Escola e Curriculo

80
A ESCOLA E O CURRÍCULO ULBRA

Transcript of Escola e Curriculo

Page 1: Escola e Curriculo

A ESCOLA E O CURRÍCULO

ULBRA

Page 2: Escola e Curriculo

2

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ....................................... ......................................................4

1 O CURRÍCULO E A CONSTRUÇÃO DA ESCOLA ............. ..........................7

1.1 O CURRÍCULO E O SISTEMA DE ENSINO..............................................10

1.1.1 Currículo formal, informal e oculto...........................................................10

1.1.2 .................................................................................................................11

Currículo e ensino ............................................................................................11

1.2 CURRÍCULO E SISTEMA EDUCACIONAL ...............................................12

2 O QUE É O CURRÍCULO? HISTÓRIA E LINGUAGEM DO CURRÍCULO....................................................................................................14

3 A ESCOLA, A SOCIEDADE E O CURRÍCULO .............. .............................21

3.1 TEORIAS SOBRE O CURRÍCULO ............................................................21

3.1.1 O currículo como soma de exigências acadêmicas ................................22

3.1.2 O currículo como base de experiências ..................................................22

3.1.3 O legado tecnológico e eficientista no currículo ......................................23

3.1.4 O currículo como configurador da prática................................................23

4 A ORGANIZAÇÃO SOCIAL E A SELEÇÃO CULTURAL DO CURRÍCULO....................................................................................................27

5 O CURRÍCULO ESCOLAR, APRENDIZAGEM E ESCOLA ....... .................34

6 A ORGANIZAÇÃO DO CURRICULO: ASPECTOS POLÍTICOS... ..............41

7 O CURRÍCULO E A PRÁTICA DOCENTE.................. .................................47

8 A PRÁTICA CURRICULAR: O AGIR E A LINGUAGEM DO CURRICULO....................................................................................................53

8.1 AS TAREFAS ACADÊMICAS COMO MEDIADORAS DO ENSINO ..........53

8.1.1 Tarefas como matriz de socialização ......................................................54

9 A VIRADA DA TEORIA CURRICULAR: CURRÍCULO E CURRÍC ULOS....60

10 CURRICULO E DISCURSO CONTEMPORÂNEO .............. .......................66

10.1 O CURRÍCULO POR COMPETÊNCIAS..................................................66

Page 3: Escola e Curriculo

3

10.2 O CURRÍCULO POR PROBLEMAS ........................................................68

10.3 O CURRÍCULO POR PROJETOS ...........................................................69

10.4 O CURRÍCULO POR TEMAS GERADORES E POR PROBLEMATIZAÇÃO......................................................................................70

10.5 O CURRÍCULO POR MÓDULOS DE APRENDIZAGEM.........................71

10.6 O CURRÍCULO EM REDE, HIPERTEXTUAL .........................................71

10.7 O CURRÍCULO POR CICLOS DE FORMAÇÃO......................................72

10.8 A SALA DE AULA NA CONTEMPORANEIDADE ....................................72

Page 4: Escola e Curriculo

4

APRESENTAÇÃO

O currículo tem sido um dos temas de pesquisa que atrai pesquisadores em

todo o mundo intelectual e educacional atualmente. O presente texto tem como

objetivo apresentar as ideias resultantes de diferentes pesquisas sobre o currículo e a

constituição da escola. Portanto, envolve um trabalho de coleta, organização e

compilação de dados de pesquisadores durante determinados períodos da história do

conhecimento educacional.

Os estudos sobre o currículo são antigos. Sabemos que as teorias sobre o

currículo começaram a ter maior importância a partir da história da democratização da

sociedade nos anos de 1970, cujos debates acabaram trazendo influências para as

escolas, para a comunidade acadêmica, para o discurso político, bem como para a

formação profissional. Dessa forma, o currículo passou a ser foco de interesse público

e influenciar políticas educacionais.

O currículo, através de seus determinantes, produz muitas representações nos

grupos sociais, na escola e em seus agentes – professores, gestores, alunos,

funcionários – e no contexto em que estamos inseridos. Ele é constituído pelas

práticas educativas, pelas ações dos professores e pelas interações estabelecidas

entre os professores, os alunos e os conteúdos.

O presente estudo divide-se em dez capítulos. No capítulo um aborda-se o

currículo e a construção da escola. Este capítulo apresenta a história e a evolução da

teoria do currículo, incluindo as ideias de organização, estrutura e aplicação do

currículo. O capítulo dois – intitulado O que é currículo? História e linguagem do

currículo – apresenta as definições do currículo, sua etimologia e a forma de sua

manifestação na sociedade. Nos capítulos três e quatro, discute-se como a escola e a

sociedade interferem na construção do currículo, incluindo como o currículo participa

da organização social e de que forma as políticas educacionais determinam a seleção

de conteúdos para a constituição de currículo. O capítulo cinco descreve as etapas de

construção do currículo escolar e a forma como interage para conduzir a

aprendizagem e para utilizar a estrutura que a escola proporciona.

No sexto capítulo, apresenta-se de que forma o currículo exerce seu poder e

determina posições e visões de mundo e, no sétimo, abordam-se todas as etapas de

planejamento e organização do pensamento do professor, a ação em relação ao

processo de aprendizagem e os conteúdos, os saberes necessários pelos professores

em favor do desenvolvimento cultural e da construção do conhecimento.

O oitavo capítulo debate a questão da prática curricular, apresentando-se as

formas de reunir teoria e prática dentro da ação dos agentes que compõem o currículo

Page 5: Escola e Curriculo

5

de um curso, escola etc. O capítulo nove apresenta os debates que marcaram a

mudança de pensamento na áreas do currículo. No último capítulo são discutidas as

tendências contemporâneas sobre o currículo e as formas de pensar e de criar

inovações para uma educação mais justa e saudável.

No final de cada capítulo é apresentado o Ponto Final, que é uma retomada

das ideias fundamentais do texto, tendo em vista a escola como o espaço onde o

currículo se realiza. Também há uma atividade que envolve as funções analíticas e

reflexivas.

Esperamos que essa obra lhes proporcione uma boa leitura, bem como que

possa acrescentar novos conhecimentos aos que já possuem.

Page 6: Escola e Curriculo

6

Notas sobre o autor

Airton Pozo de Mattos é licenciado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do

Rio Grande do Sul – PUCRS (1983), Especialista em Linguística Aplicada pela

PUCRS (1990), Mestre em Educação pela PUCRS (1997) e Doutor em Educação

pela PUCRS (2005). É professor da graduação, especialização, mestrado e doutorado

da Universidade Luterana do Brasil.

Page 7: Escola e Curriculo

1 O CURRÍCULO E A CONSTRUÇÃO DA ESCOLA

O século XX trouxe mudanças nas mais diversas áreas: política, economia,

segurança, educação e tecnologia. Essas mudanças – ou evoluções para alguns

especialistas e nem tanto para seus críticos – possibilitaram a criação de um novo

cenário para a educação, levando as pessoas a buscarem novas formas de

compreender o mundo e suas modificações.

A globalização e as mudanças por ela provocadas também atingiram a

educação e sua forma de atuar na sociedade – sua função, seus objetivos, sua

missão, os valores e princípios pelos quais a educação se constrói.

A escola, desde sua constituição, atendia as elites, funcionários importantes do

Estado. Atendia também a manutenção das ideologias dominantes, através da

transmissão de conhecimentos e comportamentos reconhecidos como de interesse de

quem mantinha o poder.

Com as mudanças nas estruturas das sociedades, com a industrialização e o

crescimento de uma nova classe de poder e das necessidades de pessoas para o

trabalho e melhor formação para poder atender a demanda, as escolas passaram a ter

a função de preparar pessoas para o mundo do trabalho. Passamos a ter duas

escolas: a das elites e a dos pobres.

A transformação da escola para uma escola de massas trouxe uma série de

problemas para o atendimento da demanda crescente. A escola era ineficiente e não

contribuía para o ajustamento das novas gerações e não preparava a mão-de-obra

para o mercado. Com as dificuldades, os governos iniciaram um processo de

reavaliação da escola, de sua estrutura e das suas relações com a sociedade. Nesse

processo de transformação, o currículo representou um dos temas mais debatidos.

Como o currículo pode ser definido? O que ele inclui? O que o distingue de

outros conceitos e sistemas com ele relacionados? Segundo Ribeiro1, o termo

currículo não possui um sentido único, pois existe uma diversidade de definições e de

conceitos em função das linhas de pesquisa e das percepções dos seus pensadores.

Esse autor esclarece que uma das acepções mais comuns é aquela que identifica o

currículo “com o elenco e sequência de matérias ou disciplinas propostas para todo o

sistema escolar, um ciclo de estudos, um nível de escolaridade ou um curso, visando a

graduação dos alunos nesse sistema, ciclo, nível ou curso”2. Nessa concepção, o

currículo confunde-se com “plano de estudos” – um conjunto estruturado de matérias

ou disciplinas de ensino, que se estabelece em um determinado tempo e espaço em

atenção às necessidades de aprendizagem dos alunos.

Page 8: Escola e Curriculo

8

Um outro conceito busca identificar o currículo com programas de ensino em

uma determinada área de estudo. O currículo, nesse caso, representa uma listagem,

esquema ou sumário de temas e tópicos por área disciplinar e, muitas vezes,

acompanha sugestões metodológicas de como tratar esses conteúdos programáticos.

Essas concepções levam-nos a destacar duas ideias independentes: uma de

organização curricular e outra de disciplinas (matérias), conteúdos programáticos e

respectivas observações didáticas.

Ribeiro ainda observa que as concepções mais correntes “tem em comum o

fato de caracterizarem o currículo mais pelos aspectos ‘exteriores’ ou visíveis do que

pelos elementos intrínsecos e ‘substantivos’ que o definem e conferem significado

àqueles”3.

A ideia de currículo como conjunto de matérias ou disciplinas de ensino se

caracteriza como “um modo de transmitir de geração em geração o conjunto

acumulado do saber humano, sistematicamente organizado e tradicionalmente

consagrado em matérias ou disciplinas fundamentais, [deixando claro que] o currículo

deve constituir-se inteiramente com o conhecimento que provém das disciplinas”4,

servindo como uma forma de introdução ao universo de conhecimentos acumulados

pela história da humanidade.

O autor apresenta outra forma de interpretar o mesmo conceito de currículo.

Para ele, o currículo também permite “representar um conjunto de diferentes modos de

pensar e investigar a realidade e experiência humana, privilegiando-se, assim, o

desenvolvimento de capacidades e processos intelectuais – significativamente

representados nessas disciplinas do saber”5.

Ademais, acerca dos conceitos de currículo, Ribeiro apresenta concepções de

diferentes autores, conforme é apresentado no Quadro 1, a seguir.

Quadro 1 – O currículo segundo diferentes autores

AUTORES CONCEPÇÕES DE CURRÍCULO

FOSHAY, 1969 Currículo é o conjunto de todas as experiências que o aluno adquire, sob a orientação da escola.

SAYLOR, 1966 Currículo engloba todas as experiências de aprendizagem proporcionadas pela escola.

PHENIX, 1958 Currículo é o modelo organizado do programa educacional da escola e descreve a matéria, o método e a ordem do ensino – o que, como e quando se ensina.

JOHNSON, 1977 Currículo é uma série estruturada de resultados de aprendizagem que se tem em vista. O currículo prescreve (ou pelo menos,

Page 9: Escola e Curriculo

9

antecipa) os resultados do ensino; não prescreve os meios.

Fonte: Ribeiro, 1993.

Entre as definições apresentadas no Quadro 1, Ribeiro esclarece que as duas

primeiras “possuem um traço comum: conjunto de experiências educativas vividas

pelos alunos, sob a tutela da escola”6. Entretanto, a segunda se refere às experiências

educativas e de aprendizagem organizadas pela escola. A primeira e a segunda

definições, segundo o autor, apresentam uma estreita associação entre “experiências

de aprendizagem ou educativa” e “currículo”. O currículo, nesse caso, seria uma

“acumulação de experiências educativas ou o itinerário formativo do aluno durante a

sua passagem pela escola [e, ao mesmo tempo,] seria o conjunto variado de

mecanismos e meios que possibilitam, no tempo de vida escolar, diversas e

sucessivas experiências formativas”7.

Podemos depreender disso que o currículo é o conjunto de experiências

educativas oportunizadas pela escola, resultantes de intenções explícitas da própria

organização e de ingredientes da vida escolar. Para Ribeiro a terceira e quarta

definições apresentam ideias opostas às anteriores, pois o currículo aparece como

planejamento, organização do ensino-aprendizagem, conjunto organizado com

objetivos e sequência de ações para atingir os objetivos.

Então, podemos observar que as definições mais comuns de currículo tendem

a se relacionar com:

- lista de disciplinas de ensino;

- lista de conteúdos programáticos;

- sequência organizada de conteúdos de ensino;

- série de objetivos de ensino;

- manuais e matérias didáticos;

- métodos e processo de ensino;

- experiências, atividades vivenciadas na escola.

Entre os argumentos até aqui apresentados, devemos enfatizar que as

dimensões da concepção de currículo são o currículo como algo que se visa, como

intenção ou objetivo; e o currículo como algo que se experiencia, como interação e

processo em curso. A primeira perspectiva descreve o currículo como plano, algo

normativo; na segunda, ele é descrito como interação e experiência de aprendizagem.

Pode-se observar que as definições apresentam três pontos de vista atinentes ao

currículo:

- conjunto de objetivos ou resultados de aprendizagem a serem alcançados;

- disciplinas ou conteúdos a ensinar;

Page 10: Escola e Curriculo

10

- experiências ou processo de aprendizagem.

Assim, se mantivermos esses três pontos de vista juntos, encontramos uma

única concepção: plano estruturado de ensino-aprendizagem, englobando a proposta

de objetivos, conteúdos e processos. A ideia de reunir os diferentes aspectos das

definições apresentadas também foi compartilhada por autores como Tanner e

Tanner, que definem o currículo como um

conjunto de experiências de aprendizagem planejadas, bem como de resultados de aprendizagem previamente definidos, formulando-se umas e outros mediante a reconstrução sistemática da experiência e conhecimento humanos, sob os auspícios da escola e em ordem ao desenvolvimento permanente do educando nas suas competências pessoais e sociais.8

O currículo como plano, programa estruturado, concretiza-se em um

documento – no plano de estudos ou programa escolar – ou “material” curricular,

objeto, material de estudo, plano ou programa de ensino-aprendizagem.

1.1 O CURRÍCULO E O SISTEMA DE ENSINO

O currículo estabelece relações com outras instâncias ou sistemas

interdependentes que conhecemos como sistema educacional. Nas relações de

fronteira com os outros participantes do sistema, emergem atividades, experiências e

atividades até então ocultas ou não conhecidas das comunidades educativas.

1.1.1 Currículo formal, informal e oculto

Na discussão sobre o currículo é muito comum surgir dicotomias como

curricular e extra-curricular, currículo formal e currículo informal, currículo manifesto e

currículo oculto, currículo implícito e currículo explícito.

Segundo Ribeiro, o currículo pode ser “um conjunto de experiências educativas

planejadas e organizadas pela escola, ou mesmo de experiências vividas pelos

educandos sob a orientação direta da escola”9. Nessa concepção algumas das

dicotomias citadas desaparecem, mas ela ainda inclui as experiências de

aprendizagem vivenciadas pelos alunos, as quais não emergiram diretamente dos

programas propostos pela escola. A isso chamamos de currículo oculto .

É necessário um destaque para essa dicotomia: currículo manifesto versus

currículo oculto. Antes disso, é importante lembrar que a diferença entre currículo

formal e informal, assim como entre experiências curriculares e extra-curriculares, está

Page 11: Escola e Curriculo

11

na grade-horária das matérias a que professores e alunos estão submetidos, bem

como nas atividades que não estão expressas nessa mesma grade.

Segundo Ribeiro, o conceito de currículo oculto pode ser visto sob dois pontos

de vista. No primeiro, o currículo aparece como um “conjunto de práticas educativas e

processos pedagógicos que veiculam aprendizagens diferentes das explicitamente

descritas pelos objetivos do programa”10. No segundo, o currículo oculto se refere “aos

efeitos educativos que a escola parece promover mas que não estão explícitos pelo

programa”11, isto é, à aquisição de valores, à socialização e à formação de atitudes e

procedimentos esperados pela sociedade. Ambos pontos de vista apresentam

resultados e processos do ensino escolar não explícitos, mas fazem parte do sistema

educacional como aprendizagens “colaterais”, que não estavam sendo enfatizadas no

currículo formal.

O currículo oculto, nesse sentido, representa uma emergência a partir do

currículo manifesto, uma vez que possibilita aprendizagens que não resultam do

conjunto formal e organizado pela instituição, mas a aprendizagens relacionadas a

valores, atitudes e visão de mundo. Jenkins citado por Ribeiro12, afirma que o currículo

oculto é “o amálgama de aprendizagens adaptativas que cada aluno tem de adquirir

para sobreviver culturalmente em um meio hostil”.

1.1.2 Currículo e ensino

As relações entre o currículo formal e a dinâmica do ensino em situações

formais nos levam a refletir sobre:

- a dimensão formal que identifica o currículo aprovado pelas entidades

responsáveis, formais do sistema educacional;

- a dimensão percebida que representa o que os professores realizam

partindo do que compreendem e interpretam do formal;

- a dimensão vivenciada que representa o que os alunos recebem, aprendem

a partir do que foi planejado;

- a dimensão observada (operacional), sob a perspectiva daqueles que

descrevem o ensino formal como ele acontece, independente da

perspectiva de professores, alunos e administração.

As distinções acima fazem-nos pensar nas diferentes interpretações sobre o

plano de ensino, suas mudanças, sua capacidade de operacionalização, deixando

clara a possibilidade das relações complexas entre o que o aluno aprende, o que o

professor ensina – ou pensa que ensina – e o que o currículo ou seu propositor tinha

em vista para essas relações.

Page 12: Escola e Curriculo

12

1.2 CURRÍCULO E SISTEMA EDUCACIONAL

Na relação entre o currículo e o sistema educacional, Ribeiro esclarece que o

currículo pode ser considerado a partir das seguintes proposições: “[a] o currículo

constitui um dos subsistemas do sistema educativo; [b] o sistema educativo surge

como: ‘quadro de referência’ e ‘enquadramento’ necessário do currículo; [c] o currículo

representa a ‘substância’ do sistema educativo”13.

O sistema educacional constitui-se de um conjunto de estruturas, ações,

métodos e meios através dos quais o processo de formação se estabelece. O currículo

é parte desse sistema, mas com certeza deve ser o mais importante.

No que tange ao sistema escolar, de acordo com Ribeiro14 podemos mencionar

alguns componentes:

- o curricular e o pedagógico;

- os recursos humanos;

- os recursos físicos;

- a administração, a organização e a gestão escolar;

- o apoio e os complementos educativos.

Quanto ao segundo aspecto citado pelo autor, o sistema educacional constitui-

se no quadro de referência para a elaboração e concepção do currículo, programas,

pois ele apresenta em seu bojo a filosofia, epistemologia e finalidades da educação.

A última relação citada entre o currículo e o sistema educacional refere-se à

substância desse sistema ou, em outras palavras, o “currículo constitui a substância

do sistema escolar”, pois o sistema educacional pretende constituir o processo de

formação do cidadão.

Smith et al citado por Ribeiro15 lembra que

o currículo aparece como o conjunto e a sequência de experiências formativas possíveis, organizadas pelo sistema educativo com a finalidade de formar e desenvolver as crianças e jovens em processos coletivos de pensar e agir. Por outras palavras, o currículo identifica-se com a cultura que se pretende transmitir aos membros da comunidade em que o sistema educativo se insere, isto é, os saberes, aptidões, atitudes e valores que se julga serem importantes para a educação das gerações novas. Neste sentido, o currículo passa por ser o veículo de transmissão da experiência cultural da humanidade e de indução de crianças e jovens na cultura do grupo social a que pertencem (socialização).

Assim, de forma mais restrita, o currículo pretende responder a seguinte

questão: o que devemos ou podemos ensinar e o que deve ou deveria ser aprendido

Page 13: Escola e Curriculo

13

na escola? Ribeiro16 acentua que “o currículo é um sistema organizado de elementos

composto de : enunciados das finalidades, objetivos visados, organização de

conteúdos, modelos, métodos e atividades de ensino-aprendizagem e, avaliação. do

processo”.

As relações que os sujeitos estabelecem com os objetos, resultando na

construção de elementos simbólicos, fazem emergir diferentes aprendizagens tanto

para os alunos quanto para professores e comunidade acadêmica. Por isso, a

compreensão da importância do currículo para a organização da escola.

PONTO FINAL

As sociedades são organizações construídas social e historicamente, portanto elas

determinam e são determinadas pelas relações que se estabelecem entre os seres

humanos em um determinado contexto e espaço. Portanto, representam uma

construção sociocultural e historicamente constituída. Sob essa perspectiva, o

currículo é um elemento estruturante das condições em que o indivíduo vai ter contato

com as diferentes formas de cultura e relacionamento. O currículo, assim, constitui-se

como uma forma de canalizar as vivências e experiências que podemos construir no

contato com o outro. O currículo também tem uma relação com os conhecimentos que

a sociedade desenvolveu e construiu ao longo do tempo. Sua operacionalização na

escola requer a elaboração de planos de ensino e a organização de conteúdos.

ATIVIDADES

Reflita sobre a escola que você estudou – ou em alguma escola próxima à sua casa

ou que você trabalha – e escreva acerca do papel do currículo na constituição da

escola.

Page 14: Escola e Curriculo

2 O QUE É O CURRÍCULO? HISTÓRIA E LINGUAGEM DO CURR ÍCULO

Pode-se dizer que currículo é “a vida da escola”, incluindo todos os

movimentos no convívio escolar – as experiências e vivências que ocorrem dentro de

um ambiente educativo formal. Currículo é o que é percebido por nós, pelos alunos,

professores, gestores, funcionários, pais (ou seja, pela comunidade escolar), mas

também apresenta vários aspectos que não conseguimos perceber. Dessa forma, o

currículo quando se transforma em ações utiliza uma forma de expressar-se, por isso

utilizamos a expressão “linguagem do currículo”; isto é, a forma como ele se apresenta

na prática escolar. O currículo é tudo que é possível dentro do mundo possível da

educação.

Currículo é um termo proveniente do latim – curriculum (corrida, carreira) e

currere (correr) – e significa caminho, jornada, trajetória, percurso a seguir. Segundo

Pacheco1 o termo encerra, por isso, duas ideias principais: uma de sequência

ordenada; outra de noção de totalidade de estudos.

Há também a expressão latina cursus – que envolve a ideia de carreira, de

corrida, o que apresenta uma aproximação conceitual de curriculum (carreira).

Macedo2 comenta sobre a adoção dessas palavras ao longo da história. O termo

cursus, segundo ele, passou a ser utilizado a partir dos séculos XIV e XV. A palavra

curriculum é de uso mais tardio, de 1682, sendo usada com o sentido de cursinho; em

1824 também ganhou o sentido de curso de aperfeiçoamento ou de estudos

universitários. Só no século XX a expressão curriculum passou a ser usualmente

adotada no continente americano.

De acordo com Berticelli3, após a era industrial, conhecemos o sentido atual de

currículo, que se estruturou após a Segunda Guerra Mundial. Silva4 acresce que, a

partir disso, a palavra curriculum passou a ser usada como referência à organização

das experiências educacionais ou educativas.

Keimmis, citado por Macedo5, observa que o termo currículo se refere a um

“terreno prático, socialmente construído, historicamente formado, que não se reduz a

problemas de aplicação de saberes especializados desenvolvidos por outras

disciplinas, mas que possui um corpo disciplinar próprio”. Já Goodson6 afirma ser o

currículo “uma tradição inventada”, um artefato socioeducacional que se configura nas

ações de conceber ou selecionar ou produzir, organizar, institucionalizar, implementar

ou dinamizar saberes, conhecimentos, atividades, competências e valores, visando

uma “dada” formação, configurada por processos e construções constituídos na

relação com o conhecimento eleito como educativo. Portanto, o currículo é o produto

Page 15: Escola e Curriculo

15

das relações e interações entre os componentes do sistema educacional, o qual se

estrutura a partir dos conhecimentos, valores, princípios filosóficos e epistemológicos.

Macedo7 observa que o currículo pode ser percebido como um documento em

que se expressa e se organiza a formação, os métodos, atividades, disciplinas (ou

matérias) que organizam os conhecimentos. Pode-se depreender daí que professores

constroem e dão forma ao currículo em cada momento que orientam as atividades na

escola. Por outro lado, o autor enfatiza que aspectos como trajetória e itinerário podem

engessar a formação, impedindo a criatividade, a transgressão das experiências,

necessários para gerar inovação. Em vista disso, ele propõe o currículo como

“itinerância e errância“, mostrando a necessidade de “se vivenciar também nas

experiências formativas as interações bifurcantes, os devaneios e as errâncias

criativas. [O que torna o currículo como] um complexo cultural tecido por relações

ideologicamente organizadas e orientadas, [ele] é uma prática que bifurca”8.

O currículo indica caminhos, travessias, que são constantemente

realimentadas, reorientadas, reestruturadas pela atividade e pela cena curricular, o

ambiente, o contexto, as finalidades. O currículo envolve, dessa forma, relações e

interações permeadas e constituídas e constituintes pelas relações de poder. Logo,

mais uma vez, currículo é cultura, política, é poder, é prática, é teoria. Currículo é uma

construção complexa.

Aos poucos, a definição de currículo vai possibilitando algumas visões que

tornam evidente a sua complexidade. O currículo também é definido como “plano de

estudos” – que fornece uma base de formação para todos os cidadãos. Essa ideia de

currículo manteve-se até o início do período moderno.

No século XX, segundo Pacheco, o currículo passa a surgir como um “círculo

coerente de saberes, estruturados didaticamente para sua transmissão e

aprendizagem” 9.

Para Goodson10, o currículo é “a maneira de organizar e controlar os ideários

da formação”. Nessa definição, a questão do controle e da ideologia dominante estão

presentes.

Bobbit11, seguindo a orientação americana da Administração científica de

Frederick Taylor, compreende o currículo como ações objetivas e planejadas e

estrategicamente executadas para obter eficiência e eficácia, seguindo uma

metodologia monitorada e avaliada. O currículo obteve um teor mecânico e

operacional. Essa ideia permanece forte ainda hoje, uma tentativa de harmonizar os

fatores econômicos e científicos.

Tyler12, discípulo de Bobbit, sugere um estudo mais específico no campo do

currículo, sugerindo uma linha própria de pesquisa e teorias.

Page 16: Escola e Curriculo

16

Terigi, citado por Macedo13, afirma existir três enfoques relacionados à origem

do currículo:

- o currículo como ferramenta pedagógica de massificação da sociedade

industrial;

- o currículo como um plano estruturado de estudos;

- os conteúdos, matérias, disciplinas que se ensinam formalmente.

Pode-se observar que os enfoques acima nos permite compreender o currículo

como um conjunto de disciplinas que representam conteúdos do programa oficial da

escola, ou seja, um conjunto de matérias a serem ensinadas e uma estrutura

organizacional que possibilita a transmissão desses conteúdos. Nessa perspectiva, o

conhecimento é o mesmo, único e não questionável, pois era o resultado da atuação

do método científico e da cultura padrão.

Moreira14 afirma não haver consenso quanto ao significado de currículo. E isso

já foi possível constatarmos no que foi visto até aqui. As divergências nos levam a

compreender que currículo:

- é uma construção cultural, histórica e socialmente determinada; e

- refere-se a uma prática condicionadora de si mesmo e de sua teorização.

Para Moreira15 há dois aspectos que predominam nas definições:

conhecimento escolar e experiência de aprendizagem . No primeiro, o currículo é

representado pelo conhecimento tratado pedagogicamente e didaticamente pela

escola e, nesse caso, ele deve ser aprendido e aplicado pelo aluno. No segundo

aspecto, o foco está nas diferenças individuais e na preocupação com a atividade do

aluno. Dessa forma, o currículo passa a significar o conjunto de experiências a serem

vividas pelo estudante sob orientação da escola.

O currículo retoma a experiência do aluno e tem o sentido da totalidade das

experiências vivenciadas pelo aluno no ambiente escolar. Moreira observa que o

currículo “envolve a apresentação de conhecimentos e inclui um conjunto de

experiências de aprendizagem que visam favorecer a assimilação e a reconstrução

desses conhecimentos”16.

O mesmo autor escreve sobre a influência da psicologia comportamental, que

tem como foco o currículo e os elementos que participam de sua estrutura, sua

organização e inter-relações. O behaviorismo preocupa-se com os objetivos

curriculares voltados, com as regras de formulação de objetivos, com as relações

entre o currículo e a prática. Nota-se um novo movimento que enfatiza ora as ideias

prescritivas do currículo, ora o processo, a prática efetiva, o currículo formal, o

currículo real.

Page 17: Escola e Curriculo

17

Leite esclarece que a concepção de currículo estava “associada ao conjunto

das disciplinas que faziam parte daquele nível de ensino e que se concretizavam pelos

conteúdos expressos nos manuais escolares”17. A autora observa, ainda, que “o

currículo limitava-se ao conjunto das matérias a ensinar e à estrutura organizativa

dessa transmissão”18, lembrando que o discurso da época era o da “transmissão de

saberes para a preparação para a vida futura (entendendo o futuro como igual ao

presente)”19. Naquela época, segundo a autora, prevalecia a ideia de conhecimento

único e universal, não questionado, padrão, como uma cultura aceita por todos.

Pinar, citado por Moreira20, identificou a presença de duas linhas de estudos no

campo do currículo: o grupo dos críticos e o grupo dos pós-críticos. O grupo dos

críticos, de acordo com Silva21 produz uma inversão nos fundamentos das ideias

tradicionais. Segundo ele, as concepções de currículo como artefato neutro, inocente e

desinteressado não são procedentes, não condizem com o que de fato a realidade

sustenta.

Macedo esclarece que, para os autores das teorias críticas “o interesse é

descrever as iniquidades sociais e as injustiças que excluem através dos atos de

currículo“22. O autor define atos de currículo como “todas as atividades que se

organizam e se envolvem visando uma determinada formação, operacionalizadas via

seleção, organização, formulação, implementação, institucionalização e avaliação de

saberes, atividades, valores, competências, mediado pelo processo ensinar/aprender

ou projeção”23. As teorias críticas, então, se preocupam em compreender “o que o

currículo faz com as pessoas e as instituições e não apenas como se faz o currículo”24.

A teoria crítica, para Macedo25, carrega um movimento que vincula as

concepções de currículo ao movimento capitalista, à cultura que se produz na escola e

representa o pensamento de pensadores como Apple, Giroux e Mc Laren, Gramsci,

Freire. A teoria crítica é uma oposição clara ao pensamento da cultura de massa e à

ideia de tecnicismo da sociedade moderna.

Giroux26 escreve sobre uma “pedagogia das possibilidades” e expressa a

necessidade de ver o currículo como “esfera pública e democrática”.

Os educadores que seguem as ideias de Dilthey, Husserl, Heidegger e

Merleau-Ponty apresentam a visão de currículo levando em consideração a

subjetividade e que o conhecimento é construído de forma intersubjetiva, através da

linguagem.

O objetivo desses pensadores, segundo Macedo, é “desreificar a burocracia e

as formas de relação estabelecidas pelos atos de currículo nas sociedades

capitalistas”27. O autor também observa que “os novos sociólogos da educação na

Inglaterra tentam articular as teorias sociointeracionista, etnometodologia e

Page 18: Escola e Curriculo

18

dramaturgia social”28, influenciados por Schutz, Sarup, Woods, Keddie e Bernstein,

Michael Young, o último é o principal defensor da corrente.

Young29 enfatiza as relações entre currículo e poder. Além dessas relações,

esses autores vão pensar o currículo como uma construção social. Berger e

Luckmann30 escrevem sobre a ideia de “currículo oculto”, descrevendo os mecanismos

encobertos de poder que influenciam a construção das visões de mundo, de

sociedade, de homem e de educação pelos atos de currículo.

No Brasil, as questões da educação, segundo Macedo31, mantém a posição de

transferência de ideias e são sustentadas pelas teorias americanas. Essas teorias

trazem em seu núcleo o modelo funcionalista. As propostas marxistas só passaram a

ser discutidas na década de 1980. No Brasil, nesse período, havia duas correntes que

visavam difundir discursos e influenciar as práticas pedagógicas e curriculares: a

pedagogia histórico-crítica e a pedagogia do oprimido .

Portanto, a visão crítica, as questões do cotidiano das escolas e o processo de

ensino e aprendizagem, despertam uma nova leitura dos estudos sobre o currículo,

buscando a superação da perspectivas dominantes: funcionalistas, behavioristas,

reprodutivistas.

Macedo32, esclarece que nos anos 90, os estudos sobre o currículo sofreram

influências da sociologia, da antropologia e das relações de poder, produzindo

discursos políticos, éticos, culturais como resultado das contradições emergentes das

teorias dominantes e da realidade em construção.

Grundy, citado por Sacristán, esclarece que “o currículo não é um conceito mas

uma construção cultural. Isto é, não se trata de um conceito abstrato que tenha algum

tipo de existência fora e previamente à experiência humana. É, antes, um modo de

organizar uma série de práticas educativas”33.

Sacristán34 procura organizar as diferentes concepções e perspectivas sobre o

currículo baseando-se nos seguintes aspectos:

- o ponto de vista sobre a função social do currículo como ponte entre a

sociedade e a escola;

- o currículo envolve a ideia de projeto ou plano educativo, pretenso ou real,

composto de diferentes aspectos, experiências, conteúdos etc.;

- fala-se do currículo como a expressão formal e material do projeto que deve

apresentar, sob determinado formato – para os seus conteúdos, orientações,

sequências etc.;

- referem-se ao currículo os que o entendem como um campo prático.

Entendê-lo assim supõe a possibilidade de: 1) analisar os processos

instrutivos e a realidade da prática a partir de uma perspectiva que lhes dota

Page 19: Escola e Curriculo

19

de conteúdos; 2) estudá-lo como território de intersecção de práticas

diversas que não se referem aos processos de tipo pedagógico, interações e

comunicações; 3) sustentar o discurso sobre a interação entre a teoria e a

prática em educação;

- também se referem a ele os que exercem atividades discursivas,

acadêmicas e de pesquisa sobre todos esses temas.

O autor lembra que o currículo tem fins sociais e culturais, pois é através da

instrumentalização prática do sistema educacional e social que se concretizam as

funções da escola e do currículo. O currículo é a forma de alcançar o conhecimento, é

uma prática cultura e social e, muitas vezes, institucional, pois une os subsistemas e

práticas diversas em atividades de ensino. A esse respeito, Sacristán esclarece que ”é

uma prática que se expressa em comportamentos práticos diversos. [...] É uma prática

na qual se estabelece o diálogo entre agentes sociais, elementos técnicos, alunos que

reagem frente a ele, professores que o modelam etc.” 35.

O currículo é uma invenção historicamente organizada de forma política, social

e educacional e, portanto, reflete os interesses da sociedade e os valores dominantes

em um processo social e educativo. Sob essa perspectiva, o currículo também é um

corte cultural de conhecimentos, de conteúdos a serem aprendidos. Conhecimentos

oriundos das mais diferentes áreas do saber. O currículo deve ser a ligação, a ponte

entre a prática escolar e o mundo do conhecimento e da cultura.

O currículo como práxis pressupõe ações em um processo que se dá em

certas condições reais, em um universo de trocas sociais e culturais em um

determinado tempo-espaço. Isto nos leva a entender que o currículo e sua construção

não podem ser isolados das condições de sua própria construção. No caso de um

currículo escolar, as condições são: estruturais, políticas, administrativas, materiais e

educacionais que modelam o fazer pedagógico e cultural.

Assim, o currículo constitui-se em um complexo processo social, inserindo-se

em múltiplas práticas pedagógicas, que se originam em diferentes campos – tais como

administrativo, político, de meios e técnicas, de conhecimento produzido, avaliação – e

funcionam como subsistemas interdependentes que geram diferentes contextos: de

aula, pessoal, social, histórico, político etc.

Sacristán36 aponta oito subsistemas que nos auxiliam na análise do currículo:

- o subsistema político-administrativo;

- o subsistema de participação e controle;

- o subsistema educacional;

- o subsistema de produção de meios;

- o subsistema de criação cultural e científica;

Page 20: Escola e Curriculo

20

- o subsistema técnico-pedagógico;

- o subsistema de inovação;

- o subsistema prático-pedagógico.

Os subsistemas estabelecem relações de determinação recíproca entre si.

Essas inter-relações constituem o sistema curricular. Para Sacristán37, então, o sentido

do currículo se efetiva através dos resultados desses contextos e se demonstra nas

práticas múltiplas e multiformes.

Sacristán38 sintetiza as ideias sobre o currículo como

um artefato que tem função socializadora, (...) com conteúdos das mais diferentes ordens: política, administrativa, pedagógica, filosófica etc.; (...) o currículo é um ponto fundamental na melhora da qualidade do ensino, na mudança das condições da prática, no aperfeiçoamento dos professores.

PONTO FINAL

O currículo também passou por um processo de desenvolvimento, que envolveu

momentos de estabilidade e instabilidade, assim como de reconstruções, além de uma

linguagem própria. O histórico da evolução nos ajuda a compreender de que forma a

sociedade, suas mudanças, interferem na estrutura curricular da escola ou não, ou

seja, independe da implementação das mudanças, sabemos que os movimentos

dentro da sociedade entre seus integrantes geram transformações de maior ou menor

profundidade. O fato é que não podemos pensar o currículo sem pensar na construção

social do ser humano, das identidades e das culturas. O estudo do currículo pode ser

feito com base na evolução do pensamento, assim como dos sistemas e subsistemas

que se formaram a partir das transformações sociais.

ATIVIDADE

Entreviste entre três a cinco professores, pedagogos, diretor ou vice-diretor de uma

escola e procure saber a opinião deles sobre o significado e a importância do

currículo. Busque saber, também, como o professor utiliza e se beneficia do currículo.

Se preferir, elabore previamente um roteiro de entrevista baseando-se no conteúdo

desse capítulo para elaborar as questões.

Page 21: Escola e Curriculo

3 A ESCOLA, A SOCIEDADE E O CURRÍCULO

O currículo é uma escolha cultural, um projeto cujo conteúdo inclui a cultura

que permeia a educação. Nessa concepção ampla, podemos relembrar que o currículo

é um projeto cultural, social, política e administrativamente determinado, que se efetiva

em uma atividade escolar ou acadêmica e se torna realidade dentro do contexto e das

condições da comunidade e da sociedade.

Em primeiro lugar, a aprendizagem nas instituições acadêmicas se organiza de

acordo com o projeto cultural e, portanto, o currículo depende da escolha de

conteúdos. Esse projeto cultural (ou pedagógico ou social) se realiza em determinados

contextos ou condições políticas, administrativas e institucionais. Essas condições

estão condicionadas pela realidade, que por sua vez está estruturada sobre ideias,

valores e visões de mundo.

Logo, podemos pensar em três grandes operadores da cultura curricular: a

seleção da cultura, ou seja o que selecionamos e como organizamos o conjunto de

conhecimentos que consideramos necessários para a formação do cidadão; as

condições institucionais, isto é, a política curricular, a estrutura do sistema educacional

e a organização escolar; e as concepções curriculares ensejadas pelas opções

políticas, psicológicas, epistemológicas, assim como pelos valores sociais e modelos

educativos. Esses paradigmas são determinantes do currículo como “cultura”, ou seja,

a partir desses elementos, selecionamos os conteúdos, os códigos e as estratégias de

ensino e o resultado da aprendizagem.

3.1 TEORIAS SOBRE O CURRÍCULO

As teorias sobre o currículo, embora tenham como meta apresentar uma teoria

única e homogênea, não respeitam um consenso, consideradas as dificuldades para

se abarcar toda a complexidade relacionada ao currículo, assim como em discutir os

problemas práticos atinentes ao tema.

Assim, os teóricos acabam descrevendo especificidades sobre o currículo. Por

exemplo, o currículo centrado na gestão racional, radical-crítica, existencial,

acadêmica ou reacionária, deliberativa. Há também uma classificação que assinala as

perspectivas ou ideologias: acadêmica, eficiência social. Também, segundo

Sacristán1, a literatura cita enfoques como o humanístico, reconstrucionista social,

teológico e acadêmico.

Page 22: Escola e Curriculo

22

Com base nisso, Sacristán2 definiu algumas perspectivas teóricas e práticas

em vista de facilitar a compreensão do currículo. São elas: o currículo como soma de

exigências acadêmicas, o currículo como base de experiências, o legado tecnológico e

eficientista no currículo, o currículo como configurador da prática (a ponte entre a

teoria e a ação). Veremos tais perspectivas a seguir.

3.1.1 O currículo como soma de exigências acadêmicas

Nessa perspectiva, o currículo é analisado sob o ponto de vista dos conteúdos

organizados em disciplinas. Nela se valoriza a tradição acadêmica no campo

educacional, bem como os saberes especializados em disciplinas ou em áreas do

saber. O currículo, então, concretiza-se pela listagem de conteúdos a serem

trabalhados ou cumpridos em um período letivo.

As construções institucionais de pressão acadêmica como a organização dos

professores, a administração acadêmica, a gestão científica acabam por impor esse

modelo, embora tenhamos clareza que essa não é a melhor maneira de ensinar e de

aprender.

3.1.2 O currículo como base de experiências

O interesse pelas experiências e vivências dos alunos tem relação com o

movimento pela renovação da escola. O movimento da Escola Nova questionava a

teoria curricular centrada em matérias, disciplinas, sugerindo um pluralismo de formas

para organizá-lo, buscando também novas concepções segundo princípios

democráticos.

Sacristán3 assinala que,

partindo do pressuposto de que os aspectos intelectuais, físicos, emocionais e sociais são importantes no desenvolvimento e na vida do indivíduo, levando em conta, além disso, que terão de ser objeto de tratamentos coerentes para que se consigam finalidades tão diversas, ter-se-á que ponderar, como consequência inevitável, os aspectos metodológicos do ensino, já que destes depende a consecução de muitas dessas finalidades e não de conteúdos estritos do ensino.

A função do currículo, sob essa perspectiva, é atender as necessidades

emocionais, cognitivas e sociais, proporcionando um conjunto de experiências

planejadas sob a orientação da escola e do professor. Enfatiza-se então a visão da

escola como uma instituição socializadora e de formação humana, cumprindo ainda o

papel de prover a capacitação para o trabalho. Ou seja, um projeto global de

Page 23: Escola e Curriculo

23

educação, pois além dos conteúdos, o currículo abarca as experiências do estudante

em atividades escolares planejadas e operacionalizadas em contextos formais de

educação.

3.1.3 O legado tecnológico e eficientista no currículo

Essa perspectiva fundamenta-se na administração, na organização, na

burocracia e no controle escolar imposto como padrão na escola. Trata-se de um

modelo de currículo cuja preocupação é a formação do cidadão para a vida,

atendendo as demandas do mercado e tendo como ideal a obtenção de resultados e

da eficiência.

Callahan e Kliebard, citados por Sacristán4, assinalam que ”a gestão científica

é para a burocracia o que o taylorismo foi para a produção industrial em série,

querendo estabelecer os princípios de eficácia, controle, previsão, racionalidade e

economia na adequação de meios e fins, como elementos-chave da prática, o que fez

surgir toda uma tradição de pensar o currículo”.

Tyler5 assevera que o currículo é composto pelas experiências de

aprendizagens planejadas, organizadas e operacionalizadas pela escola com a

intenção de alcançar os objetivos educativos estabelecidos pelo projeto pedagógico. O

currículo, nesse sentido, é um conjunto de objetivos de aprendizagem condicionados e

determinados que oportunizam experiências de aprendizagem adequadas ao contexto

escolar e social.

3.1.4 O currículo como configurador da prática

Essa linha de pensamento centra a sua ação na dialética entre teoria e prática.

Enfatiza a prática curricular como resultado das oposições, contradições, gerando uma

prática teorizada, uma prática modelar, uma reflexão crítica. A prática surge como um

novo discurso em didática, buscando compreender o fenômeno ensino e

aprendizagem, separando-os; ou seja, conteúdos separados de métodos,

administração das ações técnicas, escola e sociedade. A teoria serve como

instrumento de análise da prática e, ao mesmo tempo, para apoiar a reflexão crítica da

teoria e da prática constituída nessa dialética. Essas condições são essenciais para a

autonomia, tão ausente nas teorias curriculares.

A crítica tem apontado para a dificuldade de inovações na educação e,

portanto, à dificuldade dos professores serem criativos – no sentido de desenvolverem

metodologias inovadoras que levem os alunos à autonomia, à emancipação e à

Page 24: Escola e Curriculo

24

reflexão crítica –, pois eles convivem com estruturas de escola controladoras e

centralizadoras.

Grundy, citado por Sacristán6, assinala que, para o currículo cumprir a sua

função emancipadora, o jovem precisa ser visto como práxis, apoiada em uma

reflexão, uma interação entre o refletir e o atuar. A práxis acontece em um mundo real

em condições concretas, através de interações entre os agentes, o contexto, as

condições de ensino e de aprendizagem. Logo, pode-se entender que o conteúdo do

currículo é um processo social, pois ao aprender os alunos se tornam participantes,

construtores de seu próprio saber.

A prática ocorre em uma situação social complexa. Cada participante do

processo – os agentes – age sob a orientação de uma certa ordem de ações ou

regras. O currículo é um artefato histórico, social, político, pedagógico e prático. Dessa

forma, precisamos compreender o caráter duplo do currículo: teórico e prático. Pode-

se depreender daí que ele é um fenômeno social e educativo, é a ponte entre esses

dois mundos.

Essa concepção busca focar o currículo como um fenômeno que está

ocorrendo, isto é, busca descrever e compreender o processo, seu desdobramento na

prática.

É fundamental compreender que o currículo não deve estabelecer regras

gerais, generalizações sobre o que deveria ser feito, mas adotar uma perspectiva

prática e teórica. Essa relação social e cultural modela a própria prática concreta, a

qual também é afetada por ela. Agora podemos compreender a complexidade e a

circularidade das relações entre teoria, prática, currículo, construção social, cultural,

histórica e crítica, ensino e aprendizagem. Compreender as relações do currículo com

o mundo externo e interno é um dos objetivos dessa teoria curricular.

O currículo também pode ser classificado em dois grandes grupos, conforme

orienta Paixão et al7: o que aceita o currículo como um plano; e o que considera o

currículo como um processo.

Segundo os autores, a primeira categoria considera as propostas tradicionais e

as propostas tecnicistas, enfatizando sempre o plano, o ambiente, o conteúdo e as

regras da organização escolar.

O segundo grupo abriga as concepções do currículo de forma dialética,

dialógica, ou seja, um processo em que todos os envolvidos tem participação e são

agentes do processo: alunos, professores etc. Nesse sentido, podemos encontrar a

participação do aluno na construção de seu conhecimento, na organização do

ambiente, oportunizando situações capazes de provocar a cognição, a emoção e a

construção social do conhecimento. Também há lugar para a práxis, para a relação

Page 25: Escola e Curriculo

25

entre a teoria e a prática através de uma ponte de aproximação entre as

compreensões teóricas e as práticas educativas.

Em geral, nas perspectivas apresentadas, o currículo tem como função

preparar um cidadão consciente, que domina um conjunto de conhecimentos

fundamentais para a sua formação social e profissional – em vista de seu ingresso no

mercado de trabalho. Essa formação ocorre através de atividades planejadas e

organizadas dentro de um espaço formal de educação, com supervisão ou

acompanhamento de professores, cuja atuação respeita normas e regras.

Essas perspectivas tem, ainda, um caráter epistemológico, o que nos ajuda a

compreender o mundo em que vivemos. Internalizar o conhecimento nos possibilita

assumir novas maneiras de nos relacionar com o saber.

Podemos, então, compreender porque a definição de currículo é tão complexa,

uma vez que, ao se buscar defini-lo, depara-se com complicadores sociais, políticos,

históricos, administrativos etc., criando-se alternativas de se ter um currículo como

forma de manutenção ou de manipulação de posicionamentos políticos e sociais.

Outros aspectos que fazem parte da organização curricular têm valores determinantes,

e muitas vezes, não nos interessamos por questões do currículo, da manutenção do

pensamento e da formação do corpus geral relacionado à educação e ao

desenvolvimento da sociedade.

Esses pontos de vista nos colocam na condição de problematizadores de

ideias relativas ao currículo. Talvez seja interessante pensar o currículo como o fez

Ferraço8 ao conceituá-lo como “redes coletivas de fazeres e saberes dos sujeitos que

praticam o cotidiano”. Sob esse prisma, vários são os currículos e as formações

possíveis de se realizar, pois os conhecimentos se processam através das redes de

saberes e fazeres na sala de aula, na prática. Dessa etapa, surge a ideia do currículo

praticado.

Carvalho9 esclarece que o currículo pode ser entendido “a partir dos processos

e produtos em circulação nas práticas discursivas engendradas no trato da questão da

diferença na prática escolar curricular”. O currículo pode assumir, segundo a autora, a

forma de concebido e vivido. Entende-se o concebido, aqui, como currículo formal. No

nível do vivido indica o que efetivamente se manifesta, a concretização do concebido .

PONTO FINAL

O currículo pode ser compreendido de diferentes maneiras ou sob diferentes

perspectivas teóricas. Nesse capítulo exploramos o currículo enquanto um aparato

exigido pela tradição acadêmica, como um recurso que valoriza e proporciona que os

alunos aprendam pela experiência, como um instrumento que pode assegurar a

Page 26: Escola e Curriculo

26

eficiência nos resultados buscados pela escola, e como uma ferramenta que privilegia

a prática e não apenas a teoria. Também é possível compreender o currículo enquanto

um plano (formal, técnico, menos aberto à participação) e enquanto um processo

(prático, dinâmico, mais aberto à participação). Essas perspectivas permitem-nos

vislumbrar aspectos que tornam o currículo um fenômeno significativamente complexo.

ATIVIDADE

Compare os currículos de mesmos níveis de educação em dois países diferentes.

Faça algumas observações sobre os currículos e suas características e semelhanças.

Page 27: Escola e Curriculo

4 A ORGANIZAÇÃO SOCIAL E A SELEÇÃO CULTURAL DO CUR RÍCULO

O currículo reflete o projeto educativo, considerados diversos aspectos a ele

implícitos – a cultura, o desenvolvimento pessoal e social, os conteúdos organizados

em disciplinas ou matérias.

A teoria moderna do currículo tem, cada vez mais, gerado uma sobrecarga

curricular ao sugerir ou estabelecer novos conteúdos necessários à formação dos

alunos. Torna-se preciso, por exemplo, que a escola inclua em seu escopo curricular

noções sobre higiene pessoal, educação sexual, educação para o trânsito, educação

ambiental, consumo de drogas etc. No entanto, a escola já sente dificuldades para

prover suficientemente uma formação baseada nos conteúdos tradicionais, dificuldade

essa que se amplia quando ela assume o compromisso de prover os alunos com

novos saberes.

A necessidade de dar conta de todas as áreas do saber é uma preocupação da

escola na medida em que não se consegue estabelecer um núcleo básico de

conhecimento e de cultura para todos. Muitas áreas são importantes e escolhidas para

formar esse grupo de conhecimentos necessários para a formação dos alunos.

Sacristán1, nesse aspecto, sugere as seguintes áreas: artes e ofícios, meio ambiente,

habilidades e raciocínio matemático, estudos sociais, cívicos e culturais, educação

para a saúde, conhecimento científico e tecnológico, comunicação, pensamento moral

e mundo do trabalho. Essa seleção baseia-se, segundo o autor, na busca de

”elementos básicos para iniciar os estudantes no conhecimento e acesso aos modos e

formas de conhecimentos e experiência humana, aprendizagens necessárias para a

participação em uma sociedade democrática”2.

Essa é apenas uma das opções de seleção. O conflito de interesses no sentido

de selecionar a melhor base de conhecimentos para a sociedade, leva a compor um

universo muito extenso de conteúdos, além de não parecer neutra a escolha desses

conteúdos. O currículo determina a todos os alunos que alcancem níveis que somente

um número pequeno de alunos pode atingir – ou, em outros termos, a distribuição da

cultura e do conhecimento não ocorre de forma homogênea na população.

Assim, a cultura de um currículo obrigatório e comum para todos não é justa e

adequada no sentido de oferecer oportunidades iguais a desiguais. No currículo

tradicional, o princípio de seleção foi dirigido à cultura da classe média e alta, o que

tem causado o fracasso dos alunos das classes menos favorecidas.

A tarefa de selecionar os conteúdos que devem constituir o currículo da

população não parece ser fácil, uma vez que não há consenso a respeito do que é

básico ou fundamental para os alunos de um determinado grupo social, pois não

Page 28: Escola e Curriculo

28

estamos levando em conta as diferenças individuais entre os alunos, grupos,

comunidades e sociedades. Sacristán3 assevera que ”em caso de oportunidades

desiguais, o currículo deve se tornar, pelo menos, um elemento de compensação, já

que não poderá sê-lo de total igualdade”.

É fundamental salientar o que escreve Cornall, citado por Sacristán4:

Há grupos de alunos de baixo rendimento que encontram pouca satisfação no trabalho atual nos últimos anos da educação obrigatória, e devemos aceitar o objetivo de melhorar sua moral e seu rendimento. Mas não é evidente que a solução consista em dar relevo a sua singularidade e segregá-la, conta todos os princípios não-seletivos, numa categoria especial, em lugar de nos perguntarmos que mudanças devemos fazer, em enfoques, em método, em material, com o fim de lhes ajudar a gozar dos benefícios de um currículo comum bem pensado que tenha por objeto satisfazer as necessidades que têm em comum com todos seus contemporâneos e com seus futuros concidadãos.

Sacristán5 observa que “esse é o sentido da educação compreensiva, na qual

se realiza um currículo básico igual para todos, fazendo esforços na formação do

professorado, adaptação metodológica e na organização escolar, para que todos os

alunos possam obter um mínimo de rendimento”.

Portanto, parece que o currículo deveria proporcionar alternativas para lidar

com as diversidades que se refletem em cada realidade social e cultural. As

diversidades podem ser tratadas de diversas formas, tais como: oportunizar currículos

diferenciados; ofertar disciplinas opcionais; moldar o conteúdo interno; criar atividades

compensatórias na entrada do aluno; propor novas metodologias; ofertar caminhos

curriculares diferenciados. Além disso, temos que enfrentar a demanda do mercado de

trabalho, que não leva em consideração as diferenças e exige uma formação geral e

profissional mais flexível.

O currículo para todos, com núcleo comum, precisa ser ressignificado, levando

em consideração os diferentes sentidos da cultura, do conhecimento dos grupos

sociais e suas possibilidades culturais e determinantes históricos. Não é possível

formar para o mercado de trabalho e para a ascensão dentro da estrutura educacional,

sem cair nas duas escolas: para pobres e para ricos.

O aumento de conteúdos no currículo – como, por exemplo, educação sexual e

educação para o trânsito – não representa uma solução para a questão da

diversidade, pois esses acréscimos acabam trazendo resultados negativos pensando-

se nos resultados alcançados na educação como um todo. Nesse aspecto, Sacristán6

afirma que “ampliar conteúdos curriculares, sem uma mudança qualitativa [...] para os

professores e para os alunos, assim como nos procedimentos de transmissão, sem

Page 29: Escola e Curriculo

29

uma atitude diferente frente aos mesmos, agravará os defeitos atribuídos à educação

tradicional”.

Entretanto, esses pontos de vista não têm auxiliado a reduzir o efeito da

tendência de ampliar os conteúdos no ensino, em detrimento de um currículo que

pretende ser socializador. Esse movimento tem como base uma visão eficientista,

capitalista, que busca melhorar resultados em uma fase de intenso tecnicismo

educacional, o que alguns tem chamado de back to basics, ou seja, retornar as

alternativas eficientes do modelo neoliberal.

As instituições educacionais têm dificuldades de assimilar mudanças no

currículo, pois precisam fazer muitas mudanças em sua estrutura. Para tanto, elas

acabam fazendo algumas adaptações no currículo vigente para acomodar as

mudanças propostas pela sociedade – através de atividades extras, atividades fora da

escola, projetos, feiras, atividades de visita etc. –, mas todas essas alternativas

acabam não trazendo a mudança de qualidade necessária para que o currículo possa

ser transformado com base na diversidade. Outro fator não compreendido dessa

inadequação do currículo às mudanças é que elas continuam ocorrendo dissociadas

da aprendizagem experiencial dos alunos.

A instituição educacional também não utiliza o potencial que as novas

tecnologias podem representar no currículo como agente cultural. Esse papel das

tecnologias pode ser ampliado e articulado nas atividades e tarefas realizadas na

escola, fazendo com que os alunos possam usufruir de metodologias diferenciadas

que facilitem a aprendizagem.

A escola encontra dificuldades em definir e escolher os conteúdos curriculares

mais adequados no que diz respeito aos problemas sociais de seu entorno. Isso

aumenta a pressão sobre a escola e sobre a comunidade escolar – professores,

alunos, pais, funcionários etc. –, ocasionando uma escola paralela, que atua fora das

aulas formais, com horários diferenciados, envolvendo conflitos entre metodologias.

Sacristán7 assevera que a

mudança dos currículos para a educação [...] deveria considerar essa situação cultural em nossa sociedade, aproveitar decididamente todos os meios de que hoje se dispõe. [Além disso], a melhora da qualidade do ensino deve partir dessas novas realidades culturais.

Escolas que se localizam em regiões socialmente desprivilegiadas tendem

também à estarem desatualizadas e curricularmente inadequadas, em detrimento de

seus alunos. Por sua vez, os alunos dessas escolas normalmente não valorizam a

cultura e o conhecimento, são desmotivados, sem interesse e abandonam e

representam um número significativo nas estatísticas de evasão escolar. Para os

Page 30: Escola e Curriculo

30

alunos de classes mais abastadas, ao contrário, há mais interesse pela aprendizagem,

assim como maior participação em cursos, projetos etc.

Ao mesmo tempo em que todos os aspectos até aqui apresentados

demonstram a necessidade de efetuar mudanças no currículo e na escola, a

sociedade continua a enfatizar a classificação e a validação acadêmica para o

mercado de trabalho, através do currículo de formação geral e formação profissional.

Com isso, podemos entender que o modelo de transmissão de saberes acaba sendo

reforçado, gerando o currículo oculto, o que coloca em questão os papéis

desempenhados pela escola e pelo sistema formal de educação.

Sacristán8, nesse aspecto, afirma que “a escola, numa sociedade de mudança

rápida e frente a uma cultura sem abrangência, tem que se centrar cada vez mais nas

aprendizagens essenciais e básicas, com métodos atrativos para favorecer as bases

de uma educação permanente, mas sem renunciar a ser um instrumento cultural”.

O currículo é, em última análise a cultura contextualizada, selecionada,

organizada em um formato pedagógico. O currículo, então, possui um formato como

resultado dos objetivos, dos meios, das tecnologias envolvidas para sua expressão.

Portanto, todo currículo apresenta uma ordem, métodos, meios de transmissão. Ele

também é um código, uma linguagem, uma mensagem. O currículo fala, expressa seu

desejo, sua intenção, é ativo e realiza-se em um contexto, tem sentido e opera

sentidos também.

De acordo com King e Brownell, citados por Sacristán9, o currículo envolve a

seleção de conteúdos ou conhecimentos, e há diferentes dimensões do conhecimento:

a) Um campo de conhecimento é uma comunidade de especialistas e professores que compartilham uma parcela do saber ou um determinado discurso intelectual com a preocupação de realizar contribuições para o mesmo; b) Uma área de conhecimento é expressão de uma certa capacidade de criação humana, dentro de um determinado território especializado ou em facetas fronteiriças entre vários deles, cuja dinâmica se mantém, seguindo certos princípios metodológicos, mas que também se alimenta de impulsos imaginativos, súbitos e oportunos; c) Uma disciplina ou campo especializado de conhecimento é um domínio, um território, mais ou menos delimitado, com fronteiras permeáveis, com uma certa visão especializada e, em muitos casos, egocêntrica, sobre a realidade, com um determinado prestígio entre outros domínios, com conflitos internos e interterritoriais também, com uma determinada capacidade de desenvolvimento num determinado momento histórico etc.; d) Um campo de conhecimento é uma acumulação de tradição, tem uma história [...]; e) Um âmbito de saber está composto por uma determinada estrutura conceitual, formado por ideias básicas, hipóteses, conceitos, princípios, generalizações aceitas como válidas no momento de seu desenvolvimento [...]; f) Uma área de saber é uma forma de indagar, tem uma estrutura sintática. O campo é composto de uma série de conceitos básicos ligados por relações entre eles [...]; g) Os campos de saber supõem linguagens e sistemas

Page 31: Escola e Curriculo

31

de símbolos especializados, que criam mundos de significações próprias, em diferentes graus segundo as disciplinas de que tratem, com facilitação consequente da comunicação precisa que esses códigos permitem e com a dificuldade de aproximar o conhecimento aos que não possuem [...]; h) As diferentes esferas do saber constituem uma herança ou acumulação de informação e contribuições diversas materializadas em tipos diversos de suportes, que representam as fontes essenciais para a continuidade do próprio campo [...]; i) Uma disciplina é, inclusive, um ambiente afetivo que não se esgota na experiência intelectual. Expressa valores, formas de conceber os problemas humanos e sociais, um tipo de beleza; tem ou poderia despertar certo dinamismo emocional, possui também uma dimensão estética. Esse componente é inerente à criação do saber e deveria ser considerado nas experiências para seu ensino, cultivando atitudes etc.

O desenvolvimento do saber em geral e o de cada campo especializado impõe

mudanças profundas nos modelos de conhecimento, ou paradigmas científicos e de

criação, mudanças no conceito de conhecimento, no entendimento do que é saber e

sua utilidade.

Avaliar a relatividade da verdade do conhecimento, ou seja, ter a perspectiva

de que o conhecimento modifica constantemente e que não há conhecimento eterno

que não possa ser reinventado, torna necessário fazer com que o currículo seja

continuamente revisado quanto à seleção de conhecimentos que o compõem. Essa

revisão, essa mudança, obriga o professor a modificar suas aulas para que o

conhecimento tenha sentido, valor, significado para os alunos.

O currículo pode se constituir em formatos diferentes, sendo organizado, por

exemplo, em cadeiras, disciplinas, matérias, áreas de conhecimento, módulos.

Bernstein (1980) defende a ideia de currículo coleção ou de componentes justapostos,

mosaico e currículo integrado, em que os conteúdos são relacionados. O autor ainda

observa que, no formato coleção, os professores tem menos influência e poder sobre

os conteúdos. Já no integrado, o professor tem mais possibilidades de interferência e

mudança.

Os currículos por áreas do saber ou de conhecimento tendem a possibilitar o

ensino mais “interdisciplinar”, mas demanda maior participação dos professores e da

escola. Uma outra forma de conhecimento nesse formato são os projetos curriculares,

integração de componentes em um projeto mais amplo.

A especialização de professores e o currículo por cadeira, disciplinas ou

mosaico tem caracterizado os currículos escolares. Esse currículo, uma vez

implantado, acaba gerando uma série de condições e contextos que o enraíza: seu

código, sua expressão em práticas escolares. Por isso a mudança é lenta e muito

difícil de ocorrer, pois demandam alterações em projetos pedagógicos, estilos

Page 32: Escola e Curriculo

32

pedagógicos dos professores, na administração escolar. E exige uma política de

integração e comunicação entre os participantes do processo educativo.

Sacristán10 apresenta a ordenação do currículo por ciclos. Para o autor, um

ciclo consiste em “uma unidade que engloba vários cursos, que permite uma

organização do conteúdo com um tempo mais dilatado para sua superação,

avaliação”. Para Sacristán, o ciclo oportuniza maior flexibilidade ao professor de se

adequar às necessidades de aprendizagem dos alunos, à diversidade e a mudança.

O currículo enquanto código, comunica, expressa através de sua linguagem,

determinados princípios sobre a educação, o desenvolvimento humano, a

aprendizagem, o ensino e a metodologia. Portanto, a seleção de conteúdos é

realizada tendo em mente as chances de aprendizagem dos alunos, os interesses, os

desejos de saber desses alunos, seus estilos de aprendizagem. O currículo também

expressa a melhor forma de organizar esses conteúdo, dando-lhes sentido, criando

contextos. Ele define, ainda, os meios pelos quais o ensino terá sucesso, respeitando

os princípios pedagógicos, psicológicos, epistemológicos. O processo de ensino e

aprendizagem deve ter um lócus, a definição de onde vai ocorrer, bem como um

formato de monitoramento. Nesse sentido, concordamos com Sacristán11 quando

afirma que “currículo é um projeto cultural elaborado sob chaves pedagógicas”. As

chaves pedagógicas são os caminhos da renovação do ensino e da aprendizagem.

A teoria curricular tem enfatizado a necessidade de o professor ter maior

capacidade de definição quanto à concepção do currículo e possa, a partir dos

conhecimentos e competências selecionados, moldar sua prática, estabelecendo a

ponte entre teoria e prática, transformando-se em agente do processo de construção

do saber, cultural e historicamente situado.

PONTO FINAL

O currículo reflete o conhecimento da humanidade em um determinado contexto e

tempo. Portanto, ele é uma soma de contribuições, descobertas e estudos. Neste

capítulo abordamos diferentes aspectos relativos à seleção dos conteúdos que

compõem o currículo. Constatamos que é comum a inclusão de novos temas em vista

de questões sociais ou de determinantes regionais e culturais, mas isso muitas vezes

implica em uma menor atenção da escola aos temas que compõem o núcleo comum

do currículo. Por outro lado, não deve ser descartada a diversidade cultural. Há

diferentes culturas, e o currículo escolar deveria retratar ou representar o local, o

regional e o universal ao mesmo tempo. Observamos também a complexidade da

construção social do currículo e de que forma ele contribui para interpretar as

atividades de um grupo social. Tudo isso evidencia a importância da participação dos

Page 33: Escola e Curriculo

33

professores no processo de seleção dos conteúdos, assim como para facilitarem a

aprendizagem destes conteúdos.

ATIVIDADE

1) Elabore um mapa conceitual com as ideias fundamentais do capítulo.

2) Lembre-se de uma escola que você conheceu ou estudou e procure descrever

como era e funcionava o currículo dessa escola.

Page 34: Escola e Curriculo

5 O CURRÍCULO ESCOLAR, APRENDIZAGEM E ESCOLA

O currículo é uma construção cultural, histórica, social que a escola torna real

através de suas práticas diárias. Essas práticas modelam princípios a partir das

dimensões da experiência, dos ambientes de aprendizagem criados e dos processos

educativos proporcionados. As práticas estabelecem interações com os participantes e

com o ambiente, gerando o contexto de aprendizagem e a consolidação do currículo

enquanto prática.

O presente estudo tem demonstrado que o currículo é o que ocorre nas salas

de aulas, nas experiências que os alunos adquirem na escola, constituindo o que se

conhece como a prática pedagógica. A complexidade do ato educativo demanda

transformações junto à comunidade acadêmica, aos processos burocráticos e

administrativos, bem como professores, conteúdos e ao mercado de trabalho. Todas

as relações entre esses elementos geram novas ações estruturantes do sistema.

O currículo exerce um papel fundamental enquanto um elemento determinante

e determinado pelas relações que ocorrem nas salas de aula, bem como nas

experiências vividas pelos alunos dentro do espaço escolar. As políticas ou princípios

educacionais estabelecidos pela instituição educacional, assim como o fazer do

professor e o fazer do aluno, constituem o currículo. Segundo Sacristán1, esses

elementos sofrem a regulação específica da legislação ou dos órgãos fiscalizadores,

do pessoal administrativo ou de gestão, dos meios didáticos, do espaço físico, do

horário, do tempo, da distribuição das turmas, do número de alunos por sala de aula,

do controle, da disciplina ou indisciplina, que são fatores interferentes e determinantes

mais próximos ou imediatos que o processo educativo sofre.

Essas forças determinantes do currículo e de seus constituintes podem ser

motivadoras de uma visão mais ecológica da construção do saber dentro do contexto

formal escolar. Os atos de educação são dependentes de ações internas dos

componentes últimos do processo: professor e aluno. Mas todos os elementos do

sistema também dependem de constituintes estruturantes externos, que ocorrem

antes, durante e depois dos atos, podendo ainda ser simultâneos ao processo. Por

isso a complexidade de se estabelecer um currículo para uma comunidade e

generalizá-lo.

Os teóricos do currículo, tais como Lundgren, citado por Sacristán2, referem-se

aos sistemas condicionadores dos processos educativos que são: o currículo, o

sistema administrativo, as regulações legais. Esses três sistemas, para o autor, são

determinados pela estrutura econômica, social, cultural e política de onde se

enquadram. Os três condicionantes estabelecem as metas, as regras para que os

Page 35: Escola e Curriculo

35

processos educacionais ocorram. Sacristán3, buscando interpretar essa abordagem de

Lundgren, elaborou a Figura 5.1, apresentada a seguir.

Figura 5.1 - Sistemas condicionadores dos processos educativos

Fonte: Sacristán, 1998, p. 91.

Pode-se concluir que as aprendizagens proporcionadas pela constituição do

currículo são determinadas pelas relações apresentadas na Figura 5.1, não

oferecendo liberdade para professores e alunos construírem seus currículos

livremente. Ao mesmo tempo, esse mesmo sistema condicionador também estabelece

certa liberdade para trabalhar e criar dentro dessas condições. Portanto, o contexto

em que ocorrem as aprendizagens é um fator determinante para as atividades

curriculares.

O currículo, como projeto cultural, ocorre em um ambiente ou contexto que é

modelador ou “mediatizador” das atividades simbólicas de aprendizagem. Esse

mesmo contexto, somado às atividades mediadoras, deve representar um fator de

motivação para que o currículo possa ser colocado em prática: ação motivada.

O contexto, o ambiente escolar resultantes das relações e interações entre os

diferentes sistemas que se tornam presentes no currículo, geram novas relações de

ESTRUTURA

CURRI SISTEMA ADMINISTR

SISTEMA

METAS

CAMPOS DE REGRAS

PROCESSO EDUCATIVOPROCESSO EDUCATIVOPROCESSO EDUCATIVOPROCESSO EDUCATIVO

Dirigem Dirigem Dirigem Dirigem RestringemRestringemRestringemRestringem Regulam Regulam Regulam Regulam

Page 36: Escola e Curriculo

36

aprendizagens que não esperávamos: o currículo oculto. Ele é fonte de inumeráveis

aprendizagens para o aluno, originadas pelas vivências, experiências e pelas inter-

relações entre teoria e prática.

Portanto, a criação e o desenvolvimento de ambientes de aprendizagem, ricos

e motivadores, leva à construção de uma rede de interações fundamentais para que

nossos sensores cognitivos e afetivos possam iniciar o processo de internalização e

construção das aprendizagens. Esses ambientes são os mediadores do processo de

aprendizagem, fundamental para que ela ocorra.

Os ambientes mediatizadores são os elementos que fornecem uma leitura

ecológica da aprendizagem, que leva em consideração as condições psicológicas,

sociais e culturais que afetam a vida subjetiva e escolar, bem como os elementos

externos do ambiente constituinte da educação já citados anteriormente.

Apple4, no que se refere ao ambiente educacional, procura distinguir seis

elementos básicos:

- a estrutura física da escola, ou a arquitetura;

- os materiais e tecnologias;

- os sistemas simbólicos e de informação;

- as habilidades dos professores;

- os estudantes e outros componentes auxiliares;

- os gestores e a relação de poder.

Autores como Schubert5, ampliando os aspectos anteriores, citam as

dimensões do ambiente escolar:

- física;

- material;

- interpessoal;

- institucional;

- psicossocial.

Independente das categorias elencadas pela teoria curricular – como currículo,

escola, estrutura administrativa, professores, conteúdos –, pode-se compreender que

os ambientes e os formatos de aprendizagem dependem da forma como esses

componentes atuam no planejamento e na organização das etapas do ato educativo.

As ações e os fluxos resultantes do contexto levam à aprendizagem e ao

monitoramento desse processo. O monitoramento ou a avaliação é uma das etapas

fundamentais do processo educativo, pois as aprendizagens formais são atividades

avaliadas, controladas.

Esses processos educativos nos possibilitam intuir os currículos escolares

modificados, assim como implicam em uma mudança no conceito e conteúdo da

Page 37: Escola e Curriculo

37

competência docente, sua formação cultural e pedagógica. Mudanças no currículo

demandam uma dinâmica social nova, um novo professor. Essas competências

requerem também uma formação aberta do professor. Um currículo diferenciado

obriga o professor a se desenvolver e criar novas metodologias e saberes,

modificando a relação professor-aluno que atualmente é muito diferente.

Por outro lado, o professor, na sociedade em que vivemos, heterogênea e

pluralista, tem dificuldades de se modificar, pois as condições ambientais e contextuais

são determinantes. Nessas condições, ele sente uma contradição entre manter sua

prática dentro do modelo curricular dominante ou tentar a mudança para um currículo

mais rico e criativo. Os professores, orientando-se segundo o modelo curricular

vigente, favorecem o crescimento acadêmico dos alunos para que possam atingir os

estudos superiores, seguindo a lógica das disciplinas e do modelo por coleção.

A transformação das relações pedagógicas, resultantes das combinações dos

elementos acima expostos, incluindo o ambiente educativo de forma ampla, faz com

que as relações de poder sejam, de certa forma, ampliadas entre: professores, alunos,

gestores, currículo, administração etc.

O currículo é um artefato que se constitui no processo de modelação,

implantação e operacionalização da cultura e determinadas práticas pedagógicas.

Dessa forma, podemos antever que o currículo gera fenômenos internos e externos de

relações e interações que se entrecruzam entre práticas deferentes com subsistemas

políticos, administrativos, didáticos, metodológicos e de controle ou avaliativos. Esses

subsistemas atuam sobre os componentes do currículo de forma dialógica e em

diferentes situações e momentos: seleção de conteúdos, atividades pedagógicas,

práticas pedagógicas e avaliação.

Nessas relações, pode-se ver que os participantes do ato educativo devem ser

considerados agentes. O currículo, portanto, é um artefato que em sua volta produz

um universo novo de interdependência e relações, constituindo-se em um “sistema

curricular”. Nesse sistema, as decisões não ocorrem de forma reta, linear ou

determinada, válidas para todas as relações. Trata-se de um sistema determinante e

determinado ao mesmo tempo, que gera uma área de convergência em certos

momentos e de divergência em outros.

Sacristán enfatiza que a constituição curricular respeita uma dinâmica assim

descrita:

Podemos considerar que o currículo que se realiza por meio de uma prática pedagógica é o resultado de uma série de influências convergentes e sucessivas, coerentes ou contraditórias, adquirindo, dessa forma, a característica de ser um objeto estático, mas como a expressão de um equilíbrio entre múltiplos compromissos. E mais

Page 38: Escola e Curriculo

38

uma vez esta condição é crucial tanto para compreender a prática escolar vigente como para tratar de mudá-la.6

O mesmo autor também observa que: a visão do currículo e sua constituição

exige um tipo de intervenção ativa discutida explicitamente em um processo de

deliberação aberto envolvendo: professores, alunos, pais, forças sociais, grupos de

criadores, intelectuais, evitando a mera reprodução de decisões e modelações implícitas,

históricas.7

O currículo, já escrevemos em outro momento, adota diferentes significados,

pois é dependente de enfoques paradigmáticos diferenciados e utilizados em

momentos diferentes das teorias curriculares que explicam o desenvolvimento

curricular.

Teóricos como Brophy, citado por Sacristán, procuram descrever o processo de

desenvolvimento do currículo e as etapas ou fases nele envolvidas. Para ele, “o

currículo se transforma, modifica ou se reduz a um currículo oficial, a partir das

transformações que o professor introduz pessoalmente, o que realmente os alunos

aprendem“8. Em seguida, Sacristán distingue seis fases ou níveis no processo de

desenvolvimento do currículo:

[1] O currículo prescrito: o sistema educativo estabelece algum tipo de orientação do que deve ser o conteúdo e sua obrigatoriedade; [2] O currículo apresentado aos professores: o currículo apresentado aos professores em geral apresenta traduções ou interpretações do currículo prescrito, uma vez que são muito gerais suas orientações e o nível de formação dos professores e as condições de trabalho não permitem que façam a modelação do currículo; [3] O currículo moldado pelos professores: o professor é um agente ativo na concretização dos conteúdos e significados construídos pelo currículo a partir de sua cultura, de sua formação profissional. O professor é um tradutor e interpretador das políticas curriculares oferecidas pela instituição; [4] O currículo em ação: é o que ocorre nas tarefas acadêmicas, ação pedagógica, orientada pelos esquemas teóricos e práticos do professor; [5] O currículo realizado: são os efeitos da prática, isto é: efeitos cognitivos, afetivos, social, moral etc. Esses efeitos além de atingirem a formação do aluno também afetam os professores, a comunidade escolar; [6] O currículo avaliado: são os controles, o monitoramento, impõe critérios para o ensino do professor e para aprendizagem dos alunos.9

O modelo a seguir (Figura 5.2) procura representar a explicação das etapas

apresentadas por Sacristán, lembrando que não se trata de uma norma, mas uma

tentativa de descrever e explicar uma interpretação da teoria curricular.

Figura 5.2 – Currículos praticados

Page 39: Escola e Curriculo

39

Fonte: Sacristán, 1998, p. 105.

O currículo, enquanto um construto teórico-prático, precisa fornecer uma

concepção de sua organização social, cultural e histórica. O currículo, portanto, deve

deixar claro o contexto em que está inserido, as condições em que seu

desenvolvimento e implementação vão ocorrer. Os elementos que participam dessas

relações compõem o sistema curricular e seus subsistemas, tendo implicações na

ordenação e coordenação do sistema e das ações educativas, no ensino e na

aprendizagem, na construção da instituição educacional e no fortalecimento do papel

social e cultural que ela exerce.

PONTO FINAL

O currículo, como apresentamos até aqui, é um artefato construído, criado,

desenvolvido para caracterizar as possíveis relações existentes entre o conhecimento,

o sujeito, os valores, o poder e a comunidade escolar. Tal relacionamento se dá

através das relações, interações, trocas que se estabelecem entre esses agentes, o

CURRICULO

CURRICULO

CURRICULO MODELADO CURRICULO MODELADO CURRICULO MODELADO CURRICULO MODELADO

ENSINO

Currículo realizado: efeitos Currículo realizado: efeitos Currículo realizado: efeitos Currículo realizado: efeitos

complexos, explícitoscomplexos, explícitoscomplexos, explícitoscomplexos, explícitos----ocultos, ocultos, ocultos, ocultos,

CURRÍCULO

Con

dici

onam

ent

Cam

po e

conô

mic

o .p

olíti

co, s

ocia

l ,

Cam

po e

conô

mic

o .p

olíti

co, s

ocia

l ,

Cam

po e

conô

mic

o .p

olíti

co, s

ocia

l ,

Cam

po e

conô

mic

o .p

olíti

co, s

ocia

l ,

Page 40: Escola e Curriculo

40

contexto e o objetivo final da construção. As interações desenvolvidas são resultantes

das oportunidades ou situações desenvolvidas pelos professores e os contextos .

Essas interações são determinadas por uma série de elementos que constituem o

conjunto ou o contexto – a cena educacional: as políticas, as direções, o espaço físico,

os profissionais da educação, os alunos e as tarefas propostas. As relações que

ocorrem entre esses elementos nos permitem pensar em currículos que são

constituídos e constituintes ao mesmo tempo do contexto educacional: o currículo

prescrito, o currículo percebido pelo professores, o currículo executado, o currículo

esperado e o currículo como prática social.

ATIVIDADE

Redija um texto sobre os tipos e formatos de currículos, descrevendo como a

aprendizagem ocorre em cada formato.

Page 41: Escola e Curriculo

41

6 A ORGANIZAÇÃO DO CURRICULO: ASPECTOS POLÍTICOS

A escola estabelece seus princípios e valores a partir da forma como leva a

seus alunos suas propostas de ação e atuação junto à sociedade. Para tanto, ele se

utiliza de uma sequência de conhecimentos ou conteúdos que devem levar os alunos

a aprender e transformar seu mundo. A essa organização de conteúdos e

aprendizagens que deve acontecer na escola, chamamos de currículo.

O currículo prescrito é aquele que é determinado pelas políticas educacionais

ou políticas curriculares estabelecidas pelos governos. Conhecidos como parâmetros,

são estabelecidos de forma hierárquica, ou seja, do poder central para a escolas que

precisam selecionar e ordenar os conteúdos que devem constituir o currículo do

sistema oficial de educação de uma comunidade, de um grupo, de uma escola,

estabelecendo as relações de poder e influência que o currículo tem sobre os agentes

educativos: professores, alunos e comunidade educacional.

O currículo determinado pelo sistema dominante, a direção, o governo, através

de suas políticas, para os professores e para o sistema educativo, envolve os

conteúdos e orientações relacionadas a como organizar o saber acumulado através do

tempo, bem como os códigos que expressam esse saber em unidades de

conhecimento para internalização dos alunos nos sistema educacionais.

No geral, a política curricular não se estabelece e não se impõe como uma

norma explícita. Muitas vezes apresenta-se estabelecendo parâmetros gerais,

conteúdos mínimos para atender as demandas de aprendizagem de uma determinada

comunidade de aprendizagem. Outras vezes, apresenta sugestões desconexas,

difusas, dispersas em um conjunto de normas, sem ter um caráter coercitivo,

cumprindo o papel de indicar intenções e desejos curriculares.

Mas é clara a intenção da política de melhoria da qualidade da educação, ou

seja, o desejo de que ocorra a melhoria da educação, mas, ao mesmo tempo, busca-

se um modelo padrão para essa melhora, desconsiderando os aspectos culturais das

comunidades em que se inserem. Portanto, há uma falta de clareza do modelo político

voltado ao currículo e suas implicações na construção do conhecimento dentro de uma

escola.

A política curricular determinada por uma instituição poder ter um formato, ou

representar um modelo que contribui para dar uma forma ou estrutura ao conjunto de

conhecimentos necessários para o currículo se estabelecer. Para tanto, é necessário

conhecer alguns elementos que intervêm nessa estrutura:

- as formas de estabelecer uma determinada organização e ordem do

conhecimento no sistema educativo;

Page 42: Escola e Curriculo

42

- os processos de tomada e execução das decisões nas instituições,

descentralizadas;

- os processos de monitoramento e controle que asseguram acompanhar o

cumprimento dos objetivos;

- os mecanismos explícitos e implícitos adotados para exercer o controle

sobre a prática pedagógico presente no currículo;

- as possibilidades de inovação do currículo através da ação dos professores

e da interação destes com os alunos e a comunidade escolar;

- as estratégias que possibilitam mediatizar as instâncias de poder que agem

sobre o currículo.

Pode-se inferir que a instância inicial, apresentada até agora, é a político-

administrativa, pois ela estabelece a ordem em que os conteúdos devem ser

apresentados à comunidade em função de suas propriedades sociais e da prática

pedagógica necessária para torná-la um objeto de conhecimento a ser construído pela

comunidade escolar.

A escolaridade obrigatória, determinada pelas diretrizes curriculares de uma

sociedade, busca um denominador comum, uma homogeneização das estruturas

educacionais ou componentes curriculares para os alunos, ou seja, a busca de um

currículo básico geral para todos.

A ideia de um currículo mínimo comum está relacionada com a intenção de

uma escola comum, igual para todos. Nesse currículo são previstos os conhecimentos

estabelecidos como verdades universais e válidos para todos os ciclos da educação.

Argumenta-se que o currículo mínimo e comum também é necessário por facilitar a

adaptação dos alunos nos casos de transferência escolar. E ele se torna ainda mais

necessário se considerarmos que nossas sociedades registram diferenças culturais,

sociais e políticas, assim como desigualdades socioeconômicas.

O currículo comum determinado pelas políticas educacionais propõe uma

educação homogênea para todas as escolas e comunidades escolares. A existência

de um currículo mínimo válido para todos tem como princípio que a cultura é igual para

todos.

Para Sacristán10 a ideia de um currículo prescrito é:

a definição de [currículos] mínimos para o ensino obrigatório não é, pois, um problema puramente técnico ou de regulação burocrática do currículo, mas sim adquire uma profunda significação cultural e social, expressando uma importante opção política(...). Neste aspecto a política curricular se converte num elemento da política educativa e cultural (...)para a comunidade. Na decisão de que cultura se define como mínima e obrigatória está se expressando o tipo de normatização cultural que a escola propõe aos indivíduos, os

Page 43: Escola e Curriculo

43

padrões pelos quais todos serão, de alguma forma, avaliados e medidos, expressando depois para a sociedade o valor que alcançaram nesse processo de normalização cultural.

A regulação ou intervenção ou modelação do currículo ocorre de diferentes

formas e variados aspectos: conteúdos, códigos, meios, progresso da escolaridade,

tempo de aprendizagem, oferta, material didático, mobiliário, avaliação etc.

Dessa forma, ordenar a prática curricular supõe condicionar o ensino. A

administração do sistema educacional tem sempre a intenção de regular e controlar o

sistema curricular como uma política de formação, ligando os meios técnicos e

pedagógicos para a construção de um conhecimento considerado verdadeiro e

aprovado segundo os interesses do mundo do trabalho. Há a intenção de estabelecer

o controle do processo pedagógico através de atividades e tarefas desenvolvidas para

esse fim.

Sacristán11 afirma que:

a ordenação e a prescrição de um determinado currículo por parte da administração educativa é uma forma de propor o referencial para realizar um controle sobre a qualidade do sistema educativo. O controle pode ser exercido por meio da regulação administrativa que ordena como deve ser a prática escolar, ainda que seja sob a forma de sugestões, avaliando essa prática do currículo através da inspeção ou por meio de uma avaliação externa dos alunos como fonte de informação.

As formas de estabelecer o controle do desenvolvimento curricular, segundo

Sacristán12, podem ser

a) [...] através das relações burocráticas entre o agente que controla e o professor ou escolas controladas, e supervisionando, através da inspeção, a qualidade da prática do próprio processo educativo; b) avaliação ou controle centrado nos produtos ou rendimento que os alunos obtêm que, para ter valor de contraste e comparação entre as escolas, grupos de alunos etc., deve ser realizado desde fora, não sendo válidas as avaliações que os professores realizam.

Segundo o autor, o primeiro modelo procura atuar nas condições do ensino, já

o segundo nos produtos da aprendizagem. O primeiro modelo busca homogeneizar os

conteúdos de ensino, o processo de ensino e de aprendizagem através da regulação

dos materiais didáticos. Tenta controlar e definir todos os elementos que constituem a

prática, exceto a prática dos professores. Já o segundo exerce controle sobre os

produtos pela avaliação dos sistemas educacionais de forma externa, sujeitando o

processo pedagógico ao tipo de conhecimento e padrão de rendimento estabelecido

externamente.

Page 44: Escola e Curriculo

44

Outra forma de controle são os meios didáticos, que são resultado das

diretrizes curriculares e dos conteúdos mínimos. Essa intervenção se dá através da

produção de materiais didáticos, pois os conteúdos se tornam realidade cognitiva,

afetiva, cultural e social através dos meios que os professores e os alunos usam para

a construção do saber. Uma vez definido o conteúdo a ser ensinado, o processo

pedagógico a ser adotado, bem como as formas de avaliação e controle do processo

de ensino-aprendizagem, o currículo e a escola estarão cumprindo a sua função

socializadora.

O controle do material a ser utilizado na prática pedagógica – o livro didático

escolhido – como referência para o “saber” do professor e do “fazer” do aluno,

demonstra como é possível manter uma unidade do currículo entre os alunos e suas

aprendizagens. Com isso, deseja-se superar o problema da falta de tempo dos

professores para elaborar e preparar os conteúdos estabelecidos pelo currículo ou

repensar a estrutura do mesmo, partindo da necessidade cultural da comunidade. Na

realidade, a carga horária dos professores e a carga de trabalho semanal fazem com

que eles tenham dificuldade de pensar o currículo regionalmente e globalmente,

aceitando as imposições do modelo centralizador do currículo – ou seja, currículos

iguais para realidades sociais e culturais diferentes.

A forma final de um currículo, dependendo da maior ou menor interferência dos

subsistemas educacionais, será resultado da intervenção das políticas sobre a

organização educacional das escolas, bem como uma consequência da prática

pedagógica, dos conteúdos, do material didático e das metodologias. A estrutura do

currículo descreve as funções que devem ser exercidas na comunidade educacional.

O poder do currículo se manifesta então na sua constante intervenção

burocrática e tecnocrática no ensino, diminuindo como consequência a autonomia ou

liberdade do professor como agente do currículo. Essas intervenções diretas

caracterizam uma cultura curricular que produz alguns efeitos na cultura educacional

de uma sociedade.

O currículo, nesse formato, acaba influenciado definitivamente na escolha dos

conteúdos, nas aprendizagens, no modelo de competências, habilidades e atitudes

que ele considera básico, de acordo com a demanda da sociedade.

Macedo13, ao analisar o currículo escolar e o mundo do trabalho, defende que a

ideia de reunir formação escolar e mercado de trabalho não privilegia a nossa época.

A escola, segundo a autora, tem que preparar os alunos para um mundo cada vez

mais informatizado e tecnológico. Trata-se, segundo Macedo, da “migração da

racionalidade científico-tecnológica para o espaço escolar, reduzindo-o à sua

dimensão mercantil”. A escola, porém, tem resistido a esse mandamento do mercado.

Page 45: Escola e Curriculo

45

Macedo14 acentua que a formação profissional mudou em relação ao formato

clássico de organização curricular. Para a autora, “os conteúdos do trabalho não

podem mais ser apreendidos pela experiência, exigindo [...] que os currículos

escolares privilegiam uma formação geral sólida que garanta maior flexibilidade e

elasticidade ao homem”. A autora também afirma que

as habilitações hoje existentes parecem não dar conta da nova dinâmica do processo produtivo, precisando ser remodeladas com o privilégio de uma abordagem mais generalista do conhecimento. parece-nos que o discurso do mercado solicita da escola currículos pouco específicos, que desenvolvam principalmente comportamentos requeridos em relação ao trabalho e às correspondentes virtudes gerais necessárias ao trabalho. A formação específica seria garantida pelas próprias empresas, que atuariam nas brechas abertas pelas disfuncionalidades das escolas e universidades.15

E conclui observando que a “nossa tradição de ensino humanista facilmente

nos faz aceitar que a formação profissional fique a cargo das empresas”16. No entanto,

a autora reflete sobre a necessidade de a escola repensar sua posição.

O poder do currículo pode ser observado também na dificuldade de apresentar

soluções metodológicas e pedagógicas para operacionalizar as escolhas dos

conteúdos no processo educativo.

A máquina burocrática, isto é, a forma como a escola passa a agir , tendo como

base a ideia de administração científica ou gestão por resultados, assume o poder de

execução das propostas educacionais ou das políticas que possibilitam reunir teoria e

prática em um modelo pedagógico adequado. O efeito dessa burocracia é desastroso,

pois desestimular o professor descaracteriza a sua profissão, inibe a criatividade e cria

barreiras para uma educação “melhor”, pois se reduz a uma relação individualista,

hierárquica entre o professor e a burocracia que diz ser sua orientação a adequada

para aquelas crianças, classe, turma e comunidade. O professor torna-se uma

ferramenta de transmissão de conteúdos e de formas de pensar, repetindo a mesma

relação unidirecional com os alunos, pais e sociedade em geral. Por outro lado, o

manual de orientações está estabelecido pela maquinaria burocrática: o poder sobre o

currículo transforma-se em poder do currículo.

Outro aspecto resultante dessa forma curricular é o processo de avaliação e de

monitoramento dos resultados do currículo, pois o processo administrativo, seguindo o

modelo do cientificismo, ou administração científica, busca ter o controle sobre todas

as ações educativas.

Outra forma de garantir os resultados da adoção do currículo prescrito é a

seleção e indicação de material didático que seguem as diretrizes curriculares

estabelecidas pelas políticas gerais.

Page 46: Escola e Curriculo

46

A atuação determinante do currículo cumpre alguns objetivos, segundo

Sacristán17, que são: ”ordenar o sistema, controlar o currículo, determinar conteúdos e

métodos para os professores e regular as condições de obtenção e validação de

títulos”.

Pode-se inferir que o currículo como um artefato ou objeto produzido pela

sociedade, é orientado politicamente ao estabelecer um padrão para a formação dos

alunos e para o desempenho dos professores, utilizando-se de meios técnicos e

específicos para transmitir os saberes verdadeiros e universais acumulados pela

humanidade com o objetivo de formar cidadãos para suprir a demanda do mundo do

trabalho.

PONTO FINAL

O currículo é o espaço em que forças se estabelecem na interação entre o

conhecimento (ou o conteúdo) e os sistemas determinantes: as políticas estabelecidas

pelo poder dominante, a forma como os sujeitos têm seus direitos e diferenças

respeitadas e garantidas. No âmbito das políticas educacionais é possível definir,

escolher e determinar quais os conteúdos são importantes para determinada

comunidade escolar. A definição dos conteúdos tem como objetivo criar uma linha

única universal de pensamento e de conhecimento, ou uma homogeneização do

conhecimento, da sociedade, da cultura e do sujeito.

ATIVIDADE

Reflita e elabore um texto dissertativo sobre como o currículo determina as

aprendizagens do sujeito em uma escola.

Page 47: Escola e Curriculo

7 O CURRÍCULO E A PRÁTICA DOCENTE

O currículo se concretiza na ação pedagógica, nos ambientes escolares

organizados para que sejam oportunizadas as situações de aprendizagem. Portanto, o

professor é um agente ativo no processo educativo. Vimos anteriormente que o

currículo orienta as ações do professor, do aluno e da comunidade escolar e, ao ser

interpretado, traduzido pelos participantes, também influencia o currículo.

O professor tem o papel de mediador nos processos de ensino no que tange à

aprendizagem a que os alunos são submetidos. Dessa forma o professor é um ator,

um agente, um modelador dos conteúdos que são selecionados e distribuídos nos

ambientes desenvolvidos e criados para sua expressão. Essa ação mediadora não

ocorre sobre os conteúdos, sobre o currículo, mas através do acompanhamento dos

alunos nas aulas, nas relações que os alunos estabelecem entre os conteúdos, entre

eles mesmos e os professores.

A ação do professor é, de certa forma, condicionada por subsistemas, mas ao

mesmo tempo ele condiciona outras etapas dos subsistemas. Portanto, a ação do

professor é condicionada. O professor não decide sua ação de forma neutra, ela

acontece em um local, envolve uma realidade e uma estrutura educacional que, por

sua vez, estabelece normas, regras, políticas, além da tradição que se transmite de

geração a geração.

De outro lado, os professores já encontram os alunos, as turmas, as salas de

aulas prontas, regidas pela administração escolar que respeita um sistema e políticas

mais amplas. O sistema organiza a educação em níveis de competência,

conhecimento, habilidade. Esse mesmo sistema organiza os meios para que o

professor possa transmitir os conteúdos aos alunos. Os alunos têm um horário e um

espaço pronto para que o ato educativo ocorra. A estrutura determinada pelo sistema,

aos poucos, passa a ser absorvida e considerada normal pelos professores, pelos

alunos, pela comunidade: é a sociedade da repetição. Esse processo leva o professor

a perder a autonomia e não reconhecer mais seu papel profissional, pois ele tornou-se

um operário executando tarefas.

O trabalho docente apresenta características específicas e, muitas vezes,

únicas ao tratar com situações e sujeitos que são únicos. Por isso a educação,

enquanto um campo de estudos, não é sustentada por teorias ou técnicas gerais.

No que diz respeito à atividade docente, Sacristán1 esclarece que:

A atividade do professor não se define na realidade, prioritária nem fundamentalmente, a partir de uma cultura pedagógica de base científica, seja qual for a acepção ou paradigma do qual se parta na

Page 48: Escola e Curriculo

48

hora de definir um modelo de comportamento docente, mas surge de demandas sociais, institucionais e curriculares prioritariamente, prévias a qualquer proposição, às quais depois se modela e racionaliza e ataca inclusive a partir de argumentações pedagógicas. Daí a perpétua insatisfação entre as demandas de um modelo e as da situação prática dada.

O professor vive situações indeterminadas, incertas, conflitivas no sentido de

que não há uma única forma de lidar com as situações educacionais criadas em

ambientes educacionais.

Sacristán2 expressa o seu pensamento do seguinte modo no que se refere à

possibilidade de ações inovadoras na ação do professor:

A interação entre os significados e usos práticos do professor (condicionados por sua formação e experiência, que são as que guiam a percepção da realidade), as condições da prática na qual exerce e as novas ideias configuram um campo-problema do qual surgem soluções ou ações do professor que são resultantes ou compromissos a favor de um extremo ou outro desse triângulo – é o triângulo de forças da práxis pedagógica.

Para Tanner e Tanner, citados por Sacristán3, o papel do professor pode ser

caracterizado por três níveis: de imitação-manutenção, de mediador e criativo-gerador.

No nível de imitação-manutenção, o professor segue livros-texto ou manuais didáticos

como padrão. Já no nível de mediador, ele busca utilizar os materiais adequados aos

currículos e as inovações possíveis de se realizar. Enfim, no nível criativo-gerador ele

pensa sobre o que realiza, buscando sempre soluções. Para tanto, também utiliza o

diagnóstico como uma ferramenta para desenvolver soluções adequadas às situações

de aprendizagem.

O professor possui uma formação constituída de conhecimentos filosóficos,

epistemológicos, didáticos e práticos. Essa formação é o que sustenta o seu estilo de

orientação nas tarefas em sala de aula. Seu estilo de prática pedagógica implicará nos

formatos de avaliar o processo de ensino e de aprendizagem, bem como no controle

dos alunos em sala de aula. Segundo Sacristán4, o conjunto de competências e

saberes que compõem a formação docente, em geral, leva-nos a crer que os

professores orientam-se pela epistemologia cientificista – que diz respeito aos

conteúdos consagrados pelo método científico e são aceitos pela sociedade –, pois se

valoriza a objetividade da estrutura interna do conhecimento.

O professor, em geral, recebe formação pedagógica, isto é, a sua formação

inclui um conjunto de conhecimentos da área pedagógica, com o objetivo de lhe

subsidiar no desempenho da função docente.

Page 49: Escola e Curriculo

49

Sacristán5, citando Shulman, lista os conhecimentos necessários para a

profissionalização do docente:

Conhecimento do conteúdo; conhecimento pedagógico geral que se refere a princípios amplos e estratégias para governar a classe; conhecimento do currículo como tal, especialmente dos materiais e programas; conteúdo pedagógico que presta ao professor sua peculiar forma de entender os problemas de sua atividade profissional; conhecimentos dos alunos e de suas características; conhecimento do contexto educativo; conhecimento dos fins educativos, valores e seu significado filosófico e histórico.

As atividades docentes que o professor realiza resultam dos saberes e

competências que obteve em sua formação, incluindo a dimensão científica e cultural

nela implícita. O professor, desse modo, utiliza o conteúdo curricular a partir de suas

concepções epistemológicas, bem como da sua prática pedagógica.

As concepções epistemológicas dos professores estão relacionadas com a

cultura geral exterior e interior, isto é com sua formação pessoal e com a formação

formal nos bancos universitários , com a pedagogia, com os modelos educativos

determinados histórica e culturalmente.

Sacristán6 também nos permite compreender que ao professor cabe refletir

sobre o conhecimento e suas implicações. Em relação ao conhecimento, o autor

chama a atenção à necessidade do professor saber

como se ordena, que papel se conceber para sua relação com a experiência do que aprende, qual é sua transcendência social e sua relação com a vida cotidiana, qual é sua origem, como se valida, como evolui, a ponderação de seus componentes, como se comprova sua posse. Esses são aspectos cruciais sobre os quais se interrogar num modelo de ensino para analisar sua especificidade. O professor não tem muitas oportunidades de tratar essas dimensões epistemológicas dos métodos didáticos e nos currículos, nem são, com frequência, sequer discutidas no transcurso de sua formação. Suas posições a respeito, ainda que sejam implícitas, costumam ser adquiridas e assimiladas por osmose, e não é fácil que possa expressá-la de forma vertebral e coerente.

Por conseguinte, Sacristán7 cita Shulman ao se referir à concepção do

professor sobre o currículo . Ele esclarece que:

Os paradigmas contemporâneos que dominam a pesquisa pedagógica, a partir dos quais se deduz uma seleção de variáveis relevantes para entender os fatos pedagógicos e uma projeção mais ou menos direta para a prática, esqueceram o próprio conteúdo cultural que se transmite no ensino. Para esse autor, a separação entre conhecimento e pedagogia na pesquisa e no pensamento pedagógico é uma tradição relativamente recente na história deste último, com uma forte implicação na formação do professorado e na deficiente compreensão do que é o ensino em si mesmo. Fala-se da

Page 50: Escola e Curriculo

50

motivação dos alunos, de processos cognitivos de aprendizagem, de manejo da aula, de ambientes escolares, de condutas docentes relacionadas ao bom rendimento dos alunos, de processo de planejamento, de como avaliar o aluno, mas silencia-se sobre o papel do professor na modelação do conhecimento, e sobre o próprio conhecimento, dando-o, portanto, como algo não-discutível, como o inexorável corpus que constitui o currículo que os professores têm que desenvolver e os alunos aprender.

Essas reflexões nos encaminhariam ao estudo das relações entre o currículo

demandado – que representa a necessidade de formação para que o indivíduo possa

se colocar no mundo do trabalho – e o outro currículo – aquele que os sujeitos que

vivem a aprendizagem pensam ser o necessário para sua formação humana. Também

remetem ao conhecimento como algo universal, verdadeiro, objetivo e à subjetividade

dos sujeitos envolvidos no processo de aprendizagem; à seleção de conteúdos, à

ordem dos mesmos e à integração das disciplinas.

O conhecimento é uma das bases da estrutura curricular e da atividade dos

professores. Mas, segundo Sacristán8, o conhecimento tem algumas características

fundamentais para o currículo, que são:

o conhecimento é publico; o conhecimento é um produto composto por fatos, teorias que formam um todo organizado; o conhecimento é algo certo, verdadeiro que deve ser assimilado pelos alunos ou algo problemático, incerto, inseguro, provisório; o currículo deve ser universal; a cultura deve fomentar no aluno um conjunto de valores, normas, definições sociais, gerando a consciência.

Sacristán9, citando Gimeno e Perez, distingue os fatores que podem

influenciar o currículo, bem como a concepção e a prática pedagógica dos

professores:

[1] Utilidade dos conteúdos para entender problemas vitais e sociais; [2] Cultura do currículo como uma cultura comum para todos os alunos, independente de suas peculiaridades sociais,linguísticas, etc.; [3] Cultura comum para todos os alunos, à margem de suas singularidades pessoais, sexo, etc.; [4] A obrigatoriedade para que passem a ser parte da formação comum aspectos como a religião, por exemplo, que são crenças e opções ideológicas; [5] A unificação ou diferenciação entre a cultura acadêmica e a dirigida para a atividade manual num mesmo currículo para todos os alunos; [6] A inclusão de problemas conflitivos e poéticos nos conteúdos de ensino; [7] A compatibilidade-incompatibilidade a priori de certos conteúdos com o interesse dos alunos; [8] O valor da experiência pessoal anterior do aluno e do processo de descobrir aprendendo certos conteúdos curriculares, frente ao valor absoluto do conteúdo ordenado logicamente e sem relação com a experiência vital; [9] A consideração do conhecimento como algo objetivo e verdadeiro frente a posições relativistas, históricas e construtivistas; [10] Valor pedagógico do aprofundamento de uma parcela para alcançar o

Page 51: Escola e Curriculo

51

conhecimento em profundidade, frente ao domínio geral mais superficial; [11] Valor educativo de praticar os métodos de pesquisa próprios de diferentes áreas ou disciplinas; [12] Ordenação do conteúdo em torno de unidades mais ou menos integradoras de diversos tipos de conhecimento e habilidades, frente a opções de ordenação por cadeiras ou conteúdos separados uns dos outros; [13] Sequência de desenvolvimento determinada de antemão, inclusive a apresentada pelos livros-texto, frente à opção de esquemas ad hoc; [14] Capacidade e divisão de competências e responsabilidades nas decisões sobre os conteúdos: pais, alunos, professores etc.; [15] Consideração de partes optativas nas diversas áreas para alguns alunos; [16] A existência de fontes variadas e válidas de informação para adquirir as aprendizagens consideradas importantes; [17] Concepção de áreas ou disciplinas como lugar de expressão de opções diversas por parte dos professores.

Essas perspectivas auxiliam o professor a definir sua linha de ação, uma vez

que lhe subsidiam a tomar decisões sobre os conteúdos, formas de apresentação,

estratégias de ensino, experiências, vivências, monitoramento do processo de

aprendizagem e construção cultural do conhecimento. A formação do professor,

sobretudo a cultural, bem como as interações que ele realiza com seus alunos no

espaço educacional, possibilitam a mediação, intersubjetividade e internalização dos

conteúdos sociais e culturais em um determinado momento na mediação do professor.

Até aqui, enfatizamos o papel ativo do professor como mediador do processo

de construção da subjetividade do sujeito, isto é, a etapa em que ele responde as

demandas sociais, psicológicas e biológicas e da subjetivação do conhecimento, da

aprendizagem propriamente dita.

O papel de mediador do processo educativo do professor na operacionalização

do currículo, fundamenta-se nos seguintes fatores, segundo Sacristán10:

[1] Na eficácia da conquista de certas metas dos currículos, é preciso considerar que boa parte dos seus objetivos gerais deve ser abordada conjuntamente por todos os professores nas diversas etapas educativas ou através de diferentes áreas ou disciplinas curriculares; [2] No ponto de vista dos professores, a consideração social de sua profissionalização é básica por múltiplas razões. O professor que atua individualmente não tem controle sobre certas variáveis de organização escolar, que são competências da coletividade ou de órgãos de direção, das quais depende o exercício de certa metodologia ou um estilo educativo. [3] Se o centro escolar se relacionar com a comunidade na qual está inserido, dentro de uma determinada filosofia educativa e sociopolítica, atendendo a sua cultura, aproveitando seus cursos e projetando-se nela, essas exigências pedem um plano particular do currículo que escapa às competências individuais dos professores, reclamando-se uma coordenação para elaboração de um projeto educativo de centro que os leve em conta.

Page 52: Escola e Curriculo

52

A visão clássica de currículo, que atende uma perspectiva dirigista, tem

enfatizado a relação vertical do professor com as orientações da gestão que indicavam

as ações, ou seja, o respeito à hierarquização da escola – diretor-coordenador-

professor-aluno –, o comportamento adequado e a seleção de conteúdos e de meios

para transmitir o conhecimento acumulado pela tradição e considerado como

verdadeiro e completo.

PONTO FINAL

O currículo se concretiza, se realiza e se completa na prática docente, na sala de aula,

no espaço de aprendizagem, assim como na interação que ocorre entre o professor, o

conteúdo e o aprendiz em um determinado espaço-tempo. As condições

desenvolvidas pelo professor dentro do ambiente escolar são de fundamental

importância para que ele possa implementar sua prática pedagógica. Além das

condições para que o processo ensino e aprendizagem ocorra, o professor deve criar

atividades ou tarefas pelas quais, através da mediação e dos meios simbólicos, possa

operacionalizar a internalização dos conteúdos. Portanto, o professor, enquanto

agente desse processo, deve proporcionar diferentes formas de compreensão e

consolidação da aprendizagem dos conteúdos prescritos. A forma como o professor

realiza as tarefas, as atividades e a mediação pode ser um ato de conservação do

modelo dominante ou pode favorecer a reflexão ou mudança desse modelo. O

currículo, dessa forma, pode representar um campo de lutas em torno de possíveis

interpretações e significados.

ATIVIDADE

Segundo a sua interpretação, o que significa “o currículo se realiza na ação

pedagógica”?

Page 53: Escola e Curriculo

8 A PRÁTICA CURRICULAR: O AGIR E A LINGUAGEM DO CUR RICULO

O currículo se concretiza e realiza na prática, nas situações reais, na forma

como se estrutura e organiza a cultura da comunidade.

O currículo em ação e na ação é o objetivo posto em prática, a intenção

transformada em ação motivada. O currículo se mediatiza como ponte entre a teoria e

a prática. A estrutura do currículo na prática envolve as políticas educacionais, as

razões epistemológicas, os parâmetros da administração escolar, as metodologias, os

meios e as condições ambientais ou físicas.

A prática pedagógica se estabelece em atenção a objetivos e metas traçados

no âmbito do currículo prescrito, assim como pela interação dos professores com os

alunos, pelo ambiente e pelas interferências externas. O ensino não ocorre somente

pela interação entre professores e alunos em vista da aprendizagem dos conteúdos

curriculares, mas envolve fatores ambientais e culturais. A educação escolar se dá em

um contexto, envolve pessoas e a construção social dos agentes em uma situação

ecológica. Uma aula, então, constitui-se em um subsistema ou micro-sistema

educacional definido por espaços, tempos, atividades, papéis, objetivos, ambiente etc.

As tarefas acadêmicas são ações realizadas pelos alunos sob mediação do

professor, cuja intenção é a realização das interações entre as atividades, o aluno, o

professor e o conteúdo, constituindo a prática pedagógica que se expressa em:

- um micro-ambiente favorável à realização das tarefas;

- uma metodologia que desencadeará certos efeitos da intenção;

- mediação através de atividades e ferramentas simbólicas;

- estilos em que os professores e alunos expressão essa aprendizagem;

- interações didáticas, que são formas de o currículo estabelecer a ponte entre

teoria e prática;

- atividades socializadoras, quando uma tarefa guarda um significado pessoal

e social complexo por seu conteúdo, pelas relações sociais que fomenta.

8.1 AS TAREFAS ACADÊMICAS COMO MEDIADORAS DO ENSINO

As tarefas acadêmicas modelam o ambiente e o processo de aprendizagem de

forma que podemos compreender a maneira como o currículo utiliza de sua

capacidade criadora para gerar o condicionamento.

Para Sacristán1, a tarefa é o “elemento intermediário entre as possibilidades

teóricas que o currículo prescreve e os seus efeitos reais”.

Page 54: Escola e Curriculo

54

8.1.1 Tarefas como matriz de socialização

Em função de sua influência na interação entre os alunos e professores e na

construção social e cultural do conhecimento, as tarefas acadêmicas envolvem

processos cognitivos e afetivos. As tarefas acadêmicas mais frequentes são:

- Tarefas de memória;

- Tarefas de procedimentos;

- Tarefas de compreensão;

- Tarefas de opinião;

- Tarefas de descoberta.

Partindo disso, Segundo Sacristán2 a tarefa acadêmica é ”todo um ambiente,

fonte de aprendizagens múltiplas: intelectuais, afetivas, sociais; é um recurso

organizador da conduta dos alunos nos ambientes escolares”.

A tarefa orienta o aluno de como deve se envolver para aprender, como seguir

uma orientação para realizar o trabalho, a forma de fazê-lo para obter melhor

rendimento. A tarefa auxilia no momento de estabelecer uma conduta adequada para

agir em determinados contextos já vivenciados, experienciados e adaptados ao

contexto em que o fenômeno ocorre.

Sacristán3 (1998, p. 230) procura sintetizar a importância das atividades

pedagógicas no processo de construção social do conhecimento e expressa o

pensamento da seguinte forma:

o meio educativo ou contexto do ensino supõe uma série de ambientes concêntricos, aninhados uns dentro de outros, com interferências e ocultamentos recíprocos no modo de desenvolver as tarefas, segundo a organização da escola e de acordo com as conexões da vida acadêmica com o ambiente exterior.

O ponto de vista de Sacristán pode ser visualizado conforme o modelo

expresso a seguir:

Page 55: Escola e Curriculo

55

Figura 8.1 O currículo e suas mediações na escola

Fonte: Sacristán, 1998, p. 231.

A organização escolar possui uma estrutura já estabelecida, isto é, a priori ela

se coloca como um todo. A interação entre os sistemas que compõe a organização, a

organização pedagógica e as tarefas propostas, baseadas no currículo oficial tornam

difícil uma mudança na escola e nas ações dos agentes do processo educativo. A

estrutura das tarefas também acaba determinando o ambiente escolar, as

experiências dos alunos.

Portanto, podemos concluir que as tarefas acadêmicas modelam a prática

esperada, seguindo os parâmetros curriculares. Diante disso, os professores precisam

pensar suas possibilidades de intervenção, ou autonomia, mantendo seu planejamento

de atividades de acordo com o currículo proposto pela sociedade. Ensinar passa a ter

a função de planejar ambientes de aprendizagem para os alunos, com vistas a atingir

os resultados previstos no currículo.

As tarefas tornam-se elementos fundamentais na estruturação e determinação

do comportamento profissional dos professores, que deve ser de orientar os alunos

(no cumprimento das tarefas), manter a disciplina, controlar a conduta dos alunos de

acordo com os princípios do mercado, colaborar com os alunos para a socialização

dos mesmos em uma determinada cultura, transmitir conhecimentos acumulados pela

EXTERIOR

CENTRO

AULA

CURRIC

Tarefas do

Tarefas o aluno

Page 56: Escola e Curriculo

56

sociedade. Essa rotinização simplifica as atividades dos participantes do processo

educativo, tornam os fenômenos previsíveis e sem inovação.

As tarefas tornam-se ferramentas fundamentais para os professores, pois elas

permitem dirigir, guiar, controlar o grupo de alunos, que muitas vezes são numerosos

e permanecem por um período longo de tempo. Essas tarefas são implementadas

através de esquemas, imagens mentais de ação, mapas cognitivos que representam a

prática. São consideradas também como meios didáticos que possibilitam que o

professor organize e viabilize a sua prática que orientem o seu próprio pensamento ou

paradigma profissional – suas concepções epistemológicas, pedagógicas e culturais.

O fazer do professor, ou seu saber-fazer constitui-se de muitas relações que

não dependem somente de sua vontade, mas dependem das interações com os

subsistemas didático, pedagógico, burocrático e cultural. Assim, o professor expressa

suas competências profissionais mais pela forma como enfrenta situações diferentes,

não esperados pelo professor em sala de aula do que pelo domínio de conhecimento

especializado que possui.

O professor, por um lado, tem que interagir com o contexto escolar; isto é, os

meio didáticos, os espaços, os horários, o currículo, as regras e controles

estabelecidos pelas instituições e políticas externas. De outro, o professor

desempenha as suas atribuições apoiando-se em sua formação, conhecimentos,

modelos de ação, capacidade de aceitar decisões.

Dessas duas dimensões que permeiam a função docente, surgem as situações

práticas, as demandas da comunidade ou situações dramáticas em que o professor

precisa agir, tomar decisões e organizar a sua ação. Para tanto, ele se utiliza dos

modelos mentais que construiu, vivenciou, estudou, aprendeu, assim como de suas

crenças. Mas em alguns momentos torna-se necessário inovar, mudar, transformar. E

é aí que se encontra o dilema do professor: como ele pode inovar se a sua autonomia

se encontra condicionada a diferentes fatores?

Sacristán4 afirma que “o desafio não está em encontrar um esquema universal

sobre como os professores devem planejar, mas sim em ressaltar quais são os

problemas que haverão de abordar nessa função de planejamento [...]”.

As tarefas acadêmicas são efetivamente elementos fundamentais no

planejamento do professor, pois elas estruturam a ação, representam o esqueleto da

prática. Sobre isso, Sacristán5 esclareceu que ”os planos ou programações – fase pré-

ativa do ensino – têm continuidade na prática, à medida que a estrutura de tarefas ou

atividades previstas se mantenha estável desde o planejamento até a realização ou

fase interativa do ensino”.

Page 57: Escola e Curriculo

57

Segundo Shavelson e Stern6, pesquisas realizadas explicitam a tarefa

acadêmica como um construto que se constitui de conteúdo, materiais, atividades

instrucionais, atividades de alunos e professores, objetivos gerais e do contexto

sociocultural.

Entendemos que o currículo, através de seu formato didático-pedagógico, é um

mediador entre a teoria e a prática. As tarefas didático-pedagógicas propostas pelo

professor, seguindo os determinantes e condicionantes do currículo, estabiliza a sua

prática, racionaliza o exercício. Nesse contexto, Sacristán7 esclarece que

as tarefas cumprem as funções de serem mediadoras da aprendizagem real dos alunos e serem elementos estruturadores da prática e da profissionalização dos professores. As tarefas são, além disso, o veículo entre os pressupostos teóricos e a ação, não apenas no sentido teoria-prática, como também no sentido inverso, da prática para a teoria.

Sacristán8 também apresenta alguns elementos importantes para o

planejamento da ação docente:

- Considerar quais aspectos do currículo as tarefas acadêmicas a serem

preparadas devem atender.

- Selecionar os recursos necessários: laboratórios, bibliotecas, livros-texto,

cadernos de trabalho, objetos diversos etc.

- Ponderar os tipos de intercâmbio pessoal que se realizarão para organizar a

tarefa: trabalho individual supervisionado pelo professor, tarefa plenamente

autônoma, trabalho entre vários alunos etc.

- Organizar a classe para que tudo isso seja possível: disposição do espaço e

dos móveis, espaço de trabalho, horário etc.

- Apenas de forma implícita o professor intui que de um tipo de tarefa

acadêmica se deduz um processo educativo que ele considera aceitável.

Essas sugestões refletem as concepções que os professores têm sobre o

conhecer e o saber-fazer pedagógico, sua epistemologia, psicologia, filosofia e

pedagogia. Elas também partem do conjunto de crenças e saberes que o professor

domina.

Clark e Peterson, citados por Sacristán9, afirmam que “os esquemas teóricos

dos professores ou seu pensamento pedagógico se condensam, em boa medida, em

torno do que acontece na prática da aula”. Por conseguinte, Smyth citado por

Sacristán10, afirma que a “prática se estabiliza e se constrói com base em tradições

históricas e pressões sociais. Os professores como analistas da ação educativa

devem comprometer-se em sua reconstrução”. Logo, o professor precisa, também,

modificar a prática, inovar. A inovação implica em mudar a prática já presente em uma

Page 58: Escola e Curriculo

58

nova forma de agir. É importante que o professor possa estar pronto para sua

formação constante.

A formação de professores deve se constituir de um saber-fazer prático, em

desenvolver modelos ou esquemas de atividades didáticas. O professor deve ser

criativo e elaborar novas tarefas não é suficiente. O professor criativo é aquele que

busca os fundamentos das tarefas que realiza. Portanto, para a formação de

professores é construir a fundamentação de seus saberes práticos. A formação

docente deve se ocupar também de oportunizar aos professores momentos para

desenvolver a sua capacidade de análise, questionamento das condições curriculares,

sociais, políticas, econômicas e culturais que o cercam, estabelecendo alternativas

para as demandas da sociedade.

As tarefas ou atividades são de fundamental importância para os professores

em sua formação. Quando observamos professores em ação, podemos perceber que

por trás das tarefas há pressupostos filosóficos, psicológicos e didáticos – tal como

teorias educacionais, epistemológicas, modelos educativos etc. –, as quais

fundamentam as suas decisões.

As tarefas acadêmicas compreendem os fazeres dos professores, dos alunos,

os materiais mediadores do aprender, os processos de internalização dos conteúdos,

as condições para que os processos possam acontecer. As tarefas levam consigo um

significado para o currículo, um sentido para os professores e alunos, uma proposta

política, um modelo pedagógico. E elas também condicionam a comunicação entre os

subsistemas que fazem parte do processo pedagógico. Nesse sentido, são úteis aos

professores para conduzir e instruir os fazeres dos alunos, mas também para controlar

a conduta dos agentes participantes.

PONTO FINAL

As atividades dos professores são importantes para que o currículo possa se

estabelecer, assim como para implementar as mudanças pretendidas por seu

intermédio. Dessa forma, podemos dizer que o currículo traz em si uma

intencionalidade, esperando-se que ele alcance objetivos determinados. Para tanto, o

professor define as suas intenções planejando a sua função docente segundo as

determinações curriculares, disposições, princípios, assim como de acordo com o

espaço e tempo previstos para que ela possa ocorrer. Esse planejamento parte do

pretendido, do intencional e, através da sequência de conteúdos e tarefas, mediadas

pelo trabalho do professor, possibilita atingir as mudanças pretendidas através do

currículo.

Page 59: Escola e Curriculo

59

ATIVIDADE

Justifique, com suas palavras, a importância que as tarefas acadêmicas representam

para a prática docente e para a aprendizagem dos alunos.

Page 60: Escola e Curriculo

9 A VIRADA DA TEORIA CURRICULAR: CURRÍCULO E CURRÍC ULOS

A concepção de currículo tem se orientado pelo paradigma conhecido como

clássico, tradicional, racional e acadêmico. Nesse paradigma, o papel da escola e,

portanto, dos professores, é o de transmitir saberes e preparar os alunos para o futuro.

A organização curricular é centrada em um conjunto de disciplinas em uma orientação

de justaposição das mesmas. O conhecimento é neutro e tem valor universal,

acumulado através do desenvolvimento científico ao longo de gerações e precisa ser

transmitido para as próximas gerações pelas instituições educativas. A escola é o

espaço que os sujeitos buscam para se apropriarem dos saberes. A escola oferece

igualdade de oportunidades e de acesso. Os alunos aprendem os conteúdos

curriculares, que são determinados pelas políticas educacionais, através de atividades

planejadas e operacionalizadas pelos professores em espaços e tempos

determinados.

Retomando a discussão iniciada no capítulo 2, vamos rever alguns aspectos

das teorias curriculares clássicas, especialmente referindo-nos à presença de dois

grupos cuja preocupação, segundo Moreira1, foi repensar as questões curriculares: o

grupo dos críticos e dos pós-críticos.

Macedo2 aponta a base das teorias críticas do currículo segundo a visão

marxista, em que se analisa a organização social das sociedades capitalistas. A

educação surge, então, como um elemento resultante da forma como a sociedade foi

concebida no contexto capitalista.

Os teóricos críticos não reconheciam as visões clássicas e tecnicistas do

currículo. Liderados por Michael Apple3 e Henry Giroux4, esses teóricos questionaram

a visão de currículo tradicional e buscaram novos olhares. O questionamento que

guiou os dois autores foi: o que é que o currículo faz com as pessoas? Faz com que a

crítica postule uma nova concepção de currículo. Os teóricos críticos defendem que o

currículo, da forma como foi pensado, reproduz a sociedade, sua estrutura e dinâmica,

pois enfatiza uma hierarquização de conteúdos, classes e culturas.

Macedo5 considera que a homogeneização pretendida através do currículo

intenciona gerar benefícios para grupos dominantes. Com essa ideia, os críticos

promovem uma mudança curricular para uma forma de práxis social, com o objetivo de

mostrar as diferenças sociais; e promovem uma ação intelectual competente, com o

objetivo de transformar a visão hegemônica capitalista ocidental.

Page 61: Escola e Curriculo

61

Os curriculistas críticos enfatizam a necessidade de enfrentar a visão de que

determinados conhecimentos ou conteúdos são mais importantes do que outros,

assim como de compreender as razões para tal.

Giroux, segundo Macedo6, traz sua contribuição para o campo curricular ao

defender a necessidade de uma política cultural. Ele também protagoniza uma visão

de campo curricular como práticas curriculares através da análise histórica, política e

ética. De acordo com Macedo7, Giroux busca fundamentos nas noções de libertação e

ação cultural de Paulo Freire e relaciona a pedagogia e o currículo à cultura, gerando

uma política cultural. Dessa forma, surge a emergência da teoria curricular como um

campo de disputa de significados. Os professores, nessa visão, atuam como

“intelectuais transformadores”, emancipadores. A partir da crítica que fazem à

sociedade capitalista e suas ideologias, Giroux e Apple buscam pautar sua visão em

uma nova teoria curricular, que leve em consideração as justiças curriculares.

Os pós-críticos propõem construir além da crítica, ou seja, criar novas

alternativas para a teoria curricular. Nesse contexto, Pinar citado por Moreira8 observa

que o propósito da investigação no campo de currículo é buscar uma visão de

revelação original para mundos não conhecidos, o estudo da experiência educacional

subjetiva. Por fim, o autor menciona a transgressão como um instrumento pedagógico.

Na perspectiva pós-crítica, segundo Macedo9, encontra-se o pensamento

multiculturalista em suas diferentes linhas. Em geral, os teóricos pós-críticos

sustentam-se na cultura como campo de estudos, nas práticas curriculares para

compreenderem as relações e para possibilitar a construção de significados. Para o

autor, “a perspectiva crítica do multiculturalismo cultiva duas vertentes: uma

concepção denominada de pós-estruturalista e outra materialista”10. Na visão pós-

estruturalista, “o fundante é a análise da diferença enquanto expressão do ser-no-

mundo, do ser-com-o-outro. Neste sentido, a diferença é sempre uma relação”11. O

discurso produz a realidade cultural. Na perspectiva multicultural materialista,

Macedo12 esclarece que “as relações econômico-estruturais são vistas como

mediadores da produção da diferença e da desigualdade social e, por consequência,

das relações culturais”.

Os multiculturalistas críticos defendem que é preciso compreender que o

currículo, através da seleção de conteúdos, das atividades e valores, legitima

determinadas visões de mundo e de cultura. É sempre uma escolha que tenciona

outras possibilidades.

O pós-modernismo é um conjunto de perspectivas que abrange os campos

estético, político e epistemológico no início do século XX, o qual questiona os

princípios iluministas presentes no discurso do currículo. Para Macedo, o pós-

Page 62: Escola e Curriculo

62

modernismo levanta dúvidas sobre as promessas da teoria crítica e inaugura uma

pedagogia pós-crítica.

Silva13, nesse contexto, observa que:

parece haver uma incompatibilidade entre o currículo existente e o pós-moderno. O currículo existente é a própria encarnação das características modernas. Ele é linear, sequencial, estático. Sua epistemologia é realista e objetivista. Ele é disciplinar e segmentado. O currículo existente está baseado numa separação rígida entre ‘alta’ cultura e ‘baixa‘ cultura, entre conhecimento científico e conhecimento cotidiano. Ele segue fielmente o script das grandes narrativas da ciência, do trabalho capitalista e do Estado-nação. No centro do currículo existente está o sujeito racional, centrado e autônomo da modernidade.

O pós-modernismo procura realizar uma mudança que tem como meta um

conjunto de condições sociais que podem refazer os mapas social, cultural e

geográfico do mundo, gerando novas formas de crítica cultural. Os objetos de análise

e estudo são: identidade, linguagem, objetos culturais, currículo, subjetividades. A

visão de currículo renovada envolve o currículo formal, o currículo em ação, o currículo

oculto. Segundo Moreira14, o currículo surge então como um campo de lutas e conflitos

em torno de símbolos e significados.

Para os pós-estruturalistas, o fundamental é compreender que o significado é

“socialmente construído”, precisa ser desvelado e não temos certeza de sua

interpretação. O significado não está dado, precisa ser culturalmente construído e

constituído, tornando-se dinâmico na ação, ele é causa e causador do processo.

Macedo15 observa que “transversalizando as teorias pós-críticas, vislumbramos

os estudos culturais”, que envolve grupos de pesquisas dispersas sobre as questões

de gênero, etnicidade, consumismo, moda, identidades sexuais, museus, turismo,

literatura etc. Os seguidores mais clássico desse campo de pesquisa, de acordo com

Macedo16, defendem um estatuto “antidisiciplina”, ou seja, recusam divisões

disciplinares e especializações. A cultura é considerada um campo autônomo da vida

social, um campo de produção de significados. Há lutas para a imposição de seus

significados à sociedade mais ampla. Para os pesquisadores dos estudos culturais, o

currículo é ”um artefato inventado e seus conteúdos são produtos de uma construção

social, implicando aí relações de poder para legitimar e afirmar cosmovisões”17.

A teoria crítica se estruturou a partir da crítica realizada contra as posições

modernas de uma sociedade e um futuro melhor. Entretanto, embora a teoria crítica

não tenha superado o próprio momento moderno através de sua linguagem, ela possui

um discurso muito poderoso no que se refere ao currículo e sua transformação. Em

Page 63: Escola e Curriculo

63

vez de abandoná-las por considerá-las ultrapassadas, precisam ser relidas tendo-se

em mente as novas teorias e desenvolvimentos culturais.

As orientações pós-modernas e pós-estruturalistas cultivam dualidades entre o

velho e o novo, dificultando tanto a consciência das continuidades quanto das

descontinuidades no interior das categorias “moderno” e “pós-moderno”.

O modelo disciplinar, universal e neutro é ainda uma das linhas mais fortes no

pensamento curricular tradicional. A busca da totalidade. A busca de uma perspectiva

que não tenha como base uma expectativa totalizante, levou alguns pensadores a

construírem uma perspectiva rizomática, a qual defende que a realidade é

multifacetada, cujas múltiplas facetas encontram-se interconectadas. Para Gallo18, “a

imagem do rizoma implica um currículo como sistema aberto e múltiplo, isto é, não um

currículo, mas muitos currículos”. Essa imagem nos leva a perder os parâmetros

normais da repetição, pois não há controle ou hierarquia. A proposta é aventurar-se, é

correr riscos. O aprender é uma vivência, é com a circulação dos saberes que

fazemos rizomas.

Outra tendência nos estudos curriculares é a nova biologia, a luta pela

ressignificação do humano nas ações e concepções, representada por Maturana e

Varela19. A partir do conceito de autopoiese (auto-organização), os autores citados

forjam o conceito de currículo. É importante ter em mente que o currículo, na sua

construção, não é resultado de experiências externas ao espaço educativo

unicamente. O currículo é um espaço vivo de construção de conhecimentos, de

pensamentos, das experiências dos sujeitos, das interações sociais, históricas,

culturais e biológicas. Nessa conjunção de movimentos, ideias e ações, ocorre a

articulação da cognição, corpo e mente. A mediação dessa concepção é a enaction

(termo criado por Varela, com o sentido de percepção, desejo e ação). Para

compreender melhor essas articulações, devemos pensar que o currículo de formato

autopoiético é aquele que se autoproduz.

Para Maturana e Varela20, os currículos são dotados de “clausura operacional”,

isto é, sempre que algo interfira ou gere mudanças, o currículo produz outras

mudanças em seu interior. Dessa forma, o currículo é vida, é um artefato que

congrega internamente conhecimento de formas biossocioculturais de como os

sujeitos se organizam. A partir dessa construção de saber, esse conhecimento

existente altera, influencia através de acoplamentos estruturais e experienciais –

interações que geram novas interações e novas compreensões.

Há também a perspectiva dos atos de currículo, que tem como base a própria

ação do currículo, ou seja, o currículo se fazendo através das histórias de vida, das

Page 64: Escola e Curriculo

64

histórias das práticas, do bioquestionamento. A esse respeito, Macedo21 esclarece

que:

Articular histórias de práticas, histórias de vida, cruzar existências, para daí emergir um currículo eivado de pautas vitais, é uma das saídas, consideramos, para a superação dos currículos concebidos e implementados predominantemente por formas modelizadas, lógica fundante dos abstracionismos curriculares, tão recorrentes entre nós!

Outra forma de pensar o currículo é a proposta curricular multirreferencial, que

tem como fundamento as referências, as múltiplas justiças em termos socioculturais e

curriculares. Segundo Macedo22, Jacques Ardoino estuda os processos de

diferenciação/identidade como produções culturais, entendendo que descontinuidade,

heterogeinidade, turbulência de escalas, vazios criativos e conflitos fazem parte de um

mesmo processo. Para ele, o currículo multirreferencial não gera uma zona mista, ele

constitui um questionamento mútuo e contínuo de cada uma das disciplinas que o

compõem.

Macedo23 esclarece que “trabalhar os saberes como referências constituídas

na dialógica da diferenciação, na referencialização/desreferencialização, sem

nenhuma pretensão unificante, nos permite pleitear de forma muito mais fecunda e

coerente a intercriticidade nos âmbitos dos atos de currículo”.

A proposta multirreferencial propõe uma formação pedagógica ética e

comprometida com a dignidade humana, acolhendo tudo que o mundo procura não

considerar ou esconder: as diferenças, as heterogeneidades, a pluralidade. A forma

não fechada, entreaberta da perspectiva de Ardoino como uma intercrítica é um fator

relevante nesta abordagem.

Macedo24 enfatiza a importância de uma proposta multirreferencial e intercrítica

como inovação política e pedagógica. Segundo o autor, a ideia de intercrítica surge

com Henri Atlan quando expressa sua preocupação com as várias racionalidades,

assim como de não se buscar a verdade única. A intercrítica seria uma crítica

alternativa, pois o real não é verdadeiro, ele simplesmente é. A construção dos valores

ocorre de forma gradual, através das lutas, dos sentidos constituídos, do diálogo, da

existência com o outro.

PONTO FINAL

A concepção de currículo tradicional, ou seja, uma sequência de conteúdos

previamente selecionadas pelas políticas educacionais e complementadas no âmbito

das instituições escolares, passou a ser questionada nos anos 80. Nesse período,

Page 65: Escola e Curriculo

65

começamos a observar que o currículo mínimo, homogeneizador e universal, não

vinha dando conta das diferenças culturais existentes dentro da sociedade e da

escola. Portanto, era necessário repensar o currículo enquanto uma listagem de

conteúdos, passando-se a considerar a diversidade, as diferentes manifestações da

cultura. Essa preocupação foi, aos poucos, tornando-se objeto de interesse dos

estudiosos e, consequentemente, passou a existir uma reflexão mais intensa em torno

do currículo, cultura, identidade e subjetividade. Além disso, ao longo da evolução

conceitual bem como da práxis do currículo, constituíram-se diversas linhas de

pensamento que exerceram influência sobre ele, tal como as contribuições dos

críticos, pós-críticos, modernos e pós-modernos, estruturalistas e pós-estruturalistas e

outras formas de nomeação. O objetivo desses teóricos era repensar o currículo e,

dessa forma, repensar a sociedade, a sua constituição, direitos, valores e moral.

ATIVIDADE

Faça uma reflexão sobre a ideia da virada nas teorias curriculares. O que significa

virada de currículo para currículos?

Page 66: Escola e Curriculo

10 CURRICULO E DISCURSO CONTEMPORÂNEO

O currículo, ao longo do tempo, tem sido uma das questões de maior interesse

na educação, pois é através de sua organização e estrutura que podemos auxiliar na

transformação da sociedade.

As crescentes demandas relacionadas à educação de qualidade, a persistência

do fracasso escolar, a crise do sistema educativo, as críticas dos teóricos sobre os

currículos que geram disfunções e desigualdades, as pretensões de que o currículo

possa atender antigas demandas não correspondidas, o desinteresse dos jovens à

escola, a falta de conexão com o mercado profissional, a necessidade de maior

cuidado com as crianças, de desempenhar ou simplesmente querer melhorar o nível

cultural da população ou a necessária formação dos cidadãos, configuram, segundo

Sacristán, Esteve e Rué1, o repertório das insatisfações mais comuns relativas à

educação, assim como justificam a necessidade de se empreenderem reformas

educativas.

Para Rué2, ”o mudo atual, a sociedade, a informação gerada, as tecnologias e

a produção tornaram-se muito mais complexas do que jamais foram, e a formação das

pessoas tornou-se um valor muito mais central”. Da mesma forma, declara o autor, “os

espaços de formação transformaram-se também em espaços muito mais complexos”.

10.1 O CURRÍCULO POR COMPETÊNCIAS

No século XX, devido às pressões do mercado, começam a surgir propostas do

meio empresarial para que o sistema educacional responda às demandas de mercado.

Surge, nesse momento, a pedagogia das competências. O novo modelo de produção,

segundo Guimarães3, coloca em discussão a questão da qualificação e das

competências requeridas no mercado de trabalho. O autor esclarece que a noção de

competência encontra-se integrada à reforma educacional brasileira promovida pela

Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº 9.394, de 20 de dezembro

de 1996* –, em que se define que a educação escolar nos diversos níveis de ensino

tem a finalidade de desenvolver, nos educandos, conhecimentos e habilidades, para

torná-los aptos ao exercício da cidadania e à inserção no mundo do trabalho.

* A Lei nº 9.394/1996 pode ser consultada na íntegra em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>.

Page 67: Escola e Curriculo

67

A ideia de competência passou a fazer parte da educação profissional com a

função de preparar o estudante com conhecimentos, habilidades e atitudes

necessárias para o mercado de trabalho. Nessa concepção, o aprendiz é o sujeito que

aprende, constrói, pergunta, infere. Perrenoud4 observa que as competências “são

formadas por habilidades, conhecimentos e atitudes” e que o sujeito precisa “saber

mobilizar recursos com o objetivo de ativar os esquemas complexos” (p. 36).

A mudança de paradigma na educação propõe a formação de um profissional

preparado para assumir as responsabilidades requeridas nos processos de produção,

tal como a capacidade para a resolução de problemas, apresentar uma postura flexível

para negociações, assim como ter habilidades empreendedoras. Nessa linha de

pensamento, a educação por competências tem como meta uma nova organização

curricular e de aprendizagem.

Lê Boterf (1995) enfatiza que a competência tem sua base em três elementos:

as pessoas (sua biografia), a formação educacional e a experiência profissional. O

autor esclarece também que a competência aparece sempre associada a expressões

como: saber agir, mobilizar recursos, integrar saberes múltiplos e complexos, saber

aprender, saber engajar-se, ser sujeito.

Nesses primeiros estágios da proposta de competências, a perspectiva é

tecnicista, com objetivos de formação delimitados pelas necessidades profissionais. As

ideias de competência, habilidades e atitudes são confundidas e muitas vezes,

utilizadas de forma intercambiável. As competências, em um primeiro momento,

apresentavam o currículo como uma espécie de reedição do tecnicismo.

O currículo por competências apresenta uma crítica à fragmentação do

conhecimento e à disciplinarização do currículo clássico, propondo uma forma de

interação e interligação dos saberes que estimule o estudante no enfrentamento dos

desafios de aprender a atuar no mercado de trabalho.

Macedo5 lembra que “as competências apontam para a atualização das

aprendizagens em contexto, isto é, conhecimentos, habilidades e valores são

transformados em saberes em uso,(...) estando, esses conhecimentos sujeitos às

ressignificações a partir do mundo não-acadêmico da atividade humana”. O autor

sugere ressignificar o currículo por competências a partir da visão crítica das teorias

curriculares.

Para Macedo6, as competências são conceituadas como “um conjunto de

saberes e habilidades que os aprendentes incorporam por meio da formação e da

experiência, conjugados à capacidade de integrá-los, utilizá-los, transferi-los em

diferentes situações”. O autor interpreta essa concepção como uma pedagogia ativa e

construcionista que envolve o saber teórico (formal) e prático (técnico e metodológico),

Page 68: Escola e Curriculo

68

isto é, os saberes em uso. Baseando-se nisso, Macedo7 aponta alguns aspectos

positivos do currículo por competências:

- valorização da transposição didática;

- globalização dos saberes;

- aprendizagem para e pelas situações e cenários de trabalho;

- envolvimento dos alunos em projetos de trabalho;

- avaliação formativa e processual;

- pedagogia por problemas e estratégias para solucioná-los;

- o foco do sistema educativo deve ser a aprendizagem dos alunos;

- avaliação centrada nas evidências de desempenho demonstrado em

situações mais próximas possíveis daquelas que os alunos poderão enfrentar

na realidade.

10.2 O CURRÍCULO POR PROBLEMAS

O currículo por problemas é uma proposta cujo foco é o aprendizado do aluno

em situações reais de ação. A estratégia utilizada é analisar os problemas propostos,

levando os alunos a estudarem determinados conteúdos a partir da reflexão e

comparação com problemas concretos. A atitude de proatividade do aluno em busca

das soluções estimula a busca pelo conhecimento. A organização do trabalho inicia-se

com a preparação de um conjunto de situações que são necessárias para a formação

e capacitação do aluno. Esse elenco de situações constituirá os temas de estudo. Os

temas serão transformados em problemas e discutidos em grupo para que se possa

explorá-los de maneira cognitiva, social e pedagógica.

A construção do problema se dá a partir de uma descrição do colocado ao

grupo para análise e estudo. É fundamental que seja descrito de forma concisa e mais

concreta possível. Para tanto, importa não selecionar muitos itens para a

aprendizagem e garantir que os mesmos possam ser compreendidos a partir dos

conhecimentos prévios dos alunos. Enfim, os alunos também devem ser estimulados e

orientados para leituras e estudos independentes.

Macedo8 sugere a seguinte metodologia de trabalho com o currículo por

problemas:

a) leitura do problema;

b) identificação e esclarecimentos dos termos desconhecidos;

c) identificação dos problemas propostos pela descrição do fenômeno;

d) formulação das hipóteses explicativas para os problemas identificados;

Page 69: Escola e Curriculo

69

e) resumo das hipóteses ou questões formuladas;

f) formulação de objetivos de aprendizado;

g) estudo individual dos assuntos levantados nos objetivos de aprendizado;

h) retorno ao grupo de apoio para discussão do problema frente aos novos

conhecimentos adquiridos na fase de estudo anterior.

Há várias formas de avaliar o processo de aprendizagem dentro dessa

proposta: avaliação por módulos, avaliação progressiva dos conhecimentos dos

alunos etc.

A aprendizagem por problema apresenta possibilidades de aprofundamento de

temas específicos bem como das abordagens necessárias para o desenvolvimento de

competências. Outra questão fundamental é a interação, integração e articulação do

problema, que são elementos essenciais para possibilitar a compreensão e o processo

efetivo de solução – a interação teoria-prática. Há claramente uma prática da ação

refletida ou uma prática reflexiva na construção do conhecimento.

10.3 O CURRÍCULO POR PROJETOS

A proposta segundo essa concepção é construir um cenário de integração de

conhecimento no processo educacional através de uma aprendizagem relevante, com

múltiplas interações do aluno com o meio, com outros indivíduos e com o objeto de

estudo. Portanto, pretende-se integrar e contextualizar os conteúdos e as realidades.

As etapas do projeto em termos gerais são: hipótese inicial, levantamento das

necessidades, transformação das informações coletadas em base de conhecimento,

análise do material coletado, ressignificação das hipóteses a partir de novas ideias,

análise, apresentação e avaliação.

A primeira parte do projeto depende da escolha do tema – as percepções ou

intuições em busca do que se pretende ou o que se deseja saber. A sequência do

projeto nos conduz ao levantamento das possíveis interpretações que foram

observadas e transformadas em hipóteses de trabalho. O levantamento e o debate

sobre o tema escolhido nos encaminham para a coleta de dados, bem como para a

análise da realidade face aos dados coletados.

Por conseguinte, os dados coletados, as reflexões e as análises nos levam a

substituir a hipótese inicial por uma ou mais de uma que possibilitem reinterpretar o

tema escolhido – a nova hipótese, tecida a partir dos conhecimentos novos atingidos

pela pesquisa. Essa etapa termina com a análise e a preparação para a apresentação.

A apresentação é o tema recriado e pronto para ser avaliado.

Page 70: Escola e Curriculo

70

Há várias formas de avaliação, mas o projeto deve ser avaliado a partir do

desempenho de todos os participantes em todas as etapas do processo – ou seja,

trata-se de uma avaliação formativa, processual e qualitativa.

10.4 O CURRÍCULO POR TEMAS GERADORES E POR

PROBLEMATIZAÇÃO

Os temas geradores se baseiam no pensamento de Paulo Freire e visam

articular a ação pedagógica com a realidade sociocultural. Os temas motivam

trabalhos em cooperação que têm o objetivo de construir o conhecimento de forma

coletiva e socialmente partilhado. Essa concepção curricular também objetiva superar

a fragmentação dos saberes e a justaposição de conteúdos comuns nas instituições

educacionais.

Nessa linha de pensamento, a problematização da realidade e dos

conhecimentos dos participantes do processo educacional constitui uma etapa

fundamental no currículo por temas geradores. A problematização e a reflexão

constante demonstram a importância do agir reflexivo para a transformação da

sociedade. Macedo9 lembra que ӎ aqui que o planejamento da atividade curricular

deve incluir um processo pedagógico multi-referencial, pois múltiplas fontes de

informação são apresentadas, vindas de dentro e de fora da instituição formadora”.

O tema gerador pode emergir do coletivo social dos alunos, dos professores,

da comunidade escolar, da sociedade em geral. O tema não pode ser engessado e

nem se transformar em uma prisão, isto é, não pode ser uma forma de levar os alunos

a aceitarem o conteúdo como verdadeiro e não conseguir apresentar elementos para a

crítica. O tema deve alimentar a curiosidade, valorizar o conhecimento dos

participantes. Por outro lado, não deve impor modelos, ideias.

O currículo com esse formato contempla a contextualização dos temas, assim

como deve estimular a capacidade crítica, de articular temas, saberes e atitudes com a

finalidade de gerar novos saberes, mais adequados à realidade e de gerar justiça

dentro de uma sociedade com muitas injustiças sociais.

A avaliação deve ocorrer a partir da análise e do registro sistemático do

trabalho realizado por todos os alunos no processo de construções temáticas, bem

como nas reconstruções dos conhecimentos sobre os temas. Segundo Kramer10, é

sugerido também o processo de auto-avaliação.

Page 71: Escola e Curriculo

71

10.5 O CURRÍCULO POR MÓDULOS DE APRENDIZAGEM

A modularização do currículo é outra alternativa que possibilita superar os

currículos lineares, de justaposição de conteúdos. Macedo11 interpreta as ideias de

Young sobre a modularização, observando que ela possibilita trabalhar com as

“vivências de aprendizagens relacionais, articuladas com temas transversais de modo

a se dinamizar num movimento espiral”. Para Young, segundo Macedo12, o

conhecimento por si só não é tão importante, mas saber aplicar esse conhecimento

em situações reais, levando em consideração os limiares dos conhecimentos para a

formação de habilidades, é um dos objetivos da modularização.

Nesse contexto, é necessário pensar na modularização como uma nova

organização do currículo, capaz de conectar módulos e resultados adequados às

necessidades e desejos dos alunos e do sistema educativo como um todo. A conexão

se realiza como um processo social, uma prática social com outros alunos socialmente

envolvidos.

10.6 O CURRÍCULO EM REDE, HIPERTEXTUAL

Com o desenvolvimento rápido das tecnologias da informação e as mudanças

nas relações de trabalho, as políticas educacionais passaram a incluir essas

tecnologias na educação e no currículo.

O currículo em rede enfatiza a comunicação interativa em que os fazeres e os

saberes superam as tradicionais relações burocráticas e compartimentadas.

Professores e alunos tornam-se autores e co-autores de reflexões abertas e

contextualizadas pelas suas especificidades e diferenças.

A rede busca captar, distribuir, canalizar, criar, recriar, comunicar, religar os

conteúdos, conhecimentos, saberes, teorias e práticas. A rede inaugura a

comunicação múltipla, plural, instantânea, multivocal, cria muitos textos dentro de

textos. Essa proposta curricular compreende que os cenários educativos são plurais,

diferentes, pois os seres humanos são diferentes. A ideia fundamental é respeitar as

características de nossos alunos, das escolas, dos níveis de formação e cultura dos

alunos e grupos sociais.

Page 72: Escola e Curriculo

72

10.7 O CURRÍCULO POR CICLOS DE FORMAÇÃO

O ciclo de formação é uma proposta que valoriza a formação global do

educando. De acordo com Lima13, é uma adequação da organização escolar às

características biológicas e culturais que envolvem o desenvolvimento do estudante.

Esse formato de currículo é contrário ao modelo clássico padronizado e homogêneo

do conhecimento e da aprendizagem.

A avaliação nessa concepção considera as trilhas desempenhadas por cada

aprendente nos ciclos em que se encontra. A avaliação é formativa, sistêmica,

articulada ao aprender e às condições de cada um. Essa concepção procura articular

aprendizagem, conteúdo escolar, vivências e subjetividades dos alunos e seu

desenvolvimento biológico, social e psicológico.

10.8 A SALA DE AULA NA CONTEMPORANEIDADE

Uma aula se constitui em um pequeno sistema-mundo de alta complexidade,

em que ocorrem múltiplas construções e desconstruções através das relações e

interações mantidas entre os agentes – professores e alunos, alunos e alunos, alunos

e objetos de aprendizagem etc. É na qualidade emergente dessas interações que o

processo de formação e constituição do sujeito ocorre.

É necessário pensar a sala de aula como uma comunidade discente de

aprendizagem, formação, capacitação e transformação. A aula envolve um contexto

vivo, é geradora de vivências, de aprendizagens, de descobertas, de emancipação, de

diferenças. São muitas semânticas, sintaxes e morfologias buscando se constituir em

um discurso. É o local da diversidade: os professores são diferentes, os alunos são

diferentes, possuem diferentes hábitos, culturas, níveis sociais, crenças religiosas,

seus futuros e passados são diferentes, assim como seus pontos de vista. A

homogeneização não parece ser algo fácil de acontecer.

Aprendemos a partir das diferenças (individuais, sociais, culturais, psicológicas,

biológicas etc.). Essas diferenças são ferramentas para que o mediador – o professor

– possa articular os conteúdos e saberes necessários à formação dos alunos.

PONTO FINAL

As diferenças de gênero, etnia, classes, religião, cultura etc., que se fazem presentes

na escola, possibilitam novas formas de compreender e produzir o currículo. Nesse

capítulo foram apresentados oito enfoques orientados pelo currículo escolar, os quais

envolvem recursos didáticos e pedagógicos diferenciados e permitem explorar de

Page 73: Escola e Curriculo

73

forma mais completa aspectos nem sempre previstos no currículo tradicional, como a

dimensão reflexiva, analítica e crítica da realidade, a valorização dos saberes e

experiências do aluno, do diálogo, de sua autonomia etc. Fundamentalmente, tais

enfoques colocam-se como alternativas ao alcance das instituições e dos professores,

ou seja, são possibilidades de ultrapassar os limites impostos pelo caráter

homogeneizante do currículo.

ATIVIDADE

Cite as diferentes abordagens de currículo que os autores discutem na

contemporaneidade.

Page 74: Escola e Curriculo

74

REFERÊNCIAS

APPLE, Michael. Curriculum design and cultural order. In: SHIMAHARA, Nobuo (Ed.). Educational reconstruction . Ohio: Charles E. Merrill Publishing Company, 1973. p. 157-183.

ARDOINO, Jacques. A complexidade. In: MORIN, Edgar (org.). A religação dos saberes : o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Bertrand, 2001. p. 548-558.

BERGER, Peter L.; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade . Petrópolis: Vozes, 1983.

BERTICELLI, Ireno Antônio. Currículo: tendências e filosofia. In: COSTA, Marisa Vorraber (Org.). O currículo no limiar do contemporâneo . Rio de Janeiro: DP&A, 1999. p.159-176.

CARVALHO, Janete Magalhães. Pensando o currículo escolar a partir do outro que está em mim. In: FERRAÇO, Carlos Eduardo (Org.). Cotidiano escolar, formação de professores (as) e currículo . São Paulo: Cortez, 2005. p. 94-111.

ESTEVE, José M. A terceira revolução educacional : a educação na sociedade do conhecimento. São Paulo: Moderna, 2004.

FERRAÇO, Carlos Eduardo. Currículo, formação continuada de professores e cotidiano escolar: fragmentos de complexidade das redes vividas. In: FERRAÇO, Carlos Eduardo (Org.). Cotidiano escolar, formação de professores(as) e currículo . São Paulo: Cortez, 2005. p. 15-42.

FLEURY, Maria Tereza Leme; FLEURY, Afonso. Construindo o conceito de competência. Revista de Administração Contemporânea , Curitiba, v. 5, n. esp., p. 183-196, 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-65552001000500010&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 10 jun. 2009.

GALLO, Silvio Donizetti de. A orquídea e a vespa: transversalidade e currículo rizomático. In: GONÇALVES, Elisa Pereira; PEREIRA, Maria Zuleide da Costa; CARVALHO, Maria Eulina Pessoa de (Org.). Currículo e contemporaneidade : questões emergentes. Campinas: Alínea, 2004. p.37-50.

GIROUX, Henry. Teoria crítica e resistência em educação : para além das teorias de reprodução. Petrópolis: Vozes, 1986.

GOODSON, Ivor F. Currículo : teoria e história. Petrópolis: Vozes, 1998.

GUIMARÃES, Paulo César da Silva. Das qualificações às competências: mudança de regime ou regime de mudança? Disponível em: <http://www.moraesjunior.edu.br/pesquisa/cade9/Das_%20Qualificacoes_%20as_%20CompetanciasSE02_43.doc>. Acesso em: 15 jun. 2009.

KRAMER, Sonia. Com a pré-escola nas mãos : uma alternativa curricular para a educação infantil. São Paulo: Ática, 1989.

LE BOTERF, G. Competénce et navigation professionelle.Paris: Éditions d’Organisation,1995.

Page 75: Escola e Curriculo

75

LEITE, Carlinda. Sinais e percursos da educação e do currículo em Portugal, nas últimas décadas. In: COLÓQUIO SOBRE QUESTÕES CURRICULARES, 5; COLÓQUIO LUSO-BRASILEIRO, 1., 2002, Braga. Actas . Braga: Universidade do Minho, 2002.

LIMA, Elvira Souza. Ciclos de formação : uma reorganização do tempo escolar. São Paulo: Sobradinho, 2002.

MACEDO, Elizabeth Fernandes. Novas tecnologias e currículo. In: MOREIRA, Antonio Flávio Barbosa (Org.). Currículo : questões atuais. Campinas: Papirus, 1997.

MACEDO, Roberto S. Currículo : campo, conceito e pesquisa. Petrópolis: Vozes, 2007.

MATURANA, Humberto R.; VARELA, Francisco J. A árvore do conhecimento : as bases biológicas da compreensão humana. São Paulo: Palas Athena, 2001.

MOREIRA, Antonio Flávio Barbosa (Org.). Currículo : questões atuais. Campinas: Papirus, 1997.

_____. Currículo e transgressões : dialogando com William Pinar. In: V Colóquio sobre Questões Curriculares e I Colóquio Luso-Brasileiro. Universidade do Minho, Portugal, fev. 2002.

NOGUEIRA, Nilbo Ribeiro. Pedagogia dos projetos . 5. ed. São Paulo: Érica, 2001.

PACHECO, José Augusto. Currículo : teoria e práxis. Porto: Porto Editora, 1996.

PAIXÃO, Elisa Maria Cordeiro et al. Dimensões da formação do professor universitário: o "olhar" da filosofia. In: CARLINI, Alda Luiza; SCARPATO, Marta (Org.). Ensino superior : questões sobre a formação do professor. São Paulo: Avercamp, 2008. p. 15-26.

PERRENOUD, Philippe. 10 novas competências para ensinar . Porto Alegre: Artmed, 2000.

RIBEIRO, Antonio Carrilho. Desenvolvimento curricular . 4. ed. Lisboa: Texto Editora, 1993.

RUÉ, Joan. O que ensinar e por quê? Elaboração e desenvolvimento de projetos de formação. São Paulo: Moderna, 2003.

SACRISTÁN, J. Gimeno. A educação que ainda é possível : ensaios sobre uma cultura para a educação. Porto Alegre: Artmed, 2007.

_____. O Currículo : uma reflexão sobre a prática. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.

SCHUBERT, W. Curriculum : perspective, paradigma and possibility. New York: Macmillan Oub Com, 1986.

SHAVELSON, Richard; STERN, Paula. Investigación sobre el pensamiento pedagógico del professor, sus juicios, decisiones y conduta. In: SACRISTÁN, J. Gimeno; GOMES, PEREZ A. (comp.): La enseñanza : su teoria y su práctica. Madrid: Akal, 1983. p. 372-419.

Page 76: Escola e Curriculo

76

SILVA, Tomas Tadeu da. Documentos de identidade : uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

TANNER, Daniel; TANNER, Laurel. Curriculum development : theory into practice. New York: Macmillan, 1975.

TYLER, Ralph W. Princípios básicos de currículo e ensino . Porto Alegre: Globo, 1973.

VEIGA-NETO, Alfredo. Currículo e interdisciplinaridade. In: MOREIRA, Antonio Flávio Barbosa (Org.). Currículo : questões atuais. Campinas: Papirus, 1997.

_____. Novas geometrias para o currículo e processos ident itários . In: V Colóquio sobre Questões Curriculares e I Colóquio Luso-Brasileiro. Universidade do Minho, Portugal, fev. 2002.

YOUNG, Michel F. D. O currículo do futuro : da “nova sociologia da educação” a uma teoria crítica do aprendizado. Campinas: Papirus, 2000.

Page 77: Escola e Curriculo

CAPÍTULO 1 1 RIBEIRO, 1993. 2 RIBEIRO, 1993, p. 11. 3 RIBEIRO, 1993, p. 12. 4 RIBEIRO, 1993, p. 12-13. 5 RIBEIRO, 1993, p. 13. 6 RIBEIRO, 1993, p. 13. 7 RIBEIRO, 1993, p. 14. 8 TANNER; TANNER, 1975, p. 75. 9 RIBEIRO, 1993, p. 18. 10 RIBEIRO, 1993. 11 RIBEIRO, 1993. 12 RIBEIRO, 1993, p. 21. 13 RIBEIRO, 1993, p. 27. 14 RIBEIRO, 1993. 15 RIBEIRO, 1993, p. 36. 16 RIBEIRO, 1993, p. 39. CAPÍTULO 2 1 PACHECO, 1996, p. 16. 2 MACEDO, 2007, p. 22. 3 BERTICELLI, 1999. 4 SILVA, 1999. 5 MACEDO, 2007, p. 24. 6 GOODSON, 1999. 7 MACEDO, 2007. 8 MACEDO, 2007, p. 26. 9 PACHECO, 1996, p. 26. 10 GOODSON, 1999, p. 38. 11 BOBBIT, 1918. 12 TYLER, 1973. 13 MACEDO, 2007. 14 MOREIRA, 1997a, p. 12. 15 MOREIRA, 1997a, p. 12. 16 MOREIRA, 1997a, p. 12. 17 LEITE, 2002, p. 57. 18 LEITE, 2002, p. 57. 19 LEITE, 2002, p. 58. 20 MOREIRA, 2002, p. 24. 21 SILVA, 1999. 22 MACEDO, 2007, p. 38. 23 MACEDO, 2007, p. 38. 24 MACEDO, 2007, p. 38. 25 MACEDO, 2007. 26 GIROUX, 1986. 27 MACEDO, 2007, p. 39. 28 MACEDO, 2007, p. 40. 29 YOUNG, 2000. 30 BERGER; LUCKMANN, 1983. 31 MACEDO, 2007. 32 MACEDO, 2007. 33 SACRISTÁN, 1998, p. 5. 34 SACRISTÁN, 1998, p. 14.

Page 78: Escola e Curriculo

78

35 SACRISTÁN, 1998, p. 16. 36 SACRISTÁN, 1998, p. 26. 37 SACRISTÁN, 1998. 38 SACRISTÁN, 1998, p. 32. CAPÍTULO 3 1 SACRISTÁN, 1998. 2 SACRISTÁN, 1998. 3 SACRISTÁN, 1998, p. 41. 4 SACRISTÁN, 1998, p. 45. 5 TYLER, 1973. 6 SACRISTÁN, 1998. 7 PAIXÃO ET AL, 2008. 8 FERRAÇO, 2005, p. 18. 9 CARVALHO, 2005, p. 94. CAPÍTULO 4 1 SACRISTÁN, 1998, p. 60. 2 SACRISTÁN, 1998, p. 60. 3 SACRISTÁN, 1998, p. 63. 4 SACRISTÁN, 1998, p. 63. 5 SACRISTÁN, 1998, p. 63. 6 SACRISTÁN, 1998, p. 67. 7 SACRISTÁN, 1998, p. 73. 8 SACRISTÁN, 1998, p. 75. 9 SACRISTÁN, 1998, p. 69. 10 SACRISTÁN, 1998, p. 81. 11 SACRISTÁN, 1998, p. 84. CAPÍTULO 5 1 SACRISTÁN, 1998. 2 SACRISTÁN, 1998. 3 SACRISTÁN, 1998. 4 APPLE, 1973. 5 SCHUBERT, 1986. 6 SACRISTÁN, 1998, p. 102. 7 SACRISTÁN, 1998, p. 102. 8 SACRISTÁN, 1998, p. 104. 9 SACRISTÁN, 1998, p. 105. CAPÍTULO 6 10 SACRISTÁN, 1998, p. 112. 11 SACRISTÁN, 1998, p. 118. 12 SACRISTÁN, 1998, p. 119. 13 MACEDO, 1997. 14 MACEDO, 1997, p. 42. 15 MACEDO, 1997, p. 42. 16 MACEDO, 1997, p. 42. 17 SACRISTÁN, 1998, p. 144. CAPÍTULO 7 1 SACRISTÁN, 1998, p. 171. 2 SACRISTÁN, 1998, p. 178.

Page 79: Escola e Curriculo

79

3 SACRISTÁN, 1998. 4 SACRISTÁN, 1998. 5 SACRISTÁN, 1998. 6 SACRISTÁN, 1998, p. 188. 7 SACRISTÁN, 1998, p. 188. 8 SACRISTÁN, 1998, p. 187. 9 SACRISTÁN, 1998, p. 183. 10 SACRISTÁN, 1998, p. 197. 1 SACRISTÁN, 1998, p. 221. 2 SACRISTÁN, 1998, p. 225. 3 SACRISTÁN, 1998, p. 230. 4 SACRISTÁN, 1998, p. 250. 5 SACRISTÁN, 1998, p. 252. 6 SHAVELSON; STERN, 1983. 7 SACRISTÁN, 1998, p. 264. 8 SACRISTÁN, 1998. 9 SACRISTÁN, 1998, p. 267. 10 SACRISTÁN, 1998, p. 270. CAPÍTULO 9 1 MOREIRA, 2002. 2 MACEDO, 2007. 3 APPLE, 1973. 4 GIROUX, 1986. 5 MACEDO, 2007. 6 MACEDO, 2007. 7 MACEDO, 2007. 8 MOREIRA, 2002. 9 MACEDO, 2007. 10 MACEDO, 2007, p. 61. 11 MACEDO, 2007, p. 61. 12 MACEDO, 2007, p. 62. 13 SILVA, 1999, p. 115. 14 MOREIRA, 1997. 15 MACEDO, 2007, p. 67. 16 MACEDO, 2007, p. 69. 17 MACEDO, 2007, p. 69. 18 GALLO, 2004, p. 46. 19 MATURANA; VARELA, 2001. 20 MATURANA; VARELA, 2001. 21 MACEDO, 2007, p. 80. 22 MACEDO, 2007. 23 MACEDO, 2007, p. 82. 24 MACEDO, 2007. CAPÍTULO 10 1 SACRISTÁN, 2007; ESTEVE, 2004; RUÉ, 2003. 2 RUÉ, 2003, p. 109. 3 GUIMARÃES, 2007. 4 PERRENOUD, 2000. 5 MACEDO, 2007, p. 92. 6 MACEDO, 2007, p. 93. 7 MACEDO, 2007, p. 94. 8 MACEDO, 2007. 9 MACEDO, 2007, p. 103.

Page 80: Escola e Curriculo

80

10 KRAMER,1989. 11 MACEDO, 2007, p. 105. 12 MACEDO, 2007. 13 LIMA, 2002.