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1 Edição Nº. 10, Vol. 1, jan./dez. 2020. Inserida em: http://www.uel.br/revistas/lenpes-pibid/ ESCOLA NA PERSPECTIVA DE UMA FORMAÇÃO POLÍTICO-CIDADÃ: INTERFACES ENTRE A METODOLOGIA JOSUÉ DE CASTRO NA ORGANIZAÇÃO DO MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA (MST) E O ENSINO EM SOCIOLOGIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA DO PARANÁ Marcela Montoro Garcia 1 RESUMO O seguinte trabalho se propõe a pensar a escola enquanto um espaço múltiplo sociocultural e que, por conta disso, deve ter o papel de pensar a formação político- cidadã de seus estudantes através de uma perspectiva crítica, entendendo a escola que temos hoje a partir da concepção de “educação bancária” da qual Paulo Freire discordava. Por conta disso, a intenção do artigo é de analisar a educação no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), mais precisamente o método organizacional do qual utilizam-se: o método Josué de Castro. Isso porque, este é embasado ideologicamente nas discussões marxistas sobre o conceito de “trabalho”, entendendo-o como poder de transformação da natureza exercido pelo ser humano e percebendo-o enquanto condição necessária para a organização da vida social. Nessa perspectiva, o trabalho científico também se encontra no espectro de potencial transformador da natureza em que o “homem” está inserido e por isso a escola pode ser analisada dessa forma. Assim, a partir dos estudos teóricos, o trabalho também indicará certas orientações, baseadas no método Josué de Castro, para o professor do ensino em Sociologia do Paraná. Palavras-chave: MST; Juventudes; Metodologia de Ensino. INTRODUÇÃO 1 Estudante de Pós-Graduação Especialização Ensino de Sociologia. Contato: [email protected].

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Edição Nº. 10, Vol. 1, jan./dez. 2020. Inserida em: http://www.uel.br/revistas/lenpes-pibid/

ESCOLA NA PERSPECTIVA DE UMA FORMAÇÃO POLÍTICO-CIDADÃ:

INTERFACES ENTRE A METODOLOGIA JOSUÉ DE CASTRO NA ORGANIZAÇÃO DO MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM

TERRA (MST) E O ENSINO EM SOCIOLOGIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA DO PARANÁ

Marcela Montoro Garcia1

RESUMO O seguinte trabalho se propõe a pensar a escola enquanto um espaço múltiplo sociocultural e que, por conta disso, deve ter o papel de pensar a formação político-cidadã de seus estudantes através de uma perspectiva crítica, entendendo a escola que temos hoje a partir da concepção de “educação bancária” da qual Paulo Freire discordava. Por conta disso, a intenção do artigo é de analisar a educação no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), mais precisamente o método organizacional do qual utilizam-se: o método Josué de Castro. Isso porque, este é embasado ideologicamente nas discussões marxistas sobre o conceito de “trabalho”, entendendo-o como poder de transformação da natureza exercido pelo ser humano e percebendo-o enquanto condição necessária para a organização da vida social. Nessa perspectiva, o trabalho científico também se encontra no espectro de potencial transformador da natureza em que o “homem” está inserido e por isso a escola pode ser analisada dessa forma. Assim, a partir dos estudos teóricos, o trabalho também indicará certas orientações, baseadas no método Josué de Castro, para o professor do ensino em Sociologia do Paraná. Palavras-chave: MST; Juventudes; Metodologia de Ensino.

INTRODUÇÃO

1 Estudante de Pós-Graduação Especialização Ensino de Sociologia. Contato: [email protected].

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A existência deste trabalho justifica-se através da intenção de entender o

método Josué de Castro enquanto uma metodologia organizacional possível e que

traz aspectos que podem contribuir para uma melhor formação político-cidadã dos

estudantes situados no ensino técnico. Isso porque, o artigo abarcará as discussões

marxistas acerca da conceituação de “trabalho” e suas classificações,

compreenderemos este enquanto condição necessária para a socialização humana.

A partir disso, podemos discutir as noções de coletividade e de cidadania, entendendo

a escola enquanto parte muito importante na socialização humana e, portanto,

responsável por incentivar a participação política e a formação cidadã de seus

estudantes.

Dessa forma, a partir do estudo desenvolvido por Saviani (2007) sobre os

processos educativos associados ao trabalho ao longo da história e sobre o que ele

coloca enquanto “politecnia” somado à crítica feita por Paulo Freire (1974) à chamada

“educação bancária” busco entender através deste trabalho se o método

organizacional Josué de Castro estaria indo de maneira alternativa aos aspectos que

são questionados pelos autores na realidade social. Isso porque, ao considerarmos a

discussão marxista sobre o trabalho enquanto um dos pilares principais para a

construção do método Josué de Castro, entendemos a educação enquanto não

apenas uma formação para o mercado de trabalho, mas sim como um processo de

formação para a vida. Dessa forma, o trabalho sendo um dos pilares indissociáveis

para a socialização humana, a organização da escola deve se pautar nesta

socialização, bem como na formação de um ser humano crítico, ativo politicamente e

cidadão.

O método Josué de Castro propõe a participação ativa de todos os membros

atuantes na escola, fazendo com que seja exercitado pelos estudantes e funcionários

as noções de coletividade, de identificação de seus direitos, seus deveres com o

coletivo e demais noções que abarquem um denominador comum democrático

pensado pelo coletivo e para o coletivo.

Ao escrever este trabalho, pretende-se a partir da minha experiência enquanto

estagiária das turmas de primeiro ano do Ensino Médio integrado ao técnico em

administração do colégio IEEL. Tendo como base as vivências no chão da escola,

procurarei trazer algumas orientações com cerne na metodologia Josué de Castro que

sejam pertinentes ao professor regente.

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CAMINHO METODOLÓGICO

O trabalho traz enquanto norte da discussão a concepção de educação de

Paulo Freire (1974), pautada primordialmente nos estudos marxistas das relações de

classe, as noções de opressor e oprimido e a visão de uma educação emancipadora

do ser. A partir disso, o artigo propõe-se a pensar essa concepção educacional paulo-

freireana através das contribuições trazidas por Saviani (2007) acerca do cerne da

questão da desigualdade econômica e social, a propriedade privada, e discutindo de

que maneira isso tem influenciado o trabalho humano, mas principalmente a

educação.

Dessa forma, tendo como base as discussões sobre educação com cerne

marxista, o aporte metodológico a ser utilizado é o de Josué de Castro. Isso porque,

a análise da organização do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra

perpassa as noções de trabalho enquanto princípio educativo, delineadas por Saviani

(1994). Dessa maneira, o artigo estuda o pensamento de Josué de Castro a partir da

ótica das ciências sociais, identificando no MST as implicações de sua teoria na

organização do movimento.

Assim, enquanto objetivo final, o trabalho indicará algumas orientações

práticas, baseadas no estudo da metodologia Josué de Castro e tendo enquanto norte

a formação político-cidadã de seus estudantes, para os professores da rede pública

do ensino básico do Paraná, mais especificamente em Londrina.

Para essa análise, em primeira instância, será utilizado enquanto referencial

teórico a perspectiva marxista sobre a conceituação de “ser humano” e essência

humana abordada por Saviani (2007) para entender os caminhos que perpassou a

construção da educação formal que temos hoje. Isso porque, estas definições do que

caracteriza o “homem”, na perspectiva marxista, perpassam necessariamente as

noções de trabalho e educação.

Dessa forma, é necessário iniciar uma discussão sobre o trabalho enquanto

princípio educativo, utilizando-me da crítica apontada por Paulo Freire à educação

bancária. Crítica essa que também perpassa os questionamentos apontados por

Saviani (2007) à educação politécnica. Busca-se estabelecer paralelos e críticas sobre

o sistema de educação tradicional do governo do estado do Paraná, o qual estou

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inserida, a partir da matéria de estágio e o programa Residência Pedagógica no

colégio IEEL.

Introduzindo a maneira com que se dá a formação militante no Movimento dos

Trabalhadores Rurais sem Terra, será discutido de que forma ela contempla a

formação de estudantes ativos politicamente, democráticos e com uma postura muito

mais voltada ao coletivo do que para a formação de mão-de-obra para o sistema

capitalista.

A partir daí, trarei, a partir da minha breve experiência com a educação básica

enquanto estagiária do programa residência pedagógica, algumas sugestões de

práticas que possam tornar o ensino de sociologia na educação formal de jovens mais

pautado no estímulo da criticidade, na formação da participação político-cidadã e na

prática o exercício da coletividade serão colocadas.

A PEDAGOGIA DO OPRIMIDO DE PAULO FREIRE

A importância de, em primeira instância, abordar as noções pedagógicas de

Paulo Freire se dá justamente pelo autor pautar os perigos da educação servir

enquanto instrumento de manutenção da ideologia dominante. Dessa forma, é

importante salientar que o autor analisará a educação inserida no sistema capitalista,

questionando e problematizando a maneira como esta se tem dado e propondo uma

nova pedagogia, trazendo enquanto orientação principal, um ensino não para o

estudante, mas pensado junto com este.

Paulo Freire, já conhecido nacionalmente por seus trabalhos com a

alfabetização de trabalhadores rurais, após o golpe militar de 1964 é obrigado a

cumprir exílio no Chile. É neste período exilado em que o autor escreve a obra

“Pedagogia do Oprimido”. Para muitos estudiosos do autor, esta obra vem como

complemento de uma anterior: “Educação como prática para a liberdade” e é através

dela que delineará de que maneira o trabalho pedagógico deverá ser pensado e

organizado.

Para entendermos melhor o cerne da discussão, é preciso tomar rapidamente

alguns aspectos da relação educação-trabalho que posteriormente serão melhor

explorados por Saviani (2007) no próximo subtítulo, mas que são imprescindíveis para

que entendamos a raiz da discussão que Paulo Freire faz.

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A noção de trabalho que a teoria marxista carrega, é uma noção que recai

sobre as maneiras de organização dos seres humanos nos primórdios da espécie. A

necessidade da coletividade enquanto maneira de reproduzir os conhecimentos já

obtidos e de experienciar e repassar novos conhecimentos também tinha sua

importância para a manutenção da espécie. Dessa forma é que caracterizamos o

trabalho a partir de uma perspectiva marxiana: capacidade do ser humano de

modificação da natureza com a finalidade de manutenção da espécie humana, bem

como, adaptação dos recursos para o bem-estar comunitário. Assim, podemos dizer

que trabalho e educação (educação aqui enquanto reprodução dos conhecimentos já

adquiridos por membros de uma mesma comunidade) sempre estiveram vinculados

e, nos primórdios, tinham enquanto objetivo central o de sobrevivência diante da

seleção natural.

É importante colocar em evidência que esta abordagem que fiz é uma síntese

bem simplista de todo processo evolutivo e dos estudos deste processo com enfoque

na relação trabalho educação. O próximo subtítulo tem enquanto responsabilidade

trazer um pouco mais de lucidez e referencial para a discussão abordando os estudos

do autor Demerval Saviani.

O livro “Pedagogia do Oprimido” inicia sua discussão através da noção

marxista de luta de classes em que, a partir das relações trabalhistas estabelecidas

pelo surgimento da propriedade privada, teremos uma sociedade dividida em dois

setores: os exploradores e os explorados. Isso porque, a teoria marxista traz consigo

a concepção de que, a partir do surgimento da propriedade privada, surgem também

as pessoas que têm propriedades e as pessoas que não têm propriedades. Dessa

forma, observando a desigualdade posta, o primeiro grupo (aqueles que possuem

propriedades), por conta de suas condições expropriadoras da natureza – natureza

essa que anteriormente pertencia ao coletivo e não a uma pessoa somente – agora

possui o poder de compra dos meios de produção, isso quer dizer que este setor da

sociedade passa a ser dono dos elementos materiais envolvidos no processo

produtivo. Em contrapartida, aqueles que, durante o processo de surgimento da

propriedade privada, não foram abastados por ela são obrigados a venderem suas

forças de trabalho para aqueles que possuem domínio dos elementos de produção,

ou aqueles donos das propriedades privadas.

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Resumidamente falando, teremos duas classes sociais antagônicas e bem

definidas pela teoria marxista: a burguesa (quem detém os meios de produção) e a

proletária (quem vende suas forças de trabalho).

Isso é importante de ser colocado para que entendamos a teoria paulo-

freireana, pois o autor trabalhará a perspectiva educacional através de uma dualidade

presente na sociedade como um todo e, por isso, presente também na escola: quem

oprime e quem é oprimido.

A partir daí, compreendendo a análise social marxista que Paulo Freire

carrega para pensar a pedagogia do oprimido, o autor reconhece o ambiente escolar

também enquanto propagador das desigualdades e de reprodutor da lógica da

ideologia dominante. Partindo deste panorama é que o autor pensará em alternativas

para que a educação tenha um viés mais crítico e problematizador da ordem social

vigente.

Outro aspecto que tem grande relevância de ser ressaltado é o caráter político

da educação. Uma vez que identificamos o processo de formação enquanto parte de

uma lógica de manutenção das desigualdades e dos privilégios da classe dominante,

entendemos que o espaço educacional também é um campo de disputa política e que

pode (e deve) ser pensado através de outras óticas.

É por isso que Paulo Freire argumenta em prol de uma educação que promova

a emancipação dessa parcela da sociedade que sofre com a exploração.

A partir da Pedagogia do Oprimido, o autor tem enquanto norte estimular que

seus estudantes neguem a lógica, proporcionada pelo sistema capitalista, do

distanciamento dos indivíduos d’eles próprios. Isso porque, ao refletir sobre si mesmo

o ser humano identifica-se enquanto ser racional crítico e problematizador de sua

própria vivência. Identifica-se através deste processo a dualidade: humanização e

desumanização.

Enquanto processo de desumanização, o autor caracteriza a realidade

histórica do ser humano. O processo de exploração e opressão sofrido pela classe

trabalhadora é o fator central que culmina na desumanização. Dessa forma, é através

do reconhecimento da condição de desumanizado que promove o caminho para a

humanização.

A humanização é colocada pelo autor enquanto vocação dos seres humanos,

vocação essa que é negada através da opressão, exploração, injustiça e violência do

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mundo capitalista. Deste modo, a educação é vista por Paulo Freire enquanto meio

para a busca dessa humanização, refletir sobre si para entender a si mesmo e, assim,

humanizar-se.

Dessa forma, a disputa do campo educacional deve ser em prol do oprimido,

feita partindo dele e atingindo a humanização até do lado opressor. Isso se justifica

pois apenas o oprimido, tendo ele vivido nessas condições, identificará com clareza o

significado da opressão, seis efeitos e a importância da libertação.

Assim, Paulo Freire (1974, p.17) descreve a Pedagogia do Oprimido como:

aquela que tem que ser forjada com ele e não para ele, enquanto homens ou povos, na luta incessante de recuperação de sua humanidade. Pedagogia que faça da opressão e de suas causas objeto da reflexão dos oprimidos, de que resultará o seu engajamento necessário na luta por sua libertação, em que esta pedagogia se fará e refará.

Logo, entendemos, então, que a noção de Pedagogia do Oprimido, defendida

pelo autor Paulo Freire, faz referência à identificação do ser humano em uma condição

de desumanizado e, a partir disso, trabalhar, através da educação, o seu

autoconhecimento com a finalidade de humanizar-se. É um processo feito também

pelo oprimido, e, não somente, para ele, pois apenas este será capaz de tomar as

rédeas de sua liberdade.

A RELAÇÃO ENTRE TRABALHO, EDUCAÇÃO E POLITECNIA EM SAVIANI

Saviani (2007), em seu artigo “Trabalho e educação: fundamentos ontológicos

e históricos” caracterizará, a partir da perspectiva marxista, as concepções de “ser

humano”, “trabalho” e processo educativo, abordando a história da existência humana

e as influências da propriedade privada e do capitalismo na educação humana e no

surgimento da necessidade de um sistema educacional politécnico.

O autor inicia o texto colocando os aspectos que diferenciam o ser humano

de qualquer outro animal, sendo estes principalmente a racionalidade. A partir da

racionalidade, o ser humano traz consigo a capacidade de transformação da natureza

com a finalidade de adaptação do meio à sua existência. Dessa forma, Saviani (2007)

trabalhará com a perspectiva de que o ser humano é quem produz sua própria vida.

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Nesse sentido, para o materialismo histórico, método de análise marxiano, o

estudo da sociedade deve se pautar a partir das relações trabalhistas, caracterizando,

assim, essa prática de modificação da natureza enquanto trabalho. Deste modo, a

adaptação dos recursos naturais tendo a finalidade de suprir demandas vitais dos

seres humanos é o que é definido trabalho dentro da perspectiva que Saviani (2007)

utiliza-se.

Tendo isso em vista, podemos compreender o processo de adaptação dos

seres humanos ao meio ambiente também enquanto um processo educativo. Isso

porque, para a manutenção da espécie humana foi necessário que os primeiros seres,

ao explorarem os meios aos quais estavam inseridos, descobrissem propriedades e

competências sobre este meio, além disso, as gerações mais novas ao observar a

maneira com que estes primeiros seres lidavam com o ambiente em que estavam

inseridos, ao crescerem, repetiam suas práticas, podendo aprimorá-las ou descobrir

outras com o passar do tempo.

É a partir disso que Saviani (2007) aponta para uma visão em que o trabalho

é indissociável da educação. Podemos observar que neste cenário primitivo é

indispensável o uso da racionalidade por estes seres para que modifiquem seus

arredores, criem suas próprias vidas e consigam sobreviver, bem como, a transmissão

do conhecimento acumulado, uma vez que nem todos teriam passado pelas mesmas

experiências, portanto não teriam os mesmos conhecimentos. Nas palavras de

Saviani (2007, p. 3) é colocado:

Diríamos, pois, que no ponto de partida a relação entre trabalho e educação é uma relação de identidade. Os homens aprendiam a produzir sua existência no próprio ato de produzi-la. Eles aprendiam a trabalhar trabalhando. Lidando com a natureza, relacionando-se uns com os outros, os homens educavam-se e educavam as novas gerações. A produção da existência implica o desenvolvimento de formas e conteúdos cuja validade é estabelecida pela experiência, o que configura um verdadeiro processo de aprendizagem. Assim, enquanto os elementos não validados pela experiência corroboram necessitam ser preservados e transmitidos às novas gerações no interesse da continuidade da espécie.

Essa troca de informações e de adaptação do meio enquanto um fenômeno

coletivo das eras primitivas é o que é chamado pelos autores marxistas de

“comunismo primitivo”. Ao ilustrar esta visão, Saviani (2007, p. 3) coloca:

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Nas comunidades primitivas a educação coincidia totalmente com o fenômeno anteriormente descrito. Os homens apropriavam-se coletivamente dos meios de produção da existência e nesse processo educavam-se e educavam as novas gerações. Prevalecia, aí, o modo de produção comunal, também chamado de “comunismo primitivo”. Não havia a divisão em classes. Tudo era feito em comum.

Tendo está noção primitiva ilustrada, podemos compreender os impactos do

surgimento da propriedade privada nesta configuração de sociedade. Isso porque, ao

surgir a propriedade privada é visível e automático o surgimento de duas classes

sociais: as dos que tem propriedade e as dos que não tem propriedade. Isso influencia

diretamente no processo de dissociação da educação com o trabalho, pois até então

tínhamos um processo natural educativo, hereditário em que se aprendia na prática,

uma vez que se quebra com essa organicidade a partir da posse de propriedades,

podemos identificar certa hierarquia de poderes e a divisão de “quem manda” e “quem

faz”.

Isso fica mais claro no momento em que Saviani (2007) coloca como exemplo

o sistema escravista grego em que haveriam dois tipos de educação: o primeiro

chamado de “paidéia” destinado aos homens livres em que se exerciam atividades

intelectuais que abarcavam as artes, as letras, demais conhecimentos teóricos, bem

como exercícios lúdicos e militares. Enquanto que, por outro lado, a “duléia” era

destinada aos escravos e relacionava-se ao processo de trabalho prático, trabalho

físico.

O modo de produção escravista pode ter acabado, porém facilmente

conseguimos observar que esta divisão da educação “para quem tem” e “para quem

não tem” e suas heranças dentro do processo de formação social.

A formação da sociedade capitalista está alicerçada à propriedade privada, a

detenção dos meios de produção por parte de alguns indivíduos que compõem a

sociedade (burguesia) e a venda das forças de trabalho daqueles que não detém os

meios de produção (proletariado).

É importante compreender que para que o sistema capitalista gire e gere

lucros aos burgueses, ele necessariamente deve estar alicerçado ao avanço

tecnológico e ao melhor aproveitamento do tempo. Quanto melhor a tecnologia

aplicada no processo de produção, melhor e mais rápido o produto é feito.

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Assim, cada vez mais, o trabalho deixa de ser artesanal e, com o passar do

tempo, deixa de necessitar de mãos humanas para que seja feito. Dessa forma, o

papel do conhecimento não é mais o de entender as propriedades do material o qual

se está lidando, mas sim, de qualificar a população para que esta seja capaz de

manusear máquinas. Com o passar da história o trabalho artesanal é deixado de lado

e surge-se a importância de qualificação profissional, assim como é colocado por

Saviani (2007, p. 8) no seguinte trecho “Se a máquina viabilizou a materialização das

funções intelectuais no processo produtivo, a via para objetivar-se a generalização

das funções intelectuais na sociedade foi a escola”.

A educação para a formação de mão-de-obra qualificada, ao longo da história,

bifurca-se em “educação formal” e “educação profissionalizante”. É nesse sentido que

Saviani (2007, p. 10) abordará a questão da “politecnia”:

Politecnia significa, aqui, especialização como domínio dos fundamentos científicos das diferentes técnicas utilizadas na produção moderna. Nessa perspectiva, a educação de nível médio tratará de concentrar-se nas modalidades fundamentais que dão base à multiplicidade de processos e técnicas de produção existentes.

Tendo essa contextualização da discussão de Saviani (2007) acerca da

trajetória histórica do trabalho e da educação, podemos dizer que essa divisão dentro

do campo educacional existe e perdura até os dias de hoje. Ao pararmos para analisar

exemplos como as salas do colégio IEEL de ensino médio integrado ao ensino técnico

em administração localizado em Londrina, é possível ter noção do que Saviani (2007)

colocará enquanto ensino politécnico.

Ao desenvolver meu trabalho enquanto estagiária no programa residência

pedagógica no colégio IEEL pude perceber esta distinção gritante dentro da sala de

aula. Como estive enquanto residente nas salas do primeiro ano do Ensino Médio de

ensino integrado ao técnico em administração, pude perceber que os alunos em si

compreendem as matérias regulares e as matérias do ensino técnico tendo

importâncias bem diferentes no processo educativo.

Em um primeiro momento percebe-se que os estudantes matriculados no

curso integrado com o ensino técnico em administração, mesmo muito jovens (alunos

com faixa etária média de quinze anos), carregam consigo certa preocupação com o

mercado de trabalho. Em vários momentos, os estudantes em suas falas utilizavam-

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se do apresso à área de administração para desqualificar os conteúdos da matéria de

sociologia.

Outro aspecto importante que percebi enquanto estagiária foi que os

estudantes entendem a matéria de sociologia como estudo que tem grande influência

da política local. Ao conversar com eles, vários estudantes explicitaram-me que

entendiam aquilo que estava sendo posto em teoria, mas que a prática era cheia de

contradições e que, para além de qualquer cenário político, pretendiam seguir suas

carreiras profissionais individuais.

Coloco isso pois é possível que observemos que eles entendem a sociologia

enquanto matéria analisadora e, por muitas vezes, questionadora da ordem vigente

ou da maneira através da qual nos organizamos enquanto sociedade. Por outro lado,

porém, outros fatores coloca-os no papel de conformados com as condições sociais

externas às questões individuais destes estudantes – os quais não me aprofundarei,

pois poderia desenvolver uma pesquisa somente para contemplar estes aspectos.

Estes aspectos podem ter relação com a conjuntura atual, com barreiras particulares

e até com pontos relacionados à superestrutura e a maneira como a escola organiza-

se diante da sociedade capitalista.

Acredito que a junção destes aspectos gerem todo este desconforto com a

disciplina, mas defendo que o cerne desta problemática seja a estruturação histórica

da escola, influenciada pela superestrutura do sistema capitalista que acaba por

“inutilizar” certas disciplinas, como a de sociologia, por não enxergarem objetividade

prática desta comparada à uma disciplina do técnico em administração que terá poder

de operacionalização no mercado de trabalho, na área de administração, por exemplo.

PENSAMENTO SOCIAL DE JOSUÉ DE CASTRO

Josué de Castro (1908-1974) atuou na política compondo setores

progressistas na era Vargas. Além de médico, atuou também como pesquisador

brasileiro da área da geopolítica. Suas reflexões abarcam principalmente a questão

social da fome e as condições materiais de desenvolvimento humano. Nascido em

Recife, foi grande pesquisador do cerne da distribuição desigual de alimento nas

regiões distintas do Brasil.

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O início de sua vida enquanto pesquisador é marcado pelo estudo em que

identifica através de dados, a má alimentação dos operários recifenses e as ruins

habitações em que estes trabalhadores se encontravam. Dissertava denunciando os

baixos salários oferecidos a estas pessoas que, consequentemente, não davam conta

de pagar sequer uma alimentação com as calorias e nutrientes mínimos necessários.

Nestas condições, o trabalhador comia para matar a fome, porém, não conseguia

retirar dos alimentos a energia necessária para dar continuidade às tarefas e

acabavam por se darem cansados diante das rotinas exaustivas trabalhistas. Fato

esse que impulsionava as taxas de mortalidade da região.

A partir disso, o autor passa a buscar o cerne do problema da fome,

encontrando-o não na questão biológica, mas econômico-social. Isso quer dizer que

estes trabalhadores não comiam mal porque queriam, mas sim, que comiam mal

porque era o que tinham, ou seja, o próprio sistema econômico pelo qual estavam

servindo era o responsável de privilegiar o acesso à alimentação para seus patrões e

de, consequentemente, deixar a eles nesta situação de precariedade.

Dessa forma, Manuel Correia de Andrade (1997), ao analisar a teoria social

de Josué de Castro em seu artigo “Josué de Castro: o homem, o cientista e seu

tempo”, suscita o interesse do autor pela procura do cerne da questão da fome:

Josué de Castro, impressionado com o problema da fome, a princípio no Recife e em seguida no Brasil e no mundo, dirigiu seus estudos para a análise não apenas do problema da fome em si e de sua incidência sobre as pessoas mal alimentadas, mas das causas do problema e da ameaça que representava para a humanidade, das seqüelas que deixava nas populações mal alimentadas, com repercussões na esperança de vida, na produção e no desenvolvimento intelectual do homem (p.175).

Em “A geografia da fome. A fome no Brasil”, o autor problematiza as questões

referentes ao não abastecimento alimentício correto de determinadas populações,

tendo em vista o passado colonial apresentado pela história do Brasil. Josué de

Castro, aponta para a problemática da existência de uma economia baseada na

propriedade latifundiária, na monocultura e na exportação de produtos advindos da

agroindústria como as causas do subdesenvolvimento brasileiro.

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Os estudos do autor com relação a alimentação levam-no a pensar como

pesquisador, mas também enquanto representação na política brasileira, a viabilidade

do estabelecimento de uma reforma agrária, sobre isso, Manuel Correia de Andrade

(1997) coloca:

Os estudos sobre alimentação e abastecimento levaram Josué de Castro a defender a realização de reforma agrária no Brasil, a fim de que o trabalhador rural tivesse acesso à posse e ao domínio da terra e pudesse desenvolver atividades agrícolas que atendessem tanto à demanda do mercado quanto ao abastecimento familiar (p.188).

E, também:

Assim, ele não defendia uma reforma agrária apenas distributiva como

pensavam alguns, mas uma reforma agrária moderna, racional, que

levasse à agricultura familiar as assistências creditícia, agronômica,

técnica e a organização da comercialização do produto. Queria uma

sociedade agrária em que o produtor desfrutasse do produto do seu

trabalho, e lutava por ela (p.189).

Ao avançar em sua teoria com o passar do tempo, a questão da fome, para

Josué de Castro, torna-se uma questão central na análise da estratificação social

dentro do Brasil como também no resto do mundo, no estudo dos países considerados

subdesenvolvidos.

Essa questão, porém, é ponto chave também para o estudo que

desenvolvemos neste artigo, primeiramente pela importância da pesquisa em analisar

as discrepâncias regionais alimentares presentes nas diferentes regiões do Brasil e,

através dela, a possibilidade de identificação do oprimido (colocado por Paulo Freire)

enquanto oprimido. Em segundo lugar, pela questão de identificar o Brasil em uma

condição de não superação deste estado de desigualdade social desumanizador.

Dessa forma, a análise objetiva que podemos ter da teoria social colocada por

Josué de Castro dentro do ambiente educacional é a de garantia dos elementos

básicos condicionantes dos seres humanos a estarem dispostos a realizar seus

afazeres diários, incluindo nestes a busca por sua humanização. Isso quer dizer que

precisamos de condições materiais objetivas – alimentação, moradia, saneamento

básico etc. – para que as pessoas consigam identificar-se em condições de

desumanização afim de que trabalhem em busca de sua humanização e libertação.

A ORGANIZAÇÃO NO MST

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Dessa forma, partindo da perspectiva marxista em que entendemos o

surgimento da propriedade privada e o desenvolvimento do sistema capitalista

alicerçado à exploração humana, temos o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem

Terra (MST) enquanto parte deste grupo desprivilegiado diante da história do Brasil,

reivindicando o acesso à terra e expondo os problemas de acumulação de capital por

parte da burguesia rural. Neste subtítulo serão analisados o conteúdo de vídeos

produzidos pelos próprios militantes do MST em que abarcam suas relações com a

terra, o meio ambiente e o movimento em si. As afirmações seguintes têm

embasamento nestes vídeos.

Tendo isso em vista, é compreensível o questionamento dos currículos

convencionais adotados nas escolas vindo do movimento. O MST, declaradamente

coloca-se em posição de confronto ao sistema capitalista vigente, entendendo o

socialismo como horizonte de sociedade ideal e enquanto bandeira de luta. A

reivindicação que possuem é a da concretização de uma reforma agrária popular, não

só no território brasileiro, mas sim no mundo todo, questionando a perspectiva de

propriedade privada totalmente naturalizada dentro da sociedade capitalista.

A partir de uma leitura de mundo que visa o socialismo, podemos

compreender o porquê do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra reiterar a

necessidade de uma metodologia organizacional própria e, em consequência, uma

educação com viés ideológico defensor de uma sociedade socialista. Isso tem como

causa a proposição objetiva do movimento de organizar-se de maneira alheia ao

sistema capitalista, refletindo no âmbito educacional de reproduzir a história e o

conhecimento produzido advindo da classe trabalhadora.

Tendo isso em vista, será analisado nesse trabalho a metodologia

organizacional do movimento: a metodologia Josué de Castro, ilustrada em muitos

trabalhos a partir da experiência do Instituto de Educação Josué de Castro, situado

no Rio Grande do Sul.

O movimento, desse modo, entende que a formação de seus membros deve

ser feita de maneira que exista o compromisso com a capacitação política do militante,

além de uma capacitação técnica para que, além de uma formação crítica e cidadã,

seja possível lidar com as demandas do trabalho braçal do dia a dia rural. Além disso,

através da metodologia Josué de Castro existe a noção de auto-organização coletiva

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da vida social, organização da produção e de outras atividades econômicas. Isso

porque, o militante pela causa dos sem-terra está articulado com o movimento não

somente de maneira política e ideológica, mas sim está ligado pela questão da

territorialidade. O militante do MST mora e tira fruto de sua subsistência exatamente

daquilo que reivindica: a terra.

Portanto, compreende-se a terra enquanto propriedade da humanidade e da

natureza em si o que nos leva a noção de cultivação e semeação dessa terra feita

através de um processo coletivo, que não agrida o meio ambiente e que quem será

beneficiado pelos seus frutos também será o coletivo. Dessa forma, dentro do

movimento não existe o trabalho assalariado, sendo como princípio a distribuição

igualitária do excedente econômico e a presença de um trabalho coletivamente

organizado a partir de uma gestão democrática.

Essa gestão democrática é pautada na autogestão de cooperativas através

dos próprios trabalhadores baseando-se em estratégias deliberativas como

assembleias gerais, organizações por núcleos de base, entre outros.

A escola, por sua vez, será organizada enquanto esta mesma cooperativa,

através da gestão democrática. Isso implica dizer que as decisões tomadas pela

escola não são arbitrárias e advindas unilateralmente da burocracia, ou seja, as

deliberações que dizem respeito ao ambiente escolar perpassam os estudantes, o

corpo pedagógico e os demais funcionários. Portanto, a organização deste ambiente

é trazida para a discussão, diferentemente da concepção de organização tradicional

que é tida como dada e reproduz uma série de relações de poder intrínsecas à

sociedade.

Dessa forma, é colocado pelo texto de Neusa Maria Dal Ri e Candido Giraldez

Vieitez (2004, p.1388) a seguinte perspectiva objetiva da gestão democrática:

O instituto é gerido nos aspectos pedagógicos, políticos e administrativos, inclusive orçamentário, pelos alunos, professores e funcionários. O mecanismo básico operatório da gestão é o eu se denomina no IEJC de reprodução da gestão. Isso significa que mensalmente há uma avaliação e um novo planejamento de todas as atividades.

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Essa estruturação e todos os seus aspectos particulares serão desenvolvidos

melhor em meu artigo em si, bem como os aspectos do currículo das escolas do

movimento, entre outros a serem explorados.

A partir das reflexões feitas até aqui, podemos compreender melhor o papel

social da escola e discutir, dessa forma, a influência da metodologia auto

organizacional de uma escola na construção de uma disciplina de sociologia, bem

como sua influência na apreensão dos conteúdos sociológicos a serem abordados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A condição histórica na qual a sociedade capitalista está inserida indica que

seus indivíduos, por conta de sofrerem com explorações, opressões, injustiças e

violência, encontram-se em estado de desumanização, sendo essa, dificilmente

identificada pelas próprias pessoas. O pensamento freireano critica essa imposição

sistemática ao indivíduo, pensando a educação enquanto campo de disputa política

que deve ter enquanto cerne a emancipação dos oprimidos através de um processo

de reconhecer-se enquanto humano e traçar caminhos estratégicos em busca de sua

libertação. Isso porque, ao estudarmos os primórdios da espécie humana, assim como

delineado por Saviani (2007) entendemo-nos enquanto construtores de nossa própria

vida, arquitetando nossa própria essência humana.

A importância da coletividade e do bem-estar coletivo também se deu desde

os primórdios da espécie, uma vez que, para poder mantermo-nos vivos, foi

necessária a iniciativa de adaptação da natureza, através da construção de recursos

e, mais que isso, necessária também a transmissão de conhecimentos e descobertas.

É daí que podemos ressaltar a indissociabilidade do trabalho e da educação.

O surgimento da propriedade privada, além de fomentar a quebra dessa

indissociabilidade do trabalho com a educação, sujeita os indivíduos ao

distanciamento do conhecimento teórico referente a suas funções trabalhistas, dessa

forma, cada vez mais é possível que se identifique a divisão de quem tem e quem

produz. Este processo, colocado por Marx enquanto “alienação” escancara o que

Paulo Freire chama de estado de desumanização, em que naturaliza-se os modos de

se viver e se produzir e se esquece de pensar o conhecimento voltado para pensar

nas próprias condições de vida de cada indivíduo. Isso quer dizer que, a partir do

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momento em que dissociamos o trabalho da educação, paramos de pensar no porquê

de estarmos fazendo as coisas e apenas fazemo-las.

Nesse sentido, é importante que as pessoas se reconheçam na condição de

oprimido, para rumarem em busca da liberdade através do conhecimento e da

educação crítica.

Dessa forma é que o viés trazido por Josué de Castro nos dá luz, por meio do

problema da fome no Brasil e no mundo, sobre a condição de explorados,

subdesenvolvidos e desumanizados. Condição essa que, além de impactar no mal

rendimento dos indivíduos durante suas situações de exploração no ambiente de

trabalho, também viabilizam muito mais a desumanização, ou seja, se as pessoas são

pouco nutridas para ter energia e realizar as tarefas que garantem sua subsistência

precária, não terão energia para identificar e questionar suas próprias condições de

vida resultantes do processo de exploração.

É nesse sentido que o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra

sintetiza a teoria social de Josué de Castro: questionam a propriedade privada, a

produção agrária latifundiária monocultora e para exportação, suscitando a condição

das pessoas que não possuem alimentação básica para subsistência e muito menos

propriedades.

A partir disso, surgiram-me certos questionamentos que não pude sanar

durante os estudos para este artigo, mas que proponho-me a pensar em uma outra

oportunidade: quais caminhos o MST travou para estabelecer de maneira objetiva a

metodologia Josué de Castro? De que forma a utilização dessa metodologia

impulsiona a organicidade do movimento e reduz as desigualdades de gênero e de

raça no coletivo? A metodologia é realmente efetiva e serve de alicerce tático para

tanto para ampliar, quanto para resistir às ameaças externas de derrubada do

movimento? Entre outras demais questões a serem suscitadas que poderão ser

melhor respondidas com estudos empíricos de campo, como também com um maior

aprofundamento bibliográfico das produções científicas dos militantes.

Porém, não podemos deixar de salientar as contribuições da teoria social de

Josué de Castro para ações objetivas que podemos tomar dentro de sala de aula

enquanto professores da rede básica de ensino.

Acredito que o cerne de meus apontamentos estão de acordo principalmente

com ter o tato de conhecer a turma e de tentar entender as particularidades de cada

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aluno. Entendo que a realidade precária da educação básica, a superlotação de

turmas, a falta de profissionais, a falta de elementos estruturais, entre outros demais

percalços, dificultam demasiadamente que o trabalho do professor seja executado

com a maestria que imaginamos anteriormente a assumir uma sala. Porém, é de

imprescindível importância que tenhamos a noção de que o ambiente escolar

possibilita que diversas demandas distintas, advindas das vidas particulares de cada

estudante – esbarrando ou não nas condições de classe – irão se chocar em um

mesmo ambiente, podendo ser a escola o “refúgio” ou o agravamento destas

demandas particulares.

Portanto, observo na teoria social de Josué de Castro três eixos que podem

ser melhor explorados pelos professores na vivência com os estudantes:

1) Identificando a condição social de cada estudante. Isso porque, podemos

suscitar, através desta análise, diversas problemáticas econômico-sociais que

podem estar (e possivelmente estarão) ligadas à um mal aproveitamento das

atividades escolares. Além disso, a tendência da escola burguesa é a de

trabalhar com noções meritocráticas de desempenho, ou seja, se um estudante

vai bem nos recursos avaliativos demonstra que este apreendeu bem o

conteúdo, desconsiderando exatamente todas as problemáticas particulares

que este estudante carrega consigo: Será que este estudante comeu hoje?

Este estudante trabalha? Por que ele trabalha? Será que ele não estudou

porque não quis?

2) Identificando particularidades do meio em que o estudante está inserido. Neste

ponto limito-me a enfatizar a importância de conhecer para quem se está

lecionando. Quais são as habilidades deste estudante? O que pensa? Por que

pensa como pensa? Quais as influências do meio em que convive para a

formação de seu pensamento?

3) Quais os impactos a interpretação do que identificou-se conjuntamente nos

dois primeiros pontos tem na aprendizagem deste estudante. A partir deste

ponto podem ser identificadas inúmeras circunstâncias que podem (e devem)

seguir enquanto fatores norteadores da administração e planejamento do

conteúdo programático. Pensar na particularidade da turma e nas demandas

de cada estudante é um dos fatores que valoriza o trabalho tanto deste, quanto

do professor. Humanizar o processo de aprendizagem é o que é preciso.

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Dessa forma, acredito que a partir deste trabalho muitas questões foram

suscitadas e não foram resolvidas, por isso, proponho-me a debruçar-me sobre este

tema e dar continuidade nos estudos para desenvolvermos uma educação que forme

indivíduos críticos, que se reconheçam no processo histórico de produção de

conhecimento e que tenham preocupação com o coletivo acima de suas vontades

individuais.

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