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REVISTA DON DOMÊNICO Revista Eletrônica de Divulgação Científica da Faculdade Don Domênico 7ª Edição – Junho de 2015 - ISSN 2177-4641 __________________________________________________________________ ESCOLA E CIDADE: O ESPAÇO PLURAL NA DINÂMICA DA CULTURA URBANA Eliane Guimarães de Campos Prates 1 Resumo O presente artigo pretende estabelecer a importância do espaço cultural da escola na dinâmica da cidade suas implicações e sua importância dando sentido à existência histórica visando a prática produtiva, social no trabalho e inserção cultural. Palavras chave: escola - cidade - cultura Abstract This article seeks to establish the importance of space in the school's cultural dynamics of the city the implications and importance by giving meaning to the historical existence aimed at productive practice, social work and cultural integration Key Words: school – city –culture Considerações iniciais Todos nós precisamos de compromissos morais que se elevem acima das preocupações e contendas comuns da vida cotidiana. Devemos estar preparados para erguer uma defesa ativa desses valores onde quer que eles estejam precariamente desenvolvidos ou ameaçados. A condição básica da existencialidade humana é a sua profunda historicidade. A educação constitui uma tentativa de intencionalidade do existir social no tempo histórico, 1 Mestre em Educação. Professora do curso de História da Faculdade Don Domênico. Historiadora.

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7ª Edição – Junho de 2015 - ISSN 2177-4641 __________________________________________________________________

ESCOLA E CIDADE: O ESPAÇO PLURAL NA DINÂMICA DA CULTURA URBANA

Eliane Guimarães de Campos Prates1

Resumo

O presente artigo pretende estabelecer a importância do espaço cultural da escola na dinâmica da cidade suas implicações e sua importância dando sentido à existência histórica visando a prática produtiva, social no trabalho e inserção cultural.

Palavras chave: escola - cidade - cultura

Abstract

This article seeks to establish the importance of space in the school's cultural dynamics of the city the implications and importance by giving meaning to the historical existence aimed at productive practice, social work and cultural integration

Key Words: school – city –culture

Considerações iniciais

Todos nós precisamos de compromissos morais que se elevem acima das

preocupações e contendas comuns da vida cotidiana. Devemos estar preparados para erguer

uma defesa ativa desses valores onde quer que eles estejam precariamente desenvolvidos ou

ameaçados.

A condição básica da existencialidade humana é a sua profunda historicidade.

A educação constitui uma tentativa de intencionalidade do existir social no tempo histórico, 1 Mestre em Educação. Professora do curso de História da Faculdade Don Domênico. Historiadora.

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dando sentido à existência cultural da sociedade histórica. O projeto humano se dá nas

coordenadas históricas, sendo obra dos sujeitos atuando socialmente. A educação pode

então ser definida como esforço para se conferir ao social, no desdobramento do histórico,

um sentido intencionalizado, como um esforço para a instauração de um projeto de efetiva

humanização, feita através da consolidação das mediações da existência real dos homens.

A educação representa o investimento do grupo social com vistas à inserção

dos indivíduos humanos no tríplice universo da prática produtiva, da prática social e da

prática simbolizadora, ou seja, nos universos do trabalho, da sociabilidade e da cultura.

Enquanto prática humana, carrega consigo todas as conseqüências da historicidade. É

também um processo da construção coletiva no tempo histórico. A escola brasileira objeto

de múltiplas intervenções foi também, cena e linguagem de um modelo de sociabilidade

que se afirmava republicano. Não nos é permitido omitir a tensão entre a organização do

tempo e do espaço e a resistência que lhes é oferecida pela precariedade das condições

materiais prevalentes na maioria dos estabelecimentos de ensino. Portanto abriram-se

instigantes perspectivas de análise para outro estudo no campo da história da escola e dos

saberes que a normatizam.

Ressalte-se a influência da História e das Ciências Sociais como determinantes

do pensamento pedagógico estruturado no decorrer da última década do século XX como:

a) formas de mobilização e sua realização no tempo e no espaço;

b) preservação da memória histórica de diferentes sistemas;

c) influência social, suas ciências e suas formas interativas.

Nossa época se desenvolveu sob o impacto da ciência e da tecnologia e do

pensamento racional, que tiveram origem na Europa dos séculos XVII e XVIII. A cultura

industrial ocidental foi moldada pelo Iluminismo – pelos escritos de pensadores que se

opunham à influência da religião e do dogma e desejavam substituí-los por uma abordagem

mais racional à vida prática.

No que se refere às disciplinas escolares, o código disciplinar remete por um

lado à pedagogia pretensamente científica, em um reduto acadêmico cujas exigências e

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desenvolvimento se produz à margem da arte de ensinar, considerada não científica,

elaborada por seus artesãos. Isto continua sendo uma vasta mina aberta ao trabalho dos

historiadores da educação, ao mesmo tempo, pode ajudar a ter pontes entre ambas

pedagogias, entre o mundo acadêmico da ciência pedagógica e o mundo empírico do ensino

na sala de aula.

Remetendo às disciplinas escolares o elemento chave, que configura, organiza

e ordena uma disciplina, é o código disciplinar. Códigos cujos componentes se transmitem

de uma geração a outra, dentro da comunidade de “proprietários” do espaço acadêmico

reservado graças aos mecanismos de controle da formação, da seleção e do trabalho ou

tarefa profissional.

Quais são tais componentes? Basicamente três: 1) um corpo de conteúdos (saberes, conhecimentos, destrezas, técnicas, habili dades); 2) um discurso ou argumentos sobre o valor formativo e a utilidade dos mesmos (acadêmica, profissional ou social de tais conteúdos); 3) e as práticas profissionais (práticas docentes em sala de aula, o modo de transmitir e de conduzir a aula¨ essa tensão de um corpo a corpo com o grupo”).(Chervel, 1991, p.81).

Pretendemos aqui no decorrer desta troca nos concentrar em estabelecer

relações entre a conjuntura histórica local e a conjuntura histórica brasileira no início do

século XX. E, colocar em questão ainda, a análise da rede de configurações sócio-culturais.

Como nos diz Le Goff (1996) a história não é puramente uma ciência, mas sim uma

vivência constante na sociedade, por meio de memórias e lembranças: muito do que um dia

foi concretizado é história e grande parte dessa história é guardada na memória de

indivíduos e da sociedade.

A investigação constrói-se entre a materialidade, a representação e a

apropriação.

Um acontecimento vivido é finito, ou pelo menos encerrado na esfera do

vivido, ao passo que o acontecimento lembrado é sem limites, porque é apenas uma chave

para tudo o que veio antes e depois. Em 1896, Bérgson publica Matière et memoire.Considera

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central a noção de ïmagem¨, na encruzilhada da memó ria e da percepção. No termo de uma longa análise das deficiências da memória (amnésia da linguagem ou afã-

sia) descobre, sob uma memória superficial, anônima, assimilável ao hábito, uma memória profunda pessoal, ¨pura¨, que não é analisável em termos de ¨coisas¨ mas de ¨progresso¨. Esta teoria que realça os laços da memó ria com o espírito, senão com a alma, tem uma grande influência na literatura. Marca o ciclo narrativo de Marcel Proust, À la recherche du temps perdu (1913-1927). Nasceu uma nova memória romanesca, a recolocar na cadeia ¨mito-história-romance¨. (Le Goff, p.465)

Fazendo referência ao grande escritor Marcel Proust, seu golpe de gênio foi

ter buscado analogias e semelhanças entre o passado e o presente. Proust não reencontra o

passado em si, mas a presença do passado no presente e o presente que está lá, prefigurado

no passado, ou seja, uma semelhança profunda, mais forte de que o tempo que passa e que

se esvai sem que possamos segurá-lo. Em suas palavras “subtraí-los às contingências do

tempo em uma metáfora”.

A respeito da representação começamos a partir da indagação: o que é cultura?

Uma definição única não dará conta da totalidade nem da complexidade do

fenômeno. Uma provável aproximação pode ser de considerá-la como uma aproximação

coletiva da existência individual ligada às gerações seguintes. No fim do século XX ela

flutuou entre dois pólos, nos nossos discursos como nas práticas. De um lado ela evoca a

história das idéias, das artes, das letras, das ciências etc. De outro ela define as formas

materiais da existência, as condutas e os rituais da vida coletiva.

Ela resulta, com efeito, de uma iniciação a uma visão de mundo, transmitida

por sua vez por palavras, por uma sintaxe e por meio de múltiplos códigos coletivos verbais

ou não. Ao lado da palavra, os gestos, as mímicas ou ainda os modos de ser em conjunto,

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como aqueles de se opor, os objetos também quando tenham vida através dos usos, tantas

coisas ainda definem uma maneira comum de dizer e de olhar o mundo: Isto é o que

chamamos cultura, no sentido amplo do termo.

É possível analisar as crenças coletivas próprias dos grupos dados, em um

tempo e num espaço bem delimitados, onde a soma das evidências, ou ao contrário de

contradições, permite aproximá-la da sua evolução histórica. Em outros termos, o objetivo

é de compreender como uma cultura trata a inserção do sujeito vivo e pensante no seu meio

natural assim como nos grupos sociais que o controlam.

Cada comunidade local aparece em uma sorte de nicho sócio-cultural, ela

mesma inserida nos conjuntos mais vastos. O estudo da cultura é de maneira bem mais

complexa, a análise das inter relações entre os diversos estágios da construção, quer dizer

das mudanças, das inovações, mas também dos imobilismos ou dos conflitos. Rupturas e

evoluções são particularmente ligadas aos novos espaços culturais muito dinâmicos,

Segundo Anne Marie CHARTIER, em tempos de profundas mudanças a

escola assume a responsabilidade de transmissão cultural às novas gerações combinando

com essa tarefa, o propósito funcional de saber ler e de manter viva a riqueza de um

patrimônio cultural compartilhado: o útil e o agradável. O esforço escolar frente ao prazer

extra-escolar, as práticas leitoras competindo com outras mais velozes e imediatas,

narrativas e relatos hoje atravessados pela lógica do consumo são, entre outros, elementos

que fazem desse vínculo entre os jovens e a leitura uma pergunta sem fácil resposta para a

escola.

O território

Os historiadores em geral, têm uma certa inibição em tratar de forma mais

conceitual a análise dos diferentes processos de territorialização, deixando a cargo de

geógrafos a tarefa de pensar a questão território, vista como diversas formas de relação

entre espaço e poder. Hoje há um consenso entre os cientistas sociais no sentido de se

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relacionar o território com a questão do poder, de pensá-lo com base nas relações de poder

que o engendram e nas quais está implicado.

Portanto, analisar o território pressupõe uma abordagem histórica que leve em

conta o contexto específico da sua conformação e/ou reafirmação. Os territórios devem-se

entender como frutos nunca definitivos das sociedades humanas, como frutos de

intervenções e de jogos de relações de grupos e entre grupos humanos (construções de

infra-estrutura, marcos, fronteiras culturais etc).

Não é por acaso, pois, que mais de uma cidade histórica alcançou seu ponto

culminante no diálogo que resume sua experiência total de vida. No livro de Jô, vê-se

Jerusalém, em Platão, Sócrates e Eurípedes, Atenas, em Shakespeare a Londres elisabetana.

Num sentido, o diálogo dramático é, ao mesmo tempo, o símbolo mais pleno e a

justificação final da vida na cidade. Pela mesma razão, o símbolo mais relevante do

fracasso da cidade, na sua própria inexistência como personalidade social, é a ausência do

diálogo – não necessariamente o silêncio, mas igualmente o som ruidoso de um coro que

pronuncia as mesmas palavras, num conformismo acuado embora complacente. O silêncio

de uma cidade morta tem mais dignidade que os vocalismos de uma comunidade que não

conhece nem o retiro nem a oposição dialética, nem a observação irônica nem a disparidade

estimulante nem um conflito inteligente nem uma resolução moral ativa. Semelhante drama

está destinado a ter um fatal último ato.(MUMFORD, 1961). A imagem de um drama

urbano vem por ocasião da descrição da cidade antiga, mais precisamente da polis grega.

A partir da reflexão contida na obra do professor Milton Santos a paisagem

materializa o conjunto das realizações de determinada sociedade em determinado momento,

enquanto o espaço contém, agregados e superpostos à paisagem, o passado acumulado e o

futuro projetado desta sociedade, como um sanduíche de muitas camadas, em que estão

comprimidos a economia, a história, o território, a cultura, aí visíveis e inteligíveis: em seu

livro A natureza do espaço, Milton Santos escreve que ¨a paisagem se dá como um

conjunto de objetos reais-concretos...Já o espaço resulta da intrusão da sociedade nessas

formas-objetos¨.

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Outro aspecto a ser levado em conta é o fato de que os territórios têm uma

multiplicidade de expressões, com diferentes particularidades sócio-culturais e políticas, os

territórios são oriundos das diferentes cosmovisões dos grupos sociais envolvidos, portanto

coletivamente criados e historicamente situados.

Na filosofia encontramos desde a Antiguidade a reflexão sobre a cidade (que

por definição, não é mais do que o espaço dos cidadãos) como, por exemplo, em Platão, na

República em que a polis é o próprio testemunho do estágio superior de civilização; em

Aristóteles encontramos referências diretas à cidade na Política, mais tarde com Morus na

Utopia e em nosso mundo contemporâneo, pelo menos dois pensadores que tem a cidade

como referência de seus objetos: Henri Lefèbvre, francês que nos anos 70 subsidiou muito

de uma sociologia francesa nas obras O direito à cidade, Do rural ao urbano, e Espaço e

política; outro é o filósofo catalão Eugenio Trias especialmente em O artista e a cidade na

qual o esforço do autor consiste em relacionar alma e cidade.

A história tem a faculdade de nos confundir; ela nos confronta,

incessantemente, com singularidades, diante das quais nossa reação mais natural é a de não

enxergar; longe de constatar que não temos a chave adequada, nem sequer percebemos que

há uma fechadura que deve ser aberta.(VEYNE, 1998, p.174).

Deve-se estudar uma cidade não só segundo os planos dos que a conceberam,

mas, sobretudo, valendo-se das práticas que a construíram. Regimes de historicidade,

temporalidades específicas e múltiplas constroem situações urbanas vividas pela

experiência humana. A história dos usos e, das formas da cidade estão integrados, mas não

tem entre si relações de determinação, possuem temporalidades distintas. Mais que isso, é

no presente que tanto o espaço e a sociedade estão para o historiador. A memória tende a se

fundir com o lugar e reciprocamente. Como apontou Certeau os espaços são mais uma

camada de preenchimento dos sentidos na construção da espacialidade, das fronteiras que

se quer naturais. Apropriação da natureza na construção de um espaço simbólico de ação

dos homens – o território -, portanto, campo de análise e reflexão.

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As grandes reformas urbanas da segunda metade do século XIX. Novas propostas urbanísticas

ao final do século XIX e primeiras décadas do século XX.

No tratado de pesquisa, para dar sentido a sua explicação, o historiador

estabelece um recorte temporal – uma temporalidade, e também um espaço – uma

espacialidade. Neste duplo feixe de delimitação, e somente aí, as ações dos atores sociais

que são seu objeto fazem sentido, ou encontram uma lógica no processo histórico.

Considerando que a atividade de pesquisa do passado é sempre política e nunca está fora do

presente, a temporalidade-espacialidade definida pelo historiador tem íntima relação com as

definições de espacilalidades oriundas de outros lugares sociais que não a academia.

Pode-se identificar no tempo, sob todos os seus aspectos, muitos sinais de uma

concepção instituída que tem seus alicerces fincados em uma concepção instituída de

estabelecer formas disciplinadas de convivência entre as pessoas de um modo geral.

Mecanismos de poder de uma época tentam conformar, explicitar, definir aquelas que

seriam as melhores formas de lidar com o tempo. Também de diferentes maneiras o meio

social utiliza seus tempos em relação aos tempos por assim dizer disciplinados. O tempo

sobre a cidade sofreu alterações rítmicas a partir dos primeiros anos do século XX: acelerar

disciplinadamente rumo ao moderno. Todavia a articulação e disposição dos elementos que

propiciaram a aceleração do tempo (alargamentos, extensões, aberturas de ruas, demolições

de casebres e cortiços etc) entravam em contato com os outros tempos do cotidiano dos

habitantes. A caridade, a filantropia e a assistência constituíram-se como faces de um

discurso que objetivava atenuar a situação de precariedade que assolava a população pobre.

Imbuídos dessa missão, os intelectuais envolvidos nessa cruzada de benemerência tinham

nos modelos de intervenção higienista e pedagógico os parâmetros de sustentação das ações

e normalização das famílias e das crianças vindas da pobreza. Ressalte-se o poder de

alcance das iniciativas caritativas e filantrópicas levadas a efeito por setores privados. E

era, justamente das inúmeras e diversas apropriações dos elementos da cidade que se

constituía o cotidiano do período. Vê-se, pois, que o conceito de tempo social envolve, de

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um lado, as estratégias disciplinares que tentam prescrever os tempos ideais a serem

vividos. E, de outro, os usos e práticas que, colocam em cena outros tempos, se apropriam

dessa vontade disciplinar, no mais das vezes, subvertendo-a. (CERTEAU, 1994) Percebe-se

que não foi sem razão o grande destaque que paulatinamente se deram aos mecanismos de

mediação do tempo os governantes, em diferentes sociedades, com especial atenção para os

relógios. Ver a esse respeito principalmente: (LE GOFF, 1980,1983); (ELIAS, 1998);

(THOMPSON, 1998).

A cidade é mais que a soma das marcas que se impuseram à paisagem, é mais

que o que foi dito, é mais que o que foi pensado. A cidade é, também, o desejo secreto e

contido, é o que não pode ser dito, o interdito, a busca do prazer, da alegria, da felicidade.

Civilidade, racionalidade, materialidade, progresso, liberdade, individualidade

são, entre outros substantivos aqueles que definiram o início de um novo século. Entretanto

apresentaram contrapartidas: miséria, epidemias, repressão, medo, lutas sociais, direitos,

deveres. Enfatiza-se principalmente, o esforço em institucionalizar as experiências públicas

naquilo que foi notório para a mentalidade da época: combinar progresso material com o

progresso das mentes.

Será a cidade uma entidade virtual, uma tradição inventada com um valor

simbólico indiscutível para seus habitantes, mas sem qualquer correspondência a um

coletivo localmente estruturado? Ou pelo contrário, será um lugar antropológico,

identitário, racional e histórico?

A partir desta constatação a análise debruçou-se sobre o nível de estruturação

coletiva da própria cidade, tentando identificar as instâncias que a promoveram como

unidade social territorializada, com algum nível de organização interna e representabilidade

exterior. Acontecimentos do cotidiano que se constroem sobre redes de interação social,

dando visibilidade a determinados processos sociais e culturais que contribuíram

fortemente e de uma maneira extremamente explicita para a criação de sociabilidades

próprias que não só fazem a cidade no seu cotidiano, como produzem ainda idéias, imagens

mitos e narrativas sobre ela. No caso santista podemos mesmo afirmar que os bairros da

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orla marítima, as praias e a cidade interagem mutuamente na produção de um sentido e de

uma prática, como se fossem os vértices de um triângulo simbólico que requer uma análise

conjunta. Esses espaços da orla, assumidos esses bairros, como lugares, no verdadeiro

sentido, antropológico do termo, tem nome, história, memórias e sociabilidades partilhadas,

atividades delimitadoras de fronteiras territoriais bem visíveis, tudo isto na tentativa de

ultrapassar filtros, possíveis fontes de distorção na percepção das realidades urbanas que

não nos permitem ver, nem analisar as dimensões relacionais e são percebidos do exterior

como unidades territoriais quase naturais, relativamente homogêneas no nível das práticas e

representações.

Ícone da Modernidade, espaço público legitimador de um novo poder que se

pregava uma organização social de cidadãos emancipados, a cidade e seu traçado deveriam

ao mesmo tempo, “anunciar o rompimento com o passado, preconizar o futuro e, fincar-se

como emblema da nação republicana’’ Novas faces, novas curvaturas, um outro corpo estava para ser construído. Praticar a cidade, transitar por ela, vivenciá-la corporalmente, provar a cidade com o corpo, isso já era uma forma de fazer o corpo se impregnar de racionalidade higiene, da assepsia, da civilidade desejada (Vago, 2002, pp 30-34)

Mas, se percebemos que o que chamamos sociedade já comporta a

participação dos indivíduos, o problema desaparece: a realidade objetiva social comporta o

fato de que indivíduos se interessam por ela e a fazem funcionar, ou, se preferimos, as

únicas virtualidades que um indivíduo pode realizar são as que estão desenhadas em

pontilhado no mundo ambiente e que o indivíduo atualiza, pelo fato de se interessar por

isso; o indivíduo preenche os espaços ocos que a ¨sociedade¨ (quer dizer, os outros, ou as

coletividades) desenha em relevo.

A cidade lugar de orgulho inova em todas as áreas, aspira à beleza, reinventa

o urbanismo e cria um imaginário urbano. Considere a cidade da Idade Média, substitua os

muros que a cercam pela periferia e teremos a cidade contemporânea. Em que sentido a

cidade é sinônimo de sociabilidade, embora tenha se tornado hoje sinônimo de

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individualismo e de anonimato? O orgulho urbano é feito da imbricação entre a cidade real

e a cidade imaginada, sonhada por seus habitantes. É a sociabilidade, o prazer de estar com

o outro, que estabelece em definitivo a diferença urbana, a urbanidade.

Os termos relacionados à cidade denotam a educação, a cultura, os bons

costumes, a elegância: urbanidade vem do latim urbs; da polis grega. A Idade Média herda

da Antiguidade latina, e reforça, esse menosprezo pelo campo, sede do bárbaro, do rústico.

Os camponeses são rudes. O cristianismo medieval oscila entre esse pólo da radicalidade

solitária e um pólo de civilização, a cidade. Porque a atividade mais inovadora, criativa, da

cidade medieval, é, durante muito tempo, sua função cultural: escola, arte, teatro,

urbanismo; é na cidade e da cidade que eles irradiam. Foi a cidade que exerceu, até agora,

desde a Idade Média, essa função cultural, hoje disputada pelos lugares extra-urbanos.

Ao analisarmos a construção da escola como um “lugar”, nos diz Viñao

Frago (1998) que a aceitação da necessidade de um espaço e de um edifício próprios,

especialmente escolhidos e construídos para ser uma escola foi o resultado de uma

confluência de forças amplas, de caráter social, como a especialização ou segmentação das

diversas tarefas ou funções sociais e a autonomia das mesmas, umas em relação às demais e

de forças específicas mais relacionadas à escola, como a profissionalização do trabalho

docente.

Segundo ele, passou-se a entender que nem todo edifício ou local servia para

ser uma escola pois o prédio escolar deveria ser configurado de um modo definitivo e

próprio, independente de qualquer outro, em um espaço também adequado para tal fim, o

que implicava, além de seu isolamento ou separação, uma identificação arquitetônica e

alguns signos próprios.

Por tudo isso, o edifício escolar deveria se destacar em relação aos demais

edifícios públicos, civis ou religiosos e também em relação à casa, “um lugar com o qual a

escola guardará sempre uma relação ambivalente, de aproximação e de resistência”.

Pensando a cidade em seu conjunto, com ações que envolvem o cruzamento

de diferentes instituições, o uso dos espaços urbanos, a disponibilização de tempo para as

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novas gerações, bem como a afirmação de novos horizontes e compromissos por parte da

comunidade especificamente escolar assim, todos os que vivem na cidade convertem-se em

educadores. Que olhares diferentes atores sociais (associações de bairros, grupos

ecológicos, empresariado, clubes de serviço, sindicatos, partidos políticos, etc.) dirigem às

crianças, aos adolescentes e aos jovens em nossa sociedade?

Formar comunidade de aprendizagem pode ser ampliador de nossa

compreensão de educação, permitindo-nos reinventar a escola no mesmo movimento que

busca reinventar a cidade e nela a comunidade como lugares de convivência, de diálogo, de

aprendizagens permanentes na perspectiva do aprofundamento da democracia e da

afirmação das liberdades.

Que lugar a escola ocupa no tecido social em que está inserida?

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