‘questão de família’. E só negativamente, na ausência, na carência ou impotência da família ou, positivamente, sob sua demanda, é que uma instância exterior intervém (CASTEL, 1978, p. 26).

Rosa (2003) faz um retrospecto interessante da família e sua relação com os

processos de assistência em saúde mental, referendando, aprioristicamente, a iminente

sociedade moderna e prosseguindo suas análises nas conjunturas ulteriores. Depreende,

diante disso, que essa relação é historicamente construída e que sofreu grandes e

intensos deslocamentos.

Para a autora, na medida em que a loucura passa a ser vista como questão

social e transforma-se em objeto de intervenção do Estado e saber médico pela

psiquiatria (alienismo), a família se coloca numa posição secundária. Esse é o momento

em que o parente adoecido mentalmente é excluído do meio social, permanece

enclausurado, e o grupo familiar se mantém passivo.

Com o asilamento do louco e com a apropriação de sua condição pelo ‘modelo médico’, que visava obter a cura, a família fica restrita ao papel de identificar a loucura, encaminhar o seu portador ao asilo para cuidados médicos, visitá-lo, bem como fornecer as informações necessárias sobre a história da enfermidade. Ou seja, a relação da família com o portador de transtorno mental passa a ser mediatizada por agentes médicos e por agências estatais, encarregadas da cura, da custódia e da assistência. Há, portanto, a ruptura do louco com seu meio sociocultural e familiar, bem como a organização asilar implementa uma pedagogia que centra sua ação sobre o louco, excluindo a família de sua abordagem. À família restaria, então, aguardar pacientemente a devolução do louco recuperado ou curado, promessa implícita nessa abordagem (ROSA, 2003, p. 52).

Ainda com base nisso, a autora esclarece que o distanciamento entre a

família e o louco, por meio da intervenção nos moldes alienistas, baseava-se em um

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princípio paradoxal: de um lado, a família estaria ameaçada pela alienação e precisava

se proteger; do outro, o isolamento do louco era necessário porque a alienação provinha

da estrutura familiar e tinha causa moral. Assim, enclausurando o louco, “o discurso

psiquiátrico alienista visa constituir uma nova moral para regular as relações familiares

e os relacionamentos amorosos, exatamente porque a causa da alienação se situa no

desregramento moral” (ROSA, 2003, p. 51).

Com as novas transformações societárias e o avanço da psiquiatria no

período pós-guerra, Rosa (2003) acentua que a família passa a ser alvo do saber médico.

Se antes era somente o louco tratado, nessa ocasião o grupo familiar assume o papel de

“paciente”. Tal postura se deve, de acordo com a respectiva autora, principalmente pela

influência das teorias psicanalíticas e das concepções da antipsiquiatria francesa e

americana. A primeira, pela intermediação de terapeutas nas relações e conflitos, em

especial na educação dos filhos; sendo encarada como paciente, a culpa pelos

transtornos mentais é amenizada. A segunda, antipsiquiatria, trata a família mais de uma

forma negativa, culpabilizando-a, visto que é posta como agente patológico e induz

relações doentias, inclusive a doença mental.

E, por fim, Rosa (2003) analisa o momento em que culminou com a

redescoberta da família pelo poder público, no sentido da corresponsabilidade no

tratamento ao parente com sofrimento psíquico. Seguindo a lógica de correlacionar

essas circunstâncias às mudanças históricas, a autora demonstra que a década de 1970

e suas inflexões na relação Estado e sociedade, as quais foram mencionadas nas

seções anteriores deste trabalho, propiciaram a visibilidade do grupo familiar.

Ademais, acrescenta que as teorias marxistas e feministas contribuíram para essa

visibilidade na medida em que abordaram o segmento enquanto parte significante da

reprodução social.

Assim, no âmbito da psiquiatria, já pautado no modelo da

desinstitucionalização, que, conforme explicitado, evidencia não a doença mental e a

cura, mas a existência do sofrimento do sujeito acometido pelo problema e o resgate de

sua cidadania e efetivação de sua reinserção social, a família “é percebida,

positivamente, em suas possibilidades e recursos, numa visão mais abrangente e

totalizante” (ROSA, 2003, p. 67). Desse modo, as reflexões em torno da relação entre

família e portador de transtorno mental

É descentrada do interior do grupo doméstico para os processos macrossociais, que determinam sua organização, repercutindo em suas

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relações. Ou seja, em vez de verificar de que forma a família contribui ou participa na eclosão do transtorno mental, há uma inversão profunda na análise, visto que é o impacto do transtorno mental sobre o grupo familiar que passa a ser examinado. A família, então, ganha visibilidade, tanto pelas mudanças demográficas que alteram sua organização como pelo cuidado que presta ao portador de transtorno mental (ROSA, 2003, p. 41).

Enquanto política centrada no cuidado, o novo modelo coloca a família

como extensão do tratamento, tanto na condição de sujeito social que requer cuidados

como também, e principalmente, de cuidador. A tônica é privilegiar o convívio do

parente acometido por transtorno mental no âmbito familiar e comunitário. Assim,

família, sociedade e equipe técnica passam a ser peças fundamentais nesse processo.

Contudo, é no espaço familiar que o portador de transtorno mental

permanece por mais tempo, visto que as internações psiquiátricas tendem, pela lógica da

desinstitucionalização, a se reduzir. A nova modalidade fez com que a família se

transformasse em alvo de sustentação dos programas de saúde mental, passando a ser o

principal agente de assistência à pessoa em situação de adoecimento psíquico e

assumindo o papel que até então era tarefa exclusiva do Estado (JORGE; FRANÇA,

2001).

Nos dias atuais, o entendimento ampliado da saúde mental, que abrange

diversos fatores – orgânicos, emocionais, genéticos, culturais, sociais, situacionais,

entre outros –, requer o envolvimento de todos como forma de evitar uma visão

reducionista da doença. Por sua vez, de acordo com Mello (1997), não se pode negar

que o acometimento de transtorno mental na família produz inúmeros sofrimentos.

Para o autor, as angústias e tensões ocorrem principalmente em função da incerteza

da vida futura do familiar doente. Muitos não se conformam em ver um parente, que

antes tinha uma vida “normal” e independente, transformar-se em uma pessoa

tomada por limitações. Existe, outrossim, o fato de que muitos familiares são

obrigados a refazerem seus planos de vida e redefinirem seus objetivos diante do

adoecimento do parente.

Berenstein (1998), na mesma linha de raciocínio, afirma que, quando

uma família possui um membro com transtorno mental, toda ela acaba se

mobilizando, e então começa a surgir queixas frequentes. Não obstante ser uma

orgânica ou mental, há ainda o agravo de se tratar de uma doença crônica com

constantes períodos de agudização dos sintomas e, no mais, incapacitante e

socialmente imbuída de estigmas.

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Mello (1997) critica o fato de que, mesmo diante desse cenário conflitante e

sobrecarregado, as famílias foram alijadas do processo terapêutico por um bom tempo

ou, no máximo, participavam de “terapias de família” nas quais, muitas vezes,

reconheciam-se como culpadas. Propagava-se ainda o velho “ranço” e peso moral da

culpabilização familiar.

Pelo processo histórico acima descrito e abordado por Rosa (2003), infere-

-se que hodiernamente prevalece uma maior cautela em relação a culpabilizar a família

pelas mazelas do parente acometido por transtorno mental – não que isso tenha saído do

imaginário social e de determinados profissionais da área –, o que se vislumbra, ou

contribuiu para minimizar essa postura ideológica, deve-se à prevalência do transtorno

mental inserir-se na perspectiva multifatorial e interacional. Em suma, é cabível

asseverar que não existe o acometido por transtorno psíquico, mas, sim, este e o meio

social no qual está envolto.

Concernente aos cuidados direcionados ao familiar no contexto brasileiro,

Melman (2006) salienta que a maioria dos serviços ainda não organizou intervenções

familiares sistematizadas que respondam satisfatoriamente às demandas do segmento.

Para o autor, o mais frequente é encontrar modalidades interventivas com práticas

individuais e grupais que se limitam a oferecer informações e orientações pautadas

naquilo que os profissionais concebem como relevante ao tratamento. Na sequência,

prossegue: “o modelo de intervenção centrado apenas na orientação revela presença

dominante de um olhar que tende a desvalorizar o conhecimento da vida prática dos

familiares, em detrimento do conhecimento dos técnicos” (MELMAN, 2006, p. 8).

Relacionando esse ponto específico às teorias de Foucault (2012) sobre

saber/poder, evidencia-se nessas práticas a vigilância e o domínio do saber técnico dos

profissionais em relação aos familiares e usuários dos serviços nos espaços

institucionais. A despeito de a desinstitucionalização incentivar a integração destes na

dinâmica institucional mediante uma maior participação no processo de tratamento

psíquico, a postura citada pelo autor infere que o saber técnico determina e conduz os

ditames do que pode e deve ser feito.

Destarte, Melman (2006) aponta que é imperativa a criação de estratégias de

envolvimento da família para além dessas ações limitadoras e fundamentadas nas

determinações do saber especializado. Afora, prossegue o autor que, ao se focar a

atuação apenas em um elo da dualidade família/acometido por transtorno mental, cai-se

numa armadilha sem saída, pois dificilmente poderão ser alterados os padrões de

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interação disfuncional da família que constituem um dos fatores determinantes no

desencadeamento e manutenção dos conflitos no âmbito em questão. Não existe o

“doente mental” isolado em si mesmo, existe uma interação de fatores que se

entrelaçam e demarcam o problema.

Se o processo de desinstitucionalização, então marcado pela atenção

psicossocial, permite a transposição do olhar de diagnóstico de mero sintoma e de

culpabilização para um olhar solidário e multidimensional, uma vez que, conforme

Saraceno (2001), incorpora a dimensão social à dimensão biológica e psicológica do

processo saúde-doença. Sendo assim, necessário se faz que a família seja incluída no

projeto institucional, com medidas para além das intervenções individualizantes, de

controle e vigilância, e não como mero receptáculo do saber técnico.

Nesse caso, também ultrapassar os muros da instituição é salutar. A

participação familiar nos espaços de lutas sociais se configura como uma conquista do

segmento e um ganho real para o avanço da desinstitucionalização. Yasui (2006, p. 44)

evidencia que a década de 1980 marca a entrada da família como sujeito político no

interior do Movimento da Reforma Psiquiátrica através das associações de usuários e

familiares, as quais passaram a atuar na “construção de novas possibilidades de atenção

e cuidado na luta pela transformação da assistência em saúde mental”.

Vasconcelos (2010), entretanto, chama a atenção para a fragilidade da

maioria das atuais associações de usuários e familiares no Brasil, o que para ele abre um

espaço de fragilização política e permite a infiltração de outras associações de familiares

já tomadas por posturas conservadoras e apoiadas pela psiquiatria biomédica, cujo

interesse é contrário à reforma psiquiátrica e se volta para questões econômicas

encabeçadas pelos grandes centros farmacológicos e pela medicina lucrativa.

Mais do que nunca, segundo o respectivo autor, as demandas dos familiares

precisam ser reconhecidas e valorizadas pela reforma psiquiátrica, sendo de

fundamental importância investir maciçamente em metodologias e abordagens de

assistência em saúde mental adequadas ao segmento, especialmente no suporte e

empoderamento dos familiares cuidadores, nas iniciativas de educação popular, de

defesa de direitos, de suporte a projetos das associações, de inclusão digital dessas

associações a seus projetos, dentre outros.

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5 DILEMAS E VICISSITUDES DAS FAMÍLIAS PESQUISADAS: RECORTE

DE UMA REALIDADE

“Não tenho certeza de nada, mas a

visão das estrelas me faz sonhar.”

(Van Gogh)

No início da trajetória deste trabalho, a pintura do velho par de sapatos

simboliza o começo misturado aos passos já dados. Aqui, na gravura nominada de Sesta

pelo seu pintor, mais um par de sapatos surge, e junto a ele um casal que parece

descansar após uma manhã de labuta. Não representa o fim, mas um intervalo para o

recomeço. E mesmo que não se tenha certeza de nada, como cita o mestre Van Gogh,

ainda é possível ter a visão das estrelas que, como bússola, pode guiar até os sonhos ou

ao (re) encontro com a realidade.

Nesta seção, a inserção no universo da pesquisa de campo constitui o

momento de se defrontar com a realidade, então representada pelos sujeitos principais:

as famílias com parentes em situação de transtorno mental e seus dilemas e vicissitudes

frente ao processo de desinstitucionalização. Esse é o intento e ápice da trajetória

iniciada lá atrás.

Como a instituição definida para selecionar os entrevistados foi a Defensoria

Pública da União (DPU), pelas razões expostas no caminho metodológico, pertinente se

fez traçar um perfil desses sujeitos atendidos pelo Serviço Social da DPU/CE, cujas

informações foram obtidas através de um levantamento estatístico28 e submetidas a uma

28 Os dados foram retirados dos estudos, relatórios e perícias sociais das assistentes sociais da unidade,

instrumentos que me possibilitaram uma reflexão mais ampla e aprofundada da realidade dessas famílias. Ademais, como integrante da equipe, realizei visita domiciliar e acompanhei muitos desses casos.

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92

análise descritiva, destacando-se a adoção do método da porcentagem. O resultado

encontra-se na subseção inicial desta seção.

Na sequência, seguem-se as análises das entrevistas das famílias, as quais

totalizaram 16 (dezesseis) e foram representadas por quem possui a curatela ou tutela do

parente doente. Análises estas referendadas nas categorias elencadas, nos pressupostos

teóricos basilares da pesquisa e mescladas às observações na sua modalidade flutuante.

Consoante exposto, os nomes reais dos familiares foram substituídos por

heróis e heroínas da mitologia grega com indicativo do segmento familiar entrevistado,

numerados conforme a ordem cronológica em que se deu a entrevista: da família 01 à

família 16.

Por se tratar de uma pesquisa qualitativa, a prioridade são as falas e o

conteúdo dos sujeitos pesquisados, de modo a abstrair e desvelar o objetivo proposto.

Não há pretensão, em hipótese alguma, de dar resposta final à temática, uma vez que a

dinâmica circunscrita à saúde mental na contemporaneidade apresenta uma série de

refrações. Afora que se tem apenas um recorte da realidade, um momento definido no

tempo e no espaço, o qual segue ininterruptamente e sempre produzirá outros e mais

outros elementos. O resultado das análises se configura, pois, numa verdade

circunstancial, mesclada à totalidade. Espero que ele traga contribuições salutares aos

heróis e heroínas da pesquisa e aos seus respectivos parentes adoecidos mentalmente.

5.1 O PERFIL DAS FAMÍLIAS COM PARENTE EM ADOECIMENTO MENTAL

ATENDIDAS NO SERVIÇO SOCIAL DA DPU/CE

O levantamento estatístico dos casos com demandas em saúde mental

acolhidos pelo Serviço Social da DPU/CE, delimitado entre janeiro e dezembro de

2013, constituiu-se etapa inicial. No período definido, a equipe atendeu 56 (cinquenta e

seis) famílias com questões de sofrimento psíquico, sendo que 89% destas buscavam

assistência jurídica para concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC), 6%

para auxílio-doença, 3% para medicação e 2% para pensão por morte.

Dos casos envolvendo BPC – 50 (cinquenta) famílias solicitantes –, 41%

foram deferidos pela justiça com repasse direto do benefício assistencial. Outros 37%

encontravam-se em processo, aguardando decisão judicial. 10% foram encaminhados à

recursal, ou seja, obtiveram o indeferimento por parte do juiz, mas cabível recurso. E,

por fim, 12% foram indeferidos e julgados improcedentes.

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93

Convém destacar que a procura dessas famílias por intermediação jurídica,

aprioristicamente alijadas do direito à concessão de serviços e benefícios assistenciais e

benefícios previdenciários no âmbito administrativo, sinaliza não apenas uma situação

de desassistência do poder público executivo, mas principalmente reforça o contexto de

vulnerabilidade social no qual estão imersas.

Para melhor conhecer quem são essas famílias, segue o perfil

socioeconômico do grupo pesquisado, sistematizado em subitens: composição, situação

de trabalho e renda, saúde, educação e lazer e, por fim, condição de infraestrutura e

moradia.

5.1.1 Composição familiar

O intento no quesito consiste em descrever como está organizada

quantitativamente a família, ou seja, quantos membros integram o grupo, sua

estruturação por gênero, as especificidades em relação à tipologia predominante e outras

questões pertinentes à composição familiar.

Número de membros das famílias

Tabela 01 – Composição familiar/Membros

Número de membros Percentual Um 5% Dois 11% Três 32%

Quatro 22% Cinco a oito 30%

Total 100% Fonte: Elaborada pela autora.

Consoante os dados acima descritos, existe uma predominância de as

famílias apresentarem um número de componentes relativamente considerável. Não

obstante 32% serem compostas por três integrantes, vale ressalvar a existência de 30%

agregarem, no mesmo espaço domiciliar, entre cinco a oito integrantes. Dentre tais

grupos, com base nas informações das perícias sociais, a presença de criança em idade

impúbere e de outros parentes, especialmente avós, tios, noras e sobrinhos, constitui-se

aspecto recorrente. Tal especificidade impulsiona a curiosidade para saber como se

configuram as tipologias que circunscrevem os respectivos segmentos familiares.

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94

Tipologia das famílias, gênero e parentesco do PTM29

Pelos dados colhidos no levantamento, há um equilíbrio entre a tradicional

família nuclear, a monoparental e a família ampliada, sendo, respectivamente, 30%,

29% e 27%. Ademais, foram encontradas famílias do tipo reconstituída (5%), casais

sem filho (4%) e segmentos com apenas um integrante, intitulados de “família

unitária” (5%). A família unitária é representada pelo próprio portador de transtorno

mental, o qual alcançou essa condição por decisão pessoal ou por consenso dos

demais integrantes familiares.

A variabilidade familiar apontada no levantamento estatístico ratifica as

posições defendidas pelos teóricos trabalhados na terceira seção, cuja categoria família

teve destaque, no sentido de sinalizar para a existência dessa multiplicidade na

contemporaneidade. Afora que a família nuclear segue coexistindo no cenário social,

porém não com tanta supremacia.

Tabela 02 – Composição familiar/Tipologia

Tipo Percentual Nuclear 30%

Monoparental 29% Reconstituída 5% Homoafetiva -

Ampliada 27% Unitária 5%

Casal sem filho 4% Total 100%

Fonte: Elaborada pela autora.

Um dado que chama a atenção refere-se à estruturação por gênero das famílias

monoparentais e ampliadas. Nas primeiras, do quantitativo de 16 (dezesseis) famílias dessa

especificidade, 75% são chefiadas por mulheres; já na segunda, a prevalência da figura

materna, enquanto representante central da família, corresponde a 80%.

Tabela 03 – Representação por gênero/Famílias monoparentais

Representação Percentual Materna 75% Paterna 25% Total 100%

Fonte: Elaborada pela autora.

29 Adotei a sigla PTM para simbolizar o parente com transtorno mental.

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95

Tabela 04 – Representação por gênero/Famílias ampliadas Representação Percentual

Materna 80% Paterna -

Paterna e Materna 20% Total 100%

Fonte: Elaborada pela autora.

No caso das famílias nucleares da amostra, as quais têm as figuras

representativas paternas e maternas enquanto elementos centrais, as definições de papéis

sociais não se apresentam totalmente clarificadas. Os genitores do universo pesquisado

absorvem ainda sobre si a responsabilidade da mantença familiar, porém não mais de

modo prioritário, haja vista compartilhar essa incumbência com a matriarca e demais

membros em idade economicamente produtiva.

A predominância de gênero dos parentes com transtorno mental é masculina

(57%). A idade do segmento vai desde uma criança de 05 (cinco) anos a um idoso de 64

(sessenta e quatro) anos. Destes, aparece em maior número a faixa etária de 30 a 39 anos

(23%), seguida pelo grupo que está na idade entre 18 e 29 anos (20%).

Tabela 05 – Composição familiar/Gênero PTM

Fonte: Elaborada pela autora.

Tabela 06 – Composição familiar/Faixa etária do PTM

Faixa etária Percentual 5-11 anos 16%

12-17 anos 11% 18-29 anos 20% 30-39 anos 23% 40-49 anos 12% 50-59 anos 14% 60-64 anos 4%

Total 100% Fonte: Elaborada pela autora.

Outro dado relevante se refere ao tipo de parentesco do familiar

mentalmente adoecido, uma vez que, dependendo de quem seja, é possível promover

alterações substanciais na dinâmica familiar. Rosa (2003), por exemplo, afirma que o

impacto econômico ganha maior expressão quando o parente adoecido ocupa posição

Representação Percentual Feminina 43% Masculina 57%

Total 100%

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96

estruturante no grupo doméstico, sobretudo quando é o pai/esposo pela cobrança de

provedor financeiro familiar.

Destarte, com base no levantamento, a grande maioria corresponde à figura

do(a) filho(a), com percentual de 82%, vindo na sequência o esposo/pai (9%). A

esposa/mãe é representada por 4% e o restante (5%) fica com o(a) irmão(a) do(a)

cuidador(a), que constitui parte integrante do tipo família ampliada.

Tabela 07 – Composição familiar/Parentesco do PTM

Parentesco Percentual Filho 82%

Esposo 9% Esposa 4%

Irmão(ã) do(a) cuidador(a) 5% Total 100%

Fonte: Elaborada pela autora.

Cuidador(a) do parente com transtorno mental

Concernente ao cuidador do parente com transtorno mental, segundo os

dados apresentados abaixo, a mãe constitui presença emblemática, com 54%. Isso, de

certo modo, era esperado, pela grande maioria do familiar adoecido estar na condição de

filho(a). Na segunda posição, figura a irmã do acometido pelo adoecimento, com 10%;

em seguida, a esposa, cuidadora do marido (9%); e sequencialmente a filha, que tende a

se responsabilizar pelo pai ou mãe, com percentual de 4%.

O aspecto em questão, qual seja, a predominância da mulher (mãe, irmã e filha)

como cuidadora, assinala uma tendência histórico-social de colocar a figura feminina como

símbolo de proteção, cuidado e responsabilidade pelo espaço doméstico (OSTERNE, 2001;

ROSA, 2003). Não obstante a entrada da mulher no mercado de trabalho, espaço público, a

condição cultural e ideologicamente de “rainha do lar” repassada às mulheres é marca ainda

presente e forte, como se vê pelos percentuais apresentados.

Tabela 08 – Composição familiar/Cuidador(a)

Cuidador(a) Percentual Mãe 54% Pai 4%

Irmã 17% Filha 4% Filho 2%

(Continua)

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97

(Continuação) Cuidador(a) Percentual

Esposo 4% Esposa 9%

Tia 2% Avó 2%

Cunhada 2% Total 100%

Fonte: Elaborada pela autora.

5.1.2 Situação de trabalho e renda das famílias

Como já descrito, as famílias selecionadas são qualificadas na condição de

hipossuficiência por não apresentarem aporte econômico suficiente para a mantença em

condições salutares. Portanto, são postuladas, na forma da lei, como necessitadas no que tange

à inclusão para assistência jurídica gratuita e integral pela Defensoria Pública da União.

Numa visão mais ampliada, saindo do âmbito jurídico para o sociológico, o

quadro em que se situam essas famílias é de vulnerabilidade socioeconômica, resultante

da realidade social adversa na qual estão inseridas. Logo, as dificuldades de trabalho e

renda, dentre outras dimensões sociais, não são consequências do posicionamento

individual dos sujeitos e/ou da família, mas produzidas e reproduzidas nas próprias

contradições capitalistas.

Trabalho e ocupação/Renda familiar

O contexto situacional de trabalho e renda dos segmentos em pauta é

bastante crítico. Pelos dados, no que concerne ao trabalho e ocupação, o número que se

destaca é dos desempregados ou desocupados (aqui levando em conta apenas os adultos

em condição de inserção no mercado de trabalho), com alcance de 38%. No mais, 25%

estão em empregos formais; 21% estão em atividades informais; e 16% são

representados por aposentados e pensionistas.

Tabela 09 – Situação de trabalho e renda/Trabalho e ocupação Trabalho e ocupação Percentual

Formal 25% Informal 21%

Aposentadoria/Pensão 16% Desemprego 38%

Total 100% Fonte: Elaborada pela autora.

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98

Em relação à renda familiar, 37% dos grupos sobrevivem com apenas um

salário mínimo; 30%, com um salário mínimo e meio; 14%, com menos de um

salário mínimo, empatados com 7% das famílias que têm dois salários mínimos e

aquelas que ganham acima de dois. Tem-se também segmentos que não apresentam

renda alguma (5%), sendo que sobrevivem através de doação de terceiros (amigos e

vizinhos).

Nas rendas em questão, foram considerados os benefícios sociais, no caso,

o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o Programa Bolsa Família (PBF)30.

Tabela 10 – Situação de trabalho e Renda/Renda familiar

Renda familiar Percentual Sem renda 5%

Menos de um salário mínimo 14% Um salário mínimo 37%

Até um salário mínimo e meio 30% Dois salários mínimos 7%

Acima de dois salários mínimos 7% Total 100%

Fonte: Elaborada pela autora.

Sobre as transferências de renda do BPC e PBF, mais especificamente,

62% dos 56 (cinquenta e seis) lares pesquisados são contemplados com os

respectivos benefícios. Deste percentual, tem-se a configuração abaixo explicitada,

qual seja, 29% têm somente o BPC; 17%, somente o PBF; e 16% agregam ambos.

As famílias restantes (38%) não apresentam qualquer benefício, seja porque o

processo ainda não foi julgado na Justiça Federal ou segue na recursal, seja pelo

indeferimento total.

Tabela 11 – Situação de trabalho e renda/Benefícios sociais

Benefícios Percentual BPC 29% PBF 17%

BPC+PBF 16% Nenhum 38%

Total 100% Fonte: Elaborada pela autora.

30 O Benefício de Prestação Continuada corresponde ao salário mínimo vigente, enquanto os valores

repassados pelo Programa Bolsa Família variam entre R$102 e R$235,00.

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99

5.1.3 Saúde das famílias

O dilema maior referente à saúde das famílias pesquisadas se volta para o

parente com sofrimento mental. Estes demandam mais atenção e absorvem cuidados

intensivos. A saúde dos demais membros, conforme a descrição nos relatórios e perícias

sociais das assistentes sociais da DPU/CE, não representa maiores agravos na dinâmica

cotidiana dos grupos. Contudo, foi possível perceber que, nas famílias cujos parentes

apresentam maior incidência de crise, há uma tendência de os outros familiares,

especialmente o cuidador, fragilizarem-se emocionalmente e acabarem por necessitar de

acompanhamento psicológico.

Na maioria dos lares que compõe a amostra do levantamento estatístico, os

integrantes fazem acompanhamento através do Sistema Único de Saúde (SUS), por

intermédio dos postos de saúde do próprio bairro. Raros são os que disponibilizam de

plano privado, exceto aqueles que têm esse serviço atrelado à empresa da qual é

funcionário(a), o que não é extensivo aos demais familiares.

Os parentes com sofrimento mental predominantemente fazem tratamento

psiquiátrico nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), mas há menção recorrente do

Hospital de Saúde Mental de Messejana e outras instituições psiquiátricas,

especialmente quando da referência de alguma intervenção relacionada à internação.

Diagnóstico do parente com transtorno mental

O diagnóstico de maior preponderância nos casos atendidos é o transtorno de

esquizofrenia (39%), vindo em seguida o retardo mental (23%). O primeiro com maior

representação do sexo masculino (74%), com faixas etárias predominantes de 30 a 39 anos

(31%) e de 18 a 29 anos (26%); já o segundo também tem no sexo masculino sua maior

representação (62%), sendo que as faixas etárias são mais equilibradas e predominam as

que ficam de 12 a 17 anos (30%), as de 18 a 29 anos (23%) e as de 06 a 11 anos (23%).

Tabela 12 – Esquizofrenia por gênero e idade

Gênero Percentual Idade Percentual Feminino 26% 10 a 17 anos 9% Masculino 74% 18 a 29 anos 26%

Total 100% 30 a 39 anos 31% 40 a 49 anos 17% 50 a 60 anos 17% Total 100%

Fonte: Elaborada pela autora.

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100

Tabela 13 – Retardo mental por gênero e idade Gênero Percentual Idade Percentual

Feminino 38% 06 a 11 anos 23% Masculino 62% 12 a 17 anos 30%

Total 100% 18 a 29 anos 23% 30 a 39 anos 16% 40 a 48 anos 8% Total 100%

Fonte: Elaborada pela autora.

A terapêutica medicamentosa do PTM, pelas informações colhidas nos

instrumentais técnicos das profissionais de Serviço Social da DPU/CE, é em geral

extensa, com adoção de fármacos que variam entre antipsicóticos, antidepressivos,

ansiolíticos e anticonvulsivantes, dependendo do diagnóstico e tratamento condizente.

Suas aquisições se dão no próprio espaço institucional, os Centros de Atenção

Psicossocial. Contudo, pelo conteúdo expresso nos relatórios e perícias, é unânime a

afirmativa da necessidade costumeira de comprar as medicações na rede de farmácia

privada, em face de sua indisponibilidade no serviço público.

5.1.4 Educação e lazer das famílias

A baixa escolaridade é a tônica entre os membros das famílias analisadas.

Para melhor retratar esse contexto, seguem os dados da escolaridade das figuras

centrais dos dois tipos familiares que predominaram na amostra pesquisada: figuras

paterna e materna das famílias nucleares e monoparentais. Adiante, tem-se a

escolaridade dos PTM.

Escolaridade/Figuras centrais das famílias nucleares, monoparentais e do PTM

Pelos dados condensados abaixo, evidencia-se que o Ensino Fundamental

Incompleto prepondera na realidade escolar dos representantes centrais (pai e mãe) das

famílias nucleares e monoparentais.

Nas famílias nucleares, a figura paterna aparece com 29% e,

sequencialmente, tem-se 23% na modalidade Ensino Médio Completo; enquanto a

materna tem percentual de não conclusão do Ensino Fundamental bem maior (53%),

vindo em seguida, 23%, do Fundamental Completo e 18% do Ensino Médio

Completo.

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101

Nas famílias monoparentais representadas pela figura paterna, detectou-se

que 100% destes indivíduos pararam seus estudos nas séries do Ensino Fundamental,

não concluindo a modalidade. Já as monoparentais chefiadas por mulheres (mães),

mesmo que prevaleça em sua maioria o Ensino Fundamental Incompleto (67%), tem-se

uma distribuição mais equilibrada nas outras modalidades, apesar de os quantitativos

maiores apontarem para escolaridades mais exíguas.

Tais aspectos permitem inferir que a maioria desses adultos abandonaram a

vida escolar cedo para ingressar precocemente no mundo do trabalho, o que justifica a

inserção no mundo laboral e a predominância em atividades de baixa remuneração e

sem vínculo formal empregatício.

Outro aspecto notado nas perícias sociais foi a permanência das crianças e

adolescentes na vida escolar da rede pública de ensino e, por conseguinte, o

beneficiamento com a transferência de renda do Programa Bolsa Escola em todos os

grupos que têm segmento infanto-juvenil na sua composição.

Tabela 14 – Escolaridade por tipo de família

FAMÍLIAS NUCLEARES FAMÍLIAS MONOPARENTAIS

Escolaridade Figura paterna Figura materna Figura paterna Figura

materna

Analfabeto(a) 12% - - 8%

Ensino Fundamental Incompleto 29% 53% 100% 67%

Ensino Fundamental Completo 12% 23% - -

Ensino Médio Incompleto 18% 6% - 17%

Ensino Médio Completo 23% 18% - 8% Ensino Superior Incompleto 6% - - -

Total 100% 100% 100% 100% Fonte: Elaborada pela autora.

Quanto aos parentes com transtornos mentais, a escolaridade é um caso à

parte em razão de o agravo psíquico se configurar fator decisivo para o afastamento da

vida escolar, em especial entre os esquizofrênicos e pessoas com retardo mental.

Conforme o levantamento estatístico, das 56 (cinquenta e seis) famílias pesquisadas,

mesmo quantitativo dos parentes em situação de adoecimento mental, a maioria (42%)

não concluiu o Ensino Fundamental, 25% são analfabetos, 11% têm o Ensino

Fundamental Completo e 7% conseguiu concluir o Ensino Médio. Vale pontuar que

4% ingressaram no Ensino Superior e a metade (2%) obteve o certificado de

conclusão.

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102

Tabela 15 – Escolaridade dos parentes com transtornos mentais

Escolaridade Percentual

Analfabeto(a) 25%

Educação Infantil 7%

Ensino Fundamental Incompleto 42%

Ensino Fundamental Completo 11%

Ensino Médio Incompleto 4%

Ensino Médio Completo 7%

Ensino Superior Incompleto 2% Ensino Superior Completo 2%

Total 100% Fonte: Elaborada pela autora.

Lazer das famílias

O lazer está contido no rol dos direitos fundamentais e seu usufruto se

consubstancia em instrumento de dignidade humana na medida em que contribui para o

desenvolvimento pessoal e social dos sujeitos em sociedade. No caso das famílias com

histórico de transtorno mental, a aplicabilidade desse direito é imprescindível pelas

circunstâncias inerentes à problemática em questão.

Pelo conteúdo do levantamento estatístico e informações complementares

oriundas das perícias sociais, foi possível verificar que a acessibilidade ao lazer é um

direito social pouco presente na vida das famílias pesquisadas, tendendo a se restringir a

atividades que não requeiram gastos econômicos. Segue a discriminação das ações de

lazer mais frequentes no gráfico abaixo:

Tabela 16 – Lazer das famílias

Lazer Percentual

Praia e praças públicas 5% Cultos Evangélicos 32%

Missa na Igreja Católica 27% Outros 16%

Não tem lazer 20% Total 100%

Fonte: Elaborada pela autora.

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103

Como expresso nos dados, 59% das famílias acentuam as atividades

religiosas como expressões de lazer. Desse contingente, 32% são de cunho evangélico e

27% católico. Esporadicamente há passeios na praia, praças e/ou clubes de dança, sendo

essa prática mais comum entre os jovens (5%). Há ainda 16% que apontam outros

meios, como passar o domingo na casa de parentes. 20% sinalizam para a não existência

de atividade de lazer.

5.1.5 Condições de infraestrutura e moradia das famílias Um quantitativo significativo da amostra familiar reside em bairros

periféricos da capital cearense, havendo alguns segmentos que estão situados na região

metropolitana (9%). Como a pesquisa está centrada em Fortaleza, o foco se volta para

os domicílios da capital.

A fim de melhor acompanhar os dados referentes às condições de

infraestrutura pública e moradia, estes foram sistematizados a partir da localização das

famílias por Secretaria Executiva Regional (SER). Assim, detectou-se:

Tabela 17 – Condições de infraestrutura e moradia/SER

Secretarias Executivas Regionais Percentual Regional I 20% Regional II 16% Regional III 11% Regional IV 7% Regional V 23% Regional VI 14%

Área Metropolitana 9% Total 100%

Fonte: Elaborada pela autora.

Como se pode observar, as famílias estão mais concentradas na Regional

V, com 23%, e Regional I, com 20%. É pertinente ressalvar, segundo informações

retiradas do documento Mapa da Criminalidade e da Violência em Fortaleza: perfil

da Regional V31, que a referida região, composta por 21 (vinte e um) bairros, é

considerada a mais populosa e pobre da capital.

31 Disponível em: <http://www.uece.br/labvida/dmdocuments/regional_V.pdf>. Acesso em: 01º fev. 2015.

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104

Dentre os bairros que mais aparecem no levantamento, tem-se: Conjunto

Ceará (SER V), Genibaú (SER V), Barra do Ceará (SER I), Paupina (SER VI), Vicente

Pinzon (SER II) e Messejana (SER VI).

No que concerne à infraestrutura pública dos bairros, os relatos das perícias

sociais apontam que a maioria oferece parcas disponibilidades de equipamentos sociais,

sendo comum a todos: postos de saúde e instalações de unidades escolares da rede

pública. Alguns têm à disposição o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS),

mas a grande maioria das famílias busca esses serviços nos bairros adjacentes ou na

própria Secretaria Executiva Regional.

A inexistência do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) em cada bairro é

outro problema para as famílias. A fim de proceder com o atendimento psiquiátrico aos

parentes, estes precisam se deslocar até tais instituições de saúde mental que, em geral,

estão situadas em bairros mais distantes. Isso é dificultoso tanto pelo gasto com

transporte particular, visto que nem todos ainda dispõem de cartão gratuidade, como

pelo translado nos transportes públicos em face da aversão que os adoecidos

psiquicamente sentem em espaços aglomerados.

Moradia das famílias

Em relação às moradias, 46% são cedidas por parentes. A estrutura física, a

partir dos registros descritos nas perícias sociais, é caracterizada por espaços pequenos,

apertados e sem ventilação adequada. A maioria das residências (52%) compõem-se de

cinco cômodos, com predominância para uma sala, dois quartos, uma cozinha e um

banheiro.

Ainda com base nos relatórios e perícias sociais das assistentes sociais da

DPU/CE, observados durante o levantamento estatístico, constatou-se que em geral os

domicílios são de alvenaria, paredes ainda com reboco ou pintura desgastada, telha

convencional, sem forro, piso bruto, alguns com cerâmica envelhecida, espaços

pequenos e pouco arejados. A mobília e utensílios domésticos são também diminutos.

Tabela 18 – Condições de infraestrutura e moradia/Moradia Moradia Percentual Cedida 46% Própria 29% Alugada 25%

Total 100% Fonte: Elaborada pela autora.

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105

Tabela 19 – Condições de infraestrutura e moradia/N.º de cômodos N.º de cômodos Percentual Dois cômodos 4% Três cômodos 9%

Quatro cômodos 23% Cinco cômodos 52%

Acima de cinco cômodos 12% Total 100%

Fonte: Elaborada pela autora.

Em suma, a maioria vive em moradias cedidas e modestas, situadas em

ambiente físico e social inadequado no concernente aos seus serviços sociais ofertados,

que denotam a precariedade e condição de vida insalubre dos grupos.

5.2 AS FAMÍLIAS E AS DEMANDAS DA DESINSTITUCIONALIZAÇÃO:

COPARTICIPAÇÃO OU UNILATERALIDADE?

A partir daqui, a pesquisa se volta para a análise das 16 (dezesseis)

entrevistas com as famílias selecionadas, dentre as 56 (cinquenta seis) atendidas no

Serviço Social DPU/CE, entre janeiro e dezembro de 2013, cujo perfil foi delineado

acima.

Como explicitado na metodologia, a escolha das 16 (dezesseis) famílias se

baseou em critérios específicos: atendimento em serviço assistencial de saúde mental no

Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), condição de hipossuficiência abaixo de dois

salários mínimos, requerimento da concessão do BPC e famílias com parente em

adoecimento mental severo (esquizofrenia, bipolaridade e retardo mental grave),

especialmente com histórico de internação psiquiátrica.

Abaixo o quadro da relação dos(as) entrevistados(as) com número

correspondente à ordem da entrevista, designação dos seus nomes fictícios de heroínas e

heróis da mitologia grega, parentesco em relação ao familiar adoecido, tipo de família,

idade e diagnóstico do PTM.

Quadro 05 – Distribuição dos entrevistados por nome fictício, parentesco, tipo de família, diagnóstico e idade do PTM

N.º Nome fictício (Entrevistado)

Parentesco (Entrevistado)

Tipo de Família Diagnóstico/PTM Idade/

PTM

01 “Electra” “Jasão”

Mãe Tio Ampliada Esquizofrenia 15 anos

02 “Ilítia” Irmã Ampliada Esquizofrenia 32 anos (Continua)

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(Continuação)

N.º Nome fictício (Entrevistado)

Parentesco (Entrevistado)

Tipo de Família Diagnóstico/PTM Idade/

PTM

03 “Elpis” “Agamenon”

Mãe Pai Nuclear Esquizofrenia 27 anos

04 “Hércules” “Mégara”

Pai Mãe Nuclear Esquizofrenia 24 anos

05 “Antígona” Mãe Monoparental Esquizofrenia 30 anos 06 “Orfeu” Irmão Ampliada Esquizofrenia 55 anos 07 “Perséfone” Mãe Nuclear Esquizofrenia 25 anos 08 “Aquiles” Filho Nuclear Esquizofrenia 55 anos

09 “Pandora” Cunhada Ampliada Esquizofrenia/ Bipolaridade 34 anos

10 “Psiquê” Esposa Nuclear Esquizofrenia 34 anos 11 “Órion” Filho Monoparental Esquizofrenia 58 anos

12 “Cila” Mãe Monoparental Retardo mental grave 33 anos

13 “Astreia” Irmã Nuclear Esquizofrenia 21 anos 14 “Atalanta” Irmã Ampliada Esquizofrenia 29 anos 15 “Teseu” Pai Nuclear Esquizofrenia 18 anos 16 “Hígia” Irmã Monoparental Esquizofrenia 27 anos

As famílias 01 e 02 têm outros casos de doença mental no espaço doméstico. As entrevistadas das famílias 09, 13, 14 e 16 assumiram a curatela do PTM como forma de auxiliar a genitora deste. O mesmo ocorreu com o entrevistado da família 06. O entrevistado, filho, da família 11 assumiu a curatela tão logo completou 18 anos, a fim de subsidiar a mãe e companheira de seu pai adoecido mentalmente.

Fonte: Elaboração própria. Assim, os(as) entrevistados(as) foram os(as) cuidadores(as) e/ou

detentores(as) da curatela do parente com transtorno mental, sendo que em algumas

famílias mais de um integrante optou pela participação. Compatível com o perfil

socioeconômico, a grande maioria da amostra é do gênero feminino e se divide entre

mãe, esposa, cunhada e irmã. Os outros, do gênero masculino, dividem-se entre pai,

irmão e filho. Como se vê, e seguindo os critérios, todos os parentes têm transtorno

mental grave, destacando-se a esquizofrenia, inclusive um diagnóstico com

esquizofrenia e bipolaridade, bem como enfrentaram mais de uma internação

psiquiátrica devido às crises psicóticas recorrentes.

Portanto, são famílias que vivenciam um contexto complexo e conflituoso

advindo da doença mental. Afora que agregam todos os problemas sociais detectados no

perfil socioeconômico, os quais fragilizam e agudizam sobremodo a situação posta.

Aprioristicamente, quis saber como efetivamente as famílias lidam com o

transtorno mental no cotidiano e as divisões de responsabilidades no grupo. Saliento

que, por ser uma entrevista semiestruturada, outras questões foram emergindo no

decorrer das falas dos sujeitos. Desta feita, antes de adentrar na questão inicial, por uma

questão opcional, os familiares principiaram seus depoimentos relatando como a doença

alcançou o parente e a mudança drástica que isso causou na dinâmica familiar.

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Começou em 2007, há uns sete anos, assim uma mudança de comportamento. Ele se isolou, ele não queria mais sair para brincar de bola, que ele gostava muito. Ele estudava; aí disse que não, não ia mais, disse que tinha [...] assim, muita timidez, de querer estar só em casa e em seguida ele foi cada vez mais piorando; umas coisas estranhas, um comportamento diferente que eu não sabia como entender. Aí levei ele pro Hospital. Lá o médico da emergência só passou o Neuleptil, que tomou quando era mais criança, e não resolveu nada. Passou os dias, e ele piorando. Começou a falar só, a andar pela casa sem parar, sabe? Não dizia coisa com coisa. Lá em casa é só eu, o pai dele e ele. Foi difícil demais. Hoje em dia é mais fácil lidar porque a gente já sabe o que é a doença, mas antes a gente ficou perdido. Ele ficou agressivo. Ele me agrediu e agrediu o pai duas vezes. Fazia perguntas que eu não sabia responder, enraivava, virava um touro! Foi quando levei no IPC e o médico disse que era esquizofrenia e passou os remédios. Daí levei de novo no Hospital Mental de Messejana e aí eles encaminharam pro CAPS (“Perséfone”, mãe, Família n.º 07). Ela era normal, assim, até a gente conhecer e como essa doença é assim reage do nada, não é? Ela era da igreja evangélica, aí arranjou um namorado, nunca tinha namorado; arranjou esse rapaz, não era da Igreja, aí do meio pro fim, não podia namorar, ficou com aquela culpa, depois de tudo, aí ela acabou engravidando dele, e isso já foi mostrando as crises. Mas ele casou com ela, mas daí ele largou ela quando as crises ficaram mais fortes, isso depois da gravidez. E ela voltou pra casa da mãe com a filha. A vida da minha mãe virou uma confusão e da família toda. Nós somos seis irmãs e um irmão, cada um mora na sua casa. Mãe morava só, continua crente da mesma igreja que minha irmã ia, e ficou com minha irmã e a neta. [...] Na primeira crise forte, minha irmã pegou a menina e se trancou dentro de casa com essa menina, aí pegou uma faca. Mulher, é uma loucura! Mãe entrou em desespero. Quando a gente chegou, já tava assim. E o SAMU não vinha. Vizinhos ajudaram. A gente amarrou os pés dela e as mãos e levou pro Hospital de Messejana. [...] Mulher, minha mãe é complicada, sabe? Ela não aceita a doença, diz que é diabo. Só quando a coisa aperta que aceita. [...] E aí agora ela engravidou de novo, e ninguém sabe quem é o pai. Não era pra pegar essa gravidez. Minha mãe não dorme mais. Está só no sofrimento. Os olhos dela são da cor de pimenta, que ela não dorme. Acho que ela tem medo dela fazer algo com ela. [...] E aí a gente ajuda, corre de um lado, corre de outro. É muito, muito pesado! (“Hígia”, irmã, família n.º 16). Bom, pelo que a família conta, não é? Porque eu vim entrar na família já bem tarde, antes da primeira crise que eles contam. O que eles relatam é que aconteceu em 1994. Na época ele saiu de casa, correu e veio bater aqui no Centro de Fortaleza. Totalmente de pés descalços, entendeu? Depois disso foi internado e aí começou o tratamento no CAPS do Bom Jardim, no mesmo ano. [...] Só quando eu casei com o irmão dele, ganhei mais afetividade, eles me contaram toda a história. [...] A mãe dele, como você viu, é uma senhora idosa e fica coisando no ouvido da gente, tá cansada com tanta coisa, e aí eu ajudo ela a cuidar do C.M. A história é um drama! [...] O que remexeu na família toda aconteceu em 2012. Ele era acompanhado no CAPS com diagnóstico de depressão. Mas se danava a beber, tomava remédio e bebia. [...] Eu acho que a família devia ter ido no médico e perguntado se era só depressão mesmo, mas não fizeram isso e o quadro foi se agravando. E aí aconteceu o pior. [...] Assim, na hora eu não tava em casa, nem eu e nem meu marido. [...] A gente já vinha sentindo umas conversas estranhas dele, ele dizia pro irmão dele arrumar uma mulher pra ele na igreja – a gente é evangélico – pra essa pessoa fazer um buraco com a espessura de um cabo de vassoura. A gente brincou com ele sobre isso. Essas conversas bestas vinham há uma semana. O medo, então, era dele fugir, porque nunca tinha feito nada com ninguém. [...] Na terça a mãe dele levou ele no CAPS de manhã, mas

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não tinha médico lá e pediram pra ele voltar à tarde. Ela voltou e ele foi atendido às 5 horas da tarde. Deram uma injeção e eles voltaram pra casa. [...]. Ele passou a semana trancado no quarto. Quando foi no domingo, eu e meu marido, a gente tava no sítio, ligaram pra gente aflitos: ‘Pelo amor de Deus, venham pra cá, C.M. tá em crise, ele tem que ser medicado, porque do jeito que ele tá aí pode surtar e fazer alguma coisa com alguém ou com ele mesmo’. [...] Chegando lá, a gente levou pro CAPS, mas tava fechado. [...] Levamos pro Hospital de Messejana e deram uma injeção. Voltou pra casa de novo. Dormiu a noite toda. Na segunda minha sogra levou ele pro CAPS e outra injeção foi dada e disseram que ele podia voltar pra casa. Chegou lá, ele emburacou no quarto e só foi sair de noite. [...] Era 10 horas da noite. Tava na casa meu sogro, minha sogra, meu cunhado e cunhada. Segundo minha sogra fala, ele chegou na sala já gritando e ordenando que a luz da sala se apagasse – ele tava falando com a lâmpada. Ele dizia que era Deus e que a luz tinha que obedecer. E como não obedeceu, começou a gritar mais alto. Meu sogro foi pedir pra ele não falar alto porque incomodava os vizinhos. Primeiro ele deu um murro no pai, um senhor de 71 anos, que caiu no chão desacordado. Os outros entraram em desespero, procuravam a chave da casa. Nesse instante, ele correu na cozinha, pegou uma faca de serrinha. Primeiro ele atingiu o meu cunhado, o caçula, com vários golpes. E aí minha cunhada bateu nele com uma cadeira. Ele deu um murro nela. Aí minha sogra tentou agarrar ele pelas costas, ele empurrou ela com força que ela bateu a cabeça na parede. Minha cunhada correu e se escondeu pro quarto dela pedindo socorro. E aí ele foi na direção do pai e esfaqueou até ele morrer. O cunhado, o que se feriu, conseguiu pular a janela e pediu ajuda. Nisso, lá fora, a rua já tava cheia de gente, o povo gritando, ligando pro SAMU, pra polícia, tudo que você possa imaginar, entendeu? Foi quando conseguiram arrombar a porta e um vizinho atingiu ele com um negócio pesado, que não sei o nome, aí o Ronda chegou. Foi uma tragédia, mulher! [...] Depois de um ano, no Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes, ele voltou para casa. Lá ninguém fala do que aconteceu, mas a atenção é total nele. A gente vive de olho, entende? No CAPS, ele é atendido sempre que vai, porque dizem que ele é especial. E aí disseram que o diagnóstico dele agora é esquizofrenia com bipolaridade. Por que mudaram só depois de acontecer o que aconteceu? Por que isso depois de tudo? (“Pandora”, cunhada, família n.º 09).

O que me chamou a atenção, além da situação complexa e das turbulências

emocionais – os três relatos são impressionantes e dramáticos –, dos acontecimentos

que levaram à mudança na dinâmica e readaptação familiar, diante do adoecimento

mental e seus desdobramentos, refere-se à cooperação e apoio entre os integrantes. Isso

constituiu uma marca presente na fala dos entrevistados de todos os tipos familiares. É

como se a dor os aproximasse e, através dela, eles procurassem refúgio entre os seus.

Foi o irmão que abandonou o emprego e ficou à mercê da irmã e dos

sobrinhos esquizofrênicos, como uma espécie de motorista a postos para qualquer

eventualidade: “Eu tive que deixar o emprego e ficar como motorista de minha irmã.

[...] Lá em casa a gente evita discutir perto deles” (“Jasão”, tio, família n.º 01).

Ex-marido que é chamado para “acudir” nas horas difíceis no grupo

formado pela mãe, 55 anos, e filhos:

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Lá em casa a gente reveza, cada um tem que ajudar. Mas, como todos os filhos fazem algum bico pra sobreviver, a gente tá esperando sair o benefício dela, que vai melhorar, aí a gente tem que correr atrás de dinheiro. Pra minha mãe não ficar sozinha nas crises, a gente leva para casa do meu pai. Ele tá com outra família, mas é amigo ainda de mãe e fica com ela quando tá assim, muito mal (“Órion”, filho, família n.º 11)32.

Tem o exemplo de outra família monoparental, representada pela mãe e um

filho com crises psicóticas contínuas, a qual recebe cooperação de parentes que se

juntam para pagar plano de saúde privado, compra de medicações para o sobrinho e

outras despesas, visto que a genitora só tem como renda o amparo assistencial: “Meus

parentes sabem de minha luta sozinha com meu filho. Eles me ajudam muito. Um paga

a luz, a água. Outros se juntaram pra dar o plano de saúde dele. Sozinha eu não teria

como aguentar” (“Antígona”, mãe, família n.º 05).

Filhos, tios, cunhada e outros parentes, com ou sem consanguinidade, mas

ligados por laços afetivos – muitos que já têm suas próprias formações familiares –

deliberadamente se oferecem para prestar auxílio diante do sofrimento do outro, o que

evidencia que, sim, existe um sentimento de solidariedade entre esses segmentos mais

socialmente vulneráveis.

O aspecto em questão corrobora as considerações de Sarti (2010, 2011) ao

explanar que uma das características preponderantes das famílias economicamente

desfavoráveis consiste na sua configuração em rede (“famílias enredadas”). A mantença

da rede de relações tem ligação com as carências materiais e afetivas, além da

necessidade de provê-las com vista à viabilização da existência familiar.

No mais, como também ressalva Osterne (2001), o grupo familiar visto e

percebido enquanto “unidade de referência” é fundamental. A autora denomina esse

termo para retratar a família como lugar de pertencimento, espaço onde é possível

experimentar sensação de segurança afetiva e emocional, que se organiza como unidade

coesa de sobrevivência, convivência e solidariedade, não obstante os conflitos e tensões

que enfrenta.

Nesse ponto, saliento que, para esses segmentos em especial – famílias

extremamente vulneráveis e fragilizadas tanto pelo contexto social quanto pelo da doença

mental – encontrar na família essa referência de grupo solidário e cooperativo é

32 No momento em que fazia as análises das entrevistas, o jovem “Édipo” me ligou para informar que a

mãe estava novamente internada no Hospital de Messejana em razão de outra crise. No mais, buscava informações sobre o resultado da Justiça Federal concernente ao benefício assistencial. A família tem como renda o PBF e ínfimos recursos advindos dos “bicos” dos irmãos e irmãs.

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fundamental e também imprescindível. Tanto que foi um aspecto de destaque nos

depoimentos.

Entretanto, e isso não pode ser abstraído, a fomentação da rede de relações

familiares para além do núcleo principal e o fomento da família como “unidade de

referência” reflete, outrossim, um aspecto realçado em todo o corpo deste trabalho: a

crescente desresponsabilização do poder público no atendimento dos serviços sociais

destinados a essas famílias. Como cita Osterne, “a ausência de proteção pública reforça

o laço de dependência entre as pessoas” (2001, p. 25).

Seguem a fala de dois familiares que atualmente conduzem o filho para

atendimento psiquiátrico particular ou para plano privado de saúde (este custeado pela

união de vários parentes), porém ainda mantêm ligações com o serviço público para

pegar a receita e as medicações do filho:

Meu filho é atendido no CAPS lá perto da Barão de Studart, esqueci o nome da rua, mas é lá. Atendido para pegar a receita. Sabe de quanto em quanto tempo? Seis meses. De seis em seis meses. É incrível, se falar isso, dá até vergonha. Aí o médico diz assim: ‘Olha, você veio em fevereiro, agora venha só em agosto’. É desse jeito. Demora seis meses. Daí, não tem jeito, a gente tem que se virar, porque ele tem crise e precisa ser atendido. O jeito foi correr atrás do benefício dele, que, graças a Deus, conseguiu pela DPU, pra gente ir atrás também do psiquiatra particular, porque se esperar só de lá ele fica terrível. Eu acho um absurdo, mas o que a gente pode fazer? Ele toma Losapina, único remédio que tá controlando mais as crises, mas é difícil a gente conseguir, e aí tem que comprar, custa R$ 300,00. [...] Teve uma vez que ele ficou muito mal, uma crise braba, pegou faca e tudo, aí eu e a mulher, a gente decidiu que não tinha jeito, tinha que internar. Aí a gente foi no Hospital de Messejana e não achou vaga. E lá diziam pra gente: ‘Olha, se você quer internar, vai ter que fazer como aquelas pessoas’. Tinha um bocado no chão, tudo dormindo no chão do Hospital. Então eu falei: ‘Meu Deus do céu, é muita humilhação’. E outro dizia: ‘Você tem que ficar deitado aí até surgir uma vaga, que ninguém sabe se é um dia, dois, três’. E outra, quando eu olhava lá dentro, eu via só o inferno, porque os doentes amarrados, gritando. Aí ela, minha esposa: ‘Meu Deus, eu prefiro amarrar ele lá em casa do que amarrar aqui. E assim a gente fez, amarrou ele lá em casa até ele se acalmar. (“Teseu”, pai, família n.º 15). A primeira internação dele foi quando tava com 22 anos, em 2007, no Hospital Nosso Lar, e ficou seis meses. Daí o médico encaminhou pro Hospital de Messejana, mas de lá disseram que ele tinha que ir para o CAPS. Levei, mas, quando chegou lá, não quis ficar. Quando tinha que ir, ele fugia. Dizia que tinha estudo – ele é formado em técnico de enfermagem e fazia engenharia mecânica, mas abandonou por causa da doença – e no CAPS o povo não sabia de nada. Aí fiquei só recebendo a receita. E aí minha irmã um dia foi comigo e disse que também não tinha gostado, que lá o povo não orientava direito, que o serviço era lotado, faltava psiquiatra e que era por isso que o sobrinho não queria ir. Aí a família se juntou e fez o plano de saúde dele. Hoje ele tá internado pelo plano de saúde na Clínica Despertar faz três meses, mas a gente teve que entrar com uma liminar porque a UNIMED não queria pagar a internação. Doutora, eu não queria, não queria meu filho doente, não, nem internado, mas ele surta muito e tem a droga também. Já me bateu. Só Deus na minha vida, por isso tô na Igreja Mundial.

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Acho que tem coisa do espírito também. [...] Vou uma vez no mês lá na clínica pra visitar ele, toda a família com os doentes juntos. [...] Eu tenho que dar R$ 300,00 na mercearia da clínica para merenda extra. Lá dão cinco refeições. Ainda bem que ele ganhou pela DPU o benefício. [...] Lá ele tem as medicações, mas, quando voltar para casa – vai ficar mais três meses lá –, vai precisar dos remédios. Quando ele está comigo, preciso ir até o CAPS para pegar a receita e os remédios. Se eu falar que ele tem plano de saúde, eles não me dão. Mas as consultas ele só vai no médico dele, do plano de saúde. [...] Quando falta remédio no CAPS, que costuma faltar, minha irmã ou sobrinhas compram pra mim (“Antígona”, mãe, família n.º 05).

Esses são exemplos emblemáticos de como a política de saúde mental

convive com dois modelos díspares: de um lado, o serviço público, baseado no modelo

de desinstitucionalização, que pelo relato indica o não atendimento a contento da

demanda buscadora de seus serviços; e, de outro, resquícios da proposta

institucionalizadora com internações prolongadas (seis meses), assumida por setores

privados com interesses primordialmente mercadológicos.

Conforme visto em Vasconcelos (2010), o contexto atual se revela

desafiador para a reforma psiquiátrica nos moldes da desinstitucionalização, uma vez

que hodiernamente dimensões mais amplas no âmbito político-econômico, sob a

hegemonia e expansão de um longo histórico de políticas neoliberais, seguem seus

intentos na expansão do desemprego estrutural, na precarização das políticas sociais

públicas e na indução da desassistência. E, isso, sequencia o autor, prejudica

sumariamente a implementação da universalização em saúde, da efetivação dos

parâmetros e diretrizes da desinstitucionalização e todos os direitos sociais que são

deveres do Estado.

As famílias que dependem única e exclusivamente do serviço público em

saúde mental, pelas carências e realidade econômica adversa, ficam reféns de ações

repletas de lacunas e deficiências. Destes, a totalidade expressa desilusão com a situação

dos CAPS, que se materializa na falta de médicos, consultas prolongadas – isso quando

eles conseguem ver o profissional psiquiátrico, uma vez que saem de lá apenas com as

receitas entregues pelos enfermeiros –, indisponibilidade das medicações nos setores de

entrega, estrutura física improvisada e inadequada dos CAPS, rotatividade dos

profissionais, falta de ambulância psiquiátrica para condução de pacientes em crise,

serviço do SAMU com atraso e equipe sem preparo para atender casos específicos de

saúde mental, dentre outras questões.

Minha irmã faz tratamento no CAPS Geral. Nessas últimas vezes, está sendo muito ruim, pois, quando ela vai, não tem médico. Uma vez ela foi, ela passou [...] eu liguei, a mulher mandou ela ir, acolhimento, aí chegou lá, não

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atendida. Agora vou ver se levo essa semana. Nunca tem médico. [...] A medicação ela pega lá, quando tem. Se não, a gente vai pro posto de saúde, se tiver também. Dessa vez eu tive que ir lá na Cidade 2000 porque tava em falta (“Hígia”, irmã, família n.º 16). Foi o posto de saúde que encaminhou minha irmã para o CAPS do Bom Jardim. Quando eu fui lá, isso há dois anos, sempre tá faltando médico. Só que agora o caso lá está mais sério. Não tem médico! É tanto que você chega lá, num instante fazem a ficha e só. E aí a gente espera a receita que a enfermeira dá. Se tiver medicação, eu recebo, se não tiver, eu vou comprar. [...] Uma vez eu falei desesperada que a medicação não tava mais servindo, que minha irmã tava muito mal. Tive que brigar, gritar para ver um médico. Aí eles disseram que ia tentar um médico de plantão. Só depois de criar confusão, apareceu um, mas nem é de lá, disseram que arrumaram de não sei onde. Não tem médico (“Atalanta”, irmã, família n.º 14). Meu irmão tem doze anos de CAPS, nunca faltou uma vez, ele vai todo dia. De manhã se arruma e segue pro CAPS do Rodolfo Teófilo. Ele se sente bem lá. Ele coloca pra gente que antes era melhor, que tinha sete psiquiatras e agora só tem um e que ele não dá conta do povo pra atender. Eu bem acho que ele não saiu porque é concursado. Meu irmão diz assim: ‘Tá acabando os médicos lá. Na época de Luizianne, não era assim. Nem lanche a gente tem também todo dia’. Ele é sabido, percebe as coisas. [...] Ele fica triste com isso, porque disse que gosta muito do pessoal de lá (“Orfeu”, irmão, família n.º 06). Está bem com uns quatro meses ou cinco meses que não tem assim, negócio de chá, pra eles lá. Quando chegavam lá, eles iam direto pro salãozinho lá, iam tomar um chá de capim-santo. Aí quando chegam logo lá eles vão procurar as garrafas lá, dos cafés lá, eles dizem: ‘Não, não tem, não, o governo não mandou’. Ele se lembra, diz assim: ‘Mãe, quando a gente chega lá, não tem mais nem aquele chá pra gente tomar, pra se acalmar’ (risos). Eu falo: ‘É, filho, eles dizem que não têm, que o governo não mandou’. Não tem isso e tinha uma mulher lá que eles botavam pra fazer massagem, aí não tem (“Elpis”, mãe, família n.º 03).

Eu só sei de uma coisa, hoje tá muito, muito pior! Quando fui ver, o CAPS se mudou para o Posto do São Cristóvão. Quando se mudou pra lá, quem disse que o médico ficou? Ele saiu. E aí a gente tá sem médico. Só vai e pega a receita. Tem isso dos CAPS não ter lugar certo pra ficar. Tudo é casa alugada e nem tem espaço direito. O único CAPS que tem muito espaço é o da Borges de Melo. O resto funciona em canto que eles querem jogar (“Perséfone”, mãe, família n.º 07).

As críticas em torno da situação posta acabam sendo lançadas, pela maioria

das famílias, no modelo de desinstitucionalização materializado em sua porta de

entrada, os CAPS. Afinal, é nesses espaços que os problemas estão expostos aos

respectivos segmentos, seja pela falta de serviços, seja pela deficiência deles. Poucos

fazem uma leitura mais ampliada no sentido de ver isso como uma questão política e de

cunho mais amplo. Como no caso do depoimento da família n.º 06, citado acima, que

não partiu de um cuidador, mas foi reproduzida por este a partir da explanação de seu

parente adoecido.

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Segue outra, agora proferida por um familiar, que se aproxima da visão do

PTM:

Eu acho que esse modelo CAPS foi positivo. O interessante é que eles realmente abraçam a causa, porque nos hospitais é muita gente e não tem como acompanhar. E as pessoas mentais não são apenas doentes, não precisam somente tomar medicação, precisam de certo cuidado. Num hospital psiquiátrico, eu já acompanhei, eles tratam todos que nem bicho. Dão a medicação e jogam lá. No CAPS 24 horas, não. Meu irmão já teve lá. Ali a família fica interagindo, já vai lá todo dia, porque eles já têm essa norma de ligar e tudo. O problema é que a demanda é grande e não dá conta. Tem quer ter mais CAPS, mais condições. Desse jeito que tá é ruim. Improvisar um CAPS numa casa, sem médico, sem remédio, sem profissionais, como vai funcionar bem? (“Astreia”, irmã, família n.º 13).

E mais outra, que, a exemplo da maioria, expressa veementemente sua

desilusão com o CAPS e a descrença em sua funcionalidade em face das experiências

negativas pelas quais passou:

Não vou internar meu filho no Hospital Mental, não, prefiro amarrar ele na cama lá em casa até a crise passar do que internar ele lá. [...] CAPS também não adianta. A gente vai lá e não tem médico, não tem medicação, não tem gente preparada – disseram que o problema dele era birra, e ele é esquizofrênico. Eu tive que ler e pesquisar pra saber o que era isso. Prefiro que ele seja atendido no NAIA33. Quando o psiquiatra disse que ia me encaminhar de novo pro CAPS, eu disse: ‘Não, por favor, eu não quero voltar para lá. Diga, doutora, o que eu vou fazer num lugar desse?’ [...] É que no CAPS, em si, numa palavra bem dura mesmo: o CAPS é uma farmácia que não funciona. Se fosse para pensar numa coisa que funcionasse, porque dinheiro tem, que construísse um CAPS em cada bairro, perto da casa da gente. [...]. Assim, com leitos separados por doença mental, esquizofrenia, retardo mental, gente doente por causa de droga; não misturar tudo quanto. Se tem isso, não vi ainda funcionar. Eu digo pra senhora, não funciona, e é por experiência própria e pelo que vejo quando levo meu filho nas consultas no NAIA, lá no Hospital de Messejana. Ali, na porta de entrada do Hospital, a maioria das mães são do interior, porque lá os CAPS não funcionam. Aí elas se humilham nas Prefeituras pra conseguir transporte. Sair de casa duas horas da madrugada pra eles deixarem elas lá cinco horas da manhã e ficarem esperando até cinco horas da tarde (“Electra”, mãe, família n.º 01).

Seja na sua expressão mais contundentemente negativa, seja na fala que

vislumbra pontos positivos e observa os problemas do modelo numa visão mais alargada,

atentar para as vozes dos familiares, suas lamentações e desilusões, subsidia no

desvelamento de seus dilemas e vicissitudes. Isso faz trazer à tona novamente

Vasconcelos (2010), quando alerta para a necessidade de reconhecer e valorizar as

demandas familiares, visto que são parte importante no avanço da reforma. Ademais, se

os reformistas não o fizerem, grupos ligados a interesses e posturas conservadores tendem

33 Núcleo de Atenção Integral à Infância e Adolescência do Hospital de Saúde Mental de Messejana,

que presta atendimento multidisciplinar a crianças e adolescentes com transtornos mentais.

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a fazê-lo, no sentido cooptá-las, estimulando práticas que ferem o ideal da

desinstitucionalização.

Depois da tragédia, ele teve outra crise de internar, entendeu? Depois que ele saiu do ‘manicômio judiciário’. [...] Aí nós ligamos. Eu passei o dia todinho. A última ligação que eu fiz pro SAMU foi oito horas, e eles desligaram o telefone na minha cara, eu contando da situação, que já tinha matado o pai numa crise. Ligamos de novo, e o SAMU dizendo que tava numa ocorrência, que não podia vir. Aí ligamos pro Ronda, que disse que o caso era do SAMU e aí ligou pro SAMU. E nada de SAMU aparecer. A gente disse: ‘Ninguém vai entrar na casa, todo mundo vai ficar na calçada’. Só lá pras dez horas, o SAMU veio e a gente levou ele pra Messejana. [...] Mas não tinha vaga lá, não, ele ficou na cama e medicado. Só depois que a gente falou do problema é que eles tentaram arrumar uma vaga no Nosso Lar, mas só de manhã. E aí fiquei com ele a noite toda, sem comer nada até ele ir pra internação. [...]. Eu só sei que a situação não é fácil, mas aí a gente sabe que não é ele em si, é o problema, é a esquizofrenia, é o transtorno bipolar. Que em questão de 10 minutos ele pode mudar o comportamento com você assim do nada. [...]. Como a mãe dele fica agoniada, porque lá todo mundo fica tenso, aí eu acompanho ele no tratamento. Sabe o irmão caçula? Ele precisa de acompanhamento com psicólogo, eu acho que todo mundo da casa. [...] Uma coisa, o C.M., devido à situação dele, o acompanhamento dele no CAPS é mais constante. Entendeu? Devido à situação dele, certo? Mas outros pacientes lá eu vejo é brigar, dizer assim: ‘Oxe, nem sei nem quanto tempo eu não vejo o doutor! A gente chega aqui aí diz que não tem médico. Eu que quero é falar com o médico’. É o que eu vejo lá. Porque vai lá, passa pelo plantão, que é tipo uma enfermeira, ela passa pro médico, e aí elas entregam a receita. É assim que é. É muita gente. [...] Fico com pena das meninas do atendimento, a culpa não é delas. Tem que ter muito jogo de cintura, muito, porque como é que elas vão dizer que o médico vai atender, se o médico não vai poder atender (“Pandora”, cunhada, família n.º 09).

Por essas demandas expressas nos depoimentos, há de se reconhecer que as

famílias estão quase numa posição unilateral na desinstitucionalização hodierna. Não diria

totalmente, uma vez que os grupos recebem atendimentos nos espaços de implementação da

proposta e, portanto, há uma coparticipação entre família e instituições de saúde mental.

Entretanto, é uma coparticipação fragilizada, visto que tais serviços prestados, de

responsabilidade do poder público, não estão seguindo as diretrizes em sua integralidade,

especialmente na atenção e cuidados destinados aos parentes adoecidos. Além do cansaço e

sobrecarga, beirando ao adoecimento dos demais familiares, isso tem redundado na

crescente desilusão e descrença em torno da modelo.

5.3 INSERÇÃO E ENGAJAMENTO DAS FAMÍLIAS NO PROJETO TERAPÊUTICO

DOS CAPS

Os CAPS, para sua funcionalidade, precisam elaborar um projeto

terapêutico em conformidade com a demanda atendida, inclusive na perspectiva de

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envolvimento e participação da família enquanto parte extensiva do tratamento do

acometido por transtorno mental. Em sendo assim, procurei compreender como se dá a

inserção e engajamento dos familiares no projeto e dinâmica institucional.

Pelo colhido nas entrevistas, a primeira inserção, em sua maioria, deu-se em

face da crise psicótica e, por conseguinte, do encaminhamento feito pelo hospital

psiquiátrico no qual o parente adoecido esteve internado. Alguns também chegaram à

instituição pela mediação dos postos de saúde, ou seja, da rede de atenção básica de

saúde.

Esse fluxo funciona até a chegada inicial, porém o engajamento e a

participação a posteriori não apresenta fluidez esperada. Conforme visto nos

depoimentos acima, a participação, na sua maioria, restringe-se a idas ao CAPS, em

geral, com intervalos de três a seis meses, a fim de obter a receita e, quando conseguem

na própria instituição, a medicação com duração para o período recomendado.

É pertinente ressalvar que, sobre a acolhida dos profissionais, tanto os de

base quanto os de apoio tiveram boa aceitação entre a maioria dos familiares. O que

ficou claro, mais uma vez, foi que a ausência e/ou demora do atendimento do

profissional médico (psiquiátrica), fala comum dos entrevistados, bem como das

condições objetivas de funcionamento da instituição (medicação por vezes indisponível,

estrutura inadequada, demanda excessiva, rotatividade dos profissionais e carência de

insumos, como alimentação adequada para os pacientes) tendem a afastar a família de

um maior envolvimento com a instituição.

Eu fui bem acolhida com meu marido pela equipe toda. O pessoal foi gentil. Nossa! A assistente social de lá [...] maravilhosa. Teve uma que saiu de lá, a primeira psiquiatra. Ah! Outra coisa, não sei os outros CAPS, mas ali já tivemos duas mudanças. Era uma, depois já passou pra outro. E parece que esse já vai sair. Disseram que ele vai sair. Eu estou gostando desse, embora ele fale pouco e a consulta seja de três em três meses [...] Aí eu já estou com esse e tá certinho, está tudo bonitinho, e de repente vem outra. Não sei, acho que não é legal. [...] Como eu disse pra senhora, acaba que a gente fica mais em casa mesmo e tem nossa neta que minha filha deixa aqui quando vai trabalhar. E, assim, o que tem lá não é melhor do que o que ela tá fazendo com a gente, desculpa, mas não é (risos) (“Psiquê”, esposa, família n.º 10).

No que se refere ao engajamento no âmbito das decisões institucionais

mediante acesso a alguma assembleia ou reunião envolvendo família e equipe técnica

do CAPS, questão que emergiu no transcorrer da entrevista, a totalidade entrevistada

aduziu que nunca teve nenhuma participação nesse sentido. Uma entrevistada, em

especial, mencionou que se envolve na luta social pelos direitos dos dois filhos

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mentalmente adoecidos, mas isso parte de uma ação deliberada e ocorre mais fora do

espaço institucional. Pontuou, inclusive, que teve a ideia de estruturar uma Associação

de Usuários e Familiares, mas o intento não se materializou por questões maiores.

Segue seu depoimento:

Nós não temos voz. Isso, a gente não é ouvido. É falta de voz! Porque nós não temos quem nos ajude. Por exemplo, a senhora está marcando essa reunião, nós estamos conversando, eu estou desabafando, dizendo o que sinto, entendeu? Minha luta é muito grande, são dois filhos, dois. Vivo em alerta vinte e quatro horas por dia. [...] Por exemplo, sobre associações, a gente abre a internet tem uma lista grande. Eu conheço associação, mas só que assim, né, existe associação e associação. Existem aquelas firmadas em trabalhar pelo doente mental, pelas pessoas. Mas existe aquela com interesse, interesse financeiro. Eu mesma ia formar uma pra doentes mentais. Precisava na época de sete pessoas pra formar uma diretoria, e eu tenho toda a documentação lá em casa. [...] E aí pede uma coisa aqui e ali. Lá mesmo no Hospital de Messejana eu pedi, mas fica nisso, fica nisso. [...] O que acho é que o doente mental ninguém olha. Está aí, é o que falei no começo, o que falta é força de vontade (“Electra”, mãe, família n.º 01).

Em linhas gerais, a integração familiar com o espaço institucional se revela

tênue e pouco consistente. O fenômeno está relacionado aos percalços e dificuldades

circunscritas às unidades de atendimento psicossocial, que tendem a afastar os grupos

familiares motivados pelo desconforto, insatisfação e descrédito. O vínculo de todo não

é quebrado pela necessidade do atendimento ao parente mentalmente adoecido, não

obstante as condições objetivas distantes do ideal. Como sabido, são famílias

socialmente vulneráveis e com inúmeras dificuldades financeiras, portanto, carecem e

dependem exclusivamente dos serviços ofertados pelos CAPS e demais instituições

públicas de saúde mental.

5.4 SUPORTE SOCIOTERAPÊUTICO DOS CAPS ÀS FAMÍLIAS SOCIALMENTE

VULNERÁVEIS

Diante desse contexto, foi questionado quais são os serviços psicossociais

ofertados aos familiares com vista a detectar, efetivamente, o suporte socioterapêutico

destinado aos respectivos segmentos socialmente vulneráveis.

Convém ressalvar que existem, nos projetos terapêuticos, a proposta de

trabalho sistemático com os familiares, sendo esta uma diretriz da política de

desinstitucionalização psiquiátrica. Entretanto, tendo como referência o expresso nas

entrevistas, foi perceptível que as estratégias de acolhida e apoio familiares são pouco

oferecidas. Alguns comentaram acerca da existência de grupos familiares e outros, na

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maioria, já mencionaram que nunca foram convidados para participar de qualquer ação

nesse sentido.

Depois que ela foi pro CAPS, começou a tomar os remédios, isso tem quatro anos, eu acho que melhorou um pouco. Só que tem vez, doutora, que ela me aperreia tanto, mas tanto, que me dá um negócio no juízo, vontade de sair correndo nessa rua aí e sumir. Meu veio sai pra fazer os bico dele e arrumar dinheiro, porque ela quer carne. Se num tiver carne todo dia, ela começa a se zangar. E a gente tá lutando na DPU pra conseguir o benefício, mas quatro vezes já negaram lá no INSS. Como é que pode, né, doutora? Graças a Deus também a gente ganhou na DPU o remédio dela, o Melleril, mas, mesmo com a decisão da justiça, meu veio vai atrás do remédio. E adiantou? Isso tem oito meses, ele vai pegar o remédio, e não acha. Ele mostra o documento do juiz e nada. E aí ele não aguenta, ele perde a paciência. A gente tá pedindo a um e a outro pra comprar o remédio porque senão ela quebra a casa. [...]. A gente leva ela no CAPS de Eusébio porque aqui por perto não tem, aí vai pra lá de três em três meses. E lá na Messejana, meu veio levou ela, até levou o encaminhamento, só que quando chega lá eles dizem: ‘Meu senhor, a gente não pode fazer nada. Como o senhor, têm muitos outros. Leve ela de volta pro CAPS’. Lá no CAPS é bom, mas é muito longe. Tem a médica que é boa, minha filha gosta dela. [...] A psicóloga é boa também. Uma vez a assistente social perguntou pra mim se ela queria fazer alguma coisa lá, tipo oficina. Aí disse que não dava, que a gente mora longe e minha filha é ruim pra sair de casa. [...] Pra mim nunca ninguém convidou. Se tem grupo lá pra família eu num sei. O que eu vejo é muita mãe lá, mas esperando, sentada, os filhos nas oficinas. [...] Dizer o que minha filha tem, sei não, doutora. A gente sabe que é um negócio assim na cabeça que deixa ela perturbada [...]. Não, nunca ninguém me disse e explicou o que ela tem (“Mégara”, mãe, família n.º 04).

Houve quem apontasse que a prática de grupos com família era mais comum

em períodos anteriores: “Tinha reunião de orientação, umas palestras. Mas, como é

longe, acabava que não dava pra ir. Hoje nunca mais ouvi falar. A gente chega lá e só é

mais é confusão, falta de médico” (“Elpis”, mãe, família n.º 03). Outros, por sua vez,

tornaram a falar da distância e da falta de condições de se deslocarem aos locais: “É

tudo longe. A senhora viu meu filho? Ele vive num fundo de uma rede, é gordo, pesado.

Eu que cuido dele. Não tem como ficar indo lá, não. E não me chamaram, então fica

assim” (“Cila”, mãe, família n.º 12).

Retomando as colocações de Melman (2006), há uma tendência de os

trabalhos com família nos espaços de saúde mental serem desenvolvidos com foco no

atendimento individual, realizado nos consultórios de psiquiatras, ou ações grupais de

orientação muito mais ligadas aos interesses dos orientadores que propriamente dos

orientandos, o que leva à desvalorização das práticas familiares e de suas necessidades

reais. No caso em questão, tomando como referência os depoimentos, o problema é

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ainda mais sério, na medida em que sequer grupos mínimos de orientação estão sendo

executados no contexto atual.

Lembro que na época em que trabalhei no CAPS de Itapipoca, na minha

experiência com o grupo de apoio familiar, a primeira medida tomada foi sair da esfera

institucional e ir ao encontro das famílias no espaço domiciliar e comunitário. As

reuniões transcorriam de modo a conhecê-los melhor no seu universo, o que permitiu

uma troca rica e cheia de possibilidades. Os vínculos construídos foram tão intensos que

ainda hoje recebo ligações dessas famílias – inclusive de seus parentes em sofrimento

mental –, a despeito de não mais residir no município.

Em relação às visitas domiciliares da equipe, todas as famílias foram

enfáticas no sentido de realçar que nunca receberam acompanhamento na residência,

nem mesmo uma visita rotineira: “Nunca falaram dessa proposta de visita, não. Nunca

foram. Rapaz, seria uma beleza! Eu ia aceitar de coração, porque ele tem esse negócio

de ficar isolado. Até nas consultas é difícil tirar ele de casa” (“Teseu”, pai, família n.º

15).

O suporte psicológico, visto que as famílias apontaram adoecimento em

razão da sobrecarga emocional, foi também colocado como uma dificuldade a mais.

Das 16 (dezesseis) famílias, apenas três foram vistas pelo profissional de psicologia.

As demais, ao contrário, apontaram que até para o parente com sofrimento mental as

consultas psicológicas são demoradas em razão também da demanda excessiva.

Antigamente nossa mãe, ela fazia comida, ela fazia as tarefas de casa. Hoje em dia, ela não sai do portão de casa. Ela arriou depois da doença do meu segundo sobrinho, vive no fundo de uma rede. Precisa de psicólogo, ela tá com depressão. Eu também tive um problema aí e também tô precisando. Isso tudo mexe com os nervos da gente. Para eu ir pro CAPS receber uma vaga, só são três vagas por dia, tem que ir de manhã, tem que ir de madrugada, três de manhã e três de tarde. Está com mais de um mês que estou atrás de vaga, até então não consegui. O CAPS resolve o quê? E outra coisa, eles alugam uma casa. É uma casa! Não é como se fosse a UPA, que tem uma estrutura (“Jasão”, tio, família n.º 01).

Destarte, no que se refere ao suporte dado às famílias entrevistadas, há uma

lacuna clara no apoio por intermédio de grupos, de orientações mais concernentes à

realidade vivenciada pelos segmentos, de visitas domiciliares e do atendimento

psicológico. Tal qual exposto acima, a acolhida se dá mais no momento em que o

familiar chega à unidade na ocasião das consultas, que se limita a encontros rápidos e

sem muita consistência.

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119

5.5 A REDE DE PROTEÇÃO SOCIAL NA DINÂMICA DOS CAPS E O ACESSO

DE SUAS AÇÕES PELOS USUÁRIOS E FAMILIARES

A intersetorialidade dos serviços e a integralidade das ações são aspectos

fundantes para o funcionamento da rede assistencial em saúde mental. Assim, o intento

foi identificar a rede de proteção social e de saúde mental e, fundamentalmente,

entender como se dá a integração desta no espaço institucional e sua disseminação entre

a demanda atendida: usuários e famílias. É relevante salientar que as reflexões foram

tomadas exclusivamente na perspectiva dos familiares entrevistados.

Para eles, existe uma dificuldade de apreender o movimento composto na

rede. Em razão disso, busquei formular questões que possibilitassem o fluxo de

informações mais direcionadas à realidade vivenciada por eles no CAPS e nas demais

instituições que oferecem serviços diversos, especialmente as mais conhecidas pelos

entrevistados: CRAS, PSF, HSMM, INSS e DPU. Outras foram surgindo na própria fala

dos participantes.

Segundo foi visto no perfil socioeconômico, o Programa Bolsa Família

(PBF) é fato presente na vida dessas famílias. Muitas delas, as que ainda não lograram

êxito na consecução do Benefício de Prestação Continuada (BPC), têm no PBF a fonte

principal de sustentação econômica, isso enquanto renda fixa.

Esse aspecto permite perceber que os Centros de Referência da Assistência

Social (CRAS) se aproximaram dessas famílias tornando-se, hoje, espaços importantes

de proteção social básica e reconhecimento social quanto à operacionalização do PBF.

Porém, poucas falas fizeram menção a encaminhamentos dos profissionais dos CAPS

para esses espaços sociais, a não ser uma, que careceu de apoio psicológico, e, como

não foi possível obter no CAPS, fez-se encaminhamento para a unidade do CRAS mais

perto da residência da aludida família.

Fui no CRAS, falei com a assistente social de lá, como foi repassado. Disse que minha mãe precisava do psicólogo. E aí ela diz assim: ‘Olha, aqui a gente não tá fazendo visita, mas posso dar o encaminhamento’. ‘Como assim, encaminhamento? Minha mãe não sai de casa, vou querer outro encaminhamento!’ (“Electra”, mãe, família n.º 01).

Nesse ínterim, o irmão da entrevistada interveio: “Ah! Eu faço curso lá, lá

no CRAS. Os cursos são mais ou menos, mas a gente consegue fazer” (“Jasão”, tio,

família n.º 01).

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Atinente à integração com os serviços públicos de saúde, a única menção

sobre a fluidez de encaminhamentos foi com o Hospital de Saúde Mental de Messejana

(HSMM), sendo relacionados às internações psiquiátricas em períodos de crises

psicóticas, bem como no caso do acompanhamento no serviço NAIA dos filhos da

entrevistada acima, “Electra”.

Não obstante a proposta de fomentação da equipe matricial na atenção

básica de saúde em Fortaleza, segundo Morais e Tanaka (2012), com vista a dar apoio

complementar aos serviços especializados nos CAPS, nenhum entrevistado fez alusão a

encaminhamentos ao setor, a não ser eventuais atendimentos nas unidades básicas por

ação própria em caso de adoecimento que requeira atendimento clínico e/ou

odontológico. O mesmo se deu com possíveis transferências para internação em leitos

psiquiátricos nos hospitais gerais, ou seja, nada foi colocado.

Ele realmente me aperreia todo o dia, a boca dele cheia de dente furado, os dentes precisando arrancar, precisando obturar. Eu disse: ‘Meu filho, teu pai não pode. Eu não posso, meu filho, nós estamos esperando alguma coisa sair e a gente faz logo’. [...] A gente vai no posto aí, e não tem atendimento com dentista. O povo lá diz assim: ‘Vem não, vem dentista não’. A gente se inscreve e aí diz que a doutora não vem, que o material tá quebrado. Que as coisas tão quebradas! Que as coisas de obturar, de trabalhar, tão quebradas. E aí a gente está se virando como pode, porque eu tenho o meu irmão e ele não é ‘da condição’, às vezes família é assim, família às vezes ajuda, às vezes não dá pra ajudar também, tem os problemas deles. Aí ele, aqui e acolá, de mês em mês, com maior esforço, ele pergunta assim [...] aí ele faz uma vez, faz outra vez lá na frente, vai fazendo assim, aos troncos e barrancos (“Elpis”, mãe, família n.º 03).

Em contraposição, foram citadas internações em hospitais psiquiátricos do

setor privado, como os Hospitais Nosso Lar e São Vicente de Paula, e em clínicas

psiquiátricas para tratamento com intermediação de planos particulares de saúde: “Meu

irmão foi internado duas vezes no Messejana, cinco internações no Mira y Lopez, três

no São Vicente de Paula e uma no Nosso Lar” (“Ilítia”, irmã, família n.º 02). E segue

outra: “Quando ele está em crise, vai para o Nosso Lar. Agora ele tá na Casa Despertar,

vai ficar seis meses lá” (“Antígona”, mãe, família n.º 05). Faz-se pertinente enfatizar

que o Hospital Mira y Lopez, como sabido, fechou há alguns anos.

Outros espaços públicos também foram mencionados, como a Empresa de

Transporte Urbano de Fortaleza (ETUFOR). A grande maioria não dispõe de transporte

particular para os deslocamentos das consultas e tampouco de recurso financeiro para

arcar com essas despesas, por isso precisam da carteira de gratuidade, que é um direito

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da pessoa com deficiência mental. Entretanto, alguns não conseguem viabilizar o direito

e ainda continuam nessa luta.

Às vezes, a gente estava sem dinheiro, quando ela precisava ir a uma consulta, precisava pegar uma medicação. Porque ela, apesar do problema de saúde dela, ela não tem o passe livre. A doutora lá no CAPS falou: ‘Vou lhe dar, vou lhe encaminhar, mas a gente sabe que vai ser em vão porque o presidente da ETUFOR ele só quer dar o passe livre pras pessoas que têm incapacidade intelectual’. E eu tentei, fui lá e pedi! Tenho a documentação todinha lá em casa, mas minha mãe não recebeu, não, porque é esquizofrenia, e não retardo mental. Não entendo! Quer dizer que uma pessoa que tem esquizofrenia ou transtorno bipolar e surta, já teve um quadro clínico, histórico, não é? De chamar até o Corpo de Bombeiros pra ter que imobilizar a pessoa, que já chegou a ficar uma pessoa agressiva, já teve que chamar até Corpo de Bombeiros pra imobilizar a pessoa, a pessoa dizer que não tem direito a um passe livre, devido aos problemas de saúde (“Órion”, filho, família n.º 11).

A judicialização acaba sendo a estratégia encontrada pelas respectivas

famílias para a consecução dos direitos e benefícios sociais negados

administrativamente. Ou seja, recorrem ao âmbito jurídico por não receberem no âmbito

executivo. Conforme visto no início desta seção, é o que prepondera entre as famílias

requerentes de assistência jurídica na Defensoria Pública da União (DPU) devido ao

indeferimento do Benefício de Prestação Continuada (BPC) pelo Instituto Nacional de

Seguro Social (INSS).

É importante levar em conta que a tendência em curso da judicialização das

questões sociais é efeito das refrações marcadas pelas mudanças no mundo do trabalho

e afastamento do poder público enquanto executor das políticas, o que tende ao

agravamento das questões sociais. Sobre esse aspecto,

Cabe questionar se o que se está construindo é a justiça social em seu sentido amplo, através do acesso ao Poder Judiciário. Tal acesso não garante necessariamente a resolução do problema, uma vez que há entraves que independem da boa vontade de operadores de justiça e que dizem respeito ao papel do Estado e do seu atrelamento aos interesses ditados pelo capital. No anverso desse acesso, não havendo o enfretamento deste status quo, reproduz-se, em verdade, a injustiça social. Isto porque a justiça social se constrói coletivamente, no interior da esfera pública, em um movimento contraditório onde se encontram presentes diferentes interesses em disputa pela direção da sociedade (AGUINSKY; DE ALENCASTRO, 2006, p. 25).

Indaguei se as recomendações da busca do amparo assistencial na autarquia

federal e, por conseguinte, em havendo sua negativa, se houve também

encaminhamento aos órgãos de justiça pela intermediação dos profissionais dos CAPS.

Foi constatado que, das 16 (dezesseis) famílias entrevistadas, somente 09 (nove)

receberam as orientações referentes ao BPC e o devido encaminhamento ao INSS. Por

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sua vez, alusivo ao apoio jurídico pela DPU, nenhum familiar apontou que recebeu

orientação na instituição de saúde mental, mas através de amigos e/ou na própria

autarquia federal.

Como pergunta final, solicitei que cada representante familiar elencasse as

principais dificuldades referentes tanto ao seu parente com sofrimento psíquico quanto à

condição da família. Seguem as mais preponderantes, as quais foram divididas nas duas

categorias específicas.

Em relação ao parente: o sofrimento acarretado pelo transtorno mental, que

não tem cura; o medo pelo futuro deles, especialmente os que ainda não dispõem do

Benefício de Prestação Continuada (BPC); as crises recorrentes pela falta de

atendimento médico e medicamentoso; e o preconceito social.

Em relação à condição familiar: o problema financeiro e as carências para

suprir as necessidades do parente com transtorno mental; a sobrecarga em razão da falta

de assistência psiquiátrica na rede de saúde mental; e o adoecimento familiar.

Nada mais enriquecedor que as falas das próprias famílias: Eu tenho muita pena dele, do meu filho. Um rapaz novo, e, assim, eu penso o que vai ser dele quando a gente não tiver mais aqui. Às vezes, eu estou em um local, porque eu trabalho à noite, e aí me emociono. Assim, eu sou duro de chorar, mas tem momentos que às vezes é assim. Como pai, claro que embora eu não dê as aparências, mas meu coração por dentro é quem sabe. Só eu e Deus, cada um sabe (“Agamenon”, pai, família n.º 03).

É o baixo nível de vida que a gente leva, por causa da doença dele, não é? Porque a mulher não pode sair de casa, não tem nenhum prazer de nenhum divertimento e nem trabalhar pode, porque ou é ela ou eu. A gente não pode viajar, que é exemplo, agora eu vou entrar de férias, não é? Férias que eu digo, assim, por minha conta, vou parar agora, mas a gente não tem pra onde ir. Pra onde ir até nós temos pra onde ir, mas nós não podemos ir por causa desse problema dele, que ele não sai de casa. Ninguém pode ir deixar ele. Aí, fora isso também, os atendimentos. A gente fica triste por causa que a gente vê ele no estado que está e não vê, assim, uma melhora pra ele. Não vê uma melhora. A gente sabe que, por exemplo, se ele tivesse um médico, assim, todo mês, um médico todo mês, assim, pra orientar ele, um médico mesmo do CAPS. Mas não tem. E essa médica particular que a gente conseguiu com o benefício dele, a gente vai até escondido, porque, se o médico lá descobrir que estou levando pra médica particular, é arriscado até de cortarem o benefício dele (“Teseu”, pai, família n.º 15).

Uma dificuldade que eu acho muito grande é porque eu conversei com o médico dele e ele disse que esquizofrenia não tem cura, que não tem um quadro específico, que vai ter dias que ele vai estar de um jeito, tem dias que vai estar de outro. E realmente ele se comporta assim. E é uma coisa que a gente não pode conter. A gente não sabe como lidar com ele. Não sabe como reagir, porque tem dias que ele quer estar no meio do mundo, tem dias em que ele quer ficar deitado. [...] Problema na família da gente é círculo, eu acho que é um círculo, porque se não tem estrutura financeira, não tem como acolher ele bem. Então vai gerar uma

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dificuldade e conflito. [...] Está faltando uma pessoa arregaçar as mangas e dizer assim: ‘Eu vou olhar para essas pessoas!’. Porque é muito assim, eles são muito jogados. E para eles é uma coisa normal, é só mais um. Então, está faltando, no meu conceito, resumindo tudo, está faltando eles olharem paras pessoas assim. Porque eu acho que a gente só vê, só valoriza, quando a gente sente na pele (“Astreia”, irmã, família n.º 13).

Eu acho que o problema tá no modelo. A família está abandonada no modelo de CAPS, a família está abandonada na saúde mental, a família está abandonada pelo governo, entendeu? Porque você não tem uma ajuda de custo! Olha doutora, olhe, a questão em si, eu vou dizer pra senhora de novo, resumir tudo em si: Pessoas que têm filhos com deficiências não são ouvidas. Aqui, digamos assim, esquizofrenia, no Brasil, um por cento (1%) é muita coisa de esquizofrenia. E fora outros problemas mentais, sobre bipolaridade, sobre boderline e sobre outros tipos de doenças. Que sempre eles colocam de um a dois por cento (1 a 2 %). Então são muitos doentes mentais, assim, juntando tudo, são muitos. Fortaleza tem bastante. Os interiores, que têm mais dificuldade, também têm. Como já vi o caso de uma mulher que teve que colocar uma grade na porta pra não deixar o filho dela nu. Em Beberibe. Uma grade na porta, deixar o filho dela nu, ele dormindo no chão. Por quê? Porque, se colocar um pano, ele se enforca. Se colocar um colchão, ele rasga, ele come a esponja pra tentar se matar. Sabe? Cadê os Direitos Humanos pra isso aí? Cadê os CAPS pra fazer atendimento dessa criança aí? Cadê os CAPS? [...] Espero que a gente tenha voz e quem sabe futuramente uma oportunidade de tentar mudar o que está faltando na nossa saúde mental (“Electra”, mãe, família n.º 01).

Desta feita, percebe-se a vulnerabilidade dessas famílias também no que se

refere ao adoecimento provocado pela dificuldade de proporcionar bem-estar aos seus

entes com problemas mentais. Na busca incessante pela promoção da saúde na

perspectiva de uma melhor qualidade de vida – compreendendo que saúde não se limita

à ausência de doença – e sem encontrar respostas condizentes às demandas e anseios, a

família se desgosta, sofre e adoece, o que leva a um ciclo crescente de adoecimento

biopsicossocial.

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6 CONCLUSÃO: SEMEANDO SONHOS NUMA TRILHA DE DESAFIOS

“Que cada dia você tenha

paciência para as dificuldades,

sensatez para as escolhas,

delicadeza para as palavras,

coragem para as provas... Ame

muitas coisas, porque em amar

está a verdadeira força. Quem

ama conquistará muito! E o que

for feito com amor será bem

feito.”

(Van Gogh)

O começo do fim, o fim do começo. Ao percorrer pela trilha da saúde

mental, tinha ciência dos desafios que viriam, afinal, é tortuosa, espinhosa e machuca. A

dor vem pela carga histórica ainda marcada no presente. Impossível ficar imune diante

das agruras e sofrimentos a que homens, mulheres, idosos, jovens e crianças acometidos

por transtorno psíquico foram (são) submetidos. Não há como falar em neutralidade

quando a voz trêmula e o olhar por vezes perdido de quem vivencia esse contexto nos

toca a alma.

No encalce dos parentes com sofrimento mental, e não menos afetada, está a

família. Foi nela que meu olhar se centrou. Famílias socialmente vulneráveis que

sentem os reflexos das mudanças estruturais contemporâneas, especialmente no âmbito

político-econômico e nas políticas sociais, as quais repercutem no processo e na

execução do modelo de desinstitucionalização psiquiátrica.

A minha proposta consistiu, desta feita, em desvelar seus dilemas e

vicissitudes no modelo atual em saúde mental, que tem no seu entorno um contexto

adverso e conflituoso. Saber quem são, ouvi-las, para que explanassem seus labores,

anseios e sugestões, entender como se encontram hoje e como o espaço microfamiliar

vivencia essas questões foram pontos buscados no percurso da pesquisa. O objetivo

precípuo foi alcançado, visto que os dilemas e vicissitudes se descortinaram nas

demandas eclodidas em suas vozes.

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125

No primeiro momento, tendo como fundamento o acervo bibliográfico e

documental, faço questão de demarcar alguns pontos que, a meu ver, merecem

novamente ser postulados em face da sua relevância em relação às categorias

trabalhadas: família, vulnerabilidade social, proteção social e desinstitucionalização

psiquiátrica.

A família, não menos complexa que as demais categorias, foi aqui

trabalhada como uma criação humana mutável que está em constante relação com a

realidade social e, portanto, encontra-se em contínua (re)atualização, característica esta

que dissolve sua aparente naturalidade (BRUSCHINI, 2011). Ademais, corroborando a

mesma ideia, Rosa (2003), outra autora que deu significativas contribuições, conclui

que, não obstante o segmento familiar ser determinado pelas mudanças societárias, este,

por sua vez, cria novas determinações que são remetidas à sociedade.

Assim, no entrelace das configurações familiares na contemporaneidade,

visto que hoje se tem vários tipos de famílias – nuclear, mononuclear, ampliada,

reconstituída, homoafetiva, dentre outros –, não é cabível falar em um modelo que

prevaleça hegemonicamente em relação aos demais, como outrora era defendido na

idade moderna, na qual o nuclear prevalecia como tipo padrão. Hodiernamente, a

família não tem uma feição hegemônica ilustrada, mas várias feições que convivem no

espaço social.

Foi possível ratificar esse aspecto na inserção empírica, quando me deparei

com a variabilidade das famílias entrevistadas, cujas tipologias representadas ficaram

em patamares quantitativos/percentuais muito próximos, em especial as famílias do tipo

nuclear, monoparental e ampliada.

O “ressurgimento” e a centralidade da família no âmbito das políticas

públicas são características também preponderantes nesses tempos de mudanças.

Carvalho (2001), Mioto (2009), Pereira (2009a, 2009b) e Teixeira (2013) são algumas

das autoras que enriqueceram a respectiva discussão.

Com base nelas e nas outras fontes bibliográficas, foi possível entender que

o aludido fenômeno social, também intitulado de “familismo” ou “familização”, então

principiado a partir da década de 1970, com a crise do modelo universal keynesianista

de Estado de Bem-Estar Social, vem se ampliando na medida em que o Estado segue

seu movimento de recuo do provimento social e incentiva a corresponsabilidade com

outras esferas sociais: família, sociedade e mercado.

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É o pacote de mesclagem do público e do privado na provisão social, cuja

base se concentra na proposta neoliberal em defesa de uma intervenção estatal que

“deve se dar quando cessam as fontes naturais de proteção social, sejam as formais,

como mercado e terceiro setor, sejam as informais, como a família e comunidade”

(TEIXEIRA, 2013, p. 18).

E é a partir desse ponto que referencio as categorias vulnerabilidade social e

proteção social. Recordando Carvalho (2001), fica a certeza de que não é cabível

reivindicar o aporte protecional familiar, especialmente dos segmentos mais vulneráveis

socialmente, quando ela própria carece de proteção.

Ora, como demasiadamente expresso através das fontes citadas no decorrer

do trabalho, o cenário atual é marcado pelo agravamento das questões sociais

decorrentes tanto do mundo do trabalho (terceirizações, crescimento do trabalho

informal, desregulamentação dos direitos trabalhistas, trabalhos temporários e precários,

dentre outros) como da tentativa de minimização do poder estatal enquanto executor e

regulador das políticas públicas. Em suma, a conjuntura é campo fértil para a

agudização da vulnerabilidade social.

Vulnerabilidade esta que, segundo Castel (1997), é zona intermediária entre

a integração e a desfiliação, configurando-se um espaço de instabilidade no qual

indivíduos têm vínculos precários e frágeis tanto no trabalho quanto na sua inserção

relacional. Ou, como diria Pizarro (2001), é um conceito que não se restringe somente

ao aspecto da pobreza, mas apresenta outros determinantes e, por isso, permite uma

melhor compreensão dos impactos das transformações do novo padrão de

desenvolvimento social.

Se ao Estado cabe o dever prioritário de atender às demandas mais

vulneráveis mediante um sistema público de proteção social, é fato inconteste que o

projeto socioeconômico em curso desafia as conquistas sociais consignadas no modelo

protetivo na medida em que favorece sua desresponsabilização.

Assim, no contexto brasileiro, o paradoxo se estabelece: de um lado, o

sistema protetivo formalmente estabelecido, que segue em construção na saúde, na

previdência e na assistência social e em outras políticas públicas; e, de outro, o projeto

de restrição desses direitos sociais. Como bem citou Vasconcelos (2010), o momento é

de desafios!

Nessa turbulência social, está em curso a desinstitucionalização psiquiátrica,

política social da saúde mental que prioriza o cuidado e a atenção em base

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territorializada, colocando o acometido por transtorno mental no lugar em que nunca

deveria ter saído: no meio social. A ele é dado o direito de ser visto e defendido

enquanto cidadão, logo o foco não é a doença, mas o sujeito; não é a cura, mas a

qualidade de vida. Bem diferente do que foi mostrado na estratégia de

institucionalização pelas contribuições teóricas de Castel (1978, 2001), Foucault (2012)

e Goffman (2013).

Afunilando ainda mais, eis que se tem a família do acometido por

sofrimento psíquico, objeto de minha pesquisa. No processamento do perfil

socioeconômico, identifiquei questões relevantes, as quais ressalvo algumas:

1) A variabilidade e a multiplicidade são marcas preponderantes nas

configurações familiares, sendo que a nuclear se mescla a outras

tipologias tão presentes quanto ela, como a monoparental e a

ampliada. Nessas duas, principalmente, o destaque é a chefia das

mulheres, que revelam baixa escolaridade (a maioria não concluiu o

Ensino Fundamental). Ademais, outra questão de gênero que perpassa

o universo familiar corresponde à predominância da figura feminina

(mãe, esposa, filha, irmã, cunhada, especialmente) como cuidadora

principal do parente mentalmente adoecido, aspecto imbricado, como

sabido, às determinações históricas da divisão sexual do trabalho

nesse âmbito;

2) O parente com transtorno mental (PTM) é prioritariamente do sexo

masculino, figura na sua maioria como filho, apresenta o diagnóstico

preponderante de esquizofrenia, está na faixa etária jovem, com idade

que varia entre 18 e 39 anos, tem exígua escolaridade (preponderância

do Ensino Fundamental incompleto) e apresenta histórico de

internação psiquiátrica;

3) A situação de trabalho e renda das famílias é sobremodo crítica, o que

também se estende para o lazer e condições de moradia. Com

precariedades econômicas, a grande maioria é beneficiária do PBF

e/ou BPC. Contudo, parte significativa ainda vislumbra receber na

justiça o BPC, dado seu indeferimento na via administrativa, aspecto

que motivou a procura por assistência jurídica na DPU/CE.

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Quanto às análises das entrevistas, cujo foco se centrou no desvelamento

dos dilemas e vicissitudes das respectivas famílias no momento hodierno da

desinstitucionalização psiquiátrica, apreendi os seguintes pontos:

1) As famílias socialmente vulneráveis e que têm parente com

adoecimento mental vivenciam dilemas e vicissitudes que se revelam

tanto na esfera microfamiliar quanto na esfera macrossocial;

1.1) Na esfera microfamiliar, as questões que mais afetam o segmento

estão relacionadas à doença do parente e seus efeitos na dinâmica dos

grupos, materializadas na falta de perspectiva de cura, desesperança

quanto ao futuro do familiar mentalmente adoecido, sobrecarga no

cuidado e atenção ao parente, sofrimentos emocionais acarretados que

redundam em um ciclo de adoecimento entre os demais familiares e

também o preconceito social ainda presente em torno do sofrimento

mental;

1.2) Na esfera macrossocial, os dilemas e vicissitudes estão circunscritos à

conjuntura hodierna, marcada pelas mudanças no mundo do trabalho e

no afastamento do poder público no provimento da proteção social.

Demandas referentes às dificuldades econômicas pelo desemprego dos

familiares em idade economicamente ativa; colocação em trabalhos

precários, temporários e informais com rendimentos ínfimos e

insatisfatórios; apego demasiado aos amparos e benefícios sociais pela

carência de renda consolidam problemas reais e que fazem parte da

realidade dessas famílias;

2) As repercussões do crescente afastamento do poder público na

provisão dos direitos sociais, os quais foram legalmente conquistados,

revelam-se nos discursos familiares pela falta de atendimento em

condições salutares na rede de proteção social, dificuldades de acesso

nos serviços básicos de assistência, saúde, educação, previdência e

outros (familiares sem atendimento odontológico nos postos de saúde

e negação do cartão gratuidade no serviço de transporte para o parente

com sofrimento mental são exemplos disso). Ademais, o fenômeno

ascendente da judicialização da questão social (a busca pela

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assistência jurídica em razão das negativas administrativas) ratificam

o recuo do poder público e os dilemas dessas famílias;

3) No processo em curso da desinstitucionalização psiquiátrica, os

percalços são inúmeros. A família, atualmente chamada para atuar

como extensão do tratamento, tem se visto quase numa posição

unilateral pelas limitações da corresponsabilidade do poder público. A

ela parece que cabe o maior encargo, visto que a assistência em saúde

mental, que deveria estar funcionando através dos serviços

substitutivos (CAPS, residências terapêuticas, leitos em hospitais

gerais, disponibilidade a contento das medicações psiquiátricas e os

serviços de apoio da rede), deixa lacunas na sua aplicabilidade;

4) Os CAPS, porta de entrada do modelo, seguem funcionando

precariamente. Se as falas indicadoras de que em gestões passadas a

situação era mais bem conduzida (leia-se: as gestões do partido de

esquerda que principiaram a desinstitucionalização em Fortaleza), no

contexto atual, os depoimentos expressam o descaso com a saúde

mental: falta de psiquiatra e outros profissionais é fato recorrente;

intervalos de consultas alargadas e demora nos atendimentos

(trimestrais e, às vezes, semestrais); estruturas físicas sem espaço

adequado para proceder com os atendimentos; carência de ambulância

psiquiátrica e/ou serviços de apoio (SAMU); e indisponibilidade da

medicação psiquiátrica são alguns dos problemas dessas unidades na

capital cearense;

5) Tais questões redundam em mais dilemas: crises frequentes dos

parentes acometidos por transtorno mental; demanda crescente por

internação psiquiátrica; inchaço nos hospitais psiquiátricos; mais

sobrecarga familiar, visto que a ela cabe o dever de se responsabilizar

pelos seus, uma vez que o Estado não cumpre satisfatoriamente seu

encargo social na prestação dos serviços. Como posto nos

depoimentos, houve caso de homicídio em família decorrente de crise

psicótica.

Na conclusão deste trabalho, fica a certeza de que as famílias socialmente

vulneráveis e com parente em situação de transtorno mental, mais do que nunca,

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precisam ser vistas. E razões para isso não faltam. O contexto familiar de adoecimento

mental já traz em si inúmeras tensões e conflitos, e quando essa realidade se mescla a

uma conjuntura marcada por adversidades, conforme desvelado, os dilemas e

vicissitudes se agudizam e tomam dimensões preocupantes.

É preciso ouvir seus gritos. É preciso atentar para suas demandas. O que

percebi diante do que vi e ouvi de cada representante familiar foi uma espécie de clamor

por atenção no intento de melhorar a política de saúde mental. “Espero que a gente

tenha voz e, quem sabe futuramente, uma oportunidade de tentar mudar o que está

faltando na nossa saúde mental”, disse uma mãe cansada e sufocada pelas lutas diárias.

Como na canção de Don Mclean, escrita em tributo a Van Gogh no ano de

1971, cujo refrão diz: “Agora eu entendo o que você tentou me dizer. E o quanto sofreu

pela sua lucidez. E como você tentou libertá-los. Eles não ouviram. Não sabiam como.

Talvez agora ouçam”. Espero, tal qual o sentido da letra, que as vozes das famílias aqui

expressas possam ecoar e chegar aos profissionais de saúde mental, às lideranças e às

associações que seguem na luta em defesa da desinstitucionalização psiquiátrica, aos

gestores de saúde mental e a todos que acreditam no modelo como ganho e conquista de

liberdade.

Se algumas famílias apontam na direção da desesperança, do descrédito e

culpabilizam os CAPS e a proposta da desinstitucionalização, não o fazem sem razão.

Efetivamente a situação é difícil para esses grupos. Eles sentem e vivenciam os

problemas de perto. A família encontra-se desassistida. E o “inimigo” visível aos olhos

delas é quem está passível de ser visto, ou seja, as instituições que prestam serviço em

saúde mental.

Cabe aos defensores do modelo reformista persistir na semeadura, no

sentido de mudar essas percepções, mas com ações reais na direção desses clamores,

usando de paciência nas dificuldades, sensatez nas escolhas, delicadeza nas palavras,

coragem nas provas e pinceladas de muito amor. Amor expressa cuidado. E cuidado é a

palavra-chave da desinstitucionalização.

Em suma, fazer como o semeador da ilustração acima do mestre Van Gogh,

que, a despeito do sol escaldante e das intempéries do tempo, segue jogando as

sementes. A luta é árdua, os desafios são imensos – não é fácil lidar com questões

estruturais –, contudo, a história prova que não é impossível superar os entraves postos.

Afinal, é na realidade que se encontram as possibilidades.

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(Relatório Final). Fortaleza: Observatório de Recursos Humanos em Saúde, Estação CETREDE/ UFC/UECE, 2007. ROCHA, R. A. A Reforma Psiquiátrica no Brasil. Rio de Janeiro: Vozes, 2002. RODRIGUES, M. (Org.). Políticas sociais para o desenvolvimento: superar a pobreza e promover a inclusão. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, UNESCO, 2010. ROSA, L. C. dos S. Transtorno mental e o cuidado na família. São Paulo: Cortez, 2003. ROTELLI, F.; LEONARDIS, O.; MAURI, D. Desinstitucionalização, uma outra via. In: NICÁCIO, F. (Org.). Desinstitucionalização. São Paulo: Hucitec, 2001, p. 17-60. SANTOS, W. G. dos. Cidadania e justiça: a política social na ordem brasileira. Editora Campus, 1979. SARACENO, B. Reabilitação psicossocial: uma estratégia para a passagem do milênio. In: PITTA, A. (Org.). Reabilitação Psicossocial no Brasil. São Paulo: HUCITEC, 2001. SARTI, C. A. A família como espelho: um estudo sobre a moral dos pobres. 7 ed. São Paulo: Cortez, 2011. ______. Famílias enredadas. In: ACOSTA, A. R.; VITALE, M. A. (Org.). Família, Laços e Políticas Públicas. 5 ed. São Paulo: Cortez: Coordenadoria de Estudos e Desenvolvimento de Projetos Especiais – PUC/SP, 2010. SIERRA, V. M. Família: teorias e debates. São Paulo: Saraiva, 2011. SILVA, M. O. da S.; YASBEK, M. C.; GIOVANNI, G. de. A política social brasileira no século XXI: a prevalência dos Programas de Transferência de Renda. 5 ed. São Paulo: Cortez, 2011. SINGLY, F. Sociologia da família contemporânea. 4 ed. Tradução de Rute Esteves Mota. Edições Texto & Grafia Ltda: Lisboa, 2010. SOUZA, A. C. de; LIMA, A. T.; PINHEIRO, R. Da “instituição negada” à “instituição inventada”: a especificidade do processo de desinstitucionalização do Hospital Psiquiátrico de Jurujuba, em Niterói-RJ. In: PINHEIRO, R. et al. Desinstitucionalização da saúde mental: contribuições para estudos avaliativos. Rio de Janeiro: CEPESC: IMS/ LAPPIS: ABRASCO, 2007. SOUZA, C. Políticas Públicas: uma revisão de literatura. Sociologia. Porto Alegre, ano 8, n.º 16, jul./dez. 2006. SPOSATI, A. de O. Modelo brasileiro de proteção social não contributiva: concepções fundantes. In: BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Concepção e gestão da proteção social não contributiva no Brasil. Brasília, UNESCO, 2009.

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SPOSATI, A. de O. et al. Assistência na trajetória das políticas sociais brasileiras: uma questão em análise. 12 ed. São Paulo: Cortez, 2014. TEIXEIRA, S. M. A família na política de assistência social: concepções e as tendências do trabalho social com famílias nos CRAS de Teresina. Teresina: EDUFPI, 2013. TRAD, L. A. B. Família contemporânea e saúde: significados, práticas e políticas públicas. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2010. UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ. Laboratório de Direitos Humanos, Cidadania e Ética – LabVida/UECE. Disponível em: <www.uece.br/labvida>. Acesso em: 01º fev. 2015. VASCONCELOS, E. M. Desafios políticos da Reforma Psiquiátrica brasileira. São Paulo: Hucitec, 2010. YASBEK, M.C. Classes subalternas e assistência social. 7 ed. São Paulo: Cortez, 2009. ______. Pobreza e exclusão social: expressões da questão social. Ano 2, n.º 3, jan./jun., 2001. Brasília. ABEPSS, 2001. YASUI, S. Rupturas e encontros: desafios da reforma psiquiátrica brasileira. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2006. Originalmente apresentada como tese de doutorado, Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, 2006.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A – PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA DA UECE

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APÊNDICE B – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO –

FAMILIARES COM PARENTE EM ADOECIMENTO MENTAL

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTROS DE HUMANIDADES E ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS

MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

FAMILIARES COM PARENTE EM ADOECIMENTO MENTAL

O Sr(a) está convidado(a) a participar da pesquisa “A família em situação de

vulnerabilidade social no contexto atual da desinstitucionalização psiquiátrica”. O objetivo consiste em apontar os dilemas e os problemas enfrentados pelas famílias em situação de maior vulnerabilidade social no modelo adotado pela política de saúde mental. Portanto, o estudo pretende contribuir para a discussão dessa questão e da participação da família que tem parente com transtorno mental atendido nos Centros de Atenção Psicossocial.

Caso autorize e após assinado este termo, o Sr(a) será entrevistado(a) pela pesquisadora, estando ciente que não haverá, em hipótese alguma, divulgação personalizada, sendo mantido o seu sigilo.

A sua participação não é obrigatória e, a qualquer momento, poderá desistir de continuar na pesquisa. Tal recusa não trará prejuízos na sua relação com o pesquisador ou com a instituição na qual esteve vinculado/a em busca de assistência. Pontua-se que há riscos na sua participação, os quais se referem a: fortes sentimentos negativos como ansiedade, tristeza e sentimento de culpa. Contudo, diminuiremos tais riscos na medida em que será respeitado seu momento e disponibilizado tempo suficiente para se recuperar de qualquer desconforto emocional.

O Sr(a) não será remunerado pela participação. As informações coletadas serão utilizadas para compor os resultados da investigação, os quais serão publicados em periódicos e apresentados em eventos científicos, além de proporcionar benefícios para ampliar a visão dos gestores de saúde, a fim de buscar novas alternativas em relação à problemática com vista à melhoria da qualidade dos serviços prestados às famílias e usuários de saúde mental.

Assim, após ter sido informado(a) sobre a pesquisa, caso consinta em participar, o Sr(a) assinará duas cópias deste termo, que também será assinada pela pesquisadora, ficando uma cópia em sua posse.

Consta aqui o telefone da pesquisadora, assim o Sr(a) poderá tirar dúvidas agora ou a qualquer momento. Ademais, segue endereço e telefone do Comitê de Ética em Pesquisa no qual o projeto foi submetido à avaliação, que fica localizado na Avenida Dr. Silas Munguba, 1700, Campus do Itaperi, fone (85) 3101-9890.

Fortaleza/CE, _____/_____/________

_______________________________________ Assinatura do (a) participante

___________________________________________ Tarcisa Bezerra Gomes

Telefone (celular): (85) 9949-0205 Pesquisadora – Mestrado em Políticas Públicas e Sociedade/UECE

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APÊNDICE C – TERMOS DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO –

GESTOR PÚBLICO EM SAÚDE MENTAL

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTROS DE HUMANIDADES E ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS

MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

GESTOR PÚBLICO DE SAÚDE MENTAL

O Sr(a) está convidado(a) a participar da pesquisa “A família em situação de

vulnerabilidade social no contexto hodierno da desinstitucionalização psiquiátrica”. O objetivo consiste em desvelar os dilemas e as vicissitudes das famílias em situação de maior vulnerabilidade social no modelo adotado pela política de saúde mental. Portanto, o estudo pretende contribuir para a discussão dessa questão e da participação da família que tem parente com transtorno mental atendido nos Centros de Atenção Psicossocial.

Caso autorize e após assinado este termo, o Sr(a) será entrevistado(a) pela pesquisadora, estando ciente que não haverá, em hipótese alguma, divulgação personalizada, sendo mantido o seu sigilo.

A sua participação não é obrigatória e, a qualquer momento, poderá desistir de continuar na pesquisa. Tal recusa não trará danos na sua relação com o pesquisador ou com a instituição na qual esteja vinculado(a). Pontua-se que há riscos na sua participação, os quais se referem especialmente ao âmbito profissional, tais como pressões e conflitos com a chefia institucional. Contudo, minimizaremos esses riscos na medida em que não serão criadas situações vexatórias que induzam ao repasse de respostas desconfortáveis. Afora que será respeitado seu direito de cooperar até o ponto em que não prejudique sua posição na instituição.

O Sr(a) não será remunerado pela participação. As informações coletadas serão utilizadas para compor os resultados da investigação, os quais serão publicados em periódicos e apresentados em eventos científicos, além de proporcionar benefícios para ampliar a visão dos gestores de saúde, a fim de buscar novas alternativas em relação à problemática com vista à melhoria da qualidade dos serviços prestados aos respectivos segmentos sociais elencados.

Assim, após ter sido informado(a) sobre a pesquisa, caso consinta em participar, o Sr(a) assinará duas cópias deste termo, que também será assinada pela pesquisadora, ficando uma cópia em sua posse.

Consta aqui o telefone da pesquisadora, assim o Sr(a) poderá tirar dúvidas agora ou a qualquer momento. Ademais, segue endereço e telefone do Comitê de Ética em Pesquisa no qual o projeto foi submetido à avaliação, que fica localizado na Avenida Dr. Silas Munguba, 1700, Campus do Itaperi, fone (85) 3101-9890.

Fortaleza/CE, _____/_____/________

_______________________________________ Assinatura do (a) participante

___________________________________________ Tarcisa Bezerra Gomes

Telefone (celular): (85) 9949-0205 Pesquisadora – Mestrado em Políticas Públicas e Sociedade/UECE

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APÊNDICE D – ROTEIRO DE ENTREVISTA – FAMILIARES COM PARENTE EM

ADOECIMENTO MENTAL

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTROS DE HUMANIDADES E ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE

INSTRUMENTO DE PESQUISA

FAMILIARES COM PARENTE EM ADOECIMENTO MENTAL

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO

NÚMERO:_____________________________________________________________

GRAU DE PARENTESCO: _______________________________________________

IDADE:_______________________________________________________________

TEMPO DE CAPS:______________________________________________________

ROTEIRO DA ENTREVISTA:

1) Como a família vive a questão da doença mental no dia-a-dia? De que forma são divididas as responsabilidades no grupo?

2) Como a família visualiza a saúde mental na realidade atual (novo modelo/desinstitucionalização psiquiátrica)? O que é positivo e o que é negativo?

3) Sendo o CAPS a base de apoio do atual modelo, como é atuação da instituição na vida do seu parente com doença mental (é regular, contínuo, inclusive na distribuição da medicação)? O que o/a senhor/a acha do atendimento prestado pelo CAPS?

4) O/A senhor/a se sente acolhido pela instituição? 5) O/A senhor/a acha que após levar o seu parente no CAPS a família está menos

sobrecarregada? A instituição divide responsabilidades com você? 6) Como o/a senhor/a, familiar, participa das atividades do CAPS? 7) O/A senhor/a, como familiar, sabe de algum trabalho de apoio à família no CAPS? Foi

convidado a participar? Recebeu visita domiciliar por parte dos profissionais? 8) O/A senhor/a, familiar, é engajado em algum projeto ou benefício social a partir da

atuação do CAPS? Recebe na instituição orientações sobre os seus direitos e de seu familiar doente?

9) Quem orientou o/a senhor/a sobre o direito ao benefício assistencial para seu parente com sofrimento psíquico? Como recorreu à justiça, através da DPU, após a negativa pelo INSS?

10) O/A senhor/a, familiar, tem acesso a outros serviços, programas, projetos e/ou serviços sociais do governo federal, estadual ou municipal?

11) Quais as dificuldades que o/a senhor/a colocaria em relação ao seu parente em adoecimento mental? E quais os maiores dilemas da família nesse contexto (enumere os principais problemas)?

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APÊNDICE E – ROTEIRO DE ENTREVISTA – GESTOR PÚBLICO EM SAÚDE

MENTAL

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTROS DE HUMANIDADES E ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS

MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE

INSTRUMENTO DE PESQUISA

FAMILIARES COM PARENTE EM ADOECIMENTO MENTAL

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO

NÚMERO:_____________________________________________________________

GRAU DE PARENTESCO: _______________________________________________

IDADE:_______________________________________________________________

TEMPO DE CAPS:______________________________________________________

ROTEIRO DA ENTREVISTA:

1) Como a família vive a questão da doença mental no dia-a-dia? De que forma são divididas as responsabilidades no grupo?

2) Como a família visualiza a saúde mental na realidade atual (novo modelo/desinstitucionalização psiquiátrica)? O que é positivo e o que é negativo?

3) Sendo o CAPS a base de apoio do atual modelo, como é atuação da instituição na vida do seu parente com doença mental (é regular, contínuo, inclusive na distribuição da medicação)? O que o/a senhor/a acha do atendimento prestado pelo CAPS?

4) O/A senhor/a se sente acolhido pela instituição? 5) O/A senhor/a acha que após levar o seu parente no CAPS a família está menos

sobrecarregada? A instituição divide responsabilidades com você? 6) Como o/a senhor/a, familiar, participa das atividades do CAPS? 7) O/A senhor/a, como familiar, sabe de algum trabalho de apoio à família no CAPS? Foi

convidado a participar? Recebeu visita domiciliar por parte dos profissionais? 8) O/A senhor/a, familiar, é engajado em algum projeto ou benefício social a partir da

atuação do CAPS? Recebe na instituição orientações sobre os seus direitos e de seu familiar doente?

9) Quem orientou o/a senhor/a sobre o direito ao benefício assistencial para seu parente com sofrimento psíquico? Como recorreu à justiça, através da DPU, após a negativa pelo INSS?

10) O/A senhor/a, familiar, tem acesso a outros serviços, programas, projetos e/ou serviços sociais do governo federal, estadual ou municipal?

11) Quais as dificuldades que o/a senhor/a colocaria em relação ao seu parente em adoecimento mental? E quais os maiores dilemas da família nesse contexto (enumere os principais problemas)?

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ANEXOS

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ANEXO A – DISTRIBUIÇÃO DOS CAPS EM FORTALEZA POR REGIONAIS

Regional CAPS Endereço

Regional I CAPS Geral Nise da Silveira CAPS-AD Dr. Airton Monte (24h)

Rua Frei Teobaldo, 320, Carlito Pamplona Rua Hildebrando de Melo, 110, Barra do

Ceará

Regional II CAPS Geral Dr. Nilson de Moura Fé

(24h) CAPS-AD (24h)

Rua Coronel Alves Teixeira, 1500, Joaquim Távora

Avenida Duque de Caxias, 1880-A, Centro

Regional III CAPS Geral Prof. Frota Pinto

CAPS-AD CAPSi Estudante Nogueira Jucá

Rua Francisco Pedro, 1269, Rodolfo Teófilo Rua Frei Marcelino, 1191, Rodolfo Teófilo

Rua Delmiro de Freitas, 1346, Rodolfo Teófilo

Regional IV CAPS Geral

CAPS-AD Alto da Coruja CAPSi Maria Ileuda Verçosa

Avenida Borges de Melo, 201, Jardim América Rua Betel, 1826, Itaperi

Rua Jaime Benévolo, 1644, Bairro de Fátima

Regional V CAPS Geral Bom Jardim CAPS-AD

Rua Bom Jesus, 940, Bom Jardim Rua Vigésimo Sexto Batalhão, 292, Maraponga

Regional VI CAPS Geral CAPS-AD Casa da Liberdade

Rua Castelo Branco, 700, Messejana Rua Ministro Abner de Vasconcelos, 1500,

seis Bocas Fonte: Site oficial da Secretaria Municipal de Saúde.

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ANEXO B – DISTRIBUIÇÃO DAS RESIDÊNCIAS TERAPÊUTICAS EM

FORTALEZA POR REGIONAIS

Regional Residências Terapêuticas Endereço Regional I Residência Terapêutica 1 Av. Dr. Themberg, 1970, Álvaro Weyne

Regional II Residência Terapêutica 2 Rua Manoel Firmino Sampaio, 311, Cocó Regional V Residência Terapêutica 3 Rua Mister Cordeiro, 1032, Bom Jardim

Fonte: Site oficial da Secretaria Municipal de Saúde.

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ANEXO C – DISTRIBUIÇÃO DAS OCAS COMUNITÁRIAS EM FORTALEZA

POR REGIONAIS

Regional Ocas Comunitárias Endereço

Regional I Oca de Saúde Comunitária –

Parceria com o Projeto Quatro Rodas

Rua Profeta Isaías, 456, Pirambu

Regional VI Oca de Saúde Comunitária Rua Contorno do Norte, s/n, São Cristóvão Fonte: Site oficial da Secretaria Municipal de Saúde.

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ANEXO D – LEI FEDERAL N.º 10.216, DE 06 DE ABRIL DE 2001

Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001

Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.

O Presidente da República Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental, de que trata esta Lei, são assegurados sem qualquer forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religiosa, opção política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno, ou qualquer outra.

Art. 2º Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus

familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos enumerados no parágrafo único deste artigo.

Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de transtorno mental: I – ter acesso ao melhor tratamento do Sistema de saúde, consentâneo às suas

necessidades; II – ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar

sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade;

III – ser protegido contra qualquer forma de abuso e exploração; IV – ter garantia de sigilo nas informações prestadas; V – ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a

necessidade ou não de sua hospitalização involuntária; VI – ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis; VII – receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu

tratamento; VIII – ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis; IX – ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental. Art. 3º É responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde

mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais, com a devida participação da sociedade e da família, a qual será prestada em

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estabelecimento de saúde mental, assim entendidas as instituições ou unidades que ofereçam assistência em saúde aos portadores de transtornos mentais.

Art. 4º A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando

os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes. § 1º O tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social do

paciente em seu meio. § 2º O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer

assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer e outros.

§ 3º É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em

instituições com características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos recursos mencionados no § 2º e que não assegurem aos pacientes os direitos enumerados no parágrafo único do art. 2º.

Art. 5º O paciente há longo tempo hospitalizado ou para o qual se caracterize

situação de grave dependência institucional, decorrente de seu quadro clínico ou de ausência de suporte social, será objeto de política específica de alta planejada e reabilitação psicossocial, sob responsabilidade da autoridade sanitária competente e supervisão de instância a ser definida pelo Poder Executivo, assegurada a continuidade do tratamento, quando necessário.

Art. 6º A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico

circunstanciado que caracterize os seus motivos. Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica: I – internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário; II – internação involuntária: aquela que se dá sem consentimento do usuário e a

pedido de terceiro; e III – internação compulsória: aquela determinada pela Justiça. Art. 7º A pessoa que solicita voluntariamente sua internação, ou que a consente,

deve assinar, no momento da admissão, uma declaração de que optou por esse regime de tratamento.

Parágrafo único. O término da internação voluntária dar-se-á por solicitação

escrita do paciente ou por determinação do médico assistente. Art. 8º A internação voluntária ou involuntária somente será autorizada por

médico devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina – CRM do Estado onde se localize o estabelecimento.

§ 1º A internação psiquiátrica involuntária deverá, no prazo de setenta e duas

horas, ser comunicada ao Ministério Público Estadual pelo responsável técnico do

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estabelecimento no qual tenha ocorrido, devendo esse mesmo procedimento ser adotado quando da respectiva alta.

§ 2º O término da internação involuntária dar-se-á por solicitação escrita do

familiar, ou responsável legal, ou quando estabelecido pelo especialista responsável pelo tratamento.

Art. 9º A internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação

vigente, pelo juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários.

Art. 10. Evasão, transferência, acidente, intercorrência clínica grave e falecimento

serão comunicados pela direção do estabelecimento de saúde mental aos familiares, ou ao responsável legal do paciente, bem como à autoridade sanitária responsável, no prazo máximo de vinte e quatro horas da data da ocorrência.

Art. 11. Pesquisas científicas para fins diagnósticos ou terapêuticos não poderão

ser realizadas sem o consentimento expresso do paciente, ou de seu representante legal, e sem a devida comunicação aos conselhos profissionais competentes e ao Conselho Nacional de Saúde.

Art. 12. O Conselho Nacional de Saúde, no âmbito de sua atuação, criará

comissão nacional para acompanhar a implementação desta Lei. Art. 13. Esta Lei entra em vigor na data da publicação. Brasília, 6 de abril de 2001; 180º da Independência e 113] da República. FERNANDO HENRIQUE CARDOSO Jose Gregori José Serra Roberto Brant

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 9.4.2001.

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ANEXO E – RESOLUÇÃO DO CSDPU N.º 13/2006

Resolução 13, de 25 de outubro de 2006 O Conselho Superior da Defensoria Pública da União, no uso da atribuição que lhe é conferida pelo inciso I do art. 10 da Lei Complementar n. 80, de 12 de janeiro de 1994; Considerando a exigência republicana de tratar a todos de maneira uniforme; Considerando que a assistência jurídica integral e gratuita é serviço público destinado aos necessitados; Considerando que a Constituição da República veda a utilização do salário mínimo como indexador em seu inciso IV do art. 7º; Considerando que a isenção de pagamento de imposto de renda é medida de política fiscal que se destina a preservar o patrimônio dos que tem menor capacidade econômica; Considerando que a Lei n. 10.836, de 9 de janeiro de 2004, define o que é família, bem como sua renda mensal, para fins de inclusão em programa de redistribuição de renda em seu §1º do art. 2º; Considerando que o a Lei n. 10.741, de 1o de outubro de 2003, exclui o valor do benefício assistencial do cálculo da renda familiar do idoso a em seu parágrafo único do art. 34; Considerando a criação de cento e sessenta e nove cargos pela Lei 11.355, de 19 de outubro de 2006; Resolve fixar parâmetros objetivos e procedimentos para a presunção e para a comprovação da necessidade. Disposições gerais sobre a necessidade Art. 1º. Presume-se necessitado todo aquele que integre família cuja renda mensal não ultrapasse o valor da isenção de pagamento do imposto de renda. §1º. Família é a unidade formada pelo grupo doméstico, eventualmente ampliado por outros indivíduos que possuam laços de parentesco ou afinidade, vivendo sob o mesmo teto e que se mantém pela contribuição de seus membros. §2º. Renda familiar mensal é a soma dos rendimentos brutos auferidos mensalmente pela totalidade dos membros da família maiores de dezesseis anos, excluindo-se os rendimentos concedidos por programas oficiais de transferência de renda e de benefícios assistenciais. Art. 2º. Todo aquele que não se enquadrar no critério estabelecido para a presunção da necessidade poderá requerer a assistência jurídica gratuita demonstrando que, apesar de sua renda ultrapassar o limite estabelecido no caput do art. 1º, não tem como arcar com os honorários de advogado e com as custas processuais sem prejuízo do seu próprio sustento ou do de sua família. Art. 3º. Independente da renda mensal, não se presume necessitado aquele que tem patrimônio vultoso. Art. 4º. O exercício da curadoria especial e da defesa criminal não depende de considerações sobre a necessidade econômica do seu beneficiário. Parágrafo único. O exercício da curadoria especial e da defesa criminal de quem não é hipossuficiente não implica na gratuidade constitucionalmente deferida apenas aos necessitados. Declaração de necessidade e pesquisa sócio-econômica (Alterada pela resolução 26 de 10 de outubro de 2007).

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Ar t . 4º . O exercício da curadoria especial, da defesa criminal e da defesa em processo disciplinar não depende de considerações sobre a necessidade econômica do seu beneficiário." "Parágrafo único. O exercício da curadoria especial, da defesa criminal e da defesa em processo disciplinar de quem não é hipossuficiente não implica na gratuidade constitucionalmente deferida a penas aos necessitados (Alterado pela resolução 26) Art. 4º. O exercício da curadoria especial não depende de considerações sobre a necessidade econômica do seu beneficiário. (Alterada pela resolução 32) Art. 5º. O Defensor Público deverá exigir de todo aquele que requerer a assistência jurídica a declaração de necessidade. Parágrafo único. Na declaração de necessidade o requerente deverá afirmar que não tem condições de arcar com as despesas inerentes à assistência jurídica. Art. 5º O exercício da defesa criminal e da defesa em processo administrativo disciplinar deve ser precedida da análise da situação econômico-financeira do réu pelo Defensor Público Federal, objetivando o deferimento da assistência jurídica integral e gratuita caso constatada a hipossuficiência. (Alterada pela resolução 32) § 1º A Defensoria Pública da União atuará na defesa criminal independente da análise da situação econômico-financeira do réu, caso este seja intimado para constituir advogado e não providencie, por se tratar de direito indisponível e em homenagem e resguardo ao Princípio Constitucional da Ampla Defesa e do Contraditório. (Alterada pela resolução 32) Art. 6º. Também se exigirá do requerente da assistência jurídica que responda a pesquisa destinada à identificação do seu perfil social e econômico. Parágrafo único. Na pesquisa sócio-econômica o requerente deverá fornecer dados sobre sua família, renda e patrimônio. Procedimento para a demonstração da necessidade Art. 7º. A necessidade será aferida com base na pesquisa sócio-econômica. Art. 8º. O Defensor Público não exigirá qualquer explicação ou documento para o deferimento da assistência jurídica de todo aquele que se enquadre no critério estabelecido para a presunção de necessidade. § 1º. O Defensor Público poderá, justificadamente, afastar a presunção de necessidade se identificar indícios de que as informações prestadas pelo requerente da assistência judiciária não coincidem com a realidade. § 2º. Afastada a presunção de necessidade, o Defensor Público deverá intimar o requerente da assistência judiciária demonstrar sua necessidade no prazo mínimo de dez dias. Art. 9º. Todo aquele que não se possa presumir necessitado será intimado, no momento do atendimento inicial, a demonstrar sua necessidade no prazo mínimo de dez dias, sob pena de indeferimento do pedido nos termos do art. 12. Art. 10. Para a demonstração da necessidade, o requerente poderá se valer de qualquer meio de prova. Art. 11. De forma alguma o Defensor Público poderá exigir a demonstração de necessidade quando: I. não o fizer até trinta dias após a data do atendimento inicial; II. não intimar o requerente da assistência jurídica de que este não se presume necessitado no momento do atendimento inicial. Parágrafo único. O disposto neste artigo não impede a revisão da condição de necessitado. Indeferimento da assistência jurídica Art. 12. O Defensor Público deverá indeferir a assistência jurídica quando:

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I. o requerente não firmar a declaração de necessidade; II. o requerente não responder a pesquisa sócio-econômica; III. o requerente não atender a intimação para a demonstração da necessidade no prazo determinado; IV. considerar, justificadamente, que o requerente não é necessitado. Parágrafo único. O Defensor Público poderá, justificadamente, deferir a assistência jurídica quando o requerente não responder a pesquisa sócio-econômica se considerar comprovada a necessidade com base em outros elementos contidos nos autos do pedido de assistência. Art. 13. O Defensor Público deverá intimar o requerente do indeferimento da assistência jurídica no prazo máximo de dez dias contados da data da decisão. Parágrafo único. O requerente da assistência poderá, a qualquer tempo, reiterar o seu pedido apontando o equívoco do indeferimento ou alegando mudança de sua situação econômica, caso em que deverá demonstrar sua necessidade. Art. 14. O Defensor Público deverá comunicar o indeferimento ao Defensor Público-Geral no prazo de dez dias contados da intimação do requerente. Revisão da necessidade Art. 15. O Defensor Público poderá exigir nova pesquisa sócio-econômica a cada seis meses para rever a necessidade. §1º. Constatado a cessação da necessidade, o Defensor Público deverá intimar o assistido para constituir advogado no prazo de trinta dias contados da data da intimação. §2º. Antes do fim do prazo para a constituir advogado o assistido poderá pedir a revisão da decisão, demonstrando que persiste a sua necessidade. §3º. Mantida a revogação da assistência jurídica, e havendo processo judicial, o Defensor Público deverá comunicar sua decisão ao juízo, continuando a patrocinar os interesses da parte enquanto não for constituído advogado, durante o prazo fixado em lei. Disposição final Art. 16. Esta resolução entrará em vigor na data da sua publicação.

Eduardo Flores Vieira, Presidente do Conselho

Obs.: Publicado no DOU de 27.10.2006, seção 1 página 73

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ANEXO F – DECLARAÇÕES DE CORREÇÃO DE PORTUGUÊS E DE

NORMALIZAÇÃO

DECLARAÇÃO DE CORREÇÃO DE PORTUGUÊS

Declara-se, para constituir prova junto aos órgãos interessados, que, por

intermédio do profissional infra-assinado, foi procedida a correção gramatical e

estilística da dissertação intitulada A família em situação de vulnerabilidade social no

contexto hodierno da desinstitucionalização psiquiátrica, razão por que se firma a

presente declaração, a fim de que surta os efeitos legais, nos termos do novo Acordo

Ortográfico Lusófono, vigente desde 1º de janeiro de 2009.

Fortaleza-CE, 05 de março de 2015.

_______________________________ Felipe Aragão de Freitas Carneiro

DECLARAÇÃO DE NORMALIZAÇÃO

Declara-se, para constituir prova junto aos órgãos interessados, que, por

intermédio do profissional infra-assinado, foi procedida a normalização da dissertação

intitulada A família em situação de vulnerabilidade social no contexto hodierno da

desinstitucionalização psiquiátrica, razão por que se firma a presente declaração, a

fim de que surta os efeitos legais, nos termos das normas vigentes decretadas pela

Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT.

Fortaleza-CE, 05 de março de 2015.

_________________________________ Felipe Aragão de Freitas Carneiro

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ANEXO G – DIPLOMA DO REVISOR

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ANEXO H – LETRA DA CANÇÃO EM TRIBUTO A VAN GOGH