ESCOLAS PAROQUIAIS CATÓLICAS NO BRASIL NO FINAL … · Na Alemanha do final do século XVIII e...

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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa Universidade Federal da Paraíba 15 a 18 de agosto de 2017 ISSN 2236-1855 608 ESCOLAS PAROQUIAIS CATÓLICAS NO BRASIL NO FINAL DO SÉCULO XIX E INÍCIO DO SÉCULO XX: CONCEITO E PRESSUPOSTOS DE ENSINO César Augusto Castro 1 Janeth Carvalho da Silva Cardoso 2 Introdução Neste artigo, aborda-se o context0 de criação da escola paroquial católica, seu funcionamento e pressupostos de ensino no Brasil, no período compreendido entre o final do século XIX às primeiras décadas do século XX. Tem-se como objetivo analisar o funcionamento desse tipo de instituição confessional em Estados brasileiros como Rio Grande do Sul e Santa Catarina com base nos seguintes autores que estudam o tema: Heerdet (1992); Kreutz (2004) e Strider (2008). Kreutz, apresenta o professor paroquial e suas múltiplas funções no período da colonização teuto-brasileira no sul do país, diante da oferta precária de ensino público no final do século XIX. Strieder, define o que é uma escola paroquial e aponta as contribuições dessa instituição para a quase erradicação do analfabetismo em algumas regiões do Rio Grande do Sul, e Heerdet que aponta a escola paroquial como sendo um dos meios que a igreja mais investiu em Santa Catarina, para garantir ao povo os ensinamentos da fé católica. Em seguida, apresenta-se a ação missionária dos capuchinhos italianos no interior do Estado do Maranhão e a possível existência de escolas paroquiais, com características parecidas com as instituições que funcionaram no sul do País, mesmo em um contexto diferente do vivenciado pelos imigrantes alemães. Evidenciam-se a relação da imigração alemã com a criação, de escolas paroquiais, além dos reflexos do rompimento do Estado com a igreja e da campanha de nacionalização do ensino sobre tais instituições. Esta produção é resultado dos estudos iniciados na disciplina de Pesquisa Educacional do Mestrado em Educação do PPGE/UFMA e aprofundado na realização do estado da arte sobre escolas paroquiais. A temática investigada se insere na história das instituições 1 Doutor em Educação pela USP. Professor titular no Departamento de Biblioteconomia da Universidade Federal do Maranhão. E-Mail: <[email protected]> 2 Mestranda no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Maranhão. E-Mail: <[email protected]>.

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ESCOLAS PAROQUIAIS CATÓLICAS NO BRASIL NO FINAL DO SÉCULO XIX E INÍCIO DO SÉCULO XX: CONCEITO E PRESSUPOSTOS DE ENSINO

César Augusto Castro1 Janeth Carvalho da Silva Cardoso2

Introdução

Neste artigo, aborda-se o context0 de criação da escola paroquial católica, seu

funcionamento e pressupostos de ensino no Brasil, no período compreendido entre o final do

século XIX às primeiras décadas do século XX. Tem-se como objetivo analisar o

funcionamento desse tipo de instituição confessional em Estados brasileiros como Rio

Grande do Sul e Santa Catarina com base nos seguintes autores que estudam o tema: Heerdet

(1992); Kreutz (2004) e Strider (2008). Kreutz, apresenta o professor paroquial e suas

múltiplas funções no período da colonização teuto-brasileira no sul do país, diante da oferta

precária de ensino público no final do século XIX. Strieder, define o que é uma escola

paroquial e aponta as contribuições dessa instituição para a quase erradicação do

analfabetismo em algumas regiões do Rio Grande do Sul, e Heerdet que aponta a escola

paroquial como sendo um dos meios que a igreja mais investiu em Santa Catarina, para

garantir ao povo os ensinamentos da fé católica. Em seguida, apresenta-se a ação

missionária dos capuchinhos italianos no interior do Estado do Maranhão e a possível

existência de escolas paroquiais, com características parecidas com as instituições que

funcionaram no sul do País, mesmo em um contexto diferente do vivenciado pelos imigrantes

alemães.

Evidenciam-se a relação da imigração alemã com a criação, de escolas paroquiais, além

dos reflexos do rompimento do Estado com a igreja e da campanha de nacionalização do

ensino sobre tais instituições.

Esta produção é resultado dos estudos iniciados na disciplina de Pesquisa Educacional

do Mestrado em Educação do PPGE/UFMA e aprofundado na realização do estado da arte

sobre escolas paroquiais. A temática investigada se insere na história das instituições

1 Doutor em Educação pela USP. Professor titular no Departamento de Biblioteconomia da Universidade Federal do Maranhão. E-Mail: <[email protected]>

2 Mestranda no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Maranhão. E-Mail: <[email protected]>.

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escolares no Maranhão no início do século XX, de forma mais especifica a escola paroquial

fundada pelos capuchinhos. Partimos do levantamento dos trabalhos acadêmicos existentes

sobre escolas paroquiais. Busca-se no estudo realizado o suporte para o levantamento

bibliográfico que será utilizado na escrita da dissertação de mestrado em andamento.

A imigração alemã e o funcionamento de escolas paroquiais católicas no final do século XIX início do século XX nos Estados do Rio Grande Sul e Santa Catarina

A imigração de países europeus e de forma específica da Alemanha, para regiões do sul

do país, principalmente em Estados como Rio Grande do Sul e Santa Catarina teve início

ainda no Brasil império (1824) e se intensificou até as primeiras décadas da república

(Kreutz, 2004). Com a colonização de áreas brasileiras próximas a fronteira, veio juntamente

com os emigrantes alemães não apenas uma nova cultura, mas também uma necessidade que

no Brasil da época, ainda não havia se tornado um anseio evidente por parte da população

agrícola já existente em tais Estados, ou seja, a valorização dada a educação escolar. Tal

necessidade, sentida por quem se mudou de maneira voluntária para regiões tão isoladas,

pode ser apontada como um reflexo3 da educação ofertada em seu país de origem, que

diferentemente do Brasil, vivenciava uma outra realidade, a de expansão industrial.

Na Alemanha do final do século XVIII e início do século XIX, havia um intenso destaque para a valorização da educação escolar. [...] a partir do momento em que o Estado passou a se responsabilizar pela educação, mudando o foco para a formação do cidadão, acreditando que a educação teria influência sobre o bem-estar do povo, a estabilidade nacional e seria a base das próprias reformas sociais e políticas (STRIEDER, 2008. p. 122).

Neste sentido, pode-se dizer que o emigrante alemão traz consigo a convicção de que a

educação escolar é necessária para garantir as crianças o seu desenvolvimento tanto moral

quanto intelectual. Mesmo assim, no “[...] desenvolvimento interno da imigração alemã [a

igreja instala] o projeto de Restauração Católica Regional desenvolvido sob a forte liderança

dos jesuítas”. (Kreutz, 2004, p.17)

Portanto, a emigração de famílias alemães católicas para o Rio Grande do Sul4, aparece

como a motivação primordial para a criação de um elevado número de escolas paroquiais e

3 Reflexo não somente da educação em si, mas segundo Strieder (2008) e Kreutz (2004) a valorização da educação escolar e a necessidade de fundar escolas mesmo em áreas tão isoladas como nas zonas de colonização, foi uma maneira de reforçar os valores familiares, a preservação da cultura e de manter a língua “[...] costumes e organizações típicas da Alemanha. Terá sido um dos raros casos em que imigrantes se estabeleceram na terra de adoção com um grau muito elevado de “transplante cultural”. (KREUTZ, 2004, p.26).

4 Os autores utilizados como referência neste trabalho Heerdet, (1992); Kreutz, (2004) e Strieder, (2008) analisam a emigração e a especificidade da escola paroquial católica nos Estados já mencionados. No entanto, os mesmos também citam o número elevado de famílias protestantes vindas de regiões da Alemanha em que o

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para o surgimento da figura do professor paroquial, considerado por Kreutz (2004), um

fenômeno que vai contribuir com o Projeto Católico. Segundo o autor, em consequência dessa

emigração e da ação da igreja, na década de 1930 no Estado do Rio Grande do Sul existiam

cerca de mil e duzentas escolas alemãs.

[...] um decreto real de 1808 permitia a imigração de não-portugueses e também a concessão de terras a católicos estrangeiros. E outro decreto, de 16 de março de 1820, “dirigido diretamente aos diversos povos da Alemanha e de outros Estados”, constituía o fundamento jurídico para a formação de colônias com imigrantes europeus a serem fixados em pequenas propriedades agrícolas; como a Província de São Pedro do Rio Grande do Sul já estava marcada política e socialmente por um constante estado de beligerância e militarização decorrente das disputas pela delimitação das fronteiras no Rio da Prata, foi brindada com o objetivo estratégico de povoamento da região, para protege-la das incursões estrangeiras (KREUTZ, 2014, p. 79).

O autor destaca que apesar da aparente peculiaridade que os emigrantes alemães

pudessem ter para a agricultura, ao contrário do Brasil, na terra natal a alfabetização e a

educação primária faziam parte da realidade cotidiana dos mesmos. Outra condição

apontada para se explicar o aparecimento de escolas paroquiais no sul do país foi a

especificidade do tipo de colonização, ou seja, segundo Kreutz (2004) a colonização nesta

região se deu de forma a atender objetivos políticos e para garantir a proteção das fronteiras.

No entanto, apesar de se viver no Brasil um momento de fomentação das ideias liberais, no

interior das colônias alemãs foi possível, por meio da ação de padres jesuítas, que

diferentemente de parte do clero secular brasileiro, não apoiavam tais ideias liberais, mas

eram influenciados pelo Ultramontanismo5, favorecer o surgimento de uma “[...] ampla

estrutura religioso-cultural que levou à formação de núcleos rurais ética e religiosamente

homogêneos” (KREUTZ, 2004, p. 85).

Na oportunidade concedida pelo Governo brasileiro, os emigrantes alemães que se

fixaram nessas regiões do sul do país, gozavam de liberdade para manter tanto a sua religião

quanto a identidade cultural, situação que mudará a partir da campanha de nacionalização

durante o Estado Novo.

Durante o Estado Novo, a campanha de nacionalização foi intensificada e um dos argumentos para tal era de que os teuto-brasileiros eram adeptos ao nazismo. Entretanto, a grande maioria dos colonos se manteve à margem das

protestantismo (consequência da reforma luterana) predominava. Apesar de não serem objeto de estudo dos autores acima citados, as escolas paroquiais protestantes são pontuadas pelos mesmos em suas produções.

5 Doutrina que defende a posição tradicional da Igreja católica romana de sustentar a infalibilidade do papa e se posiciona contra as ideias liberais.

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ideias nazistas, sofrendo, por outro lado, restrições cada vez maiores vindas do próprio governo brasileiro (STRIDER, 2008, p. 121).

Neste período, os autores apontam que, além de restrições sofridas, como a proibição

do ensino em alemão, muitas escolas paroquiais foram fechadas, pois a direção das

instituições escolares não poderia mais ser feita por estrangeiros.

No quadro 1, apresenta-se o resumo esquemático dos principais fatores que, segundo

Kreutz, (2004) deram origem as escolas paroquiais católicas no Estado do Rio Grande do Sul:

QUADRO 1 FATORES QUE DERAM ORIGEM AS ESCOLAS PAROQUIAIS CATÓLICAS

NO RIO GRANDE DO SUL

Fonte: Os autores.

Assim sendo, compreende-se que contrariando as mudanças políticas e sociais do seu

país de origem e ao movimento brasileiro de adesão ao pensamento liberal, a escola paroquial

no interior das colônias vai atender as diretrizes do projeto de restauração desenvolvido pela

igreja católica. “O Romantismo Conservador era a referência político-cultural. E a

Restauração Católica significou toda uma articulação das forças religiosas sob inspiração

católica em oposição ao Liberalismo” (KREUTZ, 2004, p. 36).

Outro Estado localizado na região sul do Brasil em que se registra a criação e

funcionamento de escolas paroquiais católicas é Santa Catarina. O contexto político e sócio

Criação das escolas Paroquiais teuto-

brasileiras.

Imigração alemã a partir de 1824 e de forma mais intensa até as duas primeiras décadas do Brasil república.

Necessidade de escolarização por parte dos colonos, motivada pela realidade vivenciada no pais de origem.

Formação religiosa para restauração da doutrina e fé católica no interior das zonas de colonização.

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educacional em que tais instituições confessionais surgiram, não é diferente do Estado do Rio

Grande do Sul.

Com o rompimento entre o Estado brasileiro e a igreja católica6, Heerdt (1992), afirma

que a reação do clero em relação a secularização do ensino, demostra que a igreja voltando-se

para a sua própria situação se reorganiza e passa a desenvolver estratégias para não perder

campo e evitar o abandono de fiéis. Um dos principais meios para alcançar tal objetivo é o

ensino sistematizado oferecido em diversos tipos de instituições escolares da própria igreja,

entre elas a escola paroquial.

A igreja católica durante todo o século XIX, vivenciou, uma profunda crise interna, mas

o posicionamento de parte do clero brasileiro com a ajuda da Santa Sé, tornou possível “[...]

um conjunto de fatos determinantes para a continuidade da igreja no século XIX [e XX] [...]”

(HEERDT, 1992, p.7). Além de tomar consciência de que ela própria precisa montar seus

mecanismos de influência, passa a se adaptar à nova situação de liberdade e a partir de então,

em vez de depender do Estado passa a competir com ele, com a criação de associações

religiosas que passam a atuar a partir da segunda metade do século XIX, (HEERDT, 1992).

Nesse novo contexto organizacional da igreja encontram-se as escolas paroquiais

consideradas como mecanismos de influência no setor social, mais especificamente na

educação básica, como forma de combater o ensino laico. (HEERDT, 1992).

A reorganização institucional da igreja, segundo afirmam os autores acima citados, tem

como objetivo, retomar seu lugar de atuação na sociedade brasileira combatendo os ideais

liberais, passando a criar entre outras instituições as escolas paroquiais para alcançar esse

objetivo, por meio do ensino religioso e fortalecimento da fé.

As determinações da igreja católica no Brasil, para a abertura e funcionamento desse

tipo de instituição confessional, podem ser vistas nas fontes apresentadas (cartas, pastoral

coletiva de 1915, circulares) por Heerdt, (1992). O autor com base nos documentos episcopais

analisados, mostra que a criação desse tipo de instituição no país passa a ser uma das

prioridades da igreja.

Neste sentido, o ensino religioso nas paróquias tinha como objetivo garantir, desde

cedo às crianças, uma formação sólida que acabaria com a ignorância religiosa e no futuro

impediria a perda de fies para outras religiões tidas como falsas, consideradas doutrinas

hereges, como o protestantismo, o espiritismo e a maçonaria. São claras as recomendações

6 A separação entre o Estado e a igreja ocorre com a proclamação da república (1889), primeiramente através do Decreto, nº 119-A de 7 de Janeiro de 1890 e posteriormente com a Constituição de 1891 que, em seu Art. 72 garante a liberdade religiosa e determina a laicização total do ensino.

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para que as paróquias ofereçam o ensino primário em escolas católicas. Recriminando o

ensino leigo a igreja enfatiza que o ensino religioso deveria se sobrepor aos demais.

[...] só com o ensino constante e efetivo das verdades da nossa santa religião, com os conselhos oportunos, com a direção prudente e com os sacramentos, precedidos da competente preparação e repetidos com discreta frequência, procuramos formar uma geração verdadeiramente cristã e forte, para resistir aos assaltos do inferno, que luta e peleja por nos arrancar a fé, levar-nos ao vício e á perdição (HEERDET, 1992, p. 78).

Assim, as escolas paroquiais vão garantir a educação da infância a partir de uma visão

cristã segundo o autor, a igreja acredita e defende. Portanto, a criação e o funcionamento de

escolas paroquiais no Estado de Santa Catarina, em muitos aspectos, se dá em contexto e

períodos semelhantes aos apresentados por Kreutz, (2004) no Rio Grande do Sul, conforme

ilustrado no quadro abaixo.

QUADRO 2 FASES DAS ESCOLAS PAROQUIAIS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

(1890 – 1930)

PRIMEIRA FASE (1890 – 1900)

SEGUNDA FASE (1900 – 1920)

TERCEIRA FASE (1920-1930)

- Período direcionado para a catequização e evangelização, pois a prática popular que se tinha até então, a igreja considerou como sendo, uma prática ignorante.

- Período em que o número de escolas paroquiais, principalmente nas áreas das colônias, chegou quase a alcançar o número de escolas públicas.

- Período em que as mudanças ocorridas nas relações entre o Estado e a igreja, possibilitam que a igreja utilize o espaço das escolas públicas para ministrar aulas de educação religiosa.

- Necessidade de Catequisar para evitar que os meninos e as meninas, fiquem expostos aos ataques do modernismo e do ateísmo.

- Como estratégias da igreja para a expansão e manutenção das escolas paroquiais, está a formação de professores paroquiais e a criação de associações, como a de Santo Antônio em que os recursos arrecadados com as esmolas destinadas ao santo serviam para a manutenção das instituições de ensino religioso das paroquias.

- Recuperação do número de escola paroquias em relação a anos anteriores e o lançamento do programa governamental de ensino exclusivo para as regiões de colônias.

- O aumento do número de escolas, se deu, não somente pela ação da igreja, mas também por causa da imigração de congregações religiosas, principalmente alemães para o Estado, e como consequência da liberdade concedida a partir da Constituição de 1891.

- Com a 1ª guerra mundial, ocorreu o fechamento de muitas escolas paroquiais principalmente nas colônias alemães. O ensino na língua vernácula foi proibido em consequência da nacionalização do ensino.

-Declínio e descontinuidade desse tipo de instituição escolar no Estado, ou seja, com a denominação de escolas paroquiais.

Fonte: Os autores.

Heerdt (1992) também destaca que, a criação de escolas paroquiais no Estado de Santa

Catarina, está ligada ao tipo de relação da igreja com o Estado, ou seja, se for uma relação de

maior proximidade como ocorreu, por exemplo, no Brasil Império (1822-1889) segundo o

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autor, não houve a necessidade de um número elevado de escolas paroquiais. A partir da

proclamação da república (1889) quando ocorre o rompimento desta relação, a igreja católica

inicia a abertura de escolas paroquiais como um dos mecanismos utilizados para que o

ensino religioso continuasse sendo ofertado com o objetivo de educar “[...] o homem não

somente para o mundo, mas também para Deus”. (HEERDT, 1992, p.159).

No entanto, podemos observar a partir do quadro acima que, assim como as escolas

paroquias localizadas no Estado do Rio Grande do Sul, as instituições que funcionavam em

Santa Catarina, sofreram com a Campanha de Nacionalização7 do Ensino, iniciada a partir da

década de 1920 e apontada pelos autores como sendo um dos fatores determinantes para a

descontinuidade dessas instituições escolares denominadas escolas paroquiais.

Conceito e pressupostos de ensino das escolas paroquiais

É evidente que a experiência da igreja com o funcionamento de escolas paroquiais, não

teve início a partir da ação dos padres jesuítas alemães no Rio Grande do Sul ou por outras

Ordens religiosas que atuaram em Santa Catarina e nos demais Estados brasileiros, no

período acima citado. Pelo que foi exposto, pode-se dizer que o ensino nesse tipo de

instituição escolar foi uma das práticas utilizadas pela igreja desde períodos bem anteriores

aos séculos XIX e XX. O ensino como instrumento de expansão e fortalecimento da fé parece

ser uma das estratégias mais utilizadas pela igreja desde a sua origem. Heerdt (1992) afirma

que “[...] esse fenômeno [escolas paroquiais] não se constitui um fato novo [..]. Na Carta

Pastoral de 1900, sobre as Escolas Paroquiais, Dom José de Camargo Barros afirma que elas

[escolas] são oriundas na Igreja Primitiva. ” (HEERDT, 1992, p. 100). Neste sentido,

podemos recorrer ainda a Hilsdorf (2012) que aponta a existência da recomendação para a

abertura de escolas paroquiais desde o século VI.

[...] o concílio de Vaison (529) determinou o atendimento às populações do campo, prescrevendo que os padres abrissem escolas para as crianças e os jovens das suas paróquias rurais e lhes ensinassem a ler os textos sagrados, a contar e a cantar os Salmos (Hilsdorf, 2012, p.12).

A partir dos autores que abordam a criação e o funcionamento de escolas paroquiais, se

torna possível não apenas diferencia-las das demais instituições confessionais quanto a

localização, como também apontar quais eram os seus pressupostos de ensino. Uma das

7 “Tal processo se caracteriza por retirar das famílias e da comunidade o direito da definição do tipo de educação a ser implementada nas escolas. ” (STRIEDER,2008, p.132). Uma educação sistematizada voltada para atender os interesses do Estado.

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características específicas que define uma escola desse tipo, se dá quanto a sua localização, ou

seja, para ser considerada paroquial deveria funcionar em pavimentos anexos a igrejas ou

catedrais ou no próprio prédio em que eram realizadas as missas e outras celebrações [...] a

ponto de não haver fronteiras entre a comunidade escolar e a comunidade paroquial. ”

(STRIEDER, 2008, p.123). No que se refere aos pressupostos de ensino, parece-nos que

mesmo em contextos bem diferentes, permanecem praticamente os mesmos da igreja

primitiva se compararmos com os séculos XIX e XX.

Nota-se que, apesar dos alunos aprenderem a ler, escrever e as quatro operações da

matemática o maior interesse da igreja em abrir escolas paroquiais no Brasil, não era a

alfabetização em si, a instrução, mas esse seria o meio pelo qual se daria a catequização e

formação religiosa, ou seja, toda a ação educacional estava voltada para a formação do

verdadeiro cristão, aquele que buscaria a perfeição de uma vida com Deus, rejeitando as

demais religiões consideradas hereges e abraçando a doutrina católica desde cedo.

Conforme Strieder (2008, p. 125) “O próprio ensino religioso se dava no seu interior, com

status de matéria tão importante quanto outras, ou até mais [...]”. Segundo a autora, para a

disciplina de religião era destinada a maior parte da carga horaria de estudos, cerca de seis

horas semanais nas escolas paroquiais católicas do Rio Grande do Sul.

Portanto, seja na sua origem, na idade média ou em pleno século XX, ao que tudo

indica, os objetivos da igreja ao criar escolas paroquiais são os mesmos: a formação religiosa

e a expansão e consolidação da fé, sendo que no Brasil o que se observa é que esta estratégia

foi utilizada principalmente nos períodos em que a igreja se sentia ameaçada pelo avanço de

outras religiões.

Seguindo este entendimento, podemos dizer que, no Estado do Maranhão não foi

diferente, sabe-se que inúmeras Ordens católicas se encarregaram da missão de

evangelização buscando a formação religiosa de crianças e de adultos, sendo que uma das que

mais se destacaram foi a Ordem do Frades Menores Capuchinhos, ou capuchinhos

lombardos, oriundos da Itália.

A ação missionária dos capuchinhos no Estado do Maranhão a partir 1895 e a

criação de escolas paroquiais

A presença da Igreja Católica Romana no Maranhão, se torna ainda mais significativa a

partir do final do século XIX quando recebe o reforço dos Frades Menores Capuchinhos, que

pertencem a uma Ordem religiosa independente, mas apoiam as ações da igreja, defendendo

suas diretrizes e acolhendo suas determinações. Pode-se dizer, que esses missionários

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italianos foram os principais responsáveis pelas áreas de missões no interior do Estado a

partir de 1895, quando se deslocaram da capital, São Luís para o município de Barra do

Corda, onde fundaram a sede da missão, que posteriormente se espalharia por praticamente

todos os municípios e povoados do interior.

Como dito anteriormente, no Brasil, a proclamação da república possibilitou a abertura

para outras religiões. A chegada dos Capuchinhos no Maranhão que inicialmente estava

voltada para a catequização indígena8, vai também contribuir com o esforço da igreja no

desenvolvimento das ações de oposição ao protestantismo, uma das religiões consideradas

destrutivas, que começava a ser implantada na mesma região9. É o que segundo Nembro

(1955) historiador da Ordem Franciscana relata.

Assentado o trabalho dos centros mais populosos em sólidas bases e intensificada a assistência religiosa aos féis do sertão, D. Roberto atentou para a gravidade do perigo protestante e espírita. A infiltração destes erros, facilitada pela ignorância religiosa e pelos desequilíbrios morais da família, não encontraria grande dificuldade em dar um golpe final no agonizante catolicismo; e aqui se patenteia outro grande mérito do primeiro Prelado: não somente êle embargou os passos ao protestantismo e ao espiritismo, mas, coadjuvado por seus missionários, investiu-os de frente, desmascarando- lhes a desfaçatez e a arrogância (NEMBRO, 1955, P.78).

De acordo com Matina (1995), a Ordem Franciscana é reconhecidamente uma

referência da Contrarreforma, desde o século XVI quando “[...] os capuchinhos continuaram

a se desenvolver, indo além dos Alpes e tornando-se um dos baluartes da contra-reforma [...]

pelas numerosas missões por eles desenvolvidas nas zonas em que tinha sido mais eficaz a

influência protestante[...]” (MARTINA, 1995, p.222).

Sendo assim, tudo nos leva a crer, que no Maranhão, os missionários italianos ao

apoiarem a Santa Sé usaram das mesmas estratégias utilizadas no projeto de restauração

católico, desenvolvido nos Estados do Sul do país, ou seja, ao ver no ensino a possibilidade de

expandir a fé, abriram diversos tipos de instituições escolares, dentre as quais, as escolas

paroquiais, principalmente onde existia um foco de protestantismo.

8 Com o massacre de Alto Alegre (1901) onde 13 missionários e freiras capuchinhas que trabalhavam no internato para crianças indígenas, foram dizimados pelos índios, na continuação da missão as ações se voltam com mais intensidade para povoados e vilas, deixando de certo modo os povos indígenas e o trabalho nas aldeias (NEMBRO, 1955).

9 Conforme Silva (1997), o evangelista protestante (presbiteriano) conhecido como João Batista Pinheiro, iniciou o trabalho de evangelização no município de Barra do Corda no ano de 1893. Segundo o autor, após a chegada dos capuchinhos no município, ocorreram inúmeros embates provocados por causa das diferenças doutrinárias entre protestantes e católicos. No ano de 1905, chega na mesma região o missionário protestante, (canadense) Perrin Smith.

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Resta-nos saber, se ao perceberem também a precariedade do ensino público e os altos

índices de analfabetismo no Estado, vistos como obstáculos para a catequização, os

capuchinhos conseguiram implantar um número tão grande de escolas paroquiais, como

ocorreu no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Não se sabe ao certo, se essas instituições

de ensino existiram com a mesma intensidade na região Nordeste, mas não nos restam

dúvidas de que as mesmas funcionaram no Maranhão. Conforme apresentamos registros no

livro de subvenções concedidas pelo Governo do Estado a estabelecimentos de ensino na

década de 1930, podemos observar a existência dessas instituições.

Figura 1- Registros de auxílios concedidos a Escola Paroquial São José no Maranhão no Período de 1937 a 1940. Acervo do Arquivo Público do Maranhão.

Por todas as razões apontadas, pode-se reconhecer que existiram escolas paroquiais

católicas no Maranhão e as mesmas possivelmente foram mantidas em funcionamento,

mesmo após a campanha de nacionalização do ensino. Todavia, não se sabe quem eram os

professores dessas instituições, se os próprios frades capuchinhos ou pessoas da comunidade,

que disciplinas eram lecionadas, qual o público atendido. A nosso ver essas são indagações

que precisam ser respondidas por meio da pesquisa acadêmica, trazendo à luz, a partir das

fontes, não apenas o contexto em que tais escolas paroquiais funcionam no Estado, mas como

essas instituições estavam organizadas, bem como seus pressupostos de ensino.

Conclusão

O resultado dos estudos mostra que nas regiões em que as escolas paroquiais católicas

funcionaram no Brasil, de forma mais específica, nos Estados do Rio Grande do Sul e Santa

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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

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Catarina, ocorreu uma diminuição considerável do índice de analfabetismo. A ação da igreja

de certa forma contribuiu para a expansão da escolarização nos Estados citados, diante do

contexto sócio educacional do período estudado em que o número de escolas públicas

primárias não era suficiente para atender a demanda.

No entanto, fica claro que a catequização e a formação religiosa estavam entre os

principais objetivos a serem alcançados. Neste sentido, os estudos realizados até agora no

Brasil, sobre o tema, apontam para a escola paroquial, como sendo uma instituição escolar

integrante do projeto educativo da igreja católica, tendo o ensino como instrumento de

expansão e fortalecimento da fé, de maneira mais intensa a partir do final do século XIX

quando ocorre o rompimento da relação do Estado com a igreja. Desse modo, após a

proclamação da república, o fortalecimento do catolicismo por meio do ensino religioso em

escolas confessionais, tem ainda o objetivo de combater as ideias liberais e intensificar as

ações de oposição ao protestantismo, mas ao sofrer os reflexos da campanha de

nacionalização do ensino esse tipo de instituição (escola paroquial) aos poucos vai

desaparecendo.

No Maranhão, Estado em que no período citado, a presença da ação missionária

católica foi bastante significativa, não foi possível identificar nenhum trabalho acadêmico que

tenha tido como objeto de estudo as escolas paroquiais. No entanto o auxílio a uma

instituição chamada de “escola paroquial” aparece nos registros do Governo Estadual da

década de 1930 no Estado nordestino e mostra que tal instituição escolar pode ter funcionado

por mais tempo que nos Estados do Sul do País.

Podemos inferir pelos indícios encontrados (pagamento de subvenções a escolas

paroquiais) que o Maranhão também vivenciou experiência semelhante à dos outros Estados

brasileiros, resta-nos saber por quanto tempo e em qual contexto se deu e, quais são suas

especificidades; como tais instituições estavam organizadas, bem como compreender quais

eram os critérios para o atendimento e a matrícula dos alunos e o público atendido.

Em todo caso, o mapeamento dos documentos feito até o momento, leva-nos a crer que

tal fenômeno existiu no Maranhão e que os estudos poderão contribuir para a compreensão

de parte da história da educação maranhense até o momento desconhecida.

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Referências

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