Escola Que Aprende

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Proponho-me, neste artigo, reflectir sobre o conceito de "escola aprendente" (Bolívar, 1997; Alarcão 2001, 2002; Santos Guerra, 2001, 2002) o qual entronca em outros mais vastos e afectos a outras áreas do conhe- cimento, nomeadamente organização e gestão (Senge, 1990; Mintzberg, 1995). As- sumo como subtexto conceptual que a es- cola é uma instituição mas (também) uma organização (democrática), com uma mis- são social que a legitima e lhe justifica o sentido. Apoiam ainda esta breve reflexão conceitos que sustentam o de escola aprendente como sejam o de professor re- flexivo (Alarcão, 1987,2001) escola reflexi- va (Alarcão, 2001a), desenvolvimento eco- lógico (Bronfenbrenner, 1979; Portugal, 1992) e supervisão organizacional (Alarcão, 2001b). Para construir conhecimento sobre a esco- la, alguns autores (nacionais), posicionan- do-se numa linha de investigação maioritari- amente anglo-saxónica, (Argyris e Schön, 1978, 1996; Schön, 1983, 1987; Senge,1990; Mintzberg, 1995) aprofundaram, entre outros, o conceito de "escola reflexiva", isto é, "a es- cola que gera conhecimento sobre si própria como escola específica e, desse modo, con- tribui para o conhecimento sobre a institui- ção chamada escola" (Alarcão, 2001a:15). Esta definição supõe-se ancorada à de "pro- fessor reflexivo", numa conceptualização mais vasta de reflexividade, não devendo dis- sociar-se dela, todo o "elemento humano" da escola: as pessoas e suas circunstânci- as que habitam o edifício escola. Seguindo o pensamento de Alarcão, uma escola que "se pensa a si própria" não igno- ra os seus problemas, pelo contrário, envol- ve todos "os seus membros" nos processos de tomada de decisão e de resolução, reco- nhecendo, por essa via, a "aprendizagem que para eles daí resulta" (2001:25). Consti- tui este postulado uma trave mestre à com- preensão do conceito de "escola aprendente". E isto porque, como facilmente se reconhecerá, o desenvolvimento da orga- nização escolar não é (nem poderia ser) o resultado do somatório do desenvolvimento individual dos seus recursos humanos: o de- senvolvimento (organizacional) da escola ali- menta-se da permanente interacção de to- dos os elementos que compõem a organi- zação, a qual "estimula ou condiciona" os contextos que lhe estão institucionalmente afectos, e os mais vastos em que se integra e com os quais inevitavelmente também in- terage. É, a meu ver, desta perspectiva, que faz sentido incluir, ainda, nesta reflexão, a dimensão do desenvolvimento estratégico (Mintzberg, 1995) e da metáfora de histórias de vida das instituições (Sá-Chaves, 2000). Procurando explicitar o que acabei de referir poder-se-á afirmar que a escola reflexiva é, resumidamente, a escola de pessoas, com pessoas, para pessoas, a escola que se re- conhece na sua história de vida - colectiva, única, irrepetível - no espaço da sua memó- ria identitária. Reconhece-se também no seu desejo de evoluir, de se "qualificar", pois que ao qualificar pessoas qualifica-se a si própria. Na escola reflexiva há espaço/tem- po para o exercício da supervisão com o ob- jectivo de promover o "desenvolvimento qua- litativo da organização escola e dos que nela realizam o seu trabalho de estudar, ensinar ou apoiar a função educativa através de aprendizagens individuais e colectivas, inclu- indo a formação de novos agentes" (Alarcão, 2001a:19). Reconhece-se, finalmente, em li- deranças fortes e estimulantes que procu- ram soluções para os problemas numa pers- pectiva sistémica, em contextos de discus- são e formas de participação democráticos e solidários (Perrenoud, 1996; Santiago, 2000). Na escola reflexiva, os líderes (inter- médios, de topo) desenvolvem a sua acção (estratégica) como supervisores, agentes privilegiados de desenvolvimento organiza- cional. Reconhecida a necessidade (urgência) de a escola se assumir como organização re- flexiva, que mecanismos desenvolve, que tra- jectórias percorre para tornar a reflexão/co- nhecimento (de si) em aprendizagem, por ou- tras palavras, como se torna organização aprendente? O conceito de escola "aprendente" é relativa- mente jovem na literatura sobre a organiza- ção escola, que, por sua vez o "pediu em- prestado" à literatura das organizações efi- cazes. "Pediu emprestado" mas não tencio- na "devolvê-lo", já que não há nesse acto qualquer réstea de submissão (da parte de quem recebe) ou de prepotência (da parte de quem dá), se considerarmos que "o retalhamento das disciplinas torna impossí- vel aprender "o que é tecido junto" (Morin, 1999) A pergunta pode fazer-se de forma simplificada: o que são escolas aprendentes? ("quando não existem pergun- tas, dificilmente se procurarão respostas" Santos Guerra, 2001). Mais difícil será mesmo explicitar cami- nhos que ilumi- nem a compreen- são de como se t o r n a m aprendentes. Por outras pala- vras, que cami- nhos percorrem as escolas para aprender a nego- ciar, a gerir confli- tos, divergências e/ou interesses? Que caminhos percorrem as es- colas para apren- der a aceitar/ (con)viver com a diferença, a com- plexidade ou a provisoriedade do conhecimento, da vida? Que com- petências (se) desenvolvem as escola para abrir a porta à solidari- edade (Perrenoud, 2002)? Segundo Santos Guerra, pode contudo di- zer-se, hoje, que o diagnóstico dos obstácu- los à aprendizagem está razoavelmente com- pleto e bem feito (o mesmo se não poderá afirmar em outras matérias referentes à es- cola, até porque, de acordo com o mesmo autor, "quando o diagnóstico é mal feito, as soluções são inevitavelmente deficientes"), urgindo, portanto, a análise séria e aprofun- dada desses obstáculos. E isto porque pa- rece ser consensual que "uma instituição fechada à aprendizagem, hermética face às interrogações e alicerçada em rotinas, aca- bará por repetir inevitavelmente os mesmos erros. Jamais aprenderá" (2001:11) No âmbito da análise aos obstáculos que inibem a aprendizagem na (da) organização escola, alguns autores colocam o enfoque na escola enquanto comunidade crítica de aprendizagem (e não apenas de ensino), na singularidade do seu contexto e na especifi- cidade do seu projecto: "para aprender de forma eficaz é preciso ter vontade de agir, olhos bem abertos para ver, a mente desper- ta para analisar, o coração disposto para assimilar o aprendido" (idem:12) O funcionamento desta comunidade crítica de aprendizagem não deve centrar-se ape- nas em prescrições e regulamentações, deve, antes, preocupar-se em desenvolver diferentes tipos de inteligência, a saber: 1- inteligência contextual: capacidade de auto-crítica relativamente ao seu contexto e aos contextos mais vastos em que se inte- gra e a justificam; 2- inteligência estratégica: capacidade de planear, desenvolver e avaliar projectos ade- quados às suas necessidades; 3- inteligência académica: capacidade de promover a qualidade curricular, em especi- al, e gerar "altas expectativas nos alunos", considerando simultaneamente que a apren- dizagem dos alunos está intimamente liga- da à dos professores; 4- inteligência reflexiva: capacidades e com- petências que possibilitam o controlo, a re- flexão e a avaliação de todos os níveis da instituição; 5- inteligência pedagógica: capacidade de analisar o processo de aprendizagem, centrando-se no "objectivo fundamental" da sua missão; 6- inteligência colegial: capacidade de o cor- po docente trabalhar em conjunto "na procu- ra de um fim comum" 7- inteligência emocional: capacidade da es- cola em dar voz aos sentimentos, emoções, afectos. "Este tipo de inteligência é funda- mental para a aprendizagem porque susten- ta o pacto entre os membros da comunida- de"; 8- inteligência espiritual: capacidade de "va- lorizar a vida pessoal de cada indivíduo"; 9- inteligência ética: capacidade de "reconhe- cer a dimensão moral", axiológica. (Santos Guerra, 2001). O desenvolvimento destes diversos tipos de inteligência favorece (é favorecido por) uma aprendizagem que, segundo o mesmo au- tor, não se limita somente à aquisição de co- nhecimentos, conceitos ou ideias, mas tam- bém "à assimilação de capacidades, com- petências e procedimentos encaminhados para a compreensão e melhoramento do mundo" (idem:41); a aprendizagem partilha- da, numa comunidade de aprendizagem crí- tica não poderá fundar-se nunca "na desu- nião torpe dos seus membros e numa posi- ção estéril face ao diálogo e ao intercâmbio entre os mesmos"; numa comunidade críti- ca de aprendizagem "não [se] exige o respei- to das outras pessoas partindo de uma gri- tante falta de atenção e tolerância face à de- sigualdade e à diferença"(idem, ibidem). É sabido que uma escola que aprende e se desenvolve - configurada numa comunidade crítica de aprendizagem - vive do seu "ouro oculto", isto é, do "compromisso intelectual e moral com a acção" e das "relações interpessoais enriquecedoras" que for capaz de promover e estimular. Numa escola que aprende e se desenvolve "é mais importante saber onde se quer ir que pôr-se a caminho sem rumo. É mais importante saber para onde se caminha que acelerar o passo em A escola que aprende direcção a nenhures" (Santos Guerra, 2003:19). Uma escola que aprende (e se desenvolve) é, pois, uma organi- zação consciente das suas carac- terísticas (humanas) muito específicas, da sua "mesmidade" e da sua alteridade, cons- ciente da sua natureza, não raras vezes ana- crónica (que pede ela ao mundo? Que lhe pede o mundo?), consciente, organizacionalmente, da sua (des)motivação, da sua (in)flexibilidade, da sua (des)burocratização, da sua (im)pessoalidade. Uma escola que aprende (e se desenvolve) não se esgota em clichés ou panaceias, por- que actualiza, permanentemente "certezas mortas" (Hargreaves,1998), isto é, promove culturas de incerteza, em contextos multicul- turais. Uma escola que aprende (e se de- senvolve) não oferece um currículo tipo "bar- restaurante", próximo do currículo nacional, mas muitas vezes incoerente e desajustado dos valores e necessidades daqueles que serve (idem). Como recomenda Santos Guerra, vale a pena "tornar visível o quotidiano da escola", ou seja avaliá-la, sistematicamente, em to- das as suas dimensões… mesmo que, para tal seja necessário observá-la a partir dos seus "Bastidores" e ouvir-lhe o pulsar do "Coração". Algumas referências bibliográfi- cas: Alarcão, I. (2001a). A Escola Reflexiva. Em I. Alarcão (org.) Escola Reflexiva e nova Raci- onalidade. Porto Alegre: Artmed: 15-30 (2001b). Escola Reflexiva e Supervisão. Uma escola em desenvolvimento e Apren- dizagem. Em I. Alarcão (org.) Escola Refle- xiva e Supervisão. Uma escola em Desen- volvimento e Aprendizagem. Porto: Porto Editora: 11-23 Bolívar, A. (1997). A Escola como Organiza- ção que Aprende. Em R. Canário (org.). For- mação e Situações de Trabalho. Porto: Por- to Editora: 79-100 Hargreaves, A. (1998). Os Professores em Tempo de Mudança.O YTrabalho e a Cultu- ra dos professores na Idade Pós-Moderna. Toronto: McGraw-Hill Morin, E. (1999). La Tête bien faite. Repenser la Reforme. Réformer la Pensée. Paris :Seuil Santiago, R. (2001) . A Escola também é um sistema de Aprendizagem Organizacional. Em I. Alarcão (org.) Escola reflexiva e Supervisão. Uma Escola em Desenvolvimento e Aprendi- zagem. Porto: Porto Editora: 26-41 Perrenoud Ph. (2002). A Escola e a Aprendi- zagem da Democracia. Porto: Edições Asa Santos Guerra, M. A. (2001). A Escola que Aprende. Porto: Edições Asa(2002). Entre Bastidores.O lado oculto da organiza- ção escolar. Porto: Edições ASA. (2003). Tornar visível o Quotidiano. Teoria e Prática de Avaliação Qualitativa das Escolas. Porto: Edições Asa (2003). No Coração da escola. Estórias sobre a Edu- cação. Porto: Edições Asa Margarida Paixão Maio de 2004 3 JORNAL via esen

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Proponho-me, neste artigo, reflectir sobreo conceito de "escola aprendente" (Bolívar,1997; Alarcão 2001, 2002; Santos Guerra,2001, 2002) o qual entronca em outros maisvastos e afectos a outras áreas do conhe-cimento, nomeadamente organização egestão (Senge, 1990; Mintzberg, 1995). As-sumo como subtexto conceptual que a es-cola é uma instituição mas (também) umaorganização (democrática), com uma mis-são social que a legitima e lhe justifica osentido. Apoiam ainda esta breve reflexãoconceitos que sustentam o de escolaaprendente como sejam o de professor re-flexivo (Alarcão, 1987,2001) escola reflexi-va (Alarcão, 2001a), desenvolvimento eco-lógico (Bronfenbrenner, 1979; Portugal,1992) e supervisão organizacional (Alarcão,2001b).

Para construir conhecimento sobre a esco-la, alguns autores (nacionais), posicionan-do-se numa linha de investigação maioritari-amente anglo-saxónica, (Argyris e Schön,1978, 1996; Schön, 1983, 1987; Senge,1990;Mintzberg, 1995) aprofundaram, entre outros,o conceito de "escola reflexiva", isto é, "a es-cola que gera conhecimento sobre si própriacomo escola específica e, desse modo, con-tribui para o conhecimento sobre a institui-ção chamada escola" (Alarcão, 2001a:15).Esta definição supõe-se ancorada à de "pro-fessor reflexivo", numa conceptualizaçãomais vasta de reflexividade, não devendo dis-sociar-se dela, todo o "elemento humano"da escola: as pessoas e suas circunstânci-as que habitam o edifício escola.Seguindo o pensamento de Alarcão, umaescola que "se pensa a si própria" não igno-ra os seus problemas, pelo contrário, envol-ve todos "os seus membros" nos processosde tomada de decisão e de resolução, reco-nhecendo, por essa via, a "aprendizagemque para eles daí resulta" (2001:25). Consti-tui este postulado uma trave mestre à com-preensão do conceito de "escolaaprendente". E isto porque, como facilmentese reconhecerá, o desenvolvimento da orga-nização escolar não é (nem poderia ser) oresultado do somatório do desenvolvimentoindividual dos seus recursos humanos: o de-senvolvimento (organizacional) da escola ali-menta-se da permanente interacção de to-dos os elementos que compõem a organi-zação, a qual "estimula ou condiciona" oscontextos que lhe estão institucionalmenteafectos, e os mais vastos em que se integrae com os quais inevitavelmente também in-terage. É, a meu ver, desta perspectiva, quefaz sentido incluir, ainda, nesta reflexão, adimensão do desenvolvimento estratégico(Mintzberg, 1995) e da metáfora de históriasde vida das instituições (Sá-Chaves, 2000). Procurando explicitar o que acabei de referirpoder-se-á afirmar que a escola reflexiva é,resumidamente, a escola de pessoas, compessoas, para pessoas, a escola que se re-conhece na sua história de vida - colectiva,única, irrepetível - no espaço da sua memó-ria identitária. Reconhece-se também noseu desejo de evoluir, de se "qualificar", poisque ao qualificar pessoas qualifica-se a siprópria. Na escola reflexiva há espaço/tem-po para o exercício da supervisão com o ob-jectivo de promover o "desenvolvimento qua-litativo da organização escola e dos que nelarealizam o seu trabalho de estudar, ensinarou apoiar a função educativa através deaprendizagens individuais e colectivas, inclu-indo a formação de novos agentes" (Alarcão,2001a:19). Reconhece-se, finalmente, em li-deranças fortes e estimulantes que procu-ram soluções para os problemas numa pers-pectiva sistémica, em contextos de discus-são e formas de participação democráticose solidários (Perrenoud, 1996; Santiago,2000). Na escola reflexiva, os líderes (inter-médios, de topo) desenvolvem a sua acção

(estratégica) como supervisores, agentesprivilegiados de desenvolvimento organiza-cional. Reconhecida a necessidade (urgência) dea escola se assumir como organização re-flexiva, que mecanismos desenvolve, que tra-jectórias percorre para tornar a reflexão/co-nhecimento (de si) em aprendizagem, por ou-tras palavras, como se torna organizaçãoaprendente?

O conceito de escola "aprendente" é relativa-mente jovem na literatura sobre a organiza-ção escola, que, por sua vez o "pediu em-prestado" à literatura das organizações efi-cazes. "Pediu emprestado" mas não tencio-na "devolvê-lo", já que não há nesse actoqualquer réstea de submissão (da parte dequem recebe) ou de prepotência (da partede quem dá), se considerarmos que "oretalhamento das disciplinas torna impossí-vel aprender "o que é tecido junto" (Morin,1999) A pergunta pode fazer-se de formasimplificada: o que são escolasaprendentes? ("quando não existem pergun-tas, dificilmente se procurarão respostas"Santos Guerra,2001). Mais difícilserá mesmoexplicitar cami-nhos que ilumi-nem a compreen-são de como set o r n a maprendentes.Por outras pala-vras, que cami-nhos percorremas escolas paraaprender a nego-ciar, a gerir confli-tos, divergênciase/ou interesses?Que caminhospercorrem as es-colas para apren-der a aceitar/(con)viver com adiferença, a com-plexidade ou aprovisoriedade doconhecimento, davida? Que com-petências (se)desenvolvem asescola para abrira porta à solidari-edade (Perrenoud, 2002)?Segundo Santos Guerra, pode contudo di-zer-se, hoje, que o diagnóstico dos obstácu-los à aprendizagem está razoavelmente com-pleto e bem feito (o mesmo se não poderáafirmar em outras matérias referentes à es-cola, até porque, de acordo com o mesmoautor, "quando o diagnóstico é mal feito, assoluções são inevitavelmente deficientes"),urgindo, portanto, a análise séria e aprofun-dada desses obstáculos. E isto porque pa-rece ser consensual que "uma instituiçãofechada à aprendizagem, hermética face àsinterrogações e alicerçada em rotinas, aca-bará por repetir inevitavelmente os mesmoserros. Jamais aprenderá" (2001:11)

No âmbito da análise aos obstáculos queinibem a aprendizagem na (da) organizaçãoescola, alguns autores colocam o enfoquena escola enquanto comunidade crítica deaprendizagem (e não apenas de ensino), nasingularidade do seu contexto e na especifi-cidade do seu projecto: "para aprender deforma eficaz é preciso ter vontade de agir,olhos bem abertos para ver, a mente desper-ta para analisar, o coração disposto paraassimilar o aprendido" (idem:12)O funcionamento desta comunidade críticade aprendizagem não deve centrar-se ape-nas em prescrições e regulamentações,deve, antes, preocupar-se em desenvolverdiferentes tipos de inteligência, a saber:1- inteligência contextual: capacidade deauto-crítica relativamente ao seu contexto e

aos contextos mais vastos em que se inte-gra e a justificam;2- inteligência estratégica: capacidade deplanear, desenvolver e avaliar projectos ade-quados às suas necessidades;3- inteligência académica: capacidade depromover a qualidade curricular, em especi-al, e gerar "altas expectativas nos alunos",considerando simultaneamente que a apren-dizagem dos alunos está intimamente liga-da à dos professores;4- inteligência reflexiva: capacidades e com-petências que possibilitam o controlo, a re-flexão e a avaliação de todos os níveis dainstituição;5- inteligência pedagógica: capacidade deanalisar o processo de aprendizagem,centrando-se no "objectivo fundamental" dasua missão;6- inteligência colegial: capacidade de o cor-po docente trabalhar em conjunto "na procu-ra de um fim comum"7- inteligência emocional: capacidade da es-cola em dar voz aos sentimentos, emoções,afectos. "Este tipo de inteligência é funda-mental para a aprendizagem porque susten-ta o pacto entre os membros da comunida-

de";8- inteligência espiritual: capacidade de "va-lorizar a vida pessoal de cada indivíduo";9- inteligência ética: capacidade de "reconhe-cer a dimensão moral", axiológica. (SantosGuerra, 2001).O desenvolvimento destes diversos tipos deinteligência favorece (é favorecido por) umaaprendizagem que, segundo o mesmo au-tor, não se limita somente à aquisição de co-nhecimentos, conceitos ou ideias, mas tam-bém "à assimilação de capacidades, com-petências e procedimentos encaminhadospara a compreensão e melhoramento domundo" (idem:41); a aprendizagem partilha-da, numa comunidade de aprendizagem crí-tica não poderá fundar-se nunca "na desu-nião torpe dos seus membros e numa posi-ção estéril face ao diálogo e ao intercâmbioentre os mesmos"; numa comunidade críti-ca de aprendizagem "não [se] exige o respei-to das outras pessoas partindo de uma gri-tante falta de atenção e tolerância face à de-sigualdade e à diferença"(idem, ibidem).É sabido que uma escola que aprende e sedesenvolve - configurada numa comunidadecrítica de aprendizagem - vive do seu "ourooculto", isto é, do "compromisso intelectual emoral com a acção" e das "relaçõesinterpessoais enriquecedoras" que for capazde promover e estimular. Numa escola queaprende e se desenvolve "é mais importantesaber onde se quer ir que pôr-se a caminhosem rumo. É mais importante saber paraonde se caminha que acelerar o passo em

A escola que aprendedirecção a nenhures" (SantosGuerra, 2003:19).Uma escola que aprende (e sedesenvolve) é, pois, uma organi-zação consciente das suas carac-terísticas (humanas) muito específicas, dasua "mesmidade" e da sua alteridade, cons-ciente da sua natureza, não raras vezes ana-crónica (que pede ela ao mundo? Que lhepede o mundo?), consciente,organizacionalmente, da sua(des)motivação, da sua (in)flexibilidade, dasua (des)burocratização, da sua(im)pessoalidade.Uma escola que aprende (e se desenvolve)não se esgota em clichés ou panaceias, por-que actualiza, permanentemente "certezasmortas" (Hargreaves,1998), isto é, promoveculturas de incerteza, em contextos multicul-turais. Uma escola que aprende (e se de-senvolve) não oferece um currículo tipo "bar-restaurante", próximo do currículo nacional,mas muitas vezes incoerente e desajustadodos valores e necessidades daqueles queserve (idem).Como recomenda Santos Guerra, vale apena "tornar visível o quotidiano da escola",ou seja avaliá-la, sistematicamente, em to-das as suas dimensões… mesmo que,para tal seja necessário observá-la a partirdos seus "Bastidores" e ouvir-lhe o pulsardo "Coração".

Algumas referências bibliográfi-cas:Alarcão, I. (2001a). A Escola Reflexiva. Em I.Alarcão (org.) Escola Reflexiva e nova Raci-onalidade. Porto Alegre: Artmed: 15-30(2001b). Escola Reflexiva e Supervisão.Uma escola em desenvolvimento e Apren-dizagem. Em I. Alarcão (org.) Escola Refle-xiva e Supervisão. Uma escola em Desen-volvimento e Aprendizagem. Porto: PortoEditora: 11-23Bolívar, A. (1997). A Escola como Organiza-ção que Aprende. Em R. Canário (org.). For-mação e Situações de Trabalho. Porto: Por-to Editora: 79-100Hargreaves, A. (1998). Os Professores emTempo de Mudança.O YTrabalho e a Cultu-ra dos professores na Idade Pós-Moderna.Toronto: McGraw-HillMorin, E. (1999). La Tête bien faite. Repenserla Reforme. Réformer la Pensée. Paris :SeuilSantiago, R. (2001) . A Escola também é umsistema de Aprendizagem Organizacional.

EmI. Alarcão (org.) Escola reflexiva e Supervisão.Uma Escola em Desenvolvimento e Aprendi-zagem. Porto: Porto Editora: 26-41Perrenoud Ph. (2002). A Escola e a Aprendi-zagem da Democracia. Porto: Edições AsaSantos Guerra, M. A. (2001).A Escola que Aprende. Porto: EdiçõesAsa(2002).Entre Bastidores.O lado oculto da organiza-ção escolar. Porto: Edições ASA. (2003).Tornar visível o Quotidiano. Teoria e Práticade Avaliação Qualitativa das Escolas. Porto:Edições Asa (2003).No Coração da escola. Estórias sobre a Edu-cação. Porto: Edições Asa

Margarida PaixãoMaio de 2004

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