ESCOLA DE HUMANIDADES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO … · 2019. 8. 23. · Professor Doutor Luís...
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ESCOLA DE HUMANIDADES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
DOUTORADO EM HISTÓRIA
ALINE CARVALHO PORTO
O BRASIL VISTO A PARTIR DO SUL: A PERSPECTIVA NACIONALISTA DE JOÃO SIMÕES LOPES NETO (1865-1916)
Porto Alegre
2019
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
ESCOLA DE HUMANIDADES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
DOUTORADO EM HISTÓRIA
ALINE CARVALHO PORTO
O BRASIL VISTO A PARTIR DO SUL:
A PERSPECTIVA NACIONALISTA DE JOÃO SIMÕES LOPES NETO
Porto Alegre
2019
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ALINE CARVALHO PORTO
O BRASIL VISTO A PARTIR DO SUL:
A PERSPECTIVA NACIONALISTA DE JOÃO SIMÕES LOPES NETO
Tese apresentada como requisito parcial para
obtenção do título de Doutora em História,
pelo Programa de Pós-Graduação em
História da Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul
Orientadora: Prof. Dra. Maria Helena
Camara Bastos
Porto Alegre
2019
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ALINE CARVALHO PORTO
O BRASIL VISTO A PARTIR DO SUL:
A PERSPECTIVA NACIONALISTA DE JOÃO SIMÕES LOPES NETO
Tese apresentada como requisito parcial para
obtenção do título de Doutora em História,
pelo Programa de Pós-Graduação em
História da Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul
BANCA EXAMINADORA:
_________________________________________
Professora Doutora Maria Helena Camara Bastos (orientadora)
_________________________________________
Professora Doutora Ruth Maria Chittó Gauer - PUCRS
_________________________________________
Professor Doutor Mozart Linhares da Silva – UNISC
_________________________________________
Professor Doutor Carlos Henrique Armani – UFSM
_________________________________________
Professor Doutor Luís Augusto Fischer – UFRGS
Porto Alegre
2019
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AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar gostaria de agradecer à Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (CAPES), sem esse investimento seria impossível realizar essa
pesquisa. Igualmente importante foi a orientação sempre atenta e perspicaz das
professoras doutoras Ruth Maria Chittó Gauer, no primeiro momento e, Maria Helena
Camara Bastos, no segundo.
Agradeço também a minha família que sempre me incentivou nos estudos e me
apoiou de forma incondicional nesta etapa tão solitária da minha formação, “eu sou
porque nós somos”! Essa tese é para vocês!
À Guilherme Ceron, meu companheiro nessa jornada e na vida, muito obrigada
por não me deixar desistir, por tentar me motivar sempre e por acreditar na minha
capacidade quando eu mesma não acreditei, essa tese também é para ti. Obrigada por
encher minha vida de felicidade e música!
Aos colegas de PPGH que dividiram esses anos, as angustias e alegrias. À
secretaria Henriet Sinohara pela atenção e paciência.
Sou muito grata aos amigos por partilharem o tempo deles comigo, em especial,
à Mariana Gonçalves e Rodrigo Dal Forno que desde a graduação estão sempre comigo,
nas boas e nas más horas. Obrigada por tudo, ter vocês por perto me enche de alegria! Ao
grande amigo que essa casa me deu, Eduardo Hass, obrigada por me fazer rir muito, por
ser essa pessoa maravilhosa, pelos almoços de terça, enfim, por estar por perto, mesmo
longe. Aos “master-amigos” que fizeram das terças à noite um respiro da semana, um
ponto de encontro e carinho, um momento de renovar energias! Aos compadres Gustavo
e Rayssa que sempre me acolhiam com novo fôlego em cada reencontro. Enfim, à todos
os amigos que de uma forma ou de outra se fizeram presentes nessa jornada e, “ninguém
solta a mão de ninguém”!
Agradeço também, à João Simões Lopes Neto por ter criado suas obras, por ter se
dedicado à educação e a literatura e, além de ter sido meu objeto de estudo, por ter me
despertado a vocação para a docência com seus conselhos aos mestres e suas ideias de
uma educação mais amável, respeitosa e inclusiva.
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A DESCOBERTA
Anos de estudo
e pesquisa:
Era no amanhecer
Que as formigas escolhiam seus vestidos.
(Manoel de Barros)
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RESUMO
João Simões Lopes Neto foi um escritor pelotense que viveu entre os anos de 1865 e
1916. Reconhecido postumamente, por suas obras Contos Gauchescos (1912) e Lendas
do Sul (1913), o autor atingiu status de cânone da literatura gauchesca brasileira. Nos anos
de 1904 e 1906 elaborou e proferiu suas Conferências Cívicas que, juntamente com suas
criações, Artinha de Leitura (cartilha de alfabetização) e Terra Gaúcha: Histórias da
Infância (Livro para o treino da Leitura), representam o cerne do chamamos de projeto
cívico e pedagógico. A análise desse projeto traz à tona a preocupação do autor para com
a instrução pública de seu país, bem como com a falta de um sentimento nacional imbuído
nela. Portanto, essa pesquisa tem por objetivo refletir o autor por um outro viés, que não
é propriamente o da literatura, analisando-o enquanto um intelectual engajado em seu
tempo, lendo e estabelecendo “conexões” com outros intelectuais. Apontando
criticamente os problemas da instrução pública ao mesmo tempo que criava um projeto
bastante ousado afim de saná-los, principalmente ao que se referia ao ensino primário e a
falta de um sentimento nacional. Dessa forma, constatamos que o autor criou uma
interessante forma discursiva que visava apresentar à criança à sua terra, neste caso, a
terra gaúcha, contando sua história, suas tradições e como que tudo isso se misturava com
a história da nação, ou seja, partia do Sul para contemplar o Brasil. Ao mesmo tempo, a
pesquisa desse corpus aponta para a hipótese de uma espécie de “reaproveitamento” desse
projeto em suas obras literárias de maior expressão.
PALAVRAS-CHAVE: João Simões Lopes Neto, projeto cívico e pedagógico,
intelectuais, nação, região.
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ABSTRACT
João Simões Lopes Neto was a writer from Pelotas, Brazil, who lived between 1865 and
1916. He has been posthumously recognized for Contos Gauchescos (1912) and Lendas
do Sul (1913). For these works, the author was considered a canon of gauchesco literature,
the part of Brazilian literature that deals with the gaucho lifestyle. In 1904 and 1906
performed his Conferências Cívicas (Civic Conferences). These conferences together
with the works Artinha de Leitura (a spelling-book) and Terra Gaúcha: Histórias da
Infância (a book for practice reading) represent the core of what we call his civic and
pedagogical project. By analyzing this project it is possible to notice the author's concern
with the public education in his country, as well as the lack of nationalism inserted in it.
Therefore, the purpose of this research is to think about the author from another point of
view other than only literature, by analyzing him as an intellectual committed with his
time. This engagement led him to read the works of other intellectuals and to establish
new connections with them. In addition, he critically pointed out the problems of public
education while creating a bold project to solve them, especially regarding primary
education and the lack of a sense of nationality. Thus, it is possible to notice that the
author created an interesting discursive form that aimed to present the homeland to the
children. In this case, the land of Rio Grande do Sul, telling its history, its traditions and
how it all fit the history of the nation as a whole. The main idea was to understand Brazil
from a southern point of view. At the same time, that research corpus points to the
possibility of a kind of reuse of this project in his literary works of a greater expression.
KEYWORDS: João Simões Lopes Neto, civic and educational project, intellectuals,
nation, country.
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ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Le Petit Simões 188?........................................................................................ 37
Figura 2: Foto do Matrimônio de João Simões Lopes Neto e Francisca de Paula Meirelles
......................................................................................................................................... 58
Figura 3: Publicidade dos Cigarros Marca Diabo ........................................................... 81
Figura 5 Publicidade da Marca Diabo ............................................................................. 82
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SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS 13
CAPÍTULO 1 24
1.1 JOÃO SIMÕES LOPES NETO – UM HOMEM URBANO ................................... 32
1.2 A EXPERIÊNCIA NOS JORNAIS – UM HOMEM DAS PALAVRAS ................ 51
1.3 “[...] A INDÚSTRIA É A VIDA DOS POVOS. ” – JOÃO SIMÕES UM HOMEM
DE NEGÓCIOS .............................................................................................................. 69
1.4 O PENSAMENTO POSITIVISTA E SUA INFLUÊNCIA NO PARTIDO
REPUBLICANO RIO-GRANDENSE. .......................................................................... 86
1.5 A GAUCHESCA COMO EXPERIÊNCIA .............................................................. 97
CAPÍTULO II ............................................................................................................. 109
2. JOÃO SIMÕES LOPES NETO: UM INTELECTUAL E SEUS
INTERLOCUTORES ................................................................................................... 109
2.1 CONEXÕES E REDES INTELECTUAIS/TEXTUAIS ........................................ 117
2.2.1 O PENSAMENTO INOVADOR DA “GERAÇÃO” DE 1870 E SEU IMPACTO
...................................................................................................................................... 122
2.2.2 “TAL É, SRS, O MEU PARALELO: HUMILDE ARBUSTO ENTRE ÁRVORES
FRONDOSAS [...]” ...................................................................................................... 131
2.3 A TRAMA DAS IDEIAS ....................................................................................... 148
CAPÍTULO III ........................................................................................................... 163
3.1A EDUCAÇÃO SERIA O CAMINHO PARA A “REGENERAÇÃO” DO POVO
BRASILEIRO? ............................................................................................................. 163
3.1.1 A INSTRUÇÃO PÚBLICA NO BRASIL: PRIMEIROS PASSOS ................... 164
3.1.2 A PRIMEIRA REPÚBLICA E A GUINADA EM DIREÇÃO À FORMAÇÃO
DA PÁTRIA E DO CIDADÃO ................................................................................... 171
3.2O PROJETO CÍVICO E PEDAGOGICO MANIFESTADO EM SEU ÂMAGO.. 178
3.2.1 AS CONFERÊNCIAS EDUCAÇÃO CÍVICA (1904-1906) – APRESENTAÇÃO
DE UM LIVRO OU UM MEIO DE DIVULGAR IDEIAS ........................................ 180
3.2.2 A ARTINHA DE LEITURA ............................................................................... 199
2.2.3 TERRA GAÚCHA OU A “CRIAÇÃO” DA REGIÃO/NAÇÃO ........................ 210
CONSIDERAÇÕES FINAIS 234
REFERÊNCIAS 245
13
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
João Simões Lopes Neto foi fascinante e sua trajetória de vida foi marcada pelo
trânsito entre os mais diversificados meios onde exerceu as mais diversas funções. Da
infância na estância do avô, à juventude na corte e sua posterior maturidade na cidade de
Pelotas (1865 e 19161), Simões Lopes Neto foi jornalista, despachante, “empresário”,
professor, entre outras atividades. Dedicou-se, também, de forma assídua a realizar
conferências e discursos, era um homem das palavras, do discurso à escrita. No entanto,
a atividade de escritor permeou toda a sua trajetória, seja como colaborador e redator de
alguns jornais de sua cidade natal – Pelotas – seja como escritor de literatura e teatro.
Talvez esse seja o maior motivo para que o autor seja tratado, na maioria das pesquisas
em que o envolvem, como escritor e, sobretudo, por causa de suas obras máximas Contos
Gauchescos (1912) e Lendas do Sul (1913), como escritor regionalista.
Contudo, refletir acerca de João Simões Lopes Neto como um intelectual de seu
tempo, percebendo as demandas do mesmo e refletindo sobre a problemática da nação,
se constitui em uma abordagem nova na bibliografia que trata do autor e de sua obra.
Dessa maneira, buscando essa outra face do autor, a presente pesquisa o leva em conta
como um intelectual engajado e preocupado com a questão da nação e, segundo ele, com
a falta de uma educação voltada para o civismo. Diferente da maioria das pesquisas, aqui
o autor será analisado não somente como um escritor de literatura regionalista – embora
esse também seja um assunto de interesse para essa investigação –.
Cabe salientar que a “documentação oficial” sobre o autor e sua obra não é muito
extensa, além de desencontrada2. Por exemplo, não temos muitas informações sobre as
leituras que realizou, os autores que o inspiraram, entre outras informações de
importância ímpar. Em sua maioria, essa documentação, encontra-se em acervos
1 João Simões Lopes Neto viveu durante quase toda a sua vida em sua cidade natal Pelotas no interior do
estado do Rio Grande do Sul. Exceção é o período curto que passou no Rio de Janeiro afim de concluir seus
estudos. As informações sobre esse período são bastante incertas, estima-se que ele tenha permanecido na
Capital do Império de 1877 a 1884. Contudo, tanto as datas quanto ao que o autor se dedicou nesse período,
que tipos de estudos estava realizando, por exemplo, são imprecisas. Para mais sobre a vida de João Simões
Lopes Neto ver: DINIZ, Carlos Francisco Sica. João Simões Lopes Neto, uma biografia. Porto Alegre,
RS: AGE/UCPEL, 2003. 2 Digo desencontrada pois não há um único acervo que reúna a totalidade da obra do autor e, muito menos,
documentação sobre sua vida. Dessa maneira, há vários “acervos” com diferentes documentações em
diferentes lugares. Sem falar nos “acervos” particulares, em sua maioria aberto apenas para um público
bem restrito. Constantemente, encontram-se nesse tipo de acervo, documentos inéditos. Infelizmente,
apenas alguns vêm à público.
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particulares, que muitas vezes privam o acesso aos pesquisadores. Sabemos que João
Simões Lopes Neto foi inspirado por alguns autores porque ele mesmo refere em suas
conferências, discursos e outras comunicações, no entanto, não temos registro acerca de
sua biblioteca pessoal, ou outras leituras que tenha feito, a não ser as que deixou registrada
nos poucos documentos que estão disponíveis para pesquisa. Fausto Domingues (2016,
p.15-16), que comprou um acervo do autor que estava sob posse do falecido Mozart
Victor Russomano, constata que a biblioteca pessoal de João Simões Lopes Neto se
perdeu. Segundo Domingues os livros que pertenceram à biblioteca do autor se perderam
[...] repartidos entre familiares, distribuídos por acervos alheios, vendidos
como sobras e restolhos, escondidos no fundo escuro de prateleiras
empoeiradas, carcomidos por fungos e traças, deixaram tênues indícios de sua
efêmera existência. Deles, de sua organização, dos critérios de seleção, do seu
número e abrangência, pouco ou nada sabemos. Temos plena ciência,
entretanto, que foi através deles, consumindo o combustível de opaco
candeeiros, em leituras diuturnas, em ansiosas buscas de saber, que o escritor,
quase autodidata, moldou seu pensamento e sua tessitura intelectual. Nos
últimos anos, com a instabilidade de sua vida, sempre de mala pronta, impelido
a mudar de domicilio, indo morrer em casa acanhada e emprestada, sua
biblioteca não escaparia à amarga e devastadora tempestade das dispersões.
(2016, p.15)
Contudo, suas publicações em jornais, seus discursos e conferências nos trazem
indícios valiosos que, somando as suas biografias nos ajudam na tarefa de revelar o seu
espaço de experiência, e a partir dele poderemos constatar, baseado em vivências do
autor3, o que pensava, baseado em quê, porque acreditava nisso ou naquilo, e, tão logo,
constatar o que estava no seu horizonte de expectativa.
Sua inquietude intelectual o levou à vários caminhos, entre eles, o que nos
interessa de forma substancial para essa pesquisa: sua dedicação à uma espécie de
“campanha nacionalista” que tinha por objetivo além, obviamente, de tratar de temas
nacionalistas, propor seu projeto de educação cívica e pedagógica. Dessa maneira, Simões
Lopes Neto estava atento as demandas do final do século XIX e início do XX no Brasil.
Nesse período, o país ainda era uma nação muito jovem e em formação, que carregava o
jugo de ter sido por muito tempo colônia de Portugal, Reino Unido e Império, saindo da
condição de uma monarquia apenas com a Proclamação da República em 1889. A partir
3 Ao contrário da “documentação oficial”, que não é ampla, existem uma série de obras de cunho biográfico
sobre o autor, assim como um vasto corpus de pesquisas publicadas acerca do autor e de sua obra, em sua
maioria sobre a perspectiva do mesmo enquanto escritor regionalista. Essas obras, sejam elas de cunho
biográfico ou pesquisas específicas serão analisadas enquanto corpus documental para essa pesquisa. Soma-
se a esse corpus as obras publicadas do autor.
15
desse momento, intelectuais de todo o país se dedicaram de forma mais profícua para a
construção da nacionalidade brasileira4.
Podemos dizer, que Simões Lopes Neto foi um desses intelectuais, que buscava
por meio de conferências atingir um grande público. No final do século XIX e início do
XX era comum que intelectuais, escritores e outros proferissem conferências sobre
diversos assuntos, pois era uma maneira de expressar e propagar ideias, além de gerar
debates. A partir de conferências, alcançava-se um grande público e as posteriores
publicações das mesmas eram populares. Além disso, grande parte da população não era
letrada ou com baixo grau de escolaridade5, assim as conferências se tornavam um meio
popular de comunicar e educar as massas e, nesse sentido, os escritores tinham papel
fundamental. Contudo, levando em conta que tais conferências aconteceram em clubes
sociais e bibliotecas municipais, podemos supor que, a maioria do público dessas
conferências eram pessoas letradas de segmentos médios ou abastadas da sociedade.
Cabe aludir que o autor foi membro e entusiasta do Partido Republicano Rio-
Grandense (PRR), o mesmo chegou ao poder com a Proclamação da República em 1889.
A base social desse grupo, segundo Kühn (2011, p.103), era formada por indivíduos
provenientes de latifundiários pecuaristas, coligados com os setores médios urbanos.
Ainda, segundo Kühn (2011, p.103), o PRR tinha por ideologia o Positivismo, mas de
maneira não ortodoxa; a “adaptação” do Positivismo para o contexto gaúcho permitiu a
implantação de um projeto capitalista, com a realização da modernização econômica,
principalmente no setor de transportes e com a alianças realizadas com os “segmentos
médios” e os grupos das regiões de colonização que ampliaram a base política do governo.
Outro importante passo a caminho da modernidade que o PRR adicionou ao seu plano de
governo, foi a questão da implementação da escola pública, destinada a expansão do
4 Também é objeto dessa pesquisa compreender o pensamento desses intelectuais contemporâneos à Simões
Lopes Neto e, captar como as ideias entre eles se aproximam ou se distanciam. Cabe lembrar também, que
outros já haviam se dedicado a pensar sobre a nação brasileira anteriormente, como alguns Egressos de
Coimbra que fizeram parte da Assembleia Constituinte de 1823. Esta Constituinte tinha por objetivo formar
a primeira Constituição do Brasil (Para saber mais ver: GAUER, Ruth Maria Chittó. A Construção do
Estado-Nação no Brasil. A contribuição dos egressos de Coimbra. - Curitiba: Juruá, 2001.). No entanto,
é no início do século XX que há uma movimentação mais ativa e “panfletaria” no sentido de pensar e criar
uma nacionalidade brasileira. 5 De acordo com Moacyr Flores (1993, p.136) por volta de 1893, o governo estadual exercia uma “ditadura
científica” para manter a ordem e obter o progresso, 74% da população não sabia ler nem escrever. O jovem
que conseguisse se formar no ginásio, o que equivale ao ensino básico hoje, estava apto para trabalhar na
função e no comércio.
16
ensino. Inspirados pelas ideias de Comte, os membros do PRR, fizeram com que o
Positivismo estivesse no cerne das ideias a serem propagadas à toda população.
Franklin Baumer (1990) analisa o Positivismo como parte de um movimento
maior do século XIX que ele denomina: Neo-Iluminismo. Faziam parte desse grupo, de
acordo com Baumer (1990, p.59), “radicais ingleses, a que Mil se refere, os positivistas
franceses, os jovens hegelianos da Alemanha e determinadas categorias de ‘realistas’,
cientistas, liberais e socialistas de toda a Europa”. De acordo com Baumer (1990, p.61),
esse grupo possuía traços gerais do Antigo-Iluminismo como:
[...] a mesma aversão pelo sobrenatural e pela metafísica; a mesma ênfase na
ciência e no ‘livre pensamento’ (no sentido da crítica da tradição religiosa); a
mesma preocupação com os problemas sociais e o ativismo social; o mesmo
otimismo quanto à natureza humana e à história. O Neo-Iluminismo, tal como
o Antigo, era, na sua essência, mais realístico do que Romântico, apesar do que
retirou do Movimento Romântico. [...]
Outra característica desse movimento é que ele possuía um sentido de mudança muito
mais profundo, segundo Baumer (1990, p.61-62), isso se deu porque tal movimento
surgiu depois da Revolução Francesa e concomitante à Revolução Industrial. A maioria
dos seus oradores pensavam em termos de uma realidade em continuo desenvolvimento
e uma ordem social em transformação.
Dessa forma, podemos constatar que o contexto histórico, ideológico, político e
social, no início da República no Rio Grande do Sul, trazia os ideais de modernidade, de
um mundo em constante mudança, de uma sociedade racional buscando o progresso físico
e intelectual e, para isso necessitava de uma população que fosse preparada para esse
processo por meio da educação.
O Rio Grande do Sul precisava acertar o passo com o centro do país, enriquecido
pela acumulação de capitais gerado pela indústria cafeicultora, ou melhor dizendo, a
internacionalização do capital a partir dos anos de 1870 gerou um mercado nacional
competitivo e, nesse contexto o Estado do Sul revelou-se com baixa capacidade de
acumulação de capital. Além do mais, tanto o Partido Liberal, quanto o Partido
Conservador não representavam os interesses dos novos setores que surgiram com o novo
sistema econômico em marcha. Com a queda do regime e a Proclamação da República,
surge no Rio Grande do Sul o Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), aliado aos
militares, fortificando a tradição militarista do Estado. Nesse contexto
17
[...] tratava-se antes de implantar-se o capitalismo, para o que se apresentavam
uma série de entraves. Ante mais problemas que se antepunham, o PRR
propunha-se a realizar a modernização econômica exigida. A ideologia
importada [Positivismo], posta a serviço das condições histórico-objetivas
locais, fornecia os elementos básicos que norteariam as ações do grupo no
poder: desenvolver as forças produtivas do Estado, favorecer a acumulação
privada de capital e propiciar o progresso harmônico de todas as atividades
econômicas. (PESAVENTO, 1980, p.46)
Inserido neste contexto, João Simões Lopes Neto proferiu as suas Conferências
intituladas: Educação Cívica, em Pelotas e outras cidades do Rio Grande do Sul nos anos
de 1904 e 1906, as quais tinham por finalidade alertar para os perigos do que ele chamava
de “falta de uma educação cívica” e ainda propôs um livro de sua autoria que auxiliaria
nessa tarefa “pátria”. Contudo, em suas Conferências, o autor não deixa claro o que
entendia por nação, nacionalismo, patriotismo e civismo, apenas para citar algumas
categorias que ele mesmo utilizou, todavia, a partir de suas ideias, podemos refletir sobre
o que acreditamos que ele entendia por esses termos6. No entanto, é preciso lembrar, como
exaltou Graig Calhoun (2007, p.25), que não há um primeiro nacionalista e tampouco um
momento único em que as pessoas começaram a pensar e ter aspirações políticas e
ideológicas em termos nacionalistas. O que houve foram várias mudanças históricas que
convergiram para a produção de um nacionalismo moderno.
Anthony Smith (2000, p.185) argumenta que a história do nacionalismo é tanto a
história de seus interlocutores, quanto da ideologia e do movimento em si. Para o autor,
o nacionalismo emergiu em um período da história europeia e se manifesta somente em
situações específicas. Além disso, os historiadores aparecem com destaque entre seus
criadores e devotos e, também lideram as tentativas de compreendê-lo e avalia-lo7. O
período ao qual o autor se refere é do surgimento da sociedade de massas, que “alterou
não só o contexto de nossa vida individual como também o sistema político em que nossa
sociedade está organizada. ” (BARRACLOUGH, 1973, p.119). A partir de novos
processos industriais, nas décadas finais do século XIX, surgiu também uma nova
organização industrial, concentrando um número expressivo de pessoas ao redor das
6 Reflexão mais apurada sobre os termos serão feitas em capítulo que analisará as conferências cívicas em
sua totalidade. 7 Os historiadores colaboraram em larga escala com os primórdios do nacionalismo europeu e na
historiografia da época do Romantismo. Depois da II Guerra Mundial os historiadores também figuravam
entre os críticos e os opositores do nacionalismo, atribuindo à este conotações negativas, associando as
ações nacionalistas à ações nocivas, de polícias sociais e culturais absurdas até o terror totalitário (SMITH,
200, p,185).
18
fábricas, foi nesses aglomerados urbanos que a sociedade de massas nasceu mudando
assim toda a estrutura social. Segundo Barraclough (1973, p.120) a cena estava “montada
para desalojar os então predominantes sistemas social e político burgueses, bem como a
filosofia liberal que os sustentavam, substituindo-os por novas formas de organização
política e social. ”.
Todavia, são muitas as correntes historiográficas, ideológicas e filosóficas que
tratam da Nação e do Nacionalismo, algumas se aproximam, outras se distanciam, por
exemplo: Fichte (2009) acreditava que as nações se construíam por diversos pontos
culturais como a língua e a religião, para ele a Nação formava o Estado. Já Renan (2011),
acreditava que o Estado formava a Nação e essa se constitui em um plebiscito diário, ou
seja, é construída, pensada e repensada sempre e, se modifica de acordo com os diferentes
lugares, sociedades, tempos e etc. Essa ideia de mudança diária reforça o pensamento de
que a nação não é algo estático, dado e imune às mudanças, além disso, Renan destacava
que a nação também é feita das coisas que em comum lembramos e, que em comum,
decidimos esquecer. Outra ideia de Nação, é a de Benedict Anderson (2008), para ele a
nação é uma comunidade política imaginada. Segundo a perspectiva de Anderson, a
nação ao ser imaginada é modelada, adaptada e transformada e os nacionalismos são
produtos culturais específicos. A diferença entre as nações está nas formas pelas quais
elas são imaginadas. Desse modo, “[...] a nação não é apenas uma entidade política, mas
algo que produz um sistema de representação cultural [...]” (HALL, 2006, p.49). A nação
é uma comunidade simbólica e esse simbolismo é o que produz as ideias de lealdade e
identidade nacionais. Estes são apenas alguns exemplos sintéticos acerca de autores e
suas ideias sobre a nação, no entanto, é importante lembrar que existem ainda muitas
outras diferentes vertentes historiográficas e ideológicas, com autores como: Elie
Kedourie (1988), Hans Kohn (1962), Ernest Gellner (1993), Eric Hobsbawm (1990) e
outros.
Contudo, importante definição de Nação para essa pesquisa é de Marcel Mauss
(2017). Para ele (2017, p.70) a nação é “uma sociedade material e moralmente integrada,
com poder central estável, permanente, fronteiras definidas, relativa unidade moral,
mental e cultural dos habitantes, as quais aderem conscientemente ao Estado e as suas
leis. ”. Ou seja, para que haja uma nação é preciso que toda a sociedade esteja integrada
e tenha abolido toda e qualquer segmentação (clãs, tribos, reinos, entre outros). Pensando
19
no caso dessa pesquisa, constatamos que João Simões Lopes Neto buscava com sua
construção discursiva, seja nas conferências cívicas, seja nos seus livros didáticos, essa
integração nacional, prejudicada, segundo ele, pelo isolamento das regiões em um país de
grandes dimensões geográficas como o Brasil. Apesar de ele exaltar a região, o que pode
parecer um paradoxo à primeira vista, ele acreditava que cada região construindo a sua
forma discursiva cultural poderia se conhecer melhor e conhecer as demais por meio da
educação cívica, aprender assim, sobre todos os cantinhos desse imenso país, criando,
dessa forma, um sentimento de unidade nacional, ou como sugeriu Mauss, de integração.
Para Mauss a nação é uma unidade política, ou seja,
[...] militar, administrativa e jurídica, de um lado econômica, de outro, e
sobretudo essa vontade geral, consciente, constante de cria-la e transmiti-la a
todos só se tornaram possíveis graças a uma serie de fenômenos significativos
que, posterior, paralela ou previamente, unificaram os demais fenômenos
sociais. Uma nação digna desse nome possui sua civilização estética, moral e
material e, quase sempre, sua língua. Possui sua mentalidade, sua moralidade,
sua vontade, sua forma de progresso, e todos os cidadãos que a compõem
participam, em suma, da Ideia que dirige. (MAUSS, 2017, p.77)
Dessa forma, essa unidade se expressa, por um lado pela pátria e, por outro, pelo
cidadão. Para Mauss (2017, p.79) a noção de pátria exprime a totalidade dos deveres que
os cidadãos têm perante o seu solo. Já a noção de cidadão exprime a totalidade dos direitos
(políticos e civis) que possuem esses cidadãos em contrapartida dos deveres que devem
cumprir.Para João Simões Lopes Neto, a questão dos deveres do cidadão em relação à
pátria é bem clara, devendo amá-la acima de qualquer coisa. Através de uma educação
cívica, pública e de qualidade o indivíduo adquiria para si a cidadania, ou melhor dizendo,
ao receber uma educação cívica de qualidade o indivíduo desde pequeno receberia as
noções de cidadania, ou seja, seus direitos e deveres em relação à Pátria. Segundo Ruth
Gauer (2014, p.21-22) a ideia de cidadania está ligada ao pertencimento a uma entidade
política territorial, já o conceito de cidadão se vincula à ideia de um indivíduo
politicamente situado face ao estado. Dessa maneira, após as revoluções americana e
francesa a ideia de súdito de um reino foi substituída pela ideia de cidadão de uma nação.
Portanto, “[...] A invenção do sujeito moderno com base na igualdade, assim como os
direitos individuais e as garantias constitucionais, passaram a ser incluídos no conceito
de cidadania, o qual foi vinculado ao de nacionalidade. ” (GAUER, 2014, p.22).
20
Dessa maneira, a ideia de cidadania ficou vinculada a ideia de cidadão de uma
nação. Os direitos e deveres do indivíduo são os direitos e deveres de sua pátria. Nesse
sentido, pertencer a uma nação garante certos direitos, assim como certos deveres. De
acordo com Sobral (2007, p.140), ao tratar do caso de Portugal, o crescimento da
educação pública elementar nos finais do século XIX foi um importante passo em direção
à cidadania. Citamos essa passagem de Sobral, porque mesmo não se tratando do caso
brasileiro, acreditamos que João Simões Lopes Neto acreditava que a educação cívica e
pública era um importante passo para a formação da cidadania e, logo da nacionalidade
brasileira. Acreditamos que, assim, como demostraram os teóricos citados acima, João
Simões Lopes Neto via a ideia de cidadania ligada à ideia de nacionalidade. Pensava em
um cidadão mais consciente de seus direitos e deveres e logo de sua nacionalidade e,
portanto, via na educação um importante caminho para essa consciência.
Carlota Botto (1996, p.16) em seu estudo que analisa desde o Iluminismo
enciclopedista até a Revolução Francesa, constata que a atmosfera mental do século
XVIII francês teve incalculável repercussão no discurso republicano brasileiro, seja no
final do Império, seja em toda a Primeira República. Esse período citado pela autora, é o
período em João Simões Lopes Neto viveu, pensou e elaborou seu projeto cívico e
pedagógico, portanto, podemos dizer que estava imbuído dessas ideias. Segundo Carlota
Botto (1996, p.16)
Do Iluminismo até a Revolução, vislumbra-se o surgimento de um espírito
público no qual a pedagogia passa a ser a pedra de toque. Havia, sem dúvida,
um Estado-nação a ser esculpido: o sentimento de pátria e a unificação
linguística eram dispositivos imprescindíveis para tal empreendimento. A
modernidade elegia a cidadania como referência e álibi para a sustentação de
uma sociedade que não equacionava as distâncias e as desigualdades sociais.
A cidadania, no entanto, exigia emancipação pelas luzes, pela erradicação do
suposto obscurantismo. Reivindicar uma escola única, laica e gratuita,
universalizada para todas as crianças de ambos os sexos, significava conferir
legitimidade ao prospecto de regeneração e de emancipação inscrito naquele
período que presenciava o acelerar da história. [...] A escola – como instituição
do Estado – deveria gerir e proteger a República.
Isto posto, podemos constatar que o autor, de certa forma, era um herdeiro dessas
ideias que tanto abalaram o final do Império e a Primeira República brasileira. A
República representava um novo tempo, onde deveria ser exaltado tudo o que mais fosse
nosso, genuíno, brasileiro para a formação dessa nacionalidade ainda tão embrionária.
Cabe destacar ainda, de acordo com Calhoun (2007, p.44-45) que
21
[...] Es impossible definir aquello que las diversas formas de nacionalismo
tienen en común a partir de una sola variable, como la construción del Estado-
nación, la industrialización, el desarrollo económico desigual o el
resentimiento. Lo que es general es el discurso del nacionalismo.
[...]mi sugerencia de que tratemos el nacionalismo, ante todo, como uma
formación discursiva.
E pensando no caso de João Simões Lopes Neto, podemos dizer que o autor criou
uma interessante forma discursiva de pensar a nação, a partir da história, geografia,
tradições e costumes do Rio Grande do Sul e, logo, do Brasil. Além disso, podemos
pontuar alguns aspectos para compreendermos melhor o que o autor desejava expressar
quando fazia alusão à nação, pátria, nacionalismo, civismo e outros. Para isso,
observaremos com bastante afinco ao longo desta pesquisa o seu projeto cívico e
pedagógico, o qual é composto sobretudo, de suas Conferências Cívicas (1904 – 1906),
da Artinha de Leitura (2013) e de seu livro de leitura Terra Gaúcha (2013)8.
Podemos considerar as Conferências Cívicas um modo que o autor encontrou de
se fazer ouvir por um grande público e de divulgar suas ideias sobre a falta de uma
instrução pública adequada e quais medidas deveriam ser tomadas para melhorar o ensino.
Umas dessas medidas, seria um livro didático adequado ao ensino brasileiro. Para isso,
propõe o seu livro de leitura Terra Gaúcha (2013)9, que apresenta uma interessante
abordagem que parte da região Sul para contemplar aos poucos todo o Brasil. E, quando
dizemos contemplar, queremos dizer que seu livro de leitura abrange aspectos muito mais
complexos que apenas historinhas para que se treinasse a leitura. Há nele uma interessante
construção discursiva que trata da história, da geografia, das lendas, tipos sociais, as
“coisas nacionais”, além de várias historinhas morais, pois, era preciso moldar o caráter
do pequeno cidadão. Já a Artinha de Leitura, é uma espécie de cartilha para ensinar a ler
e escrever, produzido pelo autor para facilitar a alfabetização de crianças, simplificando
o método de ensino da leitura e a Língua Portuguesa com uma espécie de “reforma
8 Acreditamos, como veremos mais detalhadamente mais adiante, que o autor possuía um projeto cívico e
pedagógico, contudo, não podemos afirmar que ele o tenha elaborado de forma sistemática e organizada.
Mas, ao observarmos a documentação, podemos constatar nexos bastante grandes entre algumas obras e
ações e, para esta pesquisa, elencamos, sobretudo, as três obras citadas, tendo a compreensão que outros
autores incluem outras obras e ações de João Simões Lopes Neto à essa ideia de projeto. 9 Cabe aludir que os manuscritos da Artinha de Leitura, como os de Terra Gaúcha ficaram perdidos por
muitos anos, sendo publicados apenas em 2013, por isso a data tão recente.
22
ortográfica”10. Mas, pode também ser percebida como um arrobo nacionalista pois, a
partir de nossas pesquisas constatamos que o autor buscava uma uniformização da língua
portuguesa, ao mesmo tempo que buscava diferenciá-la do português de Portugal, como
expomos no terceiro capítulo desta pesquisa.
Muitas foram as questões que apareceram ao longo desta jornada, assim como
muitos também foram os pontos que aos poucos foram perdendo importância e acabaram
por não compor essa análise. Mas, fazer história é isso, é preciso fazer escolhas: fontes,
métodos, teorias, enfim, de acordo com Certau (1982, p.81), “[...] tudo começa com o
gesto de separar, de reunir, de transformar em documentos certos objetos distribuídos de
outra maneira”. Assim, nos munimos das fontes e buscamos fazer questões à elas.
Conforme as respostas iam surgindo, uma trama peculiar ia se formando, para que o leitor
compreenda essa trama, optamos por organizar essa tese em três capítulos.
No primeiro capítulo, buscamos analisar o campo de experiência vivido por João
Simões Lopes Neto, ou seja, quais experiências vividas pelo autor o ajudaram a compor
o seu projeto cívico e pedagógico e, por conseguinte, a região e a nação? Para isso,
elencamos cinco pontos de experiência que acreditamos, foram essenciais para a
formação do pensamento de época do autor. O primeiro ponto tange a sua experiência
urbana, pois, o autor foi um homem essencialmente urbano, apesar de tratar com
frequência de temas do campo, muito moderno e atento as novidades de sua época. O
segundo ponto, configura a experiência de João Simões Lopes Neto enquanto jornalista
e, é um dos pontos mais importantes já que o autor foi jornalista a vida inteira, de forma
amadora ou como editor, foi nos jornais de sua cidade que o autor desenvolveu sua escrita
e constituiu redes de sociabilidade. O terceiro ponto, trata do autor como empreendedor
de indústrias. Essas, representavam um enorme avanço no caminho da humanidade para
o progresso, portanto, investir nelas tratava-se de um ato de empreendedorismo, mas,
sobretudo, de nacionalismo, tendo em vista que visava desenvolver a indústria brasileira.
O quarto ponto, versa sobre a influência do positivismo e a atuação do PRR no Estado,
dessa forma, versa sobre o autor enquanto um republicano. O último, porém, não menos
10 De acordo com Garcez (2013, pp.159) no início do século XX somente Brasil e Portugal eram estados
nacionais que tinham a língua portuguesa como língua oficial de fala e escrita. Nos dois estados o índice
de analfabetismo era grande nesse período, no Brasil em 1920, por exemplo, cerca de 65% da população
com 15 anos ou mais era analfabeta. Faltava políticas públicas nesse sentido e, por conseguinte, materiais
didáticos para o ensino da leitura. Assim, constata-se que Simões Lopes Neto detectou desde muito cedo
esse problema e tentou uma solução com sua Artinha de Leitura, visando, segundo Garcez, além de ensinar
a ler, formar leitores.
23
importante, é a questão da Gauchesca, da tradição gauchesca, que permeia a vida do autor
e se expressa em suas obras máximas, consagradas postumamente pela crítica.
Tendo o seu campo de experiência em mente, podemos analisar a segunda questão
que se coloca: foi João Simões Lopes Neto um intelectual? O que significa ser um
intelectual? Para responder tais questões buscamos uma série de definições teóricas
(Sirinelli, Denis, Koselleck, Sowel, entre outros autores). Buscamos analisar igualmente
o conceito de ideias força (Fouillé), bem como o impacto do pensamento inovador que
tomou o Brasil nos anos de 1870 e 1880. Analisamos também as ideias de João Simões
Lopes Neto e como elas “dialogavam” com outros intelectuais contemporâneos ou não.
Assim está estruturado o segundo capítulo desta tese.
Por último, com o campo de experiência e as questões relacionadas as ideias
expostos, podemos analisar no terceiro e último capítulo a questão primordial levantada
pelo autor: a educação e seu projeto cívico e pedagógico. Assim, nos questionamos se a
educação era notada como um meio de “regenerar” o povo, analisamos como a instrução
pública se desenvolveu no Brasil naquela época e quais eram as perspectivas do autor em
relação à isso. Ao analisarmos seu projeto cívico e pedagógico, especialmente, as
Conferências Cívicas, Artinha de Leitura e Terra Gaúcha encontramos um consistente
projeto que, por força do destino, não chegou a ser levado a cabo. Mas que contemplava
o Brasil a partir do Sul, avivando assim, o sentimento e a identidade nacional, a esperança
em um futuro que não se podia mensurar, mas que com a participação de toda a sociedade
elevaria a pátria, ainda jovem, a mais alto grau de prestígio.
Assim está disposta a trama que encontramos ao realizar essa pesquisa. Temos
total consciência de que fizemos um recorte histórico, elencamos teorias e métodos
historiográficos, bem como fontes e, que uma história total é praticamente impossível.
Mas, buscamos de forma honesta tratar desse autor tão interessante, tão inventivo, que
ainda hoje, cem anos após a sua morte, sempre tem algo novo a oferecer. Tratar de João
Simões Lopes Neto como um intelectual refletindo a nação não é uma abordagem
corriqueira e, pretendemos com essa tese, desvelar um pouquinho mais sobre esse autor
tão multifacetado.
24
CAPÍTULO 1
“...INTELECTUAL PELOTENSE, JORNALISTAS E TEATRÓLOGO JOÃO
SIMÕES LOPES NETO, DA ILUSTRE ESTIRPE DO VISCONDE DA GRAÇA...”11
Todos nós, ao longo de nossas vidas, acumulamos experiências que inseridas em
nosso contexto histórico e social, nos fazem ter uma percepção de mundo diferenciada,
única, pois, a maneira como cada um de nós vivencia essas experiências nos leva a
caminhos bastante distintos. Dessa forma, com a finalidade de analisar as experiências
vividas por João Simões Lopes Neto que o ajudaram a compor suas ideias, bem como,
sua narrativa sobre região é que esse capítulo se desenha.
Dessa forma, precisamos “conhecê-lo”, precisamos analisar o contexto histórico
em que está inserido, suas ações e suas criações. Portanto, João Simões Lopes Neto viveu
entre os anos de 1865 e 1916. Durante esse período de 51 anos exerceu as mais diversas
atividades e transitou pelos mais diversos meios sociais. O que para alguns críticos
literários e biógrafos pode parecer uma inconstância de seu “espírito”, uma contradição
ou, até mesmo, dispersão12, para nós, demonstra uma tendência de época, pois, era
bastante comum que intelectuais possuíssem várias ocupações e desenvolvessem vários
projetos ao mesmo tempo13, mais um ponto de análise do autor dentro de seu contexto.
Além do mais, dedicar-se a diversas atividades, bem como, estar inserido em diversos
meios demonstra o quão versátil o autor pode ter sido, enriquecendo sua trajetória com
experiências bastante diversas.
Segundo o historiador Reinhart Koselleck (2006, p.306), todas as histórias foram
construídas pelas experiências vividas e pelas expectativas das pessoas que atuam ou
sofrem. Logo,
A experiência é o passado atual, aquele no qual acontecimentos foram
incorporados e podem ser lembrados. Na experiência se fundem tanto a
elaboração racional quanto as formas inconscientes de comportamento, que
não estão mais, ou que não precisam mais estar presentes no conhecimento.
Além disso, na experiência de cada um, transmitida por gerações e instituições,
11 Palavras do historiador Mário Osório Magalhães ao se referir à João Simões Lopes Neto em seu texto:
Simões Lopes Neto e Pelotas: Influência da cidade na obra regionalista de seu maior escritor. IN: História
em Revista. Publicação do Núcleo de Documentação Histórica. Instituto de Ciências Humanas.
Universidade Federal de Pelotas. vol.8, 2002. – Pelotas: Editora da UFPel, 2002. Disponível em:
<https://wp.ufpel.edu.br/ndh/files/2017/02/08.-Mario_Osorio_Magalhaes.pdf>. Acesso: 02/02/2018. 12 Autores como Carlos Reverbel (1981) e Aldyr Garcia Schlee (2010) apontam as inconstâncias e
“contradições” na vida do autor. 13 Como Olavo Bilac e Coelho Neto, por exemplo.
25
sempre está contida e é conservada uma experiência alheia. Nesse sentido, a
história é desde sempre concebida como conhecimento de experiências alheias.
(KOSELLECK, 2006, p.310)
Analisar as experiências de João Simões Lopes Neto colaborará para que
possamos compreender mais amplamente suas ideias e suas construções discursivas que
serão investigadas no decorrer dessa pesquisa. Por ora, outro ponto se mostra
fundamental, estamos falando do contexto histórico e social ao qual o autor estava
inserido. É este contexto que fez com que o autor pensasse e elaborasse determinadas
coisas, foi inserido neste lugar que o autor viveu suas experiências. Assim, compreender
o autor inserido em seu contexto é ponto chave para essa pesquisa. Cabe salientar, que o
período em que o autor viveu se caracteriza por uma série de mudanças históricas e sociais
que permearam o mundo e, de acontecimentos de importância ímpar para a História do
Brasil e do Rio Grande do Sul. Como a Guerra do Paraguai, o apogeu e declínio das
charqueadas, a Proclamação da República, a Abolição da Escravidão, a Revolução
Federalista de 1893, os governos do Partido Republicano no Rio Grande do Sul com Júlio
de Castilhos e, posteriormente, Borges de Medeiros, a imigração europeia (sobretudo a
alemã e a italiana), apenas para elencar alguns exemplos.
Sua época foi marcada por constantes e rápidas transformações. De acordo com
Barraglough (1973), a chamada Segunda Revolução Industrial modificou para sempre a
vida das populações ao redor do mundo, com maior ou menor impacto. A industrialização
crescente começou a influir na condição de vida das massas, com seus novos materiais,
novas fontes de energia e aplicação do conhecimento científico à indústria. O crescimento
urbano sem precedentes nos arredores das fábricas formou uma massa urbana que deu
origem a sociedade de massas. Foi nesse período, que a Medicina sofreu um avanço
considerável, com o auxílio da energia elétrica e de novos conhecimentos aplicados,
surgiu, por exemplo, os antibióticos. A agricultura, também com o auxílio das novas
tecnologias aplicadas ao campo, sofreu grandes avanços e, a pasteurização do leite para
o consumo geral tornou-se ordinário a partir de 1890. Obviamente, a evolução na
Medicina auxiliou a sobrevivência dessas massas urbanas, que, precisavam se alimentar
em grande escala, impulsionando assim os avanços na agricultura. Em linhas gerais, esse
também foi o período no “neo-mercantilismo” e do imperialismo que, somados às novas
tecnologias encurtou distâncias, dando mais alguns passos em direção à globalização.
26
Dessa maneira, quando o autor escreveu suas obras no início do século XX, o
mundo já havia presenciado, há pouco tempo, por exemplo, a Guerra Franco-Prussiana,
a Conferência de Berlim, a Unificação da Itália e da Alemanha. Os estados europeus
estavam reivindicando a chamada Partilha da África. No Brasil, a escravidão tinha sido
abolida recentemente, bem como a Proclamação da República ainda era um fato novo.
Portanto, transformações bastantes significativas que provocaram a mudança de
perspectiva de uma época.
No que tange o campo das ideias, o século XIX representou uma multiplicidade
de pensamentos sem precedentes. Franklin Baumer (1990) em seu estudo sobre o
pensamento europeu moderno, agrupou essa infinidade de pensamentos em 4 “mundos”
distintos: o Mundo Romântico (onde todas as questões foram reexaminadas à luz da razão
e da imaginação), o Mundo do Neo-Iluminismo (o mais otimista, trazia a ciência como
esperança para a humanidade em busca de um futuro brilhante), o Mundo Evolucionário,
ou Darwinismo14 (pode ser observado como uma segunda fase do Neo-Iluminismo, porém
mais sóbrio que este), ajudou a moldar o Fin-de-siècle, o último “mundo” e mais difícil
de ser caracterizado porque foi o menos unificado em termos de pensamento. Importante
ressaltar, que estes “mundos” colidem uns com os outros e, não se estacam no século
XIX. Por isso são tão importantes para essa análise, pois as correntes de pensamentos
ultrapassam as temporalidades, se modificam, se moldam, e através dos intelectuais
podem trazer novos sentidos para antigas questões.
Isto posto, cabe dizer que de alguma forma esses pensamentos que permearam o
século XIX chegaram à João Simões Lopes Neto. É possível observar, por exemplo, em
suas Conferências Cívicas aspectos do Romantismo que, de certa forma, moldou os
primeiros pensamentos acerca da formação nacional na Europa15, do Evolucionismo ou
Darwinismo – num sentido de melhoramento da espécie humana – e, principalmente, do
Neo-iluminismo, destacando a corrente positivista de Augusto Comte.
14 A compreensão da Teoria da Darwin só foi possível após a compreensão do tempo geológico, que é
diferente do tempo histórico. A teoria de Darwin acaba com a ideia de fixidez e se baseia na ideia evolução
de tudo o que é vivo. A partir desse pensamento, o mundo e, por conseguinte, a humanidade está sempre
em constante evolução. 15 E por que não dizermos, também no Brasil? Se pensarmos nas primeiras construções literárias sobre o
Brasil e o brasileiro, como José de Alencar, por exemplo, observamos muitos aspectos do Romantismo.
Para mais sobre nacionalismo e romantismo ver: BERLIN, Isaiah. A Apoteose da vontade romântica: a
revolta contra o mito de um mundo ideal (p.558-584). IN: BERLIN, Isaiah. Estudos sobre a humanidade:
uma antologia de ensaios. Companhia das Letras, 2002, 717 p.
27
O pensamento positivista aparece em várias ideias do autor, não obstante, o
Positivismo representou uma importante matriz de pensamento no Brasil no final do
século XIX e início do XX, contudo, no Rio Grande do Sul as ideias positivistas de Comte
foram adotadas como ideologia política pelo governo do Partido Republicano Rio-
Grandense. Assim, muitas medidas adotadas pelo governo do PRR no Rio Grande do Sul
provinham do pensamento positivista, mantendo sempre a sua máxima “ordem para o
progresso” (ainda hoje estampada na bandeira nacional brasileira). João Simões Lopes
Neto era membro do PRR e vivenciou parte do período de governo do Partido no Estado,
bem como a Revolução Federalista de 1893, embora não tenha participado desta de
nenhuma forma.
Contudo, tendo em vista que o autor nasceu no ano de 1865, constatamos que ele
vivenciou com mais discernimento o período do Fin-de-siècle, no qual o método
iluminista foi especialmente reinterpretado e reforçado pelo darwinismo, representando
assim, a principal corrente de pensamento do século XIX (BAUMER, 1990, p.129). Esta
foi uma época frágil e,
[...] imperfeita porque, estritamente falando, este mundo representava não
tanto um fim como um princípio. Isto é, continha em si sementes de uma nova
espécie de modernidade cientifico-racionalista que viria a amadurecer durante
o desenrolar do século XX. [...] Era um mundo em revolução, não só contra o
Positivismo, mas contra todos os padrões dos valores e convenções burguesas,
e o racionalismo e convencionalismo burguês em geral. (BAUMER, 1990,
p.132)
Mesmo com a “revolta contra o Positivismo”, ou melhor, com a revolta contra o
cientificismo e não contra a ciência em si, esse movimento ganhou força. O corpo
principal de pensadores ainda acreditava na ciência e na razão para a obtenção do
progresso. Apesar disso, essa foi, ao mesmo tempo, uma época de incertezas, de crítica
às explicações puramente científicas, à exploração do inconsciente, da intuição e dos
instintos do homem, ou seja, de um psicologismo crescente. E, mesmo assim, a crença no
progresso se mantinha forte, mesmo com o chamado declínio, ou sentimento de
decadência contemporânea causada por uma crise espiritual, ou seja, com o declínio de
velhas crenças e o vazio religioso e metafisico causado pelo culto à ciência (BAUMER,
1990). Nesse contexto, cabe destacar que João Simões Lopes Neto era um crente do
progresso, que seria alcançado por meio de uma educação cívica adequada, que formaria
uma sociedade mais esclarecida sobre si, gerando um sentimento nacional.
28
Obviamente que, para a obtenção desse progresso a sociedade, além da educação,
precisava se modernizar, num sentido de inovação. E foi esse também, um período de
grandes inovações na Indústria, Ciência e Tecnologia, além dos avanços na Medicina,
Higiene e Nutrição. Os avanços na Medicina somados com a criação, por exemplo, dos
antibióticos, de vitaminas e hormônios, gerou uma nova perspectiva de vida para uma
grande massa urbana que se dedicava ao trabalho nas fábricas, formando assim, a
sociedade urbana industrial. Para alimentar essa grande massa, transformações
tecnológicas também foram empreendidas na agricultura. Nesse sentido, também
surgiram novas técnicas de refrigeração, como os navios refrigerados. Ademais as
estradas de ferro e as inovações nas viagens marítimas, encurtaram as distâncias,
juntamente com a tecnologia dos telégrafos. A abertura do Canal do Suez (1869), por
exemplo,
[...] reduzira a distância entre Europa e o Ocidente, e o tráfico por ele admitido
triplicou entre 1876 e 1890. Os produtos coloniais ultramarinos, tais como o
chá da Índia e o café do Brasil, apareceram em massa nos mercados europeus,
convertendo-se a Argentina em um dos principais exportadores de carne. O
resultado conjunto foi pôr-se em marcha algo não longe de uma revolução nos
métodos de alimentação de uma população industrializada e urbana.
(BARRACLOUGH, 1973, p.49)
Estava aberta aí a porta para a integração mundial e começo de um Novo
Imperialismo16. Dessa maneira, por mais longínqua e jovem que fosse a nação, ou a
cidade, ela não ficou imune à essas grandes mudanças, pelo menos alguma coisa chegou
até elas, nem que fossem em notícias. De acordo com Barraclough (1973, p.62), para os
habitantes das nações industriais, e mesmo os que viviam fora delas, as condições de vida
mudaram de forma fundamental. No final do século XIX, momento em que João Simões
Lopes Neto já era adulto e vivenciava as experiências urbanas, ficou evidente, segundo
Barraclough (1973, p.63) que a revolução iniciada na Europa era uma revolução mundial
e que em nenhuma esfera, seja ela tecnológica, social ou política, esse impulso poderia
ser defrontado, sustentado ou restringido.
16 Para Barraclough (1973, p.56) o Novo Imperialismo “[...] se trata de um movimento mundial, em que
todas as nações industrializadas, incluindo os Estados Unidos e o Japão, se envolveram. [...] Foi de outras
potências que o impulso subjacente no “novo imperialismo” partiu – de potências que calculavam ser o
vastíssimo império britânico a fonte de seu poderio e pensavam as suas próprias e recentes fundadas forças
industriais lhes davam o direito e criavam a necessidade de adquirirem um “lugar ao sol”. ”.
29
Marshall Berman (1986, p.15) caracteriza a modernidade como uma experiência
vital, para ele “Ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder,
alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas em redor – mas ao
mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos.”.
Seguindo a definição de Berman, podemos afirmar que João Simões Lopes Neto foi um
homem que viveu essa experiência. Que se viu em um ambiente urbano em constantes
transformações materiais, sociais e de mentalidades e, que viu, igualmente, toda uma
tradição rural – que sustentou financeiramente o progresso da sua cidade – aos poucos
ficar para trás e, quiçá, desparecer. Berman (1986, p.16), afirma que muitas pessoas
provavelmente experimentaram a modernidade como uma ameaça radical a toda a sua
história e tradições, contudo, segundo o filósofo, no curso de cinco séculos a modernidade
também desenvolveu uma rica história e uma variedade de tradições próprias.
Agora pensemos, João Simões Lopes Neto, um intelectual, em meio a todas essas
transformações, vivenciando de perto e atento cada momento, certamente não quedou
imune ao sentimento de turbilhão da vida moderna, do qual que nos fala Berman (1986,
p.16),
O turbilhão da vida moderna tem sido alimentado por muitas fontes: grandes
descobertas nas ciências físicas, com a mudança da nossa imagem do universo
e do lugar que ocupamos nele; a industrialização da produção, que transforma
conhecimento cientifico em tecnologia, cria novos ambientes urbanos e destrói
os antigos, acelera o próprio ritmo da vida, gera novas formas de poder
corporativo e de luta de classes; descomunal explosão demográfica, que
penaliza milhões de pessoas arrancadas de seu habitat ancestral, empurrando-
as pelos caminhos do mundo em direção a novas vidas; rápido e muito vezes
catastrófico crescimento urbano; sistemas de comunicação de massa,
dinâmicos em seu desenvolvimento, que embrulham e amarram, no mesmo
pacote, os mais variados indivíduos e sociedades; Estados Nacionais cada vez
mais poderosos, burocraticamente estruturados e geridos, que lutam com
obstinação para expandir seu poder [...].
“Imerso” nesse turbilhão, João Simões Lopes Neto externou suas preocupações, foi um
entusiasta do progresso e ao mesmo tempo um zelador da tradição, buscando o equilíbrio
necessário entre o moderno, o novo, e a constituição da memória regional e, por
conseguinte, nacional. Para manter, de alguma forma, viva uma espécie de tradição.
Tendo em mente esse contexto histórico e social, pensando o autor como um
intelectual, vivendo a experiência da modernidade, ou melhor dizendo, levando em
consideração as suas experiências vividas e, com o objetivo de analisar e constatar as
essas experiências é que este capítulo se desenha. Entretanto, esta não é uma tarefa fácil
30
pois, o autor se dedicou, como já dissemos, à muitas atividades e circulou por diversos
meios sociais. Apenas para que se tenha ideia, atuou como: jornalista colaborador e
posteriormente profissional e editor chefe de redação, professor na Escola de Comércio
do Clube Caixeral17 de Pelotas, 2º notário da cidade18, Presidente da União Gaúcha19
(1904), Presidente da Associação Protetora dos Animais (1911), Capitão da Guarda
Nacional, Membro e fundador da Academia de Letras do Rio Grande do Sul (1910, ainda
sem possuir nenhum livro publicado), escritor de teatro e literatura (contos, poemas,
triolets20, crônicas, lendas e outros). Essa dedicação à uma infinidade de atividades
certamente enriqueceu sua experiência, pois pôde transitar por diversos meios e conhecer
pessoas de todas as ordens, o que lhe proporcionou uma visão mais ampla acerca de vários
temas. Contudo, não podemos correr o risco e, nem temos a pretensão, pois sabemos
impossível, de fazer uma História Total que abarque tudo sobre o autor, até mesmo porque
não é nossa intenção escrever mais uma biografia. Por isso, elencaremos e analisaremos
as experiências, que acreditamos, nos auxiliarão de forma substancial para a melhor
compreensão do tema da tese.
Outro ponto importante é que o autor não possuiu uma instrução formal, ou seja,
não se encontrou, até o momento, nenhuma documentação referente a sua presença em
instituições de ensino21. Logo, nosso foco nesta pesquisa, norteado pelas fontes são as
experiências vividas pelo autor que nos ajudaram a formular o raciocínio de um
intelectual pensando a nação em sua época. Além disso, trabalharemos com o que Baumer
17 No jornal A Opinião Pública de 03 de dezembro 1910 o nome de João Simões Lopes Neto aparece em
notícia sobre os exames finais da Academia de Comércio do Clube Caixeiral. O autor compôs a “mesa
examinadora” da prova oral de Italiano. O que nos faz supor que tinha conhecimento da língua em questão. 18 No jornal A Federação de 08 de junho de 1904 lê-se: “Perante ao dr. Juiz da comarca de Pelotas, prestou
compromisso para o cargo de segundo notário do município o nosso correligionário tenente João Simões
Lopes Netto. ” O chamam de correligionário porque era membro filiado do PRR e tenente porque foi tenente
da Guarda Nacional, sendo posteriormente elevado à capitão. 19 A União Gaúcha é a entidade tradicionalista mais antiga do Rio Grande do Sul. Foi fundada em Pelotas
em 1889, antes mesmo de existir o Movimento Tradicionalista Gaúcho (1966), hoje, ainda em
funcionamento, chama-se União Gaúcha João Simões Lopes Neto. Ao contrário do que muitos
pesquisadores reproduzem o autor não foi fundador da União Gaúcha, tornando-se membro da mesma
somente em 1901. Em 1904 presidiu a entidade. 20 “Triolet” é uma espécie de poema de forma fixa, originário da França (século XIII), caiu em desuso no
século XVI e retornou com o parnasianismo. Em síntese, são estrofes de 8 versos, sendo o 1º, o 4º e o 7º
repetidos; a 8º repetição do 2º. “A adequação das “Balas de Estalo” a essa forma demonstra um pouco do
adestramento de Simões às técnicas poéticas em voga no seu tempo. ” (CHIAPINNI, 1988, p.29). Arthur
Hameister, colega de jornal de João Simões Lopes Neto em 1888, argumenta, segundo Moreira (1983, p.5),
que iguais aos triolets do autor só havia os de Fontoura Xavier. 21 Sobre esse tema específico trataremos na sequência deste capítulo, no item JOÃO SIMÕES LOPES NETO
– UM HOMEM URBANO.
31
(1990, p.23), citando o filósofo Fouilée, chamou de “ideias-força”, que são aquelas ideias
que ganham força em si, se mantém através dos tempos, se incorporando na sociedade e
permanecendo, como a ideia de liberdade, por exemplo.
Como a documentação oficial referente ao autor é escassa, nos valeremos aqui de
duas biografias que abarcam sua vida e sua obra, são elas: Um Capitão da Guarda
Nacional: vida e obra de J. Simões Lopes Neto de Carlos Reverbel (1981) e João Simões
Lopes Neto: uma biografia de Francisco Sica Diniz (2003). Além de outras obras que
tratam do autor como: No Entretanto dos Tempos: Literatura e História em João Simões
Lopes Neto de Lígia Chiappini e Simões Lopes Neto: Regionalismo e Literatura (1982)
de Flávio Loureiro Chaves. A produção de João Simões Lopes Neto também será levada
em conta aqui, não só suas obras máximas, mas suas Conferências Cívicas, realizadas em
Pelotas e outras cidades do Rio Grande do Sul nos anos de 1904 e 1906. Somam-se a esse
corpus documental, outros discursos e artigos do autor e notícias de jornais referentes a
ele e/ou a suas obras. A cartilha para o ensino da leitura, Artinha de Leitura e o livro
didático Terra Gaúcha também compõem esse corpus documental. Não obstante, a
coletânea de textos variados, de cunho jornalístico, de João Simões Lopes Neto idealizada
por Ângelo Pires Moreira – A Outra Face de J. Simões Lopes Neto (1983) – também
consiste em importante fonte.
Para que possamos analisar com mais afinco as experiências vividas pelo autor,
tomaremos como importante ferramenta a categoria histórica espaço de experiência,
elaborada pelo historiador Reinhart Koselleck22. Segundo o historiador, essa categoria,
somada com outra, também criada por ele e denominada horizonte de expectativas, são
capazes de fundamentar a possibilidade de uma história (KOSELLECK, 2006, p.306),
por meio das experiências vividas pelos indivíduos que a compõem. Além disso, como
categorias históricas, experiência e expectativa, equivalem às categorias de espaço e
tempo (KOSELLECK, 2006, p.307). Contudo, não devemos esquecer que não há
expectativa sem experiência e, muito menos, experiência sem expectativa. Em suma, de
acordo com Koselleck (2006, p.308)
[...] experiência e expectativa são duas categorias adequadas para nos
ocuparmos com o tempo histórico, pois elas entrelaçam passado e futuro. São
adequadas também para se tentar descobrir o tempo histórico, pois,
22 Para mais ver: KOSELLECK, Reinhart. Crítica e Crise: uma contribuição à patogênese do mundo
burguês. – Rio de Janeiro: EDUERJ: Contraponto, 1999. E, Futuro Passado: a contribuição à semântica
dos tempos históricos. – Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006.
32
enriquecidas em seu conteúdo, elas dirigem as ações concretas no movimento
social e político.
Dessa maneira, com o auxílio dessas categorias, principalmente, neste momento,
a de espaço de experiência, objetivamos elucidar o tempo histórico de João Simões Lopes
Neto e analisar suas experiências vividas. A partir delas compreender de forma mais clara
suas motivações, ideias e feitos, só assim, poderemos compreender suas expectativas com
mais precisão. A partir dessa perspectiva, caminharemos na direção de observar como o
autor compreendia a nação a partir do Sul, criando assim uma narrativa “regional” para
elaborar um discurso nacional, questão que se constitui como eixo central dessa pesquisa.
Isto posto, o primeiro capítulo se desenvolve no sentindo de mapear as
experiências de João Simões Lopes Neto através de cinco pontos que acreditamos serem
fundamentais para a compreensão dessa pesquisa. O primeiro ponto, refere-se à análise
das experiências do autor no meio urbano, ou seja, de suas vivências na cidade de Pelotas,
suas práticas enquanto homem moderno e citadino. O segundo, trata de sua experiência
enquanto jornalista e homem das palavras, pois, foi nos jornais de sua cidade que o autor
se desenvolveu enquanto escritor. O terceiro ponto, abarca suas empreitadas industriais e
como o autor estava conectado com os processos de desenvolvimento e modernização de
sua cidade. O quarto ponto, trata da influência do pensamento positivista, adotado como
ideologia política pelo Partido Republicano Rio-Grandense. E o último ponto, refere-se a
sua experiência com a cultura/literatura gauchesca, sua experiência mais bem-sucedida.
1.1 JOÃO SIMÕES LOPES NETO – UM HOMEM URBANO
Pode parecer um grande paradoxo começar a tratar do espaço de experiência
vivido por João Simões Lopes Neto pelo meio urbano, tendo em vista que o autor é
considerado o maior regionalista gaúcho e, que suas obras máximas tratam do ambiente
rural em um tempo que se aproxima ao mítico. Porém, não há aqui paradoxo algum,
apesar de a maioria das pessoas imaginarem que o autor era um homem do campo, na
verdade, ele sempre foi um homem urbano. Empenhou-se em conhecer tudo o que havia
de mais moderno a sua época e os progressos de sua cidade natal, à qual se dedicaria e
viveria por toda a sua existência. Era um republicano, preocupado e atento as novidades
33
do mundo que cada vez ia ficando “menor” com o avanço nas novas tecnologias, dos
transportes e da comunicação que aos poucos encurtava as distâncias.
Contudo, vale destacar que o autor nasceu no ano 1865 e viveu os seus primeiros
oito anos na Estância da Graça23, propriedade rural de seu avô, o Visconde da Graça, um
dos intitulados Barões do Charque24. Tirando esses oito anos, João Simões Lopes Neto
foi um homem citadino, exceção foi o tempo curto que passou com o pai na Estância São
Sebastião em Uruguaiana, logo após retornar do Rio de Janeiro. Ou seja, além dos oito
anos e outro curto período de tempo no meio rural, em Uruguaiana, o autor sempre viveu
na cidade, no meio urbano. Todavia, não excluímos o tremendo impacto que esse período
no mundo rural causou ao autor, contudo, como Jorge Luís Borges25 (1989), acreditamos
que talvez esse impacto tenha se dado pelo choque de sua cultura urbana e letrada com
esse outro universo tão rudimentar26. Cabe destacar que, os hábitos gauchescos, de acordo
com Magalhães (2002, online), não influíram, de modo geral sobre o cotidiano de Pelotas
no século XIX; de acordo com o historiador, a origem de Pelotas é diversa da maioria das
cidades gaúchas, formando desde cedo uma civilização caracteristicamente urbana, sendo
predominantes os valores relacionados as artes, as letras e as ciências.
Mas Anjos (2000, p.45), nos fala de uma região da cidade chamada de Tablada,
este era o local público onde se faziam a compra e a venda de gado em época de safra,
afora ocorria ali o comércio de uma grande gama de outras mercadorias como lã, couro,
produtos coloniais e outros. Essa era uma região onde havia a concentração de peões,
23 O historiador Mário Osório Magalhães (2002, online) chama de Charqueada da Graça e explica que “[...]
a Graça, fugindo à regra, não era uma charqueada-padrão, por ser mais extensa do que a maioria e ter uma
lotação de mais ou menos mil reses; mas também não pode ser classificada de estância, segundo o modelo
do século XIX. Era mesmo um estabelecimento fabril, especificamente dedicado à industrialização da
carne, servindo-se do trabalho escravo; apenas, como outras poucas charqueadas, funcionava numa
propriedade rural de dimensões medias. O gado que criava era insuficiente para suprir de matéria prima
(cerva de vinte mil cabeças) todo o charque que produzia. ”. Contudo, a denominação mais utilizada é
Estância da Graça, a qual seguimos. 24 O título de Barão era o primeiro na escala hierárquica da nobreza brasileira. Em Pelotas, dez
charqueadores receberam esse título, somente no Primeiro Reinado. Um deles foi o avô de João Simões
Lopes Neto, sendo consagrado posteriormente com o título de Visconde da Graça. Para mais sobre os
Barões do Charque ver: MAGALHÃES, Mário Osório. Barões do Charque. IN: LONER, Beatriz. GILL,
Lorena. MAGALHÃES, Mário Osório (org.). Dicionário de história de Pelotas. Pelotas: Ed. Da UFPel,
2010, pp.28-29. 25 Jorge Luís Borges acreditava que a Gauchesca, como expressão cultural, surgiu nas grandes cidades. Foi
a estranheza que se deu entre os gaúchos (homens do campo) e os homens urbanos que criou a Gauchesca
nas guerras de fronteira, como a Guerra do Paraguai (1865), por exemplo. Tal evento bélico é pano de fundo
para um conto de João Simões Lopes Neto: Chasque do Imperador. 26 Sobre esse assunto em especifico trataremos na sequência deste capítulo, no item A GAUCHESCA
COMO EXPERIÊNCIA.
34
tropeiros, estancieiros e colonos. O viajante Herbert Smith (1922) deixou suas impressões
sobre a Tablada em 1882:
Chama-se assim um descampado extenso e quase liso, onde de dezembro a
maio se vendem as manadas que chegam. Algumas trazem quinze dias de
viagem. Pode haver aqui ao mesmo tempo umas vinte datas, cada uma de
centenas de cabeças; rudes gaúchos, vestidos com habitual camisa de chita,
ceroulas fofas ou bombachas e ponchos riscados, galopam em todas as
direções, conservando os animais nos lugares e impedindo que se misturem as
tropas27; o gado, cansado de longo caminho e espantado da cena estranha,
conserva-se junto, movendo os chifres e urrando em tom de queixume. Os
donos das charqueadas movem-se rapidamente aqui e ali em seus belos
cavalos, examinando as várias tropas, calculando-lhe o valor com rapidez e
precisão admiráveis e fechando os negócios às pressas com estancieiros e
peões. O mercado é sempre ativo, porque a concorrência é muito forte entre os
vinte ou trinta charqueadores; em geral as boiadas inteiras estão vendidas em
pouco tempo depois da chegada.
Notamos que, apesar dos hábitos gauchescos não influenciarem no cotidiano da cidade,
eles estavam presentes, como por exemplo, na Tablada. Deste modo, não era preciso ir
muito longe para se ver os “rudes gaúchos”, como se vestiam e seus hábitos ao lidarem
com o gado. Além disso, Smith (1922) nos deixa o registro de que esse era um lugar onde
havia a interação direta entre os charqueadores, estancieiros e peões. É possível supor que
João Simões Lopes Neto possa ter acompanhado o pai (charqueador e estancieiro),
alguma vez na vida, em uma ida à Tablada para comprar gado. Isto posto, podemos pensar
que apesar de Pelotas não ser uma cidade dita rural, bem pelo contrário, o que fomenta a
modernização e a urbanidade é o meio rural, são as charqueadas e tudo mais que as
envolve, como o comércio na Tablada. No mais, Anjos (2003, p. 45), diz que havia um
comércio de produtos, além do gado, neste local. Produtos estes, a maioria coloniais, que
supriam as dispensas dos casarões da cidade. Dessa forma, chegamos à conclusão que
mesmo Pelotas sendo uma cidade muito urbana voltada para as artes, o elemento rural se
fazia presente de várias formas e, nesse sentido, os “rudes gaúchos” também se faziam
presentes e essenciais, pois eram eles que traziam a matéria prima para a charqueada e,
certamente não passaram desapercebidos por João Simões Lopes Neto.
De qualquer forma, João Simões Lopes Neto foi residir no meio urbano da cidade
Pelotas no ano de 1874, com nove anos. Nesse momento, o autor começa sua vida escolar,
o que não quer dizer que fosse analfabeto. Era comum que as famílias abastadas
27 Grifo nosso.
35
provessem as primeiras letras aos filhos em suas próprias residências. Carlos Reverbel,
um de seus biógrafos mais respeitados, diz:
Era habitual na época, entre fazendeiros abastados, ministrar-se as primeiras
letras aos meninos da campanha, nas próprias estâncias. [...] Depois, a
circunstância de Simões Lopes Neto manifestar, desde os cinco ou seis anos
de idade, especial interesse por gravuras e livros, ‘brincando de ler e escrever’,
o que levou o pai a dar-lhe uma pequena escrivaninha de presente, deve ter
contribuído para que se cuidasse de ministra-lhe as primeiras letras quando
ainda vivia na estância. (REVERBEL, 1981, p.34)
Inicia-se então, a sua experiência urbana. Todavia, a história de Pelotas, assim
como a do autor, está amplamente conectada ao “meio rural”, ou melhor dizendo, às
charqueadas. Foram esses estabelecimentos primitivos de salga de carne e mão-de-obra
escrava, que geraram a riqueza da cidade, proporcionando a ela um status social e cultural
diferenciado das demais cidades da Província. O autor nasceu e viveu sua infância no
período de apogeu desses estabelecimentos (1860-1890), porém, esse processo de
enriquecimento monetário, social e cultural só se deu no momento em que uma indústria
primitiva, como era uma charqueada, passou por um processo de transformação que
culminou em uma indústria capitalista, transformando, dessa maneira, as relações dos
charqueadores com os peões. Esses charqueadores agora enriquecidos, deslocam-se para
a cidade, onde começam a desenvolver atividades políticas e a transformar o panorama
cultural da mesma. Ester Gutierrez (2009, p.201) diz que existiram, pelo menos, trinta
charqueadas contíguas e, trabalhando nelas, quase dois mil escravos. Portanto, as
charqueadas eram o núcleo de maior concentração monetária e de acumulação de capitais
da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, o que proporcionou à Pelotas (elevada
a cidade em 09 de julho de 1835) um amplo processo de modernização, o qual pôde-se
notar, principalmente, no ambiente urbano. Soares (2001, online), diz que Pelotas era
[...] uma cidade de modernidade aparente e incompleta, onde o sustento e ao
fausto da frondosa arquitetura dos palacetes e dos teatros era a crueldade e a
desumanização da escravidão das charqueadas. Na cidade os pobres estavam
segregados nas várzeas, nas baixadas e nos subúrbios. Cabeça ‘na Europa’,
mãos na chibata: assim viviam os baronetes pelotenses. [...]
Foi nesse ambiente de aparentes contradições da modernidade urbana que o autor
começou sua vida escolar. Os dados quanto à essa experiência são um tanto confusos.
Seguimos pelas indicações de Diniz (2003), o qual apresenta extensa pesquisa e
documentação em relação à vida do autor. De acordo com Diniz (2003, p.48-49), João
Simões Lopes Neto ao instalar-se na cidade de Pelotas foi estudar no Colégio Francês de
Aristides Guidony. Diniz se baseia na nota escrita por Manoelito de Ornellas, que
36
conheceu e foi próximo da viúva de João Simões Lopes Neto, a nota foi publicada na
Revista Ilustração Brasileira do Rio de Janeiro no ano 1955, e vinha acompanhando o
conto Deve um queijo!.., nela podemos ler:
Com o falecimento de Tereza Freitas Lopes [mãe], o menino João foi enviado
para a Capital da República28, sob o cuidado de seus tios Ildefonso Simões
Lopes, nome eminente na política nacional e irmão de eu avô, e de João
Augusto Belchior, irmão de sua mãe. Em Pelotas frequentou o Colégio
Gueldony29. No Rio, completou sua formação secundária e ingressou na Escola
de Medicina, que cursou até o 3º ano. (Revista Ilustração Brasileira, ano XLVI,
nº239, 1955, p. 59).
Assim, o menino com 9 anos começava sua vida escolar em Pelotas no Colégio
Francês do educador Aristides Guidony. Pode ter sido aí que o autor adquiriu seus
conhecimentos de língua francesa. Fato importante é que uma das raras fotografias que
existem do autor30 é da época do Colégio Francês e está identificada como Le petit
Simões31.
28 Nessa época Capital do Império, tendo em vista que a Proclamação da República só se deu em 1889, e a
essa época estamos falando do ano 1874. 29 Grifo nosso. A grafia correta é Guidony. 30 O acervo iconográfico de João Simões Lopes Neto é bastante pequeno. Alargado um pouco pelas
fotografias recentemente encontradas para a exposição Simões Lopes Neto: Onde não chega o olhar
prossegue o pensamento do Santander Cultural (2016), no arquivo pessoal de Luiz Simões Lopes, cuja
fonte está no CPDOC da Fundação Getúlio Vargas. 31 Na biografia de Diniz (2003) ele identifica a foto como Le petit Simões, contudo, a grafia da escrita
abaixo da fotografia gera dúvidas, parece estar escrito Le petit Bemol. Serafim Bemol foi um importante
pseudônimo de João Simões Lopes Neto, o qual ficou conhecido por seus contemporâneos através dele.
Entretanto, mantemos a descrição de Diniz, que parece fazer mais sentido tendo em vista que na época da
foto o autor ainda não possuía pseudônimos, a menos que a foto tenha sido identificada posteriormente,
tendo em vista a imprecisão da data, também exposta abaixo da fotografia. Por via das dúvidas, mantemos
a identificação feita por Diniz.
37
Figura 1: Le Petit Simões 188?
Fonte: Catálogo da Exposição Simões Lopes Neto onde não chega o olhar prossegue o pensamento, 2016.
Importante para essa pesquisa é a apreciação que Diniz (2003, p.50) fez sobre a
fotografia: “Revela-se ali, à primeira vista, quando já processada a ruptura com a vida
campeira, um urbaníssimo modelo que se veste no rigor da moda europeia32 e que poderia
passar por um aluno do liceu Condorcet, de Paris. ”. Desse modo, a vida na Estância da
Graça havia ficado para trás, João Simões Lopes Neto seria, a partir desse momento, um
homem urbano por toda a sua vida. As incursões pelo mundo campeiro só se dariam em
,,,32 Grifo nosso para destacar o caráter urbaníssimo do autor já na mocidade, ligado aos exemplos do que
havia de mais moderno no “mundo europeu”.
38
férias ou outras excepcionais ocasiões e, posteriormente, em seu projeto cívico e
pedagógico e nos contos e lendas, já no mundo da ficção.
Outra importante experiência no ambiente urbano foi o período em que o autor
viveu no Rio de Janeiro, na época a Capital do Império. Após a morte de sua mãe, no
inverno de 1876, foi levado ao Rio de Janeiro para concluir seus estudos. Como apontou
a citação acima de Manoelito de Ornellas (1955), na Revista Ilustração Brasileira, o autor
foi para o Rio de Janeiro sob os cuidados do tio-avô Ildefonso Simões Lopes, importante
nome na política nacional, e do tio Augusto Belchior. Como já dissemos, a vida escolar
de João Simões Lopes Neto é uma constante questão que ainda apresenta muitas lacunas
e muitas informações desencontradas, ou não comprovadas. Sobre seu período no Rio de
Janeiro não seria diferente. Para começar, não se sabe exatamente que ano ele teria ido,
sabe-se que foi após o falecimento da mãe, contudo pode ter sido entre o ano do
falecimento, 1876, e 1878. A partir de sua ida para a capital mais duas questões se
colocam: onde teria concluído seus estudos secundários, no Colégio Abílio como apontam
alguns estudiosos? E após esse período, teria cursado três anos na Faculdade de Medicina,
como aponta Ornellas (1959, p.59)?
Carlos Reverbel, importante biógrafo e divulgador da obra de João Simões Lopes
Neto, aponta em sua biografia que não se sabe ao certo que colégio o autor frequentou
em Pelotas33, contudo, “é certo que, no Rio de Janeiro, ele foi aluno do Colégio Abílio,
do Barão de Macaúbas (Abílio César Borges), o famoso Aristarco, retratado com crueza
no ‘Ateneu’, de Raul Pompéia.” (1981, p.35). Lígia Chiappini (1988) aponta que
Pouco se sabe sobre a sua estada no Colégio Abílio, mas é fácil imaginar um
pouco suas experiências ali, se pensarmos no cotidiano da escola, descrito no
romance de Pompéia. Estudos mais recentes revelam que se tratava de um
colégio cuja proposta básica era modernizar o ensino, em confronto direto com
o tradicional D. Pedro II, mais voltado para o ensino das humanidades, no
velho estilo imperial. (CHIAPPINI, 1988, p. 21).
Entretanto, em pesquisa mais recente, Diniz (2003) aponta que não foram
encontrados nos documentos referentes ao educandário, no Arquivo Nacional do Rio de
Janeiro, nenhum registro de João Simões Lopes Neto. Não obstante, encontram-se
referências de Antônio Simões Lopes e Ildefonso Simões Lopes, tios do autor, seus
contemporâneos, filhos do Visconde da Graça em seu segundo matrimônio. Para Diniz
33 Mistério praticamente resolvido por Diniz (2003) baseado em Ornellas (1955) como demonstramos no
texto.
39
(2003, p.57) “pode-se quase afirmar que Simões Lopes Neto jamais prestou exames no
Colégio Abílio. ”. Diniz diz ainda que “É difícil imaginar, contudo, que o escritor tenha
passado em brancas nuvens no educandário do Barão de Macaúbas, a ponto de nunca ser
lembrado por seus professores. ”. Assim, sem registros e sem evidências, ou outros
indícios que nos levem a crer que o autor realmente tenha estudo em tal educandário, duas
outras possibilidades se abrem nesse caminho nebuloso. A primeira, apontada por Diniz
nos leva a crer que tenha estudado em sua residência com professores particulares.
A sobrinha Ivete Barcellos Massot registrou que o tio escritor lembrou-se, certa
vez, de dois professores particulares que teve no Rio de Janeiro. Um rigoroso
baiano, que ensinava latim, e um professor de francês, cego. Este dava lições
com o auxílio de uma enorme régua, que apontava para todos os objetos da
sala, como se estivesse enxergando. Na verdade, a enorme distância geográfica
que separava o longínquo Rio Grande do Sul e o ambiente familiar dos Simões
Lopes, de grande prestígio na capital do país seria amenizada pelos cuidados
do tio-avô Ildefonso Simões Lopes, de grande prestígio na corte, e do tio João
Augusto Belchior, que também residia no Rio de Janeiro. A segurança desse
apoio poderia ter propiciado uma proveitosa temporada de estudos, que se
anunciava longa e que veio a ser interrompida antes do tempo previsto. Na
falta de comprovação documental, fica-se com a hipótese de que os estudos
preparatórios de Lopes Neto, no Rio de Janeiro, não chegaram a ser oficiais34.
(DINIZ, 2003, p.57-58).
Outro caminho foi apontado por Heloísa Netto (2015) em sua dissertação de
Mestrado, Mais que João, Joões: a Trajetória de João Simões Lopes Neto (1865-1916)
em seu contexto, que devido aos sinais revelados nas obras de caráter pedagógico do
autor, ele poderia ter tido contato com as ideias de Menezes Vieira, que foi um importante
educador brasileiro. Foi diretor de uma escola que levava seu nome e, seria nessa escola
que João Simões Lopes Neto pode ter estudado, conforme aponta Netto (2015, p.20). Não
obstante, Netto indica que é apenas um indício, não estando nada claro em relação à essa
informação.
Os colégios de Abílio César Borges e de Menezes Vieira eram considerados
colégios modernos, com novas ideias e métodos, como já afirmado. O Colégio Abílio,
fundando em 1871, era um internato. Abílio César Borges (1824-1891), mais tarde
conhecido por Barão de Macaúbas, era médico e acreditava que a clausura separava as
crianças em fase de aprendizado dos vícios do mundo fora da escola. Dessa forma, sua
postura enquanto educador era, por meio da clausura, blindar as crianças dos vícios que
34 Grifo nosso.
40
podiam desvirtuá-las do caminho correto, da moral e da sanidade35. Abílio César Borges,
apesar da rigidez, era contra os castigos físicos no processo de aprendizagem. Portanto, o
Colégio Abílio foi um importante educandário, moderno, arejado de ideias, pode-se dizer
progressista, embora a maioria de seus alunos fossem filhos da elite escravocrata
brasileira e Abílio César Borges um antiescravagista. Seus livros didáticos eram
referência no Império, inclusive utilizados nas províncias e nas cidades do interior.
[...] No Rio Grande do Sul, na capital e em cidades do interior da província –
entre elas Pelotas –, os compêndios de Abílio César Borges eram utilizados
lado a lado com os livros didáticos dos gaúchos Hilário Ribeiro (1847-1886) e
Alfredo Clemente Pinto (1854-1938), este último o autor do sucesso Seleta em
prosa e verso. (NETTO, 2015, p.21)
Já o Colégio Menezes Vieira, ficava na Freguesia de Santo Antônio, um dos
melhores bairros do Rio de Janeiro na época. Funcionou de 1875 a 1887 sob direção de
seu fundador Joaquim José de Menezes Vieira (1848-1897), também médico,
especialistas em surdos e mudos. Menezes Vieira foi um importante intelectual, médico
e educador. Pioneiro do método intuitivo no Brasil, igualmente do Jardim de Infância,
introduzido por ele, em parceria com a esposa Carlota de Menezes Vieira em 1875.
Importante mestre fazia parte do circuito internacional de educação, juntamente com
outros autores brasileiros, como Benjamin Constant, que convidou Menezes Vieira para
dirigir o Pedagogium36 (1890-1897), em busca de uma escola moderna e de qualidade
para toda população brasileira. Menezes Vieira ainda escrevia para os circuitos de
educadores, bem como, para jornais de circulação popular, propagando ideias e
notabilizando-se como um interprete competente do cenário da educação no Brasil. Sobre
o seu colégio, o qual há uma possiblidade de João Simões Lopes Neto ter sido aluno, nos
fala Bastos que
O colégio mantinha internato, semi-internato e externato, exclusivamente para
os meninos, com idade máxima para admissão de 12 anos. Ministrava ensino
maternal no Jardim de Crianças; ensino primário; ensino secundário; ensino
35 Pensamento comum nessa época, inspirado em Emílio (1762) de Rousseau, como já dissemos
anteriormente, acreditava que as crianças eram ”uma página em branco” e somente aprendiam o que lhes
era ensinado, dessa forma, se fossem bem instruídas, seriam bons cidadãos no futuro, do contrário, o futuro
estaria perdido. 36 O Pedagogium (1890-1919) foi uma espécie de Museu Pedagógico, que tinha por objetivo levar o que
tinha de mais moderno e republicano em termos de educação, ou seja, pretendia ser o templo da
modernidade educacional republicana brasileira. De acordo com Carlota Boto, na apresentação do livro
sobre Menezes Vieira de Maria Helena Camara Bastos (2002, s/pg.), “O tempo em que se passa essa trama
via um Brasil, ainda, a ser construído como nação republicana. ”. Para mais ver: BASTOS, Maria Helena
Camara. Pro patria laboremos: Joaquim José de Menezes Vieira (1848 - 1897). Bragança Paulista:
EDUSF, 2002. 350 p.
41
profissional. Foram introduzidas muitas inovações pedagógicas – a ginástica,
o museu escola, as palestras científicas e tantas outras.
O curso secundário do Colégio Menezes Vieira compreendia o curso
preparatório – ciclo de estudos exigidos para a matricula nas escolas do
Governo: Colégio D. Pedro II, Escola Normal, Escola de Minas Naval,
Politécnica, Direito e Medicina; [...]. (BASTOS, 2002, p.42)
Se a hipótese levantada pela pesquisadora Heloísa Netto (2015) estiver correta,
então, é possível que João Simões Lopes Neto tenha realizado o curso de ensino
secundário do Colégio Menezes Vieira, realizando assim, os preparatórios para ingressar
na Escola de Medicina37. Observando de perto as inovações do Colégio Menezes Vieira,
como o ensino de ginástica e palestras científicas, igualmente o método intuitivo, por
exemplo, notamos nos materiais referentes à educação de João Simões Lopes Neto que
há uma certa afinidade de ideias. Além da valorização do rigor do mestre, ao contrário da
aplicação de castigos físicos. Apenas para ilustrar uma aproximação das ideias de João
Simões Lopes Neto com as de Menezes Vieira, destacamos que em seu livro de leitura,
Terra Gaúcha, que pretendia ser um livro didático, há um texto intitulado Corda,
Trapézio, Barra e Etc. que discorre sobre a importância da ginástica, uma novidade da
nova escola do menino Maio. Nele podemos ler detalhadamente como se apresenta o
aparelho de ginástica da escola e ainda uma reflexão do menino que diz: “[...] um
exercício que dá força, dá coragem, provoca o apetite e produz belo sono. ” (LOPES
NETO, 2013, p.117).
Contudo, mesmo que a hipótese de Netto esteja equivocada, podemos supor que
João Simões Lopes Neto tenha se influenciado pelas ideias e inovações propostas por
Menezes Vieira por meio de suas publicações, seja no circuito intelectual pedagógico,
seja nos jornais da época. Se Menezes Vieira foi um importante nome para a educação no
início da Primeira República é bem provável que João Simões Lopes Neto tenha atentado
para suas ideias pedagógicas ao pensar e projetar o seu próprio projeto cívico e
pedagógico. Vale destacar que o lema do Colégio Menezes Vieira era Pro Patria
Laboremus, compreendendo, de acordo com Bastos (2002, p.42) como uma atuação
37 Não obstante, a questão da Escola de Medicina representa outra lacuna sobre a vida de João Simões
Lopes Neto. Sem registro em nenhuma escola de Medicina da Corte, mas com memórias registradas por
sua sobrinha Ivete Massot (1974) sobre os professores de anatomia, bem como, registro feito pelo próprio
autor na Conferência Cívica de 1906 (p.10), esta é mais uma dúvida, uma lacuna, na história do autor.
Trataremos dessa questão na sequência deste texto.
42
voltada à Pátria e pela Pátria, sendo este, para Menezes Vieira, lema e mote de vida. Ideias
semelhantes encontraremos em João Simões Lopes Neto38.
Outro dado que devemos levar em conta é que Karl Von Koseritz39,
contemporâneo de João Simões Lopes Neto em Pelotas, emitiu sua opinião sobre a
participação de Menezes Vieira na Exposição Pedagógica de 1883, dizendo que o mesmo
não almejava cargos e nem reconhecimento como o Barão de Macaúbas40. Ou seja,
Koseritz conhecia a atuação de Menezes Vieira, portanto, é bem provável que João
Simões Lopes Neto também a conhecesse, pois há evidências. Para darmos uma
referência direta de João Simões Lopes Neto, Bastos diz que “José Veríssimo, que afirma
ter iniciado sua vida pedagógica no Rio de Janeiro, sob os auspícios afetuosos do seu
ilustre fundador e primeiro e competentíssimo e dedicadíssimo diretor Menezes Vieira41.”
( 2002, p.49). José Veríssimo é influência direta de João Simões Lopes Neto, citado por
ele inúmeras vezes, seu livro A Educação Nacional 42é referência direta das Conferências
Cívicas de João Simões Lopes Neto43. Dessa maneira, podemos constatar que, mesmo de
maneira indireta João Simões Lopes Neto teve contato com as ideias de Menezes Vieira.
Além disso, Menezes Vieira participava ativamente das Conferências Populares
da Freguesia da Glória. Tais conferências ficaram conhecidas por esse nome porque
aconteciam nas escolas públicas da Freguesia da Glória. Criadas pelo Conselheiro Manoel
Francisco Correia, em 1873, de acordo com a pesquisadora Karoline Carula (2013, p.
292) ,“elas eram públicas e gratuitas, sendo necessário adquirir um cartão para a entrada,
que garantia a todos os integrantes de uma mesma família.”. Em 1884 as conferências
passam a obter a direção da Associação Promotora da Instrução Pública.
Embora as Conferências não possuíssem filiação partidária clara, estavam
relacionadas com a burocracia do Império – modernizadora, ativa e
integracionista. A elite da Corte assistia para ser informada sobre quais
38 Sobre as aproximações de ideias entre João Simões Lopes Neto e Menezes Vieira, trataremos com mais
afinco no capítulo destinado a trabalhar as ideias do autor e o diálogo com outros intelectuais. 39 Sobre Koseritz nos fala Marcos Hallal dos Anjos (2000, p.52): “[...] Abandonando os ‘brummers’, tropa
mercenária alemã contratada pelo governo para lutar contra Rosas, Koseritz radicou-se em Pelotas e iniciou
sua vida praticando o jornalismo, sendo professor e inclusive editando um livro. No entanto, até conseguir
tais proezas passou por grandes dificuldades, sendo inclusive internado como indigente na Santa Casa de
Misericórdia de Pelotas.". 40 Ver BASTOS, 2002, p. 50. 41 Grifo da autora. 42 A Educação Nacional é um importante livro de José Veríssimo publicado no ano de 1890 e reeditado e
republicado em 1906, ano da segunda conferência cívica de João Simões Lopes Neto. 43 Sobre os diálogos de João Simões Lopes Neto com outros intelectuais trataremos no segundo capítulo
desta pesquisa.
43
projetos de civilização deveria assumir nos espaços públicos e privados.
(CARULA, 2013, p.292)
Dessa forma, podemos sugerir que João Simões Lopes Neto pode ter assistido
alguma ou algumas dessas conferências, pois seu tio-avô, Ildefonso Simões Lopes, foi
importante figura na corte e, pertencia à essa elite citada acima. Ademais, a época em que
o autor estava no Rio de Janeiro (1877/78-1884) essas conferências estavam acontecendo,
e a última foi registrada em 1889. Participavam dessas conferências, além da elite em si,
o Imperador e sua família, intelectuais de toda a ordem e a população em geral, tais
conferências eram consideradas um “espaço de sociabilidade letrada e científica, no qual
ocorria a vulgarização da ciência. ” (CARULA, 2013, p.294). Os temas e os
conferencistas eram os mais variados, prevalecendo os assuntos que estavam sendo
debatidos na ordem do dia, como a educação, a medicina, a higienização, entre outros.
A educação, por exemplo, foi assunto presente em muitos discursos. A
importância da instrução de maneira mais ampla; a educação da mulher, da
criança, da família, do filho do proletário; a instrução pública; a instrução
primária e superior; o ensino obrigatório; o papel da medicina na educação; o
ensino religioso e o ensino médico foram tratados nas Conferências. [...]
(CARULA, 2013, p.294).
Portanto, mesmo que João Simões Lopes Neto não tenha tido contato direto com
Menezes Vieira, seja estudando em seu educandário, seja assistindo suas conferências
e/ou assistindo seu trabalho na Exposição Pedagógica de 1883, podemos supor que ele
tenha, como ator interessado que era pelo tema da educação, lido os escritos do importante
teórico da Educação nos compêndios do circuito pedagógico, ou nos jornais de circulação
popular no Rio de Janeiro. Também podemos constatar que Menezes Vieira foi conhecido
e reconhecido nacional e internacionalmente como importante educador e intelectual,
com ideias modernas e arejadas, atento ao que existia de mais moderno se tratando de
educação na Europa e nos Estados Unidos (modelos para uma nação em formação, como
o Brasil daquela época) e, que, de tamanho reconhecimento João Simões Lopes Neto
também conhecia suas ideias. Se, mesmo assim, o autor não tivesse tido nenhum contato
com Menezes Vieira e suas ideias, o que acreditamos seja uma hipótese quase nula, com
certeza, através de José Veríssimo o autor encontrou Menezes Vieira.
Continuamos trilhando o caminho nebuloso da formação escolar do autor, nela há
mais uma lacuna: a questão da Escola de Medicina. Conforme observamos, Manoelito de
Ornellas (1952) aponta que João Simões Lopes Neto teria cursado Medicina no Rio de
44
Janeiro. O próprio autor da sinais disso em sua conferência intitulada Educação Cívica
(1906, p.10): “Eu tive campos, vendi-os; frequentei uma academia, não me formei; mas,
sem terras e sem diploma, continuo a ser… capitão da Guarda Nacional.”. Mesmo não
sabendo a que academia exatamente o autor se refere, somamos a sua declaração, o
depoimento de sua sobrinha Ivete Massot (1974, p. 142) que em seu livro de memórias
relata que o tio dizia lembrar-se de dois professores: Souza Fontes e Motta Maia, de
Anatomia. Diniz (2003, p.59) revela que, ao pesquisar no Arquivo Nacional, onde existe
uma lista com a relação completa de professores da Faculdade de Medicina do Rio de
Janeiro do ano de 1884, na mesma constam os nomes de Cláudio Velho de Motta Maia,
professor de Anatomia Topográfica e Operações e, Luiz Ribeiro de Souza Fontes, de
Anatomia e Fisiologia Patológicas. Contudo, não foi encontrado ainda nenhum registro
referente a algum curso de Medicina que conste o nome de João Simões Lopes Neto,
apesar disso, o fato de ele saber os nomes dos professores e suas especialidades deixa
dúvidas quanto a tal impossibilidade de ter cursado medicina no período que estava no
Rio de Janeiro. Impossibilidade essa levantada por Sílvio da Cunha Echenique44,
contemporâneo do autor, que afirma que teria sido impossível que em três ou quatro anos
ele pudesse ter realizado os preparatórios e ainda cursado três anos de medicina,
afirmando que isso não passa de “estória”. Reverbel (1981, p.37) ainda traz a objeção de
Ângelo Pires Moreira, que também nega essa possibilidade.
De qualquer forma, João Simões Lopes Neto foi para o Rio de Janeiro em 1877
ou 78, não se sabe bem, como já dissemos, e retornou à Pelotas no final do ano de 1884.
Dessa forma, permaneceu no Rio de Janeiro entre sete e seis anos, tempo suficiente para
concluir seus estudos preparatórios e ingressar em uma Faculdade. A falta de
documentação referente à período escolar do autor no Rio de Janeiro dificulta que se
afirme qualquer coisa em relação a isso, mas também impede que neguemos qualquer
hipótese. Independentemente, a estadia de João Simões Lopes Neto na corte do Império
foi subitamente interrompida. Os motivos, o que não é novidade se tratando do autor, não
se sabem ao certo. Ivete Massot (1974, p.107) afirma que foi acometido de uma hepatite
e teve de voltar para o Sul imediatamente para se tratar. O que é um tanto estranho,
estando no Rio de Janeiro, a capital do Império, onde a Medicina provavelmente tinha
44Sílvio da Cunha Echenique é filho de Guilherme Echenique, amigo e editor de João Simões Lopes Neto.
Foi Guilherme Echenique, pela Livraria Universal da Echenique e Cia. Editores de Pelotas, que publicou
as primeiras edições de Contos Gauchescos (1912) e Lendas do Sul (1913).
45
mais e melhores condições de trata-lo do que em Pelotas, mesmo assim ele retorna para
a cidade natal para realizar o tratamento. Outra hipótese, mais provável e menos
“gloriosa”, é que teria sido surpreendido espiando sua tia na intimidade do quarto de
banho, o que gerou um mal-estar familiar, tornando impossível a sua permanência na casa
de seus parentes no Rio de Janeiro (DINIZ, 2003, p.59).
Apesar de pesares, João Simões Lopes Neto viveu no Rio de Janeiro entre os anos
de 1877-78 e 1884, ou seja, pode ver e viver de perto todo o período que gestou a Abolição
da Escravatura e a República. A historiadora Margarida de Souza Neves (2003, p.25), diz
que
No Brasil, timidamente, as novidades do tempo estarão presentes desde a
década de 1860. Antes mesmo de abolir a escravidão, que se tornara um
obstáculo real para o progresso material e desmentia a reputação de
progressista perseguida pela Império e pelo segundo imperador, aqui chegaram
alguns lampejos suntuários das conquistas modernas. A fotografia, o telefone
e o fonógrafo causaram espanto e maravilha. A rede de estradas de ferro
estendeu-se, unindo aos portos de escoamento para o mercado externo as
granes fazendas do Oeste paulista, onde o trabalho livre ganhava espaço e os
proprietários pretendiam ser empresários modernos. Desde de 1862 o Brasil
participava das Exposições Internacionais realizadas nos Estados Unidos,
ainda que a imagem que os viajantes dessas grandes mostras que, por acaso, se
fixassem no que o Estado Imperial enviava para representar o país não pudesse
deixar de estar associada à sua extraordinária riqueza natural e ao exotismo:
pedras e madeiras preciosas, peles de animais selvagens, produtos agrícolas e
arte plumária abarrotavam o espaço destinado ao Império do Brasil nas
primeiras Expedições Internacionais que contaram com a presença do país.
Portanto, desde o Império o Brasil já se pretendia moderno, contudo, as
contradições ficavam cada vez mais evidentes. Neste contexto, as insatisfações com o
Império e as ideias de republicanismo ganhavam cada vez maior eco. A partir de 1870 o
republicanismo brasileiro se oficializou com a publicação do Manifesto Republicano no
primeiro número do jornal A República, coerente com o princípio descentralizador do
federalismo que se constituía na principal bandeira política dos republicanos (NEVES,
2003, p.28).
[...] o movimento republicano organizou-se desde então em partidos políticos
provinciais; divulgou suas ideias em jornais da corte e das provinciais;
multiplicou a existência de clubes republicanos por todo país [...]; abrigou
tendências diferenciadas entre as quais os chamados republicanos históricos –
os signatários do Manifesto de 1870 – , os positivistas, os moderados, os
liberais e tantos outros; cooptou descontentes com os rumos do Estado imperial
– tais como os ironicamente chamados de republicanos 14 de maio,
fazendeiros e proprietários de escravos que abandonam o barco da monarquia
após a abolição de 13 de maio de 1888, ou Rui Barbosa, que em voto em
separado do Congresso do Partido Liberal de maio de 1889 anuncia sua adesão
46
ao ideal republicano, uma vez que a monarquia recusava a bandeira federalista
[...]. Do ponto de vista da política era explosiva a combinação entre a perda de
apoio político da monarquia por parte dos setores influentes, como os
cafeicultores do vale do Paraíba [...] com interesses escravistas [...]
consideravam insuficientes os esforços de modernização do Império; os
descontentes militares; a inabilidade da política imperial para lidar com os
interesses corporativos da Igreja Católica [...], a ausência de um herdeiro
homem levaria ao trono a princesa Isabel, não precisamente popular entre os
fazendeiros escravistas e casado com o Conde d’Eu, que conseguira angariar
antipatias generalizadas [...] (NEVES, 2003, p.29).
Neste contexto de insatisfações generalizadas a República se tornou inevitável e
os militares insatisfeitos, que buscavam uma posição privilegiada desde o final da Guerra
do Paraguai, deram um golpe em 15 de novembro de 1889. Todavia, é comum reduzir o
advento da República brasileira aos militares, já que foram eles que deram um golpe e
instauraram a república. Mas, o historiador José Murilo de Carvalho (2005, p.35) explica
que não é correta essa redução, apesar do fenômeno militar estar praticamente
desvinculado do movimento republicano civil, isso não explica a natureza do novo regime
e existiam divergências mesmo entre os militares, ou seja, não se sabia ao certo que tipo
de governo republicano se queria instaurar45. Contudo, o certo é que “O povo estava fora
do roteiro da proclamação, seja este militar ou civil, fosse Deodoro, Benjamin ou
Quintino Bocaiúva. ” (CARVALHO, 2005, p.53).
Portanto, podemos afirmar que, mesmo não se sabendo ao certo onde João Simões
Lopes Neto estudou no Rio de Janeiro, se frequentou ou não uma faculdade, se ia ou não
nas Conferências da Glória, o fato é que o autor viveu na capital do Império em um
período de constantes ebulições políticas e ideológicas. Pois, a década de 1870 pode ser
tomada como um marco para a história das ideias no Brasil. Foi nesta década que algumas
ideias como: Positivismo, evolucionismo, materialismo e outras, corporificaram-se no
nosso país. Este também foi o ano de fundação do Partido Republicano, como vimos, que
foi bastante influenciado pelas ideias positivistas. Com a chegada dessas ideias novas ao
país era preciso um novo modelo de governo mais adequado às ideias de liberdade e
também, mais atual no que se referia ao cientificismo. Porém, Gilberto Freyre (2000,
p.199), ressalta que havia uma espécie de paradoxo na “revolução de 1889”, que foi um
45 Muitas foram as ideias e propostas de modelos de República, para mais ver: CARVALHO, José Murilo
de. As proclamações da república. In: CARVALHO, José Murilo de A formação das almas: o imaginário
da república no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p.35-54.
47
movimento de inspiração positivista, e pretendia manter a ordem política para uma
reorientação do progresso. Manter a ordem para o progresso eram também características
do poder monárquico. Ou seja, mesmo que a República se manifestasse como algo novo
e moderno, a ideia de condicionar o progresso a ordem se apresentava de maneira bastante
conservadora. Dessa forma, o novo governo que se apresentava estava bastante arraigado
a formas tradicionais de governo, visando evitar confrontos, tinha por princípio manter a
ordem política para alcançar o progresso.
Assim sendo, João Simões Lopes Neto certamente não saiu ileso da enorme
ebulição política e ideológica que começou na década de 1870 e culminou na Lei Áurea
e na Proclamação da República. Mesmo voltando para a sua cidade natal, o Rio de Janeiro
continuou sendo uma importante referência para ele no que tangia a modernização e o
progresso. O autor realizaria ao longo da vida várias viagens para a capital pelos mais
distintos motivos. Bem como a capital do Estado, Porto Alegre.
Ao voltar ao Sul, João Simões Lopes Neto teria passado um curto período de
tempo na Estância da Graça. Argumenta-se que foi por causa de sua “moléstia”, a mesma
que teoricamente o trouxe de volta da capital do Império. Após esse pequeno período o
autor foi para a cidade de Uruguaiana, mais precisamente para a Estância São Sebastião,
propriedade de seu avô, que na época era administrada por seu pai: Catão Bonifácio
Lopes46. Contudo, este foi um curto período de tempo. Em seguida, regressou à Pelotas,
onde desenvolveu as mais diversas atividades, discursou e conferenciou nos círculos
sociais mais estimados, foi jornalista, professor, empresário, Capitão da Guarda Nacional,
notário e outras muitas atividades.
Enfim, em meados dos anos de 1880, Pelotas era considerada a segunda cidade do
Estado, perdendo apenas para Porto Alegre, à qual não ficava muito atrás. Enriquecida
pelo apogeu da indústria do charque, consolidou-se uma cidade com boas escolas, bancos,
46 Catão Bonifácio Lopes (1838-1896) é o segundo filho do matrimônio do Visconde da Graça com Eufrásia
Gonçalves Vitorino. Este, como os demais filhos do Visconde da Graça, recebeu a melhor educação
disponível na época, porém Catão, diferente de seus irmãos, não se dedicou nem aos negócios industriais e
nem à política. Reverbel (1981, p.18) afirma que: “Da numerosa prole do Visconde, foi seguramente Catão
Bonifácio o mais agauchado e o mais campeiro. ”. Catão foi administrador da Estância da Graça e, de 1882
a 1894, da Estância São Sebastião situada na cidade de Uruguaiana, fronteira entre o estado do Rio Grande
do Sul e a Argentina. Esta estância também era propriedade de seu pai o Visconde da Graça (REVERBEL,
1981, p.29). Vivia de estância em estância, administrando e participando ativamente das atividades como
campereadas e marcações, nas quais muitas vezes seu filho ia junto e, com olhar curioso, observara cenas
que não lhe sairiam da memória e estariam presentes algum tempo depois, em sua obra pedagógica e
literária
48
jornais, um efetivo comércio, algumas indústrias, uma biblioteca pública, um hospital
com um considerável corpo médico e, até mesmo um teatro47, sendo assim, a primeira
cidade do Estado a possuir um.
De acordo com Paulo Roberto Soares (2001, online), nos anos de 1880, Pelotas
era o centro de uma região produtiva insertada nos fluxos internacionais de circulação de
capital. Ainda segundo Soares (2001, online), nessa época a cidade estava recebendo o
ferrocarril, o telefone e a grande indústria, quase que concomitantemente com à expansão
mundial dessas inovações, contudo, no tange as estruturas sociais locais, o autor diz que
ainda viviam timidamente a transição de uma sociedade escravista rumo as relações
tipicamente capitalistas.
A crescente cidade também contou com a colaboração de muitos intelectuais nesse
período, como Carlos Von Koseritz, que chegou na cidade em 1851 e prestou importante
papel cultural e político através da escola e da imprensa, tanto em Pelotas como no Estado.
Lembremos que foi Koseritz que fez importante crítica à Exposição Pedagógica de 1883,
comparando as ambições de Abílio César Borges e Menezes Viera, como tratamos
anteriormente.
Em Pelotas floresceu desde cedo, uma sociedade cheia de interesse pelas coisas
do espírito e pelos encantos da sociabilidade e virtude da sua própria formação
econômica: a indústria do charque, ao mesmo tempo em que proporcionou a
concentração de riquezas, permitiu o lazer, tendo em vista a sua curta safra,
que ia apenas de novembro a abril, a metade mais quente do ano nessas
planícies do Sul; com parte do tempo desocupado e o charque vendido em altos
preços nos mercados, os charqueadores puderam se dedicar, mais
folgadamente do que os habitantes do resto do Rio Grande, às diversões, aos
banquetes, aos teatros; fizeram com que os seus filhos – muitos dos quais
estudaram no Rio de Janeiro, em São Paulo, nos Estados Unidos, na Europa
– crescessem no convívio dos livros e na ‘escola galante’ dos salões, fazendo
discursos e cortejando dama48s que, na impressão do viajante Nicolau Dreys,
‘nada ficavam devendo às mais graciosas parisienses’. [...]. (MAGALHÃES,
2002, online)
Note-se que João Simões era um neto desses charqueadores, que estudou no Rio
de Janeiro, além de, certamente, frequentar os salões, realizar leituras e discursos, ou seja,
um típico filho da elite pelotense. Em 1885, com vinte anos, já estava estabelecido na
cidade e acompanhava o progresso da mesma com interesse. No mesmo ano, a Princesa
Izabel visitou à cidade de Pelotas. A filha do Imperador foi recebida na casa do avô de
47O Teatro Sete de Abril foi fundado em 1831 e inaugurado em 02 de dezembro de 1833, o nome
homenageia a data em que Dom Pedro I abdicou do trono em favor de seu filho, Dom Pedro II, o primeiro
brasileiro a governar o Brasil. O Teatro Sete de Abril atualmente passa por uma importante reforma, hoje
é o teatro mais antigo em funcionamento no Brasil. 48 Grifo nosso.
49
João Simões Lopes Neto – o Visconde da Graça -, de acordo com Diniz (2003, p.63) o
autor estava presente nesta recepção e prestou homenagens à princesa. Essas homenagens
podem soar de forma esquisita, tendo em vista os sentimentos republicanos que já
vibravam em seus pensamentos, contudo, essas homenagens podem ser vistas como
forma de expressar o imenso respeito e admiração que o autor possuía por seu avô.
Com vinte anos, ainda sem saber muito bem o que queria da vida, João Simões
Lopes Neto fazia amizades e interagia nos movimentos da sociedade local. Era
a época final do apogeu do charque, a riqueza que desenvolvera, por décadas,
os negócios, o ócio e, por consequência, a cultura da urbaníssima Pelotas,
situando-a entre os mais importantes municípios do país, por sua densidade
demográfica49 e pela solidez das fortunas familiares que acumulava. (DINIZ,
2003, p.63)
No entanto, Pelotas era ainda uma cidade bastante ambígua, ao mesmo tempo que
recebia por todos os vapores “diretamente de Paris o que de mais moderno ali se
fabricava, é também aquela que sente a urgência de cultuar e registrar usos e costume,
lendas e tradições que, talvez mais do que outras, já adiantadas na modernização, sente
morrer. ” (CHIAPPINI, 1988, p.25). Dessa forma, a cidade que supre as demais cidades
brasileiras com a sua produção saladeira – bastante rudimentar e muito próxima da
barbárie – é a mesma que desenvolve a sua urbanização de maneira muitíssimo nova,
inspirada no que havia de mais moderno na Europa e, principalmente o que vinha de Paris.
É interessante constatar que João Simões Lopes Neto, assim como sua cidade natal, de
certa forma, prezava pela modernização, pelo progresso50 e, ao mesmo tempo, só chegava
àquele nível de instrução e cultura graças à uma cultura campeira e rudimentar. Ou melhor
dizendo, tanto Pelotas quando o autor, tinham “suas raízes” nos saladeiros, sua riqueza e
posição social foi herdada pelo avô: charqueador e estancieiro. Contudo, podemos
constatar também que esse local de fala do autor, enquanto homem instruído
intelectualmente e moderno, pôde fazer com que o ele observasse a gauchesca de uma
maneira muito particular, sem excluirmos, obviamente, sua experiência muito próxima à
ela na infância. Porém, colocando os dois mundos sobre a luz da modernidade é que se
pode ver as diferenças e, ao mesmo tempo, sentir que aquele mundo está aos poucos
dando lugar à outro e, por conseguinte, desaparecendo.
49 De acordo com Diniz (2003, p.63) mais de 40.000 habitantes em 1890. 50 Como vimos a partir de Freyre (2000) manter a ordem para alcançar o progresso, ideia e lema de
inspiração positivista, era uma máxima dessa época. Não obstante, João Simões Lopes Neto não passou
ileso por essa ideia que, como veremos na sequência dessa pesquisa, acreditava com veemência.
50
Analisando esse pequeno panorama sobre a vida do autor, buscando constatar seu
espaço de experiência vivido, constatamos que João Simões Lopes Neto viveu por toda a
sua vida em centros urbanos de grande prestígio, dadas as devidas proporções. Passando
apenas por curtos períodos de tempo no ambiente rural. Esses momentos podem e devem
ter influenciado o autor ao escrever suas obras máximas bem como seu projeto cívico e
pedagógico. Contudo, veremos mais adiante que a muitas de suas ideias relacionavam-
se, sobretudo, com o progresso e ao mesmo tempo com a preservação da história e da
memória, e/ou ideias republicanas e positivistas, do que com regionalismo, assunto ao
qual sua memória e obra ficaram relegadas. Portanto, o autor foi muito mais do que um
escritor regionalista. Foi um membro da elite letrada e ao mesmo tempo um intelectual
preocupado com a jovem nação brasileira, seu ensino precário e a desintegração nacional.
De acordo com Sirinelli (2003, p.242), há pelo menos
[...] duas acepções do intelectual, uma ampla e sociocultural, englobando os
criadores e os ‘mediadores’ culturais, a outra mais estreita, baseada na noção
de engajamento. No primeiro caso, estão abrangidos tanto o jornalista como o
escritor,51 o professor secundário como o erudito. Nos degraus que levam a
esse primeiro conjunto postam-se uma parte dos estudantes, criadores ou
‘mediadores’ em potencial, e ainda outras categorias de ‘receptores’ da
cultura.”
Como veremos na sequência dessa pesquisa, João Simões Lopes Neto foi
jornalista por sua vida inteira, além de também ter sido escritor e igualmente esteve
engajado na causa da educação e do civismo, realizando conferências, discursos e criando
um método próprio para a educação primária. Portanto, de acordo com a compreensão de
Sirinelli o autor se insere na categoria de intelectual, a qual nos aprofundaremos a seguir.
Assim sendo, no primeiro momento, nos atentamos a demonstrar suas
experiências enquanto aluno no campo do ensino, pois, acreditamos que elas se refletiram
nas em suas elaborações pedagógicas, sejam em modo de crítica, sejam em modo de ideal
de ensino. Vimos também que, João Simões Lopes Neto sempre foi um homem urbano,
cresceu e se desenvolveu na capital do Império e posteriormente viveu o apogeu de sua
cidade, Pelotas. À qual se dedicaria como nenhum outro, seja em suas crônicas sobre o
cotidiano da cidade, seja em seu Almanaque do Centenário de Pelotas e na Semana
Centenária, também organizada por ele. Dessa forma, podemos dizer que João Simões
Lopes Neto foi um homem urbano e culto que, apesar de ser considerado o maior escritor
51 Grifo nosso.
51
regionalista gaúcho foi muito além disso e, se compreendermos suas obras como um
processo de ressignificação patriótica, ou melhor dizendo, como um inventário de cultura
do Rio Grande do Sul, afim de somar aos demais inventários de cultura regionais que
formariam o todo da nação, podemos refleti-lo de maneira nova, compreendendo-o como
um intelectual pensando a questão da nação em meio ao período histórico e social que
demandava a reflexão de tais temas.
1.2 A EXPERIÊNCIA NOS JORNAIS – UM HOMEM DAS PALAVRAS
João Simões Lopes Neto sempre foi um homem das palavras, sejam elas escritas
ou simplesmente proferidas nos seus discursos e conferências públicas. Foi nas palavras
que ele encontrou a sua forma mais nobre de expressão, que culminou mais tarde em uma
obra sólida e de referência no contexto da literatura gauchesca brasileira e, por que não
dizer espontaneamente, no contexto da literatura brasileira, visto que, João Simões Lopes
pensava, de acordo com nossa hipótese, em uma narrativa que representasse determinada
região para que se conhecesse as múltiplas culturas nacionais? Tema este que
retomaremos com mais propriedade mais adiante nessa pesquisa. Contudo, nesse item do
capítulo trataremos de suas primeiras incursões pelo mundo das palavras escritas, ou
melhor dizendo: na imprensa. Porém, vale destacar que a produção jornalística do autor
é bastante volumosa e diversificada, dessa forma, elencamos o que compreendemos ser
as suas produções mais importantes e significativas, com destaque para a série de artigos
publicada em 1913 sobre Lamarck, Darwin e Haeckel. A qual acreditamos ser de
importância fundamental para compreendermos algumas ideias do autor.
Para começo de conversa, foi também na cidade de Pelotas, dois anos depois de
retornar do Rio de Janeiro, em 1887, com o pseudônimo de João Felpudo, que João
Simões Lopes Neto fez sua estreia na imprensa, publicando em A Ventarola (BORGES,
KOSCHIER, 2010, p.162). No ano seguinte, publicou seu primeiro poema Rêve52, no
jornal pelotense A Pátria no dia 14 de março, mais adiante, no dia 26 do mesmo mês,
publicou neste mesmo jornal o poema Dúvida. Esses foram os primeiros passos de uma
longa caminhada! Escrever para os jornais de sua cidade foi uma atividade exercida por
João Simões Lopes Neto ao longo de sua vida. Essa atividade perpassou muitas outras e,
52 Publicado em 14 de março de 1888. O poema possui somente o título em francês que significa sonho.
52
talvez tenha sido essa, a única atividade permanente do espaço de experiência vivido pelo
autor. Dessa forma, João Simões Lopes Neto seja apenas como colaborador ou como
editor, dedicou-se a imprensa de sua cidade tratando dos mais diversos temas, foi essa
atividade que lhe garantiu alguma dignidade no final de vida, já falido e com tantos
projetos fracassados.
Cabe destacar que a imprensa só começa a se desenvolver no Brasil após a vinda
da família real, em 180853. Com a criação da impressão Régia foi lançado o primeiro
jornal impresso no Brasil: a Gazeta do Rio de Janeiro (10 de setembro de 1808). No Rio
Grande do Sul, ou melhor dizendo, na Província de São Pedro a imprensa surgiu em 1827
com o Diário de Porto Alegre. Em 1851 foi a vez de Pelotas estrear nesse campo com o
jornal O Pelotense.
No entanto, o aparecimento tardio da imprensa em Pelotas, comparativamente
a Porto Alegre e Rio Grande, tem certamente uma outra explicação: a
consolidação posterior de Pelotas como núcleo urbano, comparativamente a
Rio Grande e Porto Alegre.
Só depois de encerrado o ciclo farroupilha começa-se a cogitar em Pelotas da
criação de uma imprensa periódica54, porque a partir desse instante são dadas
as condições para que se desenvolva uma cidade, diversa e afastada do
ambiente rural das charqueadas [...].
Mas a verdade é que a imprensa pelotense conseguiu recuperar-se, com
facilidade, da desvantagem cronológica. Em poucos anos multiplicou-se em
número de jornais e aperfeiçoou-se em qualidade, o que lhe permitiu no
mínimo equiparar-se com a imprensa da própria capital. (MAGALHÃES,
1993, p.204)
O Pelotense, do tipografo Cândido Augusto de Melo, apareceu em 7 de novembro de
1851. Todavia, não foi tão significativo quanto O Noticiador, que circulou de 1854 a
1886, somando 14 anos de circulação (REVERBEL, 1981, p. 40-41).
A historiadora Beatriz Loner (2010, p.144) constatou que a imprensa na cidade de
Pelotas “[...] estava relativamente ao alcance material de indivíduos de posses médias e,
assim, muito se utilizaram dela como meio de propaganda de ideias ou pessoas, também
auxiliando a congregar simpatizantes de uma mesma causa ou partido. ”. Teria sido esse
o motivo para uma grande diversidade inicial. A historiadora afirma que
“Entre os vários tipos de imprensa, havia jornais políticos, literários, ilustrados,
53 Antes da vinda da família real para o Brasil havia uma proibição de Portugal em relação ao
desenvolvimento de uma imprensa brasileira. Contudo, mesmo não sendo redigido no Brasil, em junho de
1808, redigido e dirigido por Hipólito José da Costa, era lançado em Londres o Correio Brasiliense. Para
mais ver: MAGALHÃES, Mário Osório. Opulência e Cultura na Província de São Pedro do Rio
Grande do Sul: um estudo sobre a história de Pelotas (1860 – 1890). Florianópolis, UFSC, 1993. p. 203 54 Grifo do autor.
53
representativos de classes ou associações, de grupos de jovens amigos, de
tipógrafos profissionais, de propaganda de firmas ou comemorativos de algum
evento, saindo às vezes em números únicos. ”. (LONER, 2010, p.144-145)
Vários tipógrafos emprestavam suas máquinas para outras pessoas e causas, o que
também facilitava essa diversidade de conteúdo. Somente no século XX é que os jornais
vão dar início a um processo de profissionalização, com maiores investimentos em
oficinas e máquinas, o que aos poucos, foi restringindo a diversidade da imprensa em
Pelotas.
A partir de meados do ano 1860 é que ficou evidente a imprensa diária em Pelotas.
Contudo,
Boa parte dos jornais estava comprometida com a defesa de ideias e
concepções políticas e não com informação55, o que acarretava que, nos
primeiros periódicos, encontravam-se poucas notícias e muito mais ensaios,
manifestos, projetos político-partidários ou denúncia de posições e
comportamentos dos adversários, o que foi uma característica do século XIX,
do jornalismo de opinião e de ataque contra os rivais. [...] todos eles
costumavam acompanhar o gosto pela literatura, e dessa forma boa parte da
produção de autores locais ou nacionais56, e inclusive estrangeiros,
especialmente poesias, intercalava-se com a programação normal dos jornais,
além de haver um local especial, normalmente o quarto inferior da primeira
(ou última) página nos diários, que era dedicado ao folhetim57, que trazia em
capítulo, um conto ou novela de algum romancista conhecido. (LONER, 2010,
p. 146)
Importante aparte nessa questão é o fato da literatura pelotense ter se desenvolvido
juntamente com os jornais que circulavam em Pelotas a partir de 1851, o desenvolvimento
de um está atrelado ao do outro. Entre os colaboradores e profissionais que figuravam
nesses jornais, segundo Borges e Koschier (2010, p.160), estavam alguns dos mais
importantes autores regionais da época: Lobo da Costa, Bernardo Taveira Júnior58, Múcio
Teixeira, Menezes Paredes, Paulo Marques e, o autor que é tema dessa tese, João Simões
55 Grifo nosso. 56 Grifo nosso. Nesses espaços, muitos dos textos que compõem os Contos Gauchescos (1912) e Lendas do
Sul (1913) foram publicados pela primeira vez. 57 Grifo nosso. De 15 de outubro a 14 de dezembro de 1893 nas páginas do Correio Mercantil, João Simões
Lopes Neto, assinando com o seu pseudônimo de Serafim Bemol, em parceria com Sátiro Clemente e D.
Salústio, publicaram o folhetim A Mandinga. Trataremos desse folhetim na sequencia desse capítulo. 58 Bernardo Taveira Júnior, segundo Mariana Gonçalves (2012, p.37), teria sido professor de João Simões
Lopes Neto. Taveira, segundo Guilhermino César (p.23), foi autor da “[...] primeira coletânea de poemas
cujo fundo, como se ramado com tiras de couro de boi, recria a linguagem, os costumes, os hábitos, o estilo
de vida guasca. [...] a verdade é que as Provincianas [1886], com toda a sua falta de ritmo, a sua aspereza
melódica, assinalam a transição do arcadismo para o regionalismo de feição romântica, no Rio Grande, com
uma vivacidade temática exemplar. [...].”. Portanto, podemos ver pontos de nexo entre os dois autores, que
serão aprofundados na sequencia desta pesquisa.
54
Lopes Neto, entre outros. Ainda de acordo com Borges e Koschier (2010, p.160), “foram
nas oficinas tipográficas das empresas jornalísticas, as quais buscavam suprir a lacuna da
falta de editoras, que saíram os primeiros livros. ”. Entre esses livros, notabilizavam,
literatura regional, nacional e estrangeira. Significativo é o fato de que, todo esse
abundante mercado editorial, foi também o responsável pela difusão e circulação de
literatura estrangeira, mesmo que estas tenham se dado em edições clandestinas e em
traduções, aliás, essas edições ilegais e clandestinas muito colaboraram para o
desenvolvimento cultural da cidade. A partir dessas informações, podemos constatar que
João Simões Lopes Neto possuía em sua cidade, mesmo que de forma clandestina e,
muitas vezes em traduções, “tudo” o que havia de literatura estrangeira ao alcance das
mãos. Dessa forma, podemos supor, com bastante propriedade e tendo em vista o leitor
atento que era, que teve acesso a vasta literatura estrangeira e nacional de onde
encontramos muito de suas matrizes ideológicas59.
Outro importante fato se destacar é que durante o último quartel do século XIX
duas empresas dominaram o mercado editorial pelotense: A Livraria Americana60 e a
Livraria Universal61 (MAGALHÃES, 2010, p.165). A partir da fundação dessa última, o
mundo intelectual da cidade de Pelotas ganhou um importante reforço. De acordo com
Diniz (2003, p.64) João Simões Lopes Neto esteve na inauguração da Livraria Universal,
contudo, ainda não poderia imaginar que as máquinas daquela tipografia imprimiriam as
suas obras máximas. Segundo Magalhães (2010, p.165) na primeira metade do século XX
ambas as livrarias passaram a ser Globo, filial da Editora Globo de Porto Alegre62, na
época umas das maiores editoras do Brasil.
Não obstante, quando o nome de João Simões Lopes Neto começou a figurar pelos
jornais pelotenses, ou melhor, quando seus pseudônimos63 começaram a figurar na
imprensa pelotense na cidade existiam
[...] alguns periódicos de expressão (notadamente o Cabrion, o Investigador e
o Farrapo) e quatro diários, cujo padrão pouco ou nada ficava a dever aos de
Porto Alegre: o Onze de Junho, o Diário de Pelotas, o Correio Mercantil e A
59 Estas serão tratadas com mais propriedade ao longo desse capítulo, principalmente no que tange a sua
série de artigos intitulada Uma Trindade Científica, publicada em A Opinião Pública no ano de 1913. 60 Propriedade de Carlos Pinto & Cia, foi fundada em 1875. 61 Propriedade Echenique & Cia, foi fundada em 07 de dezembro de 1887. 62 Cabe destacar que será através de uma edição conjunta de Contos Gauchescos e Lendas do Sul, em 1949,
realizada pela Editora Globo que João Simões Lopes Neto ganhará a crítica e o estudo merecido acerca
dessas obras. Foi esta edição que lhe concedeu reconhecimento literário. 63 João Simões Lopes Neto assinou com seu nome propriamente dito em apenas algumas circunstâncias, na
maioria das vezes assinava com pseudônimos, sendo João do Sul e Serafim Bemol os mais conhecidos.
55
Pátria. Foi nesse órgão que Simões Lopes Neto iniciou sua longa e
movimentada atividade jornalística, embora a tenha exercido,
profissionalmente, apenas nos últimos anos de vida, quando já perdera o ânimo
para investir contra “moinhos de vento”. (REVERBEL, 1981, p.41).
Como já dissemos, foi em A Pátria64 que João Simões Lopes Neto deu seus
primeiros passos na imprensa pelotense, a começar por seus poemas e continuar, em julho
de 1888, com a estreia da primeira fase de sua coluna Balas de Estalo65. Esta primeira
fase é constituída de 20 publicações esporádicas, a começar em 2 de julho de 1888 e
terminar em 1º de outubro do mesmo ano (MOREIRA, 1983, p.8). O autor, então com 23
anos, “[...] escrevia como quem se diverte, glosando, quase sempre de forma humorística,
os acontecimentos do dia-a-dia e não raro, bulindo, de modo irreverente, com as pessoas
neles envolvidos” (REVERBEL, 1981, p.44). A coluna se desenvolvia em forma de
“triolets” – uma forma literária bastante comum na época –, com humor leve e com
temática de circunstâncias, o que nos dificulta no processo de entendimento do mesmo,
pois, envelheceram com o tempo e com ele perderam o sentido para nós. De acordo com
Chiappini (1988, p.29),
[..] mesmo assim é possível perceber uma certa irreverência para com as
autoridades políticas e religiosas, uma liberdade de espírito, uma certa
identificação com o que chamava de ‘Zé Povinho’ e seus problemas. Sátira
leve aos fatos cotidianos, tipos e instituições da ‘Princesa do Sul66’.
Bom exemplo do que estamos falando é o quarto triolet da série, assinado com o
pseudônimo de João Rimole, data de 14 de julho de 1888. No mesmo, o autor ironiza o
contrabando e o fisco:
O sr. D. Contrabando/ Alça a cabeça e ri. /Diz: que gente, nunca vi! ... /O sr.
D. Contrabando – /E todo ancho de si, / Vai a todos flauteando. /O Sr. D.
64 O Jornal A Pátria era propriedade do tio avô de João Simões Lopes Neto – Ismael Simões Lopes –. Criado
em 1886, ficou aos cuidados de seu fundador Albino Costa até fevereiro de 1888, quando sua circulação
foi suspensa. Foi nesse período que Ismael Simões Lopes associou-se a este, formando a empresa
Costa&Simões e, a partir de então, o jornal voltou a circular sob a responsabilidade de Ismael. Este, em
outubro do mesmo ano, adquiriu a parte de Albino no diário, que ficou sob sua responsabilidade, assumindo
uma nova fase, até o seu definitivo fim em 4 de junho de 1891 (REVERBEL, 1981, p.42). 65 Balas de Estalo também era o nome de uma série coletiva da Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro, que
circulou nas edições de 1883 a 1886, para a qual, escrevia Machado de Assis com o pseudônimo de Lélio.
Heloísa Netto (2015, p.31) supõe que João Simões Lopes Neto era leitor habitual da Gazeta de Notícias.
Para ela alguns colaboradores do jornal podem ter marcado certa influência nos trabalhos futuros do autor,
como: Capistrano de Abreu, José do Patrocínio e o escritor português Ramalho Ortigão, que colaborou com
o jornal entre anos de 1877 e 1915. 66 Princesa do Sul é como é conhecida a cidade de Pelotas.
56
Contrabando/ Alça a cabeça e ri! /Pomadas e panos quentes. /Que remédio!
É infalível! .../
– Energia? é incompatível –
Pomadas e panos quentes. / É bem caricato, é risível, /Mas não se faz
descontentes. / Pomadas e panos quentes:/Que remédio! É infalível!
Este fisco é impagável, /Por outra, pago demais.../Por entre suspiros, ais. /Este
fisco é impagável! /E por brilhanturas tais, /Este fisco lamentável, /Este fisco
impagável, /
Por outra pago demais. (LOPES NETTO), João Simões. A Pátria, Pelotas, 14
de julho de 1888).
Cabe salientar, que o contrabando foi uma prática bastante comum no Rio Grande
do Sul. A extensa fronteira com a Argentina e, principalmente com o Uruguai, fronteiras
essas que não apresentavam quase nenhum obstáculo, fez que essa prática se tornasse
comum em ambos os lados das fronteiras. Segundo Loner (2010, p.86), no final do
Império o contrabando era amplamente praticado e, de maneira tão intensa que, os
prejuízos sofridos pelos comerciantes de atacados estabelecidos nas principais cidades
gaúchas, como Porto Alegre, fez com que esses solicitassem uma “tarifa especial” ao
governo do Brasil para que pudessem exercer condições de competitividade frente as
mercadorias contrabandeadas. Com a Proclamação da República essa tarifa foi anulada e
outras medidas foram tomadas como: a criação de zonas fiscais e a maior fiscalização na
região. Contudo, as alianças estabelecidas entre os contrabandistas e forças políticas
locais, de certa forma, já haviam se tornado um costume e o contrabando seguiu na região.
Podemos dizer, que em bem menor escala, segue até os dias atuais. Portanto, note-se,
João Simões Lopes Neto escreveu seu triolet no ano de 1888, ou seja, nos anos finais do
Império, no momento em que o contrabando prejudicava o comércio nos centros urbanos.
O tema do contrabando voltará a permear a mente do autor que em 1912, em seu Contos
Gauchescos, traz o conto O Contrabandista. De certa forma, o contrabando faz parte da
configuração histórica do Rio Grande do Sul.
No intervalo entre a primeira e segunda fase do Balas de Estalo, João Simões
Lopes Neto publica a sátira Os Chapéus na Plateia67, nela, segundo Moreira (1983, p.
22) o autor se revela um autêntico poeta. Esta sátira também marca um momento
importante do autor, quando deixa de lado os pseudônimos e assina com o nome o qual é
67 Publicado em A Pátria em 28 de julho de 1888. A sátira pede as ilustres damas que não utilizem chapéus
ao irem assistir os espetáculos na plateia, o que prejudicava a visão dos demais. Interessante é que o autor
começa citando Victor Hugo, o que demostra que o mesmo o leu, ou leu pelo menos alguma coisa de tão
celebre autor.
57
reconhecido pelos seus contemporâneos: João Simões. No final de 1888 publica, também
em A Pátria, uma série de seis crônicas intituladas O Rio Grande a Vol d’Oiseau, fruto
das viagens feitas por ele à São José do Norte e a Rio Grande. Assinadas com o
pseudônimo de Serafim Bemol68, são estas crônicas as primeiras manifestações literárias
em prosa do autor. Para Reverbel (1881, p.45), essas seis crônicas representam de fato a
estreia jornalística do autor, já caracterizando o “seu colorido e personalíssimo estilo
literário. ”. Em 25 de abril de 1889, o autor dá início a segunda fase de Balas de Estalo,
publicadas de forma descontínuas em A Pátria até o dia 20 de agosto de 1890. Diferente
da primeira fase em que o autor utilizou vários pseudônimos como: João Rimole, Job
Rimaduro, Job Rivotos, Job Ripasmos e outros, sempre utilizando o nome João ou Job
adicionado com a maneira como ri, nesta segunda fase o autor assinou todos os triolets
com o pseudônimo de Serafim Bemol. Em 1890, João Simões Lopes Neto inicia outra
sessão no mesmo jornal, assinando com seus muitos pseudônimos, a coluna Tesourinha
Hilariante, a mesma “tratava-se em grande parte de historietas ouvidas, repetidas de boca
em boca que o escritor fixa pela escrita. [...] apela para o recurso do exagero, bastante
popular, e comparável as anedotas de Romualdo69” (REVERBEL, 1981, p.32).
Portanto, durante o período em que escreveu para A Pátria (1888-1891), João
Simões Lopes Neto foi apenas colaborador, de acordo com Reverbel (1981, p.45), “Não
fazia, propriamente, parte da redação. ”. Dessa maneira, não recebia para escrever para o
jornal e, também, não possuía nenhum vínculo empregatício com o mesmo,
desempenhava essa atividade como amador.
Esse [é o] período risonho e franco, em que João vive ainda sustentado pelo
pai, em boa casa de Pelotas, sob as asas do avô, fazendo seus “triolets”, é a
época dos vários Joões, todos risonhos, expressos em seus pseudônimos: J.
Rimuido, J. Rimaduro, J. Risempre, JobRivitos, JobRiverde, João Rimole,
João Riduro, João Riforte, João Rifraco, João Ripianíssimo, João Rimudo...
(CHIAPINNI, 1988, p.30)
68 Segundo Reverbel (1981, p.32) “Serafim lembra anjo, cujos cantos divinais são harmoniosos e elevados,
mas Bemol abaixa esse canto de um semitom: da ironia, do canhestro, do paródico, menos parente dos
deuses que dos demônios. ”. 69 Reverbel cita um exemplo: Conversa sobre pintores:/Na antiguidade houve um pintor que apresentou
uma tela tão perfeita que até enganou os pássaros. / Um espanhol:/ Não preciso ir longe: na minha aldeia
existe um que chegou a enganar a terra: pintou um pepino, plantou-o e o pepino produziu. Este foi
publicado em A Pátria em 05 de junho de 1890. Quanto a questão de ser “comparável as anedotas de
Romualdo”, Reverbel está fazendo referência a obra do autor Casos do Romualdo, publicado
postumamente, porém alguns casos já haviam sido publicados na imprensa.
58
Porém, em 04 de junho de 1891 o jornal A Pátria encerrou suas atividades e teve
seu acervo comprado pelo Diário Popular70, fundado em 27 de agosto de 1890 por
Theodósio de Menezes, este era um órgão do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR).
Após o fim de A Pátria, João Simões Lopes Neto volta a figurar na imprensa pelotense
com suas colaborações no Diário Popular, de forma regular, essas colaborações se
estendem de 1893 a 1896. Bem como em A Pátria, o autor foi colaborador do Diário
Popular e, de acordo com Reverbel:
[...] De fato, praticar jornalismo assalariado, naquela época, sobretudo em
cidades do interior, significava não ter onde cair morto. Afora os proprietários,
havia duas categorias na imprensa de então: a dos colaboradores (não-
remunerados) e a dos profissionais ou ratos de redação (secretários, redatores,
noticiaristas), pessimamente pagos. Podendo trabalhar sem remuneração, os
colaboradores, como ele próprio fora durante quase toda a sua atividade
jornalística, eram em geral pessoas de maiores ou menores recursos, não
necessitando das humilhações salariais da imprensa da época. [...]
João Simões Lopes Neto era uma dessas pessoas que não necessitavam das
humilhações salarias da imprensa da época pois, nesse mesmo período o autor trabalhava
como despachante geral em um escritório próprio e podia contar com a amparo financeiro
do avô, caso necessitasse. Foi nesse período, em 1892, com 27 anos que o autor deu um
importante passo na sua vida adulta, casando-se com Francisca de Paula Meirelles,
conhecida por Dona Velha71.
70 O Diário Popular ainda encontra-se em atividade na cidade de Pelotas. 71 A viúva sobreviveu quase cinquenta anos a mais que o falecido marido (1916). Após a morte deste ela
passou a viver de forma paupérrima; costurava para fora e culpava a dedicação do marido à literatura como
a causa de sua pobreza. Com o passar do tempo começou a vender ou doar o acervo do marido, como forma
de agradecimento aos que lhe prestavam algum auxílio.
59
Figura 2: Foto do Matrimônio de João Simões Lopes Neto e Francisca de Paula Meirelles
Fonte: DINIZ, Carlos Francisco Sica. João Simões Lopes, uma biografia. - Porto Alegre, RS:
AGE/UCPEL, 2003. p.77.
Na época em que João Simões Lopes Neto casou-se haviam grandes turbulências
políticas no Estado. A partir da proclamação da República o Partido Conservador, o
Partido Liberal e o Partido Republicano disputavam pela hegemonia política no Rio
Grande do Sul. No pleito realizado em maio de 1891 venceram os republicanos, contudo
a legalidade de tal vitória foi posta em suspeita. Mesmo assim, aprovou-se a Constituição
Estadual que “[...] seguia um modelo francamente positivista, sob predominância de uma
única verdade, traduzida num só partido e numa única liderança política: Júlio de
Castilhos, eleito na assembleia em 15 de julho, mas permanecendo apenas quatro meses
no poder. ” (DINIZ, 2003, p. 73). Castilhos havia apoiado o golpe militar de Deodoro e,
quando o vice-presidente da república, Floriano Peixoto convocou os comandantes
militares, obrigou Deodoro a renunciar (FLORES, 1993, p.132). A partir daí Floriano
Peixoto começou a intervir nos estados que haviam apoiado Deodoro, como foi o caso do
Rio Grande do Sul, por isso durou tão pouco tempo o governo de Castilhos.
Durante os três primeiros anos da República no Rio Grande do Sul, o Estado teve
18 presidentes, a maioria controlada por Castilhos. Ele acreditava que o governo para ser
forte deveria eliminar a oposição. Foi um período bastante violento entre o golpe de
Castilhos em 1892 e o início da Revolução Federalista de 1893. Dessa forma, no ano de
1893 o estado do Rio Grande do Sul foi palco de uma guerra civil que dividiu o estado
entre os partidários de Gaspar Silveira Martins, unidos para derrubar a oligarquia que
60
detinha o poder, e os republicanos, cujo líder era Júlio de Castilhos. De acordo com o
Flores (1993, p.138), após a realização das eleições com suspeita de fraude, o que era
costumeiro, Júlio de Castilhos venceu e foi empossado em 25 de janeiro de 1893,
prometendo uma série de ações para manter a segurança e o sossego da sociedade por
meio de medidas repressivas. Cerca de dez mil brasileiros entre federalistas, monarquistas
e republicanos dissidentes refugiaram-se na República do Uruguai, aguardando a hora de
regressar ao Brasil. Segundo Diniz (2003, p.82)
João Simões Lopes não aderiu à revolução, mantendo-se fiel ao Partido
Republicano. A fidelidade aos antigos ideais republicanos, como parece ter
sido o caso de Simões Lopes, não significa estar em apoio às perseguições
políticas que porejavam no Rio Grande, a partir da retomada do poder pelos
castilhistas em junho de 1892. Já filiado ao Partido Republicano e nomeado
tenente da Guarda Nacional72, sem, no entanto, entrar em combate contra os
federalistas revolucionários, Simões Lopes manteria sempre uma postura
sóbria, um tanto avessa às campanhas partidárias. [...].
Reverbel (1981, p.46) também afirma que o autor não se envolveu nos jogos políticos, ao
dizer que o mesmo teria feito
[...] profissão de fé castilhista (sem o Positivismo do chefe)73, atuaria na
imprensa partidária, mas mantendo sempre uma atitude discreta e contida,
quando não distante, que significava, no fundo, a sua absoluta falta de vocação
para as refregas político-partidárias. Nem como tenente da Guarda Nacional,
na revolução de 93, ele chegou a empolgar-se e perder a serenidade. Tem-se a
impressão de que entrou na política por injunções mais de ordem familiar do
que pessoal. E que tudo quanto fez, nesse terreno, foi sempre meio a
contragosto.
A partir disso, podemos constatar que apesar de seu posicionamento político, João
Simões não tomou partido durante esse triste episódio da História do Rio Grande do Sul
e, mesmo escrevendo para um órgão do Partido Republicano, seus textos nada tinham a
ver com posições partidárias de nenhum dos lados. A chamada Revolução acabou em
1895 com a consolidação dos republicanos no poder74.
Em meio as turbulências políticas, ainda em 1893, enquanto mantinha suas
72Em 1894 João Simões foi nomeado tenente da Guarda Nacional e, tempos depois foi elevado a capitão,
mas nunca entrou em combate. (SCHLEE, 2010, p.41) 73 Discutiremos a questão do Positivismo e do Partido Republicano no Rio Grande do Sul, bem como o
envolvimento de João Simões Lopes Neto com ambos na próxima pauta desse capítulo. 74A Revolução Federalista marca o início do declínio da indústria do charque, pois inviabilizou quase que
totalmente o comércio de gado e, somado a isso, a superação das charqueadas pelos frigoríficos.
61
colaborações para o Diário Popular, João Simões Lopes Neto também escrevia colunas
para o Correio Mercantil, jornal criado por Antônio Joaquim Dias. Neste ano o autor, sob
o pseudônimo de Serafim Bemol, fez sua primeira incursão de fato no campo da ficção.
Em parceria com outros dois companheiros, Sátiro Clemente e D. Salústio, ele escreveu
o folhetim, publicado em 15 capítulos, intitulado A Mandinga. No Correio Mercantil de
15 de outubro de 1893 lê-se:
Serafim Bemol, Sátiro Clemente e D. Salústio, em comandita literária, que
pretendem celebrar, nos anais da pilhéria pelotense, escrevem uma novela,
romance, narrativa ou coisa que melhor nome tenha, observando-se o seguinte
programa:
A obra não tem fio nem pavio, os autores são obrigados a continua-la, como
entenderem, no ponto em que o associado anterior a tiver deixado.
Quando estiverem aborrecidos, ou o público começar a bocejar, matam-se os
personagens todos e... assunto concluído.
A sorte designou Serafim Bemol para principiar o trabalho, dar-lhe título e
encaminhá-lo como entendesse. Seguir-se-ão com a palavra Sátiro Clemente e
D. Salústio.
A Mandinga é o lôbrego título do folhetim, e começa hoje.
Arranjam-se os leitores e esperem a volta de todos os domingos e quintas-feiras
em que lhes servirem este pratinho, destinado a amenizar os seus dissabores.
Temos tempo de sobra para chorar.
Dessa maneira, notamos que o autor escrevia de tudo um pouco. Foram poemas, triolets,
crônicas, folhetins e outros, contudo, com raras exceções a maioria de suas publicações
foram satíricas, sempre com humor criticando ou apenas brincando com circunstâncias.
Até mesmo a defesa de Anita e Giuseppe Garibaldi75, face a matérias publicadas por
jornais católicos, que atacavam a maçonaria e a memória desses dois vultos da Revolução
Farroupilha. João Simões Lopes Neto, embora fosse maçom76, não saiu em defesa da
instituição, sugeriu que a mesma o fizesse, mas, no tange a memória de Anita e Giuseppe
Garibaldi o autor abre um leque de motivos para que se respeite à memória de ambos e
para que se cultue essa memória, pois, para o autor, Garibaldi e Anita faziam parte de
nossa História, enquanto sul-rio-grandenses e, mais, Garibaldi, para o autor, foi um
paladino da emancipação dos povos!
75 O primeiro artigo intitula-se Pró Garibaldi e foi publicano no jornal A Opinião Pública, de Pelotas, em
28 de dezembro de 1912, o mesmo defende Garibaldi das acusações de uma revista católica de São Paulo,
transcrita por um semanário local. O segundo, Mercenário – Herói! Prostituta – Excelsa!, também foi
publicado em A Opinião Pública, quase um ano depois, no dia 18 de novembro de 1913. A primeira é
assinada pelo pseudônimo de João do Sul, enquanto a segunda já leva a assinatura de J. Simões Lopes Neto.
Ambos encontram-se publicados em: MOREIRA, Ângelo Pires. A Outra Face de J. Simões Lopes Neto.
vol. 1. - Porto Alegre, RS: Martins Livreiro, 1983. 76 João Simões ingressou na Maçonaria em 27 de fevereiro de 1890 com o grau 3, alcançando o grau 17.
Fazia parte da Loja Rio Branco, que foi fundada em 1881 e era conhecida na cidade por Loja dos Artistas.
62
Em 26 de dezembro de 1906 o autor publicou no Correio Mercantil, a esta altura
sobre posse de seu tio Augusto Simões Lopes77, a lenda estilizada O Negrinho do
Pastoreio, dedicada à Coelho Neto78, que se encontrava em Pelotas para realizar uma
conferência. Importante frisar que, em 1906 João Simões Lopes Neto realizou sua
segunda conferência cívica, sendo a primeira de 1904. Nesse momento, o autor já havia
realizado reflexões acerca da valorização da cultura nacional e, as lendas, por certo,
estariam neste escopo. Em carta de agradecimento, datada de 01 de janeiro de 1907,
Coelho Neto diz ao autor:
[...]. Já conversamos sobre a necessidade que, todos quantos nos interessamos
pela tradição, temos de coligir as trovas e narrativas do velho tempo. Elas
representam o sonho dos que passaram, são, a bem dizer, o rastro das almas.
[...]. Lendo-a, tive a impressão de estar ouvindo contada, em tom lento, por
uma dessas velhinhas que são as conservadoras de muito primor da poesia
popular, tão rica em nossa pátria e tão estimada. [...] peço-te que continue a
respingar em tão rica seara, trazendo-nos tão ricos presentes como o que me
ofereceu com tanta generosidade. Muito seu agradecido, Coelho Neto. (Revista
Província de São Pedro, 1946, p.168)
Portanto, como sugere Coelho Neto, o autor era um desses “interessados pela
tradição”, que tinha por objetivo compilar esse material para fins de que todos o
conhecessem, ou melhor, que todos tivessem contato com o “primor da poesia popular,
tão rica em nossa pátria e tão estimada”. Dessa maneira, já podemos notar os primeiros
indícios de seu projeto cívico e pedagógico, mesmo que este ainda não estivesse claro na
mente do autor, pois já pesquisava, coligia e registrava a cultura popular para que se
tivesse um maior conhecimento acerca das tradições pátrias, além de publicá-las em jornal
como uma forma de vulgariza-las. Em 1909, nas páginas do mesmo jornal o autor publica
a lenda A Mboitata. Sobre ela também fala Coelho Neto, em uma carta à João Simões
Lopes Neto datada de 20 de novembro de 1909
A lenda do ‘Boi-tatá’, também conhecida pelos nossos sertanejos, com
variantes que muito a diferenciam da que escreveste, deve figurar no ‘folk-
lore’ gaúcho, onde já cintila, acesa por ti, a velinha do ‘Negrinho do Pastoreio’,
à cuja claridade puseste o meu nome. Prossegue, porque fazes trabalho de valor
e muito me alegro por haver insistido com tua modéstia para que continuasses
a colher, aqui e ali, essas flores eternas do povo, fazendo com elas o ramo que
será encanto para todas as almas e glória para o teu nome. Abraça-te, teu
Coelho Neto. ((Revista Província de São Pedro, 1946, p.168).
77 Com a morte de Antônio Joaquim Dias, proprietário do Correio Mercantil, o mesmo foi vendido a
Augusto Simões Lopes, que assim como Ismael, era tio de João Simões. Augusto ficou com a posse desse
jornal por dois anos (1906-1907). 78 Coelho Neto e João Simões Lopes Neto, pelo o que as fontes indicam, mantinham estima e amizade um
pelo outro. Veremos mais sobre essa relação no próximo capítulo dessa pesquisa.
63
As duas lendas citadas, somadas à lenda A Salamanca do Jarau, compuseram a
obra Lendas do Sul, publicada em 1913. Esta compõe, juntamente com o Cancioneiro
Guasca (1910) e Contos Gauchescos (1912) o que compreendemos por inventário
cultural do Rio Grande do Sul, que deveria ser uma espécie de divulgador de uma das
muitas faces da cultura nacional.
Assim, o primeiro quartel do século XX trouxe o amadurecimento de João Simões
Lopes Neto enquanto jornalista, acompanhando, a sua maturidade pessoal. Acreditamos
que um importante motivo para levar o jornalismo mais a sério foi que, em 1912,
necessitava disso para viver, transformando suas colaborações em uma atividade
profissional, para poder manter a si e a sua família79. Abandonou aos poucos Serafim
Bemol e sua verve humorística e dedicou-se de maneira mais séria, como vimos acima
no caso das lendas. No mesmo ano integrou profissionalmente a redação de A Opinião
Pública.
“A Opinião Pública” passara por uma importante mudança, sob novo comando
desde 1913, tornava-se um jornal combativo, contestador e, especialmente,
anticlerical; ganhava também nova feição gráfica, com espaços determinados
para assuntos políticos, financeiros e sociais, notícias e colunas permanentes –
além de um folhetim e uma sessão semanal de “artes, ciências e letras” que
divulgariam textos literários. (SCHLEE, 2010, p, 45)
Sirinelli (2003, p.248) diz que “O meio intelectual constitui, ao menos para o seu
núcleo central, um ‘pequeno mundo estreito’, onde os laços se atam [...]”, a esses
“pequenos mundos” ele denominou estruturas elementares da sociabilidade, ou seja,
lugares onde os intelectuais se encontravam e construíam laços, redes de sociabilidade e
troca de conhecimento. Cita como exemplo a redação de uma revista, mas podemos
pensar na redação de um jornal. Pensemos na redação de A Opinião Pública, da qual João
Simões Lopes Neto era membro, como “[...] um lugar de fermentação intelectual e de
relação afetiva, ao mesmo tempo viveiro e espaço de sociabilidade [...]. ” (SIRINELLI,
2003, p.249). Ou seja, na redação do jornal o autor pôde estreitar os laços com os colegas
e colaboradores, conversar, debater, concordar e discordar. A redação de A Opinião
Pública, em especial, porque buscava uma nova roupagem, mais moderna e anticlerical,
pode ter lhe proporcionado debater novas ideias, conhecer novos autores e criar suas
próprias estruturas de sociabilidade. Essas estruturas são marcadas por amizade e
79 Em 1905, João Simões Lopes Neto e sua esposa adotaram uma menina chamada Firmina. Única filha,
pois o casal não gerou filhos naturalmente. Sobre Firmina ver MASSOT, Ivete Simões Lopes Barcelos.
Simões Lopes Neto na intimidade. – Porto Alegre: BELS, 1974. p. 131-132.
64
admiração, bem como por hostilidade, rivalidade, rupturas e outros (SIRINELLI, 2003,
p.250). A partir dessas proposições podemos pensar em outras estruturas para além da
redação do jornal, como sua amizade com Coelho Neto e sua admiração profunda por
José Veríssimo, apenas para citar alguns exemplos. Contudo esse é um tema para o
próximo capítulo, por agora sigamos nossa análise acerca de sua experiência como
jornalista.
Em 1913 lança com o pseudônimo de João do Sul a série Inquéritos em Contraste,
em A Opinião Pública. De acordo com Patrícia Lima (2016, p.23), os Inquéritos em
Contraste são a produção jornalística mais bem-acabada do autor.
[...] composta por 17 crônicas, todas relativas à vida nos subterrâneos da
cidade, como ele mesmo chamou. O cotidiano dos pobres, dos cortiços e das
figuras desconhecidas, produzidas pela urbanização e pelo empobrecimento da
cidade, está capturado ali. Nestes relatos, mais do que comentarista, foi
repórter. Pelo que deixa transparecer na urdidura dos textos, buscou cenas e
informações nas ruas, entrevistou gente, viveu, de algum modo, a realidade
sobre a qual iria escrever. Sem uma amargura latente, mas com a verve satírica
mais comedida, o jornalista/narrador percorre uma nova Pelotas, a que
sobreviveu e renasceu dos escombros da aristocracia do charque – aristocracia
esta que ainda existia e permanece viva no imaginário e na cultura de muitos
descendentes até hoje. Mas não mais interessava ao escritor que, naqueles
mesmos dias, trazia ao mundo os Contos Gauchescos e as Lendas do Sul. Em
mais um paralelo de si próprio com a cidade, João Simões aceita a decadência
e passa a vivê-lo em seu ofício diário, por meio das colunas. (LIMA, 2016,
p.24).
Foi também nas páginas de A Opinião Pública, no mesmo ano de 1913 que autor
lançou uma série de artigos que nos interessam de maneira especial para esta pesquisa e,
que ao mesmo tempo, é pouco ou nada trabalhada pelos pesquisadores que se dedicam a
estudar o autor e sua obra. Estamos falando da série intitulada Uma Trindade Científica:
Lamarck, Darwin e Haeckel80. Nesta série, assinada por João do Sul, o autor demonstra
profundo conhecimento sobre os três cientistas e suas colaborações para a História
Natural e da humanidade. Ângelo Moreira (1983, p.81) diz que o autor “[...] revela um
conhecimento muito profundo sobre a ciência dominante na época, ultrapassando em
muito, o nível comum da cultura geral. ”.
As premissas de João do Sul, como ele mesmo assinou, estão expressas já no
título: Uma Trindade Científica, uma espécie de sugestão ao culto dessa trindade, como
ao culto da trindade cristã (pai, filho e espírito santo). Aliás, poderia ser uma sugestão de
80 A série completa pode ser lida em MOREIRA, Ângelo Pires. A Outra Face de J. Simões Lopes Neto.
vol. 1. - Porto Alegre, RS: Martins Livreiro, 1983. p.82-99.
65
troca de cultos pois, como vimos A Opinião Pública possuía uma conduta bastante
anticlerical e, podemos constatar no decorrer da série que o autor trata da ideia de criação
divina como um mito, enquanto a evolução humana estava provada e comprovada
cientificamente. O culto a ciência estava na ordem do dia, bem como o culto a
humanidade, são heranças do “mundo do novo-iluminismo” do século XIX, como
chamou Baumer (1990, p.59), ou melhor dizendo, são premissas também do Positivismo
que dominou a intelectualidade gaúcha nesse período e, cujos reflexos sentimos até
hoje81. Contudo, também estão expressas, naquelas páginas, premissas do “Mundo
Evolucionário”, ou “Mundo Darwiniano”, também como expressou Baumer (1990, p.97),
onde o homem está no centro da discussão, como ser complexo, porém racional, a
racionalidade e o poder da instrução estão no centro da discussão. No final do século, esse
panorama vai mudar com Freud82. Afinal, vejamos o que João do Sul escreveu:
É uma trindade moderna. Os três nomes que esses homens representam deve a
humanidade atual a maior gratidão possível, porque dos trabalhos dessas três
mentalidades dependeram progressos que, atualmente, beneficiam a atividade
humana.
Lamarck, Darwin e Haeckel os dois primeiros mortos e o terceiro ainda vivo,
representam, sucessivamente, a intelectualidade das três pátrias: a França, a
Inglaterra e a Alemanha. A obra de cada um desses três homens honra as
respectivas pátrias, tanto mais que nos aparecem eles vítimas das perseguições
as mais injustas... mas sempre aferrados à sua convicção científica, tendo em
noção o amor à verdade.
Recordar a vida e a obra desses três grandes naturalistas é prestar à ciência
mais uma prova do reconhecimento e a memória dos mesmos o preito da nossa
gratidão.
É o que vamos tentar fazer, de um modo simples, ao alcance de todos 83[...].
(LOPES NETO, 1983, p.82)
Importante é nos atentarmos para a última frase da citação, ou seja, o autor tinha
por princípio divulgar aqueles três naturalistas, bem como as suas obras, de maneira
simples, que fosse compreendida por qualquer pessoa que o lesse em A Opinião Pública.
De fato, os quatro artigos que compõem a série são de uma clareza espantosa se tratando
de tão complexo tema. O autor introduz o leitor ao mundo da ciência e sobre o tema que
quer dissertar, quando fala sobre o “célebre debate” entre Cuvier e Geofroy Saint-Hilaire.
De acordo com o autor essa discussão “[...] foi um dos movimentos que mais interessaram
81 Especificamente sobre o Positivismo e sua ampla influência no Rio Grande do Sul trataremos na
sequencia deste capítulo. 82 Freud lançou a Interpretação dos Sonhos em 1899. A Teoria freudiana do subconsciente destruiu a
imagem do homem como indivíduo coordenado, reagindo inteligentemente e de maneira prognosticável
aos acontecimentos. As ações do homem podem ser motivadas por forças que ele ignora.
(BARRACLOUGH, 1973, p.225). 83 Grifo nosso.
66
o mundo intelectual. ” e, “[...] marcou o verdadeiro início da ciência moderna [...]”
(LOPES NETO, 1983, 82-83). Ao falar sobre esse debate, cita Lineu e sua teoria da
imortalidade ao falar que fixidez da espécie é uma condição necessária a existência
mesmo da História Natural. Fala sobre os fósseis e cita Haeckel, Xenófanes de Colón e
Aristóteles. Nesse ponto critica a ideia de que os fósseis fossem um “sopro divino”, como
uma “fecundação gigantesca, pela qual se acreditava num certo sopro seminal (aura
seminalis) que penetrando no solo com águas ia fecundar as rochas e daí os fósseis, essa
‘carne petrificada’ (caro fossilis). ” (LOPES NETO, 1983, p.84). Cuvier estava de acordo
com as proposições de Lineu sobre a fixidez da espécie e, também dos fósseis como um
sopro divino, já Saint-Hilaire defendia a filiação das espécies e a concepção unitária da
natureza. Contudo, a influência de Cuvier no mundo da ciência era imbatível e, o debate
travado entre fevereiro e julho de 1830 teve fim, não que a matéria estivesse esgotada,
mas as paixões ameaçavam tomar conta do pensamento científico e, por conseguinte, dos
corredores da Academia.
Na verdade, João Simões Lopes Neto introduz o tema ao leitor, fala sobre essa
discussão para situá-lo no campo das discussões científicas em torno da origem e futuro
do homem. Essa discussão, serve como “gancho” para o autor introduzir o primeiro
cientista Lamarck que, diferente de Cuvier, acreditava no desenvolvimento contínuo e
ininterrupto de seres organizados. Aqui temos um primeiro ponto que nos interessa de
forma especial, essa ideia de desenvolvimento contínuo e ininterrupto de seres
organizados, o que poderíamos chamar de progresso! O autor era um entusiasta do
progresso, acreditava na evolução humana, que estamos sempre caminhando em direção
ao aperfeiçoamento e, para isso, deveríamos conhecer tudo o que veio antes de nós, para
com esse conhecimento, prosseguirmos. É isso que prega em suas Conferências e é isso
que também está explicito em seu projeto educacional, por isso gostaríamos de destacar
essa série, pois, ela demonstra, mesmo que o autor tenha a escrito depois das
Conferências, um broto de seu pensamento que se mostra sobre a luz, já que é tão difícil
constar, por falta de fontes, o que o autor lia. Nesta mesma série o autor cita Voltaire,
Diderot, Rousseau, Charles Lyell, Jean Louis Rodolphe Agassiz, Buffon, Goethe, Ernesto
Lesigne (o qual se baseia muito na série, contudo, não encontramos informações sobre o
mesmo), entre outros. Para nós, essa série é de importância crucial e, veremos outros
aspectos explícitos nela quando trabalharmos a questão da educação no capítulo seguinte.
67
Para que se tenha uma ideia geral da série, o autor segue tratando sobre a vida e
obra de Lamarck, depois Darwin e Haeckel, mostrando assim, o desenvolvimento do
pensamento evolucionista. Contudo alguns pontos são de fundamental destaque como:
Lamarck acreditava que o homem era um animal como qualquer outro, todavia, mais
complexo e não uma criação divina. Sobre isso nos fala o autor:
Desmoronava-se, ou melhor, começava a ruir, o majestoso trono da criação
especial do homem, que o queria, a este, produto de ENCOMENDA84, quando
nada mais era do que um elo da cadeia natural dos seres.
No amontoado informe das noções errôneas, umas reais, outras errôneas
legadas pela Idade Média, Lamarck traçava a diretriz que ia das formas animais
ao homem. (LOPES NETO, 1983, p.88)
Quando fala de Darwin, João Simões Lopes Neto diz este resolveu a questão
proposta por Lamarck quando criou a sua Teoria da Seleção Natural, a qual cita, para que
o leitor compreenda bem o que Darwin propôs. A partir daí o autor, assim como na parte
sobre Lamarck, fala sobre o fim do mito da criação e explica, com base da Teoria da
Seleção Natural de Darwin, que são as próprias espécies que criam outras espécies ao se
adaptarem ao meio e não uma criação divina e, que esse pequeno fato é todo o segredo
da vida. E aí compara a doutrina cristã com a científica dizendo:
Esta [cristã] nos diz. “Tu partiste do alto, mas caístes e não te levantarás.”
A outra, a nova, científica, a moral, nos diz carinhosamente: “Tu partiste de
baixo, mas progredistes bastante e não há nenhum ser, nenhuma potência que
possa impedir o teu progresso85”. (LOPES NETO, 1983, p.94-95)
João Simões Lopes Neto prossegue com Haeckel que, segundo ele, foi auxiliado
pelo conhecimento legado pelos outros dois cientistas. Haeckel propunha traçar
hipoteticamente a árvore genealógica do mundo vivo. Para isso, foi buscar no embrião as
informações que os fósseis haviam lhe negado86. Dessa forma, pôde-se afirmar que “todas
as formas vivas saíram pouco a pouco umas das outras por pequenos aperfeiçoamentos
sucessivos. ” (LOPES NETO, 1983, p.97). O autor encerra com Haeckel a sua Trindade
Científica. Porém, um ponto que expõe no final é fundamental para essa tese e retoma
suas ideias em relação ao seu projeto educacional:
Hoje é ensinada a doutrina verdadeira nas escolas leigas e graças a energia de
alguns governos como o francês, tem feito avançar o conhecimento humano,
libertando a escola do antigo regime da ignorância. Eis o que se deseja; eis pelo
84 Grifo do autor. 85 Grifo nosso. Para destacar os ideais de progresso do autor. 86 Aqui o autor completa e se justifica, mesmo sem dizer, porque começou com aquela discussão entre
Cuvier e Saint-Hilaire e a questão dos fósseis.
68
que se luta, hoje, pela escola leiga, com professores leigos. Sem isso, os
conhecimentos precisos desses três gloriosos sábios ficarão como um
patrimônio dos “eleitos” e não é justo que a maior parte dos modestos cidadãos
desconhecem estes três tesouros valiosos. (LOPES NETO, 1983, p.98)
A partir dessa citação, notamos que autor continua, em 1913, panfletando por uma escola
laica, com professores igualmente laicos, como já havia feito em suas conferências em
1904 e 1906 que expressam seu projeto cívico e pedagógico. Dessa forma, a questão da
educação, da instrução pública e do progresso humano continuou sendo para Simões
Lopes Neto de grande importância, mesmo no período em que criava e publicava suas
obras máximas, deixando aberta a hipótese de que jamais abandonará tais ideais, apenas
os remodelou e inseriu em outros contextos: suas séries jornalísticas, suas empresas e, por
que não dizer, sua literatura?
Enfim, à guisa de conclusão:
O criador de Blau Nunes exercitou-se na arte de escrever praticando o
amadorismo jornalístico, à sombra de um parente. Com o correr do tempo,
tornou-se cronista, redator, editorialista, secretário de redação, folhetinista e,
finalmente, diretor de jornal. Houve ocasiões em que o trabalho na imprensa
instituiu a sua principal ocupação, embora quase sempre associada a outras
atividades, algumas um tanto inusitadas, quando não fantasistas. Mas a partir
de 1912, já alquebrado e enfermiço (‘moço em corpo de velho’, na frase de um
contemporâneo), daria o resto de suas energias a duas folhas locais, nelas
trabalhando em tempo integral, mesmo porque não dispunha de outro meio de
vida, naqueles passos de existência. (REVERBEL, 1981, p.40)
Assim, João Simões Lopes Neto permaneceu em A Opinião Pública até o ano de
1915, como jornalista profissional, pois esse se constituiu em seu modo de ganhar a vida.
Posteriormente, tornou-se diretor de redação do Correio Mercantil. Não obstante, essa
fase não foi muito longa, com o fim do Correio Mercantil e precisando trabalhar para
viver, em janeiro de 1916, o autor retornou para A Opinião Pública, com o cargo de
redator.
Em suma, a atividade de jornalista perpassou toda a sua existência, seja de forma
amadora, seja de forma profissional nos últimos anos de sua vida. Foram nas páginas dos
diários de sua cidade que autor ficou conhecido como escritor, foram nelas também que
o autor se expressou das mais diversas maneiras: poemas, triolets, crônicas, folhetins,
lendas, contos e outras. Mal ou bem foi a atividade de jornalista a única que João Simões
Lopes Neto nunca abandonou e, foi nela que desenvolveu a sua escrita, sua verve
humorística, enfim, seus modos de se expressar e expressar o mundo que o cercava. Além
69
disso, nas redações desses jornais encontrou importante espaço de sociabilidade que,
muito provavelmente, suscitou debates e troca de ideias entre os seus pares.
Portanto, a sua experiência enquanto jornalista é fundamental para essa pesquisa,
pelos motivos já expostos e por, também, constituir a única atividade – mesmo que com
pausas – que o autor manteve ao longo de toda a sua vida. Além disso, segundo Eliane
Peres (2010, p.103), os jornais constituíam um importante “meio educativo”, tanto para
o público leitor, quanto para o público ouvinte, uma vez que a leitura oral era uma prática
bastante comum nessa época. Dessa forma, os jornais constituíam-se em uma importante
fonte para divulgação de ideias, e acreditamos que João Simões Lopes Neto sabia e
utilizava-se disso para panfletar as suas, como podemos constatar no triolet que crítica os
altos impostos e a dissimulação do governo que “fingia” não ver o contrabando que afligia
o comércio local. Igualmente na série de artigos Uma Trindade Científica, que no fundo
trazia as ideias de evolução e melhoramento para o progresso, bem como a divulgação de
ideias científicas e claro cunho anticlerical e panfletário por uma escola laica com
professores igualmente laicos. Em Inquéritos em Contraste87, o autor faz duras críticas
sociais a política pública que “não via” o pobre, o subúrbio e o empobrecimento da cidade.
Assim, sua experiência enquanto jornalista, mesmo que de forma amadora, é ponto crucial
para essa pesquisa, tendo em vista que foi um meio pelo qual o autor desenvolveu e
divulgou suas ideias, assim como aprimorou sua escrita e constituiu espaços
sociabilidade. Tudo isso contribuiu, de alguma forma, para a formação do autor que mais
tarde viria ser conhecido como o maior regionalista gaúcho. Mas, como já dissemos, para
nós, o autor foi bem mais além do que isso, e essa experiência foi fundamental para a sua
formação intelectual e a divulgação de suas ideias.
1.3 “[...] A INDÚSTRIA É A VIDA DOS POVOS. ”88 – JOÃO SIMÕES UM
HOMEM DE NEGÓCIOS
Pelotas é uma cidade que nasceu, se desenvolveu e cresceu em função dos
saladeiros. Enriquecidos pela indústria do charque, os charqueadores, segundo Magalhães
87 Sobre Inquéritos em Contraste ver: LIMA, Patrícia. Simões Lopes Neto jornalista: uma leitura da coluna
RInquéritos em Contraste, de 1913. 142f. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre, 2016. Disponível em: < http://hdl.handle.net/10183/147320 > Acesso: 16 de
fevereiro de 2017. 88 LOPES NETO, João Simões. Diário Popular, Pelotas, 1893, p.01).
70
(2010, p.60-61), construíram belos sobrados no centro da cidade, promoveram saraus e
permitiram que seus filhos fossem estudar no Rio de Janeiro, São Paulo, Montevidéu,
Buenos Aires, Europa e Estados Unidos. João Simões Lopes Neto foi um desses “filhos”,
ou melhor dizendo, foi um neto dessa condição. Seu avô, do qual herdou o nome, foi um
desses importantes e ricos charqueadores que possibilitaram que seus filhos e netos
recebessem a melhor instrução que havia na época.
Recém-chegado do Rio de Janeiro, João Simões Lopes Neto vivenciava uma
cidade que vivia importantes processos de modernização. Assim como outras cidades
brasileiras, Pelotas passava por importantes reformas e implementação de tecnologias. O
transporte marítimo representava o principal elo de ligação entre a cidade e o mundo,
portanto, pelo Porto de Pelotas chegavam e partiam: “Saúde e doença, arte e armas,
alimento e vestuário, culturas e moda, gente e coisa [...]. ” (ANJOS, 2000, p.43). A
Estação Férrea, também representava importante meio de transporte, ligando Rio Grande
a Bagé, passava por Pelotas. Dentro da cidade, desde 1873, o pelotense poderia se
deslocar usando o carro de passageiros da Companhia Ferro Carril e Cais de Pelotas.
Importantes obras públicas também haviam sido realizadas, como a implementação do
sistema de iluminação a gás de hidrogênio. Com essa inovação, “Os espaços de
sociabilidade se multiplicam: quiosques na Praça D. Pedro II, cafés, restaurantes e
confeitarias aproveitam a claridade proporcionada pelo gás hidrogênio líquido e o
pelotense aumenta seu tempo de viver em público. ” (ANJOS, 2000, p.49). Note-se que
estas mudanças e inovações se davam na região central de Pelotas, onde vivia a população
mais rica, nos subúrbios da cidade tudo continuava no breu.
Assim, os espaços de sociabilidade pelotense se ampliavam, segundo Loner
(2002, online)
Os saraus e reuniões familiares, com poucos convidados, exerciam um papel
fundamental em relação ao lazer da elite que, por este meio, apresentava seus
filhos à sociedade, cultivava amizades e negócios num ambiente restrito e
acolhedor, consolidando seus interesses e relações.
Aos poucos, clubes e associações89 também foram surgindo e ganhando espaço,
atendendo também à outras parcelas da população pelotense, como o Parque Souza
89 Para ver mais sobre associações e clubes em Pelotas no século XIX: Pelotas se diverte: clubes recreativos
e culturais no século XIX. IN: História em Revista. Publicação do Núcleo de Documentação Histórica.
71
Soares, mais conhecido por Parque Pelotense. A construção deste, data de 1883 e está
inserido num processo que Soares (2001, online) chamou de “saneamento social” da
cidade, segundo o historiador, o parque foi o principal ponto de recreio e ócio da
população pelotense.
O Parque Pelotense, como também foi chamado, enquanto lugar de reunião da
população da cidade cumpriu diversas funções, sobretudo sociais: permitia a
burguesia local transmitir uma boa imagem e seu desejo de integração de todas
as classes e também constituía-se num fator de controle social, pois a
população trabalhadora era ‘educada’ através dos hábitos ‘higiênicos e
polidos’ dos mais ricos. (SOARES, online)
João Simões Lopes Neto, ao voltar à Pelotas transitava pelos meios sociais com
facilidade. Como todo jovem da aristocracia, frequentava saraus, espetáculos, cafés e
certamente deve ter passeado pelo famoso Parque Pelotense. Delimitar esses espaços de
sociabilidade do autor é de importância crucial para esta pesquisa pois, esses espaços
eram fundamentais para fazer amizades, constituir redes, divulgar seus projetos, entre
outras coisas. Não esqueçamos que quem publicou suas obras foi Guilherme Echenique,
dono da Livraria Universal (Echenique e Cia.), que mais tarde se converteria em Livraria
do Globo. Echenique era amigo de João Simões Lopes Neto e, provavelmente se
encontravam nos cafés, praças e parques da cidade, bem como no teatro e em redações de
jornais, configurando as estruturas de sociabilidade, como sugeriu Sirinelli (2003).
Portanto, pode-se pensar nesses espaços como fundamentais para se criar importantes
elos, sejam eles intelectuais, literários e/ou comerciais, como veremos a seguir.
Lembremos que as relações familiares também contavam muitíssimo,
principalmente no seio da elite, dessa forma, devido a sua ascendência, o autor era bem
tratado e admirado em todo o lugar, como moço promissor que era. Por esse motivo, de
acordo com Reverbel (1981, p.120)
Durante alguns anos os figurões da Praça do Comércio de Pelotas90
acreditaram no futuro de João Simões Lopes Neto. Também, não seria para
menos: ele frequentava os meios econômico-financeiros da cidade sempre
planejando bons negócios, idealizando obras de vulto, sonhando com novas
empresas. Apontavam-no então como tipo do moço sério e ambicioso, que
Instituto de Ciências Humanas. Universidade Federal de Pelotas. vol.8, 2002. – Pelotas: Editora da UFPel,
2002. Disponível em: <https://wp.ufpel.edu.br/ndh/files/2017/02/08.-Beatriz_Ana_Loner.pdf >. 90 A Praça do Comércio de Pelotas foi fundada em 07 de setembro de 1873 e é produto da indústria
saladeiril, predominante em Pelotas durante todo o século XIX, esta promoveu um intenso e variado
comercio na cidade. Atualmente chama-se Associação Comercial. (MAGALHÃES, 2010, p.21-22).
72
tinha de quem puxar, prometia, iria longe, seria um dos seus91. Não tardaram
a abrir-lhe largo créditos de confiança, pronto para recebe-lo no seio de Abraão
das classes conservadoras.
Assim, não havia do que duvidar, João Simões Lopes Neto tinha todos os
requisitos para ser um homem de negócios notável e, evidenciar-se em meio a classe
empresarial de sua cidade. Na Praça do Comércio ou na Sociedade Agrícola Pastoril o
autor era bastante estimado. E, segundo Reverbel (1981, p.120)
[...] foi nesta perspectiva que lhe atribuíram, desde logo, elevadas funções entre
os dirigentes daquelas entidades, cabendo-lhe, por vezes, a missão de intérprete
e porta-voz dos altos interesses por elas representados, na condição de órgãos
máximos da economia pelotense. Não podia haver demonstrações mais
evidentes de que o levaram muito a sério.
Não obstante, após uma série de malsucedidas empreitadas João Simões Lopes
Neto começou a ser considerado, por esses mesmos que lhe levavam na mais alta estima,
como um utopista, um lunático, um poeta, e não mais um promissor homem de negócios.
Apesar disso, analisando as conjunturas em que se deram esses fatos, notamos que a
decadência das “empresas” do autor, acompanham um processo de igual decadência de
sua cidade. Portanto, acreditamos que, mesmo que fosse um utopista, o que de fato as
vezes ele o era, seus negócios não deram certo não só por esse motivo, mas porque a
economia da cidade também não vinha bem, como nos tempos áureos da indústria do
charque92. Mas, para que possamos compreender essa questão, veremos como se deu
essas empreitadas industriais e comerciais e seu contexto histórico e social.
Todavia, no período em que João Simões Lopes Neto pensava suas empresas, ou
seja, no final do século XIX e início do século XX, Pelotas passava por um amplo
processo de modernização, como vimos. Segundo Lorena Gill (2004, p.43), houve o
[...] aumento da área de iluminação pública a gás, novos meios de transporte
(bonde com tração animal em 1873 e bonde elétrico em 1915), fornecimento
de água à população urbana, através de uma caixa d’água que ainda hoje
abastece todo o centro da cidade e de quatro chafarizes importados da Europa
na década de 1870, inauguração da Biblioteca Pública Pelotense em 1875,
proliferação de clubes e associações recreativas, culturais, étnicas, teatrais,
bailantes, carnavalescas, literárias, religiosas e a existência de um número
importante de jornais diários, além de muitos semanários.
91Grifo nosso. João Simões Lopes Neto era sobrinho do reconhecido político Ildefonso Simões Lopes. Foi
sob os cuidados deste que o autor residiu no Rio de Janeiro, onde o tio figurava na corte. Bem como, o
autor era Neto do grande Visconde da Graça. Podemos dizer que, essa ascendência, nessa época, foi o seu
cartão de visita. 92 Essa hipótese será desenvolvida no decorrer desse subcapítulo.
73
Dessa forma, Pelotas se modernizou e se tornou um amplo centro cultural, com
clubes, entidades carnavalescas, jornais e outros. Por isso, cabe um aparte, para
salientarmos mais uma vez, que João Simões Lopes Neto esteve sempre engajado nas
causas de sua cidade, além de fazer muitas coisas ao mesmo tempo.
Na “pele” de Serafim Bemol, o autor foi também um escritor para o teatro. O
mesmo estreou no teatro em parceria com Mouta Rara, pseudônimo de José Gomes
Mendes, em 1893, sendo todas as suas peças realizadas por companhias de teatro amador,
bem como, todas em Pelotas. Em parceria com Mouta Rara montou três peças, sendo
todas com o texto de Serafim Bemol e a parte de carpintaria teatral do parceiro. A primeira
peça, resultado dessa parceria, foi O Boato, estreada em 25 de novembro de 1893, no
Teatro Sete de Abril. A segunda peça foi a mais importante da carreira de Serafim Bemol
no teatro, em 23 de julho de 1894 estreou a comédia opereta Os Bacharéis, também com
música do maestro Manoel Acosta y Oliveira e encenação de Antônio R. Maia. Reverbel
(1981, p. 107), argumenta que: “Os Bacharéis recebeu um acolhimento, por parte do
público, como jamais acontecera na cidade. E terminaram registrando o maior êxito do
teatro amador em Pelotas, de todos os tempos. ”. Inspirados pelo sucesso de Os Bacharéis,
os autores lançaram, em 23 de maio de 1896, a peça A Mixórdia que definiram como uma
revista cômico-trágico-burlesca-retrospectiva de 1894-95. Esta também foi encenada no
Teatro Sete de Abril (REVERBEL, 1981, p.110). Contudo, a parceria com Mouta Rara
se encerrou após essas três peças, mas, Serafim Bemol continuou seu caminho. Sozinho
o autor assinou as seguintes peças: Viúva Pitorra (1896), O Bicho (1898), O Palhaço e
Fifina (1900), Jojô e Jajá e não Ioiô e Iaiá, Amores e Facadas, Maior Credor e Querubim
Trovão, em 1901, ano que mais produziu para o teatro93, Por Causa das Bichas (1903),
Valsa Branca (1914) e encerrou sua carreira no teatro com a peça Sapato de Bebê (1915),
adaptado de um conto de François Coppée. (REVERBEL, 1981).
Assim, constatamos mais uma vez que João Simões Lopes Neto foi um homem
de muitas faces. Ao mesmo tempo que escrevia para os jornais, escrevia para o teatro,
atuava como despachante geral e ainda se detinha a realizar empreitadas no ramo da
indústria e do comércio. Foram várias as suas empreitadas, umas mais efêmeras, outras
mais duradouras. Por isso, elencaremos aqui as que acreditamos serem as mais
93 Para mais informações sobre as produções de teatro de João Simões ver HEEMANN, Cláudio. O teatro
de Simões Lopes Neto, Vol. I. Porto Alegre: IEL, 1990.
74
significativas, tanto para o autor, quando para a sua cidade. Tendo em vista que, sua
história e a de sua cidade caminham lado a lado, do apogeu a decadência.
Sem recursos próprios para investir em um negócio, pois a herança que recebeu
com o falecimento de sua mãe foi quase simbólica, João Simões Lopes Neto procurando
algum trabalho permanente, em 1890 abriu seu próprio escritório de despachante geral.
Ou seja, na impossibilidade de investir em uma indústria, que era o seu “sonho dourado”,
se conteve em abrir um escritório na sua própria residência. De acordo com Diniz (2003,
p.72) o autor manteve-se neste ofício por quase toda a sua vida, paralelamente a todos os
outros negócios e às variadas atividades profissionais e culturais a que se encarregou.
Engano bastante comum em relação às atividades do autor é que ele teria sido
funcionário da Alfândega em Pelotas. Esse equívoco, se dá porque os primeiros
despachos feitos por ele foram marítimos e alfandegários. Em 1895, ainda trabalhando
sozinho, mudou-se para um escritório, saindo assim de sua residência. Contudo, seus
negócios foram ampliados quando em 1898, Ildefonso Correia passou a ser seu sócio.
João Simões Lopes Neto e Ildefonso Correia eram bastante amigos, ambos eram membros
da Guarda Nacional94 e, este não seria o único negócio em parceria dos dois, como
veremos a seguir. Outro parceiro, José Gomes Mendes – o Mouta Rara, parceiro de
Serafim Bemol no teatro – também foi seu sócio nesse negócio. Todavia, os sócios não
chegaram a atuar simultaneamente. No ano de 1904 João Simões Lopes Neto foi
candidato único para o concurso do 2º Tabelionato de Pelotas, no qual foi aprovado e
nomeado, contudo não abandou o escritório de despachante geral, que ficou sob os
cuidados de seu sócio José Gomes Mendes. Entre os anos de 1910 e 1912, período que
encerraria as atividades como despachante geral, João Simões Lopes Neto voltou a
trabalhar sozinho, foi nesse período que seu negócio oferecia maior conjunto de serviços.
Na página 50 da Revista do 1º Centenário de Pelotas (1910) – também uma criação do
autor – lemos o seguinte anúncio:
94 João Simões Lopes Neto foi membro da Guarda Nacional. No ano seguinte ao início da Revolução
Federalista de 1893, foi nomeado Tenente e destacado para o 3º Batalhão de Infantaria da Guarda Nacional
da Comarca de Pelotas. Nessa unidade, segundo Reverbel (1981, p.121) havia apenas um militar de carreira,
que cumpria as funções de instrutor da tropa. Joao Simões Lopes Neto foi designado para exercer as funções
de secretário da unidade. Todavia, ficaram aquartelados em Pelotas e, a cidade não sofreu nenhum ataque,
nem sequer foi ameaçada, dessa forma, o autor pediu licença para cuidar de negócios particulares. Com o
fim da Revolução em 1895 o 3º Batalhão de Infantaria foi desmobilizado, mas os postos de seus membros
foram mantidos e o “exército” voltou às suas atividades civis. Posteriormente, foi promovido à Capitão.
Contudo, jamais entrou em combate.
75
João Simões/ Corretor 1890-1910/ Compra e venda, hipoteca e arrendamento
de imóveis urbanos e rurais. Compra e venda, caução e penhor de semoventes,
títulos, metais e pedras finas. / Contrato, alterações e distratos, e registro de
firmas comercias e de marcas de indústria e pastoris. / Selagem e rubrica de
livros/ Patentes de privilégio e de garantia provisória. Pagamento de quaisquer
impostos./ Requerimentos/ ás repartições federais, estaduais e municipal para
certidões, licenças e etc./ Declarações, anúncios e propaganda comercial em
todos os jornais do Estado./ Vigilância e fiscalização sobre marcas de fábricas
e patentes de privilégio./ Seção de informações sobre imposto do selo e do
consumo./ Seguros de vida e dotal, e contra fogo e risco marítimo./ Consulta
Comercial/ Biblioteca especial para exame de catálogos 95sobre qualquer
ramo de indústria e comércio. (RUBIRA, 2012, p.172)
Dessa forma, João Simões Lopes Neto levou seus negócios como despachante até
o ano de 1912. Durante esse período expandiu o negócio e criou, como lemos acima, até
mesmo uma biblioteca de consulta “sobre qualquer ramo da indústria”, o que demostra
que o autor possuía em seu escritório as fontes das quais necessitava para conhecimento
de qualquer ramo industrial. Pode ter sido com o auxílio dessa biblioteca que o autor
elaborou seus projetos industriais. Além do mais, como vimos, sempre foi um homem
das palavras e, soube usar disso também, para criar anúncios para suas empreitadas, o que
Reverbel (1981, p.130) chamou de “invulgar senso do apelo publicitário”. Anunciava nos
jornais, nos quais também era colaborador, as suas empresas e as vantagens que
apresentavam.
Em 1893 escreveu para o Diário Popular uma espécie de monografia intitulada
Nossas Indústrias, com o objetivo de divulgar as vantagens das indústrias pelotenses, o
autor fez uma longa digressão sobre a situação da cidade e também citou as suas principais
indústrias na época. Das quais, citamos algumas: Moinho Pelotense, de Paulino Leite;
Fábrica de Chapéus, de Wiener & C.; Curtume e Preparação de Couros Convencionais,
de Cardoso e Sieburger; Fábrica de Guano e Colla, de Fraeb; Meirelles & C. Fábrica de
Sabão e Velas de Sebo, D. J. Oliveira Fábrica de Sabonetes e Óleos de Perfumaria,
Livraria Americana, de Carlos Pinto & C.; e “sua” primeira indústria A Vidraria
Pelotense, sobre a qual expõe: “Companhia de capital limitado, em construção;
dependências, maquinaria e acessórios, os mais aperfeiçoados, edificação e montagem
dirigidas pelo 1º gerente Ildefonso Corrêa. É a primeira fábrica da América do Sul pelo
conjunto dos detalhes do plano. ” (LOPES NETO, 1893, p.01). Neste artigo, o autor
95 Grifo nosso.
76
demonstra uma perspectiva positiva em relação ao futuro de Pelotas e suas empresas,
como lemos no final do mesmo:
Há ainda muito por fazer: o comércio não é mais que um intermediário entre o
consumidor e o produtor; o consumidor vai num crescendo enorme; o produtor
precisa acompanhar as suas exigências e para isto tem de munir-se do arsenal
indispensável; esse produtor é a indústria e a indústria é a vida dos povos.
Tudo é relativo; pequenas, maiores ou grandes, venham as aplicações
industriais para as mil riquezas naturais do município; muitas pequenas forças
reunidas fazem uma potência que se impõe ... 28-12-92. João do Sul. (LOPES
NETO, João Simões. Diário Popular, Pelotas, 1893, p.01)
Dessa maneira, sua primeira grande empreitada industrial foi a Sociedade
Anônima Vidraria Pelotense, em parceria com o amigo Ildefonso Correia, lançada em 05
de outubro de 1891. Como a maioria dos negócios do autor, a Sociedade Anônima
Vidraria Pelotense foi muito propagandeada na imprensa da época. Seus fins, de acordo
com Reverbel (1981, p.134), eram “a exploração do fabrico do vidro em geral, para
diversas aplicações no uso doméstico, industrial e científico. ”. A Vidraria apresentava-
se com modernos aparelhos e habilidosos operários96. Mas, esse foi apenas o início e,
partir daí todas as notícias relacionadas à Vidraria figurariam nas páginas dos jornais da
cidade, como grande motor de propaganda. Sua inauguração foi em 15 de abril de 1893,
a partir desse momento, a fábrica começou a produzir um vasto estoque de materiais dos
mais diversos, além de oferecer matéria-prima para que se fabricassem produtos sob
encomenda. A fábrica também empregava um grande número de operários, em sua
maioria, de origem francesa. Porém, o consumo das mercadorias era relativamente muito
baixo e a Revolução Federalista, que eclodiu naquele ano, atrapalhou o escoamento das
mercadorias para fora da região de Pelotas. Além disso, os técnicos, essenciais para a
produção, vinham de outras regiões, o que também foi dificultado pelo advento do
conflito . Conforme os relatórios, esta era a quarta fábrica de vidros da América Latina
(Buenos Aires, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Pelotas).
Muitos foram os problemas que a Vidraria possuiu durante a sua existência, em
sua maioria, a falta de capital. Contudo, muitos também foram os esforços dos
contemporâneos para mantê-la pois, a consideravam a “única companhia industrial de
nossa terra”. Como foi o caso do senhor Paulino Teixeira da Costa Leite, que segundo
96 Na projeção do jornal, que Reverbel transcreveu em sua biografia, consta que haviam “6 bons operários,
trabalhando com 24 mulheres e crianças [...].”. (1981, p.135)
77
Reverbel (1981, p.139), ao inaugurar o novo prédio do Moinho Pelotense, em 05 de
dezembro de 1893, e festejando esse acontecimento
[....] o proprietário da empresa, Paulino Teixeira da Costa Leite, deu simpática
demonstração de solidariedade aos que lutavam pela industrialização da
cidade: na mesa de doces e líquidos com que foram obsequiados os
convidados, os copos, cálices, taças, garrafas e queijeiras eram de fabricação
da Vidraria Pelotense, e os guardanapos da Fábrica Bonar, também pelotense.
O gesto do industrial Costa Leite causou a melhor impressão, sendo ele
vivamente felicitado pela sua atitude. Seria hoje um nacionalista de primeira
linha. (REVERBEL, 1981, p.139)
Mesmo com esse e outros auxílios, a Vidraria não vinha bem e seus acionistas
queriam o lucro prometido no início do negócio. A publicidade da mesma nos jornais não
deixava transparecer a situação difícil e trabalhavam num sentido de salvá-la, de mantê-
la. Mas todos os esforços foram em vão e mesmo com os primeiros tropeços, ela poderia
ter sido salva mediante uma nova injeção de capital. Mas seus sócios não quiseram
arriscar e, em assembleia, no ano de 1895, resolveram acabar com o negócio e levá-lo à
leilão. O que aconteceu em 31 de agosto do mesmo ano (CHIAPINNI, 1988, p.42).
João Simões Lopes Neto era realmente um homem bastante inquieto, em 1893,
ainda cuidando da Vidraria Pelotense, deu início a outro ousado projeto a Companhia de
Destilação Pelotense. Autorizados pelo presidente do Estado, Júlio de Castilhos, João
Simões Lopes Neto, João Antônio Pinheiro e Virgínio Lúcio de Mattos podiam dar início
a mais um ambicioso projeto. O mesmo possuía como objetivo principal a exploração da
indústria de destilação de álcool através do aproveitamento de vários cerais e a criação de
porcos, para o proveito da banha, carne salgada e conservas (REVERBEL, 1981, p.143).
Porém, assim como a Sociedade Anônima Vidraria Pelotense, essa empreitada foi
atravessada pelo advento da Revolução Federalista, além disso, as máquinas chegaram
com bastante atraso e os porcos não correspondiam as expectativas da produção. Tudo
isso resultou em um balanço do primeiro ano de operações com prejuízos. Assim, como
aconteceu com a Vidraria Pelotense, a imprensa tentava ajudar, dando ideias de que a
companhia ainda tinha futuro e que era preciso apoiá-la. Porém, não teve jeito, dois
grandiosos projetos, um mesmo fim. Em 1º de julho de 1895 a Companhia de Destilação
Pelotense foi à leilão. Mesmíssimo fim, ambas foram adquiridas pelo Barão Alves da
Conceição, que também acabou tendo um “fim trágico”, quando em 1900 decretou
falência de sua firma e todas as suas empresas foram liquidadas.
78
Ao ter dois projetos ambiciosos fracassados, João Simões Lopes Neto não se
conformou, diferente do entusiasmo que demostrou no artigo Nossas Indústrias em 1893,
nesta publicação no Correio Mercantil de 30 de maio de 1895 o autor se mostra desiludido
e faz o seguinte “desabafo”:
Quando o velho D. Chagas, de saudosa memória, dizia que Pelotas foi, é e há
de ser a terra das raridades, e quando um amigo meu repete que Pelotas é, não
uma filha, mas uma enteada do Brasil, há de haver muita gente que entenda
que é um descalabro pensar assim. Mas a verdade é essa. Parlapatice é outra
coisa. Enche-se a boca com uma porção de trapos velhos e arroga-se uma
grandeza desdenhosa. – Não se precisa do governo: Pelotas teve o correio à
sua custa, a barra do São Gonçalo à sua custa, isto à sua custa, aquilo à sua
custa. As oficinas da Southern deveriam ser estabelecidas aqui; houve jogo de
argolinhas e adeus oficinas. As fabricas Rheingantz foram planejadas para
serem estabelecidas aqui. Horror! As límpidas e olorosas águas do Santa
Bárbara vão ficar maculadas. Longe! Longe! As fábricas ficaram longe daqui
e fazem honra ao lugar onde estão. Inventou-se um banco propriamente local.
Magnífico! Enquanto o diabo esfregou o olho ficou subscrito o capital. Quando
chegou a hora de entrar com o cobre ... oh! Desconsolo, rabiscos de 200 contos
ficaram em 10 e já se estava vendo tudo de catrâmbias e vai... veio, vieram, de
fora, com exímio capital, em vez de um, dois estabelecimentos bancários, que
tem enchido o papinho em um gosto. É preciso notar que para receber o cartão
de visitas de um dos bancos (emissor, por sinal), houve “mettings”, protestos
e até cassetete, se bem me lembro. Ele veio... e foi-se quando muito bem lhe
pareceu. Depois houve uma coisa de colonização. – Bravo! Genial! Enorme!
Senhores: a minha chácara presta-se muito bem pra começar... – Não apoiado!
A minha presta-se melhor! – A minha! A minha! E, como as chácaras eram
muitas e os colonos nenhuns, não se fez colonização. A luz elétrica; os esgotos;
a canalização, a estrada de ferro à São Lourenço; os cães; as feiras agrícolas, e
tudo tem ido à gaita, gaita andam tocando muitos outros ‘progressos’, e as duas
infelizes empresas, que estão tocando a finados, parece que vão fechar a rosca
para qualquer outra tentativa generosa. Mas assim mesmo é que é. Cada um
cuide de si... e quem for bastante pateta para pensar nos outros que se enforque
e o diabo que o carregue. É ainda pouco. (LOPES NETO, João Simões. Correio
Mercantil, Pelotas, 30 de maio de 1895)
O autor se indignou com seus contemporâneos e a falta de perspectiva de
progresso de sua cidade, bem como o desamparo do governo em relação à cidade. Critica
também a falta de um senso mais coletivo, ou melhor dizendo, faltava aos investidores
pensarem também no bem da cidade e não somente em seus lucros. De acordo com Loner
e Aquini (2010, p.101) Pelotas e Rio Grande formavam, no final do Império, o principal
polo industrial do Estado. Mas, a concorrência do contrabando, especialmente pela
proximidade das fronteiras, a falta de uma política de proteção industrial e a grave crise
pela qual passavam as charqueadas com o fim da escravidão, sua principal força de
trabalho, levaram Pelotas à uma estagnação econômica no início da República. Com o
advento desta a situação ficou ainda mais crítica com o relativo abandono da região pelo
Partido Republicano Rio-Grandense e a constante falta de incentivo estatal à
79
industrialização.
[...] Pelotas foi a [cidade] mais prejudicada, porque sua industrialização se
alicerçava com o dinheiro advindo do charque e possuía um mercado mais
restrito, pois os grandes proprietários poderiam comprar produtos de outras
regiões e os demais consumidores tinham pouco dinheiro. E com a diminuição
dos lucros, não houve uma tentativa de diversificação da produção industrial
por parte dos investidores da região. Ao contrário, sua industrialização foi
sendo direcionada para produtos de transformação da agropecuária, como a
indústria conserveira, o beneficiamento de arroz, lã e carne bovina. Outro
problema foi a flutuação do mercado internacional da carne, na qual entrava
em más condições de concorrência, devido à menor qualidade do produto
gaúcho em comparação com o argentino e uruguaio. (LONER; AQUINI, 2010,
.101)
Dessa forma, Pelotas aos poucos ia perdendo o seu brilho de grande e próspera
cidade, sua principal fonte de renda por muitos anos, as charqueadas, já estavam quase
em extinção. E junto com elas, as grandes fortunas que bancavam o mercado industrial.
Também, como vimos na citação acima, os investimentos na indústria não foram
diversos, estando em sua maioria concentrados na transformação de matérias originárias
da agropecuária. João Simões Lopes Neto, provinha deste mesmo lugar, contudo, pensava
de maneira diferente, mais atento ao mundo dos negócios, porém com bem menos capital.
E nos valendo de suas próprias palavras, o “diabo o carregou”! Após essas
empreitadas malsucedidas por falta de capital e confiança dos investidores que o negócio
poderia ser bom para a cidade e gerar, em longo prazo, um lucro razoável, João Simões
Lopes Neto deixa de ser uma espécie de representante comercial dessas empresas e
investe capital e esforço em um negócio próprio. Em 1901, criou a sua firma João Simões
& Cia., esta era a razão social de uma sociedade mercantil constituída nesse ano entre o
autor e Ildefonso Corrêa, seu sócio e amigo (DINIZ, 2003, p.114). Esta sociedade tinha
por objetivo a fabricação dos cigarros da Marca Diabo, sob a marca registrada – Diavolus.
Esse foi o primeiro empreendimento do autor em que houve o empenho de capital próprio,
pois, João Simões Lopes Neto até este momento empregava em seus negócios capital
alheio. Somente com o falecimento do seu avô, o Visconde da Graça em 1893, e de seu
pai Catão Bonifácio Lopes em 1896, é que ele recebeu alguns bens de fortuna. Vale
destacar, que o Visconde da Graça somou de seus dois casamentos 22 filhos, que por sua
vez também possuíam muitos filhos. Dessa forma, não se pode julgar que o autor tenha
recebido uma herança incalculável e colocado toda a fortuna do avô e do pai a perder com
maus negócios. Essa é uma ideia bastante comum, se tratando de João Simões Lopes
80
Neto: o mito da grande fortuna. Sobre sua herança nos fala Reverbel (1981, p.153):
De acordo com os valores da época, João Simões Lopes Neto recebeu um
patrimônio mais que suficiente para acomodar na vida um indivíduo
desprovido de fantasias e inquietações, mas ainda assim distanciado da fortuna
que lhe tem sido atribuída. Seja como for, só a partir de então ele começou a
perder nos negócios dinheiro de próprio bolso. As perdas anteriores, em cujos
negócios ele atuou apenas como incorporador, podem ter esvaziado outros
bolsos, não os seus. Mas não tardaria a também chegar a sua vez.
Mesmo com os seus negócios tendo fracassado, em 1901, de acordo com Diniz
(2003, p.112), João Simões estava no seu auge de prestígio social, com 36 anos. Faber
Júnior, escritor pelotense, escreveu sobre João Simões Lopes Neto no mês de seu
aniversário no Correio Mercantil de 20 de março de 1901, as palavras que lemos a seguir:
Não se pode chama-lo de bonito, porque ele, que é um rapaz de espírito, não
aguenta. Boa prosa, veia inesgotável, com um jeito especial de preparar e
desmanchar situações... de apuro. Tem sido tudo, uma espécie de homem de
sete instrumentos, conhecida, como é, a sua predileção pela música... proibida.
Até ‘maluco com juízo’. Agora dedicou-se à indústria, sem deixar, porém, para
gáudio do público, como conhece como poucos, de fazer ‘boatos’, bacharéis’
e ‘viúvas’ (salvo seja...). Tem graça para honrar a família. (JÚNIOR, Faber.
Correio Mercantil, Pelotas, 20 de março de 1901)
Logo, com 36 anos, João Simões Lopes Neto já era notado pelos seus
contemporâneos como “homem se sete instrumentos”, ou melhor, de muitas atividades.
Ao mesmo que dedicava-se as colaborações dos jornais, era despachante, escrevia para o
teatro – como aparece nos nomes das peças citadas por Faber Júnior – e, além disso,
dedica-se a essa altura à indústria. O empreendimento da vez, de média proporção era a
fábrica de cigarros Marca Diabo. De acordo com Schlee (2010, p.38)
[...] Essa fábrica produziu seis tipos diferentes de cigarros propalados com
nomes raros: “Coiós” e “Macanudos”, “Gen. Osório” e “Dr.Berchon”, “Clube
Caixeral” e “União Gaúcha” – prestando homenagem a entidades e
personalidades ou simplesmente aproveitando expressões correntes na fala
popular.
Talvez esse tenha sido o empreendimento do autor que mais se aproximou da
“realidade”, ou melhor dizendo, que estava mais próximo dos negócios desempenhados
na cidade, que apesar da grande fama, não era uma cidade muito grande, que pudesse
consumir todo o imenso estoque projetado pelas empreitadas anteriores. Além disso,
pode-se dizer que, desde essa época o autor já estava atento às expressões culturais da
linguagem popular, principalmente no que tange a gauchesca. Cabe lembrar que esse
81
vocabulário gauchesco configura um dos pontos mais altos de Contos Gauchescos (1912),
por exemplo. A vivacidade das palavras e a naturalidade com que o autor aplica as
expressões à fala dos personagens caracterizam a sua forma única de escrever, a qual lhe
garantiu um enorme reconhecimento póstumo. Mas isso é assunto que trataremos com
mais atenção na sequência dessa pesquisa, por ora, nos concentremos nas fábricas de
cigarros.
Haviam nessa época, em funcionamento em Pelotas, quatro similares fábricas de
cigarros: a Santa Bárbara (1879), a Santa Cruz (1892), a São Gabriel (1894) e a
Manufatura de Fumos Gentilini (1990). Ainda, somando-se a concorrência, existia a
tradicional fábrica de charutos Pock – de Rio Grande – e inúmeras outras marcas
estrangeiras, que figuravam nos balcões do comércio local. Dessa forma, haviam três
fábricas com nomes de santo e, partindo de grande senso publicitário, somado a uma
enorme irreverência, ousadia e humor (podem-se dizer traços típicos se tratando do autor),
João Simões Lopes Neto e seu sócio colocaram o Diabo na rua, ou melhor, lançaram a
sua marca de cigarros, a Marca Diabo. Para ganharem a simpatia popular, investiram
bastante em publicidade e, ganharam com isso também a antipatia da Igreja e das carolas.
Parece que o autor se divertia com isso, sem esquecermos o seu forte senso anticlerical.
Todavia, os cigarros da Marca Diabo apresentaram tão boa qualidade que
ganharam medalha de prata na Exposição de Saint Louis, em 1904, nos Estados Unidos.
Contudo, desde 1903 o negócio já sofria problemas na comercialização quando a empresa
João Simões & Cia. se viu envolvida em sonegação de impostos de consumo. A
publicidade dos cigarros da Marca Diabo mostrava a inconformidade com o preço dos
impostos, como lemos no anuncio abaixo:
82
Figura 3: Publicidade dos Cigarros Marca Diabo
Fonte: http://gaz.com.br/conteudos/zeborowsky/2016/08/15/78593-memoria_marca_diabo.html.php
Além do mais, o funcionamento da fábrica era precário e sua produção não teria
sido suficiente para os padrões da época. Para dar um exemplo da precariedade da
infraestrutura, o depósito do estabelecimento ficava na própria residência do fabricante,
ou seja, na residência de João Simões Lopes Neto. (SCHLEE, 2010, p.38-39). Somam-se
à isso, dois fatos importantes para o derradeiro final da fábrica: o primeiro, é que a Igreja
fez de tudo para impedir a comercialização do produto e, o segundo, é que o fato de a
fábrica empregar mulheres, o que era comum no exterior, foi uma modernidade vista com
pouca simpatia pela provinciana cidade de Pelotas (CHIAPINNI, 1988, p.46). Sobre a
Igreja ter influenciado para o fim dos cigarros Marca Diabo a sobrinha do autor, Ivete
Massot, comenta que (1974, p.127):
Começou, então, uma guerra subterrânea; sempre que João Simões entrava
numa casa comercial para colocar seu artigo, ia saindo um padre, ou entrando
uma freira. E os negociantes, temendo um castigo do céu, o recebiam de olhos
arregalados e com mil subterfúgios: “Se o senhor tivesse vindo ontem. ” “Oh,
senhor Simões Lopes! Nos pegou sem verba...”. “Já estamos supridos”, e etc..
83
Assim como os outros negócios de João Simões Lopes Neto, a fábrica de cigarros
Marca Diabo, que apareceu com forte publicidade nas páginas dos jornais da cidade,
acabou tomada de silêncio. Em 1905-06, os produtos da fábrica já haviam desaparecido
do mercado. Ele fechou a fábrica, mas não pediu falência (REVERBEL, 1981, p.158).
Porém, não foram somente os cigarros da Marca Diabo que resultaram deste
empreendimento. É importante lembrar da Tabacina que, de acordo com Diniz (2003,
p.119), era um remédio antiparasitário destinado à cura de plantas e animais, lançado por
João Simões na III Exposição Rural de Pelotas. A Tabacina foi vista com desconfiança
pelos jurados da feira agrícola porque no dia de experimentá-la diante dos técnicos os
resultados foram desastrosos. Mas o autor insistiu nos efeitos benéficos desse produto que
foi mantido no mercado, onde obteve boa resposta do público consumidor à quem se
destinava. No Almanak Litterário e Estatístico do Rio Grande do Sul, do ano de 1903,
temos o seguinte anuncio da Marca Diabo, em que já aparecem os cigarros e a Tabacina:
Figura 4 Publicidade da Marca Diabo
Fonte: Almanak Litterário e Estatístico do Rio Grande do Sul - 1903. (Hemeroteca Digital da Biblioteca
Nacional)
84
Portanto, essas foram algumas experiências industrias de João Simões Lopes Neto
que elencamos aqui para que se possa ter noção do quão envolvido ele foi com a indústria
de sua cidade e o prestígio que carregou, à princípio, por ser de “boa família” e ter,
igualmente, uma boa relação com as grandes figuras da Praça do Comércio de Pelotas,
além de uma rede de amigos que o apoiavam. Alguns o acusam de ter sido um lunático,
um sonhador, que criava negócios mirabolantes e sem nenhum senso de realidade.
Contudo, acreditamos que o autor, em suas várias empreitadas industriais, visava além de
seu lucro próprio, o desenvolvimento de sua cidade pois, apresentava seus produtos em
exposições das mais renomadas, realizava estudos técnicos para comprovar as suas ideias.
Não era uma pessoa que tinha uma ideia e botava em prática a qualquer custo, ele era um
progressista, que estudava a situação, as demandas, os lucros. Tanto que, podemos
constatar, com o declínio da fábrica de cigarros Marca Diabo o autor já tinha elaborado
a Tabacina, como forma de aproveitar o fumo, mas também pensando a demanda do
comércio local que, como vimos anteriormente, ao invés de se diversificar, investiu mais
uma vez em empresas que usassem de manufaturas da agropecuária, esse foi também o
caso, pois, a Tabacina era uma espécie de antiparasita para plantas e animais.
Cabe, antes de concluirmos esse tema, dizer que João Simões Lopes Neto foi um
homem de indústria e comércio, ou seja, um resultado de sua época – Pós Revolução
Científica e Industrial. Como expressou Barraclough (1973, p.44), “[...] a idade do carvão
e do ferro fora substituída, depois de 1870, pela era do aço, da eletricidade, do petróleo e
dos produtos químicos. ”. Neste sentido, João Simões Lopes Neto caminhava nessa
direção pois, dois de seus empreendimentos industriais se encontravam-se nessa linha de
raciocínio: A Sociedade Vidraria Pelotense que, em seu fim, teve as seguintes palavras
de Ildefonso Corrêa: “Desde de 15 de julho desde ano que chegamos infelizmente ao
convencimento de que nossa fábrica jamais teve direção técnica, pois hoje conhecemos
que a indústria do vidro é realmente uma ciência cheia de complicações. ” (IN:
REVERBEL, 1981, p.141), e a Tabacina, propriamente um produto químico. Dessa
forma, constatamos que o autor também pensava, além de seus lucros obviamente, no
desenvolvimento técnico e científico de sua cidade. Esse também foi o momento das
transformações na Medicina e, por consequência na Agricultura onde para se produzir
mais, para poder alimentar uma sociedade de massa e atender à exportação (a esta altura,
também de gado, graças ao advento dos navios frigoríficos) foi preciso combater pragas
85
em largos campos e rebanhos de gado, ou seja, a Tabacina era um produto que se prestava
à isso.
Dessa maneira, João Simões Lopes Neto foi um homem de seu tempo – inserido
em seu contexto histórico e social – ligado à indústria, ciência e tecnologia. Um fruto da
mudança da configuração do mundo em uma sociedade de massas, de grandes
conglomerados urbanos e industriais que representavam tecnologia e progresso.
Barraclough (1973, p.52) diz que as grandes metrópoles converteram-se, nesse momento,
no núcleo da sociedade industrial, como foi o caso de algumas cidades, cujo o exemplo,
o autor cita o Rio de Janeiro, chegando a alcançar a marca de um milhão de habitantes.
Barraclough diz ainda que é “[...] significativo que a emergência dos grandes centros
metropolitanos tivesse sido mundial, pelo que, a tal respeito, pelo menos, a Europa já não
situava em plano excepcional. ” (1973, p.52-53). Em vista disso, cabe lembrarmos que o
autor residiu no Rio de Janeiro no momento dessas transformações, no final do Império,
e ainda, Pelotas era considerada uma grande cidade na época do autor, enriquecida pelo
charque se mostrava promissora. E era nisso que o autor acreditava, que sua cidade
poderia ser um grande centro moderno, com muitas industrias que trariam o progresso.
Contudo, “falido” e “derrotado”, por atitudes provincianas e conservadoras de sua cidade
o autor aos poucos desiste de ser um homem industrial. Importante frisar que a cidade de
Pelotas estava em franca decadência econômica, contudo com o final das charqueadas, os
conflitos regionais e o contrabando, por exemplo, não só os negócios do autor não deram
certo, como também o de muitos contemporâneos, pois, a conjuntura econômica na cidade
não favorecia os negócios industriais, principalmente, alguns bastante megalomaníacos,
como foi caso da Vidraria Pelotense.
De fato, João Simões Lopes Neto levou uma vida de equívocos e contradições,
como a maioria dos seres humanos. Em 1894, por exemplo, foi nomeado Tenente da
Guarda Nacional, porém, mesmo sendo promovido tempos depois à Capitão, nunca
entrou em combate. Também foi um dos fundadores da Academia de Letras do Rio
Grande do Sul, sem ao menos ter um livro publicado. Ajudou a fundar a Sociedade
Agrícola e Pastoril na cidade de Pelotas, sem ter um palmo de campo ou cabeça de gado
(SCHLEE, 2010, p.41). Morreu em 14 de junho de 1916 em Pelotas, com poucos recursos
e sem o brilho e o entusiasmo dos áureos tempos de otimismo. Contudo, não podemos
dizer que era um lunático ou sonhador, ou até mesmo um azarado, como gostavam de
chamar alguns conterrâneos. Ele foi um homem de seu tempo, atento as demandas em
86
diversas escalas e, por ser um espírito tão inquieto, envolveu-se nos mais diversos
negócios. Podemos dizer que, jamais desacreditou no progresso de seu país e, por meio
da educação, encarou outra empreitada, de divulgação de suas ideias e, por consequência,
de seu projeto educacional e cívico, tema que iremos abordar ao longo da pesquisa. Por
agora, vejamos como o Positivismo e o governo do Partido Republicano Rio-Grandense
influenciaram nas experiências do autor.
1.4 O PENSAMENTO POSITIVISTA E SUA INFLUÊNCIA NO PARTIDO
REPUBLICANO RIO-GRANDENSE.
O pensamento positivista de Augusto Comte (1798-1857) se tornou uma
importante e notável corrente de pensamento que tomou proporções consideráveis no
Brasil e, sobretudo, no Rio Grande do Sul, influenciando alguns intelectuais, bem como
um partido político – o Partido Republicano Rio-Grandense – e, por conseguinte, a vida
da população no final do século XIX e início do XX. João Simões Lopes Neto certamente
não quedou imune à esta influência, por isso, acreditamos que delinear esse espaço de
experiência seja de importância crucial para compreendermos mais tarde algumas
questões referentes ao pensamento do autor no tange o tema da instrução pública, por
exemplo, além de outras questões.
Antes de mais nada, lembremos que o pensamento de Augusto Comte está
inserido no que Baumer (1990, vol II, p.59) chamou de Novo Iluminismo, como já
dissemos, esse movimento era formado por diferentes grupos de pensamento, contudo,
apesar das diferenças, todos eles trouxeram o “espírito do iluminismo”, em graus
diferentes, para meados do século XIX. O Novo Iluminismo trazia do Antigo Iluminismo
a aversão pelo sobrenatural, bem como pela metafísica, a ênfase no “livre pensamento”,
a mesma preocupação com problemas sociais e o ativismo social, além de manter o
otimismo quanto à natureza humana e a história, contudo, nesse novo momento, era mais
realístico do que romântico (BAULMER, 1990, p.61).
Portanto, o Positivismo emergiu na França em meados do século XIX, quando
Augusto Comte elaborou, entre 1830 e 1842, o seu Curso de Filosofia Positiva, no qual
expôs a sua doutrina positivista. De acordo com Baumer (1990, vol II, p.62), segundo a
87
[...] a máxima de Comte, a ação depende da ciência, e a ciência está
empenhada, fundamentalmente, na previsão e no vatício.
A ciência é a palavra-chave de Comte e, na verdade, a popularidade da ciência
estava, justamente nesta altura, na sua maré alta, na comunidade intelectual
ocidental.
Aqui, já notamos um ponto em comum entre as ideias de Comte e o que pensava João
Simões Lopes Neto: o culto à ciência. Para o autor, como pudemos ver anteriormente em
sua série de artigos Uma Trindade Cientifica, a ciência deveria ser a máxima da
humanidade, o conhecimento científico deveria ser divulgado em detrimento de falsos
dogmas que obscureciam o conhecimento humano, como a religião. Dessa forma,
acreditava também, no poder de previsibilidade que a ciência possuía, ou seja, se
tivéssemos o conhecimento preciso poderíamos prever o que estaria por vir. E, se tratando
do autor em questão, podemos dizer que este buscava o melhoramento da sociedade por
meio da instrução pública e cívica de qualidade, a partir dela, poderíamos então atingir
níveis satisfatórios de progresso. Também em seus negócios, o autor buscava respaldo na
ciência e na tecnologia e, realizava previsões, com base em cálculos dos lucros para
convencer os capitalistas a investirem em suas ideias. Além do mais, estava inserido em
seu contexto, e não quedou imune à “onda” de cientificismo que dominava aquela época.
Outra importante concepção que Baumer (1990, vol II, p.60) traz, é que para
Comte a história moderna começava a partir do “movimento industrial”. Para Baumer,
Comte estava consciente de que o industrialismo começou a mudar a face do mundo,
intelectualmente, bem como política e socialmente e que solicitava novas atitudes
desconhecidas dos philosophes. Por isso, criou uma filosofia “mais adequada” ao seu
tempo e as demandas do mesmo. Nesse mesmo caminho, no subcapítulo anterior, vimos
a obstinação de João Simões Lopes Neto em criar empresas e apoiar as existentes, ou
ainda por virem em seu município, constatamos que o autor também compreendia o
industrialismo como algo moderno e que estava, naquele momento, modificando a face
do mundo, como demostrou com Barraclough (1973). Para ao autor, aquelas industrias
mudariam o seu município, trazendo mais desenvolvimento, em diversos níveis, para toda
a sociedade. Contudo, antes de irmos mais longe, cabe indagar como o Positivismo
difundiu-se no Brasil e ganhou tamanha força capaz de ser a ideologia política a governar
um Estado.
De acordo com Mozart Pereira Soares (1998, p.87), o Brasil foi o país onde o
Positivismo encontraria um ambiente bastante favorável para exercer a sua influência
cultural, filosófica, cientifica, política e religiosa. A partir de 1850, o Positivismo já se
88
infiltrava nos principais estabelecimentos do país: Escola Militar do Rio de Janeiro,
Escola da Marinha, Colégio Pedro II, Escola de Medicina e Escola Politécnica. Nesses
ambientes, o pensamento de Augusto Comte foi difundido a partir de seu Curso de
Filosofia Positiva e importantes positivistas brasileiros como, Benjamin Constant e
Teixeira Mendes, tiveram contato com a doutrina.
Teixeira Mendes, segundo Soares (1998, p.94) desde cedo já manifestava
qualidades de liderança, bem como, um profundo senso de justiça, coragem cívica e
exemplar dignidade com que se impôs a sua geração. Sua rigidez pedagógica e a sua
louvável postura moral foram importantíssimas para a propagação das ideias positivistas
no Brasil. Dessa forma, Teixeira Mendes se dedicou à política e desempenhou um papel
de máxima relevância na organização da República. Interessante salientar, que política,
para Comte era uma atividade essencialmente voltada para a Educação. E, assim como
Teixeira Mendes, Benjamin Constant também era professor e foi fiel inteiramente ao
Positivismo científico, político e religioso (SOARES, 1998, p.96). Além disso, “[...]
promoveu a reorganização do ensino, do grau elementar ao superior e imprimiu os novos
rumos na formação técnica e profissional que muito influenciaram na educação nacional.
” (SOARES, 1998, p.97). Lembremos que, a Educação Nacional é uma constante
preocupação de João Simões Lopes Neto. Para ele, cabia ao estado proporcionar uma
educação pública, laica e gratuita à toda a população. Outro importante ponto a destacar
é que, no Estado do Pará, José Veríssimo em 1881, publicou um folheto intitulado Emílio
Littré, onde expôs seus conhecimentos acerca do Positivismo que, de acordo com Soares
(1998, p.111), em parte aceitava. Lembremos que José Veríssimo é uma importante
referência para João Simões Lopes Neto97.
Como já dissemos, na segunda metade do século XIX, o Rio de Janeiro
representava um importante centro de efervescência intelectual. Nesse mesmo momento
Comte havia praticamente finalizado a sua obra. Recordemos que, neste período, João
Simões Lopes Neto estava residindo na Capital do Império. Conforme Soares (1998,
p.188-119)
O Rio de Janeiro era, ainda, não só a capital administrativa e política nacional,
mas ainda a capital social e científica, em que se debatiam as conquistas vindas
de além-mar e as questões nacionais do pensamento abolicionista e
republicano emergentes, dois postulados acirradamente defendidos pelo
97 Sobre a influência e o diálogo de José Veríssimo com Simões Lopes Neto trabalharemos no segundo
capítulo dessa tese, que visa estabelecer os diálogos intelectuais entre o autor e outros intelectuais.
89
Positivismo que invade a Corte, a partir, principalmente, do fim da guerra do
Paraguai.
Nesta atmosfera se prepara o advento do Apostolado Positivista no Brasil98.
[...]
Lembremos que João Simões Lopes Neto residiu no Rio de Janeiro entre os anos
de 1877-78 e 1884, dessa forma, estava na capital quando as ideias positivistas tiveram
em grande expansão, influenciando assim as questões nacionais como a abolição da
escravatura e a ampliação das ideias republicanas.
Bosi (1992, p.276) expõe que o antiescravagismo positivista combinava com a
propaganda do regime republicano. Dessa forma, os positivistas criticavam a imobilidade
da monarquia que, segundo Montpelliet, de acordo com Bosi, encontrava-se nas fases
teológica e metafísica da história e deveriam ser ultrapassadas por leis da natureza para a
próxima fase: a república positiva. Ou seja, a “Sociedade industrial, já não mais feudal
nem militar, trabalho livre e ditadura republicana constituíam o novo sistema. ” (BOSI,
1992, p. 76). Portanto, o Positivismo se ajustava com a atmosfera ideológica que vivia o
Brasil no final do Império. Diferente de despotismo, a ditadura republicana elaborada por
Comte trazia a ideia de um governo que tratasse da salvação dos interesses do povo. Além
disso, o Positivismo pregava a separação do estado e da igreja, a preferência pela
formação técnica, a ênfase na ciência e o desenvolvimento industrial.
Interessante perspectiva é a que apresenta Alfredo Bosi, ao analisar o que chama
de Arqueologia do Estado-Providência: Sobre um enxerto de ideias de longa duração
(1992, p.273-275). Bosi, cita Alexander Gerschenkson que trabalhou a questão das
ideologias nos processos de desenvolvimento nacional após a Revolução Industrial
inglesa. Todavia o que nos interessa desse processo é a questão das ideias de Saint Simon
que influenciaram Augusto Comte, que teria sido seu discípulo, de acordo com Bosi. Este
(1992, p.274) expõe que Saint Simon idealizava uma sociedade em uma espécie de
Estado-Nação corporativa na qual os líderes industriais assumiriam as funções políticas
de revê-lo. Para que esse sistema funcionasse, era preciso instaurar uma economia
planejada que regulasse o desenvolvimento da nação como um todo. Dessa forma, as
classes “mais numerosas e sofredoras” seriam incorporadas e protegidas pela sólida união
entre Governo e Indústria. A partir dessas ideias, que Comte adotou de Saint Simon, com
98 Teixeira Mendes e Miguel Lemos são considerados os principais divulgadores do Apostolado Positivista
no Brasil.
90
algumas adaptações, os positivistas constituíram o que Bosi (1992, p.275) chamou de
arqueologia de modernização brasileira viabilizada por um estado centralizador.
No Brasil, segundo José Murilo de Carvalho (1990, p.27) a versão positivista da
república se mostrava como uma boa saída. A transição da Monarquia para a República
já se justificava em nome do progresso. Pois a Monarquia “correspondia à fase teológico-
militar, que deveria ser superada pela fase positiva, cuja melhor encarnação era a
república. ” (CARVALHO, 1990, p.27). Outra demanda atraente, que trazia o
positivismo, era a separação da Igreja do Estado, isso encantava principalmente
professores, estudantes e militares. A ideia de um Executivo forte e intervencionista
também os fascinava, ou seja, progresso e ditadura.
[...] o progresso pela ditadura, pela ação do Estado, eis aí um ideal despótico
ilustrado que tinha longas raízes na tradição luso-brasileira desde os tempos
pombalinos do século XVIII. Por último, a proposta positivista de
incorporação do proletariado à sociedade moderna, de uma política social a ser
implementada pelo Estado, tinha maior credibilidade que o apelo abstrato ao
povo e abria caminho para a ideia republicana entre o operariado,
especialmente o estatal. (CARVALHO, 1990, p. 27).
O Rio Grande do Sul foi o estado brasileiro onde as ideias Positivistas de Augusto
Comte tiveram maior influência. Alcançando, por meio do Partido Republicano Rio-
Grandense o status de “ideologia política” do Estado.
Por razões históricas específicas, o modelo positivista seduziu também os
republicanos do Rio Grande do Sul. A tradição militar da região, o fato de os
republicanos serem lá uma minoria que precisava de disciplina e coesão para
impor-se, a menor complexidade da sociedade local em comparação com São
Paulo e Rio de Janeiro talvez tenham contribuído para a adesão mais intensa
às ideias políticas do positivismo. Mais do que nenhuma outra, a Constituição
do Estado do Rio Grande do Sul incorporou elementos positivistas,
particularmente no que se refere à predominância do Executivo; ao Legislativo
de uma câmara e de caráter orçamentário; a ausência de referência à Deus,
substituído pelo trinômio Família, Pátria, Humanidade; a política educacional
e social. (CARVALHO,1990, p.28-29)
Cabe destacar aqui que, apesar de algumas ortodoxias, as ideias de Comte nem sempre
eram seguidas à risca, ou melhor dizendo, absorvia-se os aspectos do Positivismo que se
achavam mais afinados com as concepções do governo. Segundo Nelson Boeira (1980,
p.36),
No Rio Grande do Sul, o positivismo esteve sujeito a todas estas injunções, foi
feito de omissões, compromissos, resistências, erosões e deslocamentos de
sentido e ênfase. Movimentos regidos de um lado pelas variações dos
91
interesses materiais e políticos de seus usuários e, de outro, pelos modismos
intelectuais e pelo confronto com seus concorrentes ideológicos.
Boeira (1980, p.37), ainda pontua que entre 1870 e 1930, aproximadamente, não
existia apenas um positivismo no Rio Grande do Sul, mas, positivismos. Para ele,
existiam pelo menos três correntes: o positivismo político, o positivismo difuso e o
positivismo religioso. O positivismo político ganhou força com o retorno de estudantes
gaúchos da Faculdade de Direito de São Paulo, entre eles figuravam: Assis Brasil, Júlio
de Castilhos e Alcides Lima, além disso, ganharam apoio político de Demétrio Ribeiro e
de outros positivistas. Contudo, o positivismo comtiano só ganharia status real na política
com a criação do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), obviamente não havia
consenso quanto as ideias que seriam adotas e/ou descartadas, no processo de elaboração
da doutrina política do Partido. Houve, dessa forma, uma institucionalização do
Comtismo, reformulado por Castilhos afim de suprir as necessidades e projetos da elite
do PRR, mas “mesmo assim nitidamente comtismo” (BOEIRA, 1980, p.39). Já o
positivismo difuso, engloba o impacto do positivismo na vida intelectual, contudo, Boeira
(1980, p.45), destaca que é bastante complexa essa análise tendo em vista a familiaridade
e a proximidade do positivismo com outras doutrinas cientificistas da época, como o
spencerismo ou o darwinismo99. O historiador destaca que o positivismo foi absorvido
por públicos distintos no Rio Grande do Sul, primeiramente, por um pequeno grupo de
intelectuais como Castilhos, Alcides Lima, Alfredo Varela, entre outros. Posteriormente
por um grupo mais amplo, formado por intelectuais ligados ao Jornalismo, Direito e
História, em sua maioria, ligados à imprensa diária. Já o terceiro grupo é composto pelo
público em geral, leitores desses jornais, ou pessoas afetadas pelos discursos e
conferências, “[...]. É certo que nesse nível, o comtismo chegou atrás de clichês, frases
soltas, fórmulas grandiloquentes ou simplesmente de conceitos a admirar (Humanidade,
Ordem, Progresso, Ciência e etc.). ” (BOEIRA, 1980, p.46). O último positivismo
elencado por Boeira (1980, p. 54-57), é o positivismo religioso. Esse estava ligado à
Religião da Humanidade e serviu de suporte moral para o PRR.
Portanto, considerando as proposições de Boeira (1980), podemos analisar a
influência “dos positivismos” na experiência de João Simões Lopes Neto. Para início de
99 Sobre essas doutrinas e suas influências trataremos no próximo capítulo desta pesquisa.
92
conversa o autor era um republicano. No jornal A Federação100 de 31 de julho de 1889,
lemos que no dia 14 do mesmo mês realizou-se em Pelotas, por ocasião das festas
promovidas pela União Republicana e da eleição prévia de candidato a deputação geral,
a adesão de membros ao partido republicano. Na lista com o nome dos novos membros
encontramos o de João Simões Lopes Neto101. Portanto, além de um republicano, por
ideal era um membro do Partido Republicano Rio-Grandense mesmo antes da
Proclamação da República. Dessa maneira, podemos constatar que o autor estava
pleiteando, juntamente com seus correligionários, a república brasileira. Diniz (2003,
p.70) expõe que
[...] Há poucos meses da Proclamação da República, em meio a edições dos
triolés dessa segunda fases da série [Balas de Estalo], os ânimos andam
agitados. Muitos pelotenses de destaque nacional, estão engajados na causa
republicana, desde a fundação do Clube 20 de Setembro 102pelos estudantes
gaúchos da Faculdade de Direito do Largo da Sé, em São Paulo103, com a
participação ativa de Álvaro José Gonçalves Chaves, João Jacinto Mendonça
e Adolfo Luiz Osório. Na Princesa do Sul104, simpatizantes do movimento
anunciam uma conferência de Alcides Lima105 no Recreio dos Artistas, a ser
realizada na tarde de 17 de agosto de 1889. João Simões e Manuel Simões
Lopes106 lá estão. [...]
Uma confusão entre monarquistas e republicanos no final deste evento fez com que os
rapazes entrassem em um confronto com um outro rapaz de “cor parda”, conforme nota
explicativa escrita pelo próprio autor no jornal A Pátria de 19 de agosto de 1889:
Uma explicação. Convém que elucidemos o que se propalou sobre o fato que
conosco deu-se após a conferência do dia 17, realizada no Recreio dos Artistas
pelo Sr. Alcides Lima. Agredidos por um indivíduo de cor parda, cujo nome
ignoramos, em ocasião em que pacificamente acompanhávamos alguns
amigos, fomos obrigados a reagir, castigando a insolência do dito indivíduo.
Para que não seja atribuído o nosso procedimento a questões políticas,
julgamos de nosso dever orientar o público. Manuel Simões Lopes, João
Simões Lopes Neto.
100 A Federação foi um periódico fundado em 1884 e servia como órgão de propaganda da republicana no
Rio Grande do Sul. Tinha como epígrafe o lema positivista “Ordem e Progresso”, assim como, eram
frequentes às referências ao pensamento de Augusto Comte. Nas mãos de Júlio de Castilhos foi utilizado
como suporte para conquistar crescente ascendência sobre a organização partidária. (PEZAT, 2007, p. 38).
Soares (1998, p.120) expõe que n’ A Federação, Júlio de Castilhos transformou-se no jornalista político
mais importante que o Brasil já teve. 101 A Federação, Porto Alegre, 31 de julho de 1889, capa. 102 Grifo nosso. O nome de 20 de setembro é uma referência direta à República Farroupilha de 1835. 103 Um desses estudantes era Júlio de Castilhos. 104 Grifo nosso. Princesa do Sul é como Pelotas é comumente conhecida. Faz referência aos áureos
tempos do apogeu das charqueadas. 105 Segundo Diniz (2003, p.70) Alcides Lima era membro do Clube 20 de Setembro. É autor também de
História Popular do Rio Grande do Sul. 106 Manoel Simões Lopes era tio do autor, irmão de Catão Bonifácio Lopes, do segundo casamento do
Visconde de Graça. Como nasceu em 1868 regulava de idade com o sobrinho.
93
Todavia, o panorama da monarquia no Brasil se agravava a cada dia pois,
A acumulação do capital proporcionada pelo café fazia com que as ideias de
progresso e civilização que vinham da Europa adquirissem um sentido preciso
no Brasil. Em função do complexo cafeeiro, aparelharam-se portos,
construíram-se vias férreas, adquiriram-se máquinas e produtos europeus uma
sociedade que se modernizava e acertava o passo com a História. As cidades
cresciam e transformavam-se, criavam-se bancos para atender as necessidades
de uma economia em expansão e para fazer frente à massa de salários num país
que deixava para trás a escravidão. As chaminés das fábricas nascentes
passaram a alterar, pouco a pouco, a fisionomia de uma nação
predominantemente agrária. Café, trabalho livre, indústria e urbanização
tornaram-se sinônimos de progresso, riqueza, civilização e regime
republicano. (PEZAVENTO, 1995, p.14)
Logo, podemos concluir que João Simões Lopes Neto enquanto republicano por
convicção e por afeição partidária, sofreu o impacto do positivismo político pois, a
doutrina positivista comtiana foi adaptada pelo PRR, transformando-se assim na doutrina
política do Partido e, com a chegada desse ao poder, na doutrina política do estado. Ou
melhor dizendo, as adaptações que Castilhos fez do comtismo para a “realidade” gaúcha
modificaram um pouco o panorama, no entanto, continuava sendo comtista, como vimos
com Boeira (1980). Além disso, João Simões Lopes Neto era membro da elite e jornalista,
realizava discursos e conferências, abarcando, também, o que Boeira (1980) chamou de
positivismo difuso. Ou seja, fazia parte daquele grupo de jornalistas e literatos que
propagavam as ideias cientificistas de Comte, bem como de Spencer e Darwin e outros
cientificismos. Lembremos que o autor escreveu a série de artigos Uma Trindade
Científica – Darwin, Haeckel e Lamarck (1913). Também realizava discursos e suas
Conferências Cívicas (1904-1906) estão cheias de frases de efeito que englobam os
grandes conceitos citados por Boeira, “Humanidade, Ordem, Progresso, Ciência e etc.”
(1980, p.46).
Em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, segundo Flores (1993, p.127), no final
da tarde de 15 de novembro de 1889 soltaram foguetes em frente à sede do jornal A
Federação. Na porta do mesmo estava afixado o telegrama que diz o seguinte: “O povo,
o exército e a armada vão instalar um Governo Provisório, que consultará a Nação sobre
a convocação de uma Constituinte. Ergam-se aclamações gerais à República – Quintino
Bocaiúva. ”. Ainda de acordo com Flores (1995, p.127), o povo assistiu estupefato o
golpe dos militares conservadores, contudo, a maior surpresa foi que os republicanos sul-
rio-grandenses não foram sequer consultados ou avisados sobre a derrubada da
monarquia.
94
De qualquer forma, com a queda da monarquia e o advento da República, o Partido
Republicano Rio-Grandense chegou ao poder em 1889. A partir desse momento a
filosofia positivista seria profundamente inculcada nas instituições políticas do estado,
como vimos acima, este fato aconteceu somente no Rio Grande do Sul. Segundo Jens R.
Hentschke (2015, p.53), existem três razões para explicar tamanha receptividade do
pensamento positivista no Rio Grande do Sul. A primeira trata da proximidade do Rio
Grande do Sul com o Uruguai e a Argentina, além da importância menor da escravidão
em relação à outras regiões do país, como São Paulo, por exemplo. Ademais, o
republicanismo tinha florescido no Rio Grande do Sul bem anteriormente com a
Revolução Farroupilha (1835-1845), que levou às vias de fato a uma República Rio-
Grandense. A segunda razão, é que o Rio Grande do Sul estava sempre envolvido em
guerras externas e civis, o que resultou na militarização da sociedade, que influenciou
virtualmente, de acordo com Hentschke (2015, p.54), na biografia de todo o caudilho.
Portanto, a necessidade de restaurar a lei e a ordem era amplamente aceita, bem como a
ideia de modernizar a economia e a sociedade. A terceira e última razão para o sucesso
do positivismo em terras gaúchas pode ter sido a situação econômica específica do Estado
que, apesar de suas crescentes discordâncias políticas, de acordo com Hentschke (2015,
p.55), tanto os grandes proprietários de terras da Campanha, quanto os pequenos
proprietários e artesãos na Serra e aliados do litoral urbanizado estavam focados no
mercado interno. Assim, encontravam um ponto comum para impor as suas vontades ao
governo central, pelo qual se sentiam negligenciados e, portanto, deveria ser derrubado.
Assim, apesar das divergências políticas que existiam no Estado naquela época, o
positivismo se mostrou uma doutrina que dava coerência as questões e demandas que
envolviam os cidadãos. E apesar dos variados “positivismos” em voga no estado, o
positivismo castilhista foi o que teve mais força, pois, representava além de uma doutrina
política, um projeto de construção do Estado (Hentschke, 2015, p.56), que governou o
mesmo por anos e cujos reflexos sentimos até hoje. Neste projeto de ação básica, a ideia
era criar um modelo diversificado e integrado, no qual os setores agrários e secundários
se inter-relacionassem, dando ao Estado um certo ar de modernidade, progresso e
autossuficiência (PEZAVENTO, 1995, p.17).
Ratificamos que João Simões Lopes Neto era um republicano, além disso, como
já dissemos, era filiado ao PRR e, atentando para suas ideias expressas em suas
conferências, ou em suas empreitadas industriais, contatamos também que o autor não
95
quedou imune à influência do positivismo que imperou no Rio Grande do Sul na sua
época. Lembremos que o autor era um entusiasta do progresso, do desenvolvimento e da
indústria, o que estava de acordo com o pensamento de sua época, além também de
condizer com ideias do PRR sob égide do positivismo castilhista. Para que fique claro,
João Simões Lopes Neto apesar de ir à festas e conferências republicanas e estar filiado
ao partido, sua ação se deu mais no campo das ideias ou de ação enquanto cidadão, ou
melhor dizendo, não angariou nenhum cargo político em toda a sua existência e não esteve
envolvido na Revolução Federalista de 1893.
Para que fique mais claro como estavam de acordo as ideias de João Simões Lopes
Neto e do PRR cito Pesavento (1995, p.17) que expõe que
Apoiando-se nas ideias de Comte, o “autoritarismo ilustrado” que governava
o Rio Grande representou uma aliança entre setores agrários e não-agrários da
burguesia local que se estruturava. Entendiam, à luz dos princípios positivistas,
que o progresso seria dado pelo desenvolvimento industrial, pelo primado da
ciência, pela educação e pela moral. [...] Assim, se o programa republicano
contata entre os seus postulados a proteção às indústrias do país, ao mesmo
tempo propunha-se a animar o desenvolvimento da agricultura, da criação e
das indústrias rurais.
Dessa forma, João Simões Lopes Neto que perseguia o progresso, que instaurou
indústrias em sua cidade, que primava pela ciência, também primou pela educação, como
veremos a seguir. Foram as questões referentes à educação, ou melhor dizendo, a
instrução pública que pleiteou, a parir de 1904 mais efetivamente. Para o autor, assim
como para Comte, era responsabilidade do estado prover a instrução pública, gratuita e
laica. A questão da laicidade seja do ensino, seja da sociedade, também é uma ideia
comum em ambos os autores. Isto posto, podemos constatar que o autor estava aliado
com os ideais republicanos e positivistas do Rio Grande do Sul, até mesmo na ênfase à
Revolução Farroupilha e aos “heróis” da mesma, como veremos em breve.
Obviamente, o governo do PRR no Rio Grande do Sul também demonstrou
problemas e deficiências em vários âmbitos, ou seja, não foi lá um “mar de rosas”.
Castilhos, depois de uma sucessão de presidentes de estado, se elegeu e instaurou o que
costuma-se chamar de “ditadura científica” para alcançar a ordem e o progresso, contudo,
74% da população era analfabeta, além do mais, nas zonas de latifúndio, as mudanças
tecnológicas no campo, como as ferrovias, dispensaram os tropeiros; as cercas de arame
e a introdução do gado de raça contribuíram para a diminuição de campeiros para o
manejo dos animais (FLORES, 1995, 137). O desemprego assolou os trabalhadores rurais
96
que acabaram marginalizados, esse fato proporcionou lutadores para os corpos
provisórios da Brigada Militar bem como para as tropas revolucionárias (FLORES, 1995,
p.137). Acreditamos que João Simões Lopes Neto percebeu essa mudança e, por ser um
entusiasta do progresso, mas ao mesmo tempo um cultuador da tradição, viu na
marginalização e posterior desaparecimento desse tipo social, tão fundamental nos
tempos de antanho, uma peça chave para a história do Rio Grande do Sul, seus costumes
e tradições. Contudo, diferente da maioria dos autores regionalistas, João Simões Lopes
Neto e, podemos dizer, como um evolucionista, não falava em sua literatura ou nos livros
didáticos desse tipo social em tom de lamentação, mas compreendendo que a marcha do
progresso não pode parar e, que não podemos esquecer os que nos trouxeram até os dias
atuais, numa espécie de filosofia da história. Esta ideia de valorização da tradição,
também é uma ideia positivista. A valorização da tradição, da família e do dever e da
hierarquia social tem tanto um significado cultural como um significado político
(BOEIRA, 1980, p.49).
Mas, voltando as questões do PRR, também é obvio que nem todos estavam de
acordo com os mandos e desmandos do Partido no Estado e, formou-se, assim, a oposição
dos Federalistas. O Partido Federalista defendia a revogação da constituição estadual
baseada nas ideias positivistas e a instauração de um governo parlamentar. Não havendo
conciliação entre os dois grupos em fevereiro de 1893 começou a Revolução Federalista
que
[...] pode ser entendida basicamente como uma revolta dos coronéis,
representante do poder local, contra a ação política de Júlio de Castilhos. A
subida dos republicanos ao poder, contrários a qualquer tipo de privilégios,
acabou ferindo a visibilidade e manutenção do pacto imperial (que privilegiava
os estancieiros, os coronéis da fronteira sul). O “pacto” entre os coronéis e o
Império pode ser resumido da seguinte forma: os coronéis da fronteira
defendiam os interesses territoriais imperiais; em troca, o governo fazia “vistas
grossas” ao contrabando. ” (KÜHN, 2011, p.104).
Este confronto, ou melhor, esta guerra civil só teve fim dois anos e meio depois.
Foi esta uma guerra violentíssima, onde a degola constituiu-se em sua característica
principal. Contudo, esse confronto consolidou os republicanos no poder, além de dar uma
nova configuração à base social de apoio do governo, pois “[...] os republicanos buscavam
respaldo nos novos setores da oligarquia rural, estabelecida na região litorânea e na serra,
e nos profissionais liberais, comerciantes e funcionários públicos das zonas urbanas. ”
(KÜHN, 2011, p.105). Na época da Revolução de 1893, como vimos, João Simões Lopes
97
Neto foi chamado pela Guarda Nacional, como tenente, para defender o governo,
contudo, Pelotas ficou aquartelada e o autor não esteve nem perto de um combate. Tanto
foi, que vendo que as coisas estavam bastante calmas em Pelotas pediu licença da Guarda
Nacional para tratar de negócios, a qual foi concedida. Dessa forma, João Simões Lopes
Neto, mesmo sendo um neto de estanceiro e charqueador, manteve-se fiel ao Partido
Republicano, bem como os interesses do mesmo.
Fortalecido após a Revolução Federalista de 1893, o PRR continuou o seu governo
sem muitos problemas, a doutrina política positivista foi seguida por Borges de Medeiros,
sucessor de Júlio de Castilhos tempos mais tarde. Simões Lopes Neto manteve-se em suas
várias atividades, mas, sempre com os ideais republicanos e algumas ideias positivistas
como pudemos constatar. Contudo, temos a noção de que fizemos um curto giro pelo
mundo das ideias do positivismo castilhista, contudo, o objetivo aqui era apenas mostrar
onde se encontravam as ideias do autor com as ideias positivistas e do positivismo
castilhista que dominou a intelectualidade do Rio Grande do Sul no final do século XIX
e início do XX. Sem embargo, essa discussão não estanca aqui, ela aparecerá gotejada ao
longo de toda a pesquisa.
1.5 A GAUCHESCA COMO EXPERIÊNCIA
Genuíno tipo – crioulo – rio-grandense (hoje tão modificado), era Blau o
guasca sadio, a um tempo leal e ingênuo, impulsivo na alegria e na
temeridade, precavido, perspicaz, sóbrio e infatigável; e dotado de uma
memória de rara nitidez brilhando através de imaginosa e encantadora
loquacidade servida e floreada pelo vivo e pitoresco dialeto gauchesco.
(LOPES NETO, 1961, p.124)
A Gauchesca é uma constante na trajetória de João Simões Lopes Neto, seja na
infância, onde pôde ter contato com o universo rural na Estância da Graça e,
posteriormente, na adolescência, quando passou um curto período de tempo com o pai –
Catão Bonifácio Lopes – na Estância São Sebastião, na cidade de Uruguaiana. Seja na
sua vida adulta, quando se engajou com a União Gaúcha e, também, produziu suas obras
máximas. Além disso, quando se fala em gauchesca, ou sobretudo, quando se fala em
literatura gauchesca e, se tratando do caso brasileiro, o primeiro nome que nos vem na
mente é o de João Simões Lopes Neto. E não poderia ser diferente, sendo ele um grande
expoente do gênero.
98
Ao se dedicar à essa literatura ele inovou, diferente das obras anteriores da
gauchesca brasileira107, em Contos Gauchescos (1912), por exemplo, o narrador culto,
que anteriormente contava as estórias sobre os gaúchos, foi deslocado, deixando assim,
que o próprio personagem gaúcho, imbuído de seu sistema de valores, contasse as suas
próprias estórias. Dessa forma, o autor “deu voz ao gaúcho”, deixando que o mesmo
“falasse”, a partir de seu ponto de vista, a partir de seu mundo. Pozenato (2009, p.65) diz
que:
[...]. A personagem brota de dentro de sua própria palavra, sua mesma palavra
o parteja. Seja que fale das coisas, seja de fatos, acontecidos ou não, é sempre
Blau Nunes, com seu mundo, que vem ao primeiro plano da narração. O autor
desaparece diante dessa figura que fala: tona-se humildemente um rapsodo,
alguém que deixa passar o dito do outro, que é verdadeiro poeta, o criador de
uma realidade.
Sem tom saudosista, como é costume nessa literatura, Simões Lopes Neto criou uma
espécie de inventário de hábitos, costumes, vocabulário, entre outras coisas, do universo
campeiro do Rio Grande do Sul108. Vale enfatizar que o reconhecimento do autor como
grande literato só se deu postumamente, em 1949. Antes disso, sua obra sofreu um terrível
isolamento, ficando o autor conhecido, pela expressão cunhada por Carlos Reverbel,
como “escritor municipal”109.
Apesar dessa incursão pelo universo da gauchesca, João Simões Lopes Neto
sempre foi um homem de cultura urbana, como já pudemos observar. Viveu na capital do
Império entre e ao regressar ao Sul, firmou suas raízes na sua cidade natal, Pelotas. Como
já dissemos, Pelotas era uma cidade bastante desenvolvida, enriquecida pelas charqueadas
– as sombras do trabalho escravo – a mesma almejava ser moderna, culta e europeizada.
Assim, parece um paradoxo pensar que um homem de cultura tão urbana, com sua
experiência de viver na capital do Império e, poder observar de perto tudo o que havia de
mais moderno em sua época, e, a posteriori, vivendo na cidade de Pelotas, em pleno
107 Guilhermino Cesar (1994, p.21-25), em sua análise, Para o estudo do conto gauchesco I. Raízes da
Tradição Gauchesca, diz que antes de surgir o grupo que coincide com a formação da Sociedade Parthenon
Literário (1868), todos os autores gaúchos passaram ao largo da temática regionalista. O primeiro livro que
se ocupou de fato com essa temática foi As Provincianas de Bernardo Taveira Junior (que foi professor de
João Simões Lopes Neto, como vimos). Na sequência, estão O Gaúcho de José de Alencar e O Vaqueano
de Apolinário Porto Alegre. Segundo Cesar, a partir desse momento, estava fundada a tradição gauchesca. 108 Sobre as questões literárias da obra gauchesca de João Simões Lopes, analisaremos com mais afinco
no capítulo final desta pesquisa. 109 Para mais ver: PORTO, Aline C. Os Caminhos da Recepção da Obra Contos Gauchescos de João
Simões Lopes Neto (1912-1949). Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em História).
Universidade Federal de Pelotas, 2012.
99
apogeu cultural, tenha tratado da Gauchesca com tanta habilidade e verossimilhança.
Porém, se observarmos o caso de João Simões Lopes Neto bem de perto, veremos que
não há nenhum paradoxo, ou melhor dizendo, é exatamente esse paradoxo que traz
sentido à sua produção.
Por isso, vejamos agora algumas características que estão presentes na formação
da figura do gaúcho. Vale argumentar ainda que os países do Prata possuem, salvo
algumas ressalvas, cultura gauchesca semelhante à do Sul do Brasil; muitos são os pontos
em se aproximam e muitos são os que se diferenciam. Contudo, lhes é comum: a paisagem
(o Pampa), o amor pelo cavalo, o “espírito” de liberdade, e pode-se dizer até um certo
“desprezo” pela mulher. O historiador Eric Hobsbawm, que comparou o gaúcho da
América do Sul com o caubói Norte Americano110, traz a luz algumas características que
também servem para vermos o caso platino e brasileiro, segundo ele o que eles têm em
comum é:
[...] tenacidade, bravura, o uso de armas, a prontidão para infligir ou suportar
sofrimento, indisciplina e uma forte dose de barbarismo, ou ao menos de falta
de verniz, o que gradualmente adquire o status de nobre selvagem.
Provavelmente também esse desprezo do homem a cavalo pelo o que anda a
pé, do vaqueiro pelo agricultor, e esse jeito fanfarrão de andar e se vestir que
cultiva sinais de superioridade. Acrescente-se a isso um distinto não
intelectualismo, ou mesmo anti-intelectualismo. (2013, p.311)
Observando essas características, notamos que o gaúcho, seja ele brasileiro ou
platino, era um homem do campo, montado a cavalo, que estava sempre disposto a
guerrear. E foi nas guerras, segundo Jorge Luís Borges (1989), que estes homens
“bárbaros” do campo se encontraram com os homens urbanos e, de acordo com o autor,
foi desse encontro que nasceu a literatura gauchesca. Foram as guerras de independência
dos países do Prata, a guerra do Brasil, ou para nós brasileiros a Guerra do Paraguai, e
outras guerras de caráter anárquico que fizeram com que homens de cultura civil tivessem
contato com homens de cultura campeira: a gauchada. Para Borges foi do assombro que
um provocou no outro que nasceu a literatura gauchesca. Contudo, destaca Borges, que
derivar a gauchesca da figura do gaúcho é um equívoco, o gaúcho é sua matéria, seu
conteúdo e não o contrário. Além disso, a estranheza que um tipo rural e um tipo urbano
se causaram é fato, no entanto, ainda não é fator suficiente para explicar a gauchesca, para
110 Neste ensaio, Hobsbawm trata de comparar o gaúcho da América do Sul, mais precisamente o gaúcho
argentino, e o caubói norte americano. Durante o ensaio ele propõe uma série de questões e argumentações
sobre como o caubói, esse homem “bárbaro”, do campo, que anda sempre a cavalo e que faz questão de
não ser intelectualizado, se tornou um mito nacional.
100
Borges, para existir a gauchesca deveria haver grandes cidades, como Montevidéu,
Buenos Aires e, por que não o Rio de Janeiro, Porto Alegre ou Pelotas? A gauchesca
platina é referência de uma literatura dita nacional, no caso brasileiro, a gauchesca pode
ser entendida como mais uma face da literatura nacional, mas não sua matéria base.
João Simões Lopes Neto, apesar de progressista, era um defensor da tradição. Em
1901 ingressou na União Gaúcha111 fundada em 20 de setembro112 1899 por um grupo
de setenta e quatro tradicionalistas na cidade de Pelotas. Entre os anos de 1905 e 1907 o
autor foi presidente da entidade113. A fundação desta entidade seguia o fluxo de uma
eclosão nativista, no final do século XIX, provocada pelo pesquisador Cezimbra
Jacques114, autor de obras fundamentais da bibliografia Rio-Grandense (REVERBEL,
1981, p.191).
Esse movimento tradicionalista teve repercussão quase imediata em outros
pontos do Estado, a começar por Pelotas, onde foi fundada a União Gaúcha,
em 1899. Os sentimentos que animavam os criadores da nova agremiação e os
valores que eles se propunham preservar e cultivar coincidem, em toda linha,
com o que J. Simões Lopes Neto pensava a respeito de nativismo, motivo pelo
qual logo engajou entre os fundadores da União Gaúcha, tornando-se, desde a
primeira hora, um dos membros mais atuantes. (REVERBEL, 1981, p. 191).
Como disse Reverbel, João Simões Lopes Neto foi um dos membros mais
assíduos na entidade e, sob seu comando, promoveu inúmeras atividades. Em sua maioria
eram festas campeiras, realizadas no interior do município, nas estâncias de seus
associados. Onde se servia um bom churrasco, acompanhado do tradicional chimarrão e
um boa cerveja. Além disso, bailes com danças típicas animavam a “gauchada”. Podemos
ler na notícia do dia 10 de outubro de 1911, em A Opinião Pública de Pelotas que a festa
que teria ocorrido, do outro lado do arroio, na estância do Sr. Ramão Iribarne, há dois
111 Atualmente a instituição, a mais antiga em atividade no Estado, chama-se União Gaúcha João Simões
Lopes Neto, em homenagem ao autor. 112 Note-se que a data referência a Revolução Farroupilha que, como dizemos, no Rio Grande do Sul, serviu
de exemplo e modelo para o movimento republicano que almejava a Proclamação da República. Com esse
fato sendo consumado e o advento do positivismo no Rio Grande do Sul os ideais republicanos farroupilha
ganharam ainda mais força. 113 É bastante comum o equívoco de que João Simões Lopes Neto foi um dos fundadores da União Gaúcha,
contudo, a filiação do mesmo só se deu em 1901, e a fundação da entidade data de 1899. Além disso, não
consta o nome do autor na lista de fundadores da primeira reunião que ocorreu em 10 de setembro de 1899. 114 Cezimbra Jacques pode ser considerado o precursor do tradicionalismo no Rio Grande do Sul, ou seja,
do que mais tarde veio a convencionar os CTG’s e o Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG). Em 1898
fundou o Grêmio Gaúcho de Porto Alegre – lembremos que a Conferência Cívica de 1906 foi publicada
em uma parceria entre o Grêmio Gaúcho e outras instituições de mesmo caráter, como a União Gaúcha
(Pelotas) e o Centro Gaúcho (Bagé). – . Trataremos no capítulo seguinte sobre a “aproximação” de João
Simões Lopes Neto e Cezimbra Jacques.
101
dias teria sido um sucesso. O que mais chama atenção nessa notícia é a seguinte
informação:
De regresso para o Rio de Janeiro, e a convite da diretoria da União Gaúcha,
o apreciável cavalheiro sr. Guido Panella, tirou anteontem, em diversas fitas
cinematográficas, que são as seguintes, e as quais serão exibidas brevemente
nesta cidade: / 1º Reunião em frente a sociedade. /2º Desfile pela rua General
Osório. / 3º Desfile pela rua Júlio de Castilhos. / 4º Montada e desfilada (2
partes). / 5º Passagem das famílias no rio em balsa. / 6º Passagem dos cavalos
a nado. /7º Passagem do condutor. /8º Desembarque dos gaúchos. /9º Descarga
e arreiamento. /10º Chegada dos convidados. /11º Os assados. /12º Distribuição
do churrasco no fogão. /13º Comendo churrasco e tomando mate. /14º Um
duelo de guascas por José Maria Bento e Jesus Vernetti, apartado por
Domingos Portella. /15º Montada de um redomão. /16º Danças e cantos. /17º
Corrida de argolinha. /18º A diretoria da gaúcha e a imprensa. /19º A saída do
dr. Barbosa e o Coronel Pedro Osório, quando embarcavam no rebocador
Floriano Peixoto. /Tomou a seu cargo a direção das fitas cinematográficas que
foi tirada do distinto cavalheiro sr. Capitão João Simões Lopes Neto. (A
Opinião Pública, Pelotas/RS, 10 de outubro de 1911).
De acordo com o que lemos na notícia, foi ideia de João Simões Lopes Neto filmar o dia
de festa da União Gaúcha e depois apresentar as tais fitas em sessões na cidade. Assim
criava-se um registro cinematográfico das atividades de um dia da festa da entidade
tradicionalista, que tinham por finalidade rememorar e laurear os nossos antigos costumes
campeiros. A apresentação dessas fitas na urbana Pelotas, tinha como objetivo divulgar
os antigos hábitos e costumes campeiros. A entidade era considerada pelos
contemporâneos como patriótica, como se pode ler em notícias de jornais daquela época,
sem tom separatista.
Nesse momento, o que interessava da Revolução Farroupilha não era a separação
do Estado do restante da União e, sim, que essa separação configurou uma pequena
república, uma pequena pátria, onde por dez anos se autogovernou a partir se seus
princípios propriamente republicanos. De acordo com Soares (1998, p.127), os Farrapos
organizados em uma pequena pátria, baseado no regime republicano federativo,
convidaram as províncias imperais a se juntarem a eles, formando assim uma federação
e, conservando, dessa maneira, sua autonomia. Além disso, grandes eram as preocupações
dos Farrapos com a instrução pública, assim como João Simões Lopes Neto. Acreditamos
que sejam esses, além de outros, é claro, os motivos pelos quais o autor e, seus
contemporâneos, exaltavam a Revolução Farroupilha bem como seus “heróis”, deixando
102
de lado algumas outras questões não resolvidas pela República Farroupilha, como a
continuidade da escravidão e do mito da abolição após o final da guerra.
Mas, não foi somente na União Gaúcha que João Simões Lopes Neto manifestou
seu “nativismo”. Foi com suas obras literárias que autor se destacou como grande
regionalista, contudo, como já dissemos ele foi bem além disso e percebeu a sua região
como parte do todo nacional, decidindo assim, trazer essa ‘realidade” para o seu projeto
educacional. Dessa forma, estima-se que, entre os anos de 1904 e 1906, o autor criou sua
Artinha de Leitura, para ensinar a ler e contar e Terra Gaúcha, um livro de leitura para
crianças em séries iniciais. É neste último, especificamente que a gauchesca aparece como
matéria, nas férias do menino protagonista, antes de começarem suas aulas no colégio
municipal. Antes do menino conhecer as coisas de seu país e do mundo, ele aprende no
primeiro momento, sobre a sua origem, sua história e sua gente. Sobre os costumes
campeiros e todo esse universo que estava por dar lugar a outro, como lemos em O
“Monarca”
Hoje é outro, o gaúcho. Ele, que era dos poucos homens independentes sobre
a terra, foi enlaçado e absorvido pela civilização moderna, com todos os seus
egoísmos e hipocrisias e todas as suas vantagens e progressos; o modo de viver
entrou a modificar-se, e o estancieiro antigo, o “monarca das coxilhas”, o
gaúcho franco, rude, leal e desprendido, foi-se transformando num outro tipo
de homem, herdeiro das antigas virtudes, que adornou e melhorou com os
primores do estudo, os fulgores da ciência. (LOPES NETO, 2013, p.31).
Assim, constamos mais uma vez que o autor via a transformação dos tipos sociais
campeiros, pois aqui ele não está falando do peão de estância pobre e sim do estancieiro
rico, que possibilitando que seus descendentes estudassem nas melhores escolas
brasileiras e/ou estrangeiras, melhorou o nível de instrução humano e elevou a ciência.
Dessa forma, estes estancieiros se transformaram em “herdeiros” do “monarca das
coxilhas”, seguindo o progresso e melhorando através do estudo e dos lumes da ciência.
Não obstante, o projeto educacional do autor não logrou êxito, ficando esquecido
por muitos anos. Porém, em Terra Gaúcha, já encontramos o embrião de suas obras
máximas, como a lenda do Boi- Tatá, que virou M’boitata e o Negrinho do Pastoreio que
mais tarde formariam as Lendas do Sul (1913). Além disso, encontramos traços na
narrativa e nos personagens que podem ser considerados embriões de Contos Gauchescos
(1912). Dessa forma, acreditamos que João Simões Lopes Neto, de certa forma, não
103
desistiu de seu projeto educacional, ou seja, transformou boa parte desse projeto em
Literatura, o que tonava mais acessível, ou melhor dizendo, que se abria para um maior
público, criando uma outra forma de vulgarização, como o próprio autor costumava falar,
da história e da cultura gauchesca
Nesta perspectiva, em 1910, pela Livraria Universal, João Simões Lopes Neto
lançou o Cancioneiro Guasca, uma coletânea de versos do Rio Grande do Sul. O
Cancioneiro Guasca configura o segundo cancioneiro a figurar na literatura sul-rio-
grandense, o primeiro é de Apolinário Porto Alegre e chama-se Cancioneiro da
Revolução de 1835115. Contudo, sobre a matéria da gauchesca o de João Simões Lopes
Neto é o primeiro, sendo seguido pelo Cancioneiro Gaúcho (1952) de Augusto Meyer.
Em A Federação de 09 de agosto de 1910 lemos a crítica realizada pelo jornal, da qual
extraímos trechos:
Todos os povos possuem trabalhos de gênero semelhante, a título de
documentação histórica. A poesia popular é o reflexo da índole e dos costumes
da época que abrange, e só por esse título tem algum valor.
A coletânea publicada pelo Sr. Lopes Neto é a mais abrangente que
conhecemos, e reúne um sem número de trovas contemporâneas do tipo findo
do gaúcho rio-grandense, que entrou em importante coeficiente na formação
do nosso povo.
Como o próprio autor reconhece, nota que se encontra na página 287, há nessa
coletânea algumas quadrinhas que se incorporam ao patrimônio de nossa
poesia popular pela força do uso e da tradição, mas que são evidentemente da
enxertia portuguesa [...].
O autor abre o livro com as histórias do Boi Tatá, do Negrinho do Pastoreio e
outras que faziam as delícias das gerações findas, por esses campos e serrarias
além, nas noites de inverno, à beira do fogo, e encerra-o com uma coleção de
poesias que pela estrita afinidade com a lira guasca, tinham o seu lugar no
Cancioneiro.
Em suma, o Cancioneiro tem o seu interesse histórico, e o sr. João Simões
Lopes Neto, que com essa publicação não teve, de certo, a menor intenção de
fazer obra de literatura, fê-la de patriotismo, contribuindo para a
vulgarização da poesia popular rio-grandense, expressiva e forte, na sua
ingênua simplicidade da forma116. [...] (A Federação, Porto Alegre/RS, 09 de
agosto de 1910, p.01)
Constatamos, dessa maneira, que o autor buscou fazer um trabalho de recolha e
registro da cultura popular e da tradição oral, que estava desaparecendo juntamente com
115 Uma espécie de homenagem à Revolução Farroupilha (1835-1845). 116 Grifo nosso. O contemporâneo que escreveu a crítica, sem assinatura, demonstra a mesma ideia que
acreditamos, que João Simões Lopes Neto tinha como objetivo, com a suas obras, vulgarizar a cultura
gaúcha, num sentido de tornar conhecida, como um ato de patriotismo, contribuindo para a formação do
arcabouço da cultura nacional. Note-se também, que o contemporâneo não considera tal obra uma criação
literária e, de fato, não é. Não, pelo menos no sentido de criação literária, pois trata-se de um compilado,
diferente de Contos Gauchescos (1912) e Lendas do Sul (1913).
104
o tipo social do qual foi produto, de suas vivencias e costumes. Além disso, notamos a
influência da colonização portuguesa, bastante forte em Pelotas, da qual nos deixou de
heranças uma série de quadrinhas que se incorporaram na cultura popular sul-rio-
grandense que não poderiam ficar de fora de tal coletânea. Portanto, aqui notamos o
primeiro passo efetivo do autor para a vulgarização dos hábitos e costumes sul-rio-
grandenses.
No mesmo sentido, em 1912 o autor publica a sua primeira obra máxima – Contos
Gauchescos –. Importante destacar que, tanto os Contos Gauchescos, quanto as Lendas
do Sul, só vão figurar como obras máximas da literatura sul-rio-grandense após a sua
publicação conjunta da Livraria Globo em 1949, a partir daí deu-se o reconhecimento
póstumo do autor, falecido em 1916. O mesmo ganhou da crítica literária o título de maior
regionalista, o que de certa forma, o relega à um campo muito ínfimo de estudo.
Por sua formação, efetivamente urbana, João Simões Lopes Neto não se via em
posição de falar sobre uma “realidade”, que teoricamente não era a sua, apesar da
proximidade com essa cultura em sua infância. Por esse motivo, criou Blau Nunes,
protagonista e narrador de sua própria história. Blau Nunes fala e é como se estivéssemos
o ouvindo pois, João Simões Lopes Neto criou uma forma literária que se aproxima e
muito da tradição oral, o que nenhum outro escritor até aquele momento havia
conseguido, por isso, como diz Schlee (2016), ler Simões é ouvir Blau!
O autor passa a palavra à Blau Nunes já na primeira linha de Contos Gauchescos:
“Patrício, apresento-te Blau, o vaqueano. ” (LOPES NETO, 1961, p.123) e, após esse
apresentar-se, com longa digressão sobre os lugares do Sul que foi e das coisas que viu117,
o autor retoma a palavra e diz: “Querido digno velho! /Saudoso Blau! /Patrício, escuta-
o.” (LOPES NETO, 1961, p.124), e não volta mais a se pronunciar. Aparece, por assim
dizer, nas falas de Blau: “Patrício, escuite!118”, “Está vendo aquele umbu, lá embaixo, à
direita do coxilhão119”, ou ainda, quando se refere à ele como patrãozinho, como por
exemplo, em No Manantial: “É uma amargura tão doce, patrãozinho!...” (LOPES NETO,
117 Cabe destacar que a digressão de Blau Nunes é a mesma de João Simões Lopes Neto em sua Conferência
Cívica de 1906. Daí constatamos duas coisas: a primeira é que o autor costumava “reciclar” textos, era um
hábito comum dele. A segunda, ao nosso entendimento, é que Contos Gauchescos segue o seu projeto
educacional, num outro âmbito, o da literatura, mas segue, na mesma perspectiva de vulgarização da cultura
regional em detrimento do todo da cultura nacional. 118 Esta frase aparece com frequência, como por exemplo, em O Negro Bonifácio (LOPES NETO, 1961,
p.136). 119 Esta é a primeira frase do conto No Manatial (LOPES NETO, 1961, p.138).
105
1961, p.151). Dessa forma, a narrativa se expressa como uma “conversa”, ou melhor,
como se Blau contasse seus causos e o autor o escutasse, anotasse (em um momento Blau
o manda anotar em sua caderneta) e o acompanhasse pelos lugares. Portanto, podemos
entender essa relação como João Simões Lopes Neto, homem culto, moderno e urbano,
ouvindo e registrando, para que não se perca essa cultura oral, as palavras de Blau, homem
de cultura rural e, naquela época, um dos “últimos exemplares” daquele tipo social quase
em “extinção”. Outro ponto interessante é que em Terra Gaúcha – Histórias da Infância
(2013), que acreditamos ser uma espécie de embrião de Contos Gauchescos e Lendas do
Sul, o menino Maio conversa, por vezes, com o capataz da estância, seu Juca Polvadeira,
este por sua vez chama o menino de “doutorzinho”. Acreditamos ser esse mais um dos
pontos em comum que ligam as obras do autor, demostrando mais uma vez que o autor,
de certa forma, estava adaptando seu projeto educacional à literatura, ou seja, a uma outra
forma de expressar a sua narrativa nacional.
Blau Nunes configura a história do Rio Grande do Sul, desde os tempos de Correr
Eguada120 e juntar o gado para “limpar” o território, as sesmarias, as primeiras estâncias,
os primeiros ranchos, os peões, os tropeiros, os estancieiros, enfim, tudo que configura os
primeiros tempos da história do Estado. A militarização, característica do povo sul-rio-
grandense, também aparece em alguns episódios.
Mas, em sua época, apesar da boa crítica ao Cancioneiro Guasca (1910), que
segundo o contemporâneo que a escreveu não compõe literatura, os Contos Gauchescos
(1912), como literatura de imediato não lograram muito êxito. Em A Federação de 19 de
setembro de 1912 – note-se, um dia antes da data comemorativa da Revolução
Farroupilha, o 20 de setembro – lemos a seguinte notícia a respeito do livro:
Apareceu o livro do sr. João Simões Lopes Neto, intitulado Contos Gauchescos
que é uma coletânea de dezenove e bem delineados contos. / O referido livro
foi muito bem recebido pela imprensa que enalteceu os méritos do apreciado
trabalho do laborioso escritor. (A Federação, Porto Alegre, 19 de setembro de
1912).
Sem embargo, essa boa recepção não foi unânime pois, em 1º de outubro do
mesmo ano, no mesmo jornal, uma crítica duríssima aos Contos é publicada:
120 É um conto dos Contos Gauchescos que configura um momento histórico bastante primitivo do Estado,
ou seja, o tempo dos campos abertos, das sesmarias e do gado xucro.
106
[...] Por esse gênero de literatura muito restrito, todo especial e pouco
interessante, no estado atual da nossa cultura e da nossa transformação
completa por que passaram os costumes rio-grandenses tem o nosso velho
amigo João Simões uma predileção e um amor indiscutivelmente sinceros. /
Tanto basta para que lhe respeitemos as intenções, embora discordemos da
opinião de que a vulgarização de tal literatura tenha qualquer fim de utilidade
real, quer quanto ao conhecimento dos costumes da época, quer quanto ao
enriquecimento de nosso insignificante patrimônio intelectual. / Este pelo
contrário só terá a perder com o cultivo de uma linguagem rebarbativa, viciada,
cheia de plebeísmos, por vezes malsoantes e até inconveniente, que, mesmo os
pouquíssimos gaúchos autênticos que ainda existem n’algum rincão esconso
do Estado, só empregam com grandes modificações. / No ponto de vista em
que se coloca o escritor, os Contos Gauchescos são, no gênero, um achado, e
não conhecemos coisa que se lhe assemelhe. / No ponto de vista da literatura
em geral, apreciamos muito mais as qualidades inegavelmente excepcionais do
prezado literato patrício, postas ao serviço de obra de mais ampla envergadura,
como eles as pode fazer, porque tem talento e amor ao trabalho. (A Federação,
Porto Alegre, 01 de outubro de 1912).
A partir dessa crítica podemos destacar que havia uma intenção de vulgarização
dos hábitos e costumes sul-rio-grandenses dos tempos de antanho. Contudo, essa intenção
não foi bem vista por todos, pois passavam, como vimos, por um processo de
modernização bastante rápido e radical, dessa maneira, esse mundo rural, “primitivo”, de
falar rústico deveria ficar para trás, em detrimento da modernidade. Mas o autor não
pensava assim, para ele preservar a história e a memória garantiria um futuro mais
ilustrado, mais consciente de si.
Não obstante, João Simões Lopes Neto não deixou que tais críticas o abalassem
e, em 1913, lançou seu último livro em vida, Lendas do Sul. Este é uma pequena coletânea
de três lendas, organizadas na seguinte ordem: A Mboitatá, A Salamanca do Jarau e O
Negrinho do Pastoreio. Essa ordem diz muito sobre as pretensões do autor pois, A
Mboitatá trata dos primórdios, “[...] é a lenda de caráter puramente mágico e guarda a
estrutura indígena” (FAORO, 1998, p.30), portanto, trata de um tempo mítico, tempo este
que ainda não existia a história. Já na Salamanca do Jarau, contada por Blau Nunes121,
trata de um período em transição, entre o mundo do mito, da magia e o da história, além
disso, vemos o conflito com o dominador, pois a princesa moura encantada, que habita o
Cerro do Jarau, foi trazida pelos espanhóis. A lenda d’ O Negrinho do Pastoreio, já
representa o mundo da história, pois passa-se no período das sesmarias, dos primeiros
estancieiros donos de escravos, a atmosfera mítica, cristã, pois o negrinho é afilhado de
nossa senhora, que é madrinha dos que não tem padrinhos, ou melhor dizendo, é ela que
zela por quem não tem alguém para zelá-los. Sabemos que as lendas representam o
121 Única lenda contata por Blau Nunes, onde ele é personagem principal e se encanta pela princesa moura.
107
folclore, o mágico e, por vezes, não tem nenhuma ligação com o tempo histórico, contudo,
acreditamos que João Simões Lopes Neto as organizou dessa maneira para, mais uma
vez, além de vulgarizar o folclore sul-rio-grandense, trazer a história do Rio Grande do
Sul gotejada em meio a magia.
Portanto, a experiência de João Simões Lopes Neto com a gauchesca, apesar do
reconhecimento póstumo, é a sua experiência mais bem-sucedida. É ela que elevou seu
nome aos quatro cantos do mundo e o tornou o maior regionalista gaúcho, como expõe
Chaves
[...] Simões Lopes Neto é o maior dentre todos os regionalistas da sua época
não porque tenha sido regionalista, mas, ao contrário, porque ‘nele o
regionalismo nada mais foi senão uma forma ideal de expressão artística dentro
da literatura122’. Em sua obra se resolve por fim aquela contradição interna
entre a realidade e o sonho, entre o concreto e o imaginário: o regionalismo
simoniano não se esgota na representação mimética do espaço regional; inclui
a condição problemática do homem, impondo os meios de sua própria
expressão. Daí nascem os vários níveis de discurso literário, todos
estruturalmente interdependentes a unidade do resultado final – o regional, o
histórico, o psicológico e o mítico. (CHAVES, Flávio Loureiro. 1992, p.16)
De acordo com Fischer (1998, p.11), a discussão sobre o regional e nacional na
literatura brasileira se dá no âmbito do centro e da periferia, ou melhor dizendo, tudo o
que se produz em as regiões que não fazem parte do centro do país é considerado
periférico e logo regional, contudo, o que se produz em regiões ditas centrais é
considerado nacional. Também se considera regionalismo o que está ligado ao ambiente
rural.
Portanto, a partir dessas proposições, pensemos o caso de João Simões Lopes Neto
e tentemos sair desse emaranhado de rotulações para ampliarmos nosso horizonte em
relação ao autor e sua obra. Pois, a análise da mesma nos leva a caminhos bem mais
amplos dos que o do regionalismo, além de, ao cruzarmos alguns outros textos e intenções
do autor, notamos que o mesmo era um nacionalista que visava as diferenças regionais
como um “tesouro” da diversidade brasileira. Ligado aos ideais republicanos, ao
positivismo, ao cientificismo de sua época, reelabora seu projeto cívico e pedagógico e o
transforma em literatura, com o objetivo de vulgarizar (no sentido de popularizar) a
cultura gaúcha como parte integrante da cultura nacional.
122 Citação de REVERBEL, Carlos. Esboço biográfico em tempo de reportagem”.
108
Enfim, João Simões Lopes Neto encontrou no regionalismo a sua excelência
literária, contudo, foi muito além, utilizou-se dele para somar mais traços fundamentais à
cultura nacional. O autor via a gauchesca como uma face, das múltiplas que existem na
cultura nacional brasileira. Assim sendo, trouxe traços da identidade nacional como forma
de memória e preservação da tradição. Logo, acreditamos também que suas obras
literárias continuam o seu projeto educacional e concordamos com Chiappini quando
afirma que
Tal obra ficcional é um fruto de um projeto pedagógico-político
redimensionado poeticamente. Poesia encravada na vida do escritor e da região
brasileira que o viu nascer e crescer. Por isso, transcende a intenção
documental, ressignificando-a e compatibilizando, pela forma artística, o
empenho em contribuir para resgatar a memória rio-grandense e brasileira, por
meio da educação cívica, com a obra literária autônoma, de alto valor estético.
(CHIAPPINI, 2016, p.18)
Concluímos então, demostrando como a experiência da gauchesca elevou João
Simões Lopes Neto à sua empreitada mais bem-sucedida: a Literatura. Embora só tenha
se dedicado a ela com mais afinco no final da vida e obtido seu reconhecimento somente
após a sua morte. Dessa maneira, essa experiência, assim como as demais tratadas neste
capítulo, é fundamental para que se entenda o cerne dessa pesquisa que é O Brasil visto
a partir do Sul, como o título já diz, ou seja, João Simões Lopes Neto dando continuidade
a um projeto educacional que não logrou êxito, transformou as suas ideias em poesia,
contos e lendas para vulgarizar a cultura sul-rio-grandense visando dessa maneira,
contribuir para a formação da cultura nacional formada pelas várias regiões que compõem
esse país de grandes dimensões. Para isso, contou com a sua experiência escolar e urbana
e as possíveis aproximações com o educador Menezes Vieira, contou também com sua
experiência como jornalista, mesmo que de forma amadora, que lhe aprimorou a escrita,
o senso crítico e publicitário, além de criar importantes redes intelectuais e de negócios.
E sobre a sua experiência no ramo dos negócios, vimos que o autor via a indústria como
um importante passo em direção ao progresso e a tecnologia. Seu pensamento, nesse
sentido, está imbuído do ideário positivista e republicano que assolou o Rio Grande do
Sul de tal maneira que o sentimos até os dias atuais. Por fim, na Literatura, João Simões
Lopes Neto aparece como um “inventor” de um novo modo da gauchesca brasileira,
alinhado com as ideias de seu tempo, refletiu a problemática da formação nacional no
Brasil e como poderia auxiliar nessa tarefa pátria.
109
CAPÍTULO II
2. JOÃO SIMÕES LOPES NETO: UM INTELECTUAL E SEUS
INTERLOCUTORES
Ao longo desta pesquisa nos referimos à João Simões Lopes Neto como um
intelectual que estava refletindo sobre a educação nacional e agindo no debate público,
contudo, não podemos seguir nossa análise sem antes analisarmos o conceito. Vimos
através do espaço de experiência123vivido pelo autor, definido no primeiro capítulo, que
o mesmo foi jornalista por toda a vida – de forma amadora e profissional, além de atuar
também como editor –, foi um “empresário” e entusiasta das indústrias e da pretensa
modernidade que as mesmas traziam, professor, despachante e, por fim, escritor de
literatura. Mas teria sido ele um intelectual? Definir o que se entende por intelectual não
é tarefa fácil. Muitas são as discussões que tratam dos intelectuais de diferentes
concepções teóricas. Portanto, muitos são os caminhos que poderiam ser seguidos nesta
pesquisa. As questões que se colocam ao analisarmos um intelectual, ou por apenas
denomina-lo assim, já são, por si só, muito complexas.
Não obstante, ponto crucial para que se inicie uma análise acerca do que vem a
ser um intelectual, ou o que se entende por esse termo atualmente, é o Caso Dreyfus
(1894-1906). Este configura um episódio da história francesa e se deu em 1894, quando
o capitão Alfred Dreyfus foi acusado erroneamente de espionagem em favor da Alemanha
e, por esse motivo condenado e deportado para a Guiana. Seus familiares tentaram
reverter o caso, contudo, o mesmo só ganhou grande repercussão quando em 1898 Émile
Zola publicou Eu acuso, no L’Aurore de Clemenceau. O texto de Zola dividiu a opinião
pública em “prós” e “contras” Dreyfus, entre intelectuais progressistas e conservadores,
acarretando um amplo debate na sociedade francesa acerca de vários pontos que
suscitavam o processo, como o antissemitismo e o nacionalismo do exército francês124.
Além disso, e de interesse primordial para essa pesquisa, o caso Dreyfus “[...] não foi de
123 Lembremos que espaço de experiência e horizonte de expectativas são categorias históricas elaboradas
por Koselleck (1999). Lembremos também, que as experiências expressas no primeiro capítulo desta tese
foram selecionadas entre as que acreditamos serem as mais relevantes para este estudo específico. 124 Para mais sobre o caso Dreyfus ver: DENIS, Benoit. O Caso Dreyfus e o Retorno da Política. IN:
Literatura e Engajamento: de Pascal a Sartre. – Bauru, SP: EDUSC, 2002. pp.209-233 e CHARLE,
Christophe. O nascimento dos intelectuais modernos (1896-1898). IN: História da Educação, v.7, 2003,
pp.141-156.
110
início o caso dos políticos, mas sim de uma categoria social nova, que emerge
publicamente nessa ocasião com o nome genérico de intelectuais. ” (DENIS, 2002, p.210).
Esses intelectuais se posicionaram de ambos os lados formando uma ampla discussão
sobre o caso que acabou por ser revertido em 1906 com a revisão do processo, a partir
disso, foi comprovado que Dreyfus foi vítima de uma farsa montada por membros do
exército francês.
Esse processo do qual emergiram os intelectuais, na acepção do termo que
conhecemos hoje, foi denominado por Charle (2003) de nascimento do intelectual
moderno. Para ele, os intelectuais formavam um grupo heterogêneo que englobava,
universitários, escritores, professores, cientistas, entre outros. O que tinham em comum é
que todos eles ocupavam o campo dos saberes e das ideias. A partir de uma mudança
social que abrangeu a laicização do ensino, a autonomia das universidades, o crescimento
da imprensa (lembremos que estamos falando do cenário pós Revolução Francesa) entre
outras coisas, esses homens de saberes e ideias passaram a ter também sua autonomia
para interferir no debate público. Portanto, a partir da perspectiva do Caso Dreyfus
[...], o intelectual é aquele que, invocando a competência que lhe reconhecem
na sua disciplina, deseja ‘abusar’ dela para a boa causa, quer dizer, para tomar
a posição no debate público em nome dos valores desinteressados125 que
orientam seu trabalho de escritor, cientista ou professor. O intelectual tem
portanto a posição de árbitro e de franco-atirador, e usa da sua posição de
exterioridade com relação à esfera política para proferir uma palavra ao mesmo
tempo autorizada e carismática. [...]. (DENIS, 2002, p.210).
Constatamos que, desde o Caso Dreyfus caracteriza-se por intelectual aquele que
na competência de sua disciplina, ou seja, de seu conhecimento e reflexão acerca de um
tema ou vários, manifesta a sua “opinião” ao público. Essa manifestação se dá de muitas
maneiras, como em conferências, discursos, publicações e outras. Importante destacar,
como fez Denis (2002) na citação acima, que embora pareçam “desinteressados” esses
intelectuais têm suas convicções de mundo, suas ideias, suas “bandeiras”, logo, possuem
um interesse por trás das suas manifestações de “opinião” e essas podem ser arbitrárias
ou não. Consequentemente, podemos afirmar que os intelectuais não são passivos no
campo das ideias e dos debates, se posicionam e têm seus interesses.
125 Grifo do autor.
111
Mas, a discussão acerca do que quer dizer o termo intelectual não é tão simples
como parece. Desde o Caso Dreyfus o debate foi ampliado e outras questões se colocaram
como: o contexto histórico e social, as redes de sociabilidade (SIRINELLI, 2003), campo
intelectual (BORDIEU, 1992), e a mais complexa das questões, que diz respeito a
originalidade das ideias, todavia, por ora, retomemos a discussão acerca do conceito do
termo.
No verbete que visa tratar dos intelectuais no Dicionário de Política (MARLETTI,
IN: BOBBIO, 1998, p.637) lemos:
Ao substantivo intelectuais podem ser atribuídos dois sentidos principais,
aparentemente semelhantes, mas substancialmente diferentes. Em primeiro
lugar, ele designa uma categoria ou classe social particular, que se distingue
pela instrução e pela competência, cientifica, técnica ou administrativa,
superior à média, e que compreende aqueles que exercem atividades ou
profissões especializadas. [...]. Não é, porém, muito diferente a definição dada
por muitos sociólogos americanos, para os quais Intelectuais são os
responsáveis pela produção e aplicação dos conhecimentos e dos valores.
Neste sentido, a noção de Intelectuais se torna sinônimo de técnicos, ou à
francesa, de cadres126.
Ao lado desta primeira acepção do termo, encontra-se muito frequentemente,
nos ensaios de caráter sociológico e econômico, uma segunda acepção, mais
vulgar na publicidade de atualidade literária e política, para a qual Intelectuais
são escritores ‘engajados’. Por extensão, o termo se aplica também a artistas,
estudiosos, cientistas e, em geral, a quem tenha adquirido, com o exercício da
cultura, uma autoridade e uma influência nos debates políticos. [...].
Dessa forma, temos um termo que se apresenta, na maioria das definições com
duplo sentido. Os Intelectuais são aqueles que produzem e aplicam as ideias, os
conhecimentos e valores e, ao mesmo tempo, podem ser aqueles escritores “engajados”,
podem ser também os artistas, jornalistas, professores, entre outros.
Já Thomas Sowell (2011, p.7), define como intelectuais aqueles são os
responsáveis pela geração de ideias e, que em torno desses encontra-se os membros da
intelligentsia. Esse amplo grupo (jornalistas, professores, funcionários públicos,
burocratas, entre outros) é que responsável por divulgar as ideias dos intelectuais.
A partir das proposições acima, pensemos em João Simões Lopes Neto, foco desta
pesquisa. O autor foi um membro da elite letrada, foi jornalista e estava intimamente
ligado à imprensa de Pelotas, ao mesmo tempo foi professor e um escritor “engajado”,
126Grifo do autor. A palavra Cadres significa quadros em português e remete, neste caso, à quadros técnicos.
112
contudo, suas ideias, no que se refere à educação e a nação/região não são de todo
“novas”, “inéditas”, podemos notar fragmentos de outros intelectuais127, seria ele um
divulgador, um membro da intelligentsia? No entanto, a adaptação que ele fez destas
ideias, as colocando no plano do regionalismo/nacionalismo e levando a fundo as
questões da educação nacional são louváveis, ao mesmo tempo que podemos considerara-
las inovadoras, criando um projeto educacional que incorporaria cada região a nação,
visando a unidade nacional, então poderíamos dizer que ele é um criador e aplicador de
ideias?
Não obstante, Sowell (2011, p.17), ainda define os intelectuais “[...] como uma
categoria ocupacional128, composta por pessoas cujas ocupações profissionais operam
fundamentalmente em função das ideias – falo de escritores, acadêmicos e afins. ”. A
partir dessa acepção, podemos ponderar que João Simões Lopes Neto ao longo de sua
trajetória, passou de um membro da intelligentsia para um intelectual criador, pois foi de
professor e jornalista à escritor “engajado”.
Angela de Castro Gomes e Patrícia Santos Hansen (2016) definem o termo
intelectual de forma mais ampla:
[...] [os intelectuais são] homens da produção de conhecimentos e comunicação
de ideias, direta ou indiretamente vinculados à intervenção político-social.
Sendo assim, tais sujeitos podem e devem ser tratados como atores estratégicos
nas áreas da cultura e da política que se entrelaçam, não sem tensões, mas com
distinções, ainda que historicamente ocupem posição de reconhecimento
variável na vida social.
Levando em conta essa definição, podemos afirmar com mais certeza que João
Simões Lopes Neto foi um intelectual pois produziu conhecimento e comunicou ideias,
ou seja, o autor produziu um amplo material que serviria de suporte para seu projeto
cívico e pedagógico, além das possíveis adaptações do mesmo em uma obra literária
bastante sólida, como veremos mais adiante, entre outras coisas. Mesmo não estando
diretamente ligado à política, pelo menos no que tange o partidarismo, não deixava de
manifestar a sua opinião em suas colunas nos jornais129, por vezes até criticando os
127 Tema que nos ocuparemos na sequência deste capítulo. 128 Sowell (2011, p.17) destaca aqui que essa ocupação pode ser não remunerada, como foi o caso de João
Simões Lopes Neto na maioria das “ocupações” que esteve envolvido durante a vida, como foi o caso da
maioria dos jornais aos quais colaborou. 129 Como por exemplo, a sua coluna Inquéritos em Contraste (1913) que discutia e criticava o processo de
urbanização e modernização da cidade de Pelotas, que só existia na região central ao mesmo tempo que
113
membros da intelligentsia. Além disso, as Conferências Cívicas realizadas por ele podem
ser tomadas como uma maneira de divulgação de suas ideias para um público leigo, e
consequentemente, um ato político. Esteve, ao longo de toda a sua vida, envolvido em
diversas atividades culturais, circulava com facilidade nos mais diversos meios, sejam
eles o do teatro, a União Gaúcha, a Academia de Letras, o Clube do Comércio, as redações
de jornais, entre outros. E, coincide com essa definição no que diz respeito, também, ao
reconhecimento na vida social pois, apesar de tudo isso, alguns de seus contemporâneos
o viam com desconfiança, bem como suas ideias, o taxando muitas vezes de lunático.
Como vimos, são muitos os caminhos e linhas teóricas que definem o conceito de
intelectual, contudo, acreditamos que esse, assim como a maioria dos conceitos é fluído
e polissêmico como diz Koselleck (2006, p.108-109)
[...]. Um conceito poder ser claro, mas deve ser polissêmico. [...]. O conceito
reúne em si a diversidade da experiência histórica assim como a soma das
características objetivas teóricas e práticas em uma única circunstância, a qual
pode ser dada como tal e realmente experimentada por meio desse mesmo
conceito.
Assim, fica claro que, embora os conceitos compreendam conteúdos sociais e
políticos, a sua função semântica, sua economia não pode ser derivada apensas
desses mesmos dados sociais e políticos aos quais se referem. Um conceito não
é somente o indicador dos conteúdos compreendidos por ele, é também seu
fator. Um conceito abre determinados horizontes, ao mesmo tempo em que
atua como limitadores possíveis e das teorias.
Portanto, acreditamos que para definir um certo conceito, como no nosso caso o
de intelectual, precisamos também estarmos atentos às múltiplas significações que ele
pode apresentar. Como vimos, são as experiências históricas e sociais que vão afirmando
ou modificando um determinado significado. Obviamente, o que se entendia por
intelectual e o seu papel na sociedade na época do Caso Dreyfus e atualmente são,
certamente, bastante diferentes. Devemos levar em conta também as especificidades de
cada país. O Brasil foi por muito tempo uma colônia e não tínhamos imprensa e nem
mesmo podíamos publicar livros até a chegada da família real portuguesa em 1808130.
“empurrava” a população mais pobre para as periferias da cidade, as quais não dispunham das mesmas
condições sociais. 130 Sérgio Buarque de Holanda (2014, p.142-146), no item Vida Intelectual na América Espanhola e no
Brasil, compara o desenvolvimento da vida intelectual na América Espanhola e no Brasil, demonstrando
que desde cedo havia naquele lugar imprensa e circulação de livros e, que no Brasil, somente com a vinda
da Família Real é que de fato se originou a imprensa no Brasil. Segundo Buarque de Holanda a
administração colonial temia que circulassem ideias que gerassem algum tipo de rebelião ou
insubordinação. Para Buarque de Holanda, essa privação de imprensa pode ser considerada um dos
principais entraves para o desenvolvimento de nossa cultura.
114
Muitas das ideias que “chegaram” aqui, e tiveram maior repercussão, vieram dos centros
europeus e por vezes não retratavam de forma total a “realidade” do país.
Roberto Schwarz (2000), aponta essas discrepâncias entre as ideias e a
“realidade”, o que ele chamou de ideias fora do lugar. Pode-se argumentar que as ideias
não têm lugar fixo e que se modificam, tomando para si outros significados. Contudo, o
argumento do autor é bastante potente pois, demonstra como as ideias liberais que eram
bradadas no Brasil durante o segundo reinado estavam em desacordo com a “realidade”
da escravidão em voga.
[...]. É claro que a liberdade do trabalho, a igualdade perante a lei e, de modo
geral, o universalismo eram ideologia na Europa também; mas lá
correspondiam às aparências, encobrindo o essencial – a exploração do
trabalho. Entre nós, as mesmas ideias seriam falsas num sentido diverso, por
assim dizer, original. A Declaração dos Direitos do Homem, por exemplo,
transcrita em parte na Constituição Brasileira de 1824, não só não escondia
nada, mas tornava mais abjeto o instituto da escravidão. [...]. (SCHWARZ,
2000, p.12).
O Brasil precisava percorrer um longo caminho até que as ideias e a realidade
fossem mais próximas. Nos anos 70 do século XIX, várias correntes ideológicas
invadiram o Brasil e o amadurecimento de instituições de ensino deram uma acolhida um
pouco mais adequada à essas ideias, como veremos na sequência deste capítulo.
Outro ponto crucial que aparece na maioria das definições de intelectual é a
questão da originalidade das ideias! Quem produziu tal ideia? Na maioria das vezes é
bastante difícil de se dizer. Pois as ideias tomam dimensões diferentes, em tempos
diferentes e em determinadas situações, por vezes, mudando seu significado.
Ocasionalmente viram ideias força, tornando-se em si mesmas muito mais importante do
que quem as criou, reproduziu e/ou modificou. Franklin Baumer (1990, p.23), diz que as
ideias têm força em si, originadas no espírito e que procuram manifestar-se no mundo
material. Baumer cita o filósofo Fouillée, que intitula as ideias de ideias força, e cita como
exemplo a ideia de liberdade. Mas podemos pensar no nosso caso em ideias como Pátria,
civismo e outras. Existem também aquelas ideias que, de tão debatidas e discutidas
chegam até nós sem muito critério, como demonstra Sowell (2011, p.20) ao se referir as
apropriações feitas às obras de Marx e Freud, por exemplo.
[...] as conclusões desses escritores – distinguindo-as da complexidade de suas
análises – inspiraram um vastíssimo contingente de intelectuais por todo o
115
mundo e, por intermédio dos últimos, alcançaram o grande público. A alta
reputação que esses trabalhos alcançaram inflamou a confiança de muitos
seguidores, os quais não chegaram, em parte, a dominar as obras nem sequer
se esforçaram para tal.
Então, podemos dizer que, por vezes algumas ideias são tomadas, discutidas, debatidas,
enfim, vistas a exaustão, contudo, o que chega delas não são exatamente o que o seu
“criador” pensou. Esse tipo de apropriação pode ser bastante perigosa. Por outro lado,
quando se toma uma ideia e esclarece-a, de forma séria e comprometida, para um público
maior, isso é benigno. Não obstante, Sowell (2011, p.22) argumenta que “[...]. A
originalidade não se apresenta como um atributo essencial para definir um intelectual
desde que as ideias sejam o produto final. ”.
Aqui podemos mais uma vez citar o caso que analisamos, João Simões Lopes Neto
foi jornalista por toda a vida, Sowell (2011, p.22) considera os jornalistas consumidores
e criadores de ideias pois, podem, por vezes, ser considerados intelectuais desde que as
ideias sejam o seu produto final. Dessa forma, constituem-se como membros da
intelligentsia, a qual inclui, mas não se limita aos intelectuais. Além disso, dedicou-se a
vulgarizar as ideias que acreditava serem fundamentais para se pensar a nação brasileira,
seus vícios e virtudes, sua potência de progresso baseada em uma educação pública, laica
e de qualidade.
Portanto, podemos constatar que João Simões Lopes Neto insere-se perfeitamente
na maioria das definições de intelectual que analisamos aqui pois, foi jornalista, escritor,
fez discursos, conferências, esteve sempre presente na opinião pública de sua cidade, ou
seja, um típico membro da intelligentsia, por vezes foi divulgador e vulgarizador de
algumas ideias, por outras um criador.
Em sua Conferência Cívica de 1904, João Simões Lopes Neto se apresenta de
forma humilde, ao mesmo tempo, como um audacioso, que surge no “roldão dos
cavalheiros da vanguarda”, mas surge como figura obscura, fascinado pela luz que o atrai,
o fim que o seduz, o imenso sonho mágico: a grandeza da pátria a que aspira. Em suas
palavras: “Tal é, Srs. o meu paralelo: humilde arbusto – entre árvores frondosas; operário
mesquinho entre arquitetos, sentinela perdido nas linhas distantes do acampamento.
/Benevolência – pois, pela intenção. ” (LOPES NETO, 2009, p.295). O autor se desculpa
por não ter, o que chama de “preparo metal à altura” do compromisso que assume com a
116
Conferência, ao mesmo tempo se coloca entre os “grandes” pensadores da questão e se
debruça sobre suas ideias e as coloca de forma sincronizada com o seu próprio
pensamento. Já na Conferência de 1906 o autor demonstra que ampliou sua pesquisa,
percorreu o Rio Grande do Sul e alargou seu conhecimento acerca da questão que
novamente se ocupava, contudo, de forma bem mais ampla e madura. Ele mesmo se
coloca, desta vez, como “elemento pensante, dirigente e responsável” (LOPES NETO,
1906, p.03).
Ou seja, o próprio autor se via de alguma forma com um ser pensante, que estava
debruçado sobre ideias, que estava elaborando suas próprias para que pudesse dar conta
da empreitada que assumiu ao refletir sobre a nação brasileira, ainda tão embrionária
naquele momento. Sobre como a educação pública, laica e de qualidade poderia trazer
progresso e modernidade, transformando o Brasil de um país subjugado e mestiço em um
país forte e culto, com suas características muitíssimo próprias e uma “raça” que herdou
o melhor das três “raças” formadoras do brasileiro. Aqui já podemos adiantar que João
Simões Lopes Neto não via na mestiçagem a causa de nossa “desgraça”, como alguns
intelectuais contemporâneos a ele, mas sim como um modo de criar um novo ser único
no mundo, pois herdou as melhores características de cada uma delas131.
Segundo Baumer (1990, p.23), “[...]. O intelectual reflete as ideias de outras
pessoas, mas também aperfeiçoa e esclarece. ”. Com base nessa concepção, podemos
afirmar que foi exatamente o que João Simões Lopes Neto fez em suas Conferências, pois
tratou de temas chaves para a discussão sobre pátria brasileira, bem como se utilizou de
ideias de outros pensadores como Sílvio Romero, José Veríssimo, Afonso Celso, Manoel
Bomfim e outros. Contudo, as adaptou para o seu texto, para o seu pensamento, ao mesmo
tempo que projetou uma forma discursiva interessantíssima no livro de leitura que estava
propondo e que fazia parte de um projeto pedagógico que englobava outros títulos além
do Terra Gaúcha – Histórias da Infância, haviam também a Artinha de Leitura, Eu, na
Escola e Hinos e Glórias do Brasil, estes fariam parte do que o autor chamou de Série
Brasiliana132. Além disso, visando a vulgarização das “coisas nacionais”, o autor
131 Veremos mais profundamente essa questão na sequência deste capítulo. 132De acordo com FISCHER (2013, p.220): “[...]: em 1907 é certo que Simões Lopes Neto ideou uma
coleção, a dita Série Brasiliana, que se destinaria às ‘escolas urbanas e rurais’ e seria composta de quatro
volumes: A Artinha de leitura, depois – não nos percamos nos nomes, apesar do embaralho da coisa – Eu,
na escola, adiante Terra Gaúcha e, finalmente, um volume de Hinos e glórias do Brasil. ”. Independe da
ordem das publicações, somente a Artinha de Leitura e Terra Gaúcha foram publicadas, mesmo que mais
de cem anos depois, em 2013. Na publicação de Terra Gaúcha encontramos uma espécie de capítulo que
117
elaborou uma coleção de cartões postais, a Coleção Brasiliana. Além disso, Baumer
(1990, p.23), alega que os intelectuais articulam melhor as ideias e as crenças que
circulam na sociedade. Por isso, podemos chamar essas ideias e crenças de pensamento
de época, que inserido em seu devido contexto histórico revelam como aquela sociedade
se percebia e percebia as demais.
Tendo essas afirmativas em mente, podemos então concluir que mais importante
do que definir um “tipo” de intelectual, é ter em vista que as ideias são seu produto final.
Esse conjunto de ideias representam um pensamento de época, ou seja, a reunião das
ideias de João Simões Lopes Neto forma o seu pensamento de época que, dentro de seu
contexto histórico e social, dialoga com correntes de pensamento, bem como, com outros
intelectuais e outras ideias.
2.1 CONEXÕES E REDES INTELECTUAIS/TEXTUAIS
João Simões Lopes Neto foi um intelectual, essa afirmativa já podemos fazer.
Contudo, apenas essa afirmativa não conclui a nossa análise, é o contexto histórico e
social em que o autor está inserido – uma trama bastante complexa e fértil da História do
Brasil – que precisamos desvendar. Segundo Armani (2013, p. 137) “[...] Antes de usar o
contexto histórico para explicar ou interpretar a realidade das ideias, é o próprio contexto
que deve ser explicado. ”. Ainda segundo Armani, o contexto é uma espécie de salvo-
conduto. É ele que poderá esclarecer as conexões entre autores e a formação das redes de
sociabilidade133.
Lembremos, portanto, que João Simões Lopes Neto viveu entre os anos de 1865
e 1916. Esse período, configura importante processo histórico do Brasil, com mudanças
bastante drásticas como a abolição da escravidão, a imigração europeia, a passagem de
se intitula Eu, na Escola, que creio ser o mesmo texto indicado por João Simões Lopes Neto. Já o Hinos e
glórias do Brasil, não se tem notícias desse material, nem ao mesmo se ele de fato existiu. Lembremos que
o autor, por vezes, citava textos seus que ainda não existiam ou pelo menos ainda não haviam sido
publicados. 133 Redes de sociabilidade é um conceito elaborado por François Sirinelli (2003), o qual trabalharemos com
mais propriedade no decorrer deste capítulo.
118
um sistema monárquico para uma República, embora de fato, isso não tenha mudado
muito a vida das pessoas comuns134.
Mas, voltemos um pouco no tempo para compreendermos melhor o panorama que
nos trouxe até aqui. Quando o autor nasceu em 1865 o Brasil era um Império com um
monarca hereditário, exceção política nas Américas, além disso, também representava
uma anomalia no que se referia ao plano econômico, com sua economia essencialmente
agrária ainda tolerava a escravidão, mesmo com o fim do tráfico decretado em 1850
(SKIDMORE, 1976, p.19). Ademais, o Brasil, desde a Constituição de 1824, era católico
e, sob a responsabilidade da Igreja estavam o ensino primário135 e secundário. No que
tange o campo das ideias, este se constituía em “curioso mosaico de ideias importadas da
França”, o qual era chamado de ecletismo e não passava muito de um apanhado de ideias
filosóficas e religiosas que eram tendência por lá (SKIDMORE, 1976, p.20). Na política,
o clima era de conciliação partidária entre Liberais e Conservadores. Esse clima persistiu
até pelo menos a Guerra do Paraguai (1865-1870)136.
Foi em meio a essa turbulenta fase que um grupo de jovens, com pouco ou nenhum
apego às tradições, agitou culturalmente o Recife sob liderança de Tobias Barreto (1839-
1889), formado pela Faculdade de Direito do Recife. Essa agitação, ganhou força na
década de 70 quando, como chamou Sílvio Romero, adentrou no Brasil “um bando de
134 Para mais ver: CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas: o imaginário da República do
Brasil. – São Paulo: Companhia das Letras, 1990. 135 Lembremos que o ensino primário é um dos objetos de preocupação e análise de João Simões Lopes
Neto. 136 Este conflito abalou o clima de “estabilidade” da política brasileira, bem como a estrutura monárquica.
D. Pedro II foi muito criticado por invocar a guerra. De acordo com Skidmore (1976, p.23-25), a Guerra
do Paraguai foi a causa próxima da mudança no sentimento nacional que estimulou muitos membros da
elite brasileira a reexaminar o conceito de nação. Ainda de acordo com o autor, a Guerra do Paraguai deixou
consequências profundas, como: a incompetência do Brasil na mobilização inicial levou muitos civis a
atentarem para o atraso do país em relação à educação e transporte, por exemplo. Os Militares tomaram
consciência de sua importância, e mais tarde se tornaram um importante grupo de pressão política
(principalmente no diz respeito a Proclamação da República e depois dela). A guerra também era impopular
no Brasil, e quando o imperador recusou o tratado de paz, em 1868, gerou uma instabilidade política, dando
força para a criação do Partido Republicano Brasileiro em 1870. A carência de voluntários levou ao
recrutamento de escravos, muitos se mostraram excelentes soldados. Como retribuição, recebiam a alforria
e, muitos, após a guerra, tornaram-se soldados profissionais136. O conflito trouxe mudanças também na
estrutura social e econômica, com o processo de urbanização que levou a formação social de um grupo
separado do setor agrário. A partir daí as diferenças de classe ficaram mais acentuadas, embora ainda
houvesse um laço estreito entre o campo e a cidade. Portanto “[...], terminada a Guerra do Paraguai em
1870, apesar de certo desenvolvimento econômico garantido pela alta aceitação do café brasileiro no
mercado mundial, as contradições do sistema se aguçam, ao embalo da campanha republicana. A partir de
então o que estava em jogo era não apenas a construção de um novo regime político, como a conservação
de uma hierarquia social arraigada que opunha elites de proprietários rurais a uma grande massa de escravos
e uma diminuta classe média urbana”. (Schwarcz, 1993, p.36).
119
ideias novas”. Ou seja, foi a partir desse momento que algumas correntes de pensamento
ganharam força no Brasil, como o Positivismo, o Evolucionismo Social, Materialismo e
outras. Essas correntes traziam possibilidades de análise sobre o Brasil e a questão racial
se colocou fundamental nesse processo. Ao mesmo tempo, foi um período de
amadurecimento e consolidação de alguns centros de ensino nacionais como os museus
etnográficos, as faculdades de direito e medicina, e os institutos históricos e geográficos.
Esse período de efervescência cultural e intelectual gerou um importante debate
sobre o que é ser brasileiro. No esteio desse questionamento estava a questão da
mestiçagem, a representação mestiça foi alvo de teorias raciais que visavam explicar os
problemas locais. De acordo com Lilia Shwarcz (1993, p.19),
[...]. Paradoxo interessante, liberalismo e racismo corporificaram, nesse
momento, dois grandes modelos teóricos explicativos de sucesso local
equivalente e no entanto contraditório; o primeiro fundamentava-se no
indivíduo e em sua responsabilidade pessoal; o segundo retirava a atenção
colocada no sujeito para centrá-la na atuação do grupo entendido enquanto
resultado de uma estrutura biológica singular.
Constatou-se que havia uma necessidade de entender e explicar as questões locais e, com
o aporte das ideias vindas da Europa, muitos intelectuais se debruçaram sobre elas para
auxiliá-los nessa tarefa.
Inserido nesse contexto, João Simões Lopes Neto, a esta altura era um jovem
advindo de uma família abastada que, como a maioria dos jovens abastados dessa época,
possuíam o núcleo de sua riqueza nos negócios rurais, neste caso nas charqueadas e
criação de gado. Contudo, como observamos no capítulo anterior, o autor foi um homem
essencialmente urbano e, também como a maioria dos jovens ricos de sua época, esteve
na capital do Império para concluir seus estudos e, formar-se em Medicina. Porém, como
já dissemos no capítulo anterior, as informações sobre a vida escolar do autor são bastante
obscuras e confusas, o que não nos deixa afirmar que tenha cursado Medicina no Rio de
Janeiro, contudo, também não excluímos totalmente essa hipótese mediante ao
conhecimento demostrado pelo autor do quadro docente da Faculdade de Medicina do
Rio de Janeiro. A única conclusão palpável em relação a isso é que, caso ele realmente
tenha cursado medicina, não concluiu o curso.
120
Independente dessas informações desencontradas, João Simões Lopes Neto viveu
no Rio de Janeiro, seu tio-avô, Ildefonso Simões Lopes137, que o abrigou em sua casa, foi
um eminente político (deputado geral do Império de 1869 a 1872). Transitava com
facilidade entre os meios mais abastados e informados da capital do Império e, assim
como a maioria dos rapazes de sua época, sua origem era os negócios ligados ao meio
rural e ao Império, mas sua mente estava se conectando com os artifícios do meio urbano,
bem como as ideias de republicanismo, e as “ideias novas” vindas da Europa.
“[...]. Muitos moços estavam preparados, na década de 70, para desafiar a
cultura herdada e o sistema estabelecido. Alguns foram logo envolvidos e
absorvidos pela estrutura do Império, mas outros continuaram a criticá-lo.
Numerosos desses jovens provinham das fazendas paternas. Outros vinham
diretamente de meios urbanos. Por volta da década de 80, tinham sido
absorvidos todos pelas marés convergentes do abolicionismo, do
anticlericalismo e do movimento republicano. ”. (SKIDMORE, 1976, p.24-
25).
João Simões Lopes Neto foi um desses moços que vinha das fazendas paternas
para a cidade. Criticava o Império e foi absorvido pelas novas ideias, principalmente, as
de anticlericalismo e republicanismo. Viveu, como vimos, na capital do Império entre os
anos de 1877/78 e 1884, pôde ter contato direto com o que havia de mais moderno em
termos de discussões filosóficas, por exemplo. Ao voltar a sua cidade natal, Pelotas138, no
interior do Rio Grande do Sul, João Simões Lopes Neto permaneceu no meio urbano da
cidade, escrevendo de forma amadora para alguns jornais.
Em 1889, aderiu ao Partido Republicano Rio-Grandense. O que comprova sua
inclinação republicana, no triolet publicado em sua coluna Balas de Estalo, em 8 de
agosto de 1888, no jornal A Pátria, e assinado com o pseudônimo de João Risempre o
autor ironiza o Partido Libertador e o Conservador, os dois partidos que se mantiveram,
na maioria das vezes, conciliados durante do Império:
137Há na família Simões Lopes, pelo menos dois membros com o nome Ildefonso Simões Lopes. O
primeiro, ao qual nos referimos no texto, é o irmão de João Simões Lopes Filho, avô de João Simões Lopes
Neto, mais conhecido por Visconde da Graça. Ambos irmãos são figuras marcantes e relacionadas ao
Império brasileiro, tendo sido Ildefonso, deputado geral do Império. Já o outro Ildefonso Simões Lopes,
trata-se de um sobrinho daquele. Filho do Visconde da Graça e contemporâneo de João Simões Lopes Neto,
este, também dedicou-se à política, mas no Partido Republicano, foi deputado federal pelo Rio Grande do
Sul e, Ministro da Agricultura do Governo Epitácio Pessoa (1919-1922). Para mais sobre este Ildefonso
Simões Lopes ver: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/lopes-ildefonso-
simoes. 138 Lembremos que Pelotas era uma das principais cidades do Rio Grande do Sul. Reconhecida em todo o
Brasil por sua riqueza, cultura e requinte adquirido às custas do suor escravo nas charqueadas.
121
Oh! que famosa piada!...
Liberal – conservador!
Interesse conciliador!
Oh! que formosa piada!
Nas ânsias, o Lidador
Provocou a trovoada.
Oh! que famosa piada:
Liberal – conservador!
Convidados, conferentes
Ficaram de boca aberta!
Já quase ninguém se acerta,
Convidados, conferentes,!
Palavrinha dentre-dentes...
Convidados conferentes
Ficaram de boca aberta!...
Viva! Viva! o grão Vizir!
Viva toda a troça grossa.
Que nem roceiros na roça.
Viva! Viva! o grão Vizir!
Viva toda a troça grossa.
(LOPES NETO in MOREIRA, 1983, p.12)
Seu anticlericalismo se dava no sentido de estar imbuído nas ideias cientificas de
seu tempo, onde a Ciência tudo explicava. A origem do homem deixa de ser um “sopro
divino” e passa a ser uma evolução da natureza. De acordo com Baumer (1990, vol.2,
p.99)
[...]. Depois de 1859, a ideia da evolução não só se infiltrou, como dominou o
pensamento europeu. Era praticamente impossível considerar quaisquer das
questões perenes139 sem fazer referência à evolução. Isso projetava um quadro
da natureza radicalmente novo, como ‘processo cósmico’, mas sem seu
desígnio. A evolução abria novas frentes na guerra entre ciência e a
teologia140. Envolvia o próprio homem, até agora claramente isento, no
processo evolucionário, chamando assim a atenção para a humildade do
homem, isto é, para a sua origem animal. Isso padronizou os aspectos
dinâmicos da sociedade e da cultura e criou, simultaneamente, uma tendência
favorável à ‘luta’, como lei da vida social e orgânica. [...], no Mundo
Darwianiano, o otimismo prevalecia sobre o pessimismo por causa da ênfase
posta na criatividade, pela própria teoria darwiniana, e na capacidade de a
natureza, a qualquer nível, produzir novas formas superiores.
139 Em sua tese, dividida em dois volumes (vol. I séculos XVII e XVIII e vol. II séculos XIX e XX) o autor
visa demonstrar o sentido de ‘moderno’, utilizando os pensadores europeus dos últimos quatro séculos.
Para tal ele colocou cinco questões que para ele são perenes: a nossa visão de Deus, da Natureza, do
Homem, da Sociedade e da História, em vez de indivíduos ou campos de conhecimento. Através dessas
questões, Baumer nota as percepções dos pensadores e das sociedades acerca do ser e do devir. Para mais
ver: BAUMER, Franklin L. O Pensamento Europeu Moderno. Vol. I. Séculos XVII e XVIII. Lisboa:
Edições 70, 1990. E, BAUMER, Franklin. O Pensamento Europeu Moderno. Vol. II. Séculos XIX e
XX. Lisboa: Edições 70, 1990. 140 Grifo nosso. Aqui notamos o forte apelo anticlerical que tomou força com a Teoria da Evolução de
Darwin.
122
Essas mesmas ideias que dominaram o pensamento europeu chegaram ao Brasil
na década de 1870 e foram absorvidas por toda uma geração de intelectuais brasileiros.
Elas serviram de modelo explicativo para a tentativa de compreensão das questões que
envolviam a nossa nacionalidade. Uma delas, com grande destaque na discussão, foi a
questão racial. Compreender a mestiçagem como um processo evolutivo ou degenerativo.
Enfim, essas correntes de pensamento ganharam enorme proporção no Brasil e as formas
como foram tratadas são bastante peculiares, por isso é importante vermos mais de perto
essas questões, bem como a influência que os principais pensadores do período exerceram
sobre João Simões Lopes.
2.2.1 O PENSAMENTO INOVADOR DA “GERAÇÃO” DE 1870 E SEU IMPACTO
Cabe começar dizendo que o conceito de geração aplicado aqui não quer dizer
uma uniformidade de pensamento, bem pelo contrário. São muitas as ideias que adentram
no Brasil neste período, bem como oscilam as preferências dos pensadores em relação a
elas. Portanto, estamos nos referindo, quando falamos em Geração de 1870, à um
“movimento intelectual” que se expressou no Brasil a partir da década de 70 do século
XIX.
A chegada dessas ideias ao Brasil, agitou a ordem estabelecida e gerou novas
diretrizes. De acordo com Costa Cruz (1956, 113), essa crise de renovação estava ligada
à ressonância de um fator importantíssimo na estrutura econômica do país pois, as
tradicionais lavouras de cana de açúcar, de algodão e tabaco do Norte, perdem força e
entram em decadência principalmente após a proibição do tráfico negreiro em 1850.
Paralelamente, no centro-sul do país, a produção de café se desenvolve e cresce, fazendo
com que esse artigo figure quase que isolado na balança econômica brasileira. Ainda de
acordo com Costa Cruz (1956, p.13),
[...]: já na primeira metade do século XIX o centro-sul irá progressivamente
tomando a dianteira das atividades econômicas do país. E na segunda chega-
se a uma inversão completa de posições: o norte estacionário senão decadente;
e o sul em primeiro lugar em pleno florescimento.
123
Logo, notamos que há uma mudança no eixo econômico do país com o
fortalecimento da produção cafeeira no Sudeste, que vinha desde 1850, e a simultânea
decadência do Nordeste, que teve a produção de suas lavouras abalada após o fim do
tráfico negreiro, sendo a sua mão de obra essencialmente escrava. A maioria dos
intelectuais ligados ao movimento intelectual de 1870, estavam vinculados mais ou
menos às elites econômico-financeiras, que até meados do século XIX, formavam um
perfil bastante homogêneo em termos de formação e carreira. A partir deste momento, as
diferenças regionais ficaram mais perceptíveis e, ocorreu também, uma paralela
diversificação entre as várias instituições cientificas. Segundo Lilia Schwarcz (1993,
p.33), “[...], os estabelecimentos situados nas cercanias dos novos centros econômicos do
país foram progressivamente mais bem aquinhoados do que os demais. ”.
Lilia Schawcz (1993, p.33), argumenta ainda que
[...], a tendência à conformação de campos acadêmicos distintos implicou uma
diversificação nas áreas de atuação das elites intelectuais nacionais. Assim, se
a maior parte da ‘classe ilustrada brasileira’ tinha em comum a formação em
Coimbra (ou mais raramente em outra universidade europeia) e uma carreira
burocrática, a partir de então começam a delinear-se especializações
profissionais diretamente associadas às diversas instituições.
Assim, por volta de 1870 um novo momento começou a se expressar no Brasil,
abrindo as portas para novos matizes de ideias, oriundos da filosofia dos séculos XVII e
XVIII na Europa.
[...]. O positivismo, o naturalismo, o evolucionismo, enfim, todas as
modalidades do pensamento europeu do século XIX, – vão se exprimir agora
no pensamento nacional e determinar um notável progresso de espirito crítico.
Este progresso de crítica, de compreensão, era concomitante – resultado talvez
– do notável progresso econômico que se expressa, no Brasil, a partir de 1860
numa sensível ascensão do padrão de vida de certas classes da população e na
incipiente aparelhagem técnica do país, tal como estradas de ferro,
mecanização das indústrias rurais, instalação das primeiras manufaturas.
(COSTA CRUZ, 1956, p.229-230)
Dessa forma, havia no país uma mistura de progresso econômico – gerado em
parte pela inversão de capitais, que até aquele momento eram aplicados no tráfico
negreiro, em novas modalidades de comércio e indústria, somados a esses fatores, aparece
o desenvolvimento das lavouras cafeeiras e da inversão de capitais ingleses (CRUZ
COSTA, 1956, p.130) – e progresso científico, proporcionado pelo “bando de ideias
novas” que adentrou no país, o fortalecimento de algumas instituições de ensino e um
124
forte teor nacionalista, que visava deixar para trás os anos coloniais e determinar o que
era o Brasil e o brasileiro.
Foi neste período também que ganhou forte influência a Escola do Recife. A
propósito, nesta escola estudava-se intensivamente o positivismo, o evolucionismo e o
materialismo, temas de aspiração na época. Além do mais,
[...] Lia-se, com ardor intelectual, Comte, Darwin, Haeckel e também Taine e
Renan. Durante os primeiros anos, o feitiço do romantismo não foi de todo
quebrado, mas já no começo da década de 70, Sílvio Romero e Tobias Barreto
tinham lançado uma campanha feroz contra o indianismo e o ecletismo. E
quando, finalmente, Tobias Barreto conquistou uma cátedra na Faculdade de
Direito em 1882, a Escola do Recife atravessou nova fase, uma vez que Tobias
Barreto iria ocupar essa cátedra até a morte, em 1889. (SKIDMORE, 1976,
p.26)
A escola do Recife representou um importante ponto de contestação da tradição
no Brasil. As ideias de Ecletismo intelectual que formavam um mosaico de ideias
francesas, “estudadas” no Brasil sem muito senso crítico estava posta em cheque. Bem
como a tradição literária do Romantismo, que havia ganhado força no final do século
XVIII. Os pensadores românticos, fortemente influenciados pelos românticos europeus,
se inspiraram na natureza. A partir da Independência do Brasil, esses românticos
passaram a ver na natureza exuberante a fonte de nossa nacionalidade, ou seja, o que
havia de mais exuberante e belo que distinguia e destacava o Brasil. A natureza
exuberante virou a fonte de nossa nacionalidade e de lá o Índio surgiu como protótipo
perfeito. O Indianismo teve na Literatura sua maior expressão e acabou virando moda
social e intelectual entre as elites, sendo por vezes, os nomes portugueses substituídos por
nomes nativos.
Aqui encontramos uma influência forte para João Simões Lopes Neto, pois, em
seu livro de leitura Terra Gaúcha – Histórias da Infância (2013), o menino protagonista
já possui nome indígena, ou nativo como chama o autor, Maio. A estância onde o menino
passa as férias, local onde ele aprende sobre a cultura gaúcha, se chama Tupanci “[...] na
antiga língua guarani [...]” (LOPES NETO, 2013, p.17), fazendo alusão clara aos
guaranis, que representavam maioria indígena no Sul do Brasil. Além do mais, há no
mesmo livro uma lição que chama Nomes de Gente (2013, p.194-195); nela o Mestrinho,
o professor, fica chocado com nome de um aluno novo: Oltocar Themístocles Fenelon
125
que, segundo ele, é uma composição de um nome polaco, outro grego e outro francês e,
no entanto, pouco adequado para um brasilês141. O Mestrinho diz:
Cada povo tem seus nomes que se pode dizer nacionais, ou pelo menos
nacionalizados; o nome fica sendo quase que uma certidão da raça do
indivíduo. Nós temos a mania de adotar os nomes estrangeiros, e eu nunca vi
um estrangeiro crismar-se com nome nosso. Desprezamos os nossos [...]142
genuinamente brasileses, belos, suaves, sonoros, cada um com seu bonito
significado característico, e vivemos a batizar nossas crianças com os
esdrúxulos nomes russos, gregos, fenícios, árabes, ingleses...
[...]
Que salada de nomes! Que destempero no bom senso, que pobreza de
sentimento nacional, que desrespeito de si mesmos!
[...], adotamos nomes nossos, genuinamente nossos. E é de trazê-los e dizê-los
com garbo, com orgulho, conscientemente nativistas! Aqui mesmo no colégio
já temos alunos com seus nomes brasileses, e na seção das meninas também.
Vejam lá quantos e que agradáveis nomes: De homens: Aymbire, Pancuioxe,
Tarumã. De mulher: Nanine, Ivoti, Jaty, Iracema, Araci, Ivorá. (LOPES
NETO, 2013, p.194-195).
Como mencionamos acima, o Indianismo, fruto do Romantismo brasileiro, se tornou uma
moda social e intelectual entre as elites, que o adotaram de uma maneira tão firme, que
até mesmo os nomes das pessoas sofreram essa influência. João Simões Lopes Neto não
ficou imune à essa moda e a aplicou em seus textos pedagógicos, como vimos.
O nativo indígena, das três raças que formaram o brasileiro, de acordo com o
pensamento dessa época, se apresentava como o único exemplar verdadeiramente
brasileiro, ele representava o que havia de mais orgânico, mais natural, menos
influenciado por modas estrangeiras e por isso perfeito para designar aspirações, uma
espécie de bom selvagem. Contudo, esse indígena idealizado, pouco tinha a ver com o
verdadeiro papel que cumpriram as populações indígenas na História do Brasil.
Dessa forma, apesar das críticas e das teorias raciais em voga a partir da década
de 70 do século XIX, o Indianismo havia adentrado fundo na tradição brasileira e por isso
Skidmore (1976, p.26) fala que durante os primeiros anos o feitiço do indianismo não foi
de todo quebrado. Ousamos dizer que, ainda não sabemos se hoje a ideia de temos das
comunidades indígenas e do indígena em si também não está, ainda, embaralhada por
esse “feitiço do indianismo”.
141 Em Terra Gaúcha – Histórias da Infância (2013), João Simões Lopes Neto refere-se ao brasileiro como
brasilês. 142 Conforme indicado nas notas do livro, este espaço encontrava-se em branco no manuscrito original.
126
Mas voltemos ao tema que nos ocupa. Havia no Brasil neste período um panorama
intelectual bastante diversificado. De acordo com Lilia Schwarcz (1993, p.34), as
faculdades de Direito de São Paulo e Recife estavam preocupadas em elaborar um código
nacional, contudo, as interpretações desse código eram diversas, se por um lado em São
Paulo majoritariamente as ideias liberais eram adotadas como modelo de análise, no
Recife, o predomínio era das ideias como: o social-darwinismo de Haeckel e Spencer.
Podemos dizer, que João Simões Lopes Neto se aproximava muitos das ideias
majoritariamente difundidas pela Escola do Recife pois, as ideias de evolucionismo estão
presentes em suas conferências bem como em seu material de didático em si, além do
conjunto de artigos publicados no A Opinião Pública em 1913, intitulados Uma Trindade
Científica: Lamarck, Darwin e Haeckel, onde o autor expõe ampla leitura dos autores
citados no título. O autor focava na instrução e na ciência como modo de progresso, em
sua Conferência Cívica de 1904 lemos:
Aos toques de avançar – do clarim incitador do progresso, tem acudido
pressurosos a esta tribuna, o talento, o preparo científico143, a eloquência, a
previsão, o exemplo salutar de homens dos de maior merecimento no nosso
meio social; deste quartel-general do estudo, da perseverança e do altruísmo,
têm partido para as várias linhas de combate à rotina, ao erro, ao
obscurantismo, não os missionários da benemérita Cruz Vermelha, que acode
ao gemido e à morte, mas os pregadores da benemérita Cruz Branca que
ilumina a inteligência e modifica as almas. (LOPES NETO, IN: ARRIADA,;
TAMBARA, 2009, p.294).
As ideias de progresso, de preparo científico, bem como o altruísmo e a clareza
dada pela instrução em detrimento do obscurantismo religioso, são ideias que também
contemplam o positivismo, que foi outra corrente de pensamento bastante influente no
Brasil e, sobretudo no Rio Grande do Sul.
De acordo com Skidmore (1976, p. 28),
O Positivismo adquiriu força impositiva e se alastrou no Brasil por ter surgido
no momento em que a mentalidade tradicional achava-se mais vulnerável à sua
aceitação. O espírito crítico dos jovens estava maduro para a rejeição
intelectualizante do catolicismo, do romantismo, do ecletismo associados à
gerência da monarquia. [...]”.
Ademais, o positivismo trazia uma forte identificação com as ciências aplicadas que
ganhavam respeito entre a elite letrada. Cruz Costa (1956, p.145) ressalta que foi graças
143 Grifo nosso.
127
aos novos bacharéis em ciências físicas e matemáticas da Escola Central e da Escola
Militar que o positivismo se expandiu, tendo em vista a afinidade que a doutrina
positivista trazia, no que tange a parte dedicada à matemática. Ainda segundo o autor,
esse fato explicaria o sucesso do positivismo no Sul do Brasil, onde ele foi adotado
principalmente por matemáticos e engenheiros144 (CRUZ COSTA, 1956, p.28).
A Escola Politécnica e a Escola Militar, ambas do Rio de Janeiro, também
representaram importante meio de estudo e divulgação da doutrina de Augusto Comte. A
propósito, lembremos que partiu da Escola Militar do Rio de Janeiro que as principais
mobilizações pela República brasileira. De acordo com o pensamento positivista, na
esteira da evolução social e natural estava a República e, cedo ou tarde ela se daria. Seria
ela um passo natural do desenvolvimento humano e político. Daí as várias formas de ver
e pensar a República dividiu alguns positivistas entre os que acreditavam que ela se daria
naturalmente e outros que acreditavam que era preciso mobilização nesse sentido. A
divisão não se dava somente na questão de quando a República de fato aconteceria, ela
aparecia também nos diversos projetos republicanos145. Dessa forma, não havia um único
projeto de República, o que também colaborava para a segregação de ideias.
Pode-se dizer que as elites brasileiras sempre tentaram evitar qualquer tipo de
mobilização, principalmente se essas envolvessem em camadas mais populares da
sociedade. Pretendiam, desde muito cedo o progresso por meio da ordem, como o lema
positivista expressa, este ainda hoje estampado em nossa bandeira. Por esse e outros
motivos, o positivismo parecia tão atraente aos membros da elite que almejavam o
progresso econômico sem mobilização social. Acreditavam no aspecto autoritário do
positivismo, com seu modelo de modernização, que explicava e justificava a
concentração de poder nas mãos da elite, estes julgavam a massa por despreparada para
participar plenamente da sociedade, por isso, a elite deveria tomar decisões em seu nome
(SKIDMORE, 1976, p.28-29). O positivismo apresentava também forte ênfase na família,
que se apresentava como a base tudo. Além disso, o positivismo questionava tudo o que
144 Lembremos que o Positivismo no Rio Grande do Sul ganhou importante destaque como doutrina
filosófica e política, tornando-se a base do pensando do Partido Republicano Rio Grandense, presente no
Estado de 1882 à meados de 1930. Desse fato, surgiram vertentes desse pensamento, como o Castilhismo,
por exemplo. O Positivismo teve importante influência no Rio Grande do Sul, como já mencionamos no
capítulo anterior e, certamente João Simões Lopes Neto não quedou imune à essa influência. Lembremos
também, que o autor foi filiado ao PRR, apesar que não atuar ligado ao Partido. 145 Para mais sobres os diversos projetos ver: CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o
imaginário da república no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p.35-54.
128
já estava assentado no Brasil, por isso, era tão atraente aos jovens que desejavam o
progresso e a ciência. Dessa forma,
[...], ninguém pode negar a grande presença do positivismo filosófico na
formação de engenheiros, oficiais do exército e doutores em medicina a partir
da década de 70. Esses homens eram expostos a um dogma cientifico que
desafiava toda a estrutura de privilégios existentes na política (monarquia), na
economia (escravatura), na religião (a Igreja Católica oficial) e na educação (a
indiferença pelas ciências e o caráter religioso da instrução patrocinada pelo
governo). [...]. (SKIDMORE, 1976, p.29).
A partir dessas informações, podemos destacar que João Simões Lopes Neto que,
pelos anos 80 do século XIX, era um jovem rapaz, instruído, “filho” de uma elite rural
em franca decadência econômica146, estava no meio urbano da crescente cidade de
Pelotas, onde “tudo” acontecia. Estudou uns anos antes no Rio de Janeiro147, pode ter
contato com as doutrinas filosóficas mais em voga na Europa e as discussões mais
apuradas e certamente não ficou imune as influências que vinham da Escola do Recife,
ou melhor dizendo, não ficou imune a ebulição intelectual que ocorreu a partir da Geração
de 1870.
Mas, como vimos as ideias não estavam tão descoladas da realidade como alguns
autores sugeriram (Roberto Schwacz, Sérgio Buarque e outros). Entendemos que, tais
autores como Schwacz, observaram um uso das ideais estrangeiras e, portanto, advindas
de realidades diferentes da nossa, para explicar fenômenos nacionais, como a
mestiçagem, por exemplo. Além disso, o movimento intelectual de alguma forma teve
um poder de ação, como por exemplo, a influência positivista sobre os militares
corroborou para a Proclamação da República. Acreditamos que estas proposições dos
autores que tratam da Geração de 70 como um movimento intelectual não estão de todo
equivocadas, mas cabe contestá-las sob alguns aspectos. Por isso, cabe levarmos em
consideração as críticas e contestações de Ângela Alonso (2000) sobre a Geração de 70.
146 Vale lembrar, conforme destacamos no capítulo anterior, que a falta de uma diversificação da produção,
ou melhor dizendo, que a falta de investimentos em outros negócios além dos agropecuários levou muitas
famílias de charqueadores e estancieiros à falência nos anos iniciais da República. A família de João Simões
Lopes Neto foi uma dessas, contudo, não se pode dizer que faliram, mas que tiveram que mudar os
caminhos. Desde o período do Império já haviam familiares seus envolvidos com a política nacional, no
entanto, foi um tio e contemporâneo (sim, contemporâneo pois é filho do segundo casamento do Visconde
da Graça), Ildefonso Simões Lopes que mais se destacou na política nacional. Para mais sobre Ildefonso
ver: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/lopes-ildefonso-simoes. 147 Independente se terminou ou não seus estudos, o fato é que ele esteve lá durante o período de maior
ebulição intelectual
129
Na verdade, a autora sugere que esta foi uma geração de reformistas e que o movimento
intelectual foi por fim um movimento de intervenção política.
O movimento intelectual148 revela ser um movimento político149o de
contestação. Suas obras exprimem interpretações do Brasil críticas ao status
quo150 monárquico e programas de reforma. Por isso, proponho nomeá-lo
reformismo. (ALONSO, 2000, p.36)
A autora, explica ainda que ler os textos brasileiros de acordo com graus de
fidelidade doutrinária e teorias estrangeiras leva sempre ao mesmo diagnostico de
insuficiência, o que acaba por criar uma relação de cópia, de desvio entre os sistemas
intelectuais nativos e estrangeiros (ALONSO, 2000, p.40). O que autora expõe é que a
relação entre o contexto brasileiro e as teorias europeias era dinâmica, dessa forma, a
apropriação de elementos deste repertório é seletiva e envolve necessariamente supressão
e modificação (ALONSO, 2000, p.40). Acreditamos que, de certa forma, foi esse
movimento que João Simões Lopes Neto realizou, pois, para compor seu repertório sobre
como resolver os problemas da nação, que passava pela falta de uma educação pública,
cívica, laica e de qualidade, ele selecionou entre os autores disponíveis em sua época, as
ideias que acreditava serem as melhores para abarcar a sua argumentação. Por vezes, cria-
se mesmo uma miscelânea de ideias e autores que as vezes até convergem, como fez João
Simões Lopes Neto ao mencionar Silvio Romero e seu declarado inimigo José Veríssimo
em um mesmo texto151.
Alonso (2000, p.43) argumenta que o movimento intelectual da geração de 1870
configurava uma forma de contestação à ordem imperial formada por grupos
marginalizados pelas instituições monárquicas. Para a autora, a crise obrigava a
explicação do repertório de valores e princípios que legitimavam a ordem monárquica no
debate público, temas antes indiscutíveis. Portanto, os intelectuais desse período,
buscavam interpretações para o Brasil, respostas para a crise e não a produção de obras
de valor universal. Havia uma incompatibilidade entre o a sociedade imperial e a
modernidade
148 Grifo da autora. 149 Grifo da autora. 150 Grifo da autora. 151 Veremos mais sobre isso na sequência deste capítulo.
130
[...]. A conjuntura nacional é interpretada, assim, como decadência152: crise
‘inevitável’ do padrão de sociedade e do regime político típico do ancient
régime153 e prenúncio de mudança da estrutura social e de abertura do sistema
de representação política. A política científica poderia regrar essa mudança,
impedindo a anarquia potencial. A política científica fornece, assim, conceitos
e macro explicações para o movimento intelectual. (ALONSO, 2000, p.47).
Apesar das diferentes ideias, abordagens e grupos, Alonso (2000, p.49), diz que
haviam pontos em comum de reforma. Note-se que apesar da insatisfação e do repertório
oferecido pelas “ideias novas” o pensamento era de uma reforma e não uma revolução, o
que suscita mais uma vez o caráter de progresso por meio da ordem, de uma mudança
estabelecida para a sociedade a partir de uma elite. Enfim, os pontos em comum para as
reformas são: a) a reforma das instituições políticas: supressão ou esvaziamento político
dos postos vitalícios; judiciário independente, adoção do sistema federativo; b) a reforma
do estado: descentralização político-administrativa e tributária e liberalismo econômico;
c) secularização das instituições: separação do Estado da Igreja, laicização do ensino
público154; d) extensão da cidadania: direitos civis à estrangeiros e escravos, liberdade
civil, de imprensa, tribuna e religiosa, veto à censura, habeas corpus pleno, expansão do
direito de voto e candidatura e expansão do ensino155; e) abolição completa da escravidão
e liberdade de imigração; f) política externa: um americanismo pacifista (ALONSO,
2000, p.49).
Enfim, sejam quais forem as correntes de pensamento que adotavam os diversos
autores e grupos, tinham em comum as ideias de mudanças e de reformas. O que não quer
dizer que todos eles partilhavam de todas as ideias, e que estavam de acordo sobre elas.
Alguns se inclinaram mais à umas do que às outras, o que acontecia de acordo com
interesse de cada intelectual ou grupo. De fato, pode-se dizer que tinham aspirações
políticas e que, com base em uma política científica levaram para discussão pública a
crise do sistema imperial, que não deixava de ser uma crise herdade pelo período colonial,
152 Grifo da autora. 153 Grifo da autora. 154 Lembremos que essa é uma “bandeira” de João Simões Lopes Neto, a laicização do Estado e sobretudo
do ensino. 155 A ideia de expansão da cidadania também é uma constante na produção de João Simões Lopes Neto.
131
o que não quer dizer também que aspetos dessa crise não permanecem até os dias
atuais156.
Portanto, o que notamos até aqui é que uma mudança econômica e social nos
paradigmas do Império nas décadas finais do século XIX abriram espaço para que “um
bando de ideias novas” adentrassem o país gerando uma série de reflexões acerca da
questão nacional. Muitos foram, como vimos, os “caminhos científicos” escolhidos para
gerar as respostas para as questões referentes a nosso ainda muito jovem “espírito
nacional”, como dizia Ernest Renan157. Além do mais, muitos foram também, os autores,
ou melhor, os intelectuais que se engajaram nesta tarefa. Destacamos aqui, Sílvio Romero
(1851-1914), que juntamente com Tobias Barreto (1839-1889), gerou uma ebulição de
ideias e questões na Escola do Recife, e que se espalhou para todo o Brasil. Essa ebulição,
certamente chegou à João Simões Lopes Neto de alguma forma, tendo em vista que o
autor cita em suas conferências Sílvio Romero, além do mais, este era conhecido como
um grande polemista, dessa forma, ficava bastante difícil ficar alheio as polêmicas
publicadas e discutidas dia após dia nos jornais. Isto posto, vejamos agora como se deu
influência de alguns autores na obra de João Simões Lopes Neto, bem como, algumas
correntes de pensamento em voga no período.
2.2.2 “TAL É, SRS, O MEU PARALELO: HUMILDE ARBUSTO ENTRE
ÁRVORES FRONDOSAS [...]”158
Começamos esse item com as palavras de João Simões Lopes Neto, na
Conferência Cívica de 1904, porque elas revelam o que o autor pensava sobre si e sobre
os autores que lhe inspiraram na empreitada que começava ali, mas que não se limitava à
156 Veja a Política de Cotas (Lei 12.711/2012) que visa destinar um percentual de vagas em instituições
federais de educação para estudantes de escolas públicas com renda familiar bruta igual ou inferior a um
salário mínimo e meio per capita e para estudantes de escolas públicas com renda familiar superior a um
salário mínimo e meio. Em ambos os casos, também é levado em conta o percentual mínimo correspondente
ao da soma de pretos, pardos e indígenas no estado, de acordo com o último censo demográfico do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Essa política visa equiparar o número de estudantes pretos,
pobres e indígenas nas universidades públicas do país afim de sanar um problema estrutural que faz com
que essas pessoas permaneçam à margem da sociedade. Por exemplo, não houve uma política de inserção
dos alforriados, nem mesmo dos indígenas que acabaram por formar a população mais pobre e
marginalizada, por isso a importância de políticas inclusivas e de cidadania como estas. Para mais sobre a
Política de Cotas ver: http://portal.mec.gov.br/cotas/perguntas-frequentes.html. 157 Aqui refiro-me a Conferência “O que é uma nação?” realizada por Ernest Renan em 1882. Disponível
em: http://www.unicamp.br/~aulas/VOLUME01/ernest.pdf. 158 Frase de João Simões Lopes Neto na Conferência Cívica de 1904, ao falar sobre si e sobre a empreitada
que começava naquele momento, baseado nos grandes nomes nacionais.
132
ela, expandindo suas ideias em 1906, ao apresentar a segunda Conferência Cívica, além
de outras obras que se desdobrariam a partir delas. Com essa frase, notamos que o autor
tinha plena consciência de seu lugar de fala, ou seja, uma pessoa que ainda não era
conhecida e reconhecida como escritor de Literatura159, nem mesmo como um
intelectual160, enfim, era conhecido e reconhecido pelo seu engajamento pelas “coisas”
de sua cidade, como professor, escritor de teatro e jornais e um entusiasta das modernas
indústrias. Além disso, tinha plena consciência de que, apesar de Pelotas configurar uma
das principais cidades gaúchas nessa época, possuindo uma vida cultural e social bastante
considerável, não podia em hipótese alguma se comparar ao centro político do país, dessa
forma, se encontrava bastante à margem do centro das decisões políticas e sociais em uma
cidade no sul do Rio Grande do Sul.
Inclusive, segundo o autor, “A enorme expansão do território e a falta e a
dificuldade de comunicações, isolou o habitante do convívio continuado dos seus
concidadãos, formando-se assim mais o sentimento local, que o pátrio, há baianos,
paulistas, cariocas, paraenses, rio grandenses, raro, existe o brasileiro161. ” (LOPES
NETO. IN: ARRIADA; TAMBARA, 2009, p.303). Para ele, essa situação vinha desde
que estávamos sob a legislação portuguesa, durante o período colonial, que dificultava as
relações das capitanias entre si. Portanto, o autor tinha a noção de que, apesar de já
existirem à sua época meios de transporte como os navios e trens, além dos telégrafos e
telefones, a enorme extensão do país não facilitava a comunicação e, por sua vez, a
interação entre os brasileiros de diferentes regiões do país.
Além disso, quando expressa suas ideias cívicas e pedagógicas, no início do século
XX o autor ainda não possuía nenhum livro publicado, nenhuma obra que pudesse lhe
gerar algum reconhecimento neste sentido. Diferente dos autores que menciona, cujos
livros, segundo ele, “[...] todo o brasileiro devia conhecer e estimar” ((LOPES NETO in
ARRIADA; TAMBARA, 2009, p.295). Esses livros são A Educação Nacional (1890),
159 Lembremos que João Simões Lopes Neto somente foi reconhecido como escritor de Literatura após a
sua morte, no final dos anos 1940. 160 Ao analisarmos as leituras e as produções do autor, bem como a sua atuação pública, constamos que o
autor foi sim um intelectual, como vimos no início deste capítulo. Contudo, em sua época, poucas eram as
pessoas que tinham essa ideia sobre o autor. 161 José Veríssimo na Introdução da primeira edição de A Educação Nacional (1890), ao enumerar as várias
causas pelos quais não desenvolvemos o sentimento nacional, começa exatamente pela extensão do
território e o histórico em relação a esse fato, usando palavras bastante semelhantes a essas (1985, p.46).
Dessa forma, constatamos que João Simões Lopes Neto se valeu das palavras de José Veríssimo para
expressar-se sobre os pontos que concordava com o autor.
133
de José Veríssimo e Porque me ufano de meu país (1901), de Afonso Celso. Esses livros
e autores são a base da Conferência de 1904, por isso, precisamos conhecê-los.
José Veríssimo nasceu na cidade Óbidos, interior do Pará, em 1857. Assim como
João Simões Lopes Neto, era um provinciano, proveniente de uma cidade do interior do
interior do Brasil. Também como João Simões Lopes Neto, José Veríssimo foi para o Rio
de Janeiro concluir seus estudos. Chegou a se inscrever no curso de Engenharia da escola
Politécnica, mas completou somente o primeiro ano, por motivos de problemas de saúde.
De acordo com José Murilo de Carvalho (2013, p.12), a escolha pelo curso de Engenharia
e não Medicina ou Direito, o que era bastante comum naquela época, se daria pelo fato
de sua família não dispor de meios suficientes para bancar àqueles estudos, sendo o pai
de José Veríssimo um médico militar, ou seja, diferente de João Simões Lopes Neto, não
lograva de família aristocrática que pudesse bancar estudos mais caros.
Voltou para o Pará em 1876, e por causa de sua saúde, foi tratar-se na Europa. De
Belém, era mais rápido chegar à Lisboa do que ao Rio de Janeiro162. Foi em Lisboa que
acompanhou o Congresso Literário Internacional, permaneceu na capital portuguesa entre
1880 e 1881. Dessa experiência, retornou ao Brasil com despertado interesse pela
educação e, em 1883, criou a Sociedade Paraense Promotora de Instrução e, no ano
seguinte, fundou o Colégio Americano. Em 1889, regressou à Europa, mas dessa vez, foi
à Paris, em um Congresso de Antropologia e Pré-História. Essas experiências na Europa,
somaram de maneira substancial para que José Veríssimo elaborasse no ano seguinte sua
obra que serviu de inspiração ao autor pelotense.
Ao regressar o Brasil, em 1890, já com a República proclamada, José Veríssimo
foi nomeado Diretor da Instrução Pública no novo estado do Pará. De acordo, com José
Murilo de Carvalho (2013, p.13) a nomeação deveu-se ao fato de ter sido o autor, um dos
fundadores, em 1886, do Clube Republicano do Pará. Em meio a tamanho entusiasmo,
lança A Educação Nacional, livro que traz uma forte crítica a situação da educação no
país. Veríssimo acreditava que o novo regime seria capaz de acabar com heranças pouco
digestas de nossos antigos tempos coloniais. O que, de fato, num plano geral, embora
mudanças significativas, não ocorreu. Essa desilusão com o regime republicano está
explicita na segunda edição de seu livro, de 1906. Contudo, acreditamos que João Simões
162 De certa forma, o mesmo pode-se dizer de Rio Grande do Sul. De lá é mais perto e rápido chegar no
Uruguai e na Argentina, do que no Rio de Janeiro. Inclusive, essa proximidade com os países do Prata não
passará desapercebida por quem olhar de perto a cultura sul-rio-grandense.
134
Lopes Neto teria lido e estudado a primeira edição, de 1890, tendo em vista que ele figura
na conferência de 1904. Já em 1891, Veríssimo seguiria, agora decididamente, para o Rio
de Janeiro, onde, no ano seguinte, foi nomeado diretor do Externato do Ginásio Nacional,
antigo Colégio Pedro II, permanecendo no cargo até 1898. Enfim, Veríssimo possui um
extensíssimo currículo, no entanto, o que nos interessa aqui, é que sua dedicação foi
substancialmente à educação e à literatura brasileira, configurando importante estudioso
e crítico nessas áreas. Aliás, foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras em
1897.
Já Afonso Celso tem sua origem em uma família aristocrática, filho primogênito
do Visconde de Ouro Preto, nasceu no ano de 1860, em Ouro Preto, Minas Gerais. Era
formado em Direito pela Universidade de São Paulo, foi filiado ao Partido Liberal,
defendeu a abolição e o regime republicano, apesar de seu pai ser um monarquista. Com
vinte dois anos foi eleito deputado geral por Minas Gerais, permanecendo no cargo por
quatro vezes consecutivas, até 1903. Aqui já podemos notar alguns pontos de
aproximação entre os autores que, como podemos notar, foram contemporâneos. João
Simões Lopes Neto também vinha de uma família aristocrática, sendo ele neto do
Visconde da Graça. Também foi um defensor do regime republicano, porém filiado ao
Partido Republicano e não ao Liberal, como Afonso Celso. Como era de costume na
época, ambos exerceram várias funções durante a vida, sendo várias delas as mesmas, ou
seja, ambos foram oradores, escritores, poetas, jornalistas, “historiadores”, professores e
proferiram conferências.
Mas Afonso Celso foi um pouco mais além, as Conferências que proferiu, foram
as famosos Conferências da Glória163. Além do mais, foi professor e diretor da Faculdade
de Direito de São Paulo, reitor da Universidade do Rio de Janeiro, diretor do
Departamento Nacional de Ensino, era associado ao Instituto Histórico e Geográfico e
um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras (BASTOS, 2002, p.7). A única coisa
em comum aqui, é que João Simões Lopes Neto foi um dos fundadores da Academia de
Letras do Rio Grande do Sul (1910), mesmo sem ter nenhum livro publicado nesta época.
O que podemos notar, é que o autor, de alguma forma, parece que tentava fazer com que
163 Para mais sobre as Conferências da Glória ver: CARULA, Karoline. Conferências Populares da Glória
(1873-1889): Preleções para a discussão do cotidiano na Corte Imperial. R. IHGB, Rio de Janeiro, a.
174 (458): 291-318, jan. /mar. 2013. Disponível em: https://ihgb.org.br/revista-eletronica/artigos-
458/item/108236-conferencias-populares-da-gloria-1873-1889-prelecoes-para-a-discussao-do-cotidiano-
na-corte-imperial.html Acesso em: 03 de março de 2017.
135
a sua cidade e seu estado, estivesse tão “evoluído” ou mais que o centro do país, por isso
uma busca constante em divulgar modernidades e em criar associações, como a União
Gaúcha, a Academia de Letras, entre outros. Ademais, esse era um sentimento cultivado
por seus autores referenciais o amor e a valorização da terra de onde se vem, visando
fortalecer os laços nacionais. Assim, começamos a notar que partir do Sul, ou melhor, do
Rio Grande do Sul para nação já era uma aspiração desde o início do planejamento do
projeto cívico e pedagógico, ou educacional.
João Simões Lopes Neto tinha total noção do lugar que ocupava e, ao se comparar
aos autores citados em sua Conferência, se vê humilde arbusto, enquanto os outros autores
com longas carreiras e várias publicações, além de imenso reconhecimento nacional, são
as árvores frondosas. Mas árvores frondosas dão sombra e alento para quem busca
descanso em meio a um dia de sol quente, ou seja, os autores dispunham para Simões
Lopes Neto todo um cabedal teórico e metodológico que o alentava, lhe dava suporte para
que pudesse tratar de assunto tão urgente, como a falta de uma educação voltada para o
civismo e a formação de um sentimento nacional com seus compatriotas que também não
se encontravam no centro das decisões políticas do país e que precisavam ser integrados
e esclarecidos na nacionalidade.
Ao mencionar os dois livros que lhe serviram de base o autor expõe o que pensava
sobre eles:
São dois livros de educação cívica: um, severo no estudo das causas; o outro,
sadio na promessa dos efeitos.
São dois belos livros de educação cívica – e bem de nós, se na escola e na vida
prática, os tivéssemos sempre sob os olhos, si corrente fosse a leitura e a
meditação deles, tão simples, tão leais, tão esperançosos. (LOPES NETO in
ARRIADA;TAMBARA, 2009, p.296)
Além do mais, foi extremamente sincero quando, na sequência, revela que:
“Palavras e trechos, ideias e análise, conselho e desejos, de ambos colho e reproduzo. Do
que ambos dizem e ensinam, é quase, aqui, uma leitura ampla, em voz alta164. ” (LOPES
NETO in ARRIADA; TAMBARA, 2009, p.296). E, se lermos os dois livros que o autor
menciona e logo a sua conferência, temos a exata sensação de “dejavu”, pois trechos
164 Grifo nosso.
136
inteiros se repetem, como por exemplo, em Veríssimo (1985, p.48), após uma digressão
sobre os motivos pelos quais necessitamos de uma educação nacional o autor diz: “O
desanimador resultado desses fatos, infelizmente incontestáveis, é a dolorosa verdade: -
Nós ignoramos a nós mesmos! ”. Já João Simões Lopes Neto, após longa digressão sobre
os motivos pelos quais necessitamos de uma educação nacional chega à seguinte
conclusão: “O desanimador resultado desses fatos, infelizmente incontestáveis, é a sua
dolorosa verdade: nós nos ignoramos a nós mesmos. ” (LOPES NETO in
ARRIADA;TAMBARA, 2009, p.310).
Contudo, não podemos cair na armadilha de dizer que as conferências são uma
espécie de plágio, ou que não há ideias de João Simões Lopes Neto nelas. Como o próprio
autor mencionou, ele cita palavras, trechos, ideias, análises, enfim, tudo o que julgou
necessárias para construir a sua dissertação. A maneira como o autor articula as ideias de
Veríssimo e Afonso Celso em sua conferência é 1’de extremo interesse. Por mais que o
autor concordasse e acreditasse piamente nas ideias desses autores, citá-los
indiscriminadamente também pode ser observada como uma grande estratégia, pois como
bem releva o próprio autor, não possuía obras suas que pudessem lhe dar suporte
necessário, nem mesmo era tão reconhecido quanto os outros autores que, apesar de
também serem originários, como ele, de províncias, ganharam reconhecimento nacional.
Portanto, podemos constatar uma estratégia bastante inteligente de João Simões Lopes
Neto que ao se atentar para o tema da nacionalidade – tema esse estudado e panfletado
por grandes autores nacionais - para que fosse devidamente ouvido e levado à sério, o se
imunizou de dois desses grandes e admirados autores e suas obras, para garantir à sua
conferência status de bom estudo dos temas nacionais e, mais importante que isso, validar
a sua ideia de um livro de leitura. Dessa maneira, se imunizar desses autores era quase
como se ganhasse uma “carta branca” de seu público, que apoiaria seu projeto
pedagógico, bem como o seu livro de leitura.
Desse modo, não se trata aqui de apontar os pontos em que João Simões Lopes
Neto “copiou” as ideias dos autores e sim, de constatar essa estratégia de se munir do que
lhe interessa em cada autor para dar legitimidade para a sua própria obra. Vejamos como,
de certa forma o autor apela aos ouvintes que lhe deem confiança, que está amparado por
valorosos, apesar de ser figura “insignificante” e que a grandeza da pátria está acima de
qualquer coisa:
137
O lábaro rutilante da paz, do estudo e do saber, tem passado de mão em mão,
mantido a mesma altura arfando sereno e majestoso a mesma atmosfera
simpática de louvor, de acolhimento e de carinho; mãos fortes se estendem
ainda, vozes autorizadas o pedem; peitos robustos o sustentarão...
Mas, por um supremo esforço e audácia, eis surge, no roldão dos cavalheiros
de vanguarda que já tem outros prélios, ganhas as suas esporas de ouro, eis
surge a figura obscura do mais obscuro dos infantes, esquecido o arrojo do
lance, deslembrado o perigo do posto, fitando como fascinado a luz que o atrai,
o fim que o seduz, imerso no sonho mágico da grandeza da pátria – a que
aspira. (LOPES NETO in ARRIADA;TAMBARA, 2009, p.294-295).
Constatamos, então, que o autor se põe entre esses que querem paz, estudo e
conhecimento, que vieram antes e que se manterão através de outros que virão depois,
quase que numa ideia de evolução constante. E, apesar de ser “figura obscura”,
“esquecido”, tem audácia e está munido por esse “roldão de cavalheiros de vanguarda”,
como se estivesse entre eles. Além do mais, o maior interesse dele é a pátria, ou melhor,
a grandeza da pátria. Desse modo, constamos como o autor constrói uma narrativa
baseada nas ideias dos autores citados de maneira que parece que eles lhe dão suporte
técnico, metodológico, intelectual, enfim, todos apelam pela mesma coisa – a grandeza
da pátria – e por isso, cada um colabora da maneira que acha mais conveniente e, todos
concordam que o problema maior é a falta de uma educação cívica. Baseado neste estudo,
João Simões Lopes Neto aproveita para lançar a ideia de seu livro de leitura que deveria
ser adotado nas escolas rurais e urbanas do Rio Grande do Sul.
Por isso, vejamos agora do que se trata esses dois livros que lhe deram suporte.
Sobre os dois livros, como João Simões Lopes Neto mesmo mencionou, são livros de
caráter bastante diferentes e, também, com alcances de público diferentes. Por isso,
devemos analisá-los com mais calma, afim de constatarmos onde algumas ideias se
aproximam e onde se afastam, ou melhor dizendo, o que interessou de cada um deles ao
autor das Conferências Cívicas.
Afonso Celso teria escrito seu livro em 1900 para celebrar o quarto centenário do
descobrimento do Brasil. A primeira edição é da editora Laemmert e data de 1901. Essa
edição esgotou-se em alguns meses e, no mesmo ano ainda houve uma segunda edição.
Em 1926, já contava com dez edições, sendo esta revista e atualizada para compor a
Coleção dos Autores Celebres da Literatura Brasileira. A quantidade de edições, além
de a obra incorporar uma coleção como a citada, já demostra o prestígio e o sucesso da
138
obra. O grande sucesso também pode ser observado pelas inúmeras traduções da mesma
– francês, alemão, inglês e italiano (BASTOS, 2002, p.8-9).
De acordo com Bastos (2002, p.9),
A obra está dividida em 42 pequenos capítulos, os quais procuram demonstrar
a superioridade brasileira, a partir de onze argumentos e fatos: grandeza
territorial, beleza física, riqueza, variedade e amenidade do clima, ausência de
calamidades, excelência dos valores elementos que entraram na formação do
tipo nacional, não ter sido povoado por degradados, os nobres predicados do
caráter nacional, nunca sofreu humilhações e nunca foi vencido, procedimento
cavalheiresco e digno com os outros, as glórias a colher a sua história.
Afonso Celso já possuía uma diversificada obra, no entanto, foi em Porque me
ufano de meu país,
[...]que gerou a época um grande debate envolto às críticas e elogios em
detrimento do teor constante no conteúdo de suas páginas, pois revigorava a
ainda emblemática questão da ufania edênica presente na história do Brasil
desde a chegada dos primeiros colonizadores europeus. (ARAÚJO, 2013,
p.359).
A ideia edênica de Brasil, ganhou enorme fôlego com o Romantismo, como já vimos. O
país possuía riquezas naturais demais, era um ponto de nos diversificava e, ainda nos
diferencia, de outros países. A natureza exuberante que quase beira o Éden é uma
constante na obra de Afonso Celso. Esse tipo de análise tem como pano de fundo “uma
ideologia espacial especifica de sublimação das caraterísticas naturais (e em menor
medida sociais) do país como fonte de orgulho nacional. ” (ARAÚJO, 2013, p.359). Essas
características edênicas que Afonso Celso destaca, cria um raciocínio como se o país fosse
dotado de uma providência divina, ou seja, abençoado por não haver vulcões ou ser
acometido por fenômenos naturais como vendavais ou maremotos, ainda nos brindava o
subsolo com enorme riqueza mineral.
João Simões Lopes Neto também destacou esses fatores em suas conferências,
certamente influenciado por Afonso Celso. Contudo, há um pequeno, ou grande detalhe,
que salta aos olhos neste ponto: Afonso Celso trata da natureza quase como uma benção
divina, como se fossemos abençoados por Deus em viver neste “paraíso” terreno. Mas,
João Simões Lopes Neto, estava imbuído demais nas ideias evolucionistas, deterministas
e positivistas de sua época e, a questão da natureza, apesar de aparecer muitíssimo
139
parecida com a de Afonso Celso, não é tratada como benção e sim, como vantagem ou
desvantagem na formação de nosso caráter – condições determinantes do clima, por
exemplo. Além disso, não há Deus em sua Conferência e, já sabemos de antemão que o
anticlericalismo era uma forte tendência nesta época e o autor era um declarado
anticlerical.
Seguindo a perspectiva de Armani (2013), cada texto apresenta, de certa forma, a
historicidade de seu contexto. Portanto, Afonso Celso escreve seu livro em comemoração
aos quatrocentos anos de “descobrimento” do Brasil. Um período de comemoração e
exaltação da pátria. São bastante comuns nas descrições sobre a então colônia de Portugal
a questão da natureza. O impacto que a natureza exuberante causou no colonizador foi a
sensação de encontrarem o Éden na Terra, uma espécie de paraíso terreno. Seu livro é um
livro de exaltação à pátria, com forte apelo edênico, como já vimos. Já José Veríssimo,
publica A Educação Nacional em 1890, no fervor da República recém proclamada, “foi
explicitamente elaborado como uma contribuição às reformas que deveriam emergir com
o novo regime político. ” (CAVAZOTTI, 2003, p.14). Contudo, esse estudo se mostra
bastante crítico com as questões nacionais, principalmente no que diz respeito à educação
nacional, como o próprio título já sugere. Diferente do livro de Afonso Celso, em 120
anos o livro de Veríssimo foi editado apenas três vezes e, apenas uma dessas edições foi
de alcance nacional, sendo a primeira edição publicada no Pará. Segundo José Murilo de
Carvalho (2013, p.11), três edições apenas “É muito pouco para um livro pioneiro,
original e corajoso, portador de uma análise contundente de nosso sistema educacional e
de um dramático apelo no sentido de nacionalização do conteúdo de nossa educação. ”.
Apesar de João Simões Lopes Neto citar indiscriminadamente Afonso Celso,
acreditamos que sua afinidade, no quesito ideias, se aproximava muito mais de José
Veríssimo, pois ambos eram republicanos e vinham de provinciais bastante afastadas que
beiravam o separatismo. José Veríssimo era proveniente do Pará que “Nos tempos
coloniais, por mais de cem anos constituíra, juntamente com o Maranhão, um estado
distinto do Estado do Brasil. Durante a Regência, os líderes da Cabanagem chegaram a
separá-la do Império. [...]” (CARVALHO, 2013, p.13). Lembremos que o Rio Grande do
Sul, também figurou neste momento de revoltas, durante a Revolução Farroupilha (1835-
1845) decretou-se uma república independente do Império brasileiro. Dessa maneira,
ambos autores vinham de lugares que, de certa forma, historicamente mantiveram-se,
pelas mais diversas causas, afastados do centro das decisões políticas do país, que era o
140
Rio de Janeiro. Por isso, sabiam o que era o sentimento mais local do que nacional,
explicito por ambos de forma bastante semelhante. Preocupados com o nacionalismo,
denunciavam esse sentimento muito mais local, que Veríssimo chama de “bairrismo” e,
que por vezes, beirava o separatismo.
Analisando o livro A Educação Nacional (VERÍSSIMO, 1985)165, podemos listar
as duas principais preocupações do autor:
a) A Reforma do povo por meio da educação: A República representava um
alargamento do Estado que, segundo o autor, era “indispensável para nossa
evolução. ” (1985, p.42). Para isso, era necessário reformar o povo, ou seja,
corrigir e reformar os vícios e as virtudes de nosso povo. Para tal fim, só existia
um caminho, a educação, “no mais largo sentido, na mais elevada acepção
desta palavra. ” (VERÍSSIMO, 1985, p.43). De acordo com o autor, uma
reforma na educação pública e nacional presumia uma reforma igualmente
radical no governo, contudo, essa reforma no governo já havia acontecido,
com a Proclamação da República. Dessa forma, a reforma radical do governo
já havia acontecido, bastava “completar a obra da revolução pela reforma
profunda da nossa educação nacional (VERÍSSIMO,1985, p.43);
b) A falta de unidade nacional: A enorme extensão do território brasileiro não
propiciava, na maioria dos casos, um sentimento nacional e sim um sentimento
local. Vários são os motivos para isso, como a falta de comunicação entre os
estados que, herdaram do tempo que eram províncias, o hábito de não se
comunicar entre eles, pois estavam apenas autorizados a se comunicarem, bem
como comercializar, somente com a Coroa. Outro motivo, era o fato de as
crianças, das famílias mais abastadas, irem estudar fora do Brasil, em Coimbra
principalmente e, por isso, não tinham em seu semblante o nacionalismo, pois
educavam-se fora de seu país de origem. Além do mais, não tínhamos museus,
nem monumentos e nem mesmo festas nacionais que, poriam educar a
população iletrada do país, gerando um sentimento nacional. Além disso, nem
mesmo a nossa imprensa se ocupava com os nossos assuntos, salvo raras
exceções. A instrução pública jamais teve a função de integração do espírito
165 Originalmente o livro foi publicado em 1890, contudo, a edição que nos serve de guia neste estudo é de
1985, da editora Mercado Aberto. Esta configura a 3º edição.
141
nacional (VERÍSSIMO, 1985, p.45). Contudo, era preciso que a educação
cumprisse esse papel unificador, para acabar com qualquer brecha separatista,
pois, “a união da pátria [é] condição indispensável para a realização dos seus
destinos. ” (VERÍSSIMO, 1985, p.49).
Portanto, a grande preocupação do autor é com uma educação pública nacional
que reforme o povo e gere a unidade nacional, tão necessária para que a nação possa
cumprir seus destinos. Com essa análise, ainda podemos constatar que João Simões Lopes
Neto escolheu se munir das ideias de Veríssimo porque ambos tinham além da
preocupação com a educação nacional, tinham a preocupação com o livro de leitura que
como ambos “disseram”, seria a “mola real do ensino”. Mas, João Simões Lopes Neto foi
além, elaborou seu livro de leitura visando colaborar com a reforma do povo e com a
unidade nacional gerada a partir de um nacionalismo instrumentalizado pela educação
pública. Ambos panfletavam pela elaboração de um currículo escolar em que estivessem
presentes o ensino da Geografia e da História.
A geografia importava porque se ocupava do território do país, sua delimitação
constituição e riqueza, e também da população com todas as suas
características econômicas, sociais e culturais. Território e população eram, e
ainda são, elementos constitutivos indispensáveis de um estado nacional. A
história, completava o quadro tratando das experiências comuns, das
conquistas, das lutas, dos grandes homens, da construção da memória, de tudo
que pudesse gerar e fortalecer o sentimento de pertencimento à comunidade
nacional. (CARVALHO, 2013, p.18-19)
Ainda sobre os currículos escolares brasileiros, ambos criticavam a metodologia dos
professores do ensino primário que insistiam em fazer as crianças decorarem listas de
nomes e datas e repeti-las em voz alta durantes as aulas. Sobre esse assunto específico,
podemos ler no livro de leitura de João Simões Lopes Neto, na lição intitulada Terceiro
dia, o menino Maio conta como era o estudo na seu antigo Colégio:
Sobre o estudo, o principal era decorar. A gente entrava na aula, sentava-se,
abria o livro e começava a ler, soletrando, mascando as palavras, numa
cantarola e bem alto, que era para o professor ver que se estudava. E quando o
barulho era bem grande, então caíamos na conversa que era um regalo; até
jogávamos a pena e o botão. E o mestre não admitia que se aliviasse a tarefa;
freguês pilhado na conversa ia logo de pé em cima do banco e virado para a
parede, como castigo e para exemplo. Aqui, é diferente: este Mestrinho, ele é
que puxa conversa com os meninos. (LOPES NETO, 2013, p.109-110).
142
Esse novo Colégio, representava um novo tempo, de um novo modo de estudo,
mais moderno e arejado. Esse novo Colégio, de certa forma representava a República.
Principalmente em José Veríssimo, notamos uma esperança na República, que esse novo
tempo reformaria o povo através da educação para a evolução natural da nação. Portanto,
a ideia de uma República carregava consigo um frescor, a ideia de uma mudança de
padrões, toda uma nova simbologia. Seria um momento, digamos, mais esclarecido do
ponto de vista do conhecimento pois, sabendo as “causas” de nossos “vícios” podíamos
assim remediá-los. E, para esses autores não havia melhor remédio que a educação
pública voltada para o civismo. A partir daquele momento era como se uma nova era se
iniciasse, uma era de progresso, modernização e instrução, tendendo sempre ao
cientificismo; o grande ideal na época. De acordo com Schwarcz (1993, p.37-38),
[...], o fato é que tudo parecia novo: os modelos políticos, o ataque a religião,
o regime de trabalho, a literatura, as teorias cientificas. Com efeito, esse
período coincide com a emergência de uma nova elite profissional que já
incorporava os princípios liberais à sua retorica e passava a adotar um discurso
cientifico evolucionista como modelo de análise social. [...].
Contudo, em poucos anos de República essa ideia foi ficando para trás, principalmente
no que se refere à educação. Veríssimo, na segunda edição de seu livro em 1906, se diz
decepcionado e que teria sido ingênuo ao se deixar tomar por um entusiasmo inicial da
República (CARAVLHO, 2013, p.22). Acreditamos que João Simões Lopes Neto não se
influenciou por essa revisão de Veríssimo pois, em 1906 estava proclamando uma
segunda Conferência Cívica. No entanto, notamos nessa segunda conferência uma
mudança de perspectiva, ou melhor, uma ampliação do assunto a ser tratado, mas, a
educação ainda continua a ser o foco principal de sua preocupação.
A partir da análise dos autores, seus livros e seus contextos, podemos criar uma
rede intelectual em que João Simões Lopes Neto e sua obra figuram no centro.
Constatamos que o autor buscou se munir de outros intelectuais de maior prestigio para
legitimar as suas ideias, contudo, quem monta essa rede, de certa forma somos nós. Pois,
o autor enquanto estava fazendo suas conferências, refletindo sobre a nação, por mais que
estivesse em sintonia com outros intelectuais, não pensava em si e neles formando uma
rede. Quem analisa e cria as redes somos nós, pesquisadores. Portanto, Armani (2013,
p.145), argumenta que
143
As redes intelectuais podem ser redes textuais nas quais participam autores que
já morreram e que nunca fizeram ou nunca farão parte de uma rede
determinada, ou ainda autores cujas ideias estão aquém ou além de um
contexto idiomático. Ideias, valores, crenças, jogos de linguagem e regras de
escrita, podem ser construídas a partir de uma relação histórica que leva em
conta a tradição de uma determinada cultura intelectual, para além (ou aquém)
do estabelecimento de uma rede propriamente. [...].
Portanto, na nossa perspectiva, João Simões Lopes Neto, Afonso Celso e José
Veríssimo formam uma rede intelectual, na qual, os autores mais reconhecidos
nacionalmente e, com grande respaldo intelectual, dão substancial aporte para as ideias e
palavras de João Simões Lopes Neto que tinha como principal objetivo divulgar seu
projeto cívico e pedagógico, bem como, seu livro de leitura. Contudo, essa rede não é
formada apenas por esses nomes. Na Conferência de 1906, o autor amplia sua visão,
revisa, de alguma forma, sua tese e adiciona outro autor de extremo interesse para ele e
que mudava a perspectiva sobre o que era ser brasileiro até aquele momento – Manoel
Bomfim e seu livro A América Latina: Males de Origem (1905). Além dele, mesmo não
sendo diretamente citado, não podemos excluir a influência de Sílvio Romero e, nem
mesmo, a influência exercida em todas as pesquisas desses intelectuais de Von Martius e
sua obra Como se deve escrever a história do Brasil (1845).
Karl Frederich Von Martius, foi um cientista natural que compôs a expedição
austríaca e bávara ao Brasil em 1817, considerada uma das mais frutíferas de todos os
tempos. Dirigiu a publicação Flora Brasiliensis (1840), publicada em 15 volumes,
considerada uma importante contribuição à história natural do Brasil. Não obstante, o que
nos interessa, de forma especial, de Von Martius é Como escrever a História do Brasil
(1845), fruto de um concurso realizado pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
no ano de 1840, para escolher uma obra que sistematizasse a história antiga e moderna
do Brasil, destacando seus aspectos políticos, civis, eclesiásticos e literários. Tal obra,
não se tratava de um material de metodologia de história, pois os seminários de Ranke
são posteriores, além disso, Von Martius também não era um historiador. (RODRIGUES,
1956, p.438). Foi o primeiro a ressaltar que seria um erro não incorporarmos as
contribuições negras e indígenas em nossa história. Para ele, a soma de índios, negros e
europeus gerou o brasileiro. Além do mais, foi o primeiro a sugerir, devido à grande
extensão do território a elaboração de uma história regional em nosso país. A grande
contribuição de Von Martius, de acordo com Rodrigues (1956, p.440), a história deve
144
encarar o Brasil como uma federação de províncias, logo, deve partir dessas para
contemplar a história nacional166.
Exatamente o que defendia e propôs João Simões Lopes Neto em suas
conferências, mas, principalmente em seu livro de leitura – Terra Gaúcha, Histórias da
Infância (2013). Além do mais concordavam no quesito de incluir a mescla entre índios,
negros e portugueses na formação do povo brasileiro. Contudo, Von Martius destaca a
superioridade portuguesa em relação às outras etnias, o que João Simões Lopes Neto não
fez. De fato, as ideias são muito próximas no diz respeito uma história um pouco mais
regional com intuito nacional, vejamos o que dizia Von Martius sobre isso:
Aqui se apresenta uma grande dificuldade em consequência da grande
extensão do território brasileiro, da imensa variedade no que diz respeito à
natureza que nos rodeia, aos costumes e usos e à composição da população de
tão disparatados elementos [...] (VON MARTIUS, 1956, p.545)
Apesar de se aproximarem em alguns pontos, os autores divergem em outros. Por
exemplo, Von Martius era um monarquista, o que é compreensível tendo em vista seu
campo de experiência e o momento histórico em que escreve. Já Simões Lopes Neto era
um Republicano e acreditava inclusive que a monarquia era uma das causas de nosso
“atraso” em relação à outras nações.
De fato, não se pode negar a influência do pensamento de Von Martius nos autores
brasileiros, seja ela em maior ou menor proporção está lá. Pois foi o primeiro estudo de
história do Brasil, mesmo não tendo sido consagrado pelo concurso do IHGB, que aliás
não consagrou nenhum estudo submetido para este fim, seu estudo ficou conhecido e suas
propostas foram levadas a diante por aqueles que se interessam por escrever uma história
do Brasil ou explicar os nossos “problemas”, além do mais, as teorias evolucionistas e
deterministas focaram na mestiçagem como umas das principais causas de nossos
problemas.
Mas, em 1906, João Simões Lopes Neto apresenta um segunda Conferência
Cívica, e alarga seu pensamento, sendo um pouco mais “realista”, revisando alguns
pontos e incorporando novos autores. Entre eles, como já dissemos está, para nossa
166 Para ler Von Martius na íntegra ver: https://teoriografia.files.wordpress.com/2015/10/157202981-von-
martius-como-se-deve-escrever-a-historia-do-brasil-2.pdf.
145
surpresa, Manoel Bomfim. Com certeza, principal responsável pela guinada do tema em
relação à América Latina. Primeiramente, cabe destacar que Manoel Bomfim editou seu
livro em Paris em 1905 e foi pouco lido e muito criticado, principalmente por Sílvio
Romero, que se dedicou a escrever um outro livro criticando esse. Contudo, João Simões
Lopes Neto leu Manoel Bomfim e no ano seguinte já se utilizava de suas teorias para
embasar sua tese. Essa leitura por si só já configura um curioso fato pois, Darcy Ribeiro
(1993, p.15), responsável pelo retorno editorial desta obra, argumenta que muitos
contemporâneos não o leram e, nem mesmo Gilberto Freyre, Sergio Buarque de Holanda,
Caio Prado, entre outros, que tem como tema principal a formação da nação brasileira o
leram.
Um dos motivos, ou o motivo pelo qual Manoel Bomfim tenha sido deixado de
lado pela intelectualidade brasileira, pode ter sido o fato de Sílvio Romero ter escrito um
livro contestando a tese de Bomfim. De acordo com Darcy Ribeiro, a obra de Manoel
Bomfim
[...]. Pouco depois de ter sido publicada, ela foi objeto de todo um livro de
contestação do genioso Sílvio Romero. Nesta polêmica, Sílvio desanca Manoel
Bomfim, procurando demonstrar que ele é um completo idiota. Idiota era
Sílvio, coitado. Tão diligente no esforço de compreender o Brasil, mas tão
habitado pelos pensadores europeus em moda, que só sabia papagaia-los.
(1993, p.12).
Sílvio Romero atacou Bomfim, porque estava imbuído das teorias científicas europeias,
baseado num darwinismo social que explicava tudo por meio uma pretensa ciência. A
moda era explicar nossa “falta de caráter” por causa da miscigenação, uma espécie de
racismo disfarçado. Teria sido da mistura das raças e do clima quente dos trópicos que o
brasileiro se tornou um ser indolente. Porém, o que Bomfim trazia era uma explicação
sociológica. Para Bomfim, o parasitismo do colonizador europeu, em nosso caso o
português, foi o que gerou todos os males que tentávamos sanar no final do século XIX e
início do XX, ou seja, para Bomfim a prática predatória e de exploração do colonizador
que teve seu ponto alto com a escravidão deixou a maioria da população brasileira
empobrecida, seja financeiramente, seja de educação e cultura.
Essa interpretação de Bomfim, que mesmo sendo médico de formação não
acreditava nas teorias científicas que se baseavam na raça como questão de inferioridade
146
ou superioridade, não foi levada a sério167, apesar de ser a teoria mais coerente e
comprovável para explicar o povo brasileiro. Aliás, as teorias europeias também, de
alguma forma, nos inferiorizavam como método de não nos deixar “crescer”. Eram ideias
muito evoluídas, modernas. Bomfim tira da natureza, do cruzamento das raças o peso de
ser o grande mal do país e põe no contexto histórico, social e político. Inspirado nestas
questões, João Simões Lopes Neto, em sua Conferência de 1906, critica bastante as
instituições e há um momento em que expõe:
Pessoalmente, todos queremos somente ter direitos, escusando-nos dos
deveres, o princípio da autoridade tem sempre pela frente a pretensão
individual; a autoridade, por suaves, minada pelo mal de origem, investe o seu
cargo de atribuições que ele não tem, obedecemos fazendo perguntas; todos
pretendemos mandar: a nossa língua é talvez a única em que existe a
retumbante palavra – ‘mandão’ –. Já li, não sei mais onde, três palavras que
nos retratam: coronelato, diploma e latifúndio168. (LOPES NETO, 1906, p.10)
Provavelmente, tenha lido em Bomfim, pois o autor diz que a escravidão nos
deixou a marca de não valorizar trabalhos manuais, bem como não houve um projeto de
inserção do indígena e, muito menos, dos negros na sociedade, deixando essas
populações, em sua maioria, marginalizadas, sem o mínimo de acesso à cidadania. Dessa
forma, o brasileiro, só valoriza o poder, o diploma que lhe “distingue” da população
analfabeta ou pouco escolarizada, maioria nesta época e, latifúndio, posses que geram
ainda mais riqueza. Riqueza essa muito construída baseada na força da mão de obra
escrava, primeiramente indígena e depois africana. Não obstante, podemos constatar, que
além desse pensamento mais sociológico, que se aproximava muito de João Simões Lopes
Neto quando criticava as elites de sua cidade por deixar as populações mais pobres
afastadas do centro da cidade e, por consequência do centro moderno da cidade, sem o
mínimo de cidadania, Bomfim acreditava que a educação popular tinha um papel
indispensável para a superação daquela situação169 e, acreditamos, esse era também o
pensamento de João Simões Lopes Neto. Que quando falou em miscigenação, falava em
tom positivo, ou seja, a mistura das raças criaria uma nova raça, que seria única, abrigando
167 Muito se deve a postura de Sílvio Romero em relação ao livro, como já apresentamos. 168 Grifo nosso. 169 Cabe dizer ainda que Manoel Bomfim, após a morte de sua filha primogênita, abandonou a medicina e
dedicou-se profundamente à educação no país, dirigindo o Pedagogium entre os anos de 1897 e 1919. Este
era uma espécie de museu da pedagogia no Brasil.
147
o melhor de cada uma delas e, portanto, se se encontrava o brasileiro em situação de
inferioridade, certamente esse fato se dava pela falta de uma instrução pública.
Foi esse foco na educação que fez com que João Simões Lopes Neto também
agregasse Sílvio Romero. Tanto Romero quanto Bomfim eram sergipanos, assim como
Veríssimo e Afonso Celso também vinham de províncias afastadas do centro do país.
Assim, como os outros autores, tanto Romero quanto Bomfim eram nacionalistas,
patriotas. O que os diferencia é a maneira como veem os “problemas” do povo brasileiro.
Como já falamos, Bomfim tinha uma visão sociológica do problema e encontrava no
parasitismo do colonizador a causa das para os nossos males, bem como via na educação
pública a cura para eles. Já Romero, bastante influenciado pelo positivismo, pelas ideias
de Darwin, Spencer, e uma espécie de evolucionismo concebido pelo arcabouço
positivista, se utilizava disso para explicar praticamente tudo (SOUZA, 2004, p.18). Para
ele, a mestiçagem se dava no sentido racial e também cultural, e acreditava que se ela
fosse “feita” de maneira correta, em poucos anos teríamos um branqueamento da
população brasileira, sendo os brancos a raça mais forte, segundo ele, seus genes
dominariam e melhorariam a sociedade brasileira. Aliás, a imigração europeia para o
Brasil teve bastante apelo neste sentido e, Sílvio Romero admirava o povo alemão como
ninguém. Talvez, o que interessava de Romero, além do nome, para João Simões são as
críticas que ele faz uma falta de nacionalismo, de que o brasileiro é um imitador, ao
mesmo tempo que ele próprio era um adorador as ideias europeias.
Como podemos constatar, haviam várias divergências entre os autores que João
Simões Lopes Neto reuniu em sua obra. José Veríssimo e Sílvio Romero eram inimigos
declarados e, o que Romero ao criticar duramente Manoel Bomfim, colaborou
profundamente para que sua obra fosse alçada ao esquecimento e a desconfiança. O
pesquisador Luís Pereira (2014, p.98), argumenta que talvez o autor não tenha percebido
a
[...] impossibilidade teórica de amalgamar pensadores de visão tão dispares
como a de Afonso Celso e José Veríssimo se comparadas a de Manoel
Bomfim, quis, para além das oposições teóricas e ideológicas entre eles,
colocar a educação como uma saída e não como reafirmação das causas do
atraso. O próprio Bomfim via na instrução popular, no ensino elementar, o
caminho para a verdadeira educação, voltada para a emancipação nacional e
dos demais países da América Latina.
148
Não acreditamos que ele não tenha percebido as diferenças teóricas entre os
autores, acreditamos que ele foi esperto o suficiente para pegar de cada autor de grande
prestígio o que mais lhe interessava, o que mais endossava a sua tese. Encontrou neles
pontos de convergência como nacionalismo, a questão da mestiçagem, a valorização dos
nossos costumes, tradições e natureza, bem como o que mais palpável e que todos
concordam, mesmo tendo abordagens diferentes, é a questão da educação. Principalmente
a educação nacional como “remédio” para todos os nossos males, fossem eles tratados de
maneira sociológica ou biológica. Dessa forma, o autor buscou nos autores de grande
prestígio se munir, especialmente deste prestígio, para ser levado a sério, para mostrar
que estava por dentro das últimas pesquisas e para justificar seu projeto cívico e
pedagógico para o Rio Grande do Sul.
Sendo ele um “arbusto entre as árvores frondosas”, observamos que criou uma
espécie de arcabouço seguro, onde pudesse crescer como autor e como intelectual da
cultura e da pedagogia. Sendo assim, podemos dizer que havia ali uma rede intelectual,
uma rede textual, que dava a possibilidade de João Simões Lopes Neto organizar suas
ideias, montar sua tese, e panfletar pela educação cívica e, além disso, apresentar seu livro
de leitura. Portanto, “[...]. É a partir de uma ideia de rede contextual – o contexto do
mundo-ambiente, do mundo compartilhado e do mundo subjetivo – que podemos pensar
a historicidade das ideias desses autores. [...]” (ARMANI, 2013, p.147). Como vimos,
todos contemporâneos de João Simões Lopes Neto, todos concordavam que a educação
era o único “remédio” para os nossos males, mas para chegarem nesta conclusão
percorreram caminhos bastante diferentes, contudo, todos, um pouco mais ou um pouco
menos, foram influenciados pelas “ideias novas” que chegaram ao Brasil nos anos de
1870, bem como pela Escola do Recife. Por isso, vejamos agora como essas correntes de
pensamento influenciaram esses autores e João Simões Lopes Neto.
2.3 A TRAMA DAS IDEIAS
Se as ideias são o produto mais importante da produção intelectual, então devemos
observar mais de perto algumas ideias que acreditamos serem “chaves” para o
entendimento do que pensava João Simões Lopes Neto, bem como para o entendimento
dessa pesquisa. Primeiramente, vejamos alguns aspectos para compreendermos melhor o
149
que o autor desejava expressar quando fazia alusão à nação, pátria, nacionalismo, civismo
e outros. Para isso, observemos alguns exemplos do repertório amplo dessas questões,
que se encontram em suas conferências (1904-1906) e no livro de leitura Terra Gaúcha:
Histórias da Infância (2013), por exemplo.
Seguindo as tendências republicanas do início do século XX no Brasil e no Rio
Grande do Sul, que esforçavam-se para compor uma espécie de identificação com a
educação, trazendo consigo o civismo e moralismo patriótico, numa intensa campanha de
divulgação dos valores decorrentes do acesso ao sistema escolar (ARRIADA;
TAMBARA, 2009, p279), João Simões Lopes Neto se esforçou, em suas conferências e
livro de leitura, num sentido de construir uma retórica que impulsionasse o espírito
nacional, exaltando a pátria e buscando solução para os problemas apontados:
Mal patriota, desleal cidadão fora aquele, que não sei sob que falso pejo,
entendesse menos amar a pátria, dissimulando-lhe os erros, cuja emenda está
exigindo sejam divulgados e conhecidos. Não! A pátria quer ser amada sem
reservas, mesmo com os senões e faltas de seus filhos e de suas instituições.
As virtudes e os vícios de um país, não são senão os vícios e as virtudes de
seus filhos. A pátria, essa, na figura ideal e amada paira acima de nossos erros
e das nossas paixões; e atacar a inópia dos que a constituem é estremecê-la no
filial desejo de a ver não só objeto de nosso amor, mas fonte de nosso orgulho,
pira do nosso entusiasmo. (LOPES NETO, 2009, p.297)
A partir desse trecho, podemos notar que o autor colocava a pátria ou a nação170,
acima de qualquer vício ou virtudes de seus filhos. A nação para ele é sacralizada, passa
170 Cabe destacar que existem confusões terminológicas acerca dos termos pátria e nação. Não raro nos
deparamos com essas confusões; o próprio João Simões, em suas conferências por vezes fala em pátria e
por outras em nação, no entanto, domina em seu texto a expressão pátria, patriotismo e outras que desta
derivam. Neste sentido, devemos atentar para o fato, de acordo com Llobera (2000), de as acepções atuais
de pátria e nação somente se concretizarão após 1750. O autor explica (2000, p.148) que Pátria era o termo
mais comum no século XVIII, referia-se ao local de nascimento e, desde o século XVII já aparecia associada
à liberdade, dessa forma, a pátria era o local onde as pessoas eram livres e felizes. Já o termo nação
(LLOBERA, 2000, p.148-149), antes de 1750, servia para designar determinado grupo de pessoas que
viviam sob as mesmas leis e que falavam a mesma língua em um determinado território denominado Estado,
ou também, país. Llobera (2000, p.149) expõe que a palavra nação também referia-se à França com certo
sentido de orgulho, honra e superioridade mas, nesta época, o termo ainda não havia adquirido certo fardo
emocional. Para o autor, a confusão referente ao termo pátria iniciou-se em 1754 a partir da Dissertação
sobre a Antiga Palavra Pátria, do abade Coyer. A proposição deste último era dar uma resposta à ideia
cosmopolita de Voltaire de que a pátria é onde se estiver, pois, somos todos filhos da humanidade e, não
somente, o local onde se nasceu. A partir disso, Jaucourt, redator do termo pátria na Enciclopédia, copiou
trechos das obras de Coyer e citou opiniões de Montesquieu, Voltaire e Rousseau. Quanto à Rousseau,
pode-se dizer que ele foi um dos responsáveis pelo fato do termo nação obter um sentido mais preciso e
uma oscilação sentimental maior. Com isso nação e pátria convergiram em uma mesma forma, apesar de
nenhuma ter sobreposto a outra totalmente, ambas tendem a serem observadas se tratando de uma mesma
coisa, ou seja, cobrindo um terreno em comum. Assim nação também passou a ser compatível ao estado,
no que se refere a sua forma concreta, inclusive física (LLOBERA, 2000, p.150).
150
à um status de religião civil, onde é cultuada a partir de suas comemorações cívicas, como
os feriados e datas nacionais, além de monumentos, estátuas, prédios e os exemplos
históricos dos “heróis nacionais” (CATROGA, 2005, p. 147-150). Para Catroga (2005,
p.12) a religião civil, que teve seu primeiro grande teorizador em Rousseau, tem a função
de sacralizar o viver comum de uma dada coletividade. O seu objetivo, ainda de acordo
com Catroga, é:
[...] legitimar a Nação como “Nação Imaginada” (Benedict Anderson),
apresentando-a como grande protagonista de uma teleologia de fundo épico e
mitológico, como práticas educativas, que não dispensam recurso a ritos
públicos, socializam. (2005, p.12)
João Simões Lopes Neto acreditava que “Não só nos livros devem ficar
consignadas [a história, os acontecimentos, a memória] mais eficazmente as páginas de
pedra e bronze ensinam as multidões. ” (LOPES NETO, 1906, p.02), dessa maneira, o
autor acreditava que era preciso uma educação cívica pública, que se daria em várias
frentes. Além da sala de aula e dos livros específicos, também as ruas deveriam “ensinar
as multidões” a partir de suas placas, monumentos, prédios, enfim, “[...] ensinar à quem
passe os acontecimentos de nossa terra” (LOPES NETO, 1906, p.02). Ademais, o autor
diz que “recordar é viver” (1906, p.10), e havia no momento em que expõe suas ideias,
segundo ele, uma indiferença dos brasileiros em relação as suas datas nacionais: “O nosso
21 de abril, o 07 de setembro, o 15 de novembro, se diluem na memória do povo e não é
ingratidão que isso faz: é a falta de educação cívica. ”. (LOPES NETO, 1906, p.10).
Além dos monumentos e das comemorações nacionais, haviam ainda dois “astros”
que não poderiam ser esquecidos, mas que não estavam recebendo a sua devida atenção:
o Hino e a Bandeira nacional. Para ele “Se o hino é a voz, a bandeira é a face augusta da
Pátria” (LOPES NETO, 2009, p.302), no entanto, o hino vinha sendo executado “[...] até
em barracas de cavalinhos, em miseráveis exibições de brutos e de palhaços! ” (LOPES
NETO, 2009, p.301) e a bandeira servia de “[...] cartaz nos circos de touros, de reposteiro
em exibições de cobras e bonecos e de tabuleta de aviso, de quiosque de loterias, em dia
de sorte grande! ” (LOPES NETO, p.302). E por isso, o autor implorava:
Não! Não consintamos mais em tal abuso.
Isso é vergonhoso.
Reajamos contra tanto desamor! Tiremos dos olhos curiosos e inocentes das
crianças, dos nossos irmãozinhos, dos nossos filhos, destes petizes que hoje
151
são a aurora e serão amanhã o Zenith da pátria, acabemos para os seus olhos
ainda puros, o espetáculo deprimente, que não se lhes apagará da memória,
evitemos que vendo, desde tão tenros, a indiferença para o delito, eles sejam
depois, cumplices inocentes, também! (LOPES NETO, 2009, p.302)
Observando essas colocações de João Simões Lopes Neto, notamos que o autor
visava chamar a atenção do público para o perigo de compactuar com tais atos em relação
aos símbolos nacionais, ademais, o autor traz a ideia de que as crianças eram o futuro da
nação e, que se deveria atribuir a elas uma educação cívica, afim de que tais atos danosos
não se repetissem, pois, instigando o espírito nacional nesses pequenos seres, poderíamos
construir uma identidade nacional forte.
Stuart Hall argumenta que “[...] as identidades nacionais não são coisas com as
quais nós nascemos, mas são formadas e transformadas no interior da representação. ”
(2006, p.48). Nesse sistema de representações estão os símbolos (a bandeira, o hino
nacional, os monumentos e etc.) e os ritos (solenidades, festividades, etc.), que despertam
os sentimentos de pertencimento e de identidade nacional, dando certa coerência a nação.
Para Fernando Catroga (2005, p.154) os símbolos nacionais, como o hino e a bandeira
[...] conferem uma representação quase totêmica ao patriotismo. Por eles a
Nação ganha ‘une forme de nature esthétique, modo de reconhecimento e de
integração das contradições regionais e sociais existentes dentro de uma
territorialidade coberta pela sua una e indivisa soberania.
Não raro, tais símbolos e ritos buscam evocar na história um passado comum e
glorioso, que faz com que as pessoas se sintam identificadas e representadas por tal nação.
Por isso, como observou Hall (2006, p.51) “[...]uma cultura nacional é um discurso, - um
modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a
concepção que temos de nós mesmos[...]. ”. À vista disso, ao construir tais sentidos, a
cultura nacional, produz concepções sobre a nação, com as quais podemos nos identificar
e logo, construir identidades171.
171 Para construir a identidade nacional é preciso que exista uma narrativa que dê sentido a isso tudo.
Ponderando essas proposições, Hall (2006, p.52) coloca cinco modelos básicos pelos quais é contada a
narrativa nacional: o primeiro é a “[...] narrativa da nação tal como é contada e recontada na história, nas
literaturas nacionais, na mídia e na cultura popular [...]”, estas oferecem subsídios que “[...] simbolizam ou
representam as experiências partilhadas, as perdas, os triunfos e os desastres que dão sentido a nação. ”. O
segundo modo, refere-se a “[...] ênfase nas origens, na continuidade, na tradição e na intemporal idade. ”,
neste ponto a identidade nacional aparece como primordial, como se ela já estivesse nas origens da nação,
mesmo que adormecida, mas sempre pronta para “atender ao chamado da nação”. No terceiro modo que
auxilia a tática discursiva, Hall (2006, p.54) refere-se àquilo que Ranger e Hobsbawm chamaram de
“invenção da tradição”. Hobsbawm (2012) acredita que essas “tradições inventadas” são reações à
situações novas; são o contraste entre as constantes mudanças e inovações do mundo moderno. Além de
152
A educação para o civismo é uma constante em suas conferências, em ambas o
assunto é basicamente esse, como já explanamos. De acordo com Arrida e Tambara
(2009, p.289) as conferências eram mais uma estratégia de divulgação das concepções
nacionais do autor:
Por um longo período, Simões Lopes peregrinou em várias cidades da região
sul do Rio Grande do Sul em apostolado cívico. Constitui-se neste período um
verdadeiro paladino da causa do civismo no estado. Em verdade, todas estas
iniciativas tinham um explícito caráter de valorizar a educação no Estado.
(ARRIADA; TAMBARA, 2009, p;289)
O foco de sua fala é denunciar a urgência de uma educação cívica para as crianças
visando adultos mais instruídos e conscientes de seu papel de cidadãos de uma nação.
Para o autor, era importante instruir as crianças, dá-las condições físicas e intelectuais
para que fizessem um futuro melhor. Segundo ele, era preciso “reformar o povo” e isso
se daria por meio da educação “no mais largo sentido, na mais elevada acepção desta
palavra. ” (LOPES NETO, 2009, p.318). Para ele, as crianças representavam o futuro. E
se conhecessem o seu passado, as glórias de seu povo, seus grandes homens e feitos e,
sobretudo, por meio da educação fariam um futuro melhor para a toda a nação172. Para o
autor, havia uma necessidade urgente de “adotarmos, mantermos e desenvolvermos uma
campanha vivificadora de nacionalização, de educarmos e fortificarmos o espírito, o
sentimento pátrio, o amor da tradição, o conhecimento e a consciência de nós mesmos”
(LOPES NETO, 2009, p.317).
Podemos constatar, com base no que vimos até aqui, que havia uma necessidade
de “reformar o povo”, ou seja, acreditava-se na ideia de um melhoramento de nossas
representarem também, uma importante dimensão para o estudo das nações e dos nacionalismos. O quarto
modelo de narrativa da cultura nacional é o do mito fundacional que busca “[...] uma estória que localiza a
origem da nação, do povo e de seu caráter nacional num passado tão distante que eles se perdem nas brumas
do tempo, não do tempo ‘real’, mas de um tempo ‘mítico’. ” (HALL, 2006, p.54-55). O quinto e último
modelo, baseia-se na ideia de uma cultura nacional simbolicamente focada na imagem de “[...] um povo ou
folk puro, original. ” (HALL, 2006, p.56); como se houvesse um “povo” realmente originário de
determinado lugar, sem levar em conta as muitas migrações e conflitos por territórios, nos quais, muitas
vezes, mais de uma população se diz originária de um mesmo local e, deixando de lado também, os
processos de miscigenação. 172 Acreditamos que João Simões Lopes Neto era inspirado pela ideia de “homem novo” de Jean Jacques
Rousseau, expressa em sua obra Emílio ou da Educação, publicada em 1762. Essa obra revolucionou a
pedagogia e serviu de inspiração para várias teorias da educação do século XIX e XX. A ideia de que a
criança é boa em sua natureza, apta para aprender tudo, desde que bem instruída para que a sociedade não
a corrompa e a torne má, aparece, por exemplo, nas conferências de Simões Lopes Neto e é uma das ideias
chaves de Emílio. Pretendemos, nessa pesquisa, dedicar um capítulo as questões da educação no final do
século XIX e início do XX.
153
condições intelectuais, morais, físicas e cívicas. Mas, por que era necessário “reformar”
o povo? Essa questão, aparentemente simples, é bastante complexa. No final do século
XIX, o Brasil era recorrentemente descrito como uma imensa nação mestiça
(SCHWARCZ, 2003, p.165). Essa condição, do que chamavam de mistura de raças
heterogêneas, era considerada um erro e, por conseguinte, era considerada uma das causas
de nossa “degeneração”. Mas, o raciocínio não é tão simples quanto parece. A maioria
dessas ideias estavam “embasadas” em teorias científicas europeias.
Desde que Cuvier (1769-1832) interpretou os fósseis como registros de vida
passada, colocou uma espécie de dúvida no processo de criação cristão. Ou seja, os fósseis
revelavam, de certa forma, que éramos muito mais antigos que imaginávamos, ou pelo
mais antigos do que indicavam as Escrituras. Contudo, Cuvier não era um evolucionista
e discordava de Lamarck (1744-1829). Este foi o primeiro cientista a formular uma teoria
da evolução compreensiva e sistemática; para ele, “as espécies não poderiam ter surgido
na Criação e se mantido estáticas desde então, pois se isto ocorresse não sobreviveriam a
mudanças de meio. Como consequência, ele concluía que as espécies continuamente se
alteravam, apesar de muitas vezes manter sua aparência. ” (BARROS, 2003, p.10). Na
mesma linha de pensamento, Willian Smith (1769-1839), nas primeiras décadas do século
XIX descobriu que a Terra contém camadas que contam o passado, portanto, o estudo
dessas camadas poderia fornecer um cenário de tempos geológicos (BARROS, 2003,
p.10). Dessa forma, a crença na Criação Divina era posta em cheque e o mundo ficava
cada vez mais “científico”.
Contudo, foram as ideias de Darwin (1809-1832) que geraram maior impacto,
principalmente as da Teoria da Evolução por meio de Seleção Natural. Segundo ela, a
[..] pressão do meio sobre as espécies poderia ser um mecanismo eficiente para
selecionar o que pode sobreviver daquilo que não encontra os recursos
necessários para se perpetuar [...] a evolução não leva a uma espécie mais
desenvolvida, ela faz com que espécies se adaptem um mundo mutável não só
pela ação de fatores distantes, como pela própria presença de organismos que
agem constantemente no meio. (BARROS, 2003, p.11).
Não obstante, essas ideias chegaram ao Brasil, e o Darwinismo foi amplamente
“aceito”. Até mesmo o Imperador não era de todo contrário as ideias de Darwin, no
comando dos museus de ciências estavam simpatizantes dessas ideias, bem como as elites
católicas aceitavam o darwinismo como forma de manter a sua supremacia branca, pois
154
o problema racial estimulou o discurso evolucionista e levou a um movimento para
classificar as raças cientificamente (GLIK, 2003, p.23). Apesar disso, não levaram em
conta a ideia de que evolução não quer dizer uma espécie mais desenvolvida. Além do
mais, os supostos altos índices de miscigenação no país, o transformaram em um “grande
laboratório racial” (GLICK, 2003, p.24).
Dessa forma, a questão da mestiçagem e, por conseguinte, das raças se torna um
dos pontos mais discutidos no Brasil. O evolucionismo se mostrava, como vimos,
importante ferramenta para explicar nossa “degeneração” ou para tentar um
melhoramento. Ou seja, haviam os intelectuais que acreditavam que a mestiçagem
“degenerava” o brasileiro, como Nina Rodrigues (1862-1906), que ainda classificava os
“tipos” de mestiços, ou melhor dizendo, para ele quanto maior prevalência da raça branca
mais “regenerado” e superior era o indivíduo, ao contrário, quanto mais incidência de
negros – cuja presença considerava ser a maior desgraça do Brasil – tivesse o indivíduo
em seu cruzamento mais “degenerado” ele seria; além disso, Nina Rodrigues acreditava
que os mestiços, principalmente os “degenerados”, tinham propensão à criminalidade
(RODRIGUES, 1894, p.166).
Já para Sílvio Romero, a mestiçagem “não é apenas um processo racial, mas
também e, em larga medida, cultural, tornando possível uma cultura e uma identidade
especificamente brasileira” (SOUZA, 2002, p.21). Dessa maneira, o autor acreditava que
a mestiçagem também fazia parte do processo de seleção natural, por isso deveria
prevalecer as “raças puras”, ou seja, brancas e europeias que seriam as mais fortes e por
isso se sobressairiam nesse processo, transformando o brasileiro, ao longo do tempo, em
um mestiço bem caracterizado. José Veríssimo ia no mesmo caminho, além de incentivar
a migração europeia, principalmente a alemã, para melhorar o povo brasileiro. João
Simões Lopes Neto, como já dissemos, não via a mestiçagem como algo prejudicial, para
ele, a partir dela, poderíamos reunir o melhor de cada raça e fazer do brasileiro um ser
único no mundo. Para ele, o brasileiro seria o fruto da soma dos “bandeirantes lendários”,
com os índios (tamoios, potiguaras e guaranis adustos), e os “negros altivos de Palmares”
(LOPES NETO in ARRIADA; TAMBARA, 1998). Luís Augusto Fischer (2013, p.227)
nos estudos que complementam a edição de Terra Gaúcha chama a atenção para a audácia
do autor em proferir publicamente, em 1904, que queria a altivez dos negros rebeldes de
Palmares ao lado da força dos índios, pois o autor diz de peito aberto que queria essa
155
herança afro-brasileira, que de certa forma, ainda nos dias atuais é discriminada, imagine
num período recente de pós-abolição.
As condições climáticas e geográficas também são levadas em conta para
explicitar “indolência” do brasileiro, o clima era propício, sem adversidades da natureza.
Mas, da mão-de-obra era escrava, segundo João Simões, herdamos o desprezo pelo
trabalho braçal. Quanto à escravidão o autor pensava que:
[...] não temos do que nos envergonhar [...]. No começo do século passado,
admitia ainda a Inglaterra o tráfico humano, com o qual enriqueceu e cuja
supressão dificilmente conseguiu. [...] O Brasil não amou ou defendeu o
cativeiro: apenas o tolerava. Ultimado o triunfo da libertação, os novos homens
incorporaram-se à população em perfeito pé de igualdade173, a eles e aos seus
descendentes desvendaram-se os vastos horizontes abertos a todos os
habitantes do Brasil. (LOPES NETO, 2009, p.305)
Portanto, somados à ideia de mestiçagem estava ideia de que o meio influenciaria na
índole do brasileiro. Essa premissa também tem origem nas ideias evolucionistas,
lembremos que, segundo ela, somente sobrevivem as pressões do meio ambiente os seres
mais fortes, mais preparados.
Contudo, Barros (2003, p.13), alerta que a teoria de Darwin
[...], tem como pilar o tempo. A evolução por seleção natural atua em milhões
de anos, não em poucos milhares de anos. Ela introduz a história no mundo
biológico. Não a história das culturas ou a história do homem, mas uma história
que tem o tempo muito maior que o tempo da História. E esta história não pode
ter a dimensão antropocêntrica, pois, em última análise, a teoria da evolução
tira o homem de seu lugar privilegiado e dá a ele um veredito de
desaparecimento. [...]
Portanto, os intelectuais brasileiros não levavam em conta esta questão do tempo,
ou seja, as mudanças observadas pelos cientistas biológicos são demandas de milhões de
anos e não algo que aconteceria em alguns séculos, por exemplo. Dessa forma, o grande
equívoco era a apropriação de teorias biológicas para explicar fenômenos sociais, ou seja:
A extrapolação de ideias evolucionistas para o campo social, ou seja, a
utilização de ideias importadas do darwinismo para tempos históricos de
apenas alguns milhares e anos, fez surgir uma anomalia no pensamento
ocidental, o darwinismo social174, que se utilizando da ideia de evolução e
173 No entanto, como já dissemos, não houve nenhuma política de inserção do negro liberto na sociedade
brasileira, o que gerou uma população bastante pobre que manteve-se a margem da sociedade. 174 Grifo nosso.
156
seleção natural, aplicou-a a tempos históricos, associando evolução e
desenvolvimento e concluindo ser possível hierarquizar as raças, com a
conclusão de que o homem branco era superior, sob o aspecto biológico, aos
demais. (BARROS, 2003, p.13)
Foi exatamente o que aconteceu no Brasil, baseados em teorias biológicas as elites, da
qual saiam a maioria dos intelectuais, se firmavam como mais evoluídas e portando
portadoras de privilégios em relação as outras raças. Assim, práticas absurdas, como a
própria escravidão175, eram justificadas por superioridade ou inferioridade racial176.
Contudo, havia outro ponto que a evolução nos levava – o progresso. Dessa forma,
associavam evolução e progresso, num sentido de caminhar sempre para o melhor. Essa
crença que evolução e progresso era vista com muita simpatia pelos positivistas, que
assim como os darwinianos, excluíam o acaso como designo, ou seja, tudo o que acontece
na natureza são resultados de leis fixas (BAUMER, 1990, 101). Assim, se colocássemos
leis fixas para o melhoramento do povo, teríamos uma sociedade melhor, saindo de
estágio atrasado, alcançando enfim o estágio positivo da humanidade, como acreditava
Comte. Como já vimos, o positivismo foi uma importante doutrina que imperou no Brasil
e, sobretudo, no Rio Grande do Sul, onde se tornou bandeira política. A qual governou o
estado por vários anos.
Podemos afirmar de João Simões Lopes Neto tinha muito em mente essas ideias
de evolução e progresso. Para ele, a República estava fatalmente determinada, era uma
espécie de evolução histórica somada com circunstâncias políticas. Não obstante, ela não
era por si só suficiente para uma nova era de regeneração completa, pois haviam hábitos
antigos que estavam arraigados e, portanto, não se extirpariam instantaneamente. Dessa
maneira, todos os esforços deviam ser focados na regeneração do povo, pois era nele que
residia a força progressiva da nação, que produz civilização e progresso (LOPES NETO,
in ARRIADA;TAMBARA, 1998, p.319). Todavia, podemos dizer ainda, que João
Simões Lopes Neto também não quedou imune a influência do Mundo Romântico, como
denominou Baumer (1990). O historiador explica que o ponto mais importante do
pensamento romântico é que ele representava a própria nação como um grande indivíduo,
175 O próprio Darwin, em viagem ao Brasil, ficou impressionado com a escravidão (BARROS, 2003). 176 Apenas, como vimos, Manoel Bomfim não viu na mestiçagem ou em alguma doutrina biológica a causa
para nossos males e, sim, no parasitismo do colonizador, ou seja, em questões sociais e históricas. Não
entanto, graças à Sílvio Romero, A América Latina Males de Origem passou a ser um livro esquecido
empoeirado em algumas poucas estantes.
157
diferente, embora não antagônico das outras nações, ou seja, o individualismo romântico
expressava-se politicamente, especialmente, na figura da nação (BAUMER, 1990, p.46).
Em vista disto, a ideia era que cada país possui suas peculiaridades, bem como o seu
povo177, dessa maneira, precisávamos, a partir da exaltação de nossas peculiaridades,
exaltar igualmente o nosso povo, formando assim uma verdadeira nação. Para isso, o
Estado se apresentaria como um grande guia cultural, ou seja, a partir de sua instrução o
indivíduo podia desenvolver melhor as suas potencialidades na comunidade corporativa
(BAUMER, 1990, p.46).
Mas no Brasil, ainda não havia uma instrução pública essencialmente nacional,
que valorizasse a nossa história, cultura e tradição, pois éramos considerados um povo
ainda muito jovem. E enfraquecia a nossa raça, segundo João Simões Lopes Neto, uma
instrução pública sem o devido destaque do ideal pátrio, bem como, a influência do clima
(quente e úmido), a falta de higiene e a carência de exercícios físicos (LOPES NETO in
ARRIADA; TAMBARA, 1998, p.316). Portanto, segundo o autor, necessitávamos,
urgentemente, a adotar, manter e desenvolver uma campanha vivificadora de
nacionalização, de educarmos e fortificarmos o espírito, o sentimento pátrio, o amor da
tradição, o conhecimento e a consciência de nós mesmos (LOPES NETO in ARRIADA;
TAMBARA, 1998, p.317). Essa era uma missão do Estado como guia cultural.
Mas, João Simões Lopes Neto, visando colaborar com essa tarefa pátria, propôs
adaptar os livros de leitura a “realidade” brasileira. Em primeiro plano, focado nas
crianças, elaborou uma espécie de cartilha para o ensino da leitura, para ele, ler era uma
arte, por isso a chamou de Artinha de Leitura. Para facilitar esse aprendizado o autor
realizou uma espécie de reforma ortográfica. Essa cartilha escolar foi submetida ao
Conselho de Instrução Pública em 1908, no entanto, foi rejeitada por estar em desacordo
com o Regulamento da Instrução Pública no que diz respeito ao ensino. O desacordo
alegado pelo Conselho era justamente a tal reforma ortográfica que o autor propôs em sua
cartilha. Contudo, esse seria o primeiro livro, para aprender a ler e escrever, logo após,
nas séries iniciais, viria o segundo livro, para treinar essa leitura que, dividido em duas
partes, serviria como um protótipo do que deveria acontecer em todo o país.
177 De acordo com Baumer (1990, p.46), este pensamento é espécie de reação ao pensamento universalista
e generalizante do século XVIII. Compunham o rol dos pensadores românticos Herder (1744-1803) e Fichte
(1762-1814), para mais ver: BAUMER, Franklin L. O Pensamento Europeu Moderno. Vol. II. Séculos
XIX e XX. Lisboa: Edições 70, 1990.
158
Este era um livro para o ensino no Rio Grande do Sul, ele tem a sua primeira parte
focada nas tradições e costumes do estado e a segunda parte dedicada ao conhecimento
do restante do Brasil, “personificando” em cada criança que compõe a turma um Estado
brasileiro, chamados pelo mestre de “senhores estados”178. Visando diminuir as distâncias
impostas pela grande extensão territorial e gerar um sentimento mais unitário, de
identidade nacional, é que o autor criou o seu Terra Gaúcha. Tal livro é uma espécie de
diário de um menino, Maio, que conta desde como a nova escola foi fundada
(explicitando, nesta parte, todos os ideais de progresso e modernidade, no que diz respeito
ao ensino), suas férias na Estância (onde notamos a história do Estado, as tradições e
costumes do espaço) e sua vivência, depois das férias, na nova escola (onde vemos como
um ensino adequado pode ser positivo para a mocidade).
Cabe destacar que, segundo José Murilo de Carvalho (2013, p.24), entre os anos
de 1895 e 1898 foi adotado um método aplicado na Alemanha e elogiado no A Educação
Nacional (1890), de José Veríssimo, que consistia em fazer o aluno começar os estudos
pela localidade de sua escola e daí progressivamente chegar ao país. Para Veríssimo,
estudar a geografia era um elemento da educação nacional e um impulso para o
patriotismo. Ainda segundo Carvalho (2013, p.24), a partir de 1912, o método não foi
mais mencionado e é possível que tenda sido abandonado.
A partir do que vimos até aqui, podemos constatar que João Simões Lopes Neto
estava bastante embasado nesse método ao elaborar seu projeto pedagógico e, logo, seus
livros didáticos. Pois, partia da região para contemplar a nação179, como notamos no
exemplo de Terra Gaúcha: Histórias da Infância. Esta é uma interessante e complexa
forma narrativa elaborada pelo autor. A partir de suas criações características de tipos
sociais ele buscava gerar identificação nas crianças pois acreditava que eram as elas que
deveriam ter, já nos primeiros anos de escolaridade, um ensino cívico que inculcasse em
seus corações o amor pela pátria, porque as crianças seriam o futuro da nação. Portanto,
178 O autor criou uma interessante construção narrativa, na qual, na turma da escola do menino protagonista
do livro (Maio, o sul-rio-grandense) havia um menino de cada estado brasileiro. Chamados pelo Mestrinho
(professor) de “senhores estados” cada um deles tinha como atividade contar para os demais colegas
costumes, tradições, fatos históricos, glórias e “tristezas” de sua terra natal. Ao final do livro, caso ele
tivesse sido concluído e realmente utilizado para o ensino, a criança aprenderia sobre todos os estados
brasileiros, conheceria um pouco mais do Brasil, encurtaria as distâncias e geraria um sentimento de
pertencimento nacional, esse era o objetivo do autor, gerar pertencimento e unidade nacional. 179 É historicamente recorrente a tensão entre autonomia e integração envolvendo o Rio Grande do Sul e o
Brasil. “[...] A ênfase nas peculiaridades do estado e a simultânea afirmação do pertencimento dele ao Brasil
se constituiu num dos principais suportes da construção social da identidade gaúcha que é constantemente
atualizada, reposta e evocada. ”. (OLIVEN, 1992, p.47).
159
João Simões Lopes Neto criou seu menino Maio, um pequeno brasileiro que, assim como
as demais crianças brasileiras, sofria com a falta de um ensino adequado, até que foi
matriculado no novo colégio municipal de ensino laico e moderno fundado, não por acaso,
no dia 15 de novembro, data que marca a Proclamação da República, ou seja, a
proclamação de um novo tempo sob o signo de uma nova modernidade. Além disso, o
colégio é municipal, o que demonstra a preocupação do poder público em prover
educação para a população. No capítulo Tu Verás, canarinho! o menino expressa as
palavras do intendente municipal ao marcar a data de inauguração da escola:
Nisto olhei para o Intendente; foi justamente quando ele dizia, concluindo:
- Sim, meus senhores: a Pátria só é grande quando os seus filhos sabem
conhecê-la bem, amá-la muito e respeitá-la sempre! Sim, inauguremos o
Colégio Municipal. Marco o dia 15 de novembro! (LOPES NETO, 2013, p.15)
Mais adiante, em A Festa o menino conta como foi a festa cívica de inauguração
do colégio no dia 15 de novembro:
Houve muitos discursos; quatro bandas de música tocaram ao mesmo tempo o
hino nacional, e todos os assistentes logo se levantaram e deram muitos vivas,
e os meninos gritaram ‘Viva’; até eu [Maio] gritei, apesar de não saber pelo o
que era, só de entusiasmo, de ouvir a música do hino. No meio do ruído ouvia-
se mesmo muito bem a voz fina da meninada. Por fim, veio o melhor da festa:
uma farta distribuição de fitas, para as meninas, e de bandeirinhas, para os
rapazes; tudo das cores nacionais – de verde e amarelo – e tudo muito bem
feito e bonito.
[...]. Depois o povo foi saindo, sempre cheio de entusiasmo e satisfação,
abrindo alas à rapaziada. Quando já estavam na rua, minha mãe disse-me:
- Agora, meu filho, aproveita as férias: no dia 7 de janeiro, abre-se o Colégio,
e tu vens, tu virás!
- És o número um, já estás inscrito – acrescentou meu pai.
Eu fiz logo as minhas contas: de 15 de novembro a 7 de janeiro, vão umas sete
semanas, uns cinquenta dias de férias: tenho ainda muito tempo para brincar!
Muito tempo! Muito! (LOPES NETO, 2013, p.16-17)
No trecho acima, notamos que as crianças se entusiasmaram com a festa e com a
entoação do hino nacional, contudo, não sabiam porque gritavam “Viva! ”, ou seja, não
possuíam uma educação cívica de qualidade que lhes ensinasse o que significavam os
símbolos nacionais e a importância daquela data, todavia, já possuíam em seu íntimo o
entusiasmo pelas coisas nacionais, apesar de não terem o conhecimento adequado sobre
elas. No final do texto, conforme a citação, o menino sai de férias até que comece as aulas
em 7 de janeiro. É nessas férias que o menino vai para espaço e lá, na companhia de sua
família, de Juca Polvadeira (capataz da estância) e de Siá Mariana (uma agregada da
estância) é que ele conhece um pouco da história do Rio Grande do Sul, dos costumes e
das tradições do universo campeiro. Em Na Campanha o menino conta:
160
Logo no dia seguinte saímos da nossa casa da cidade para a campanha. Nós
temos uma estância chamada Tupanci, que na antiga língua guarani quer dizer
‘benção de Deus’180. A estância não é grande, mas mesmo assim contém
bastante gado vacum, ovelhas, muita cavalhada e... os meus petiços, que são
dois: um baio e um vermelho, especiais, duas belezinhas! Eu as vezes me
lembro e fico com pena de tantos meninos que não podem passar as férias
assim, fora, no espaço, nesta largueza, e são obrigados a ficar na cidade.
(LOPES NETO, 2013, p.17)
A partir daí o autor transcorre sobre a importância da família e a história do Rio
Grande do Sul aparece na sequência: A Sesmaria, Os Tapumes, O Primeiro Rancho, A
Tapera, A Estância, O Gaúcho e O “Monarca” e segue. Dessa forma, baseado na história
do Rio Grande do Sul, em seus costumes e tradições, João Simões Lopes Neto destaca a
terra do menino, a terra gaúcha, não num sentido de exaltação, pelo contrário, num sentido
de integração, demonstrando que cada região brasileira e suas especificidades fazem parte
da nação, essa ideia ficará mais clara na segunda parte do livro. Assim, o autor recorre a
história e aos mitos para criar um passado mítico, método comum no processo de criação
de identidades e da criação da nação. Neste sentido, vale destacar que Lévi-Strauss (apud
GAUER, 2011, p.34) afirma que a identidade é algo abstrato e sem existência real, no
entanto, é indispensável como ponto de referência.
Embora sejam entidades abstratas, as identidades - enquanto propriedades
distintivas que diferenciam e especificam grupos sociais - precisam ser
moldadas a partir de vivências cotidianas. Assim como a relação com os pais
nos primeiros anos de vida é determinante na construção da identidade
individual, as primeiras vivências e socializações culturais são cruciais para a
construção de identidades sociais, sejam elas étnicas, religiosas, regionais ou
nacionais. (OLIVEN, 1992, p.27)
Era exatamente assim, que acreditamos, pensava Simões Lopes Neto. Para ele
suas narrativas podiam auxiliar para que se gerasse uma identificação e logo uma ideia
de pertencimento à região, por conseguinte, à nação a qual ela faz parte. Essas referências
são apontadas pelo autor como importantes para a construção dessa identidade.
Na segunda parte do livro, O Estudo, No Colégio, o autor trata do menino na nova
escola, suas percepções, o que aprendia, a diferença entre a antiga escola onde só se
decorava conteúdos para a nova escola onde lhes era permitido a liberdade de
pensamentos, os coleguinhas (que eram uma criança de cada estado brasileiro) entre
outras coisas. Em Segundo Dia, o menino conta que:
180 De acordo com os editores do livro, a palavra Tupanci na verdade significa “mãe de Deus”.
161
Tudo o que nos cerca é para todos uma novidade. Pelas paredes, muito
esticado, um grande mapa geral do Brasil, destacando-se nele, com muita
clareza, a linha das fronteiras com os países vizinhos e as divisas dos Estados,
as serras, a costa, os grandes rios e as maiores cidades; quadros com as figuras
dos pesos e medidas do sistema métrico. (LOPES NETO, 2013, p.108)
Cabe enfatizar que, de acordo com Calhoun (2007, p.31) os mapas181 são uma
forma representação da nação e, os mapas modernos também refletem uma transformação
tanto da compreensão do mundo como da organização social do poder. Sendo assim, os
mapas são importantes representações das nações, neles podemos ver seus limites, sua
dimensão, os estados que compõem o país, enfim, e já citado pelo próprio menino, uma
infinidade de coisas que geram uma imagem da nação e, partir dela, o sentimento de saber
que se é de tal lugar. Dessa maneira, as crianças ao olharem os mapas, e se familiarizarem
com eles em seu cotidiano, internalizariam esta imagem da nação e com isso tudo o que
ela representa. Portanto, nos parece que João Simões Lopes Neto estava ciente dessa ideia
e a trouxe em seu livro de leitura.
Ademais o livro segue com uma série de temas, porém, uma das historinhas se
mostra muito interessante para a nossa pesquisa, chama-se Os Estados, na qual o leitor
fica sabendo que há uma criança de cada estado brasileiro na classe do menino Maio:
[...] O Mestrinho ficou entre nós, no mesmo lugar que tinha tomado. Na forma
do costume fomos logo encafuando os livros nas bolsas.
- Maio, qual é o teu Estado natal? – perguntou-me o Mestrinho.
- Rio Grande do Sul – respondi.
- Bem; mas aposto que não sabes onde nasceu teu amigo Aimbirê, nem o
Aimoré, nem o Alfredo, nem o Peri, o Carlos, e aquele... e aquele...e outro...
- Eu sou baiano – disse o Bento Alves.
- Eu nasci no Ceará – disse o outro.
- Paulista...
- Sou de Goiás...
-Sergipano.
-Sou mineiro, de Ouro Preto...
- Esperem lá, esperem lá, rapazes! – disse o Mestrinho. – Vamos num
movimento formar os Estados, por grupos dos respectivos filhos. Passem para
este lado os filhos de cada Estado, conforme eu for chamando. Amazonas!
Pará! Maranhão! Ceará! Rio Grande do Norte! Paraíba! Pernambuco! Alagoas!
Sergipe! Bahia! Piauí! Espírito Santo! Rio de Janeiro! Minas Gerais! Goiás!
Mato Grosso! S. Paulo! Paraná! Santa Catarina! Rio Grande do Sul! Do Acre
ainda não temos ninguém. Em idade, é a mais nova das divisões do Brasil, pois
foi criada em 1904.
[...] ‘Daqui em diante, nas suas datas memoráveis, cada Estado terá que contar
aos outros alguma coisa da sua vida, dos seus costumes, fatos da sua história,
181 Entre os anos de 1895 e 1898, quando José Veríssimo estava à frente do Ginásio Nacional, ele alterou o
método de ensino da Cartografia em seis programas de ensino, para ele, o conhecimento da Geografia
impulsionaria o patriotismo (CARVALHO, 2013, p.23-24).
162
das suas tristezas ou das suas glórias. Portanto, cada um de vocês que
representa aqui o seu Estado, por direito de nascimento, trate de pensar no que
acabo de dizer e prepare-se para dar conta do recado. E aquele que não souber
ao menos um sucesso da sua história, perde a minha [Mestrinho] estima – o
que é pouco mas dará uma triste nota de ingratidão, de egoísmo e até de
covardia para com o pedaço da terra abençoada, que viu nascer tão mau filho.
Valeu? Cada um se obriga? (LOPES NETO, 2013, p.119-120)
Concluímos com essa última citação que é chave do pensamento de Simões Lopes
Neto e de seu livro de leitura, pois nele está contido a ideia de pensar o Brasil a partir das
regiões. De pensar esse país de grandes dimensões por suas partes, em busca do todo
nacional, em busca de um sentimento nacional que fosse capaz proporcionar a ideia de
unidade nacional. Portanto, João Simões Lopes Neto estava preocupado com a
“regeneração” do povo brasileiro, que não considerava um bando de “degenerados”
geneticamente, como acreditam José Veríssimo e Sílvio Romero, apenas para citar os
autores que o influenciaram. Nesse sentido, se aproximava das ideias de Manoel Bomfim,
que acreditava que a causas de nossos males eram sociológicas e políticas e não
biológicas.
Cabe ainda levar em conta, a anomalia criada no pensamento brasileiro e latino-
americano pela apropriação de teorias biológicas para explicar fenômenos sociais, como
o que aconteceu com a ideia de Evolução por meio da Seleção Natural, resultando numa
espécie de Darwinismo social. Dessa maneira, podemos constatar que o autor estava a par
das principais ideias e dos principais intelectuais do Brasil, ou seja, era um homem de seu
tempo, percebendo as demandas, as questões e pensando sobre elas, imbuído então e,
também construtor, do que chamamos pensamento de época. Além disso, podemos
constatar também que o autor se muniu de intelectuais que discordavam entre si, por
vezes, declarados inimigos, contudo, como vimos, o autor se muniu de todos os pontos
que lhe interessavam para compor seu pensamento e sua tese. O que ele buscou foi se
munir desses prestigiados autores e tirar deles um ponto crucial para ele, a regeneração
do povo por meio da educação e da cultura, ideia da qual, todos os autores utilizados por
ele compartilhavam.
163
CAPÍTULO III
3.1 A EDUCAÇÃO SERIA O CAMINHO PARA A “REGENERAÇÃO” DO POVO
BRASILEIRO?
Como vimos no capítulo anterior desta pesquisa, no decorrer do século XIX e
início do XX, várias eram as correntes de pensamento que tratavam do brasileiro como
um ser “degenerado”, seja pelo clima tropical do país, seja por questões ditas raciais. Se
utilizavam de um dito cientificismo para justificar políticas de saneamento da população.
Na contramão desse pensamento, Manoel Bomfim acreditava que o motivo da nossa
“degeneração” seria sociológico, ou seja, advindo do parasitismo ibérico na colônia e que
este teria causado um profundo atraso em nossa nação. Do mesmo modo, várias também
eram as “receitas” para sanar esse “mal”. Houve os que acreditavam no cruzamento das
raças para o branqueamento progressivo da população, eliminando assim os traços de
“atraso” herdados dos negros e indígenas. Houve os que acreditaram que a instrução
poderia sanar os traços de indiferença cívica e ainda aperfeiçoar o ser.
É neste contexto de discussões que João Simões Lopes Neto está inserido pois,
como vimos, o autor demonstrou em suas conferências (1904-1906) possuir uma ampla
leitura de alguns dos principais críticos da falta de uma educação voltada para o civismo
e a moral do povo, bem como demostrou amplo conhecimento sobre as teorias
cientificistas, como a da Evolução das Espécies, em seu artigo Uma Trindade Científica
– Darwin, Haeckel e Lamarck (1913), embora, diferente de alguns intelectuais
contemporâneos não se utilizou dessas teorias de forma leviana para justificar políticas
raciais, que nos dias atuais seriam consideradas altamente preconceituosas, pelo
contrário, exaltava a miscigenação e acreditava que o brasileiro, por causa dela, era um
ser único no mundo. Ou seja, a mistura das raças nos denotava vantagem e não
degeneração. Além disso, vimos que o autor também foi influenciado pelas ideias de
Manoel Bomfim, de parasitismo ibérico na América Latina. Portanto, estava totalmente
inserido neste processo e acompanhou com atenção as discussões, além de, buscar
soluções, como veremos a seguir.
O fato é que a Educação do Brasil é uma questão ainda longe de estar bem
resolvida e, no final do século XIX e início do XX ainda estava em franco processo de
discussão de metodologias, formação de escolas e professores, enfim, ainda dando seus
164
primeiros passos. Apesar de a Instrução Pública já ser assunto nas Cortes Constituintes
da nação portuguesa (1821) que, por conseguinte, se estendia às colônias, “[...]. Os
problemas políticos eram mais urgentes e de maior projeção que os educacionais. ”
(FERNANDES, 2005, p.27), no que tangia o Brasil naquela época. A Independência
trouxe consigo promessas de que no futuro a Escola estaria entre as necessidades básicas
da população, contudo, “[...]. A verdade é que os séculos XIX e XX irão ser cobertos por
duzentos anos de um discurso teórico que nem sempre achou caminhos para a
concretização” (FERNANDES, 2005, p.31).
Inserido neste contexto de debates sobre a educação, sobre a instrução pública, é
que João Simões Lopes Neto escreveu suas conferências onde logrou tratar desses temas
e ainda explanar as suas ideias em relação a eles. Ademais, ousou elaborar e apresentar
um projeto cívico e pedagógico no qual seus livros Artinha de Leitura (2013) e Terra
Gaúcha: histórias da infância (2013)182 serviam de instrumento para o ensino. Portanto,
cabe agora observarmos esse contexto dos caminhos da instrução pública no Brasil –
fatos, debates e projetos – e constatar como o autor estava inserido nesses debates, de
quais ideias se aproxima e de quais se distancia.
3.1.1 A INSTRUÇÃO PÚBLICA NO BRASIL: PRIMEIROS PASSOS
Ponto crucial para começarmos nosso exame é a chegada da família real
portuguesa no Brasil. Esse fato inaugurou uma nova fase para a colônia e, no que tange a
Instrução Pública, foram criadas uma série de instituições de ensino como:
[...] as Escolas de Medicina do Rio de Janeiro e de Salvador (1808), surgidas
inicialmente, como cursos de Anatomia e Cirurgia; a Academia de Guardas da
Marinha (1808) e a Real Academia Militar (1810); a Academia de Artes criada
originalmente como ‘de Ciências, Artes e Ofícios’ e cursos esparsos de
Comércio, Desenho, Mineralogia e Agricultura. (VECHIA, 2005, p.81)
No entanto, como podemos constatar, houve uma ampliação do sistema de ensino voltado
para as elites. Essas, anteriormente, eram instruídas por professores particulares em suas
182 Cabe lembrar que ambos os livros não passaram do projeto, ficando Terra Gaúcha incompleto. Apesar
da boa vontade do autor, nenhum deles foi de fato impresso e utilizado pela instrução pública.
165
residências ou em instituições de ensino da Igreja. Por mais de duzentos anos, por
exemplo, os jesuítas mantiveram no Brasil um conjunto de escolas183 visando o ensino
dos jovens da elite com o objetivo de seguirem seus estudos em Coimbra ou universidades
na França (VECHIA, 2005, p.78). Outro avanço nesse período foi a expansão das
disciplinas ofertadas no ensino secundário e a abertura de escolas particulares dirigidas
por estrangeiros. Contudo, no diz respeito à instrução primária, que seria destinada à
população mais pobre não notamos nenhum avanço ou discussão. Não pelo menos até a
Constituição do Império, em 1824, que dedicou um artigo inteiro para tratar da educação.
A partir dela, a instrução primária passa a ser gratuita para todos os cidadãos.
Mas, quem era considerado cidadão por essa Constituição? Os escravizados não
eram considerados cidadãos e sim propriedade privada de seus donos. Nem mesmo eram
considerados brasileiros ou estrangeiros. De acordo com Carlos Cury (2005, p.21), tal
Constituição é muda no que se refere a população cativa, uma das hipóteses que o autor
levanta a esse respeito é a possível contradição entre as ideias liberais e a existência da
escravidão. Carlos Cury (2005, p.22), aponta ainda outro grupo silenciado pela
constituição: as mulheres184. Libertos também não eram considerados cidadãos. Portanto,
eram considerados cidadãos os homens brancos, detentores de algumas posses pois, sendo
o voto censitário, era preciso ter posses para votar. Podemos constatar então, que a
educação gratuita passa a ser um direito do cidadão brasileiro, contudo, quando se fala
em cidadão, pelo menos em tese, não estamos falando da população mais pobre e mais
carente por esse ensino primário.
Houveram avanços significativos, como a Lei de 15/10/1827 que pode ser
considerada uma espécie de primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que
regulamentava a instrução primária gratuita como um direito do cidadão e regulamentava
também salários, carreira, currículos e métodos de ensino em todo o Império (CURY,
2005, p.22). Houve também a descentralização de competências que, em 1834, passou às
Províncias a responsabilidade por garantir um ensino primário gratuito para todos os
183 Em 1759 o Marquês de Pombal expediu um Alvará que expulsava a Ordem dos Jesuítas de Portugal e
de seu reino, o que incluía o Brasil, dessa forma, os membros da ordem foram expulsos desse território o
que acarretou no fim do monopólio exercido por eles até aquele momento no que tange a educação das
elites. 184 Cidadania, por excelência, são o conjunto de direitos que permitem que as pessoas participem da vida
política de um país, neste sentido, votar, escolher um represente, é um dos pontos principais do exercício
da cidadania. Contudo, as mulheres só ganharam o direito de voto com a Constituição de 1934.
166
cidadãos. Sob responsabilidade do Império ficou o ensino superior, que nesta época era
um privilégio da elite. Essas elites realizavam seus estudos elementares em casa com
professores particulares ou em internatos. Sobre o ensino secundário, nenhuma lei
específica foi dedicada para ele, o que fez com que continuasse que esse tipo de ensino
configurasse uma série de aulas avulsas, denominadas naquele momento de aulas-régias,
que não possuíam um plano estruturado e encontravam-se espalhadas por várias
províncias (VECHIA, 2005, p.82). Além disso, podemos constatar dois pontos
importantes em relação à instrução: a liberdade de ensino e o ensino da doutrina católica,
religião oficial do Estado naquela época.
Com a descentralização da instrução pública, ela
[...] passou a ser, então, o reflexo da instabilidade política, da carência de
recursos nas províncias e suas especificidades. Em algumas províncias foram
criadas aulas avulsas, sem requisitos exigidos, e em outras passou-se a esboçar
tentativas de dar certa organicidade às aulas avulsas. Foram criados, então,
alguns liceus, instituições surgidas pela influência cultural e educacional que a
França exercia à época e voltadas a atendar à classe mais abastada da
população. [...]. (VECHIA, 2005, p.82)
Como vimos, a descentralização não se dava apenas no âmbito da instrução
pública e, os anos que se seguiram foram marcados por diversas movimentos separatistas,
principalmente após a abdicação do trono por D. Pedro I em 1831, durante o Período
Regencial. Esses movimentos ameaçavam a unidade da nação185.
Visando criar uma espécie de modelo, afim de padronizar o ensino, pelo menos
no que tangia o ensino secundário, foi criado em 1837 o Colégio Pedro II. Este deveria
servir de modelo tanto para as escolas públicas como para as escolas particulares. A
criação deste colégio também marca o início de um processo de sistematização do ensino
público.
Esforços, discursos e discussões acerca da Educação estavam acompanhado o
movimento de intensas transformações econômicas, sociais, culturais e políticas que
“sacudiram” a segunda metade do século XIX. Segundo Maria Cristina Gomes Machado
(2005, p.91)
185 Cabe lembrar que foi neste contexto de revoltas provinciais que ocorreu a Revolução Farroupilha (1835-
1845) no Rio Grande do Sul. Esse conflito entre republicanos e monarquistas durou dez anos, deixando a
Província gaúcha em situação bastante complicada. Importante dizer ainda, que a tendência republicana
não era uma unanimidade, ou melhor dizendo, era mais popular entre os proprietários rurais e menos
popular entre as classes que viviam no meio urbano, dessa forma, pode-se dizer que a Revolução
Farroupilha gerou uma espécie de guerra civil dentro da própria Província.
167
[...]. O desenvolvimento da grande indústria na Europa provocou uma
revolução nas forças produtivas do capital, bem como no mercado mundial,
acarretando um período de crises na sociedade capitalista colocando em
evidência as contradições imanentes dessa sociedade. Nesse contexto de
transformações, os países do novo mundo, inseridos no processo de produção
mundial, foram levados a transformarem-se de forma a se adequarem às novas
exigências do capitalismo que dava passos largos em direção ao imperialismo
e aos monopólios.
Nesse sentido, o Brasil precisava se adequar à nova “realidade” mundial, para isso, era
preciso se modernizar. Para tanto era preciso que a monarquia chegasse ao fim, o trabalho
escravo fosse abolido, a secularização da sociedade de modo geral – começando pela
separação do Estado e da Igreja –, incentivo à industrialização e a formação de mão-de-
obra específica para tal, além disso, era necessário que se criassem escolas para a
população mais pobre sob a tutela do Estado.
Importantes debates e propostas foram feitas neste período visando tratar da
instrução pública. Nessa perspectiva, destacam-se pelo menos dois: o Decreto de Leôncio
de Carvalho (Decreto n. 7.247 de 1879) e os Pareceres/Projeto de Rui Barbosa em relação
a esse decreto186, ou seja, as impressões da comissão na Assembleia Legislativa que tratou
deste decreto, a qual compunha Rui Barbosa. Ambos denunciavam a emergência de
investimento na educação por parte do governo brasileiro. Diferenciavam-se de outras
propostas anteriores tanto pelo conteúdo quanto pela forma (MACHADO, 2005, p.93).
Como falamos anteriormente, uma das condições básicas para o exercício da
cidadania era o voto. Portanto, a educação deveria estar relacionada com a formação do
cidadão-eleitor. Contudo, a quantidade de analfabetos demonstrava uma falha no sistema
de instrução pública, bem como um número muito grande de “cidadãos” que, por essa
condição, não possuíam condições de escolher seus representantes. Somado a esse
problema, a Abolição (1888), que já vinha sendo realizada de modo gradual, trouxe uma
nova realidade:
[...]. Desse modo, com a promulgação da Lei do ‘Ventre Livre’, em 1871, já
havia a preocupação com a educação dos filhos do trabalhador livre e pobre,
principalmente a educação dos filhos de escravos, também chamados de
‘ingênuos’. Esta Lei previa que os senhores de escravos deveriam se encarregar
186 O nome completo é: Pareceres/Projeto sobre a Educação: a “Reforma do Ensino Secundário e Superior”
– 1882, e “Reforma do Ensino Primário e várias Instituições Complementares da Instrução Pública” – 1883.
Para mais sobre o Decreto de Leôncio de Carvalho e os pareceres de Rui Barbosa ver: MACHADO, Maria
Cristina Gomes. O Decreto de Leôncio de Carvalho e os pareceres de Rui Barbosa em debate. A criação da
escola para o povo no Brasil no século XIX. IN: BASTOS, Maria Helena Camara; STEPHANOU, Maria
(Orgs.). Histórias e memórias da educação no Brasil. Vol. II: Século XIX. – Petrópolis, RJ: Vozes. 2005.
pp.91-103.
168
da educação dessas crianças. Entretanto, seu cumprimento não era uma tarefa
fácil. (MACHADO, 2005, p.93).
Tendo essa nova perspectiva em mente Leôncio de Carvalho, que era Ministro do
Império, propôs uma reforma na instrução pública. Para ele, a educação no Brasil deveria
ter caráter obrigatório, mas, para que os meninos mais pobres pudessem frequentar a
escola o Estado deveria lhes garantir vestuário, livros e tudo o que fosse necessário para
que pudessem concluir seus estudos. Além disso, Leôncio de Carvalho pregava a
liberdade de ensino, para ele essa era uma forma de incentivar a criação de novos
estabelecimentos de ensino. Pregava também a livre frequência e tornar o ensino religioso
obrigatório em facultativo. Podemos dizer que as ideias liberais dele geraram bastante
alvoroço em uma sociedade muito conservadora como a brasileira daquele momento. Ou
seja, as ideias de Leôncio de Carvalho podem ser observadas também
[...] como a defesa dos princípios liberais nos negócios brasileiros,
caracterizados por uma política ainda conservadora, e a preparação para uma
nova sociedade assentada na liberdade individual, na medida e que a
escravidão estava em vias de extinção. (MACHADO, 2005, p.95)
Muitas são as proposições de Leôncio de Carvalho, porém deve-se destacar algumas para
além das já citadas como: a coeducação de crianças de ambos os gêneros até dos dez anos,
a criação de jardins-de-infância, museus pedagógicos e bibliotecas, bem como, a criação
de cursos para a alfabetização de adultos. Além disso, observou que as escolas eram
escassas e a organização das mesmas se dava de forma precária, por isso pregava uma
legislação que uniformizasse o ensino.
Também preocupado com essas questões e analisando de forma minuciosa a
proposta de decreto de Leôncio de Carvalho, Rui Barbosa emitiu seus pareceres a respeito
dela. Neles ele destaca que “[...] cabia à Reforma repudiar tudo o que existia e reorganizar
totalmente o programa escolar, conformando-o com as exigências dos novos tempos. ”
(MACHADO, 2005, p.97). Para tal, era necessária a criação de um Ministério próprio
para a Instrução Pública, a ele caberia organizar e coordenar o sistema de ensino nacional.
Era preciso que o Estado investisse bastante capital na criação de escolas suficientes para
suprir as demandas, bem como, o Estado deveria ter total controle sobre a educação e
deveria também obrigar os pais a matricularem seus filhos nas escolas. Concordava com
Leôncio de Carvalho quanto à liberdade de ensino, contudo, para ele o Estado deveria
169
oferecer escolas que respeitassem as liberdades de crença. Defendia uma escola
secularizada, laica, onde o ensino religioso, ou catecismo como era chamado na época, o
qual, segundo ele, o professor era incompetente para oferecer, deveria ser eliminado dos
currículos. Notamos em Rui Barbosa, a ideia de total controle da educação por parte do
Estado. O qual deveria organizar, gerir e manter o sistema educacional nacional. Para Rui
Barbosa, a escola deveria ser obrigatória para crianças entre 7 e 14 anos, visando diminuir
os índices de analfabetismo.
Criticava os métodos de ensino baseado em decorar, por isso propôs a adoção do
método de ensino das Lições de Coisas. Cabe lembrar que João Simões Lopes Neto era
também um crítico ferrenho dos métodos que privilegiavam decorar. Em Terra Gaúcha
(p. 109, 2013) Maio conta que um colega havia descrito a escola que estudou antes de ir
para o Colégio Municipal, e constatou que o mesmo não estava mentindo pois, ele mesmo,
na escola anterior pode notar que no que tangia o estudo, o principal método era decorar.
Em sua Conferência Cívica de 1904, João Simões Lopes Neto critica as Escolas Primárias
que, segundo ele, priorizavam a “decoração”, o que não auxiliava, elucidava e completava
os estudos da história nacional. Esta para ele era malfeita e maldada e, por vezes, nem
existia. Dizia que ignorávamos nossa história enquanto sabíamos a alheia. Um dos
principais motivos para isso era o uso de compêndios baseados na educação jesuíta que,
segundo ele, era um apanhado de perguntas e respostas, sobrenomes de reis e etc. (LOPES
NETO, 2009, p.320).
Também estavam de acordo no que tange a ideia de o ensino ser gratuito,
obrigatório e laico187. Rui Barbosa propôs um novo currículo que versava sobre:
[...] O ensino de ciências físicas e naturais deveria ser iniciado no jardim-de-
infância, por meio da observação e da experimentação. Tratou ainda, sobre o
ensino da língua materna e gramática; de matemática elementar e da
taquimetria; da geografia e cosmografia; da história; dos rudimentos de
economia política; do ensino de cultura moral e cívica. Estes estariam
associados aos novos conteúdos, como desenho, ginástica, música, canto que
seriam ministrados de forma a desenvolver no aluno o gosto pelo estudo e sua
aplicação. O conteúdo escolar proposto girava em torno do ensino da ciência
187 Na Conferência Cívica de 1904, João Simões Lopes Neto menciona o relatório feito, segundo ele, pelo
eminente Rui Barbosa. No qual, segundo ele, diz: “[...] A cultura cívica, obrigatória hoje na escola
americana, na francesa, suíça, belga, alemã, italiana, não carece de maior justificação. Tereis instituído
realmente a educação popular, se a escola não derramar no seio do povo a substância das tradições
nacionais? Se não comunicar ao indivíduo os princípios da organização social que o envolve? Se não
imprimir no futuro cidadão ideia exata dos elementos que concorrem na vida orgânica do município, do
Estado? Se ao lhe influir o sentimento do seu valor e da sua responsabilidade como parcela integrante do
corpo nacional? – É isso – o que não temos. ” (LOPES NETO, 2009, p.319)
170
elementar, associado ao sentimento geral de amor à pátria e ao trabalho.
(MACHADO, 2005, p.99)
Ensino elementar associado aos conhecimentos cívicos que gerariam amor à pátria era
também uma das premissas de João Simões Lopes Neto, bem como, os novos conteúdos
expostos por Rui Barbosa, principalmente no que tangia o ensino de ginástica, ou
educação física. João Simões Lopes Neto também criticou ferozmente a instrução pública
no Brasil em 1904, para ele, ela jamais procurou ter uma função enérgica e decisiva na
integração nacional, ademais, o ensino de geografia era um amontoado de nomes,
principalmente europeus e o Brasil era quase ignorado (LOPES NETO, 2009, p.321).
Apesar de as ideias de Rui Barbosa corroborarem e, de certa forma, aprimorarem
as ideias expostas pelo Decreto de Leôncio de Carvalho, nenhuma delas foi posta em
prática efetivamente. Apesar de ambas tratarem de um novo sistema de ensino nacional,
modernizando-o e adaptando-o para um novo momento “realidade” brasileira em que a
escola deveria formar cidadãos úteis para a pátria, educados por um ensino que
equilibraria uma formação humanística e cientifica, nenhuma delas, de fato, saiu do papel.
Apenas pequenos pontos como a dispensa dos alunos não católicos das aulas de religião,
a coeducação de alunos de ambos os gêneros até os dez anos de idade, entre outras foram
postas em prática. O restante de todo um planejamento cuidadosamente feito, ficou no
papel. Por isso, que no início do século XX João Simões Lopes Neto ainda estava
pleiteando ideias semelhantes em suas conferências e em seu projeto cívico e pedagógico.
Portanto, o Período Imperial, mesmo pretendendo atender as novas demandas da
sociedade, apesar das muitas promessas, propostas e discussões, não mudou muito o
panorama da educação nacional. Somado a isso, como vimos, havia no final do século
XIX um pessimismo por parte da intelectualidade brasileira (Nina Rodrigues, Sílvio
Romero, Oliveira Viana, entre outros) em relação ao povo. Criticavam o atraso e a
inferioridade do brasileiro, ao mesmo tempo que salientavam a superioridade da “raça
branca” originária da Europa (ARRIADA; TAMBARA, 2009, p.279).
171
3.1.2 A PRIMEIRA REPÚBLICA E A GUINADA EM DIREÇÃO À FORMAÇÃO
DA PÁTRIA E DO CIDADÃO
Somente a partir da República, mais precisamente no início do século XX é que
começarão a surgir correntes mais nacionalistas que faziam apologia às “riquezas”
brasileiras. Nesse sentido, a educação como instrumento do nacionalismo188 ganha um
novo fôlego. É neste contexto que surge um dos livros que serviu de inspiração para João
Simões Lopes Neto: Porque Me Ufano de Meus País (1902) de Afonso Celso. Além
disso,
[...]. A República será confirmada pela Constituição de 1891 e a ela será dado
o formato federativo, representativo e presidencialista: o voto tornou-se mais
aberto com o fim do voto censitário e a imposição do letramento como
condição de votar e ser votado. Entretanto, a tradição advinda do Império e de
uma sociedade patriarcal não permitiu o exercício do voto pelas mulheres,
pelos clérigos reclusos e soldados rasos. (CURY, 2005, p.23).
Inspirada na Constituição Norte-Americana, a Constituição de 1891 colocou o
Brasil no panorama da tradição liberal de organização federativa e do individualismo
político e econômico. A Constituição dos Estados Unidos pode ser considerada mais
como um reforço para justificar e consolidar o individualismo que se reafirmava na
Primeira República brasileira do que uma inovação (RESENDE, 2003, p.93). Ademais,
o federalismo acabava com o estado centralizado do governo imperial, dando mais
poderes aos estados e municípios, nesse sentido, as elites locais ganham poder e força. A
Constituição de 1891 deu certa autonomia para os estados recém-criados.
[...] Na República, governadores e presidentes, conforme denominado na
respectiva constituição de cada estado, são eleitos e detêm enorme soma de
poder que lhes advêm do próprio texto constitucional. Eles dirigem e
controlam a política do estado a partir de poderosas máquinas partidárias
estaduais. [...] (RESENDE, 2003, p.95)
O Partido Republicano Rio-Grandense caracterizou uma dessas poderosas máquinas
partidárias estaduais, das quais nos fala Resende (2003). O Rio Grande do Sul configurou
188 De acordo com Eduardo Arriada e Elomar Tambara (2009, p.279) o nacionalismo entra definitivamente
no cotidiano do país a partir de 1915 quando Olavo Bilac (1865-1918) prega a obrigatoriedade do serviço
militar, sendo este considerado por ele uma escola de civismo capaz de resolver os problemas nacionais.
No ano de 1916 criou a Liga de Defesa Nacional. No entanto, cabe destacar que 1916 marca o ano da morte
de João Simões Lopes Neto, portanto, o mesmo não chegou a presenciar o nacionalismo de fato no cotidiano
dos brasileiros a partir das ações de Bilac.
172
um caso ímpar na história do Brasil. Fortemente influenciado pelo positivismo189 o estado
viveu, a seu modo, é claro, a ditadura republicana prescrita pelo positivismo de Comte. A
modernidade se apresentava como via para o progresso tão sonhado,
[...]. Portanto, a modernização que significou a pratica da modernidade em
termos sulinos, implicou no traçado de políticas públicas que demonstraram as
convicções da nova elite dirigente, centradas na busca de uma racionalização
que transformou o Estado gaúcho em importante agente social, político e
cultural, à época. (CORSETTI, 2005, p.203).
Acompanhando o processo de descentralização do Estado brasileiro, o ensino primário
passou a ser competência dos Estados e o ensino secundário e superior competências
concorrentes entre a União e os Estados, contudo, a União manteve a sua tradição de
prezar pelo ensino superior (CURY, 2005, p.24). Além disso, a gratuidade, bem como a
obrigatoriedade do ensino perderam seus status de obrigação na Constituição de 1891,
ficando a cargo dos Estados.
Dessa forma, o ensino primário se mostrava como importante estratégia política e
intelectual dos Estados, além de apresentar-se também como via para a formação do
cidadão. Baseado nas ideias de Comte, o Partido Republicano Rio-Grandense estabeleceu
um projeto de modernização da sociedade gaúcha, visando solucionar os problemas do
Estado.
A partir dos pressupostos comtianos, foi proposta a construção de uma
sociedade racional, distinta da anterior, na qual o controle dos trabalhadores
requeria a utilização sistemática da educação moral e da prática do trabalho
regular. O esforço educacional era, assim, indispensável à nova ordem. Neste
contexto, a ciência, a educação e a moral se transformaram em poderosos
instrumentos de controle social e de veiculação ideológica, de tal forma que
fosse garantida a reorientação da sociedade, neutralizando os conflitos e
mantendo a estabilidade social, tudo em nome do bem comum. (CORSETTI,
2005, p.204)
Portanto, a educação se mostrava como uma importante via de moralização da
sociedade para sanar conflitos, reorientar e controlar a sociedade. Era preciso um novo
189 A doutrina Positivista de Augusto Comte estabeleceu forte influência na política brasileira de modo
geral no final do século XIX e início do XX, contudo, no Rio Grande do Sul ela se estabeleceu como
“política de estado”, obviamente, adaptada para satisfazer os interesses da elite governante. Ademais, cabe
destacar que foi através das instituições de ensino que o positivismo garantiu maior penetração no Brasil.
De acordo com Elomar Tambara (2005, p.170), foi nas instituições de ensino que as ideias positivistas
ganharam maior ressonância, a possível causa para tal, seria um processo de reação ao tipo de educação
predominante, com características positivistas, das quais os positivistas sempre tentaram marcar suas
diferenças.
173
modo de educar uma nova sociedade, essa era uma demanda dos novos tempos, a
educação de homens livres e considerados iguais. Logo, era necessária “[...] uma
educação física, intelectual e moral da mocidade, com a finalidade de possibilitar ao
espírito todas as noções necessárias para garantir a ordem, se colocou como central para
que todos os homens tivessem consciência de seu papel social [...]” (CORSETTI, 2005,
p.204).
Era necessário formar cidadãos pois, estamos falando de uma nova construção da
pátria a partir de uma visão republicana, fortemente influenciada pela ideia republicana
da Revolução Francesa, bem como pelos ideais positivistas. Desse modo, de acordo com
Marcel Mauss (2017, p.79),
[...] A noção de pátria simboliza o total dos deveres que tem os cidadãos
perante a nação e seu solo. A noção de cidadão simboliza da totalidade dos
direitos (civis e políticos, evidentemente) que tem o membro dessa nação em
correlação com os deveres que nela deve cumprir. [...] pátria e cidadão não
passam, no fundo, de uma mesma instituição, de uma mesma e única
instituição, de uma mesma e única regra de moral prática e ideal e, na realidade,
de um mesmo e único fato capital, que dá à república moderna a sua
originalidade e toda a sua novidade, assim como sua dignidade moral
incomparável.
João Simões Lopes Neto190 também estava alinhado com essas ideias, presava pela
formação de um cidadão consciente de si e, ainda, consciente de seu papel cívico para
com a nação. Em Terra Gaúcha (2013), no texto intitulado Aviso, o pai de Maio o explica
sobre a missão do Mestrinho (diretor do Colégio), revelando também a missão do Colégio
Municipal191 em relação a formação dos meninos em cidadãos:
- Olha, Maio, o Mestrinho tem uma nobre ambição: ele quer e se esforçará para
que todos os meninos de hoje e os que vão crescendo daqui para adiante vão
aprendendo a ser brasileses192, e ter confiança e orgulho e amor a sua pátria,
para quando forem moços feitos, serem cidadãos úteis, capazes de servir ao
progresso, à grandeza e a glória do Brasil! (LOPES NETO, 2013, p.153)
Mas, para que os meninos se tornassem brasileses, ou brasileiros, era necessário aliar uma
educação moral e cívica com uma educação física, era necessário corpos e mentes sãs
190 Vale lembrar que João Simões Lopes Neto era um republicano, inclusive, filiado ao Partido
Republicano Rio-Grandense 191 Aqui mais uma vez João Simões Lopes Neto se mostra alinhado com a realidade brasileira, onde o ensino
primário era de responsabilidade dos estados e municípios. 192 Brasilês é como o autor se refere ao brasileiro, ou as coisas brasileiras.
174
para colaborar com o progresso e a grandeza da pátria. Neste sentido, o autor também
concordava com essa afirmação, em sua Conferência Cívica de 1904, destacava a
importância de se aliar uma educação intelectual e uma educação física. Para ele, a
primeira servia para preparar um espírito culto e bom, já a segunda servia para formar um
corpo robusto e são e, ambas aliadas, forneceriam o necessário para formar um homem
culto, bom, instruído e forte (LOPES NETO, 2009, p.322). Para dar mais credibilidade
ao que expõe, citou os exemplos da Alemanha onde, segundo ele, a educação física se
confundia com patriotismo, da Suíça onde eram realizadas grandes festas nacionais e da
Inglaterra que configurava o povo mais forte que havia naquele momento e, não por
acaso, haviam conquistado o mundo. O autor ainda diz que a mocidade brasileira era
muito fraca, com ar envelhecido, e que os jovens deveriam ser o que são jovens (LOPES
NETO, 2009, p.322).
Em seu livro Terra Gaúcha (2003), criou Schultz, personagem que alinha as
características citadas por ele nas Conferências. Schultz era um alemão professor de
educação física, que sempre expõe aos meninos do Colégio Municipal a importância de
se ter um corpo e mente sãos e, não raras vezes dá exemplo de como as coisas são na sua
terra. Inclusive, há em Terra Gaúcha (2013), um texto intitulado Na Minha Terra,
senhor...!, no qual o professor Schultz aproveita a ocasião da chuva, e da impossibilidade
de fazer exercícios ao ar livre para contar aos meninos que na sua terra, ou seja, na
Alemanha há muitas coisas ruins, mas há também muitas coisas a se elogiar, como o fato
de todos saberem entoar o hino da pátria, bem como canções patrióticas, que os meninos
desde cedo treinam o tiro em clubes de tiro e assim chegam preparados ao serviço militar,
que os torna fortes e aguerridos para defender a sua pátria (LOPES NETO, 2013, p.156-
157).
Podemos notar que João Simões Lopes Neto estava atento as demandas de sua
época e que suas ideias se alinhavam com o projeto de educação proposto pelo PRR, que
por sua vez, estava articulado com um projeto nacional republicano. Segundo Corsetti
(2005, p.205), a ação do governo gaúcho se dava no âmbito de utilizar a educação como
instrumento da política de modernização do Estado. Corsetti (2005, p.206), aponta ainda
nove pontos de intervenção do Estado, dos quais destacamos cinco: a expansão do ensino
público primário, como ação fundamental do Estado; nacionalização do ensino,
especialmente nas regiões coloniais; centralização administrativa e uniformização da
pedagogia; controle pleno do ensino público e liberdade à iniciativa privada e a utilização
175
da escola pública para a formação da mentalidade adequada ao processo de modernização
conservadora promovido pelo estado.
Dessa forma, notamos que havia bem claro um ideal a se seguir no que se referia
a educação. No que tange as regiões coloniais, João Simões Lopes Neto em sua
Conferência Cívica de 1904 (2009, p.316), já alertava para o perigo de não intervir com
uma educação nacional nestas áreas pois, a concentração de imigrantes poderia gerar um
sentimento de pequenas pátrias em tais locais, ou seja, pequenas Alemanha e Itália em
solo brasileiro, levando em conta a maioria dos imigrantes que vierem para o Rio Grande
do Sul naquele momento, o autor alertava ainda que estes eram povos mais fortes e
disciplinados, sobretudo, os alemães. Para que isso não ocorresse e para que os brasileiros
tivessem maior consciência de si, era preciso que todo um processo de “ritual à pátria”
fosse criado. De acordo com Corsetti (2005, p.207), foram utilizados instrumentos e
desenvolvida uma ação no sentido de conquistar o imaginário social. Neste sentido, os
mitos de origem e heróis nacionais entraram em cena, bem como os rituais, ou melhor
dizendo, as festas cívicas e comemorações de feriados nacionais, além da adoração dos
símbolos pátrios, como a bandeira, hino e a língua materna.
Segundo Marcel Mauss (2017, p.59), uma nação procura tomar consciência de si
mesma por meio de ritos, festas e manifestar-se perante o poder do Estado. Dessa forma,
o que estava em jogo era a criação de todo um imaginário social de uma origem comum
e de objetivos comuns enquanto seres de uma mesma nação. Era necessário que se criasse
uma visão comum capaz de eliminar toda e qualquer diferença, neste sentido, o ensino da
História e da Geografia pátria se tornavam mais um instrumento para a criação da
consciência nacional nas escolas públicas.
De acordo com Tânia de Lucca (1999, p.86), no que tange a Geografia a vastidão
do território alicerçou o ufanismo em seus diferentes matizes, ou seja, o Brasil era
representado como um grande país e, apesar da grande extensão territorial
configurávamos uma única nação, com uma única nacionalidade, deixando quaisquer
diferenças alheias à essa configuração193. Além disso, o Brasil era representado como
uma terra abençoada, de natureza exuberante, considerada uma dádiva divina. No que
tange a História, era preciso representar o Brasil como uma nação jovem, ou seja,
193 Obviamente essa configuração não retratava a realidade de múltiplas diferenças que havia e ainda há no
Brasil.
176
diferente das nações europeias que possuíam séculos de história, o Brasil era uma nação
ainda jovem, com um futuro promissor. O futuro, neste sentido, se colocava como um
horizonte a se perseguir. Por isso, a ideia era deixar para trás o passado no qual fomos
uma colônia portuguesa, e começarmos pelo o que seria o nosso “início” enquanto nação:
a Independência. Adotar a Independência como ponto de partida nos “livrava” de toda
uma história de exploração, bem como das atrocidades cometidas aos povos indígenas e
a abolição da escravidão nos redimia igualmente de tamanha crueldade. A República
neste contexto se mostrava como o início de um período promissor de progresso e glória.
Portanto, devia-se privilegiar os fatos de nossa história que nos impulsionasse para um
futuro glorioso de união e prosperidade e deixar para trás o que nos separava e nos
“diminuía”.
Assim, tradição e progresso travavam uma “disputa” e, por vezes sobressaía-se
um, por vezes o outro. Era preciso progredir, mas não podia-se esquecer nossos grandes
feitos, fatos e homens, neste sentido a tradição tinha um importante papel no caminho
para o progresso. Era preciso criar uma tradição que fosse capaz de tocar todas as pessoas,
das mais simples a mais requintadas, dos jovens aos idosos, homens e mulheres, enfim,
toda a nação. Segundo Hobsbawm (2012, p.12)
Por ‘tradição inventada’ entende-se um conjunto de práticas, normalmente
reguladas por regras tácitas ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza
ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento
através da repetição, o que implica, automaticamente, uma continuidade em
relação ao passado. Aliás, sempre que possível, tenta-se estabelecer
continuidade com um passado histórico apropriado.
Portanto, era preciso que a História e a Geografia, aliadas ao ensino das massas
criassem essa “ponte” entre o “passado histórico apropriado” e o presente, para dar
sentido e orientação para o “futuro glorioso” que estaria no nosso horizonte. Assim, a
História da pátria deveria seguir as sugestões de Von Martius (1794-1868) em Como se
deve escrever a história do Brasil (1845)194, sobretudo, aquela que compreende a
grandeza do território e trata das regiões e suas peculiaridades como formadoras da
nacionalidade, ou melhor dizendo, o Brasil era uma federação de províncias. Essas
províncias ganharam ainda mais autonomia e poder com a descentralização do Estado
brasileiro desde a Independência e reforçada no período republicano.
194 Conforme já citado no segundo capítulo desta pesquisa.
177
Nos primeiros anos da Republica, período do qual trata essa pesquisa, os
confrontos e conflitos regionais se aguçaram, houve a emergência das oligarquias
regionais e os temas referentes à nação e a cidadania ficaram um pouco de lado, além do
mais, o Liberalismo adotado como política no Brasil, embora contraditório, era bastante
conservador (RESENDE, 2003, 98). Da mesma forma, em que o tão sonhado progresso
proferido pelo PRR, também seguia uma máxima conservadora de “ordem para o
progresso”, mantendo assim os privilégios das elites locais ao mesmo tempo que buscava
mudanças sociais.
Dessa forma, era preciso alinhar as províncias com um único ideal que seria a
união nacional, ou seja, a unidade que reconhecesse as peculiaridades regionais como
pontos positivos e ao mesmo tempo exaltasse que, independente da região, todos somos
brasileiros e, o “bem da nação”, o “bem comum”, deveria estar em primeiro lugar. Era
preciso ressaltar como cada uma dessas regiões contribuiu para a formação nacional, seja
ela geográfica (defendendo as fronteiras, por exemplo), histórica e/ou cultural. Essa era
também uma forma de tentar aliviar as tensões regionais, e ao mesmo tempo educar o
povo para um novo pensamento de unidade nacional a partir das peculiaridades regionais.
Logo, o ensino público seguiu essas tendências mais ufanistas e cívicas e, no Rio
Grande do Sul,
A síntese concretizada entre controle e ufanismo na educação pública rio-
grandense, com a finalidade de adequar a escola pública ao projeto de
desenvolvimento capitalista do Estado gaúcho esteve presente [...]. Foram
ingredientes fortes e contraditórios, que evidenciaram o processo complexo em
que esteve inserida a escola pública rio-grandense.
O controle disciplinar imposto aos alunos e as regras a que estava submetida a
atividade dos professores demonstrou o quanto o princípio da ordem foi levado
às últimas consequências nas escolas públicas do Rio Grande e em todo o
sistema escolar. (CORSETTI, 2005, p.215).
Traçado esse breve panorama sobre o ensino público no Brasil e, sobretudo, no Rio
Grande do Sul, podemos constatar que a educação sempre foi vista e, na República, de
forma mais enfática, como um “meio de controle das massas”, ou melhor dizendo, o
ensino público se colocava como um instrumento de dominação, o que não quer dizer que
as ideias e métodos de ensino foram aceitos sem resistência. A escola pública deveria
ditar as formas de moldar a sociedade mental e fisicamente. Como foi dito, era preciso
mentes e corpos são para se colocar a serviço da grandeza da pátria. Neste sentido, as
escolas técnicas preparavam mão de obra eficientes e preparadas para a nova indústria
178
que representava o que havia de mais moderno, colocando o Brasil no eixo capitalista e
dando passos em direção ao “futuro brilhante”. Com as mentes iluminadas pelo
conhecimento de nossa língua, nossos poetas e escritores, bem como nossa história e
geografia pátrias, o sentimento de orgulho nacional, de civismo, de ufanismo, brotaria na
juventude que, com o corpo igualmente são, aproveitando os benefícios de uma educação
física, estaria preparado para qualquer o trabalho e, por ventura, também para a vida
militar.
Para finalizar essa análise, cabe levarmos em consideração o que expõe Corsetti
(2005) sobre a instrução pública no Rio Grande do Sul no período que nos dedicamos a
analisar. Para a autora, houve um avanço com a expansão do ensino e a diminuição do
analfabetismo, representando a face progressista da ação republicana, contudo, ao mesmo
tempo, a autora verifica uma negação deste avanço, que seria representado pelo conteúdo
da política e da organização educacionais, que fizeram da escola pública um instrumento
importante do projeto conservador modernizante, que, segundo a autora, era elitista e
excludente (CORSETTI, 2005, p.216). Logo, podemos notar a tensão entre a
modernidade (num sentido de modernizar, de tornar moderno) e a tradição conservadora
pois, se por um lado o governo do PRR avançou expandindo a escola pública e
diminuindo os níveis de analfabetismo, por outro lado o ensino público era utilizado como
ferramenta política para “dominar” a população e manter os privilégios da elite local,
dessa forma, pôs em prática o que Corsetti (2005, p.216) chamou de projeto conservador
modernizante.
3.2 O PROJETO CÍVICO E PEDAGOGICO MANIFESTADO EM SEU ÂMAGO
João Simões Lopes Neto acompanhou as discussões a respeito da instrução
pública, como as propostas de reforma e, inclusive, como vimos, emitiu sua opinião sobre
os pareceres de Rui Barbosa. O autor, de certa forma, dedicou-se a acompanhar o tema,
mas, não se contentou em apenas observar e emitir uma ou outra opinião, quis ele também
colaborar com a instrução pública de seu país e, inserido na perspectiva das regiões como
formadoras da nação, como sugeriu Von Martius, partiu do Rio Grande do Sul para
contemplar o Brasil.
179
Neste sentido elaborou uma série de ações que alguns estudiosos195 costumam
chamar de projeto cívico e pedagógico, ou apenas projeto pedagógico. Esse projeto o teria
levado a elaboração de seus livros didáticos, que seriam, de alguma forma, o projeto posto
em prática. Lígia Chiappini (1988, p.98), expõe que o projeto era
[...] consciente e explícito, bastante integrado nos ideais da intelectualidade
brasileira do início do século, no qual é possível perceber certa especificidade.
Trata-se de pescar indícios, sobretudo nas conferências e discursos, nos seus
artigos de jornal, e na sua tentativa de História do Rio Grande do Sul: Terra
Gaúcha196.
Conforme pudemos constatar no capítulo anterior, João Simões Lopes estava de fato
integrado ao pensamento da intelectualidade brasileira, sendo ele próprio um intelectual.
O que Lígia Chiappini chama de “indícios” para compreender o projeto cívico e
pedagógico, compreendemos como parte desse projeto. Suas conferências e discursos são
uma espécie de ponto estratégico de divulgação do projeto, uma espécie de introdução às
suas ideias acerca do tema.
Cabe, antes de mais nada, dizermos que essa designação de projeto cívico e
pedagógico não foi algo explicitado pelo autor, ou seja, foram os estudiosos que ao
examinarem uma série de documentos e ações os denominaram assim. O que não quer
dizer que o autor não tenha elaborado uma linha de ação que ia desde o diagnóstico do
problema – a falta de uma educação voltada para o civismo –, até a solução do mesmo,
que passaria por seus livros didáticos, somados a uma “nova escola” laica, moderna e
higienizada proporcionada pela República.
Analisando essas ações e elaborações do autor, podemos ter ideia do que estava
propondo. Já vimos que o autor estava atendo aos debates, reformas, novos métodos e
ideologias acerca da educação nacional. Também possuía todo um tino literário para criar
seus livros didáticos, o que os torna por demais interessantes. Entre essas ações,
elencamos as que acreditamos serem mais expressivas e fundamentais para a
compreensão dessa pesquisa: as Conferências Educação Cívica de 1904 e 1906, que para
nós representam uma espécie de “carta aberta” de intenções do autor nos diz respeito a
195 CHIAPPINI (1998), ARRIADA; TAMBARA (2009), PEREIRA (2008) e FSICHER (2013), entre
outros. 196 Cabe salientar que Lígia Chiappini ao referir-se ao Terra Gaúcha, está se referindo a um outro livro que
acreditava-se ser o Terra Gaúcha publicado em 1955 (Terra Gaúcha: História Elementar do Rio Grande
do Sul), contudo, o “verdadeiro” Terra Gaúcha só foi publicado em 2013.
180
suas ideias e como proceder para melhorarmos a nação a partir de uma educação cívica,
nativista. E seus livros didáticos – Artinha de Leitura e Terra Gaúcha, ambos publicados
em 2013. Obviamente, temos a dimensão de que o autor proferiu discursos, elaborou
festas cívicas como a Semana Centenária de Pelotas (1912) e participou de entidades
chamadas em sua época de nativistas, como a União Gaúcha e os clubes de tiro que
poderiam, de alguma forma corroborar com seu projeto cívico e pedagógico. Não
obstante, essas referências podem aparecer ao longo da pesquisa, mas acreditamos que
analisar as conferências e seus livros didáticos já nos dão da dimensão que precisamos
para expor o problema que visamos resolver.
3.2.1 AS CONFERÊNCIAS EDUCAÇÃO CÍVICA (1904-1906) – APRESENTAÇÃO
DE UM LIVRO OU UM MEIO DE DIVULGAR IDEIAS
As conferências Educação Cívica de João Simões Lopes Neto foram amplamente
citadas ao longo desta pesquisa, e não podia ser diferente, acreditamos que nelas estão
explicitas as principais ideias do autor em relação ao que pensava e projetava para a
educação nacional, uma espécie de embrião do que expressaria em seus livros didáticos.
Por isso, as tratamos como uma espécie de “marco zero” do projeto cívico e pedagógico
e tinham como fim, além de criticar a falta de ensino cívico, nacionalista, apresentar seu
livro de leitura: Terra Gaúcha.
Para começarmos, vale dizer que ambas não são iguais. A conferência de 1904
baseia-se muito mais no plano nacional e está amplamente inspirada em dois livros que,
segundo o autor, “[...] todo o brasileiro devia conhecer e estimar” (LOPES NETO, 2009,
p.295), que são Educação Nacional (1890) de José Veríssimo e Porque me ufano de meus
país (1900) de Afonso Celso197. Ela versa especialmente sobre o problema da falta de
uma educação cívica no Brasil e as principais causas que nos levaram à essa situação,
além de apresentar, de certa forma, seu livro de leitura, o Terra Gaúcha (2013). Foi
197 Como vimos no capítulo anterior, João Simões Lopes Neto cita indiscriminadamente tais autores para
legitimar suas ideias. Sabemos que ambos autores não possuíam a mesma linha de pensamento, mas, como
pudemos observar João Simões Lopes Neto “extraia” deles somente o que lhe interessa afim de dar suporte
as suas ideias.
181
proferida na Biblioteca Pública Pelotense e publicada nos anais da instituição do ano de
1905198.
Já a segunda conferência, de 1906, ultrapassou salão daquela instituição de sua
cidade natal e pôde ser apreciada pelo público de Bagé, São Gabriel, Santa Maria, Rio
Grande e Porto Alegre, nesta última contou com a presença do “presidente do Estado”,
Borges de Medeiros. A mesma ganhou uma publicação financiada pelas instituições199
dessas cidades para distribuição gratuita, reforçando a noção de que as conferências
representavam uma importante forma de divulgação de ideias para um público bastante
amplo. Nesta edição, o autor está um pouco mais focado no Rio Grande do Sul,
reforçando a ideia de que entre uma conferência e outra ele andou pelo Estado para se
inteirar acerca da real situação da educação por aqui. Contudo, a influência de uma nova
referência também não passa desapercebida: América Latina: Males de origem (1905) de
Manoel Bomfim, alarga o pensamento do autor para a América Latina, além de colocar a
questão nacional num ponto de vista mais sociológico do que biológico.
Diferenças à parte, ambas se dedicaram a demonstrar ao público ouvinte/leitor200
os problemas de nossa falta de uma educação nacional, suas causas e possíveis modos de
saná-las201. Portanto, lemos em ambas que é preciso reconhecer nossos vícios e virtudes,
sanando o primeiro e encorajando o segundo. Diz o autor:
Nacionais e estrangeiros que tem se ocupado de nós, estão todos de acordo em
reconhecer como a nota dominante do nosso caráter, a indiferença, o
desanimo, a passividade202.
Paciência! Amanhã – são palavras classicamente nossas. Temos patente
inclinação ou para tudo adiar ou tudo fazer de afogadilho.
Dizer-nos a nós mesmos os nossos vícios e defeitos é um passo para corrigi-
los. O exame de consciência – independente da confissão – é, para os
indivíduos como para os povos, um salutar recurso moral.
198 Não obtivemos acesso a esses anais, mesmo apresentando o projeto de pesquisa para Biblioteca Pública
Pelotense. A instituição alegou que as informações contidas nos anais são as mesmas publicadas nas
conferências de 1906, mesmo alegando que não eram as mesmas informações, não nos foi permitido o
exame do material. Por isso, durante toda a pesquisa nos utilizamos da transcrição de Arriada e Tambara:
ARRIADA, Eduardo; TAMBARA, Elomar. Civismo e Educação na Primeira República - João Simões
Lopes Neto. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel. Pelotas, v.13, n.27, pp.279-292, Jan/Abr 2009.
Disponível em: <http/fae.ufpel.edu/asphe>. Acesso: 12 de abril de 2014.
199 A publicação impressa foi uma realização conjunta da Biblioteca Pública Pelotas e União Gaúcha de
Pelotas, do Centro Gaúcho de Bagé, da União Caixeral de São Gabriel, do Clube Caixeral de Santa Maria
e do Grêmio Gaúcho, do Clube Caixeral ambos de Porto Alegre e do Clube Caixeral de Rio Grande.
Acreditamos que as conferências tenham sido proferidas nestas instituições. 200 Ambas foram publicadas, por isso, poderiam ser lidas por quem não assistiu à preleção do autor e demais
público interessado. 201 Portanto, neste estudo trataremos das ideias principais que existem nas duas conferências, dando devido
destaque a quaisquer traços que modifiquem por completo o pensamento do autor de uma edição para outra. 202 Grifo nosso.
182
E feito ele, cumpre procurar a pratica das virtudes contrárias aos pecados
reconhecidos.
Cumpre-nos ter a coragem de afrontar com a nossa situação e dizer lealmente
e completamente a verdade. (LOPES NETO, 2009, p.296)
Dessa forma, reconhecer nossos vícios é um passo para corrigi-los. O autor se coloca
nesse papel de demostrar esses vícios, não para nos envergonharmos e, sim, para
reconhece-los e remediá-los. Segundo o autor, muita gente tem a ousadia de dizer que ser
brasileiro importa condição de inferioridade e, que isso só pode ser ignorância ou má fé,
pois ser brasileiro significa distinção e vantagem (LOPES NETO, 2009, p.297). Mas, para
que pudéssemos nos orgulhar de sermos brasileiros, era necessário antes fazermos um
“exame moral” que nos apontasse os problemas para enfim solucionarmos.
Um dos problemas mais graves é a indiferença à nossas comemorações nacionais,
Enquanto os outros povos festejam solene e ruidosamente as suas grandes datas
nacionais, as nossas caem no olvido e no abandono; o povo vai-se tornando
desinteressado da comemoração que elas lembram e numa embrulhada
confusão de feriados e dias santos – só aproveitamos daí uma folga de um dia
de trabalho – para ir à pesca ou ao bilhar.... Recordar é viver, e o povo que
fecha o coração e memória à lembrança de suas grandes horas históricas – é
digno de lástima. (LOPES NETO, 2009, p.309)
Assim, nossas datas oficias eram monótonas e tristes, as procissões cívicas pareciam
funerais e os nossos colégios, as escolas públicas, geralmente só acompanhavam as
procissões católicas, logo, nossas datas se diluíam na memória do povo e não era a
ingratidão que fazia isso: era a falta de educação cívica (LOPES NETO, 1906, p.10). Eis
o ponto chave dessas conferências: a educação cívica como instrumento de
“melhoramento” do povo brasileiro. Ela viria preencher essa “lacuna lastimável” (LOPES
NETO, 2009, p.300), não deixando que fossemos uns ignorantes a respeito de nós
mesmos, nossa nação e, por fim, nossa história e origens. Portanto, a escola, a instrução
pública viria animar nos pequenos brasileiros esse espírito nacional, obviamente, essa não
era apenas uma tarefa para a escola, personificando o poder público, mas também para as
famílias, que deveriam estar alinhadas com essas ideias. Interessante colocação faz o
autor acerca da vida pública e da política:
Fomos liberais e conservadores – em torno de homens, entrando os partidos,
sem cerimônia, na seara dos princípios um do outro, conforme a pressão do
momento. Tanto na monarquia, como modernamente na república,
183
conhecemos os parlamentos quase unânimes. Os meetings203, os comícios, as
conferências políticas, entre nós, raro são praticadas: ao contrário, os nossos
homens mais eminentes evitam o contato da multidão. Alega-se-há que o povo
não está preparado para – pensar – mas, quanto mais se lhe distanciar a
escola do seu ensinamento político, tanto mais difícil será orientá-lo204.
(LOPES NETO, 2009, p.307)
Orientar o povo estava na ordem do dia do governo republicano no Rio Grande do Sul,
fazia parte de sua orientação positivista comtiana. De acordo com o historiador Moacyr
Flores (1993, p.128),
O positivismo republicano determinava que o cidadão deveria manter a ordem
social, pois então o progresso viria como uma evolução natural da sociedade.
Só o governo sabia o quer era bom para o povo. [...]. Os republicanos
defendiam o autoritarismo, expresso pela ditadura do chefe carismático,
entusiasmando os jovens [...].
A República trazia consigo a ideia de um novo tempo, de mudanças, de
modernização da sociedade, de ordem em direção ao progresso, ao futuro glorioso.
Lembremos que no Rio Grande do Sul, o PRR encarava a instrução pública como um
importante instrumento para o controle das massas. Lembremos também que se tratava
de fato de um novo tempo, pós abolição, onde era preciso instruir as crianças para se
tornarem cidadãos aptos para a nação, seja para o trabalho, seja para possíveis confrontos.
Se tratavam de pessoas livres, em uma sociedade se inserindo no “mundo capitalista”, ou
seja, se fato, uma nova “realidade”. O que não quer dizer que tudo aconteceu como
deveria. Neste mesmo capítulo, vimos que a ditadura do PRR, aos moldes positivistas,
diminuiu o índice de analfabetismo no Estado, contudo, a dura vigilância aos métodos de
ensino, professores e alunos deixava cada vez mais clara a posição de dominação da
população. Mantendo assim, um ideal de modernidade conservadora, que trazia alguns
benefícios aos mais pobres ao mesmo tempo que mantinha privilégios.
Contudo, João Simões Lopes Neto diz que a República trouxe um
rejuvenescimento aos credos dos cidadãos, que ela havia trazido os “nossos homens” para
o bronze da consagração, José de Alencar tem estátua em praça pública, Carlos Gomes,
Osório e Caxias também possuem seus monumentos e placas e, logo, chegaria a vez de
203 Meeting quer dizer: Reunião pública importante, organizada, por exemplo, por um partido, um sindicato,
a fim de debater e informar sobre um assunto político ou social. Demonstração, manifestação pública.
MEETING, Dicionário Online Dicio. Acesso: https://www.dicio.com.br/meeting/. Novembro de 2018. 204 Grifo nosso.
184
Castilhos205 ter o seu (LOPES NETO, 2009, p.306). Os monumentos representam uma
forma de educar o povo, de manter nossa história e memória e de trazer uma certa unidade
ao pensamento, por isso, “[...] mais eficazmente as páginas de pedra e bronze ensinam as
multidões. ” (LOPES NETO, 1906, p.02).
Mas, faltava unidade, uniformidade, uma educação de fato cívica, que seria o
“arcabouço robusto do grande corpo nacional” (LOPES NETO, 2009, p.300). Que
deveria preencher as lacunas pois, seu conjunto, complexo, não havia sido modificado
por uma ação enérgica de remodelação, de reforma vivificadora (LOPES NETO, 2009,
p.300). Tudo isso enfraquecia o sentimento nacional. Lembremos que as propostas de
reforma de Leôncio de Carvalho, ou os pareceres de Rui Barbosa, não foram de fato
postos em prática.
A lacuna fundamental da nossa educação pública é ausência de um ideal – e
esse ideal lhe não podia ser dado senão animando-o de um espírito, o espírito
do sentimento nacional.
[...]. Nenhum povo hoje pode ser grande, sem esse sentimento, nenhuma nação
pode ser forte, sem nele apoiar-se. É nele o mais sólido elo da nacionalidade e
o mais certo estímulo dos cidadãos. (LOPES NETO, 2009, p.300).
Quando João Simões Lopes Neto falava em educação nacional, ele estava se
referindo a um ensino voltado para as “coisas” nacionais. Neste sentido, nossos símbolos,
ritos, história, geografia, literatura, enfim, todo o arcabouço da cultura nacional deveria
estar dentro das escolas, ao alcance das crianças. Só assim chamaríamos a atenção delas
para as “coisas” nacionais. E nas ruas, monumentos e placas também dariam o tom de
valorização nacional, para assim entusiasmar a todos e animar o espírito nacional.
Era necessário criar esse discurso nacional, que fosse capaz de construir
identidades, de animar o espírito dos jovens. Para tanto, era necessário que a educação
nas escolas públicas, que atingiria a população mais carente de ilustração, fosse mais
cívica, mais voltada para os nossos temas. O Brasil era visto como um país ainda muito
jovem, ainda em processo de construção e podendo alcançar vitórias impensáveis. Dessa
forma, nossas origens apontavam para um futuro próspero, de progresso, desde que
205 Ao citar o merecimento de Castilhos em ser reconhecido como alguém que merecesse uma placa ou
monumento em praça pública, o reconhece como alguém que prestou serviços à pátria, além de, claramente
demostrar sua admiração.
185
fossem realizados alguns ajustes. Um desses ajustes era a criação de sentimento nacional
através da instrução do povo.
Nenhum povo hoje pode ser grande, sem esse sentimento, nenhuma nação pode
ser forte, sem nele apoiar-se. É ele o mais sólido elo da nacionalidade e o mais
certo estímulos dos cidadãos. [...]
Nós também temos a refazermos não somente no temperamento, ideias e
costumes novos, senão também um espírito novo, o espírito nacional, tão
enfraquecido entre nós, e é a educação cívica, nacional, que compete essa
tarefa ingente e benemérita. Neste novo mundo, o Brasil tem um primeiro lugar
e os mais insignes destinos. (LOPES NETO, 2009, p.300-301)
Passo principal para criação desse discurso nacional, passa pelo diagnóstico das
causas pelas quais, de certa forma, fomos “perdendo” o sentimento de “brasileirismo”,
como coloca o autor. Podemos dizer que um dos principais objetivos dessas conferências
era demonstrar aos ouvintes/leitores esse exame apurado. A primeira causa que o autor
coloca é a enorme extensão do território e a falta de comunicação entre as províncias, o
que isolava os brasileiros do convívio uns com os outros. Para o autor, isso é uma herança
de nossos tempos coloniais, nos quais deveríamos nos comunicar apenas com a
metrópole, exatamente para evitar qualquer tipo de sentimento nacional. Durval
Albuquerque Júnior (2011, p.53) diz que
As grandes distâncias, a deficiência nos meios de transporte e comunicação, o
baixo índice de migrações internas entre Norte e Sul, tornavam estes espaços
completamente desconhecidos entre si, verdadeiros mundos separados e
diferentes que se olhavam com mesmo olhar de estranhamento que nos
olhavam da Europa.
Logo, os “pontos extremos” do Brasil se olhavam com bastante estranheza, o que não era
admissível se tratando de territórios de uma mesma nação, era preciso integrar cada
pedacinho do país, era preciso que todos tivessem ideia do que era o Brasil, suas múltiplas
culturas, sua riqueza na diversidade.
O segundo ponto, passa pela questão da raça, ou seja, a nossa miscigenação:
“Somos o produto da fusão de três dignas e valorosas raças, perfeitamente distintas: duas,
selvagens, primitivas e simples 206e, portanto, descuidadas e indiferentes e outra, em
rápido declínio, depois de uma gloriosa, brilhante e fugaz civilização207 (LOPES NETO,
206 Indígenas e africanos. 207 Aqui, refere-se aos portugueses que, segundo ele, foram amolecidos pelos prazeres fáceis das terras
conquistadas nas Índias. E de um lado enfreado pelo temor da inquisição, de outro, enervado pela educação
186
2009, p.303). Além disso, “Os descobridores, povo longínquo, embora militar, pouco
numeroso, atento a nossa extensão, não possuindo elementos para agir a tão grande mal
conhecida distância, não podiam favoravelmente exercer a sua tutela na imensa colônia
do Brasil”. (LOPES NETO, 2009, p.304). Contudo, Gilberto Freyre esclarece que para
garantir a posse das terras brasileiras, o colonizador português, que não desfrutava
naquele momento de grande capital humano, “recorreu” à miscigenação208, que se
colocou como importante fator para garantir a posse das terras do Brasil, por isso, o
português
[...] não só conseguiu vencer as condições de clima e de solo desfavoráveis ao
estabelecimento de europeus nos trópicos, como suprir a extrema penúria de
gente branca para a tarefa colonizadora unindo-se a mulher de cor. Pelo
intercurso com a mulher índia ou negra multiplicou-se o colonizador em
vigorosa e dúctil população mestiça, ainda mais adaptável do que ele puro ao
clima tropical. A falta de gente, que o afligia, mais que qualquer outro
colonizador, forçando-o a imediata miscigenação – contra o que o
indispunham, aliás, escrúpulos de raça, apenas preconceitos religiosos – foi
para o português vantagem na sua obra de conquista e colonização nos
trópicos. Vantagem para a sua melhor adaptação, senão biológica, social.
(FREYRE, 2013, p.74)
Dessa forma, foi para manter os territórios em terras brasileiras que o português
começou o processo de miscigenação que daria “origem” ao povo brasileiro. Portanto, a
miscigenação está na “gênese” de nossa história, somos um povo miscigenado, o que para
alguns representava um grande mal à sociedade brasileira209, contudo, para João Simões
Lopes Neto a ideia era ressaltar o que de melhor ‘herdamos” de cada uma das três raças.
Interessante ainda é notar o que o autor fala sobre as condições climáticas e a escravidão
no Brasil:
As condições climatéricas e geográficas do Brasil concorreram para
desenvolver a nossa indolência.
Ubérrimo, de clima propício, sem luta com as forças da natureza, com o braço
escravo para a rudeza do serviço, a educação geral desde o princípio, foi-se
acentuando para um fátuo desprezo pelo trabalho210.
Não é possível exagerar os males que nos trouxe a execrada chaga. A ama
escrava, amamentou todas as gerações brasileiras; mucamas, a todas acalentou,
homens para todas trabalhou, mulher, a todas entregou-se. Durante 300 anos
refestelamo-nos no trabalho oriundo da iniquidade, sobre o índio e sobre o
negro. Não somente abolindo como aviltando o trabalho, a escravidão
consumou em nós a morte de todas as energias, já enfraquecidas pelo clima,
jesuítica da época. Por esses motivos, decaía visivelmente o povo português na época da colonização.
(LOPES NETO, 2009, p.303) 208 Sobre esse primeiro processo de miscigenação, João Simões Lopes Neto diz que o português começou
a sentir os primeiros sintomas da perversão moral (LOPES NETO, 1906, p.07). 209 Como constatamos no segundo capítulo desta pesquisa. 210 Grifo nosso.
187
viciadas pela hereditariedade e amodorradas pela ação política monárquica.
(LOPES NETO, 2009, p. 304-305).
Assim, temos um quadro bastante complexo de fatores que enfraqueciam nosso
ser: as condições climáticas, a nossa falta de apreço pelo trabalho herdada de geração em
geração e, somadas a presença escrava em vários âmbitos na vida social, fez do brasileiro
um ser sem energia e sem dileção para o trabalho. Como bom republicano que era, ainda
coloca uma “pitada de culpa” no período monárquico, que teria atrasado nosso
desenvolvimento. Era preciso então, intervir imediatamente pois, sendo o brasileiro um
ser único no mundo devido a sua mistura de “três dignas raças”, era ainda um povo muito
jovem, capaz de se “regenerar”. A questão aqui, trata-se mais de construir um futuro do
que um passado, contudo, é necessário que se crie pontos de referências no passado para
que se dê a direção do progresso.
De acordo com Koselleck (2006, 319), a ideia de aprender a partir de uma
experiência para garantir um futuro melhor só foi de fato possível quando a história
passou a ser vista como única, ou seja, “Se a história inteira é única, também o futuro
deve ser único, portanto diferente do passado”. A partir de então, o futuro passou a ser
visto como portador de progresso e, “Um futuro portador de progresso modifica também
o valor histórico do passado” (KOSELLECK, 2006, p.319). Dessa forma, era preciso criar
uma história única, brasileira, que todos os brasileiros pudessem olhar para ela e se
identificar de alguma maneira, era preciso uniformizar as diferenças em vários âmbitos,
somente com uma história única, poderíamos ter um único futuro portador de progresso.
Para isso, precisávamos resgatar nossos usos e costumes que, haviam sido
abandonados, primeiro em detrimento de uma educação jesuítica, depois por uma
educação francesa. João Simões Lopes Neto diz que “Quem quer que passe em revista o
que tem sido ingratamente mutilado da nossa tradição, ficará espantado do evidente lento
suicídio da nossa personalidade, na sua feição particular” (LOPES NETO, 2009, 310).
Argumenta ainda que não desejava que ficássemos estagnados frente aos novos modos
de viver modernos, contudo, lamenta a implementação de hábitos, usos e costumes em
contraste com o nosso temperamento e clima. O autor reforça ainda a admirável força dos
estrangeiros, os imigrantes, em manter as suas tradições e venerar a sua terra, mesmo que
distante. Salienta ainda que, nos estados mais centrais do Brasil o cosmopolitismo tem
avassalado e afogado os modos e costumes próprios dos brasileiros, que isso não ocorria
188
dessa forma em estados mais afastados. Destaca o autor que “Desde o vestuário até a
linguagem, desde o porte até o proceder, a feição nativista está assoberbada pela imitação
servil, ridicularizada pelos próprios imitados” (LOPES NETO, 2009. 310). Tudo isso nos
levava a ignorarmos nós mesmos, não nos conhecíamos enquanto brasileiros, não
sabíamos a respeito de nossos hábitos e costumes tradicionais, imitávamos estrangeiros,
seu modo de vida, sua língua, portanto, tudo isso nos levava a uma consequência terrível:
“[...] é estrema fraqueza, a falha completa, a postergação até, do sentimento nacional. ”
(LOPES NETO, 2009, p.310). Fazia também parte de nossa lamentável indiferença a
maneira como tratávamos o hino e bandeira nacionais, como já expusemos no capítulo
anterior.
Com o panorama de nossos vícios expressos, conforme indicou que fizéssemos
todos, sendo esse o primeiro passo para a mudança, João Simões Lopes Neto passa para
o próximo passo, que seria o de reconhecer igualmente nossas virtudes. Cabe dizermos
que ele não cumpre essa tarefa de maneira mecânica durante as conferências, pelo
contrário. Contudo, para dinamizar essa análise, pincelamos o que compreendemos mais
expressivo para esse estudo. Pois, são as conferências também estratégias discursivas,
bastante literárias, com o objetivo de convencer o público de seu ponto de vista e da
mesma forma esclarecer um amplo público sobre os problemas nacionais e as possíveis
soluções. Lembremos que as conferências representam ótimos meios de se falar à um
grande público e eram bastante comuns na época do autor.
Assim, com os nossos vícios expostos cumprimos o primeiro passo para a
“regeneração” nacional, ou melhor dizendo, reconhecido os nossos vícios, podíamos
agora pensar e agir com o intuito de saná-los. Mas, não é somente de vícios que é formado
o brasileiro, as virtudes são tantas quanto os vícios, por isso, não convinham desanimo,
pois a caminhada em direção ao aperfeiçoamento e progresso exigiam ânimo e coragem.
Mas senhores – o sol que no alto céu profundo as vezes se vela num manto de
brumas, não deixa por isso, de ser o mesmo maravilhoso foco de luz, de vida,
de calor.
Assim, esta bendita pátria predestinada e tão fecunda, como que em espontânea
revolta, rompe contra as causas acidentais do entravamento, e lampeja para o
horizonte do futuro, fachos de intensa claridade, de esperança e conforto.
Sendo um povo jovem,211 temos um espolio moral de desmarcada grandeza.
Temos no tabernáculo da nossa história – defesa e fatos que não cedem em
magnitude aos de qualquer procedência.
211 Grifo nosso.
189
Os piores detratores não poderão negar que – fisicamente, o brasileiro não é
um degenerado: 212de boa estatura e aspecto, vigor e agilidade pouco vulgares.
Quanto ao caráter, temos inato o sentimento de independência, levando até a
indisciplina; afeição a ordem, a paz, ao melhoramento, gosto pela
hospitalidade, escrúpulo no desempenho das obrigações contraídas; espírito
extremo de caridade: produz sempre resultado o menor apelo em nome dos que
sofrem, tolerância, ausência de preconceitos de raça, religião, cor, posição213,
decaindo mesmo em promiscuidade; honradez no desempenho das funções
públicas ou particulares; indolente e generoso, o brasileiro em geral, conserva-
se estranho as desmesuradas ambições. Maquinações e certos vícios, que
vemos em outros povos214. [...] (LOPES NETO, 2009, p.311).
Portanto, o autor traz a ideia de que o brasileiro era ainda um povo jovem, o que
compete uma nação igualmente jovem que, tomada pela consciência nacional teria um
futuro glorioso pela frente. Além do mais, fisicamente o brasileiro não era um degenerado
e certamente até os que nos difamavam não poderiam negar isso, pelo contrário,
possuímos vigor a agilidade que não são comuns. Há de se convir, que o autor exagera
nas virtudes dos brasileiros, principalmente quando se trata de preconceitos e, sobretudo,
os preconceitos de raça e posição social. Como já vimos no capítulo anterior, as visões
baseadas em certo cientificismo e, acima de tudo, baseadas num dito darwinismo social
trouxeram consigo enormes preconceitos de raça, principalmente se tratando dos negros.
Outro ponto, é que o Brasil sempre levou em seu âmago a estampa da desigualdade social,
um país patriarcal, com o poder geralmente na mão das elites e ficando, por exemplo, os
negros libertos em situação praticamente de abandono após a Abolição, ou seja, um país
com pouca ou quase nenhuma participação social, pelo menos no que tange o período
estudado. No tocante ao fato de o brasileiro não ser ambicioso, diferente de outros povos,
também acreditamos em um certo exagero do autor. Coitado, mal poderia imaginar os
enormes escândalos de corrupção que viríamos a descobrir ao longo dos anos de nossa
história.
Sendo o brasileiro um povo jovem e, que trazia no saldo considerável em seu
caráter à favor das qualidades, o que estava faltando era mesmo o cultivo delas, a
nacionalização, para que numa inesperada hora solene, não andássemos desorientados
pois, devíamos amar e conservar a nossa pátria (LOPES NETO, 2009, p.312). O que
faltava ao brasileiro então, era a falta de uma educação nacional, já que, além de nossos
vícios e virtudes, havia ainda outra questão a ser colocada: a ideia do cosmopolitismo que
212 Grifo nosso. 213 Grifo nosso. 214 Grifo nosso.
190
pregava que, enquanto seres humanos, a pátria é onde se está, dessa forma, toda a
humanidade seria uma grande pátria. Essa era ideia iluminista, propagada por Voltaire,
com ideais universalizantes que nos transformariam em um único povo, com uma única
língua sob uma única pátria, tendo em vista que somos “filhos” da humanidade. Para João
Simões, mentiam os que propagavam “os arautos do cosmopolitismo”.
Não é leal e sincero aquele que diz que a pátria é onde se está! Não! Feliz é
aquele que só se aqueceu ao fogo dos seus lares, feliz aquele que cerra os olhos
à luz, à luz do sol, sob o céu azul do céu do seu país. [...] Não Creio, não creio
e não comungo na utopia dos visionários do século, que pregam por uma só
língua, numa só pátria universal. (LOPES NETO, 2009, p.313)
Interessante é o que o autor expõe na sequência, ainda falando sobre o que chama
de utopia do cosmopolitismo:
Enquanto essa utopia, como flor delicada de estufa medra no ambiente tépido
de vaga aspiração, como simbólica pomba de aliança, dentro de uma jaula de
feras – os países blindam-se em malhas de aço, rugem as forjas na fusão do
bronze dos canhões, abatem-se sob sacrilégios golpes de machado impiedoso
as veneradas árvores seculares, para a construção das naves pavorosas. A
matemática estuda a potência e a resistência dos engenhos de destruição e a
química inexorável. Combina e multiplica a força dos explosivos mais cruéis,
enquanto o cálculo dos governos – como fiel de uma balança maldita, pesa e
avalio o número de homens.
Os velhos países da Europa que se proclamam os sacerdotes do tabernáculo da
civilização, tem criado pela boca melíflua da nossa diplomacia, nomes
especiosos e procederes especiais para a implantação, alargamento e
permanência das suas influências entre os países de além. E a hipocrisia e o
feroz egoísmo internacional atiram com uma mão o gesto branco da benção
pela paz, depois que tem na outra o gladio que mais corta.
Será assim, ainda por dilatados séculos, a força, a garantia do direito.
Em um século prático, positivo, industrial, mercantil e interesseiro como o
nosso, é preciso estar preparado a saber contrabalançar as formidáveis
exigências da luta pela vida.
E, ai! do fraco, ai! da cobiçada presa, que não rugir masculamente, que não
tiver dentes firmes e garras possantes parasse resguardar e defende215r.
(LOPES NETO, 2009, p.314)
Essa percepção do autor de seu tempo é bastante interessante pois, o mesmo escreve antes
da Primeira Guerra Mundial, ainda no início do século XX, mas, já nota o clima de tensão
entre as nações, principalmente as europeias que o autor diz se acharem o “tabernáculo
da civilização”. E em nome dessa pretensa civilização podiam invadir, dominar e
colonizar. Cabe lembrar que, anos antes, no final de 1884 e início de 1885 realizou-se a
215 Grifo nosso.
191
Conferência de Berlim que discutiu o que chamamos de Partilha da África, ou o
neocolonialismo, ou seja, a África foi “partilhada” entre algumas nações europeias com
a justificativa de uma missão civilizatória. Agora vejamos, se o que João Simões Lopes
Neto diz não parece se referir a esse fato ou a fatos semelhantes acontecidos no final do
século XIX. Contudo, o autor alerta para o fato de o século XX, mesmo ainda no início,
se mostrava um século mais “prático, positivo, industrial e interesseiro” e que era preciso
fortalecer a consciência nacional, afim de nos resguardarmos e defendermos de possíveis
ameaças. A República que havia nos livrado de vez do jugo português era ainda muito
recente e os ares monarquistas não se dissolveram tão facilmente. Por isso, era preciso
um governo forte que investisse em uma educação cívica, moralizadora, que
transformasse nossos jovens em corpos e mentes sãs. Além disso, o grande conglomerado
de imigrantes no Brasil podia, como já dissemos, criar um sentimento de “pequena pátria”
e poderiam surgir insubordinações.
Sendo assim, era preciso que nos concentrássemos em nós mesmos, ou seja,
deveríamos sob o signo do nacionalismo, do patriotismo, buscar nossas raízes, nossas
histórias memoráveis, saber tudo e mais um pouco sobre nós mesmos. Sabermos sobre
nossa geografia, a enorme extensão territorial, clima, tipos de vegetação e animais.
Deveríamos exercitar o corpo, com uma educação física voltada para o desenvolvimento
do corpo e suas habilidades. De tudo o que expõe, o autor conclui pela “necessidade
urgente de adaptarmos, mantermos e desenvolvermos tenazmente a campanha
vivificadora da nacionalização, de educarmos e fortificarmos o espírito, o sentimento
pátrio, o amor da tradição, o conhecimento e a consciência de nós mesmos. ” LOPES
NETO, 2009, p.317).
Neste sentido, era preciso uma educação “[...] sistemática desse sentimento, na
própria exageração dele, um fator de grandeza, de vida e prosperidade” (LOPES NETO,
2009, p.314). E, para auxiliar a pátria,
Um grande, fecundo, incomparável trabalho, cabe à mãe de família: a todas
que me pudessem ouvir, eu diria ainda sempre:
Ides para o vosso lar: enlevo os olhos, estuar dos corações, alegria dos beijos,
sonhos do puro amor, os pequenos, os filhinhos, vos esperam.
À cabeceira de cada beiro, a nevoa do destino, se conserva indecifrável.
Cada um de vós anseia e sonha por ver a pequenina e frágil semente hoje
brotada, transformada amanhã em roble vigoroso, que dê a sombra hospitaleira
e que se perpetue.
Assim é: o futuro, são eles!
Dai-nos, formar para o amanhã da pátria, cidadãos fortes, castos, justos e
valentes!
192
Dai-nos, formar mulheres modestas, firmes e virtuosas! (LOPES NETO, 2009,
p.317)
Este é um preceito positivista, de acordo com Elomar Tambara (2005, p.171), para o
positivismo a questão do ensino está profundamente associada ao papel desempenhado
pela mulher na sociedade; à ela cabia designar os caminhos pelos quais, na área da
instrução/educação, deveriam trilhar as famílias. Seriam então, as mulheres, mais
precisamente, as mães, as responsáveis por orientar sobre a educação dos filhos.
Nas obras pedagógicas de João Simões Lopes Neto, conforme veremos na
sequência deste capítulo, tanto a família, como mãe possuem lugar de bastante destaque
na instrução e na educação moral das crianças. Contudo, apesar da mulher ter uma posição
destacada no “papel de mãe”, o autor não fala sobre escolas mistas ou de educação
feminina em suas conferências. E em seus livros didáticos, os personagens alunos e
mestres são todos masculinos, deixando as meninas e mulheres relegadas ao lar e, tudo
que se dá nesse sentido.
Além das mães auxiliarem nessa tarefa pátria de enaltecer o sentimento nacional,
também era preciso que no lugar do catecismo com forte moral religiosa se ensinasse o
conhecimento pátrio, o valor do civismo, o apreço pela solidariedade nacional (LOPES
NETO, 2009, p.319). Aqui há uma crítica dupla, ou seja, o autor criticava a falta de um
empenho em se ensinar o civismo assim como se ensinava o catecismo nas escolas. Por
lado, criticava o próprio ensino do catecismo nas escolas pois, era partidário de uma
escola laica, ou seja, secularizada. Neste aspecto, estava em concordância tanto com as
reformas propostas Leôncio de Carvalho, como pelos pareceres de Ruy Barbosa, pois, o
objetivo principal da escola seria voltar-se para a formação de cidadãos úteis à pátria,
buscando um equilíbrio entre uma formação humanística e cientifica, no que tangia
especialmente o ensino secundário (MACHADO, 2005, p.100).
Podemos dizer que, as Conferências Cívicas de João Simões Lopes Neto tinham
por objetivo, além de divulgar seu livro e suas ideias, criticar a instrução pública, bem
como a instrução de um modo geral, acerca da falta de civismo em seus conteúdos. Dessa
falta grave é que advinham todos os vícios, todas as nossas fraquezas, pois, essa mesma
instrução não priorizava por elevar nossas qualidades. O autor argumenta que a História
foi desprezada, que naquela época só contávamos com um historiador brasileiro –
193
Visconde de Porto Seguro216. Tudo o que sabíamos de nós mesmos aprendemos com os
estrangeiros217 que de nós se ocuparam. Diz ainda que temos um Instituto Histórico e
Geográfico, mas, que seus preciosos trabalhos só eram apreciados por um grupo
reduzidíssimo de estudiosos silenciosos. Critica também os poucos compêndios de
história que existiam eram inspirados na pedagogia jesuítica, de perguntas e respostas,
limitando-se a uma enfadonha nomenclatura de nomes de governadores, reis, ou fatos, ou
seja, uma “decoração” de conteúdos inconsciente. Os mestres, segundo o autor, também
não sabiam a fundo nossos fatos históricos e tomava a lição de dois ou três e se dava por
satisfeito (LOPES NETO, 2009, p.320).
Era preciso mudar esse cenário pois,
Todo o ensino tem um fim: o da história da pátria é dar-nos conhecimento da
origem comum, das dificuldades em comum sofridas e em comum vencidas; a
marcha e evolução dos nossos costumes, das nossas leis e da organização do
progresso, da custosa, lenta, mas seguramente adquirida, a noção exata da
solidariedade nacional, da disciplina cívica, da liberdade obediente e com ela,
o amor da pátria. (LOPES NETO, 2009, p.321)
Ou seja, era preciso que se criasse uma história, uma tradição que desse aos jovens no
presente um “norte” para o futuro. Na mesma perspectiva viria o ensino de Geografia,
que deveria ter uma “[...] função enérgica e decisiva na integração do caráter nacional. ”
(LOPES NETO, 2009, p.321). Segundo o autor, nas nossas escolas, a geografia era apenas
um amontoado de nomes, em sua maioria europeus, no entanto, a geografia da pátria era
quase ignorada. (LOPES NETO, 2009, p.321).
Não era muito diferente o livro de leitura utilizado nas escolas, segundo o autor,
mostrava a mesma indiferença pelos temas pátrios e estava cheio de historinhas
lastimosamente fúteis, por vezes ridiculamente traduzidos ou alheios à “realidade” a qual
se inseria o jovem estudante, “[...] sem páginas em branco a geografia e a história pátria,
as tradições e os costumes. ” (LOPES NETO, 2009, p.320). Ademais, eram livros escritos
por estrangeiros e traduzidos ou imitados. E eram esses livros os guias de educação de
nossos jovens.
Era preciso que se tomasse um novo rumo, e assim como se dava tamanha
importância aos ritos religiosos, deveríamos dar a mesma, ou maior, importância aos ritos
216 Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878), conhecido como pai da História no Brasil. 217 O autor cita: Southey, Beauchamp, Constancio, Grant, Henderson, Ferdiand, Denis, Warden e Armitage.
194
cívicos. Dessa forma, o autor insinua que deveríamos ter uma espécie de religião civil.
Segundo Fernando Catroga (2005, p.16), “Tal como a religião do cidadão, a religião civil
também iria socializar e interiorizar o dever cívico, isto é, o patriotismo, inscrevendo-o
num horizonte ecumênico. ”. E,
Sendo a religião civil justificada, não pela sua maior ou menor verdade, mas
pelas consequências sociais e patrióticas que provocava, compreende-se que a
propugnada interiorização dos deveres sociais se materializasse numa
Paidéia218, e que esta desse relevo à dimensão lúdica, ou melhor, à celebração
de festas cívicas em espaço público. (CATROGA, 2005, p.18).
Mas, para esses ritos serem realizados com entusiasmo e consciência era preciso que a
mocidade tivesse noção de tudo isso e, portanto, para o autor, a reforma mais necessária
seria a do livro de leitura do ensino primário. Ele deveria ser brasileiro, “[...]brasileiro
pelo assunto, pelo espírito, pelos autores transladados, pelos poetas reproduzidos, pela
história, pela tradição, pelo sentimento nacional que o anime e faça estimar. ” (LOPES
NETO, 2009, p.323). O autor reconhece a qualidade do livro Cuori, ou Coração, de
Edmond D’Amicis, altamente utilizado no Brasil, contudo o critica pois, era um livro
pátrio, porém sobre a Itália e não sobre o Brasil, ou seja, tirando a parte moral, o restante
era completamente deslocado.
Por isso, o autor queria criar um livro de leitura para o primário, um livro em que
os pequenos brasileiros pudessem ver “[...] os traços atrevidos dos bandeirantes lendários,
os negros altivos de Palmares, tamoios, potiguaras e guaranis adustos [...]” (LOPES
NETO, 2009, p.324). O autor, consciente da miscigenação do povo brasileiro, não a
descarta e sim a exalta, trazendo o que acreditava fosse o mais admirável de cada povo.
O que surpreende, dado a essa conferência ter sido realizada em 1904, ou seja, ainda no
início da República em que a Abolição também era um fato bastante recente, é o caso de
o autor exaltar o negro, mas, não somente o negro, os “negros altivos de Palmares” – os
quilombolas – que resistiram à escravidão e se insubordinaram contra o sistema
escravocrata.
Ele também gostaria que o seu livro trouxesse acontecimentos de muita
importância como a Inconfidência Mineira, a abolição, a ciência, a arte brasileira e, por
fim, mas não menos importante, a República e a “[...] resplandecente liberdade! ” (LOPES
218 Grifo do autor. Paidéia é uma designação grega que trata do ideal de educação que transformaria a
criança ou o homem em cidadão. Trata-se também da passagem da educação para a pedagogia.
195
NETO, 2009, p.325). Nota-se um tom bastante antimonárquico na fala do autor, além de
atribuir à República um tempo de “resplandecente liberdade”, um tempo novo, diferente
do que já se havia vivido. Aqui mais uma vez, reforça a ideia da República como um
tempo novo, de liberdade, de construção do futuro!
Sendo assim, o autor visava criar um livro onde ele
[...] pudesse lançar golpes de luz, de gratidão e amor sobre a imensa tela do
Brasil mas, entoando a gloria excelsa pátria... como um passarinho que voeja
por todo o jardim, e que tem seu galho predileto na roseira mais amiga e ai
desfere o canto, repousado, assim eu me prendesse mais detidamente ao meu
Estado natal219.
Era um livro assim, em que se concretizasse a tradição, a história, o
ensinamento cívico e as aspirações pátrias, que eu dedicaria, mais vibrante
hausto da minha pobre vida, a terra rio-grandense, mãe da raça forte, tumulto
de ossadas veneradas, berço de incomedido patriotismo.
Um livro de vivesse no rancho das margens do Uruguai e no palácio das plagas
do Oceano; e que das suas páginas simples e sinceras, fulgisse nítida e vivaz,
amorosa, exemplificadora e saudosa, a plaga dos pampas, o berço dos farrapos
e ‘Terra Gaúcha!!!’ (LOPES NETO, 2009, p.325)
A intenção do autor com essa conferência era passar o Brasil em rigoroso exame,
demonstrando assim os vícios e as virtudes dos brasileiros, fazendo uma crítica concisa
sobre a sociedade brasileira de sua época. Para realizar tal tarefa, como já dissemos,
aportou-se em autores renomados para dar credibilidade ao seu discurso, mesmo que estes
divergissem entre si no campo das ideias220. E, passada a nação por esse rigoroso exame,
chegou à conclusão que o maior mal que nos afligia era a falta de um sentimento nacional,
de um amor à pátria, mas, esse mal poderia ser sanado por uma educação cívica pública
que viria despertar esse sentimento nos pequenos brasileiros. Ademais, com a intensão de
colaborar com essa tarefa pátria, o autor aproveitou a conferência para apresentar o livro
que estava elaborando. Seria um livro para ser utilizado no ensino primário, como base
para o treino da leitura221. Um livro que partia do Rio Grande do Sul para contemplar o
Brasil. E citando Camões encerra sua conferência com esse verso: “Cesse tudo o que a
Musa antiga canta, / Que outro valor, mais alto se alevanta! ” (CAMÕES apud LOPES
219 Grifo nosso. Aqui o autor já demonstra sua ideia de partir do Rio Grande do Sul para contemplar todo
o Brasil. 220 Afonso Celso Júnior, por exemplo, era um monarquista, enquanto José Veríssimo era altamente
republicano. João Simões Lopes Neto também era um republica, filiado ao PRR, contudo, utilizou, como
já vimos, somente o que lhe interessava de cada autor para dar credibilidade ao seu discurso, deixando de
lado divergências ideológicas tanto entre os autores citados, quanto à eles em relação as suas próprias ideias. 221 O autor também elaborou uma cartilha para a alfabetização de crianças da qual trataremos na
sequência. Contudo, parecia um plano bastante alinhado, primeiro se aprenderia a ler com a sua Artinha
de Leitura e depois se treinaria essa leitura com o Terra Gaúcha. Um projeto completo para o ensino
primário no Rio Grande do Sul
196
NETO, 2009, p.326). Esse verso traz a ideia de um novo tempo, um tempo mais
esclarecido, mais culto, mais nacionalista que vinha com a república e nos levaria
necessariamente ao progresso222.
Contudo, uma ressalva deve ser feita antes de finalizarmos esse tópico. A
conferência de 1906 possui algumas mudanças substanciais. Já no início o autor conta
que se dedicou a conhecer melhor o Estado durante esse tempo e faz uma espécie de
resenha do que viu. Essas palavras, exatamente as mesmas palavras, serão reutilizadas
mais tarde como texto introdutório de Contos Gauchescos (1912). Dessa forma,
demonstra que o autor manteve a sua ideia de partir da região para compreender a nação,
por isso se dedicou a percorrer o Estado. Nesta conferência, diferente da primeira que se
coloca como “humilde arbusto entre árvores frondosas”, se apresenta como “ser pensante,
dirigente e responsável” (LOPES NETO, 1906, p.03) demonstrando uma mudança de
postura considerável. Se impõe, pois, como alguém que estudou o tema e de forma
responsável se põe a dissertar para o público. Algumas partes do texto foram suprimidas
de uma conferência para outra, contudo, o a linha de raciocínio continuou a mesma.
Há algo bastante interessante na conferência de 1906, o autor faz uma curiosa
guinada em direção à América Latina e a inclusão de um intelectual específico como fonte
deixa tudo mais interessante. A presença de Manoel Bomfim traz a ideia dos “males de
origem”. Para Bomfim (1993), os males que nos afligiam tinham origem no parasitismo
ibérico, nos muitos anos de exploração e subjugação da colônia em relação a metrópole
e a herança profunda que primeiro parasitou o trabalho escravo e mais tarde parasitou o
Estado, na figura das elites. Bomfim, diferente da maioria dos intelectuais de sua época,
salvada Darwin e a sua Teoria da Evolução das Espécies, contudo, criticava os maus
leitores que deturpavam suas ideias para afirmar uma postura de exploração racial e
preconceitos. Ele ainda pensava um pouco mais longe, ampliando seu horizonte para toda
a América que Latina que, de alguma forma, demonstrava processos parecidos de
exploração, de parasitismo.
O fato de João Simões Lopes Neto se apoiar num autor como Bomfim é algo
bastante peculiar e ao mesmo tempo lógico. Peculiar porque Bomfim fora difamado por
222 Cabe destacar que, essa frase, usada neste contexto, também se alinha com as ideias positivistas, ou
melhor dizendo, a república representava um novo tempo, um tempo positivo na evolução, sendo
antecedido pela monarquia que representava um tempo teleológico, cumprindo assim a tese dos estágios e,
através desse pensamento, o progresso viria naturalmente na “onda” da evolução.
197
Sílvio Romero, como vimos, o que o relegou por muitos anos do campo da
intelectualidade brasileira, o que o colocaria em posição delicada para ser seguido como
guia. Foi também, o primeiro a dizer que nossos “problemas” eram de cunho sociológico
e não biológico, que não havia nada de errado com o brasileiro que não pudesse ser
concertado com uma instrução pública capaz de afastar os males de anos de parasitismo.
E aqui está o ponto lógico de João Simões Lopes Neto se apoiar nele, a ideia de que uma
boa instrução pública poderia sanar nossos males mais arraigados e que nossos problemas
eram sociais e não biológicos, como preferiam acreditar certos intelectuais com leituras
equivocadas de Darwin.
Para entendermos melhor essa influência de Bomfim e a guinada para a América
Latina, basta lermos esse trecho:
O homem morre, as gerações se sucedem, mas a Pátria fica e sobrevive e segue
avante, e mais e sempre librada na saudade dos que tombaram e na aspiração
dos que surgem.
Não se perca o eco dessa ‘América Latina’ que tantos ensinamentos contém.
Ouçamo-los.
Não percamos esforço lamentando o que se não fez, vejamos o que é preciso
fazer, e para maior vigor na campanha, pensemos no que será este espaço do
mundo, quando esses muitos milhares de inúteis representarem unidades
efetivas no concurso das atividades humanas, com a consciência de seu próprio
valor.
Não nos esterilizemos, dizendo mal de nós mesmos e dizendo-o sem o interesse
firme de nos corrigirmos.
Temos força d’alma, temos talento, temos aptidão, valentia, vigor, saúde, –
porque não dirigir, educar, melhorar essas grandes qualidades?
Viver é progredir, bem-estar, liberdade, amor, beleza, tais são as tendências
em que todos os tempos tem arrastado a humanidade.
Atiremo-nos à ação, não esperemos que uma força milagrosa nos leve ao
progresso...
Consagremos numa demonstração superior esta necessidade de amar, respeitar
e manter inviolados os horizontes e as passagens familiares do lar querido;
demos uma significação moral digna a essa remembrança pelas gentes que nos
trouxeram à vida, pelas gerações desaparecidas que nos legaram motivos de
afeto, de respeito e de saudade sempre renascente! Nestes sentimentos toda a
aspiração ardente e vigorosa mais se fortalece e se exalta na evocação do
próprio sonho: que é por todo esse continente, muralhado do arder cívico de
seus filhos, a liberdade e o progresso fraternizando os homens, na justiça, no
bem e no belo; a democracia excelsa adejando sobre o futuro, serena, alegre, e
sonhando a vida, servindo-a, impelindo o povo e a raça para uma glória
verdadeiramente humana, no concertante triunfal do trabalho feliz e fecundo,
a luz dos horizontes largos e puros, como esses que se desdobram pelos
risonhos largos e puros, como esses que se desdobram pelas aleandoradas
cordilheiras americanas, onde rugem os maiores vulcões, donde caem os
maiores rios e sobre as quais remigiam as maiores asas, as asas dos condores
indomáveis!... (LOPES NETO, 1906, p.19)
198
Notamos neste trecho, a guinada explicita do autor. Constatamos uma outra ideia, de um
Brasil integrado à América Latina e essa, como um todo, representando um novo tempo,
onde esse continente seria mais desenvolvido, uma espécie de “novo centro do mundo”.
O autor fala isso no início desta conferência, que a Europa já havia tido seus dias de glória,
que naquele momento era a América do Norte e em breve chegaria o momento da
América Latina e o Brasil é o maior país desse continente, devendo encabeçar esse
momento de progresso sem precedentes.
Outro ponto em que a segunda conferência se diferencia da primeira é o autor trata
do problema do livro de leitura, ainda com as mesmas ideias, utilizando quase as mesmas
palavras, contudo, não fala de seu livro, não coloca o nome, como na primeira cita Terra
Gaúcha, apenas fala de um livro.
A forma como ele acaba essa versão é bem diferente da primeira:
Ah! Utopia!
Utopia, sim, sejamos utopistas contanto que não esterilizemos o nosso ideal,
contanto que trabalhemos!
Queiramos desde já o que será a glória de amanhã, uma pátria grande e feliz,
na clemência de seu clima, no esplendor deste céu, inteligente, laboriosa e
pacífica na comunhão social, meiga e fraternal na expansão natural da
instintiva cordialidade, apartada dos egoísmos ferozes que aviltam outras
civilizações.
Voltemo-nos para a ação fecunda, demos à Vida toda a nossa atividade e ela
nos levará para o progresso e para a vitória, tal como na floresta sombria a
seiva leva as árvores para o alto, para a luz... (LOPES NETO, 1906, p.20).
Aqui, apesar do autor falar em utopia, ele pede que trabalhemos todos em direção
à essa utopia, a esse sonho de uma pátria. Dessa forma, fica a ideia de que sem esforço e
trabalho não há mudança. De acordo com Fischer (2013, p.238) “[...] foi em Bomfim que
[o autor] encontrou formulação adequada para a exortação final, essa apologia do trabalho
em favor da gente comum. Este era o difícil, o dificílimo páreo que nosso pelotense queria
correr”.
Portanto, podemos concluir que João Simões Lopes Neto realizou suas
conferências afim de alertar sobre os perigos da falta de um sentimento nacional. Essa
ideia é mais explicita na primeira conferência, já na segunda, esse sentimento sofre uma
ampliação para a América Latina. Já nossos vícios poderiam ser corrigidos desde que
exaltássemos nossas virtudes, trabalhássemos em cima delas, afim de melhorar cada vez
mais. E esse seria o papel da instrução pública, exaltar nossas virtudes, despertar o
sentimento nacional e ainda, a partir de uma educação física, preparar também o corpo –
199
precisávamos de corpos e mentes sãs para eventuais confrontos. Na tentativa de auxiliar
nessa empreitada, o autor apresenta em sua primeira conferência o seu livro de leitura
Terra Gaúcha, que deveria ser usado pela instrução pública do Rio Grande do Sul. Na
segunda conferência, a ideia do livro de leitura como “mola real do ensino” não
desaparece, permanece inabalável, contudo, o autor não fala mais sobre o seu livro de
leitura, podemos pensar que a conjuntura o fez pensar em outra proposta, mais ampla?
Talvez estivesse planejando a sua Artinha de Leitura, ou ainda pensando uma
possibilidade de tornar esse “projeto” algo mais sistemático? Não encontramos indícios
que nos levassem à essas respostas, mas cabe nos debruçarmos sobre seus dois livros para
compreender melhor tanto o projeto pedagógico de João Simões Lopes Neto, quando a
sua possível “adaptação” para a literatura.
3.2.2 A ARTINHA DE LEITURA
Decidimos começar a tratar dos livros didáticos pela Artinha de Leitura porque
acreditamos e, como demonstra o autor na própria cartilha, esse seria o primeiro livro da
Série Brasilina223, seguido de II. Eu na Escola, III. Terra Gaúcha e IV Hinos e Glórias
do Brasil224. Esse modo de apresentar o livro demostra que o autor tinha um plano, um
projeto de ação para a educação pública de seu Estado – a Série Brasiliana – que iniciava
com a cartilha para aprender a ler e escrever, passando para um livro de leitura cívico e
na sequência a história do Rio Grande do Sul e do Brasil, abarcando também as tradições.
João Simões Lopes Neto levou bastante a sério o seu projeto para a educação
pública no Rio Grande do Sul e, em 1908, submeteu ao exame do Conselho de Instrução
Pública do Estado a sua Artinha de Leitura. No jornal A Federação de 03 de março de
1908, podemos ler:
No requerimento de J. Simões Lopes Neto, pedindo ser submetido a estatuto e
julgamento do Conselho escolar o livro de sua composição ‘Série Brasiliana’,
intitulado ‘Artinha de leitura’, o dr. Presidente do estado proferiu o seguinte
despacho: Sim, em tempo. (A Federação, 1908, p.01)
223 Brasiliana era também o nome que ele deu a Coleção de Cartões Portais – Coleção Brasiliana. Esses
cartões de fato existiram e foram comercializados, pelo menos em Pelotas. Trata-se de uma coleção de
cartões postais que tinha por objetivo vulgarizar os fatos da História Nacional em 12 séries de 25 ilustrações.
Grande parte da coleção encontra-se em acervo no Instituto Simões Lopes Neto, em Pelotas. 224 Conforme podemos ler na folha de rosto da Artinha.
200
Com o aval do presidente do estado, o senhor Borges de Medeiros, a Artinha de João
Simões Lopes Neto foi encaminhada para a apreciação daquele conselho. Cabe destacar
que o autor era membro do PRR, participava com frequência de eventos e realizava visitas
à redação d’A Federação sempre que possível em visitas à Porto Alegre, como podemos
ler em páginas e mais páginas desse periódico. Não raro, principalmente no período de
1906 em diante, lemos que o autor está em Porto Alegre e na sequência que visitou a
redação d’A Federação. Inclusive, na ocasião em que foi à capital para proferir sua
conferência em 1906, foi o autor pessoalmente convidar o ilustríssimo senhor presidente
do Estado.
Após ser avaliada, no dia 25 de julho de 1908, o parecer acerca da cartilha foi publicado.
Consta neste parecer que a ortografia utilizada pelo autor na obra estava em desacordo
com a utilizada no Estado e, não podendo este impor tal ortografia, a artinha deveria ser
reparada para assim obedecer ao critério de ensino (A Federação, 27 de julho 1908, p.02).
Apontado o desacordo, deveria o autor reparar a sua cartilha e encaminhar
novamente para a apreciação. Não obstante, não acreditava o autor estar em desacordo
pois, a ortografia que apresentava estava de acordo com a deliberação de 11 de julho da
Academia Brasileira de Letras, mesmo ano em que compôs sua artinha. Por isso, não
satisfeito com essa resposta do Conselho escreveu uma espécie de carta de resposta, a
qual chamou de Ligeira Contradita (1908)225. O autor argumenta que era
Partidário da reforma para a simplificação e uniformização da grafia de nossa
língua, porém [...] unidade, e pois [...] no movimento, não podia atrever-me a
lançar inovação; hoje, o [...] está feita a [...] neste sentido, [...] pela Academia
Brasileira de Letras; concorrente que, no avançamento do tempo, há de
avolumar-se e acabará dominando em benefício da massa popular.
É dispensável reproduzir toda a copiosa argumentação pró e contra provocada
pela manifestação da Academia: o douto Conselho Escolar seguramente está
dele inteirado (LOPES NETO, 1908. p.01-02).
O autor deixa subentendido que sendo o órgão tão competente já devia saber das
proposições da Academia Brasileira de letras, bem como as discussões acerca dela. Ao
225 Esse manuscrito pode ser encontrado na íntegra no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRS),
arquivo pessoal de João Simões Lopes Neto, caixa 09. Na leitura, algumas palavras estão incompreensíveis,
seja por borrões de tinta no papel, seja pela incompreensão da letra “apressada” do autor, por isso, ao
transcrevermos partes que acreditamos fundamentais para a compreensão dessa pesquisa, haverá algumas
lacunas.
201
mesmo tempo, deixa claro o público alvo beneficiário dessa reforma, “a massa popular”,
ou seja, a quem destinava-se o ensino público. Além disso, mais adiante na carta ele diz:
O Ginásio Nacional já oficializou a adoção da grafia simplificada nos seus
cursos primários, nas bancas de exames de estudos secundários; ela não
prejudica os candidatos. Informaram-me que no Estado do Pará ela já está
decretada: está pois legalizada esta correta transformadora reforma, que só a
resistência e a inércia protelava e que se inoculará lentamente, como boa razão.
(LOPES NETO, 1908, p.03-04)
Os argumentos do autor são consistentes pois, o Ginásio Nacional, antigo Colégio
Pedro II, deveria servir de modelo à toda instrução nacional pública. Dessa forma, por
que não adotar a reforma da Academia Brasileira de Letras, se até mesmo o Ginásio
Nacional já adotou? Outrossim, refere-se ao fato de outros estados brasileiros já haverem
adotado tal reforma.
A reforma ortográfica da Academia Brasileira de Letras, tratava-se de uma
reforma fonética, que facilitaria a leitura bem como ensino da mesma. Por exemplo,
segundo o autor, por essa reforma dever-se-ia substituir ph por f, ch com som de k por qu
antes de e – i e por c antes de a, o, u (LOPES NETO, 2013, p.146). Assim, facilitaria
leitura tendo o som “real” da sílaba, bem como para ensinar a ler e escrever. Contudo, o
Conselho de Instrução Pública do Estado não aceitou seu livro, mesmo após a Ligeira
Contradita.
De acordo com Garcez (2013, p.159) no início do século XX somente Brasil e
Portugal eram estados nacionais que tinham a língua portuguesa como língua oficial de
fala e escrita. Nos dois estados o índice de analfabetismo era grande nesse período, no
Brasil em 1920, por exemplo, cerca de 65% da população com 15 anos ou mais era
analfabeta. Faltava políticas públicas nesse sentido e, por conseguinte, materiais didáticos
para o ensino da leitura. Portanto, a adoção da reforma da Academia Brasileira de Letras
vinha num sentido de facilitar a leitura para as camadas mais populares da sociedade,
diminuindo assim o índice de analfabetismo no país e, ao mesmo tempo, formando um
público leitor.
Em Uma proposição, em sua Artinha de Leitura o autor afirma:
A propensão verificada e que se impõe neste século é a da solução prática de
coisas e repousa neste axioma: o maior proveito sob o menor esforço e tempo.
Procura-se tudo simplificar, codificando em convenções todas as bases de
202
interpretação. Está-se positivamente abolindo toda a anfibiologia226, toda a
complicação, toda a farandolagem227 que toma o lugar sem expressar utilidade
real. Um indivíduo não é menos capaz, menos inteligente, menos estudiosos
nem menos apto para preparo, concepção e demonstrações cientificas porque
deixa de usar (e até reconheça) as letras minúsculas diferentes das maiúsculas.
Mais, incomparavelmente maior valor tem a feição sintáxica de uma língua;
no entanto, os maiores documentos morais, poéticos, políticos, guerreiros e
até entre os científicos, não primam pela pureza imaculada de sua gramática
– como a querem os gramáticos – e nem por isso deixaram de produzir
notáveis e até radicais consequências a humanidad228e. (LOPES NETO, 2013,
p.151-152)
Lembremos que em suas conferências cívicas o autor já falava que o século XX
era um século prático, positivo. Lembremos também que, a doutrina positivista de Comte,
que foi amplamente adotada e adaptado no Rio Grande do Sul, primava por uma educação
mais prática, principalmente priorizando o ensino técnico. Atento a esse novo tempo, bem
como as mudanças propostas pela Academia Brasileira de letras, onde repousavam os
maiores nomes de nossa língua, João Simões Lopes Neto seguiu seu rumo no ramo da
educação e alinhou a reforma a um método mais prático de ensino.
Outro ponto fundamental a se notar aqui é a questão da importância que o autor
dá para a língua nacional, o que ele chamava de brasilês. A uniformização da língua é um
aspecto importante para a formação da nação. A língua acaba por se tornar o modo de
expressão de toda uma comunidade, de toda uma nação. Para Fichte (2009), importante
teórico acerca da formação das nações, elas se construíam por diversos pontos culturais
como a língua. Marcel Mauss (2017) ao refletir sobre a língua como um aspecto formador
da nação, conclui que
[...] uma nação acredita em sua língua. Esforça-se mais ainda para conservá-la
do que para fazê-la viver; para difundi-la, mesmo que artificialmente, do que
para enriquecê-la com novos vocábulos ou novos falantes; para fixá-la mais do
que aperfeiçoá-la. O conservadorismo, o proselitismo, o fanatismo linguístico
são fatos totalmente novos que expressam a profunda individualização das
línguas modernas nacionais e, portanto, a das nações que as falam. (MAUSS,
2017, p.83)
Contudo, no caso do autor a questão da língua é distingui-la do português de
Portugal. E, ao mesmo tempo a questão é conservar essa língua, deve-se ter em mente
que essa língua é ainda nova, assim como a nação e seu povo. É uma língua em
226 Quer dizer: duplicidade, ambiguidade. 227 Refere-se a bugiganga, tralha, coisa inútil. 228 Grifo nosso. O autor demonstra a importância que dá para a língua, independente de regras gramaticais.
203
construção, que havia acabado de passar por uma reforma ortográfica229 que a tornava
mais lógica do ponto de vista da fala, ou seja, tirando pequenos entraves que dificultavam
a aprendizagem da leitura, tornava-a mais popular, uma língua de todos e não somente da
alta cultura das elites brasileiras. Na nota adicionada pelo autor na parte em que explica
a Reforma ortográfica em sua Artinha, podemos ler:
A feitura dessa artinha obedeceu a decisão da autoridade competente, qual é a
Academia Brasileira de Letras, que tornou oficial a reforma da ortografia
brasílica, extinguindo a anarquia que campeava na escritura de nossa língua –
louvado seja o decisivo cometimento da Academia, em que boa hora reagiu
contra a resistência da inércia – que mantinha peias que o viver hodierno
repudia. Falta-nos ainda um dicionário (etimológico-ortográfico de acordo
com a reforma) da língua portuguesa – ramo brasilês. As gerações da
atualidade para adiante gozarão enfim de valiosíssimas facilidades. Em tempo!
(LOPES NETO, 2013, p.147-148)
Portanto, no tocante a questão da língua, é interessantíssimo que o autor ao mesmo
tempo que comemora a mudança da reforma, que de fato facilitaria bastante o ensino da
leitura, salienta que ainda não possuíamos um dicionário que, nada mais é que um registro
oficial de nossa língua, uma forma de registrar e manter, como fala Mauss (2017). Ou
ainda como diz Anderson (2008, p.112), os dicionários monolíngues são o tesouro
impresso de cada língua. Por isso, pensemos que havia de se distinguir no nosso português
do português de Portugal, de certa forma, tínhamos que criar uma língua nossa, sem
estrangeirismos230, com o “toque local”, mais próxima do modo como nos
expressávamos. A língua é elemento crucial para a criação e identificação de uma nação.
Podemos notar então, que autor tendo uma visão bastante cívica sobre a educação, como
pudemos observar ao analisar nas conferências de 1904 e 1906, via na língua um ponto
de confluência para a criação dessa nova nação de cujo progresso, ainda por vir, não
podíamos mensurar. Mas era preciso trabalhar para isso, como ele expressou, e criar um
“novo” método de ensino de leitura e escrita, adotando a reforma ortográfica da Academia
Brasileira de Letras, era um trabalho e tanto. Mas, vale ainda apreciar mais uma
argumentação de Mauss sobre a língua, ele diz que
[...] nos tempos modernos, a língua cria, se não a nação, ao menos a
nacionalidade. O desenvolvimento das grandes literaturas cientificas e morais,
assim como a disposição mental gerada por métodos de educação idênticos em
229 Essa não foi a única reforma, houveram muitas outras antes de pois dessa. Nos últimos anos o Brasil
tem selado acordos ortográficos em conformidade com Portugal. 230 Vale dizer que a reforma suprimiu o uso do K, W e Y de palavras brasileiras.
204
escala de força insuspeitada, consegue talhar mentalidades nacionais mesmo
além dos limites do Estado. (MAUSS, 2017, p.85)
Assim, a língua consegue “talhar nacionalidades” como disse Mauss. Lembremos que
João Simões Lopes Neto queria despertar o sentimento nacional nos brasileiros e, nada
melhor que um poema, um conto em nossa língua materna, a língua que aprendemos a
falar e depois a ler e escrever, cria-se um sentimento pelo nosso vocabulário, pelos nossos
modos de expressão. E, cabe dizer ainda, que quando o autor foi “criar o seu gaúcho”,
teve de criar todo um outro vocabulário, uma outra forma de se expressar e mesmo assim,
ainda uma face da nossa língua materna com o toque regional. Uma nação diversa, deve
ter também sotaques diversos que, por sua vez, também nos identificam como brasileiros
de tal região do país. Assim sendo, a língua se torna um ponto de afirmação da
nacionalidade.
Mas, outros aspectos também compõem a Artinha, a começar pelo nome. De
acordo com Garcez (2013, p.160), seria o diminutivo de “arte” no sentido erudito, como
modo de designar um tratado de normas e conhecimentos para o exercício de uma
atividade, uma espécie de cartilha. Garcez (2013, p.160), diz ainda que o nome da
proposta de cartilha de João Simões Lopes Neto rende tributo ao antecedente livro
didático de alfabetização Cartilha maternal, cujo subtítulo era exatamente Arte de leitura.
Essa foi uma importante e celebrada cartilha, desde sua primeira edição em 1876. Era
também conhecida por “método João de Deus”, fazendo referência ao pedagogo
português que a criou propondo um método de “palavração”. Segundo Garcez (2013,
p.160), “O método João de Deus [...] consistia em focar o ensino da leitura na unidade da
palavra inteira para a análise diretamente a partir dos valores fonético-fonológicos. [...].”.
Esse método foi amplamente utilizado nas escolas brasileiras e, segundo Arriada, Peres e
Pereira (2018, p.11), altamente adotada na cidade de Pelotas nos anos finais do século
XIX.
Durante o século XIX, houve uma grande produção de cartilhas de leitura.
Sobretudo, na segunda metade do século, uma grande produção de cartilhas focadas no
método sintético de alfabetização (soletração, fonemas e da silabação), já no início do
século XX, partiu-se para a defesa de um método analítico, ou seja, processos de
palavração e da sentenciação, que eram influências da pedagogia norte-americana
(ARRIADA; PERES; PEREIRA, 2018, p.12). No Rio Grande do Sul, a Cartilha Nacional
205
de Hilário Ribeiro era a mais requisitada pelos professores. Quando João Simões Lopes
Neto cria a sua Artinha em 1907, já existia um volume razoável de materiais impressos
em circulação no Estado, porém, não havia uma uniformidade de método de ensino da
leitura, dividindo-se as produções entre o método analítico (palavração) e o método
sintético (de base fonética ou silábica) (ARRIADA; PERES; PEREIRA, 2018, p.15).
A Artinha de Simões Lopes Neto, do que tange a questão do método, segundo
Arriada, Peres e Pereira (2018, p.16) traz uma confluência dos métodos sintéticos e
analíticos231. Nela podemos encontrar desde o ensino por vogais e consoantes, silabação,
palavração, pequenas frases, bem como historietas. Está organizada em cinco partes
sendo as três primeiras guias didáticos para a alfabetização propriamente dita (vocais,
ditongos, relações entre letras, entre outras coisas), já a quarta parte destina-se a abrigar
quatro pequenos contos morais ilustrados sobre a teimosia, a curiosidade, a gula e
preguiça; na quinta e última parte inicia uma bateria de exercícios de particularidades,
treinamento para a leitura (GARCEZ, 2013, p.164-165). Existem ainda, ao final do
compendio, uma área dedicada ao professor onde dá conselhos e disserta sobre seu
“método” de ensino, quase como o que temos hoje nas escolas conhecido como livro do
professor.
Na primeira parte dedicada ao ensino da leitura e escrita propriamente ditos,
podemos ver letras, sílabas, palavras e pequenas frases, além, é claro de algumas notas
que serviriam de instrução ao mestre no uso do método e da cartilha. Podemos ler, na
parte que ensina sobre as sílabas mistas, as frases escolhidas pelo autor para leitura das
crianças, essas são bastante interessantes se pensarmos no projeto cívico e pedagógico:
231 Há pelo menos três vertentes do método sintético: alfabético (inicia-se pelo aprendizado do nome das
letras do alfabeto, depois a fazer combinações em sílabas e então montar palavras), silábico (inicia-se pelo
aprendizado das famílias das sílabas e depois a formação de palavras) e fônico (parte do som das letras, os
fonemas, o aprendizado se dá associando o som das palavras faladas com a grafia das letras, parte-se do
ensino de vogais e consoantes e não por sílabas ou palavras). O método sintético, atualmente, é bastante
criticado no Brasil, pois tanto o método alfabético quanto o silábico se dão de maneira mecânica, por
decoração, deixando também de lado toda a bagagem de experiências das crianças. O método fônico
também recebe uma série de críticas pois, existem palavras em português cujo som é diferente da grafia o
quer gera mais confusão do que aprendizado, outro ponto referente à esse método é que as crianças repetem
a exaustão as palavras, perdendo tempo de estarem fazendo atividades mais interessantes e lúdicas, que
abarcariam o universo da criança. Já o método analítico, também possui três vertentes: palavração (começa
pela identificação das palavras – sons e letras), sentenciação (o aprendizado inicia-se por frases inteiras) e
global (apresenta estrutura de textos – pequenas histórias ou contos). Comum também é a mescla desses
três métodos. Para mais ver:
https://revistacrescer.globo.com/Criancas/Escola/noticia/2016/02/alfabetizacao-conheca-os-metodos-
sinteticos-e-analiticos.html
206
“república do brasil/sou e serei brasilês232”, mais adiante ainda, lemos também “amo os
hinos e as glórias do brasil” e “nossa pátria é o
brasil/casa/rua/bairro/cidade/município/estado/ hino e bandeira” (LOPES NETO, 2013,
p.84;90;98). Portanto, podemos constatar aqui que João Simões Lopes Neto segue a
mesma linha de raciocínio que expôs em suas conferências cívicas, ou melhor, coloca em
prática as ideias que demonstrou naquela ocasião. O autor já no ensino da leitura, coloca
frases para a criança ler que estimulassem o sentimento e a consciência nacional.
Lembremos que era preciso criar um cidadão, era preciso despertar o sentimento nacional.
Outro aspecto interessante são as notas que o autor mantém ao longo da Artinha,
como uma espécie de conselho aos professores. Na lição que ensina as vogais, lemos a
seguinte nota: “Ensine a enunciar as vogais com som grave e não breve ou agudo; os
ditongos em uma só voz e não soletrando. Mostre a diferença das vogais com o som
agudo, que é forte. Não fale em outros sons, para evitar confusões. ” (LOPES NETO,
2018, p.16). O foco deveria ser a aprendizagem da leitura acima de qualquer coisa, não
obstante a postura do mestre se mostrava essencial para que a tarefa fosse cumprida com
sucesso. O autor abominava castigos físicos, bem como lições que só ensinavam a
repetição e pede em seu livro para o mestre “[...] proceda com moderação, sensatez e
paciência [e] faz lembrar Paulo Freire, que, muito mais tarde diria que o educador precisa
querer bem ao educando. [...]” (GARCEZ, 2013, p.170).
Quando se dirige ao mestre, em uma “palestra amigável”, podemos compreender
como o aquele deveria agir em relação as crianças:
Atenda que o progresso do aprendiz obedece à lei do ritmo; em algumas lições
ele aproveita, adianta-se; em outras parece estacionar; não haja, pois,
exigências demasiadas. O ensino da leitura, ao princípio, oferece sérias
dificuldades; não apure o iniciado; logo que ele aprenda o mecanismo da
silabação, os resultados serão surpreendentes. Por outro lado, não esqueça que:
I – Convém evitar a maneira imprópria de dar ordens233; a) palavras inúteis
[...]; b) ameaças vãs [...]; c) promessas [...].
II – É preciso saber mandar: a) não ordene senão aquilo que pode ser executado
[...]; b) não ordene senão aquilo que for indispensável [...]; c) dar poucas ordens
de uma só vez [...]; d) as ordens devem ser curtas e claras.
III – As crianças devem acostumar-se a obedecer desde os primeiros anos, e:
a) para impedir maus atos, adotar um tom severo se nada conseguirem as
advertências e os gestos repetidos; b) para fazer que cumpram atos necessários,
adotar tom alentador e persuasivo; c) não permitir que a criança se imponha
232 Todas as palavras encontram-se escritas em letras minúsculas, inclusive, Brasil, que por ser nome
próprio deveria aparecer coma primeira letra maiúscula. Contudo, faz parte do método de João Simões que
se apresente e ensine todas as palavras em letras minúsculas para não confundir a criança, e só quando esta
estivesse adaptada as palavras se faria essa diferenciação entre letras maiúsculas e minúsculas. 233 Grifos do autor para pontuar as prioridades.
207
pelas lágrimas; procurar-lhe o necessário consola-la se se achar realmente
triste; não ceder a suas lágrimas fingidas.
IV – Convém evitar uns tantos castigos; a) privar de coisas necessárias [...]; b)
injúrias [...]; c) censuras imerecidas [...]; d) censuras que desalentam [...]; e)
caçoadas cruéis e irônicas [...]; h) humilhações diante de estranhos [...].
V – Não desperte nunca na criança o medo, a inveja, o crime, o espírito de
intriga; desculpe os atos irrefletidos devidos a travessuras próprias da idade,
mas castigue qualquer tendência aos vícios do caráter; os castigos físicos
ferem e rebaixam o amor-próprio das crianças, e, sem emenda-las, tornam-
nas faltas de brio; não impor, convencer; procure fazer voltar a criança ao
bom caminho, por meio das palavras meigas e firmes. Influa desde cedo o
amor da pátria, o orgulho nacional, a força e a capacidade da nacionalidade,
a convicção e o entusiasmo de que há de ser – quando for homem – um cidadão
útil234.
A calma, a moderação; paciência, a meiguice – e a constância – são os
predicados do educador.
Não se deixe – nunca! – invadir pela cólera. (LOPES NETO, 2013, p.142-
144)
Podemos constatar que João Simões Lopes Neto propunha ao mestre uma
educação mais amorosa, mais compreensiva, mais humanitária, menos punitiva e
humilhante. Uma educação que tinha por objetivo principal o ensino da leitura, mas, que
ao mesmo tempo, tinha um sentido moral de compreender as brincadeiras das crianças
“típicas da idade”, deixando que os jovens sejam o que eles são, jovens, como disse em
suas conferências. Porém, pedia que o mestre reprimisse com veemência qualquer
tendência a vícios de caráter e, sobretudo, o mestre deveria transmitir desde cedo o amor
pela pátria e tudo o que isso envolvia para assim formarmos cidadãos úteis. Vejamos que,
apesar do principal objetivo da Artinha ser ensinar a ler e escrever, o autor, sempre que
pode alerta para a nacionalidade, para a construção do cidadão, coloca frases que remetem
à pátria, como já vimos, ou seja, sempre buscando ser coerente com o “projeto cívico”
apresentado nas conferências.
E, por falar em moral, a Artinha na quarta parte apresenta pequeníssimos textos
sobre temas morais sobre a teimosia, a curiosidade, a gula e preguiça, como já dissemos.
São historinhas interessantes, ilustradas, convidam a criança a participar e interpretar
através das ilustrações, a dar opinião sobre os temas, ou seja, além da criança aprender a
ler, através do exercício da leitura desses pequenos textos, ela aprende a interpretar o que
está lendo, interpretar figuras e, sobretudo, aprende uma lição moral para transformá-la
quando adulto em um cidadão útil. Para se ter uma ideia do que estamos falando, no texto
Um Teimoso, o autor conta a história do menino Juca que é muito levado, não para quieto
234 Grifo nosso.
208
e está sempre aprontando, mesmo que lhe avisem que pode se machucar, mas Juca que é
muito teimoso não ouve ninguém e, de certa feita resolveu se equilibrar em cima de
cadeira de embalo e então o autor conta:
Como tive de sair de casa, não sei o que teria acontecido, pois de volta achei-
o na cama, muito pálido e chorando, das dores que sentia.
– Oh, rapaz, o que é isso! Choramingar não é responder.
Diga-me você o que foi que sucedeu ao teimoso Juca.
Desta vez tomará juízo? Pode ser, pode ser! (LOPES NETO, 2018, p.108)
Através de historinhas como esta, o autor instigava a criança a pensar sobre os
temas morais, e se identificando com os personagens poderiam repensar seus
comportamentos. Dessa forma, desde pequena a criança já desenvolveria o discernimento
do que é certo e o que é errado. Essa também era uma forma de “regenerar” o povo
brasileiro, o ensinando desde de pequeno os preceitos morais e evitando que se corrompa
com vícios de comportamento e vícios morais. Acreditamos que João Simões Lopes Neto
era inspirado pela ideia de “homem novo” de Jean Jacques Rousseau, expressa em sua
obra Emílio ou da Educação, publicada em 1762. Essa obra revolucionou a pedagogia e
serviu de inspiração para várias teorias da educação do século XIX e XX. A ideia de que
a criança é boa em sua natureza, apta para aprender tudo, desde que bem instruída para
que a sociedade não a corrompa e a torne má. Quase no final da quarta parte, o autor
expõe mais preceitos morais. Sob o título: Ver, ouvir e calar, em forma de pequenas frases
o autor evidencia: “Quem diz o que quer ouve o que não quer. Não faças aos outros o que
não queres que te façam a ti. Teme a Deus, ama teus pais. ” (LOPES NETO, 2013, p.122).
Aqui encontramos o básico dos preceitos morais, não ofender, não fazer o mal, temer a
Deus e respeitar e amar a família, na figura dos pais. De acordo com Arriada, Peres e
Pereira (2018, p.10), “[...] para o escritor era preciso formar uma criança ordeira e
obediente aos pais e aos mestres, o que seria um importante investimento para a nação. ”.
A partes finais do livro dedicam-se à uma bateria de exercícios de vários tipos.
Além de uma parte que dedica inteiramente ao mestre, onde expõe seus princípios para o
ensino da leitura e a formação do pequeno cidadão.
Arriada, Peres e Pereira (2018, p.17-18), ao compararem a Artinha com outras
produções didáticas de sua época, principalmente as anteriormente utilizadas nas escolas
gaúchas, chegaram à conclusão que ele seguiu uma tendência em voga desde o final do
século XIX. Apontam ainda que o uso de imagens também não representa uma inovação.
209
Para eles, o grande aspecto original da Artinha está em sua proposta gráfica, começando
pela configuração das páginas que revela a proposição pedagógica para o ensino da leitura
pretendido pelo autor desde a organização das letras, palavras e frases nas páginas. Outro
ponto que os pesquisadores colocam é o uso de reticências como um recurso grafo-
ideológico. Segundo eles, o uso de reticências procura aproximar a oralidade da leitura,
indicam o não dito no texto escrito, além de indicar também as pausas que uma leitura
oral exige do leitor. Eles dizem que esse recurso não foi utilizado em cartilhas anteriores
e, ao mesmo tempo, não era comum, bem como o uso de travessões para destacar as letras
de cada lição.
Já Garcez (2013, p.166) em seu estudo detalhado sobre a Artinha aponta que
Além dessa organização criteriosa as lições exemplificam o emprego das
representações gráficas em foco em palavras, conforme o modelo do método
João de Deus, mas logo também em frases, culminando em seguida com
pequenas historietas para a leitura de iniciantes na parte IV. Bem mais
diretamente do que a Cartilha Maternal ou Arte de leitura de João de Deus, a
Artinha de Leitura de Simões Lopes Neto se compunha como livro didático
propriamente e bem menos como tratado de explicação de um método didático
de alfabetização.
Não obstante, para essa pesquisa pelo menos dois pontos merecem destaque, não
por acaso eles se alinham: o primeiro é objetivo principal da Artinha ser o ensino da
leitura, que por meio da reforma ortográfica da Academia Brasileira de Letras, se tornaria
mais acessível, principalmente para as camadas mais populares da sociedade, nas quais
os índices de analfabetismo eram bastante grandes. O analfabetismo era um problema
nacional e, podemos dizer, que em menor escala, ainda o é, mas precisava ser sanado. Um
novo tempo positivo, prático, de progresso não podia contar essa “pedra no sapato”. Além
disso, em meio a uma série de processos e métodos para alcançar tal objetivo,
encontramos o segundo ponto de destaque, ou um outro objetivo, tão importante quanto
o primeiro, o saneamento moral, o avivamento do sentimento nacional e a formação de
um cidadão útil. Lembremos que esses objetivos já estavam expostos em suas
conferências cívicas e foram postos em prática de forma bastante sutil, porém muito
objetiva, neste primeiro livro. Infelizmente, o Conselho de Instrução Pública do Rio
Grande do Sul não aceitou a Artinha, por estar em desacordo com a grafia oficial, como
já dissemos. Assim, não foi utilizada pela instrução pública e nem sequer foi publicada,
permanecendo perdida ao longo de muitos anos e, recendo uma edição totalmente inédita
apenas em 2013, ou seja, mais de cem anos depois.
210
Lembremos também que, em uma de suas conferências o autor disse apresentar
um livro que estaria fazendo e, que esse livro se chamava Terra Gaúcha, como um dos
livros que aponta na sequência da Artinha de Leitura. Veremos agora do que se trata esse
livro e como ele se insere nesse projeto de educação nacional, mesmo que seu nome faça
referência ao Rio Grande do Sul.
2.2.3 TERRA GAÚCHA OU A “CRIAÇÃO” DA REGIÃO/NAÇÃO
Terra Gaúcha: Histórias da Infância, assim como a Artinha, ficou perdido por
muitos anos e, diferente do segundo, não havia nem evidências de que ele de fato
existisse. Salvo, as palavras do autor nas conferências, sobretudo na de 1904, a qual se
dedica a apresentar o tal livro. Mas, em 1955, foi lançado pela editora Sulina, de Porto
Alegre, um livro chamado Terra Gaúcha: História Elementar do Rio Grande do Sul, de
acordo com Fischer (2013, p.215), “Trata-se de um livro de história do Rio Grande do
Sul para uso escolar [...]. O livro tem prefácio de Manoelito de Ornellas e texto
estabelecido por Walter Spalding, que apôs uma série de notas explicativas ao manuscrito.
”. Apesar desse livro também ser do autor e ter o mesmo nome, não era a esse livro que
ele se referia em suas conferências e nem na página de rosto da Artinha.
Estima-se que Terra Gaúcha: História Elementar da Infância, tenha sido
elaborado e escrito por João Simões Lopes Neto entre os anos de 1904 e 1906, contudo,
não se pode precisar exatamente o período em que o autor se dedicou à essa obra. Causa
espanto pensar que ela permaneceu inédita por mais ou menos um século, sendo
encontrada em 2008, em uma velha mala que pertenceu ao autor e estava sob posse de
Mozart Victor Russomano. Após o falecimento deste, a mala foi vendida ao pesquisador
Fausto Domingues e, dentro dela estava o manuscrito de Terra Gaúcha, aquele tão
efusivamente apresentado pelo autor em 1904. Ao professor Luís Augusto Fischer coube
a edição da publicação de 2013, que trouxe o manuscrito inédito a conhecimento público.
Agora você deve estar se perguntando, por que os dois livros têm o mesmo nome
se se tratam de publicações diferentes? Não é possível precisar uma resposta, mas
podemos pensar que com a Artinha sendo vetada pelo Conselho de Instrução Pública do
Estado, fato que deixou o autor bastante incomodado, talvez ele tenha resolvido deixar a
211
publicação do restante do projeto para um outro momento. Fischer (2013, p.217), aponta
que, como o primeiro livro não foi publicado o autor se sentiu à vontade para reaproveitar
o título. Aliás, reaproveitar títulos e textos é quase uma característica do autor. No
entanto, não acreditamos que esses “reaproveitamentos” tenham se dado de maneira
aleatória, acreditamos que o autor possuía plena consciência do que estava fazendo.
Mas, seguimos na análise do projeto cívico e pedagógico do autor, examinando o
Terra Gaúcha que, para nós, juntamente com as Conferências Cívicas de 1904 e 1906,
bem como a Artinha de Leitura, formam o cerne do projeto de João Simões Lopes Neto.
Cabe rememorar que nas conferências o autor expressou seu plano de criar um livro
nacional. Nacional no conteúdo e na forma, pois bem, podemos dizer que o autor foi
exitoso em seu projeto, mesmo que o livro não tenha passado de um “esboço”, já que não
foi publicado e ficou inacabado. O livro destina-se ao treino da leitura, ou seja, após
aprender a ler e escrever com a Artinha de Leitura, a criança poderia treinar a leitura com
o Terra Gaúcha. Este, é uma espécie de diário de um menino chamado Maio e, está divido
em duas partes intituladas respectivamente: As férias, na estância e O estudo, no colégio.
Na primeira parte o menino tem contato com o universo campeiro e aprende um pouco
dos costumes, tradições e da história do Rio Grande do Sul, já na segunda parte numa
escola moderna, higienizada, bem iluminada, ampla, laica e pública o menino aprende
lições morais, bem como se exercita nas aulas de educação física com o professor Schultz,
além disso, o menino possui um coleguinha de cada estado brasileiro e, por isso, sua turma
é conhecida por senhores estados, nome dado carinhosamente pelo mestrinho, uma
espécie de diretor do colégio.
Na primeira parte então, As férias na Estância, Maio se dedica à uma longa
descrição de hábitos e costumes campeiros do Rio Grande do Sul e, assim, vai tomando
forma a região que João Simões Lopes Neto visava “criar” em sua narrativa. Ou seja, na
fala no menino Maio constatamos as imagens, tipos sociais, histórias, enfim, tudo o que
o autor elegeu para formar o seu discurso regional que visava contemplar a nação, pois,
mesmo a primeira parte se tratando do Sul, não raras são as vezes que o autor menciona
a pátria, bem como a ideia de melhoramento a partir do conhecimento. Mas, observemos
que o autor demonstra certa visão idealizada do campo em comparação a cidade235. O
235 De acordo com Raymond Williams (1990), ao longo da história da humanidade, associamos campo a
cidade à elementos positivos e negativos, por exemplo, o campo ao mesmo tempo que é associado à uma
forma natural de vida, um lugar de paz, inocência e virtudes simples, é também associado à um lugar de
atraso, ignorância e limitação. Já a cidade é pode ser associado à um centro de realizações, de saber,
212
menino argumenta que é uma pena que nem todos os homens possam viver no sossego e
na fartura do campo e, teimam em viver nas cidades. Ele diz que no campo, não vê pessoas
pedindo esmolas à sua mãe, pelo contrário, no campo até os mais pobres sempre tem algo
para oferecer e conta que:
[...] todos os dias vêm vizinhos e conhecidos nossos, gente de perto e de longe,
trazer – dadas – frutas para minhas irmãs e para mim ovos e galinhas, ou queijo
ou uma lata de doce, para minha mãe. [...]
E tudo é dado de tão boa vontade, com tanta franqueza, que a gente até se
acanha de recusar. Os que se dizem pobres, aqui, dão; lá na cidade, muitos que
parecem poder dar, pedem. Já tenho ouvido dizer que em outras terras se morre
de fome; isso será lá: aqui é impossível. Na minha terra até o pobre sempre tem
para dar ao mais pobre. No campo, na roça, parece que é onde está a felicidade.
(LOPES NETO, 2013, p. 17-18).
Aqui, notamos a ideia de que o Sul é um lugar de fartura236, onde é impossível morrer de
fome, como em outros lugares, pois neste lugar até o mais pobre sempre tem algo a
oferecer a quem mais precisa. Além disso, notamos que o menino protagonista da história
é filho do dono da estância e que algumas pessoas – vizinhos e agregados – sempre levam
“presentes” para ele e as irmãs, bem como à seus pais. Outro ponto, é o autor relacionar
a felicidade ao campo, lembremos que nas conferências o autor diz que as regiões mais
afastadas teriam sido menos “contaminadas” pelo estrangeirismo e, por isso, nesses locais
ainda se cultivava o que havia de mais nosso, mais tradicional.
Tema fundamental nesta primeira parte do livro, mas não só, pois podemos dizer
que é um tema recorrente por toda a publicação é a questão da importância da família,
sobretudo, das mães. Somente nesta primeira parte temos três textos dedicados à família
em especial, dos quais dois são sobre a mães: Minha Mãe, Todas as Mães, Meu Pai e
Minha Irmã. Vale lembrar que as mães têm um papel importantíssimo na educação dos
filhos, bem como, na educação de toda a família segundo a doutrina positivista à qual se
tornou ideologia do governo do PRR no Rio Grande do Sul. Em Minha Mãe o menino
conta que
comunicação e luz e, ao mesmo tempo, pode ser um local de barulho, mundanidade e ambição. De forma
geral, campo e cidade estão sempre em constrate. Para mais ver: WILLIAMS, Raymond. Campo e cidade
na História e na Literatura. – São Paulo. Editora Schwarcz Ltda, 1990. 236 A ideia de o campo ser um lugar onde se tem fartura, ou a ideia de vir do campo todo o nosso farto
alimento, lembra a ideia do Rio Grande do Sul como celeiro do Brasil, ou seja, o lugar de onde vem o
alimento para todo o Brasil, um lugar realmente de fartura advinda do campo. A historiadora Sandra
Pesavento (1980, p,44), afirma que “O Rio Grande, desde a sua formação, constituíra-se nos moldes de
uma economia agropecuária, subsidiária da agroexportação, voltada para o abastecimento do mercado
interno brasileiro com a exportação de gêneros alimentícios, pelo o que era conhecido pelo cognome de
‘celeiro do país’. ” A autora argumenta ainda que a república veio confirmar essa posição gaúcha de
fornecedor do mercado interno do país.
213
E minha mãe cuida da casa, cuida de todos nós e tem tempo para tudo; todas
as tardes passeia de braço dado com o meu pai, e à noite, enquanto siá Mariana
nos conta histórias, ela toca piano ou borda ou cose, fazendo roupinhas para
nós ou para os afilhados, filhos de vizinhos ou posteiros ou agregados da
estância.
Que bom que, quando as minhas irmãs forem moças, sejam como a nossa mãe.
Isto seria consolador. (LOPES NETO, 2013, p.19).
Notamos que a mãe faz tudo pela família, cuida dos filhos, do marido, e ainda tem tempo
de fazer roupinhas para os filhos e afilhados, esses afilhados, como explica o menino, são
filhos de vizinhos, de posteiros ou agregados. Por isso, façamos uma pequena pausa na
nossa análise sobre a importância da família para a criança, para observarmos um pouco
mais de perto essas relações entre a família de Maio, ou seja, os donos da estância, e seus
vizinhos e “funcionários”. Na nota número três dessa historinha, lemos a definição de
posteiro e agregado:
Posteiro: empregado da fazenda encarregado da guarda de um posto, uma
posição distante da sede da fazenda, nos limites dela, em que o posteiro mora,
até com sua família. Agregado: também empregado, mas trabalhando em
afazeres gerais, em geral envolvendo sua presença na sede da estância; o fato
de ser considerado agregado implica certa proximidade afetiva com o
proprietário (no mundo escravagista, o agregado era um protegido, que gozava
de cartas regalias do senhor, relativamente aos escravos do eito), num regime
de favor. (LOPES NETO, 2013, p.19).
Se levarmos em conta essa definição da nota, com o que menino expõe sobre a relação da
mãe com os afilhados e, anteriormente, dos muitos presentes em forma de agradecimento
que recebem dessas mesmas pessoas das quais seus pais são vizinhos, ou patrões, ou
mesmo padrinhos, nos revelam uma certa relação de paternalismo237. O exemplo mais
evidente dessa relação no livro é o de siá Mariana que é uma negra agregada da estância,
o menino conta que ela carregou o seu pai no colo, o que demonstra que siá Mariana “está
na família” há bastante tempo, no texto Uma Agregada o menino diz que “É agregada da
estância, a siá Mariana; lá vive ela no seu recanto, muito sossegada e farta. Aquele pedaço
de campo, que é um rincãozinho muito bonito, é como se fosse dela. Ali casou-se, ali
237 Segundo E.P. Thompson (1998), qualquer sociedade em que a autoridade econômica e social e os
poderes judiciários sumários estiverem concentrados em um único lugar pode ser chamada de paternalista.
Contudo, o autor alerta que esse é um termo frouxo e tende a realizar uma descrição das relações sociais
vistas de cima, o que não o invalida. No caso em que destacamos, podemos ver que toda a autoridade
demanda do núcleo da estância, ou melhor dizendo, do núcleo familiar dos donos da estância, cuja
autoridade, empregados e agregados estão submetidos.
214
conviveu, ali criou uma filha que hoje vive [...]238. ” Ou seja, siá Mariana vive em “um
pedaço de campo” que não é dela, provavelmente cedido à ela e ao marido – um antigo
capataz da estância, já falecido, que foi companheiro de ordenança do avô do menino nas
campanhas antigas do Rio Grande – para que ali vivessem, plantassem e criassem alguns
animais para subsistência, em troca de o marido “trabalhar” de capataz da estância e ela
de cuidar da casa e das crianças. Essas relações faziam parte do universo rural no Brasil,
e não podemos dizer que elas não existam nos dias.
Contudo, voltemos ao tema que nos ocupava, a importância da família na
formação da criança. Após falar de sua mãe em especial, o menino fala de Todas as Mães,
afirmando assim: “As cores das mães, as suas feições, os seus corpos, serão diferentes:
uns feios, defeituosos, até disformes, ou serão agradáveis, bonitos; mas a voz, a voz das
mães, quando diz ‘Meu filhinho! ’, é sempre suave, harmoniosa, doce, de consolação...
Mas a da minha mãe ainda mais que todas! ” (LOPES NETO, 2013, p.20). Assim, as
mães, independentemente de seu porte físico, são sempre doces, suaves. No colo de uma
mãe cabe toda a consolação. A mãe é uma espécie de “porto seguro” da família. Já o pai
é representado como um homem justo e destemido, quase como uma espécie de herói, é
forte, cavalga pelos campos com seu pala branco ao sol, está sempre nas lidas campeiras,
além de ser ainda, “[...]bom, generoso e leal [...]” (LOPES NETO, 2013, p.21) e, na
sequência o menino conta porque:
[...] O ano passado, quando viemos à estância, pelo S. João, encontramos na
estrada um caboclo velho, estanguido de frio em cima do seu cavalito, que era
um baio rabão e que estava na espinha. Pois meu pai tirou o casacão forrado
de flanela de quadradinhos e com a gola de veludo, e fez o velho vesti-lo;
depois deu dois relhaços no matungo do caboclo e tocamos todos a galope,
meu pai em mangas de camisa, cantarolando a tirana... o caboclo, confortado,
se mirando todo, eu com pena do papai e contente pelo chiru, e o seu Juca
Polvadeira com o chapéu bem de banda, puxando o cavanhaque e rindo-se,
como um ar de quem diria: ‘Aprenda, menino, que fazer o bem até dá calor no
coração!...’ (LOPES NETO, 2013, P.21).
A lição aqui é de generosidade e bondade, destacando o bom exemplo do pai. Tão bom
exemplo que o menino diz que quando crescer quer ser como pai, forte com os atrevidos
e compassivo com os fracos, um guasca, ou seja, um homem honrado (LOPES NETO,
2013, p.22). Por meio da descrição do menino, podemos notar ainda que o pai dele, assim
como o pai de João Simões Lopes Neto, era daqueles homens filhos de estancieiros e
238 Está em branco no manuscrito o restante da frase, segundo nota da edição da publicação.
215
charqueadores que iam por temporadas ao campo onde dominavam a maioria das lidas
campeiras, mas, como moços de famílias abastadas, também haviam recebido a melhor
instrução disponível. Por isso, também portavam-se muitíssimo bem nos bailes e reuniões
da sociedade. O menino diz que “[...] quando [o pai] vem para a cidade, veste a
sobrecasaca, sabe dançar fazendo mesuras as senhoras, canta trechos de óperas, sabe
versos, lê jornais e é bem recebido em todas as rodas. / Só não gosto quando papai dá para
falar em política: a gente nunca entende nada239. Até me dá sono. (LOPES NETO, 2013,
p.22). Dando a entender que política não é assunto de criança.
Em outro momento, o menino fala de sua irmã Ará240, diz que brincavam juntos
pelos campos, corriam, alimentavam os filhotes de passarinho e que ela é [...] jeitosinha
e diligente, a Ará já faz o seu crochê, já dá os seus pontos de costura nas roupas das suas
bonecas, já se mete a querer ajudar a mamãe nos doces e arranjos da despensa, é muito
caprichosa em todas as lições e cuida muito dos livros e cadernos, e na hora da sesta,
ainda ela dá uns cafunezinhos no papai, que ele cochila logo! (LOPES NETO, 2013,
p.43). Ou seja, mesmo que as crianças brincassem juntas e fizessem os mesmos tipos de
atividade, ao contrário do menino, menina está aprendendo a ser uma dona de casa e uma
mãe dedicada ao cuidar de suas bonecas, para que no futuro se tornasse uma boa esposa
e mãe, por isso, o exemplo da mãe era tão importante para as meninas, do seu papel
fundamental de esteio da casa e da família nessa sociedade do início do século XX no Rio
Grande do Sul.
Outro ponto interessante aqui é que o menino conta que ela cuidava muito bem de
seus cadernos e livros e era bastante dedicada ao fazer as lições, contudo, não
encontramos referências de meninas na escola do livro. Nem nas conferências o autor fala
sobre um ensino misto, referindo-se sempre aos meninos, aos pequenos cidadãos. Neste
caso, cabe supor que a menina estudava em casa com professores particulares ou em
alguma escola somente para meninas onde além das lições elementares, aprendiam a ser
pequenas “damas”, aprendiam o que era preciso para ser uma boa esposa e mãe. No que
239 Esse relato do menino, se justapõe com o que o historiador Mário Osório Magalhães fala sobre os filhos
de estancieiros e charqueadores na cidade de Pelotas no século XIX. Para mais ver: MAGALHÃES, Mário
Osório. Opulência e Cultura na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul: um estudo sobre a
história de Pelotas (1860 – 1890). Florianópolis, UFSC, 1993.
240 O núcleo familiar da história é formado pelo pai, pela mãe, pelo menino Maio e por suas irmãs, Ará e a
caçula Ivoti. Cabe observar que todas as crianças possuem nomes indígenas, ou melhor, nomes tipicamente
brasileiros.
216
tange o Colégio Municipal do livro, a única criança da família matriculada é o Maio,
todos seus colegas são meninos, o que dá a entender que esse era um colégio para
meninos.
A importância da família como esteio e exemplo para as crianças será ressaltada
ao longo de todo o livro. Não são raros os textos em que o pai ou mãe explicam coisas ao
menino ou o ouvem contar de sua escola e fazem comentários. Lembremos que a família
é um pilar importante para a sociedade e, principalmente, dentro do contexto do governo
do PRR no Rio Grande do Sul com inspirações altamente positivistas. A família também
vem, de certa forma, dar amparo moral, recordemos que, segundo o autor, era preciso
reforçar o caráter e “trabalhar” a moral dos jovens, para no futuro, serem cidadãos úteis
à pátria.
Além da importância da família, essa primeira parte tem como foco apresentar à
criança, que estaria fazendo a leitura do livro, um pouco da história, dos costumes e das
tradições do Rio Grande do Sul. Portanto, cria, de certa forma, um raciocínio onde estão
presentes dois núcleos fundamentais para a formação da criança: o primeiro de vivência
– é o núcleo familiar –, o segundo o de sua terra, o local onde nasceu. Destaca-se que
pátria e família aparecem em um mesmo conjunto e, não obstante, vem misturadas,
formando quase que uma mesma coisa. Acreditamos que a ideia era criar uma sequência
que fizesse sentido para a criação ou o despertar do sentimento nacional pois, a criança
compreendendo a história, ou melhor, o que veio anteriormente ao seu tempo presente,
poderia manter uma espécie de memória coletiva que nutriria o sentimento nacional. A
respeito da memória nos diz Halbwachs (2003), que quando lembramos de
acontecimentos de nossa infância, quando ainda muito pequenos, não se tem a noção
precisa do quanto lembramos daquele fato ou, de quanto lembramos de nos contarem
sobre aquele fato, ou seja, de tanto ouvirmos contar determinando acontecimento criamos
uma espécie de memória em relação a ele que fica bastante dissociável do que lembramos
de fato, ou da imagem que construímos a partir daqueles relatos de outrem.
Nesta perspectiva, podemos notar a perspicácia do autor, pois, ao mesmo tempo
que apresenta a história do Rio Grande do Sul, a partir dos relatos do menino Maio, este
vai, de certa forma, se apropriando dessa história, encontrando pontos em comum com a
história de sua família, portanto, criando uma identificação direta com que o está contando
a quem lê, criando igualmente uma espécie de memória coletiva que dá sentido ao
sentimento de pertencimento e, logo, de patriotismo. A construção histórica está disposta,
217
numa espécie de ordem cronológica, da seguinte maneira: A Sesmaria, Os Tapumes, O
Primeiro Rancho, A Tapera, A Estância, O Gaúcho e O “Monarca” e segue. O estudo é
bastante detalhado, mesmo se tratando de um livro de treinamento para a leitura. Para
compreendermos melhor como o autor insere a criança à história do Estado, cabe
elencarmos para tal o texto O Primeiro Rancho, no qual destacamos na íntegra:
É uma história comprida, esta, mas meu pai contou-me, uma, duas, três, muitas
vezes, propositalmente, para eu sabê-la bem, e depois obrigou-me a repeti-la,
tim-tim por tim-tim. Diz ele que é assim que as famílias devem saber a sua
própria história, contada de pais a filhos, e para os mais moços conhecerem e
respeitarem a memória dos mais velhos, que trabalharam para o seu bem, e
aprender a imitarem os belos atos de virtude por eles praticadas.
Quando o brigadeiro Pais, em 1736, atacou o forte de S. Pedro do Rio Grande
(onde hoje é a cidade do Rio Grande), que estava em poder dos espanhóis, e os
venceu e expulsou, vinha nas suas forças um moço português, simples soldado,
alegre de sua vida, valente e de gênio aventuroso. Deu baixa do serviço,
internou-se no Continente e mais tarde pediu e obteve a concessão de uma
sesmaria de terras. Tomou logo posse do seu campo e construiu o seu palácio:
voltado para o nascente, ao abrigo de um coxilhão, na ponta de uma restinga,
o palácio era um singelo e pobre rancho, feito de torrão de terra e coberto de
palha de santa-fé.
Quantas vezes teve o recente estanceiro de abandonar por longos meses a sua
família e o rancho sossegado para andar pela campanha, de arma na mão,
lutando para defender e garantir o território, que era já o da pátria dos seus
filhos, ainda pequeninos! Ali se criaram os primeiros brasileses da minha
família, todos, mulheres e homens, fortes, generosos e hospitaleiros. Dali,
daquele ranho humilde, mas farto e honesto, ainda filhos e netos saíram e
tiveram de viver mais como homens de guerra do que como trabalhadores
pacíficos, porque o Rio Grande, a sua terra amada, continuava a ser invadida,
ensanguentada, saqueada pelo estrangeiro ambicioso e traiçoeiro, que teimava
em não abandonar o território que não lhe pertencia.
Foi por esse tempo que apareceu o gaúcho mais destorcido do Rio Grande, o
valoroso Rafael Pinto Bandeira. Ele tornou-se o cento da resistência: ninguém
recuava, e os rio-grandense expulsaram de uma vez para sempre o estrangeiro
invasor do solo patrês. Veio uma era de sossego.
Casou-se; foi trabalhando; o casal era econômico, caritativo, estimado. E
quando houve algum dinheiro disponível, construiu a casa, que ainda hoje nos
abriga. Ela foi feita conforme planejara antes aquele moço português, simples
soldado, de alma alegre e coração bondoso, que foi o tronco da família, aquele
João241, sem mais nada, aquele avozinho desconhecido, que eu bendigo, porque
ajudou para que eu, seu netinho, possa agora viver como rio-grandense e como
brasilês, livre na minha terra, independente na minha pátria. Abençoado sejas,
avô! (LOPES NETO, 2013, p.24-26).
241 Há muitos pontos em comum entre a história de Maio e a história do próprio autor e aqui encontramos
um ponto: João Simões Lopes Neto é descendente de portugueses. Seu bisavô, o comendador João Simões
Lopes veio para o Brasil no início do século XIX e estabeleceu-se como fazendeiro no povoado que mais
tarde seria denominado Freguesia de São Francisco de Paula, posteriormente, cidade de Pelotas; casou-se
com Izabel Dorothea que era sobrinha de Izabel Francisca, uma das maiores proprietárias de sesmarias da
época, após o falecimento da tia, o casal que vivia na Estância dos Laranjais, recebeu boa parte da
propriedade, que passou a chamar-se Estância da Graça (DINIZ, 2003, p.29). Foi nesta estância que o
menino João Simões Lopes Neto viveu até os oito anos. Para ver mais sobre os antecedentes familiares do
autor ver: DINIZ, Carlos Francisco Sica. João Simões Lopes, uma biografia. – Porto Alegre, RS:
AGE/UCPEL, 2003.
218
Note-se como a história da família se cruza com a história do Estado e, por
conseguinte, da pátria, já que, foi para expulsar os espanhóis que o avô do menino veio
de Portugal e, depois, para expulsar os castelhanos do solo brasileiro é que o avô
abandonou a família e a estância muitas vezes. Notamos também como tudo vai se
justapondo no livro, dado que, o primeiro textinho sobre a história do Rio Grande do Sul
é A Sesmaria, onde o menino explica como se deu a delimitação das terras do estado pós
1750242, da domesticação do gado xucro, proveniente das criações dos jesuítas nas
Missões, da colonização portuguesa no estado e a distribuição de terras como recompensa
pelas lutas para manter o território, as chamadas sesmarias. Foi numa sesmaria que a
história da família em solo brasileiro começou, de uma casinha simples, ao triunfo do
esforço e do trabalho que, tempos depois, possibilitaram que se erguesse a estância onde
hoje, ainda, a família desfruta. Vemos também que, quando os homens valentes que
viviam aqui, como Rafael Pinto Bandeira, se ergueram contra o inimigo invasor, os
expulsaram e um período de paz e prosperidade reinou nos pagos do sul.
Está criada assim a história de um passado heroico e mítico, onde os homens
tiveram de lidar com inúmeras adversidades, desde o invasor espanhol, ao gado xucro e
posteriormente os castelhanos que não respeitavam as fronteiras da nação. Assim, nos
tornamos um povo valente, que luta para proteger as terras da pátria, que trabalha e
batalha por um futuro melhor e, que, sobretudo, passou por todas essas adversidades para
deixar seu legado aos que vivem no presente, estabelecendo assim uma conexão entre
passado, presente e futuro. Desse modo, o que autor objetivava era uma construção
histórica da região, visando demonstrar a história e a tradição gaúcha em conformidade
com a história do Brasil. Dessa forma, como salienta Mauss (2017, p.89), “[...] embora
seja a nação quem faz a tradição, procura-se reconstruir a nação em torno da tradição. ”,
ou seja, precisa-se criar uma tradição que dê sentido para aquela região. Neste sentido,
Durval Albuquerque Júnior (2011, p.93), coloca que
O discurso tradicionalista toma a história como o lugar de produção da
memória, como discurso da reminiscência e do reconhecimento. Ele faz dela
um meio de os sujeitos do presente se reconhecerem nos fatos do passado, de
reconhecerem uma região já presente no passado, precisando apenas ser
enunciada. Ele faz da história o processo de afirmação de uma identidade, da
continuidade e da tradição, e toma o lugar de sujeitos reveladores desta verdade
eterna, mas encoberta.
242 Neste ano foi assinado o Tratado de Madri entre os reis João V de Portugal e Fernando VI da Espanha,
tal tratado reestabeleceu as fronteiras das colônias na América do Sul, acabando assim com as disputas
territoriais.
219
E é essa memória histórica que não podíamos perder. Lembremos que o autor em
suas conferências dizia que deveríamos saber tudo de nós mesmos, num sentido de que
não se perdesse a memória e tradição que dá sentido, que da unidade para a região e, logo,
para a nação. Por isso, o esquecimento é tão temido, tão prejudicial, como expõe Jacque
Le Goff (1922, p.425), “[...] a amnésia é não só uma perturbação do indivíduo, que
envolve perturbações mais ou menos graves da presença na personalidade, mas também
a falta ou a perda, voluntária ou involuntária, da memória coletiva nos povos e nas
nações que pode determinar perturbações graves da identidade coletiva243. ”. Ou seja, se
perdermos nossa memória coletiva, a nossa identidade está em risco e, logo, toda a
história e tradição de uma nação também.
Assim, fica explicito o “embate” bastante interessante entre memória e
esquecimento. O que está em jogo é toda uma construção de nação que passa pelos mitos
de origem, os grandes feitos, personalidades. Sendo o Brasil uma nação ainda muito
jovem, com território bastante extenso, era necessário, por meio dessa construção da
história e da tradição, preservar a nossa memória, nossas raízes, para que pudéssemos ter
esteio e esperança ao olhar para o futuro. Para que assim, pudéssemos “ligar os pontos”
que uniam as múltiplas regiões sob o solo dessa grande pátria que é o Brasil. Portanto, o
autor faz um recorte da história, começando exatamente por onde se delimita de fato o
território e suas fronteiras. E, o território é a representação geográfica da nação, é um dos
pontos chaves para que se defina uma nação. Ao mesmo tempo, mostra como foram duras
as lutas para manter esse território livre de invasões de diversas ordens. Fato que só se
deu por causa da bravura e coragem dos que fizeram do Sul seu lar – os portugueses – e
dos filhos da terra que, como bons patriotas que eram lutaram para manter as fronteiras
brasileiras protegidas. Dessa maneira, o povo rio-grandense dedicou-se incansavelmente
para manter essas fronteiras intactas pois, acima de tudo, eram brasileiros e, era por essa
terra que tanto se arriscavam.
Nesta primeira parte do livro de leitura, portanto, o autor recorre a história e aos
mitos para criar um passado mítico, método comum no processo de criação de identidades
e da criação da nação. Para ele suas narrativas podiam auxiliar no processo de criação de
uma identificação e logo uma ideia de pertencimento à região e, por conseguinte, à nação
243 Grifo nosso.
220
a qual ela faz parte. Essas referências são apontadas pelo autor como importantes para a
construção dessa identidade, pois, como vimos, as identidades não são algo que nascem
conosco, são criadas de diversas formas ao longo de nossa existência (HALL, 2006) e,
precisavam ser trabalhadas desde de cedo, quando o futuro cidadão era ainda uma criança.
Para que se possa construir identidades é preciso que “existam” certos tipos sociais como
referência. Na história do Rio Grande do Sul, que é foco deste estudo, temos a figura do
gaúcho, do monarca, o capataz, entre outros, todos advindos do mundo rural que, é nossa
referência geográfica, ou seja, toda a “gênese” do povo sul-rio-grandense vem das lutas
por manter as fronteiras e das atividades no campo, como a pecuária, iniciada com a
domesticação do gado selvagem.
Contudo, até mesmo o vocábulo gaúcho precisou, ao longo da história, de uma
ressignificação, ou seja, precisou perder o seu sentido primitivo (elemento largado,
seminômade, “bárbaro” e, até mesmo, ladrão) para se revestir-se de outro, mais elogioso;
como demonstra Augusto Meyer (1960, p.32), “[...]. Havia, como em tudo, um lado bom
no ladrão e coureador do campo: a sua habilidade campeira, além da aptidão para a guerra,
virtudes, aliás, que foram exploradas pelos representantes da lei. ”. Não obstante, foi
quando as condições de vida se modificaram, com a organização do trabalho nas
estâncias, que o gaúcho passou a ter um equilíbrio entre o nomadismo e a atividade
regular, “nascendo” assim o tropeiro, o agregado ou o peão de estância (MEYER, 1960,
p.33). Portanto,
[...] logo de início, para os capitães-, generais ou autoridades e primeiros
proprietários de terras [o gaúcho era o ] – ladrão, vagabundo, contrabandista,
coureador; para os capitães de milícias e comandantes de tropas empenhados
em guerras de fronteira – bombeiro, chasque, vedeta, isca para o inimigo, bom
auxiliar para o munício e remonta; nas guerras de independência do Prata, ou
nas campanhas do sul – lanceiro, miliciano; a contar de certo momento
histórico, no Rio Grande do Sul, para o homem da cidade – o trabalhador rural,
o homem afeito aos serviços do pastoreio, o peão de estância, o agregado, o
campeiro, o habitante da campanha; na poesia popular, um sinônimo de bom
ginete, campeiro destro, com tendência para identificar-se com os termos
guasca, monarca244; e finalmente, para todos nós, um nome gentílico, a
exemplo de carioca, barriga-verde, caprichada, fluminense245. (MEYER,
1960, p.35)246.
244 Grifo do autor. Note-se que João Simões Lopes Neto utiliza o termo guasca, em Terra Gaúcha, quando
o menino se refere ao pai, num sentido de homem honroso. 245 Grifo do autor. 246 Para mais sobre como a palavra gaúcho passou de uma significação negativa, pejorativa, mas algo
elogioso como um gentílico, ver: MEYER, Augusto. Gaúcho, História de uma Palavra. IN: Prosa dos
Pagos. – Rio de Janeiro, Livraria São José, 1960. pp.09-42.
221
João Simões Lopes Neto como bom entendedor da tradição que era, em seu
livrinho de leitura ao tratar do Gaúcho, para explicar o que significava a palavras, diz que
ela vinha do árabe chavúch, que quer dizer tropeiro e, os espanhóis torceram-na para
cháucho, que na América ainda virou gáucho e no Rio Grande do Sul gaúcho (LOPES
NETO, 2013, p.29). Para trazer definições mais precisas e, ao mesmo tempo, demostrar
perícia sobre o tema, o autor cita o Vocabulário Sul-Rio-Grandense (1898) de
Romanguera Correa247 e História do General Osório (1894), do Dr. Fernando L. Osório.
A partir daí, segue o autor prossegue na mesma linha de raciocínio de Meyer. A palavra
gaúcho passou por uma ressignificação do termo, versando em destaque sempre a valentia
e o instinto guerreiro que resultou da mescla dos guaranis com os primeiros
colonizadores, portanto, o gaúcho é um ser mestiço! Mas, a modernidade havia o
transformado:
Hoje é outro, o gaúcho. Ele, que era dos poucos homens independentes sobre
a terra, foi enleado e absorvido pela civilização moderna, com todos os seus
egoísmos e hipocrisias e todas as suas vantagens e progressos; o modo de viver
entrou a modificar-se, e o estancieiro antigo, o ‘monarca das coxilhas’, o
gaúcho franco, rude, leal e desprendido, foi-se transformando num outro tipo
de homem, herdeiro das
antigas virtudes, que adornou e melhorou com os primores do estudo, os
fulgores da ciência. (LOPES NETO, 2013, p.31).
Interessante a perspectiva do autor pois, ao mesmo tempo que diz que o gaúcho se
modificou ao ter contato com civilização moderna, ora adjetivada de forma pejorativa,
ora de forma positiva, ele foi-se transformando num outro tipo de homem e, melhorou
seu já qualificado quadro, por meio dos primores do estudo e da ciência pois era herdeiro
de antigas virtudes. Ou seja, o gaúcho que já carregava consigo a liberdade, a franqueza,
a valentia, transformou-se em outro homem e melhorou a partir do estudo e da ciência.
Portanto, apesar de pesares, não notamos no autor um tom de lamentação em
relação à transformação da tradição com essa mudança ou com as mudanças que se
apresentavam naquele novo tempo. Podemos notar em pelo menos dois textos como o
autor trabalha esse raciocínio. Em Se eu fosse peão... o menino Maio diz a seu Juca
Polvadeira, o capataz da estância, que gostaria de ser peão da estância e assim não
precisaria ir para o colégio. Muito sábio, Juca Polvadeira responde ao menino assim: “[...].
Se todos pensarem assim, vai ser bonito: vamos andar como o caranguejo, que caminha
para trás... [...] agora imagine um pobre peão, coitado, que nasce, vive e morre numa vida
247 Tal vocabulário aparece em várias partes do livro, ou seja, era uma referência direta para o autor.
222
de bicho bruto! Amigo: quem dera que houvesse uma escola na porteira de cada estância!
” (LOPES NETO, 2013, p.37). Cabe destacar aqui, a ideia de democratização do ensino.
Em outro texto, intitulado O Outro Tempo, podemos notar uma conversa do pai
de Maio com o sr. Marcos, que era tropeiro e tinha um filho da idade de Maio – Roberto
– , que também iria estudar no Colégio Municipal, mais uma vez dando ênfase a
democratização do ensino. Na conversa o sr. Marcos diz:
[...] – Está, amigo, está tudo muito mudado na nossa terra. Devia ser
mesmo um pouco assim, mas não tanto.
– Que quer – respondeu meu pai –, novos tempos, novos costumes.
– Mas – retrucou o sr. Marcos –, olhe que aprendemos mais novidades
ruins do que novidades boas. Que diabo! Ainda se fosse igual por igual, vá.
– O que nos prejudica é que somos imitadores sem medida.
– Pois então! Bem diziam os antigos, ‘Cada terra com o seu uso’; mas
nós largamos os nossos, os melhores, para ir tomar outros, estranhos, que não
tem pés nem cabeça para a nossa maneira de viver. Eu queria ver um desses
bonecos de cheiro, lombilhados uns quinze na culatra de uma tropa ou numa
ronda, por uma gazua de julho... sempre queria ser!
– Mas, amigo Marcos, com o tempo, não teremos mais gados bravios,
nem tropas, nem rondas. Teremos estradas de ferro para transporte dos
animais; estes serão mansarrões. Os homens hão de ser mais plantadores que
campeiros. Quem nos dera lá! Olhe um campo de trigo vale por uma invernada.
Pois você já não troca um couro por um saco de feijão? (LOPES NETO, 2013,
p.66).
Constamos então que, a história e a tradição se apresentam como um modo de
ensinar as crianças sobre a sua terra, os costumes, os tipos sociais, a natureza, geografia,
enfim, tudo que diz respeito à Terra Gaúcha. Ao mesmo tempo, há um sentido que
rememorar para que essa tradição, que está desaparecendo, como vimos, não se perca,
pois, os tempos estão mudando e com ele grandes transformações sociais também se
apresentam. Mas, neste sentido, manter viva a tradição nos cria um processo de passado,
presente e futuro. Sabendo de nossa história, nossas lutas, costumes, tradições, criamos
uma espécie de mosaico que forma a nossa identidade, igualmente talhada, pelos
exemplos morais que recebemos. Portanto, essa interessante construção discursiva de
João Simões Lopes Neto nesta primeira parte do livro, tem por objetivo criar a região e,
por conseguinte, a nação pois, somos um pedaço dessa colcha de retalhos que é o Brasil.
Nesta primeira parte do livro, o menino aprende com seu Juca Polvadeira sobre as
lidas campeiras, ele cavalga com amigo Roberto, vão à rodeios e marcações, discutem
que os brasileiros deixam o melhor de seus hábitos para adotar hábitos alheios,
estrangeiros. Assistem aos peões tocando e cantando versos no galpão, ou seja, uma
expressão popular da literatura gauchesca. E, ouvem na voz da siá Mariana a lenda do
Negrinho do Pastoreio e d’O Boi-Tatá. Note-se que a siá Mariana é uma anciã que detém
223
o conhecimento das histórias antigas, das lendas, ou seja, toda uma sabedoria popular.
Essa sabedoria popular não devia ser deixada de lado com o avanço da modernidade, e
sim, deveria ser registrada, para não se perdesse aquilo que temos de mais nosso, nossas
histórias, nossa cultura. Não podíamos deixa-las em detrimento de culturas alheias que,
não faziam sentido ao nosso modo de viver. Era preciso sempre enaltecer o sentimento
nacional, se orgulhar das nossas coisas e, sobretudo, mantê-las para que não se perdesse,
como aquela ideia popular de quem não sabe de onde vem, não sabe para onde vai. Assim
precisávamos compor o nosso passado para termos estio no presente e esperança num
futuro próspero, pois, como vimos, o esquecimento pode representar o fim de uma nação.
Tendo os meninos já aprendido sobre sua terra natal, a sua região, era hora de
aprender mais sobre o Brasil. A segunda parte do livro, O Estudo, No Colégio, trata de
integrar as regiões ao grande corpo nacional. Dessa forma, em uma interessante
construção discursiva, o autor traz para as histórias contadas por Maio em seu diário, o
universo do Colégio: suas especificidades, seus mestres, as relações entre os colegas, os
métodos de ensino, histórias sobre Portugal e Brasil e, vez por outra, alguma história
moral.
Cabe dizermos, que essa escola seria uma escola de ensino primário, voltada às
classes mais populares, tendo em vista que o ensino secundário no Brasil estava muito
mais conectado com o ensino das elites. Dessa forma,
A escola primária desenvolveu-se de maneira distinta das demais instituições
de educação popular, pois, embora sua expansão mais significativa tenha
ocorrido durante a segunda metade do século XIX, ligava-se também às
tradições do Iluminismo e a Revolução Francesa e aos ideais de igualdade,
liberdade e fraternidade. Assim, ao lado da vontade de normalizar as classes
trabalhadoras por meio da educação, associava-se a defesa da universalização
do ensino, que promoveria a educação moral para todas as classes, assim como
seria um instrumento de cidadania e de fornecimento dos conhecimentos
básicos necessários aos processos produtivos da sociedade industrial.
(KUHLMANN JR., 2005, p.73).
Notamos esses aspectos expostos por Kuhlmann Jr. no livrinho de João Simões Lopes
Neto. Há pelo menos duas historinhas em que o Mestrinho248 indaga as crianças sobre o
que querem ser quando adultas. Nas primeiras respostas os meninos dizem que querem
ser doutores249, o Mestrinho indaga: “Doutor! Muito bem; mas que especialidade de
248 O Mestrinho é uma espécie de diretor do Colégio Municipal. Trata-se de um grande exemplo para a
meninada. Falaremos mais especificamente sobre ele na sequência deste capítulo. 249 Naquela época, chamavam-se de doutores todas as pessoas que possuíam diploma acadêmico.
224
estudo [...]” (LOPES NETO, 2013, p.166)? As respostas variam entre médico,
engenheiro, advogado e fazendeiro. Diante dessas respostas o Mestrinho diz:
‘Queiram rapazes, queiram ser determinadamente alguma coisa, queiram ser
alguém na vida; mas tudo doutor, tudo fazendeiro, tudo coronel?!... Hum! Não!
Tomem cuidado: o Brasil vai precisar de todos, todos vocês, que são seus
filhos, e o dever de todos e cada um é ser-lhe útil. Precisamos de maquinistas,
de pintores, de arquitetos, de farmacêuticos, de oleiros, de fundidores, de
mestres de estaleiro, de industriais, comerciantes. ’ (LOPES NETO, 2013,
p.169).
Traçando um paralelo entre o que nos diz Kuhlmann e a fala do Mestrinho,
notamos que João Simões Lopes Neto estava atento as novas demandas e a função que a
escola exercia neste sentido, ou seja, precisávamos de quadros mais técnicos, de mãos de
obra para um novo momento de expansão comercial e industrial do país e, nesta
perspectiva, um “amontoado” de doutores não seria muito útil. Além do mais, a escola
primária pública dedicava-se à todas as classes, dos mais aos menos abastados. Lembrem-
se que Roberto, o filho do sr. Marcos, um tropeiro, estudaria na mesma escola que Maio,
o filho do patrão, inspirando aqui a democratização do ensino. Essa ideia perpassa o livro,
pois, nesse momento em que as crianças falam sobre suas profissões futuras alguns dizem
que querem ser fazendeiros, capitães da Guarda Nacional, militares como os pais, tios
e/ou avós, demostrando, dessa forma, serem meninos das classes médias e abastadas.
Contudo, em um outro momento do livro, após um desentendimento estre dois meninos
porque um havia ofendido a mãe do outro e, não confessando ser esse motivo, o menino
ofensor disse que havia xingado o colega por ele ser pobre e andar com roupas
remendadas, esse último por sua vez lhe deu Um Tabefe, que é o título da historinha, mas,
cabe destacar o que argumenta Maio sobre essa situação:
Todos o examinamos, porque ele era mesmo um bom rapaz. Só por ele ser
pobre, filho de carpinteiro, não; nem por ele andar de sapatos velhos e de
roupas remendadas, não e não! Até mostrava que não é a roupa que faz o
homem, porque um sujeito de bonitas roupas pode ser um tranca250, e ele, por
exemplo, com seus trapinhos, era um joia. (LOPES NETO, 2013, p.146).
Portanto, havia na escola de Maio, meninos de todas as classes. O que importava era o
caráter e não a roupa, ou se era pobre ou rico, todos deveriam ter direito à educação e,
sobretudo, todos deveriam se tornar cidadãos úteis, pois como disse o Mestrinho, o Brasil
250 Segundo a nota do livro, tranca quer dizer mau caráter, desprezível, grosseiro.
225
necessitava deles.
Com a República, um novo tempo se desenhava e, com ele, novos modos de
ensinar mais arejados, em uma escola igualmente mais moderna, mais arejada
fisicamente, dando uma ideia de higienização, e mais arejada de ideias, atenta as
demandas dos novos tempos e, sobretudo, pública, com o poder público preocupado em
formar cidadãos úteis. Assim, nessa nova escola, Maio conta suas percepções, o que
aprendia, a diferença entre a antiga escola onde só se decorava conteúdos, para a nova
escola onde lhes era permitido a liberdade de pensamentos, os coleguinhas (que eram uma
criança de cada estado brasileiro), mapas do Brasil espalhados por toda a escola, entre
outras coisas.
Outro diferencial do Colégio Municipal, além de sua estrutura física ampla é a
questão dos métodos de ensino, além é claro, de aulas de educação física e de uma
educação mais cívica, voltada a formação do cidadão. Neste contexto, podemos
compreender nas palavras de Maio como era o ensino em seu colégio:
Temos lições marcadas nos livros, os cadernos de ditado, de desenho, de
música, de cálculo. E, tudo isso temos feito com regularidade, e
vagarosamente, porque aqui não se decora; faz-se cinco, dez vezes a mesma
coisa, e quando o sujeito declara que entendeu, que sabe, é porque sabe mesmo
– praticamente, isto é: sabe fazer, de verdade, e não decorado, na ponta da
língua, como se diz. (LOPES NETO, 2013, p.129).
Como sempre perspicaz o autor alia as ideias que já havia expressado em suas
conferências, bem como na Artinha de Leitura, ou seja, era preciso ter paciência e amor
ao ensinar, que fossem repetidas quantas vezes necessárias até que o aluno de fato
aprendesse, diferente de decorar listas de nomes e datas, o que no final das contas não
ensinava nada. Além disso, o autor destaca aqui a importância do livro didático, no qual
faziam as lições.
Importante figura no contexto do livro, é o personagem do Mestrinho. Este é uma
espécie de diretor do colégio. É ele que comanda tudo, revisa as tarefas com as crianças,
conta histórias morais, resolve problemas, sempre é atencioso e amoroso com as crianças,
como João Simões Lopes Neto argumentou, em sua Artinha de Leitura, que deveria ser
um mestre. Neste sentido, mais uma vez o autor alia as ideias que expôs em suas
conferências, com as ideias sugeridas ao mestre na Artinha, e aqui na figura do Mestrinho,
um exemplo de como os professores deveriam ser e agir para com o ensino primário. Mas,
226
o Mestrinho era ainda um grande patriota. Em Aviso, Maio questiona o pai:
– Papai quem é o Mestrinho?
– O Mestrinho – respondeu meu pai – é um tão ardoroso patriota, que a muitos
chega a parecer um visionário; é um homem às direitas e é uma criança de
cabelos brancos.
[...] Só se papai que dizer que o Mestrinho parece uma criança. Isso é outra
coisa. E às vezes ele parece mesmo. Ele anima os meninos; ensina brinquedos
de pular, de correr, de fazer força; conta-nos fatos da história do Brasil e da
vida de muitos brasileses; recita versos, canta e ensina manobras tão bem que
parece que ele já foi militar. Ao mesmo tempo ele não parece criança: porque
tudo quanto ele faz e ensina e manda é com tão bom modo, tão sério, tão
convencido, tão claro e aplicado, que todos nós também ficamos muito sérios,
atentos, executando muito bem as ordens, e ninguém tem a petulância de faltar
com o respeito ao Mestrinho. E que alguém se meta nisso: verá como saltam
logo vinte, trinta, cinquenta – todos os meninos em defesa.
[...] E parece um pai que tem uma filharada muito numerosa.
[...]
– Olha, Maio, o Mestrinho tem uma nobre ambição: ele quer e se esforçará
para que todos os meninos de hoje e os que vão crescendo daqui para diante
vão aprendendo a ser brasileses, e ter confiança e orgulho e amor a sua pátria,
para quando forem moços, homens feitos, serem cidadãos úteis, capazes de
servir ao progresso, à grandeza e a glória do Brasil! (LOPES NETO, 2013,
P.153).
O Mestrinho é então, uma figura muito amada pelos alunos, que são capazes de
defendê-lo em caso de alguma ofensa. Mas, é sobretudo, afetuoso, como um pai e, dá as
ordens com tanto respeito que todos o admiram, além do mais, é um patriota, tem uma
missão como diz o pai de Maio que é ensinar os meninos a serem brasileiros, ou brasileses
como diz o autor, para que se tornem cidadãos capazes de servir ao progresso.
O tão falado progresso representa um aperfeiçoamento infinito, ou melhor
dizendo, de acordo com Koselleck (2006, p.316), um futuro aberto. O futuro, por sua vez,
está sempre em estado de suspensão, representando um campo de possibilidades infinitas
(KOSELLECK, 2006, p.31-32). Por isso era tão importante tornar os meninos cidadãos
úteis, preparados para as possibilidades infinitas que o futuro representava, contudo,
como expõe Koselleck, o futuro está sempre em suspensão, é um campo aberto de
possibilidades que está sempre no horizonte, mas nunca se tem a sua dimensão exata.
Portanto, para garantir esse futuro era preciso que se fizesse um prognóstico, esse por sua
227
vez, é um momento consciente da ação política; “[...] Ele está relacionado a eventos cujo
ineditismo ele próprio libera. O tempo passa a derivar então, do próprio prognóstico, de
uma maneira continuada e imprevisivelmente previsível. ” (KOSELLECK, 2006, p.32).
Assim, João Simões Lopes Neto, criou seus livros afim de influenciar tanto o
ensino primário em si, nos métodos de ensino e conteúdo, como as crianças que
aprendendo a ler por sua cartilha e treinando essa leitura com o Terra Gaúcha,
despertariam o sentimento nacional, além de melhorar seu caráter por meio dos
ensinamentos morais, e seu porte físico, por meio da educação física, aliando corpos e
mentes sãs. Se pensarmos em suas conferências, bem como em seus “livros didáticos”,
podemos supor que ele criou esse prognóstico, ou melhor dizendo, se fossem seguidos
determinados passos, no futuro, aquele em aberto, em suspensão, aqueles pequenos seres
seriam homens honrados e orgulhosos de sua pátria, ao mesmo tempo que estariam
prontos para a vida e para o trabalho, levando adiante os ensinamentos sobre a nação e
igualmente, ensinando seus filhos num mesmo molde.
Para tanto, o autor criou em seu livro de leitura uma interessante forma discursiva
para contemplar todo o Brasil. Visando a unidade nacional e, pensando numa espécie de
protótipo, ou seja, o Terra Gaúcha seria um livro de leitura para as escolas no Rio Grande
do Sul, no qual, num primeiro momento a criança aprenderia sobre a sua terra natal, seu
Estado, e na sequência, notaria que o Brasil é formado por uma série de regiões que unidas
faziam uma das maiores nações do mundo em extensão territorial. Cada região teria seu
livro específico, pelo menos no que tange a primeira parte. Portanto, o objetivo era a ideia
de integração nacional, mostrando primeiramente as peculiaridades de cada região e
posteriormente, outras regiões brasileiras, algumas de suas peculiaridades e como se
entrelaçam nesse grande mosaico. Para isso, o autor apresenta no livro, de forma bastante
interessante, os estados brasileiros representados por cada um dos meninos que formavam
a turma de Maio, ou seja, vinte e sete alunos, cada um de estado brasileiro. Cuja turma
foi batizada pelo Mestrinho de Senhores Estados e, em Os Estados, o autor apresenta ao
leitor essa configuração.
[...] O Mestrinho ficou entre nós, no mesmo lugar que tinha tomado. Na forma
do costume fomos logo encafuando os livros nas bolsas.
- Maio, qual é o teu Estado natal? – perguntou-me o Mestrinho.
- Rio Grande do Sul – respondi.
- Bem; mas aposto que não sabes onde nasceu teu amigo Aimbirê, nem o
Aimoré, nem o Alfredo, nem o Peri, o Carlos, e aquele... e aquele...e outro...
228
- Eu sou baiano – disse o Bento Alves.
- Eu nasci no Ceará – disse o outro.
- Paulista...
- Sou de Goiás...
-Sergipano.
-Sou mineiro, de Ouro Preto...
- Esperem lá, esperem lá, rapazes! – disse o Mestrinho. – Vamos num
movimento formar os Estados, por grupos dos respectivos filhos. Passem para
este lado os filhos de cada Estado, conforme eu for chamando. Amazonas!
Pará! Maranhão! Ceará! Rio Grande do Norte! Paraíba! Pernambuco! Alagoas!
Sergipe! Bahia! Piauí! Espírito Santo! Rio de Janeiro! Minas Gerais! Goiás!
Mato Grosso! S. Paulo! Paraná! Santa Catarina! Rio Grande do Sul! Do Acre
ainda não temos ninguém. Em idade, é a mais nova das divisões do Brasil, pois
foi criada em 1904.
[...] ‘Daqui em diante, nas suas datas memoráveis, cada Estado terá que contar
aos outros alguma coisa da sua vida, dos seus costumes, fatos da sua história,
das suas tristezas ou das suas glórias. Portanto, cada um de vocês que
representa aqui o seu Estado, por direito de nascimento, trate de pensar no que
acabo de dizer e prepare-se para dar conta do recado. E aquele que não souber
ao menos um sucesso da sua história, perde a minha [Mestrinho] estima – o
que é pouco mas dará uma triste nota de ingratidão, de egoísmo e até de
covardia para com o pedaço da terra abençoada, que viu nascer tão mau filho.
Valeu? Cada um se obriga? (LOPES NETO, 2013, p.119-120)
Chave do pensamento de Simões Lopes Neto em seu livro de leitura é esse trecho,
pois nele está contido a ideia de pensar o Brasil a partir das regiões. De pensar esse país
de grandes dimensões por suas partes, em busca do todo nacional. Dessa maneira, cada
menino deveria falar sobre tua terra natal e, assim, a criança que estaria lendo o livro,
aprenderia a partir dessas historinhas um pouquinho mais sobre o Brasil, sobre as glórias
de cada região e, se identificando com elas, despertaria o sentimento nacional. Os
personagens do livro, então, deveriam contar sobre sua terra natal, infelizmente o livro
quedou-se incompleto e, as únicas regiões, com exceção do Rio Grande do Sul, que foram
contempladas foi o Rio de Janeiro e o Mato Grosso.
Outro ponto de identificação da nação que aparece no livro de leitura é a raça, em
Quatro Cabeças Juntas, o menino ao se olhar no espelho com mais três amiguinhos nota
que eles têm diferenças substanciais: um é caboclo, o outro ruivo, o outro moreno claro;
um mais calmo e pacato, o outro é bem franco, astuto, o outro engraçado, entre outras
características. O pai ao chegar na escola e ver essa cena comenta:
– Ora, aí estão vocês quatro, cada um diferente do outro pelo aspecto e no
entanto iguais como brasileses, pelo coração e pelo sentimento. Ainda um dia
o brasilês há de ser um tipo completo, como se fosse composto de cada um de
vocês...
– Como? Eu não entendo papai.
– Já me explico e vocês hão de entender-me. Suponhamos que tu Maio, és uma
229
barra de ferro; o Tarumã uma barra de cobre; o [...]251 uma de prata; o [...] um
de ouro. Bem; junte-se estas quatro barras de metal e faça-se fundir todas a um
tempo, de forma que elas se misturem, se caldeiem, formando pela fusão um
produto novo, composto dos quatro; este produto novo será uma barra de metal
que tem a um tempo a rijeza do ferro, a resistência do cobre, o brilho da prata,
o valor do ouro. Cada metal separadamente tem o seu mérito próprio; a nossa
barra tem um mérito quádruplo porque ela tem juntas em sua constituição as
qualidades especiais de cada um. Entenderam? Quando no Brasil as gentes se
ligarem internamente pelo sangue, como já está acontecendo, quando os
descendentes de diversas raças formarem uma nova raça uniforme, o brasilês
há de ser o primeiro povo da terra porque terá no seu corpo, na inteligência e
no sangue as melhores qualidades de cada um dos outros povos; terá a
resistência do português, o aprumo do espanhol, a vivacidade do francês, o
penhor artístico do italiano, a calma do inglês e a tenacidade do alemão, e a
vitalidade do africano, e a valentia e o amor à liberdade dos índios. 252
‘O brasilês será uma barra nova, um novo fruto, há de ser o maior povo do
mundo. O seu dia há de chegar. ’
‘Tudo depende de vocês e de todos os outros meninos que estão se criando.
Estudem, estudem; amem o seu país. ’ (LOPES NETO, 2013, p.182)
Aqui, mais uma vez aparece a ideia de futuro suspenso, como conceituou
Koselleck (2006), ou seja, o futuro dependia desses meninos, dependia que eles
estudassem e amassem seu país acima de todas as coisas. Por outro lado, o brasileiro aqui
é caracterizado como uma junção de várias raças que culminariam em um ser único no
mundo. O autor coloca lado a lado africanos, índios e europeus, não renega nenhum, quer
a soma de todos, das melhores qualidades de cada um no triunfo da miscigenação. Mauss
(2017, p,81), afirma que as diversas misturas criavam tipos sociais novos e, porque a
nação cria a raça, acreditou-se que a raça cria a nação. Então, tudo no tocante do Brasil
se apresentava como novo, tendo em vistas as antigas nações europeias pelo menos, a
nação era jovem, seu povo ainda estava em formação e, triunfando a miscigenação,
formaria um tipo único no mundo, altamente destacado por abrigar em si o melhor de
diversas raças. Esse ser ímpar faria da nação gloriosa, grande e próspera, através da
instrução, do civismo e do melhoramento de seu caráter.
Mas se o futuro está suspenso e aponta para um horizonte de expectativas253 sem
precedentes, o passado deve ser conhecido e estudado para que admiremos e nos
orgulhemos de suas glórias, ao mesmo tempo que aprendemos a não repetir os erros
daquele tempo, quase como uma filosofia da História. O autor em seu livro, coloca os
“descobridores” e colonizadores portugueses como tronco da nação brasileira e, por isso,
há em Terra Gaúcha, pelos menos três textos intitulados Historinha de Portugal, que
251 Os espaços em branco configuram onde o autor colocaria os nomes dos meninos posteriormente.
Contudo, tendo a obra ficado inacabada, os espaços permaneceram em branco. 252 Grifo nosso. 253 Cabe lembrar que essa é uma categoria histórica criada por Koselleck (2006).
230
segundo referência em subtítulo entre parênteses, tratava-se de um ditado, para o
exercício da escrita. No entanto, a ideia expressa é a de ancestralidade, lembremos que o
bisavô do menino era português e, após as guerras nas fronteiras para estabelecer e manter
os territórios da região sul do Brasil, por aqui se estabeleceu, dando origem à sua família.
Nessas historinhas o autor trata desde a formação de Portugal se livrando do jugo
romano até a frota de Pedro Álvares Cabral partindo e, na sequência, chegando ao Brasil
e a interação entre os indígenas e o homem branco. Na primeira das historinhas, o autor
destaca a valentia que tiveram aqueles homens para na guerra expulsarem os romanos,
principalmente, Viriato que, segundo o autor, “é a primeira figura que se desenha na
história lusitana” e, prosseguindo, conclui: “[...] Foi dessa gente audaciosa, que já vinha
daquele heroico Viriato, foi desta gente que nasceu a nossa nacionalidade. ” (LOPES
NETO, 2013, p.162). O apogeu de Portugal, culmina com a “descoberta” e exploração do
Brasil, ou seja, as grandes navegações e a expansão territorial das nações europeias,
sobretudo naquele momento, Portugal e Espanha.
E para coroar tanto poder e para que não se perdesse no mundo o esplendor
dessa grande época portuguesa, um poeta escreveu um dos mais monumentais
poemas que se conhece.
O poeta é Camões. O poema, Os Lusíadas.
Neste Lusíadas valorosos, temos o tronco da nossa raça brasileira. Que melhor
origem, que mais gloriosos antepassados poderíamos invejar a qualquer outro
povo da terra? (LOPES NETO, 2013, p.171)
Cabe rememorarmos que o autor citou Os Lusíadas no final de sua conferência cívica de
1904. Aqui, o poema é apresentado como algo muito valioso para nós, pois conta sobre
os nossos mais gloriosos antepassados, os quais, de tamanhas façanhas, seja a das grandes
navegações, seja a feitura de uma epopeia em verso, deveríamos nos orgulhar, porque
eram de dar inveja em outros povos. Que melhores referencias poderíamos ter? Já na
última historinha, o autor conta como chegaram esses navegadores no Brasil e,
igualmente, como se deu o primeiro contato entre esses dois povos que formam “nossa
matriz”. Cabe destacarmos esse trecho:
Depois de fundada a frota, o almirante Cabral mandou arriar a frágil
embarcação; encheu os índios de pequenos presentes, contas coloridas,
espelhinhos e cruzes de estanho e outras bugigangas vistosas, e acenou-lhes
que eram livres, que podiam desembarcar. Eles assim o fizeram, e apontando
para a praia mostravam-se contentes. E remando na igara nativa, foram-se. No
outro dia a praia estava cheia de índios, que em sinal de amizade despunham
na areia suas armas – arcos e flechas e tacapes.
Animados por aqueles sinais de hospitalidade, as tripulações desembarcaram.
A curiosidade dos homens brancos não se fartava com as novidades da terra; a
curiosidade dos caboclos morenos não se fartava com as novidades que vinham
231
do mar. E entre uns e outros reinava a harmonia. [...]
Os índios confiados e hospitaleiros se prontificaram a fornecer mantimentos
para a frota, e madeiras e frutas, caças e aves vivas, e tudo quanto a maruja
pedia eles lhe davam. [...]
Feitos os últimos preparativos, a frota de Pedro Álvares Cabral levantando
ferros e içando as velas voltou ao reino, deixando nas praias brancas de Porto
Seguro uma raça incauta porém hospitaleira. No reino, o povo, num
deslumbramento, via, pelos olhos dos navegantes, via a nova terra maravilhosa
e não se capacitava da sua grandeza; o rei D. Manuel foi apelidado o
Venturoso. Estava descoberto e incorporado a Portugal o mais portentoso, o
mais sublimado país do mundo, o Brasil. (LOPES NETO, 2013, p.176-177)
De acordo com autor, o convício entre os nativos e os conquistadores se deu de
forma amigável e harmoniosa desde o primeiro dia. Além do mais, os nativos ajudaram
os colonizadores a se estabelecerem, dando total suporte. Essa é uma visão bastante
romantizada acerca do “descobrimento” e, provavelmente tinha por objetivo, criar uma
ideia de harmonia e paz entre as raças que se fundiriam e formariam o brasileiro que, por
sua vez, herdaria essas características, formando assim, um povo pacífico e hospitaleiro.
Obviamente, sabemos que a história não foi bem assim e, que os portugueses eram
colonizadores e se utilizaram de vários artifícios e violência para coibir os indígenas, da
mesma forma, esses não eram tão ingênuos a ponto de entregarem suas terras de forma
tão pacífica. Tudo isso, faz parte do chamamos de mito fundador que, no nosso caso, alia
uma ideia de o Brasil ser um paraíso na terra, devido a natureza altamente exuberante e
diversa e, por conseguinte, vivendo os indígenas em harmonia com essa natureza, eram
eles bons selvagens, uma espécie de anjos caídos254.
A natureza é ponto principal da formação da nacionalidade brasileira, evocada de
diferentes maneiras ao longo da história, sempre traz a ideia de natureza exuberante, como
já dissemos, uma espécie de paraíso terreno. Mas, a natureza está também estampada na
bandeira brasileira, são os elementos naturais que a formam, ou melhor dizendo, cada cor
representa um elemento, de acordo com as explicações escolares, o verde é as matas, o
amarelo o ouro, e assim sucessivamente. Contudo, a bandeira brasileira, segundo já havia
manifestado o autor em suas conferências, não estava ganhando o devido respeito que
merecia. Do mesmo modo, o Hino Nacional, que de certa forma também, em certo
momento, trata da natureza, não era valorizado e as gerações mais novas nem o
conheciam, como vimos bem no início do livro. Mas, o autor, visando retratar essa
“realidade” de descuido com o hino, trata em várias circunstâncias desse tema. Em
254 Para mais ver: CHAUÍ, Marilena. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo:
Fundação Perseu Abramo, 2000.
232
“Brava Gente Brasileira”, o menino conta ao pai da vergonha que passaram, ele e seus
colegas, quando o mestrinho pediu para que cantassem o “hino brasilês” e nenhum deles
sabia. Ao ouvir isso, o pai se põe a falar:
[...]. No meu tempo, apesar de estarmos mais atrasados em civilização, ao meu
tempo de moço, nos colégios cantávamos o Hino da Independência, o povo
cantava nas praças no dia 7 de setembro, os soldados sabiam-no e cantavam-
no nas suas formaturas. As meninas iam-no aprendendo, as moças se
orgulhavam em cantá-lo em coros, nas ocasiões de regozijo público. O hino
era assim como um glorioso toque de chamada a todos os brasileses patriotas.
Pergunta a tua mãe quantas e quantas vezes cantou-o juntamente com suas
amigas e companheiras de Colégio... Depois, veio caindo sobre ele esta
ingratidão dos homens: o esquecimento. Não meu filho: nem tu nem teus
colegas têm motivo de se envergonharem; é lastimável o fato, é, porém vocês
não têm culpa. A culpa, a falta, o descuido é meu, é de teus tios, dos amigos
do teu pai, é de todos os pais que não o ensinaram aos seus filhos e não os
obrigaram a saber cantar, a conhece-lo e amá-lo e respeitá-lo. E, a melhor é
que, sem nos dizer uma palavra, o Mestrinho, por intermédio de vocês, filhos,
mandou a todos nós, pais, as suas justas censuras; é bem feito, sim: ele tem
razão Maio, havemos de saber isso, muito bem: tu aprendendo, eu, recordando!
(LOPES NETO, 2013, p.141)
Dessa forma, o problema que se apresentava com a falta de um cultivo do hino,
era de toda a sociedade que permitiu que seu uso fosse caindo no descaso. Por isso, além
da escola, toda a sociedade tinha a missão de cultivar os símbolos nacionais. Era uma
tarefa que integrava escola e família, nesse processo de educar civicamente as crianças
para melhorar esse quadro no futuro. Note-se o clima de cooperação entre as família e
escola, esse clima repete-se ao longo do livro, sempre no instituto de gerar uma ideia de
união em prol das coisas nacionais, em prol, sobretudo, de uma educação cívica que fosse
com o passar do tempo solucionar esses problemas tão graves que ameaçavam o
sentimento nacional e o futuro da nação. Outro problema constantemente citado pelo
autor, tanto nas conferências quanto em seus livros, era o hábito que os brasileiros tinham
de copiar modos, modos de falar e vestir estrangeiros, chegando, por vezes, a utilizar uma
vestimenta bastante equivocada para o clima tropical brasileiro.
Poderíamos ficar ainda por inúmeras páginas citando as especificidades dessa
construção narrativa de João Simões Lopes Neto, que tanto ainda tem a ser estudada e,
certamente, outros pesquisadores se debruçaram sobre ela e a analisarão pelos mais
diferentes vieses científicos. Não obstante, para o objetivo que estabelecemos nesta
pesquisa, acreditamos ter montado um panorama bastante amplo das questões que nos
ocupam, ou seja, o autor criou com o seu Terra Gaúcha uma narrativa interessantíssima
que, por sua vez, traduzia um ideal de livro didático e de abordagem teórica e
233
metodológica bastante moderna. O Mestrinho, como vimos, personificava o professor
sábio, paciencioso, amoroso e patriota, que tinha como objetivo ensinar de verdade, sem
decorar listas de nomes e datas como se dava antes, ensinar sobre a história e geografia
pátrias, sobre caráter e moral e, assim transformar esses pequenos seres, que só
precisavam de uma instrução adequada, em homens patriotas, prontos para servir a pátria
em qualquer circunstância, para se orgulhar dela. À família também cabia auxiliar nesse
dever pátrio, como dá o exemplo da família de Maio no livro de leitura.
Ponto estratégico usado pelo autor, foi começar o livro com o menino indo passar
férias na campanha gaúcha, na estância, onde seu Juca Polvadeira, o capataz, lhe ensinou
sobre as coisas do campo e, apesar de ser um homem rude, tinha o mesmo carinho e
patriotismo que o Mestrinho. Outro ponto de referência na campanha é Siá Mariana, ou
seja, esses personagens representam o saber popular, o saber mitológico, de um tempo
antes do tempo da história, se tratando, por exemplo, das lendas contadas pela agregada.
Eles representavam os costumes e a tradição. Portanto, a narrativa do autor constrói dois
tempos, o primeiro das crianças conhecerem os hábitos, costumes e histórias de sua terra
e, depois, na escola, com esse conhecimento bem claro, conhecer os outros estados
brasileiros, aprender sobre os antepassados navegadores portugueses, ver como a
miscigenação estava formando um ser muito particular no mundo e, que esse ser com a
instrução adequada poderia fazer de sua nação uma nação de dar inveja à todas! Assim,
parte o autor e a criança que supostamente leria o livro no ensino primário público, do
conhecimento de sua terra natal, do que há de mais seu neste país de enormes proporções
geográficas e culturais e, para depois, contemplar o Brasil todo, aprendendo sobre os
outros estados e sabendo como cada um colaborou para a grandeza nacional, gerando a
partir do tão sonhado sentimento nacional e a ideia de união da pátria num ideal comum
que era formar cidadãos úteis para o novo tempo de prosperidade que se aproximava e
que, a partir da instrução correta, chegaria certamente.
234
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando nos lançamos numa empreitada como escrever uma tese, na maioria das
vezes temos mais questões do que respostas. E isso, apesar de agoniante, é positivo, pois
as respostas vão aparecendo ao longo da pesquisa e, nem sempre são as que esperávamos,
há de se dizer a verdade. Quando me dediquei à pesquisar João Simões Lopes Neto,
durante a graduação, não fazia ideia de onde esse “rapsodo bárbaro”, como chama
Chiappini (1998), poderia me levar. Hoje, ao concluir essa tese, confesso que não sanei
todas as dúvidas, mas acredito que as questões que propusemos255 foram de algum modo
respondidas.
Obviamente, essa pesquisa não estanca o assunto e, muito ainda há de se pesquisar
sobre o autor e sua obra. A cada novo manuscrito encontrado, a cada nova pesquisa, se
preenche um pouquinho mais das lacunas deixadas no tempo por esse autor genial. Essa
pesquisa, inclusive, é um pontinho preenchido, mas, se tratando de História, nunca há
verdades absolutas, e esta pesquisa poderá ser revista mais cedo ou mais tarde. Trata-se,
então, de pontos de vista, de escolhas teóricas e metodológicas, que nos levam por um
caminho a determinadas respostas. Também cabe dizer mais uma vez, que fazer História
é fazer escolhas, não podemos cair na tentação de uma história total, sabemos que sempre
haverá lacunas, pontos cegos, livros à ler, entre outras coisas.
Assim, constatamos no primeiro capítulo quais experiências vividas pelo autor se
mostraram fundamentais para que ele elaborasse seu projeto cívico e pedagógico e
consequentemente, seus livros escolares. O fato de ele ser sempre um homem urbano,
transitando por grandes centros como o Rio de Janeiro, Porto Alegre e Pelotas256, fez com
que ele estivesse atendo ao que havia de mais moderno, no sentido de novidades, que
havia naquele tempo, seja em ideias, autores, comportamento, economia, educação,
enfim, uma infinidade de temas. Ademais, por estar nesses centros e ser membro de uma
elite pode ter a melhor instrução que estava disponível em sua época, bem como circular
por entre os meios sociais com facilidade.
255 Digo propusemos porque essa pesquisa foi pensada em conjunto com as minhas orientadoras,
primeiramente a professora Ruth Gauer e, em fase de conclusão a professora Maria Helena Camara Bastos. 256 Cabe lembrar que Pelotas era um importante centro cultural do Estado na época em que o autor viveu,
como constatamos anteriormente.
235
Ao dedicar-se a carreira de jornalista, mesmo que forma amadora, desenvolveu
sua escrita, ganhou certo prestígio do público e chegou a editor. Essa experiência
configura umas das mais importantes pois, foi nos jornais de sua cidade que ele publicou
pela primeira vez alguns de seus contos e lendas que formariam as suas obras máximas.
Além de ser a única atividade que exerceu ao longo de toda a vida. Também podemos
acrescentar que foi nas redações dos jornais que trabalhou que o autor criou importantes
redes de sociabilidade, bem como na redação de A Federação, à qual visitava com
frequência quando ia à capital do Estado257.
Ainda se tratando das experiências, cabe dizer que ao lançar-se no mundo dos
negócios o autor visava o progresso de sua cidade, de seu estado e, por conseguinte, de
sua nação. Assim, influenciado como a maioria da intelectualidade gaúcha, pelo
positivismo de Augusto Comte que acabou por delinear os contornos da política do
Partido Republicano no Rio Grande do Sul. Vale lembrar que o autor era filiado ao PRR.
Contudo, a Gauchesca, representa uma das experiências mais bem-acabadas do
autor. Por meio de sua experiência urbana, o autor não via a vida no campo com
saudosismo como a maioria dos autores de literatura gauchesca, compreendia que a
marcha do progresso levaria aquele mundo para o passado e assim seria porque o avanço
em vários níveis era inevitável e necessário, por isso, era preciso registrar para que não
se perdesse da memória, para que não se perdesse enquanto referência histórica para os
sul-rio-grandenses, enquanto fonte de identidade. Por isso, a gauchesca configura seu
livro de leitura e também o Cancioneiro Guasca (1910), Contos Gauchescos (1912) e
Lendas do Sul (1913). Portanto, se alinharmos todas as experiências vividas pelo autor
que destacamos, o compreendemos dentro de seu tempo e compreendemos igualmente,
seus ‘sucessos”, bem como seus “fracassos”.
Ao defini-lo como um intelectual de seu tempo, no segundo capítulo, analisando
as definições teóricas de intelectual, bem como as ideias do autor em “diálogo” com
outros intelectuais contemporâneos, chegamos à conclusão que ele estava altamente em
sintonia com alguns deles e, tomava de “empréstimo” suas ideias e palavras que mais se
inseriam em seu próprio pensamento, para lhe dar credibilidade diante do público, como
o fez com José Veríssimo, Afonso Celso e Manoel Bomfim. Interessante de se pensar é
257 Um exame apurado pelo jornal A Federação entre os anos de 1906 e 1910, pelo menos, lemos seguidas
vezes que o “compatriota”, o “amigo” João Simões Lopes Neto havia visitado a redação do jornal.
236
que Manoel Bomfim não era visto com “bons olhos” pela maioria da intelectualidade
brasileira de sua época, principalmente depois que Veríssimo fez questão de não elogiar
o seu livro, pelo contrário, mas, mesmo assim, na segunda conferência em especial, João
Simões Lopes Neto estava altamente inclinado por suas ideias de parasitismo ibérico e de
união entre a América Latina.
Por isso, acreditamos que o autor foi um homem de seu tempo, um intelectual de
seu tempo, formando um pensamento de época, percebendo as demandas, “dialogando”
com outros intelectuais, expondo ideias, realizando projetos e, tudo, muito inserido no
tempo em que vivia e não um homem à frente de seu tempo, como propõe Diniz (2013,
p.199). Sua Artinha de Leitura, por exemplo, estava de acordo com a reforma ortográfica
da Academia Brasileira de Letras, contudo, essa reforma não era oficial, e houveram
muitas discussões acerca dela, bem como houveram outras reformas. O fato da Artinha
estar em desacordo com as diretrizes do Conselho de Instrução Pública do Estado não
quer dizer que tal conselho estivesse atrasado, porque tal reforma veio a se concretizar
alguns anos depois, e autor estivesse “avançado” no tempo; foi tão somente a reação de
um estado autoritário que não reconhecia tal reforma por não ser algo “oficial”. Do
mesmo modo, vimos que a cidade de Pelotas estava em franco declínio econômico no
período em que o autor empreendeu em indústrias e, esse foi um dos motivos pelos quais
ele faliu vários desses empreendimentos, ou seja, não é que não houvesse compreensão
sobre o que o autor propunha e sim não havia capital para investir. Obviamente, não
estamos tirando a genialidade do autor, só o estamos inserindo em seu contexto histórico,
o analisando enquanto um homem de seu tempo e as implicações que isso gerou.
Um dos assuntos que o autor mais se dedicou, principalmente, a partir de 1904 foi
a questão da educação cívica. O autor preocupava-se com a instrução pública e com a
falta de um sentimento nacional. Para expor suas ideias, bem como um exame apurado
sobre a situação da nacionalidade no Brasil e, propor um livro de leitura, realizou a sua
Conferência Cívica de 1904. Em 1906, tornou a realizar uma conferência com o mesmo
tema. Nessas conferências o autor apresentava, com o auxílio dos intelectuais que o
inspiraram como Afonso Celso e José Veríssimo, um exame apurado dos vícios e virtudes
do povo brasileiro. A falta de um sentimento nacional se expressava de diversas maneiras,
desde o desdém pelos símbolos nacionais como o hino e a bandeira, a falta de uma
importância, bem como uma comemoração adequada para os feriados nacionais, o
péssimo hábito de imitar costumes estrangeiros que nada tinham em comum com a cultura
237
brasileira. Por vezes, até mesmo os trajes estrangeiros eram imitados, e se mostravam
inapropriados para o clima tropical do país, até mesmo na região Sul, onde fazia mais
frio. A falta de uma educação física, fazia com que os jovens fossem desanimados e pouco
desenvolvidos fisicamente, sendo, segundo o autor, franzinos e envelhecidos.
Mas o objetivo do autor não era apenas apontar os vícios, os problemas do país,
pelo contrário, ele os apontava para que pudessem, a partir de seu conhecimento, serem
corrigidos. E, para que isso pudesse ser feito, era preciso desde cedo uma educação cívica
adequada, que empolgasse o jovem, que o fizesse intelectual e fisicamente fortes e, acima
de tudo, despertasse o sentimento nacional por meio do conhecimento das “coisas
nacionais”. Como fazer isso num país de grandes dimensões como o Brasil? João Simões
Lopes Neto apresentava uma opção: um livro didático adequado, brasileiro pelo modo e
pelo assunto que, partisse de cada região do país para contemplar o todo nacional. Para
isso, no tocando ao seu estado natal, ele apresentou o livro Terra Gaúcha que, como
vimos, estava dividido em duas partes: a primeira se passava nas férias do menino Maio
na estância da família, onde aprendia através de figuras como Juca Polvadeira (capataz)
e de Siá Mariana (agregada) traços essenciais da cultura campeira do Rio Grande do Sul.
Maio conta ainda um pouco da história do Estado, bem como recebe conselhos morais,
para assim também moldar o caráter das crianças. Na segunda parte, o menino contava
sobre o seu cotidiano na nova escola ampla e arejada em todos os sentidos, principalmente
no que tange os métodos de ensino e os conteúdos executados com carinho e atenção pelo
Mestrinho. Além disso, é nesse momento que a unidade nacional é posta de forma lúdica,
pois, Maio que era gaúcho, tinha um colega de cada estado brasileiro, executando a tarefa
dada pelo Mestrinho, deveriam, cada um deles, contar sobre o seu Estado, sobre sua
região, ao final do livro, a criança saberia muito sobre a sua região e mais um pouco sobre
cada região de seu país.
Dessa forma, João Simões Lopes Neto criou uma narrativa que representava a
região e logo, a nação. Lembremos que Calhoum (2017), propõe que a nação é uma
formação discursiva, portanto, podemos analisar a narrativa criada pelo autor como uma
formação discursiva da nação. Assim, João Simões Lopes Neto criou uma forma
discursiva de expressar o Sul, elencou as origens, as personagens e os contextos históricos
que queria destacar, ou seja, para o autor o Sul configurava-se numa região conquistada
nas guerras de fronteiras por portugueses e sul-rio-grandenses, que se estabeleceu com os
primeiros ranchos, sesmarias e a domesticação do gado vacum, que mais tarde resultaria
238
na pecuária, que seria a base econômica do Estado por muito tempo, e tudo o que ela
envolve. Além disso, a tradição e a cultura campeira também estão expressas nas falas do
capataz Juca Polvadeira e também da Siá Mariana que conta às crianças algumas lendas
do Sul. Essas lendas são o Boi-Tatá e O Negrinho do Pastoreio que, juntamente com a
Salamanca do Jarau formam o livro Lendas do Sul (1913). Obviamente o autor as
revisitou e elaborou melhor a narrativa dessas lendas de um livro para outro, no entanto,
são exatamente as mesmas lendas e, as mesmas lendas também publicadas pela primeira
vez em jornais de sua cidade alguns anos antes da publicação de seu livro específico.
Além dessas “coincidências”, igualmente nos chamou a atenção “semelhanças”
entre o Terra Gaúcha e os Contos Gauchescos, o capataz Juca Polvadeira chama o
menino Maio de doutorzinho assim como Blau Nunes enuncia o seu interlocutor. Juca
Polvadeira sabe das histórias, das tradições e mostra para o menino que mora na cidade
tudo o que ele precisa saber sobre a vida no campo, assim como Blau Nunes o faz com o
“patrício” que o escuta. Parece-nos que ambos são personagens detentores da tradição,
figuras expressas do gaúcho que, por meio do desenvolvimento da vida nas cidades,
estava em vias de extinção. Contudo, representavam esses personagens uma identidade
sulina que precisava ser preservada, para que não se perdesse esse período histórico que
fazia parte da marcha inexorável em direção ao progresso. Assim, podemos supor que
Juca Polvadeira foi um protótipo de Blau Nunes. Por falar nisso, notamos que a
apresentação de João Simões Lopes Neto na Conferência de 1906 é exatamente a mesma
apresentação de Blau Nunes em Contos Gauchescos. Na conferência o autor se utiliza
desse texto para demonstrar ao público que entre a primeira conferência de 1904 e essa
ele havia se dedicado a andar pelo Estado e conhecer melhor a sua região e, poder assim,
falar com mais propriedade. Arriada e Tambara (2009, p.289), dizem que
[...]. Por um longo período, Simões Lopes peregrinou em várias cidades da
região sul do Rio Grande do Sul em seu apostolado cívico. Constitui-se neste
período um verdadeiro paladino da causa do civismo no estado. Em verdade,
todas essas iniciativas [conferências, livros didáticos, entre outras] tinham um
explícito caráter de popularizar a educação no Estado.
O fato é que lemos em ambas:
– Eu tenho cruzado o nosso Estado em caprichoso ziguezague. Já senti a
ardentia das areias desoladas do litoral; já me recreei nas encantadoras ilhas da
Lagoa Mirim; fatiguei-me na extensão da Coxilha de Santana; molhei as mãos
no soberbo Uruguai, tive o estremecimento do medo nas ásperas penedias do
Caverá; já colhi malmequeres nas planícies do Saicã, oscilei sobre as águas
grandes do Ibicuí; palmilhei os quatro ângulos da derrocada fortaleza de Santa
Tecla, pousei em S. Gabriel, a forja rebrilhante de tantas espadas valorosas
239
temperou e, arrastado no turbilhão das máquinas possantes, corri pelas
paragens magníficas do Tupanciretã, o nome doce, que nos lábio ingênuo do
caboclo quer dizer os campos onde repousou a mãe de Deus... [...] (LOPES
NETO, 1961, p.123)
Cabe ainda dizer que a estância da família de Maio se chamava Tupanci, que quer dizer
“mãe de Deus”258, ou seja, quase a mesma referência, contudo, uma mesma referência no
que se trata do tema indianista, de usar nomes indígenas porque eram essencialmente
brasileiros.
“Coincidências” à parte, podemos notar uma tendência do autor de reaproveitar
textos em diferentes ocasiões, por exemplo, o texto A Recolhida, que compõe o Terra
Gaúcha, foi publicado na Revista da Academia de Letras do Rio Grande do Sul no ano
de 1911. O autor fez o mesmo com sua apresentação na Conferência de 1906 e a
apresentação de Blau Nunes em Contos Gauchescos, como vimos. Será que o autor fazia
isso sem intenção? Acreditamos que não. Por se tratar de um comportamento bastante
comum do autor, principalmente se tratando de temas como a gauchesca, podemos pensar
que ele fazia de propósito, com a intenção de vulgarizar a cultura regional, para que
ficasse conhecida, pois, era essa também uma face da cultura nacional. Endossa essa
hipótese o maior biógrafo de João Simões Lopes Neto, Sica Diniz (2003), quando
argumenta que o projeto pedagógico do autor é a certidão de nascimento de sua obra
literária.
Assim, chegamos à conclusão que ao autor criou uma espécie de comunidade
simbólica, como enuncia Renan (2011), quando cria, de certa maneira, uma forma
discursiva que expressa a região Sul do país. A história, a cultura, a tradição, os hábitos,
modos de pensar, valores, enfim, tudo isso e mais estão expressos nessa narrativa tão
interessante que o autor criou para o seu livro de leitura que, por sinal, já apresentava
traços de literatura. Ademais, fica bastante explícito nele, a ideia de que aquele mundo
estava ficando para trás, dando lugar a agricultura, aos modos urbanos de vida e, que
aqueles tipos sociais tendiam a desaparecer, mas, faziam eles parte da identidade gaúcha,
desse povo que lutou na fronteira para manter o território brasileiro e, não poderiam se
perder enquanto referência histórica e social. O gaúcho, como todo o brasileiro, de todas
as regiões, é mestiço, é uma mistura dos indígenas com os colonizadores e,
posteriormente, também com os africanos. Lembrando que o autor não negava nenhuma
258 Essa “coincidência” já havia sido notada na edição de Terra Gaúcha (2013), nota número dois da página
17.
240
das “raças” e, via peculiaridades em todas elas.
Já na segunda parte de Terra Gaúcha, como vimos, visava a integração nacional
ao expor na figura de cada menino um estado brasileiro, mostrando assim, o orgulho que
cada um carregava de fazer parte de sua região e, por conseguinte, do país como um todo.
Não obstante, vale destacar também que, João Simões Lopes Neto propõe um novo
método de ensino, mais humanizado, mais moral e cívico do que o que vinha sendo
realizado. Notamos também a admiração do autor por Menezes Vieira, pois, o Mestrinho
explicando que cada turma da escola levava o nome de um professor brasileiro, exalta
que a turma de Maio chama-se Menezes Vieira, gerando igualmente a ideia de um panteão
do estudo e, por conseguinte, uma cultura de estudo. Não raras são as vezes em que
aparecem textos morais nesse livro, pois, além de tudo o que expomos aqui, era necessário
também, criar um cidadão útil para a nação, apto à um novo tempo.
Assim, o Brasil que a autor se referia era um país ainda jovem, mestiço, o que
denotava destreza e, com aperfeiçoamento adequado da educação, poderia chegar onde
as nações mais antigas nem poderiam sonhar. A República, trazia a ideia de um novo
tempo, de um novo Brasil, enfim, livre de quaisquer mazelas estrangeiras, apto para
valorizar tudo o que havia de mais seu. Como país jovem e inaugurando um novo tempo,
além de ter um ser único no mundo formado pela miscigenação, o progresso não tardaria
a chegar e era preciso estar preparado, era preciso cidadãos úteis intelectualmente e
fisicamente e esse era o dever da educação realizar essa tarefa, exaltando e despertando
desde de cedo, nos pequenos cidadãos, o sentimento nacional, o apreço pelas coisas de
seu país. Neste sentido, a Artinha de Leitura, facilitando o aprendizado por meio da
reforma da Academia Brasileira de Letras, teria o objetivo de diminuir os índices de
analfabetismo, problema grave no país ainda hoje, além de distinguir a língua portuguesa
brasileira da portuguesa. Um novo método de ensino da leitura e da escrita, haveria de ter
uma nova abordagem do professor, por isso, a orientação detalhada que o autor expressa
em sua cartilha é admirável, trazendo sempre a ideia de um professor mais humano, que
tratasse das crianças com carinho e amasse sua profissão.
Antes de concluirmos, cabe destacar que
Pertence à natureza da crise que uma decisão que esteja pendente mas ainda
não tenha sido tomada. Também reside em sua natureza que a decisão
permaneça em aberto. Portanto, a insegurança geral de uma situação crítica
atravessada pela certeza de que, sem que se saiba ao certo quando ou como, o
fim do estado crítico se aproxima. A solução possível permanece incerta, mas
o próprio fim, a transformação das circunstâncias vigentes – ameaçadora,
241
temida ou desejada –, é certo. A crise invoca a pergunta ao futuro histórico.
(KOSELLECK, 1990, p.111)
Isto posto, podemos dizer ainda que João Simões Lopes Neto, a partir do seu
espaço de experiência percebeu a crise, que para ele era a falta de uma educação para o
civismo e, por conseguinte, a falta de um nacionalismo brasileiro. A partir então, realizou
a crítica dessa crise, criando assim uma alternativa, o seu projeto cívico e pedagógico.
Estava no seu horizonte de expectativa uma mudança, mesmo que não soubesse
exatamente qual seria. Vejamos, por exemplo, o que ele expressou em uma de suas
conferências:
Quem quer que observe o que se passa neste momento na vida das nações há
de chegar a conclusão de que não é uma época calma e de horizontes claros a
que atravessamos. Na Europa, as velhas nacionalidades sentem-se mal nos seus
limites e procuram expandir-se em outras terras onde contam encontrar
remédios aos males que as afligem. Os territórios desocupados já se distribuíram todos, de sorte que as nações
fracas estão em perigo. Na própria América, o desenvolvimento assombroso da União Americana do
Norte com a vitória de sua política imperialista é, não há de negar, um pesadelo
para as outras nações. [...] Há uma apreensão que é preciso que desapareça: a separação do território
nacional em vários estados; mas sobre isso, não só há, por agora, sintomas
sérios, como pesa também contra ela a tendência da evolução humana, que é
para as grandes aglomerações. A Inglaterra, a Espanha, a Itália, a Alemanha
são frisantes exemplos. (LOPES NETO, 2009, p.315)
Constatamos que o autor esteve engajado, no que tange a questão da educação, no
projeto positivista259 de governo do PRR no Rio Grande do Sul, além disso, apreendeu as
tensões nacionais e globais que estavam vigentes em sua época, que poderiam culminar
em um conflito, alertou que os brasileiros deveriam ser mais nacionalistas e, que deveriam
estar (físico e intelectualmente) prontos para defender sua pátria acima de qualquer coisa
e em qualquer situação. Projetou seus livros didáticos, com a finalidade de ajudar nessa
tarefa de civilidade nacional. Contudo, não se pode dizer que a I Guerra Mundial (1914-
1918) estava no seu horizonte de expectativa, aliás, ninguém nesse momento poderia
imaginar uma guerra de tamanha proporção. Apesar disso, João Simões Lopes Neto
buscava uma sociedade mais consciente de seu país e, logo, em resultado disso, uma
nação mais forte e progressista. Por isso, cabe salientar que o horizonte é a linha por trás
da qual se abre no futuro um novo espaço de experiência, espaço este, que ainda não pode
ser contemplado (KOSELLECK, 2006, p.311).
259 Sobre o ideário positivista, trataremos com mais aprofundamento no primeiro capítulo.
242
Concluímos, portanto, que mesmo com todo empenho e dedicação que João
Simões Lopes Neto colocou neste projeto pedagógico, nenhum de seus livros foi
publicado e, assim, não utilizado pela instrução pública. Contudo, nossa análise revelou
que nem por isso ele abandonou sua campanha cívica em prol da educação pois, continuou
proferindo discursos em praça pública e em festas cívicas. Desde 1904 João Simões Lopes
Neto era o segundo notário da cidade de Pelotas, ao consultarmos o jornal A Federação,
notamos que a partir de 1906, o autor pediu inúmeras licenças para tratar de seu livro
pedagógico, bem como à assuntos relacionados, e todas essas dispensas foram concedidas
pelo governo do Estado, ou seja, o autor licenciou-se de seu trabalho para percorrer o
Estado, estudar a questão da educação e elaborar seus livros, pleitear publicações, enfim,
dedicou-se por um bom tempo a uma campanha cívica e pedagógica de fato. Mais tarde,
em 1913, participou da inauguração dos colégios elementares em Pelotas e, na ocasião,
proferiu o discurso oficial em ato festivo (A Federação, Porto Alegre, 13 de junho de
1913). Desse modo, constatamos que o que ficou para trás foi o desejo de ver seus “livros
didáticos” publicados e utilizados pela instrução pública. Por esse motivo, acreditamos
que ele tenha se utilizado de ideias, fragmentos e até mesmo textos completos em suas
obras literárias, ou seja, reaproveitou o material pois, o propósito ainda era o mesmo:
divulgar, vulgarizar a tradição, a cultura, o folclore do Sul do Brasil, que não deixa de ser
uma expressão nacional. Assim, podemos pensar que autor criou uma espécie de
“inventário” cultural sul-rio-grandense com o intuito de corroborar com a formação da
nação, como uma forma de expressão nacional que se manifesta na região Sul do país.
Ou seja, continuou “olhando” o Brasil a partir do Sul.
243
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