Escolarização

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LABORATÓRIO DE BRINQUEDOS E JOGOS – Coordenador Prof Marcos Teodorico Escolarização e brincadeira na educação infantil Tizuko Morchida Kishimoto Professora Titular da Faculdade de Educação da USP Nos tempos atuais, as propostas de educação infantil dividem-se entre as que reproduzem a escola elementar com ênfase na alfabetização e números (escolarização) e as que introduzem a brincadeira valorizando a socialização e a re-criação de experiências. No Brasil, grande parte dos sistemas pré-escolares tende para o ensino de letras e números excluindo elementos folclóricos da cultura brasileira como conteúdos de seu projeto pedagógico. As raras propostas de socialização que surgem desde a implantação dos primeiros jardins de infância acabam incorporando ideologias hegemônicas presentes no contexto histórico-cultural. Pretende-se analisar o papel da cultura como elemento determinante do modelo de escola que prevalece, na perspectiva da nova sociologia da educação, como a de Forquin( 1996), adotado por Apple (1982, 1979, 1970) e Moreira e Silva ( 1994) subsidiando pesquisas no campo de currículo. Fatores de ordem social, econômica, cultural e política são responsáveis pelo tipo de escola predominante. Desde tempos passados, a educação reflete a transmissão da cultura, o acervo de conhecimentos, competências, valores e símbolos. Não se pode dizer que a escola transmite o patrimônio simbólico unitário da cultura entendido na acepção de sociólogos e etnólogos, como o conjunto de modos de vida característicos de cada grupo humano, em certo período histórico ( Forquin,1996, p.14). O repertório cultural de um país, repleto de contradições, constitui a base sob a qual a cultura escolar é selecionada. Ideologias hegemônicas, fruto de condições sociais, culturais e econômicas tendem a pressionar a escola pela reprodução de valores nelas incluídas moldando o tipo de instituição. Os conteúdos e atividades escolares que daí decorrem resultam no perfil da escola e , no caso brasileiro, geram especialmente pré-escolas destinadas à clientela de 4 a 6 anos dentro do modelo escolarizado. As raízes desse processo encontram-se no longo período de colonização portuguesa, preservadas pelo irrisório investimento no campo da educação básica. A tendência para o ensino acadêmico, propedêutico, a começar pela criação de cursos superiores voltados para altos estudos destinados à elite portuguesa e o pouco empenho com a educação popular marca a política implantada no campo educacional. Até hoje, os LABRINJO – LABORATÓRIO DE BRINQUEDOS E JOGOS

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LABORATÓRIO DE BRINQUEDOS E JOGOS – Coordenador Prof Marcos Teodorico

Escolarização e brincadeira na educação infantil

Tizuko Morchida Kishimoto Professora Titular da

Faculdade de Educação da USP

Nos tempos atuais, as propostas de educação infantil dividem-se entre as quereproduzem a escola elementar com ênfase na alfabetização e números (escolarização)e as que introduzem a brincadeira valorizando a socialização e a re-criação deexperiências.

No Brasil, grande parte dos sistemas pré-escolares tende para o ensino de letras enúmeros excluindo elementos folclóricos da cultura brasileira como conteúdos de seuprojeto pedagógico. As raras propostas de socialização que surgem desde aimplantação dos primeiros jardins de infância acabam incorporando ideologiashegemônicas presentes no contexto histórico-cultural.

Pretende-se analisar o papel da cultura como elemento determinante do modelo deescola que prevalece, na perspectiva da nova sociologia da educação, como a deForquin( 1996), adotado por Apple (1982, 1979, 1970) e Moreira e Silva ( 1994)subsidiando pesquisas no campo de currículo.

Fatores de ordem social, econômica, cultural e política são responsáveis pelo tipo deescola predominante. Desde tempos passados, a educação reflete a transmissão dacultura, o acervo de conhecimentos, competências, valores e símbolos. Não se podedizer que a escola transmite o patrimônio simbólico unitário da cultura entendido naacepção de sociólogos e etnólogos, como o conjunto de modos de vida característicosde cada grupo humano, em certo período histórico ( Forquin,1996, p.14). O repertóriocultural de um país, repleto de contradições, constitui a base sob a qual a culturaescolar é selecionada. Ideologias hegemônicas, fruto de condições sociais, culturais eeconômicas tendem a pressionar a escola pela reprodução de valores nelas incluídasmoldando o tipo de instituição. Os conteúdos e atividades escolares que daí decorremresultam no perfil da escola e , no caso brasileiro, geram especialmente pré-escolasdestinadas à clientela de 4 a 6 anos dentro do modelo escolarizado.

As raízes desse processo encontram-se no longo período de colonização portuguesa,preservadas pelo irrisório investimento no campo da educação básica. A tendência parao ensino acadêmico, propedêutico, a começar pela criação de cursos superioresvoltados para altos estudos destinados à elite portuguesa e o pouco empenho com aeducação popular marca a política implantada no campo educacional. Até hoje, os

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recursos financeiros empregados no ensino superior (36.42% - US$2.694.802),superam os da escola de 1º grau (23,74% - US$ 1.756.500), não universalizada aténossos dias . A pré-escola corresponde a 0,51% da despesa realizada pela União naárea de Educação, Cultura e Desportos, em 1993. (Boletim de IndicadoresEducacionais/Sistema Nacional de Indicadores Educacionais - n. 1, dez. 1994 -Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, p.18.

Fruto de poucos investimentos, a educação da criança de 0 a 6 anos, em 1989, chegaapenas aos 16,9%, e as de 4 a 6 anos, 32% .(MEC, 1994,p.9)

A introdução da brincadeira no contexto infantil inicia-se, timidamente, com a criaçãodos jardins de infância, fruto da expansão da proposta froebeliana que influencia aeducação infantil de todos os países. A difusão não é uniforme, pois depende devalores selecionados, apropriações de elementos da teoria e forma como seusdiscípulos a traduzem. A apropriação resume o modo pelo qual cada realidadeinterpreta um dado teórico que reflete a orientação cultural de cada país.

Spodek e Saracho ( 1990) comentam que os Estados Unidos foram o modelo inicialpara a grande maioria dos países. Missionários cristãos, protestantes disseminaram ojardim froebeliano em muitos países asiáticos e latino-americanos.

Para adaptar a pedagogia froebeliana aos pressupostos da filosofia confuciana quesubsidia culturas orientais, China e Coréia modificam idéias relativas aodesenvolvimento individual para justificar a enfase no grupo, a base do sistema dessespaíses. Da mesma forma, a implantação do modelo froebeliano no período demodernização do Japão, na era Meiji ( 1868-1880), sob a influência americana, exige atradução e adaptação da obra Mutter und Koselieder, que inclui músicas e gravurascoerentes com valores da cultura japonesa.(Spodek e Saracho, 1996)

A apropriação do brincar enquanto ação livre ou supervisionada depende da formacomo foi divulgada pelos discípulos froebelianos: Schrader-Breymann e Bertha vonMarenholz-Büllow. A primeira cria a Casa Pestalozzi-Fröbel, com orientação para obrincar livre, influenciando a Suécia e, a segunda, volta-se para o uso diretivo dos donsfroebelianos, recebendo o apoio dos americanos. ( Haddad e Johansson, 1995)

Marenholz-Büllow, seleciona os dons, deixando de lado o simbolismo das brincadeirasinterativas e a ação livre da criança, tornando a instituição mais parecida com a escola.Schrader-Breymann, opõe-se ao caráter disciplinador, faz o jardim de infânciaaproximar-se do lar, introduzindo tarefas domésticas como parte do currículo, quejuntamente com as brincadeiras, representam os eixos do desenvolvimento da criançana proposta sueca. (Haddad e Johansson,1995)

Nos Estados Unidos, na virada do século, a literatura mais recente sugere que osprogramas froebelianos enfatizam o brincar supervisionado, que encoraja auniformidade e o controle nos estabelecimentos destinados a imigrantes pobres e obrincar livre prevalece nas escolas particulares de elite ( Bloch e Choi, 1990).

Bloch e Choi (1990) indicam a presença do brincar supervisionado nas creches quesurgem ainda no século 19, durante a Guerra Civil, estimuladas pelo Movimento deAssentamento das Famílias, pelo crescente aumento de pobres urbanos, fruto dedeslocamentos sociais causados pela industrialização, urbanização e intensa imigração.Nessa época, a América sendo uma sociedade relativamente homogênea busca ideais

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como liberdade individual, ordem social e unidade nacional. Com a penetração dosimigrantes e o crescimento da pobreza urbana, buscam-se meios para americanizarimigrantes a partir da educação. Predominam crenças acerca da diferença denecessidades de crianças pobres e de elite, de que as crianças aprendem melhor pormeio do brincar, mas rejeita-se a noção do brincar não supervisionado como educação.Essa interpretação fortalece a perspectiva do jogo educativo, do brincar orientadovisando a aquisição de conteúdos escolares, a perspectiva adotada pela BaronesaMarenholz-Büllow, divulgadora dos jardins de infância nos Estados Unidos.(Vandewalder, 1923)

Embora Froebel definisse o brincar como ação livre da criança, a adoção da supervisãorelaciona-se com o interesse em concebê-lo como forma eficaz de gerar unidadeideológica e social em populações éticas e classes sociais distintas (Bloch e Choi,1990).

Sendo a primeira meta da educação infantil americana, daquele período, a socialização(entenda-se americanização) de crianças de diferentes etnias, de nível econômicobaixo, a maioria dos jardins urbanos destinadas a essa população incluem disciplina eordem no cotidiano institucional. Tais escolas encorajam o brincar em sua formaestruturada incluindo música, jogos formalizados, marchas, atividades contendoprogramas estruturados e dirigidos. Ao privilegiar dons e ocupações, a experiênciaamericana exclui brincadeiras simbólicas livres, justificando as críticas de WilliamHarris e Susan Blow . ( Kishimoto, 1996)

A teoria froebeliana, ao considerar o brincar como atividade livre e espontânea dacriança e, dons e atividades, um suporte para o ensino, permite a variação do brincarora como atividade livre ora orientada.

As concepções froebelianas de educação, homem e sociedade estão intimamentevinculados ao brincar e expressas em The Education of Man (Froebel, 1912c).

Froebel diverge de Rousseau ao apontar a necessidade da jardineira, o profissional quedeve, à semelhança do jardineiro, cuidar da planta, podá-la e regá-la, no jardim deinfância, a metáfora da criança semelhante à planta em crescimento. Entretanto,sugere que, no início, a educação deve ser "somente protetora, guardadora e nãoprescritiva, categórica, interferidora"(Froebel, 1912c, p.7) e que odesenvolvimento da humanidade requer a liberdade de ação do ser humano, "a livre eespontânea representação do divino no homem"(Froebel, 1912c, p.7), "objeto detoda educação bem como o destino do homem"( Froebel, 1912c, p.10). Entendeque é destino da criança "viver de acordo com sua natureza, tratadacorretamente, e deixada livre, para que use todo seu poder. (...) A criançaprecisa aprender cedo como encontrar por si mesmo o centro de todos os seuspoderes e membros, para agarrar e pegar com suas próprias mãos, andar comseus próprios pés, encontrar e observar com seus próprios olhos" (Froebel,1912c, p.21). Ao elevar o homem à imagem de Deus, criador de todas as coisas,postula que a criança deve possuir as mesmas qualidades e "ser produtiva ecriativa" (Froebel, 1912c, p.21) . Dessa forma, para que o ser humano expresse aespiritualidade de Deus, seria necessária "a liberdade para auto-atividade eautodeterminação da parte do homem, criado para ser livre à imagem deDeus. " (Froebel, 1912c, p.11)

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Concepções de homem e sociedade envolvendo a liberdade do ser humano de auto-determinar-se, buscar o conhecimento para a humanidade desenvolver-se, definem afunção da educação infantil que se reflete no brincar, considerado " a fase maisimportante da infância - do desenvolvimento humano neste período - por ser aauto-ativa representação do interno - a representação de necessidades eimpulsos internos," (Froebel, 1912c, p. 54-55) "a atividade espiritual mais purado homem neste estágio e, ao mesmo tempo, típica da vida humana enquantoum todo - da vida natural interna no homem e de todas as coisas. Ela dáalegria, liberdade, contentamento, descanso externo e interno, paz com omundo...A criança que brinca sempre, com determinação auto-ativa,perseverando, esquecendo sua fadiga física, pode certamente tornar-se umhomem determinado, capaz de auto-sacrifício para a promoção do seu bem ede outros....Como sempre indicamos, o brincar em qualquer tempo não étrivial, é altamente sério e de profunda significação. " (Froebel, 1912c, p.55)

Para Harris, editor das obras froebelianas:

"Froebel é o reformador pedagógico que fez maisque todos os restantes juntos, por dar valor àeducação, ao que os alemães chamam "método dedesenvolvimento pela atividade espontânea", quepermite plena expressão, porque os atos da criançaque joga são o resultado de suas próprias decisõese motivações e não obediência ao mando ou sinaldo mestre. "( Hughes, 1925, p. 194)

Considerado por Blow (1991), psicólogo da infância, Froebel introduz o brincar paraeducar e desenvolver a criança. Sua teoria metafísica pressupõe que o brincar permiteo estabelecimento de relações entre objetos culturais e a natureza, unificados pelomundo espiritual. Froebel concebe o brincar como atividade livre e espontânea,responsável pelo desenvolvimento físico, moral, cognitivo, e os dons oubrinquedos, objetos que subsidiam atividades infantis. Entende, também, que acriança necessita de orientação para seu desenvolvimento. A perspicácia do educadorleva-o a compreender que a educação é ato intencional, que requer orientação,materializados na função da jardineira usar materiais para facilitar a construção doconhecimento de pré-escolares. Entretanto, a aquisição do conhecimento, requer aauto-atividade, capaz de gerar auto-determinação que se processa especialmente pelobrincar. Programas froebelianos permitem a inclusão de atividades orientadassubsidiadas por pequenos objetos geométricos, chamados dons, materiais como bolas,cilindros, cubos, papéis recortados, anéis, argila, desenhos, ervilhas, palitos demadeira pelos quais se realizam atividades orientadas, as ocupações, geralmenteintercaladas por movimentos e músicas.

Representada pelas brincadeiras interativas entre a mãe e a criança, há outramodalidade, de natureza simbólica, de imitação de situações do cotidiano, por gestos ecantos, o espaço propício para a ação iniciada da criança, que permite a expressão edeterminação. Desta forma, a teoria froebeliana proporciona subsídios para acompreensão da brincadeira como ação livre da criança e o uso dos dons, objetos,suporte da ação docente, conhecidos hoje como materiais pedagógicos, permite aaquisição de habilidades e conhecimentos, justificando os jogos educativos.

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A apropriação da teoria froebeliana como brincar supervisionado pode ser analisada apartir de categorias como: tipo de instituição, classe social de seus freqüentadores,concepções de criança e instituição infantil e a forma de funcionamento das mesmas( tempo integral ou parcial).

Nos primeiros tempos da educação infantil brasileira, à semelhança da experiênciaamericana, o brincar, no imaginário dos profissionais apresenta tonalidadesdiferenciadas conforme o tipo de instituição e a clientela atendida. Prestam serviços àcriança pequena: jardins de infância e instituições de atendimento infantil (asilosinfantis, creches, escolas maternais, parques infantis). Os jardins de infânciafroebelianos penetram nas instituições particulares, como inovação pedagógica,destinadas à elite da época, como exemplo de modernidade, que oferece um cursosemelhante ao divulgado no então modelar sistema educacional americano. Entre osprimeiros a adotá-los encontram-se o Colégio Menezes Vieira, do Rio de Janeiro(1875), e a Escola Americana, dirigida por protestantes de São Paulo (1877). Aassociação do jardim de infância a uma unidade de educação, de meio período,destinada à elite fica mais clara ainda, quando se cria o Jardim de Infância da Caetanode Campos, de São Paulo, em 1896. Mesmo sendo uma escola pública era freqüentadopela elite da época, provocando polêmica e discursos inflamados de deputados comoEsteves da Silva e Marrey Junior, que reivindicam sorteio para o preenchimento dasvagas. Ao introduzir a metodologia froebeliana no Jardim da Caetano de Campos,Gabriel Prestes promete uma educação mais adequada aos rebentos da elite paulistaabandonada nas mãos de governantes incapazes ( Kishimoto, 1988).

Ao sugerir a criação do jardim de infância por meio de decreto governamental, Prestesusa como argumento a necessidade de garantir o ensino intuitivo para qualificar aescola primária. Desde seu nascimento na escola pública, o jardim de infância ganhaestatuto de instituição anexa à escola primária, forma de antecipação da escolaelementar. Não se questiona sua especificidade e a educação da criança dessa faixaetária.

A descrição das atividades desenvolvidas pela unidade infantil anexa à Caetano deCampos, efetuada pela Revista Escola Pública, confirma a predominância do uso dedons de modo supervisionado. O brincar livre só foi introduzido posteriormente com oadvento do escolanovismo. (Kishimoto, 1996a).

Se os jardins de infância utilizam a pedagogia froebeliana dos dons e ocupações, ascreches e escolas maternais, ao funcionarem em tempo integral, parecem impedidasde fazê-la, conforme mostra o Anuário de Ensino de 1935-36 (Kishimoto, 1988):

"A palavra "kindergarten"( jardim da infância) foi adotada por Froebel, no séculopassado, para designar instituições correspondentes ao tipo francês da escolamaternal, abrangendo a educacão e a assistência e destinando-se, de preferência, àcriança pobre. Os americanos distinguem geralmente a escola maternal do jardim dainfância, entregando àquela as crianças de 2 a 3 anos e a este as de 4 a 6 anos. Aterminologia do Código de Educação adotou esse exemplo. Contudo, o uso nosso édenominar jardim da infância a instituição que se preocupa exclusivamentecom a educacão froebeliana, reservando-se o nome de escola maternal à queeduca e presta assistência " (Kishimoto, 1988, p. 39). Nesse trecho, há claradistinção entre os jardins de infância, considerados dignos de utilizar uma teoria queeduca as crianças, e as escolas maternais, destinadas a prestar assistência, o quepressupunha para o imaginário da época, ausência de educação. Outra diferenciação

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era o tempo de permanência da criança na instituição: jardins de infância funcionavamem meio período e as escolas maternais, em tempo integral. O Anuário esclarecedistinções legais e seus usos. Se no plano legal não se pressupunha diferenciações, ouso, que é cultural, o fazia.

Outra categoria relacionada com a apropriação da teoria froebeliana além do períodode funcionamento e do tipo de instituição é a classe social de seus freqüentadores.

A longa prática dos jardins de infância, tanto particulares como o único oficial , deprestar serviços apenas às classes de maiores recursos parece ter reforçado a idéia deque é a situação econômica que diferencia o jardim de infância de outrosestabelecimentos.

"A Escola Maternal é (...) uma instituição para as criancinhas de 2 a 4 anos e o jardimde infância para os de 4 a 6 anos. No nosso projeto não é a classe social, mas a idadedas crianças que diferencia primeiramente as duas instituições."( Alvim, 1941, p. 33)

Nas escolas maternais, dos tempos de Anália Franco e das vilas operárias interdita-setambém o brincar orientado.

Para a rede de creches e escolas maternais que se desenvolve no Estado de São Paulo,nas primeiras décadas deste século, sob a supervisão da espírita Anália Franco, não seutiliza a teoria froebeliana, mas a orientação da escola maternal francesa, por duasrazões: por ser uma metodologia menos dispendiosa e por acreditar que a criançabrasileira necessita não de brincadeiras, mas de ensino, escrita e cálculo ( Franco,1912) . Mais uma vez vence a tendência de escolarização.

As escolas maternais criadas nessa época para atender filhos de operários também nãoparecem autorizadas a utilizar a metodologia froebeliana. Somente os jardins deinfância, de meio período, distribuídos em 3 anos de curso seqüencial, concede-se odireito à proposta do brincar. ( Kishimoto, 1988, 1990)

Quando da criação dos Parques Infantis, por Mário de Andrade, observa-se mais umavez a discriminação da criança pobre. Para o poeta, o brincar deveria ser a expressãode brincadeiras tradicionais, livres, divulgadas pela oralidade infantil, para educar eaperfeiçoar a cultura de qualquer criança, inclusive do operariado paulista dos anos 30.Entretanto, Nicanor Miranda, seu sucessor, implanta o brincar orientado, controlado esupervisionado como sendo o modelo ideal para retirar das ruas rebentos dooperariado para educá-los (Faria, 1993). Aqui prevalece, o critério da classe social.Mais uma vez, no início da industrialização em São Paulo, à semelhança da experiênciaamericana, o brincar controlado fica atrelado à classe econômica de seus usuários.

A apropriação das teorias infantis presentes no movimento progressivista como as deDewey, Montessori, Decroly, Kilpatrick, Freinet e outros mostram outros exemplos narealidade brasileira ( Kishimoto, 1988, 1990).

No jardim de infância da Escola Normal Caetano de Campos, de São Paulo, instituiçãopública que recebe a elite paulista, sob a orientação de Alice Meirelles Reis,desenvolvem-se metodologias escolanovistas, entre os quais centros de interesses einúmeros jogos divulgados por Decroly, Froebel e Montessori. Entretanto, nas classespré-escolares anexas aos grupos escolares estaduais, que atendem crianças demenores recursos, para ajustar-se ao espaço físico disponível, com carteiras pregadas

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no chão, ausência de materiais diversificados e professores não qualificados,prevalecem folhas mimeografadas reproduzindo jogos educativos sugeridos porDecroly, que exigiam apenas exercícios gráficos, geralmente mecânicos. A apropriaçãode Decroly nessas classes demonstra a dura realidade da expansão dessas instituiçõesque não conta com docentes qualificados e nem mesmo salas e recursos apropriadospara o trabalho infantil. Dentre as inúmeras sugestões propostas por Decroly comocentros de interesses, oficinas, brincadeiras motoras, e construção de brinquedos,utilizou-se, apenas, as folhas impressas com desenhos de jogos de identificação. Essaorientação valeu-lhe a denominação "classes de decepção infantil"( Kishimoto,1990). Dentro desse mesmo princípio de privilegiar classes sociais, nota-se ametodologia montessoriana, que requer materiais dispendiosos divulgar-se entre asescolas particulares para a elite, notadamente de orientação religiosa.

Tais exemplos demonstram que a teoria froebeliana, nos primeiros tempos daimplantação dos kindergarten, têm seu uso associado a três critérios já apontados porBloch e Choi: classe social, tipo de instituição infantil e período defuncionamento do curso.

Atualmente, a grande maioria das 355 Escolas Municipais de Educação Infantil de SãoPaulo destinadas a crianças de 4 a 6 anos, adotam o modelo escolar. Poucos são osespaços para brincadeiras livres. Os horários são rígidos, com turmas homogêneas,atividades padronizadas e pouca escolha da criança. A socialização pela brincadeira ficaausente deste modelo que prioriza a escolarização e a aquisição de rudimentos deescrita e cálculo.

Os estudos sobre o brincar indicam graduais alterações especialmente nos materiaisdestinados às brincadeiras.

Os materiais froebelianos foram questionados por não atender às necessidades dascrianças. Para G. Stanley Hall, dons e atividades froebelianas propiciam atividadessedentárias e não desenvolvem os grandes músculos, cujos movimentos precedem amanipulação, nem oportunizam a linguagem, exploração e criatividade. Tais discussõesredundaram em críticas aos dons e ocupações, considerados tediosos e suasubstituição por artes, marcenaria, grandes blocos de construção e brincadeiras de faz-de-conta. Alice Temple, Patt Hill e Caroly Pratts recomendam blocos de construçãomaiores e leves, acessórios para brincadeiras de faz-de-conta e animais como novasformas de suporte material para brincadeiras. ( Bloch e Choi, 1990)

Essa evolução dos materiais cria a necessidade de adequar o espaço da brincadeira,sem que se perca a característica do brincar como ação livre, iniciada e mantida pelacriança.

A prática pedagógica brasileira por longo tempo não referenda a associação íntimaentre materiais, espaços e brincadeiras.

A dissociação passa a ser revista em propostas que começam a circular a partir daexpansão das creches, fruto de movimentos sociais que se acentuam nos anos 70 eavançam nas décadas seguintes. Questionamentos sobre a natureza das instituiçõesinfantis colocam em destaque o brincar como proposta para educar crianças em idadeinfantil. Preocupadas prioritariamente com a educação higiênica, emocional, religiosa efísica, as creches começam a discutir a educação das crianças em novas bases.Algumas adotam propostas conteudísticas incluindo, na rotina diária, atividades

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gráficas voltadas para tarefas de alfabetização, outras adotam o brincar espontâneo,sem suporte material e outras começam a formar grupos de estudos para compreendermelhor a natureza de um trabalho educativo vinculado ao brincar. A concepçãobiológica, de criança natural e espontaneísta como opção para instituições destinadasàs classes populares recebe o apoio do governo nos programas de educaçãocompensatória.

O grande viés desse movimento é a adoção do brincar livre sem materiais e espaçosadequados às crianças. O brincar livre, embora desejável, torna-se utópico, uma vezque a criança não dispõe de alternativas, de objetos culturais, ou espaços paraimplementar seus projetos de brincadeira. Pretende-se desenvolver a criança a partirdo que se tem na instituição, ou seja, quase nada. A proposta de Vygotski ( 1988) deinserir objetos culturais para estimular o imaginário infantil não se expande. Grandesespaços internos e externos, como salões, salas e corredores sempre vazios, sãoutilizados para as ditas brincadeiras livres, que pela ausência de objetos ou cantosestimuladores, favorecem correrias, empurrões. Alguns exemplares de brinquedos,geralmente doados, por sua quantidade e natureza, impedem a elaboração de qualquertemática de brincadeira, regra que prevalece nas instituições. Naquelas que adquirembrinquedos observa-se uma inadequação de tipo e uso. Em geral, há predomínio debrinquedos destinados ao desenvolvimento cognitivo, como blocos lógicos, encaixe eclassificação e pouca representatividade do campo simbólico. Nas creches que dispõemde berçários, há falta de brinquedos para a primeira idade (Kishimoto, 1996c).

Os brinquedos ficam expostos como decoração e não servem de suporte aodesenvolvimento motor da criança. Móbiles são pendurados no alto, nas paredes,distantes do olhar e da mão da criança. Enfim, o uso do brinquedo prende-se àdecoração da sala, não funciona como suporte de brincadeira e exploração doambiente.

A revisão curricular dos anos 80, reafirmando o valor do folclore, de brinquedos ebrincadeiras tradicionais permite a instalação de Brinquedotecas como instituições queemprestam brinquedos e oferecem novos espaços de exploração lúdica. Divulgada naEuropa a partir dos anos 60, penetra no Brasil nos anos 80, levando as instituições avoltarem a atenção para o brincar infantil. A introdução de brinquedotecas dentro deinstituições de educação infantis, tradicionalmente de orientação conteudística ousanitárias e higiênicas, certamente contribuem para os profissionais repensarem opapel da brincadeira para crianças dessa faixa etária.

Se a função da brinquedoteca é emprestar brinquedos e oferecer espaço para animaçãocultural, podemos compreender que o uso corrente, em muitas instituições infantis,distancia-se dessa prática. Substituir a falta de brinquedos e materiais paradesenvolver atividades com pré-escolares introduzindo brinquedotecas aparece maisuma vez como forma de escamotear os objetivos desse nível de ensino. Adotar umainstituição da "moda", que valoriza o lúdico como um apêndice, sem questionar asfunções da brincadeira enquanto proposta educativa é outro exemplo que mascara ainconsistência de um projeto educativo baseado no brincar (Kishimoto,1995b, 1994). Adivulgação da brinquedoteca no seio de creches e pré-escolas e o desconhecimento desuas funções aparece no Congresso de Brinquedoteca realizado em Santa Maria, em1996, com inúmeras questões relacionadas à natureza das duas instituições.

Pré-escolas particulares, que funcionam em sobrados, com salas pequenas, geralmentede orientação acadêmica, procuram absorver idéias relativas ao uso do brincar, criando

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brinquedotecas. Nesse caso, salas abarrotadas de mesinhas e cadeiras para recebercerca de 20 crianças, impedem a reorganização do espaço físico com a introdução debrinquedos e cantos para brincadeiras. Criada em alguma sala disponível, abrinquedoteca é a alternativa para sanar a dificuldade, e ao mesmo tempo, garantir aorientação conteudística. A brinquedoteca enquanto espaço distinto, fora da sala deaula é a imagem que predomina no imaginário de uma profissional de creche: "Teriauma coisa que eu li, que eu acho que seria interessante, uma brinquedolândia, né? Umlugar prás crianças brincarem fora da sala de aula. Um espaço também tampado,arejado, mas só com brincadeiras, com uma tia diferente. Um tia que não fosse adeles..."( Veillard, 1996, p. 84).

Pela visão do profissional, o brincar não pode integrar-se às atividades educativas,ocupa lugar fora da sala, não sendo sua tarefa interagir com a criança por meio dabrincadeira, cabe a outro esse papel. As razões da dicotomia entre o educar e o brincarindicam as dificuldades enfrentadas pelas profissionais de compreender o lúdico: "Você ter pessoas, assim, que fossem treinadas, e que tivessem sempre nessa questãoda brincadeira. Porque eu acho que a brincadeira é uma coisa muito difícil, porque eutenho dificuldade prá criar brincadeiras" ( Veillard, 1996, p. 84). Um olhar para oscurrículos dos cursos de Magistério e de Pedagogia, repletos de conteúdos que nãoqualificam o profissional para a compreensão e inserção do lúdico no trabalhopedagógico demonstram a dimensão do problema. Em decorrência, o desenvolvimentoinfantil não privilegia um ser holístico, o brincar restringe-se ao exercício muscular,conduzido por um professor de Educação Física: "(...)o professor de Educação Física,ele já sabe que tipo de exercícios. Ele tem aquele jeito de bolar, assim, umabrincadeira que as crianças exercitem os músculos(...) eu acho que ele tá habilitado. E(...) seria uma pessoa só, que poderia trabalhar um dia com cada turma na semana"( Veillard, 1996, p. 84).

O rodízio de uso da sala por várias turmas permite que, pelo menos uma vez porsemana, as crianças tenham acesso aos brinquedos e brincadeiras. Mas mesmo nessasocasiões, nem sempre se garante o uso livre dos brinquedos. Predominam atividadesdirigidas pelos professores selecionando brinquedos educativos ou delimitando o tipode brinquedo utilizado pela criança. O brincar enquanto recurso para desenvolver aautonomia da criança deixa de ser contemplado nesse tipo de utilização.

Nas instituições em que se permite o uso livre, cantos extremamente estruturados efixos, impedem a criação de projetos de brincadeiras por parte da criança. A concepçãode brincar como forma de desenvolver a autonomia das crianças requer um uso livrede brinquedos e materiais, que permita a expressão dos projetos criados pelascrianças. Só assim, o brincar estará contribuindo para a construção da autonomia. Apré-escola japonesa dá um exemplo muito claro de como é possível acreditar nacriança, dar espaço para que cada uma crie seu projeto de brincadeira na companhiade seus pares.( Kishimoto, 1996a).

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A prática pedagógica nas creches e pré-escolas parece referendar grandes espaços,vazios de brinquedos e objetos culturais que estimulem o imaginário infantil e permitaa expressão de temáticas de faz-de-conta. Predominam, sempre, salas e corredoresdesprovidos de objetos em que se pode apenas correr, pular, rolar, trombar comoutros. Muitas vezes, uma bola ou alguns brinquedos dispersos estimulam a posse e amanipulação, sem vinculação com qualquer intenção de brincar da criança ou, ainda, o

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oposto, salas repletas de mesas e cadeiras em que se desenvolvem atividadescoletivas, consideradas "pedagógicas", sob a supervisão do professor. Os brinquedosestão geralmente guardados em estantes ou armários, longe do acesso das crianças.Quando disponíveis, não há preocupação em adequá-los à faixa etária, se estão embom estado, se há quantidade suficiente, se estimulam ações lúdicas que propiciem aexpressão do imaginário. A produção de brinquedos voltada para finalidades externas,como presentes para os pais, não subsidia a representação simbólica. A ação motoraque integra toda brincadeira é vista como independente da cognição, afetividade esociabilidade, portanto, sem relação com o desenvolvimento da linguagem eoportunidades de exploração.

Os brinquedos aparecem no imaginário dos professores de educação infantil comoobjetos culturais portadores de valores considerados inadequados. Por exemplo,bonecas Barbies devem ser evitadas por carregar valores americanos. Bonequinhosguerreiros , tanques, armamentos e outros brinquedos, com formas bélicas, recebem omesmo tratamento por estarem associados à reprodução da violência. Brincadeiras decasinhas com bonecas devem restringir-se ao público feminino. Brincadeiras motoras,com carrinhos e objetos móveis, pertencem mais ao domínio masculino. Criançaspobres podem receber qualquer tipo de brinquedo, porque não dispõem de nada. Apobreza justifica o brincar desprovido de materiais e a brincadeira supervisionada.Escolas representadas por diversas etnias começam a introduzir festas folclóricas, comdanças, comidas típicas, como se a multiculturalidade pudesse ser resumida ecompreendida como algo turístico, pelo seu lado exótico, apenas por festas eexposições de objetos típicos, não contemplando os elementos que caracterizam aidentidade de cada povo. Enfim, são tais atitudes que demonstram preconcepçõesrelacionadas à classe social, ao gênero e à etnia, e tentam justificar propostasrelacionadas às brincadeiras introduzidas em nossas instituicões de educação infantil.Da mesma forma, a concepção de que o brincar deve restringir-se a espaços como oplayground, ou a uma sala como a Brinquedoteca, mostra o quanto o brincar estáausente de uma proposta pedagógica que incorpore o lúdico como eixo do trabalhoinfantil.

As instituições infantis selecionam aspectos da cultura relacionados com o saberinstituído da escola elementar: a escrita e os números, excluindo elementoscaracterizadores da cultura do país como o carnaval, rituais do Bumba meu boi, festade coroação dos reis, capoeira, futebol, as lendas... Nota-se, também, a falta demateriais típicos da fauna e flora brasileiras, como folhas, galhos, pedras, conchas,frutos, flores, penas etc. A produção de objetos não reflete a riqueza do mundo culturale natural. Mesmo o uso da sucata industrial fica empobrecido com a falta de umtratamento que ofereça identidade cultural a tais objetos. O imaginário infantil nãoreflete a riqueza folclórica, com suas lendas como a vitória-régia, gibóia, boto cor-de-rosa, que habitam regiões da Amazônia e Mato Grosso. As lendas e contos,contribuições de indígenas, negros e brancos, que resultam na pluralidade cultural dapopulação brasileira e que habitavam o imaginário das crianças dos tempos passadosexcluídos do rol de conteúdos escolares demonstra a separação entre a escola e acultura (Kishimoto, 1993a). A riqueza das lendas e contos divulgadas por pintorescomo Portinari, que retrata a mula-sem-cabeça representando o pegador nas noitesescuras de Brodoski, como memórias de infância, Rego (1969), em Menino deEngenho, conta suas lembranças dos tempos do engenho de açúcar, em que sebrincava de capabode, a brincadeira de faz-de-conta em que só brancos podiamconstruir um engenho de açúcar para ser o proprietário, em que se simulava o AntonioSilvino", o cangaceiro do nordeste, empunhando armas e organizando batalhões

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( Kishimoto, 1993a). As imagens sociais dos tempos passados perdem-se, guardadosem gavetas que não foram mais abertas em virtude do novo modo de vida dos temposatuais que impede a transmissão oral dentro de espaços públicos. Cabe à escola atarefa de tornar disponíveis o acervo cultural que dá conteúdo à expressão imaginativada criança, abrir o espaço para que a escola receba outros elementos da cultura quenão a escolarizada para que beneficie e enriqueça o repertório imaginativo da criança.Vygotski (1988) revoluciona a Psicologia ao mostrar que a cultura forma a inteligênciae que a brincadeira de papéis é a atividade predominante do pré-escolar que favorecea criação de situações imaginárias, de reorganização de experiências vividas; Bruner( 1996) reforça essa perpectiva ao mostrar que a educação deve entrar na cultura.

Pesquisas efetuadas em creches e pré-escolas demonstram que os materiaisprivilegiados pelas instituições infantis continuam sendo os gráficos e os educativos.(Kishimoto, 1996c, 1996b, Canholato, 1990, Pinnaza, 1989), referendando mais umavez valores relacionados às atividades didáticas, predominando o modelo escolar,marginalizando a expressão , criatividade e iniciativa da criança. A cultura brasileirarepleta de festas e folclore sistematicamente está ausente dos domínios escolares. Éessa seletividade a que se refere Furkin (1996), ao apontar como a educaçãorelaciona-se com aspectos da cultura. A inversão desse modelo pode efetuar-se por umprocesso político de introdução dos elementos folclóricos no contexto da educação, àsemelhança do Japão, que nos anos 70, ao perceber o desaparecimento dasbrincadeiras tradicionais, fruto da intensa industrialização e urbanização do país,introduz medidas políticas visando recuperá-las, a partir da inserção de brinquedos ebrincadeiras nos currículos infantis.(Kishimoto, 1995c, 1996a)

Outro aspecto ausente das discussões de profissionais de educação infantil é ainteração criança-criança e criança adulto por meio da brincadeira. Qual o papel doadulto como representante da cultura, responsável pela educação infantil? Qual osignificado de objetos do mundo cultural para o desenvolvimento infantil? Pode-seconstruir conhecimento a partir de brinquedos e brincadeiras? Pode-se desenvolver alinguagem? Brincadeiras em grupo servem para socializar crianças, levar `acompreensão de regras? Brincadeiras de faz-de-conta contribuem para a formação dosímbolo? Crianças que expressam suas representações mentais se desenvolvem? Quaisos tipos de brinquedos mais adequados a cada faixa etária? Como devem ser utilizadosos diferentes brinquedos? Como introduzir brinquedos e brincadeiras dentro depropostas pedagógicas? Tais questões certamente preocupam profissionais motivadosem oferecer uma educação infantil de qualidade

Diante de tal situação destacam-se os trabalhos de centros de pesquisa e de estudos.O Laboratório de Brinquedos e Materiais Pedagógicos da Faculdade de Educação daUniversidade de São Paulo, desde 1993 dispõe de um banco de dados sobrebrincadeiras tradicionais brasileiras para subsidiar profissionais no trabalhopedagógico.(Kishimoto, 1993b) A Fundação Carlos Chagas, de São Paulo, realiza edivulga pesquisas no campo da educação infantil; Universidades como a de RibeirãoPreto, a Federal de Santa Maria, de Curitiba, dispõem de projeto de capacitação deprofissionais de creches e pré-escolas aproximando a cultura da escola com a inclusãodas brincadeiras infantis. Apesar de a grande maioria das universidades e centros deformação marginalizarem a educação infantil há, como tradição no Brasil, centros deexcelência que batalham pela expansão e melhoria da qualidade de formação tanto deprofissionais como da educação de 0 a 6 anos.

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Créditos da autora

Tizuko Morchida Kishimoto

Professora Titular responsável pela disciplina de pós-graduação: Brinquedos eBrincadeiras na Educação Pré-escolar

Coordenadora do Laboratório de Brinquedos e Materiais Pedagógicos

Autora de livros e artigos sobre a história da educação infantil e brinquedos ebrincadeiras.

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