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Escrita espontânea na alfabetização em português de crianças coreanas: contribuições do letramento digital (Spontaneous writing for Korean children literacy in Portuguese: digital literacy contributions) Noemia Fumi Sakaguchi¹ ¹Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) [email protected] Abstract: This paper aims at advocating spontaneous writing (FERREIRO, TEBEROSKY, 1986) for Korean children (and foreign children in general), learners of Portuguese as a Second Language/Foreign Language. It is intended to show how they benefited from an activity under the perspective of digital literacy. Keywords: spontaneous writing; literacy; digital literacy; ideological literacy. Resumo: Este artigo advoga o uso da escrita espontânea (FERREIRO, TEBEROSKY, 1986) no processo de alfabetização de crianças coreanas (e crianças estrangeiras em geral), aprendizes de Português como Segunda Língua/Língua Estrangeira. É nosso intuito demonstrar como essas crianças se beneficiaram de uma atividade sob a perspectiva do letramento digital. Palavras-chave: escrita espontânea; alfabetização; letramento digital; letramento ideológico Introdução Crianças estrangeiras inseridas em escolas regulares subitamente se vêem diante da obrigação de cumprir com compromissos escolares, que certamente requerem a utilização da escrita no português-padrão, sendo muitas delas sequer familiarizadas com o alfabeto latino, posto que são usuárias do alfabeto de seu país de origem (e.g., coreanos, japoneses, chineses, etc.). Dentro deste contexto, acabam recorrendo ao ensino informal através de aulas particulares com professores que, por falta de alternativas no mercado e acesso a pesquisas acadêmicas, apóiam-se no tradicional ‘método da cartilha’. A problemática em torno do método já foi bastante explorada na literatura sobre aquisição da escrita em língua materna (ABAURRE, 1986, 1988; FERREIRO, TEBEROSKY, 1986; SILVA, 1991; CAGLIARI, 1998, 2000; TFOUNI, 2006; CORRÊA, 2006; SOARES, 2006, entre muitos outros), pois remonta à prática da escrita enquanto um gesto mecânico e repetitivo, desvinculada das práticas sociais intrínsecas à sua própria origem. Assim como na alfabetização em língua materna, acreditamos que a utilização do método em contexto de alfabetização de português como segunda língua 1 contribui para a formação de “alunos copiadores”, ou seja, alunos que possuem excelente escrita quirográfica, mas que não fazem sentido algum da mesma. Evidentemente, a alfabetização de crianças estrangeiras é distinta da alfabetização de crianças nativas, principalmente porque não se trata de uma língua em 1 Não faremos distinção entre os termos ‘segunda língua’ e ‘língua estrangeira’, ambos se referem à língua do Outro, em oposição à língua materna. ESTUDOS LINGUÍSTICOS, São Paulo, 38 (2): 171-182, maio-ago. 2009 171

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Escrita espontânea na alfabetização em português de crianças coreanas: contribuições do letramento digital

(Spontaneous writing for Korean children literacy in Portuguese: digital literacy contributions)

Noemia Fumi Sakaguchi¹

¹Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

[email protected]

Abstract: This paper aims at advocating spontaneous writing (FERREIRO, TEBEROSKY, 1986) for Korean children (and foreign children in general), learners of Portuguese as a Second Language/Foreign Language. It is intended to show how they benefited from anactivity under the perspective of digital literacy.

Keywords: spontaneous writing; literacy; digital literacy; ideological literacy.

Resumo: Este artigo advoga o uso da escrita espontânea (FERREIRO, TEBEROSKY, 1986) no processo de alfabetização de crianças coreanas (e crianças estrangeiras em geral), aprendizes de Português como Segunda Língua/Língua Estrangeira. É nosso intuito demonstrar como essas crianças se beneficiaram de uma atividade sob a perspectiva do letramento digital.

Palavras-chave: escrita espontânea; alfabetização; letramento digital; letramento ideológico

Introdução

Crianças estrangeiras inseridas em escolas regulares subitamente se vêem diante da obrigação de cumprir com compromissos escolares, que certamente requerem a utilização da escrita no português-padrão, sendo muitas delas sequer familiarizadas com o alfabeto latino, posto que são usuárias do alfabeto de seu país de origem (e.g.,coreanos, japoneses, chineses, etc.). Dentro deste contexto, acabam recorrendo ao ensino informal através de aulas particulares com professores que, por falta de alternativas no mercado e acesso a pesquisas acadêmicas, apóiam-se no tradicional ‘método da cartilha’. A problemática em torno do método já foi bastante explorada na literatura sobre aquisição da escrita em língua materna (ABAURRE, 1986, 1988; FERREIRO, TEBEROSKY, 1986; SILVA, 1991; CAGLIARI, 1998, 2000; TFOUNI, 2006; CORRÊA, 2006; SOARES, 2006, entre muitos outros), pois remonta à prática da escrita enquanto um gesto mecânico e repetitivo, desvinculada das práticas sociais intrínsecas à sua própria origem. Assim como na alfabetização em língua materna, acreditamos que a utilização do método em contexto de alfabetização de português como segunda língua1 contribui para a formação de “alunos copiadores”, ou seja, alunos que possuem excelente escrita quirográfica, mas que não fazem sentido algum da mesma.

Evidentemente, a alfabetização de crianças estrangeiras é distinta da alfabetização de crianças nativas, principalmente porque não se trata de uma língua em 1 Não faremos distinção entre os termos ‘segunda língua’ e ‘língua estrangeira’, ambos se referem à língua do Outro, em oposição à língua materna.

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que aquelas são lingüisticamente competentes, não possuindo domínio do conhecimento oral como ponto de referência para elaboração de hipóteses sobre a escrita. Além disso, em nosso caso específico, eram poucas as fontes de letramento em português, já que prevalecia o uso da língua coreana nas instituições família e igreja – as mais freqüentadas além da escola. Nesta, as oportunidades de comunicação se restringiam à interação com as professoras e um ou outro colega em sala de aula. Entretanto, possuíam a vantagem de ter noções mais claras sobre as funções sociais da escrita –questões ainda nebulosas para a criança que inicia seu processo de aquisição da escrita em língua materna. Os limites deste artigo não nos permitem retratar detalhadamente o intricado e multifacetado contexto de nosso trabalho em direção à transformação dos“alunos copiadores” em alunos capazes de fazer sentido da escrita e se beneficiarem dela através da escrita espontânea (FERREIRO, TEBEROSKY, op. cit.). Faremos, portanto, apenas um recorte de um dos nossos experimentos.

Em busca de soluções

As participantes eram crianças coreanas recém-chegadas da Coréia, cujas idades variavam entre 9 e 10 anos. Beneficiadas por uma política lingüística favorável à inclusão, recebiam assistência através de aulas de apoio de língua portuguesa na escola em que estudavam. No início do ano letivo, conseguiam apenas fazer cópias e reconhecer as letras do alfabeto, ainda com alguma dificuldade. Para este artigo, selecionamos as produções escritas de três alunas: Hea Jung (10 anos), Soo Jin (10 anos) e Hyun Ae (9 anos)2.

Além da literatura sobre aquisição da escrita em língua materna, contribuíram para nossas reflexões outros campos de estudo como a aquisição de segunda língua e oletramento digital, perpassando por questões culturais. A atividade proposta foielaborada, portanto, sob a perspectiva maior do letramento ideológico, em que as práticas sociais que envolvem a escrita possuem contextos culturais e sociais específicos que determinam os significados desta escrita (STREET, 1984). É desse lugar transdisciplinar que tentaremos compreender a produção escrita das crianças,vislumbrando o global sem ofuscar o idiossincrático e o singular, através do paradigma indiciário de investigação como metodologia de análise (ABAURRE, FIAD, MAYRINK-SABINSON, 1997). Para complementar a análise, baseamo-nos, também, nos dados coletados: produções das crianças e diário de aula.

A atividade que apresentaremos a seguir foi inspirada no artigo de Carmen Luke (2000) intitulado Cyber-schooling and technological change. A autora discorre acerca do uso da comunicação mediada por computador no âmbito escolar, sugerindo a utilização do e-mail como uma maneira simples de encorajar a leitura e a escrita, pois permite o engajamento dos alunos de todas as idades em um contexto real (real life communication). Na concepção desta proposta, ponderamos, também, a enorme resistência das alunas à escrita, assombradas pelo “medo de errar” e pelo “fantasma da escrita perfeita” – certamente em decorrência do uso exaustivo da cartilha em aulas particulares. Pensamos, então, na “proteção do meio eletrônico” sugerida por Castells (1999), que parece favorecer a comunicação desinibida e a expressão mais aberta, corroborando, assim, para a redução da ansiedade e da insegurança das crianças no ato

2 Os nomes são fictícios.

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de escrever. Na impossibilidade de utilizar e-mails – já que nem todas as alunas possuíam um – , foi feita uma adaptação aos cartões virtuais do site UOL3.

Análise

Antes de adentrarmos nas análises dos textos produzidos, faz-se necessário um breve preâmbulo sobre um dado que se revelou de extrema importância na composiçãoe interpretação de dois cartões virtuais: a diferença de letramento visual 4 entre as culturas.

As diferenças de letramento visual eram indubitáveis nos anikaos ou emoticons japoneses/coreanos utilizados. Os emoticons com os quais estamos habituados foram originalmente criados pelo americano Scott Fahlman (página pessoal) no início da década de 80 e, por convenção, são identificados com o rosto virado em um ângulo de 90º para a esquerda [exs.: :) :( ;) ]. Através da combinação de sinais gráficos, sua finalidade é simular expressões faciais e gestuais na tentativa de atribuir à escrita características do contexto oral de interação (CASTELLS, 1999; BRAGA, RICARTE, 2005), garantindo, assim, a efetividade da intenção do locutor através de textos escritos no meio virtual. Por sua vez, o anikao – mistura das palavras japonesas “animé” (desenhos animados japoneses) e “kao” (rosto) – é uma apropriação japonesa do emoticon americano. Entretanto, ao contrário deste, sua leitura pode ser feita sem ainclinação do rosto [exs.: ^_^ ;_; ^_~ ]. Observamos que as variações das emoções não se concentram na boca como nos emoticons, e sim, nos olhos; não por acaso, odestaque dado ao tamanho e à expressividade do olhar é um dos traços mais característicos dos animés japoneses. As diferentes leituras visuais de emoticons/anikaos instigaram as pesquisas realizadas por Yuki, Maddux e Masuda (2007). Os autores descobriram que esta curiosa diferença estaria vinculada à maneira como os sentimentos são interpretados pelas culturas. Nas culturas em que prevalece a contenção dos sentimentos em público, as emoções são captadas na área dos olhos –parte do rosto em que são menos passíveis de serem refreadas. Já nas culturas em que a expressão dos sentimentos é o padrão, a percepção desses sentimentos concentra-se na área da boca – a mais expressiva do rosto.

É inegável que as tecnologias de informação e comunicação conectam espaços sociais e culturais geograficamente diversos e permitem que os “diferentes” do mundo se conectem, reivindicando de maneira coordenada o direito de sua condição (BUZATO, 2007). Desta forma, os anikaos são apropriados pelo internetês coreano por partilharem da mesma “gramática cultural”. Nessa dinâmica, o elemento estrangeiro é rapidamente modulado por valores da comunidade e facilmente adaptado às condições locais (POSTER, 2003) sem comprometimento de nenhuma das identidades – assim foi com o internetês japonês (e sua apropriação do emoticon) e com o internetês coreano (e sua apropriação do anikao).

3 Universo On-Line. Disponível em: <www.uol.com.br>.4 Assim como a escrita, as imagens e os símbolos também possuem significações criadas e compreendidas dentro de práticas sociais, em contextos culturais e sociais específicos. A leitura e o uso de imagens e símbolos nestas circunstâncias chamamos de letramento visual. À guisa de exemplo, podemos citar o símbolo da suástica; se hoje é automaticamente associado ao nazismo nas culturas ocidentais, centenas de anos antes, o símbolo já representava templos budistas em alguns países asiáticos, e continua sendo reconhecido como tal.

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Esta nova linguagem só passa a fazer sentido nas práticas sociais e é com esta compreensão que analisaremos os cartões virtuais.

Figura 1. Cartão virtual de Hea Jung, 10 anos

A conduta da aluna Hea Jung, 10, durante as aulas de apoio era caracterizada por um alto nível de exigência para consigo mesma e pela insegurança no momento da escrita, provável influência das aulas particulares que atribuíam um peso excessivo à precisão ortográfica. Preferia, então, ater-se às cópias mecânicas – garantias de acerto. Foi com enorme surpresa, portanto, que recebemos o texto da aluna (ver Figura 1).

Sabendo que o cartão virtual seria endereçado à professora da aula de apoio –“Noemia professora” –, o tópico discursivo do cartão virtual foi sua gratidão: “estudo muito Obrigada”, “noemia professora muito obrigada”, “mu~~~~~~~~~~~~~ito obrigado”. Os três enunciados representam diversas tentativas de quantificar seu agradecimento. No primeiro, a escolha de “O” maiúsculo para grafar “Obrigada” dificilmente poderia ter sido fruto de um erro de digitação, visto que as outras aplicações da letra maiúscula foram somente nas palavras que julgou marcar o início de seus enunciados: “Oi” e “Eu”. No segundo enunciado, mais um agradecimento, desta vez, com o cuidado de evocar o nome da interlocutora. Por fim, certificou-se de que sua mensagem foi de fato compreendida pela interlocutora lançando mão do internetês coreano, estratégia encontrada pela aluna para suprir a falta de vocabulário. O uso do sinal gráfico (~) é uma das características do internetês coreano e, entre suas inúmeras aplicações, possui a função prosódica de alongar as vogais e dar ênfase à palavra –como em “muuuuuuuuuito” do internetês ocidental. A opção por“mu~~~~~~~~~~~~ito” acentuou a intensidade de sua gratidão. É notório que a aluna se baseou em observações e conhecimentos da língua portuguesa (doravante LP) em uso, extrapolando qualquer “robotização” incutida pela cartilha 5 . Além da função prosódica de alongar a vogal, o sinal gráfico (~) tem a função de preencher pausas. Também utilizado para este fim no cartão virtual, a aluna procurou “ganhar tempo” para elaborar o que “seria dito” na seqüência.

5 Se quisesse seguir cegamente as convenções “cartilhescas”, teria optado pela segmentação “mui-to”.

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Outro recurso do internetês coreano utilizado pela aluna para se expressar com maior precisão é o uso do anikao6, sendo (*^ ^*) uma alusão a um sorriso envergonhado (ver Figura 2). Hinata (1995) descreve que dentre as variadas interpretações do (sor)risonas culturas orientais, uma delas está relacionada a situações embaraçosas, expressandoo constrangimento por uma falha pessoal ou preenchimento de silêncio. No caso de Hea Jung, 10, talvez o embaraço tenha sido fruto da “ousadia” de ter utilizado o internetês coreano combinado a uma linguagem informal para se dirigir à professora – lembrando que a hierarquia professor-aluno é bastante pontuada na sociedade coreana – e/ou daconsciência de que a qualidade de sua escrita está aquém daquela comumente esperada – e cobrada – nas aulas particulares. Supondo que a aluna tivesse registrado certa preocupação com seu desempenho, este dado não foi o suficiente para impedi-la de fazer uso da escrita espontânea e do internetês coreano. É possível afirmar que o meio virtual legitimou uma atmosfera “menos escolar”, libertando-a dos cerceamentos tradicionalmente imbuídos neste contexto.

Figura 2. O anikao que representa um sorriso com “embaraço ou humildade” e um exemplo de animé correspondente. Extraído de ‘A Guide do Anime Emoticons – and why they’re getting popular’

Cansada de ver seus “erros” exaustivamente apontados por vozes externas, para quem o imperativo da cartilha predomina, a aluna se permite fazer um apelo à professora: “fara muito bonito tabom?”. Sem dúvida, só houve espaço para experimentação porque a interlocutora tinha por característica não repreender os alunos pelos “erros” cometidos. Neste trecho, encontramos hipóteses fonéticas pautadas na oralidade: a hipo-segmentação7 do marcador conversacional “tabom” e a realização idiossincrática na palavra “fara” 8. Na sentença “de fara muito....”, provavelmente a aluna se referiu à oportunidade de falar muito em português na aula de apoio, um dos únicos locais onde encontrava chance efetiva e significativa para falar a LP.

Além do internetês coreano, Hea Jung, 10, se beneficiou do uso de palavras-chave – estratégia freqüentemente utilizada por crianças em fase de aquisição da escrita em LP como língua materna (CAGLIARI, 2003) para suprir a falta de vocabulário e de estruturas gramaticais. A justificativa é que as crianças, em geral, não estão preocupadas com a estrutura sintática do enunciado, mas com sua função pragmática. Em “escora muito coração”, a intenção era dizer algo como “Eu gosto muito da escola/ Eu tenho

6 Infelizmente, não foi possível decifrar o sentido de (&^ ^&).7 Adotamos o termo ‘hipo-segmentação’ cunhado por Silva (1989) para tratar de hipóteses fonéticas que suprimem as segmentações entre as palavras previstas pela ortografia.8 Outro exemplo de realização idiossincrática é a palavra “escora”. Não acreditamos que sejam evidências de ‘transferência fonológica’, parece-nos uma escolha coerente da aluna, tendo por base seus conhecimentos na língua materna: há um fonema na língua coreana pode ser realizado com o som de uma vibrante simples (como em “caro”) em posição intervocálica (CHOI, 1996).

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carinho pela escola”. O “coração” do texto remete à escolha da figura, recurso multimodal proporcionado pelo cartão virtual.

Figura 3. Cartão virtual de Soo Jin, 10 anos

A aluna Soo Jin, 10, assim como sua colega Hea Jung, 10, não tinha muitos colegas falantes de LP com quem pudesse interagir, comprometendo a quantidade de ‘insumo compreendido’ (GASS, SELINKER, 1994) ao qual tinha acesso. Em seu cartão virtual, uma palavra que certamente gera estranhamento para o leitor não familiarizado com o contexto é “sensangnim”, hipótese fonética da aluna para a palavra coreana“sonsennim” (= “professora”). Este movimento não deixa de ser uma reflexão sobre a escrita em LP, uma tentativa de explorar o potencial desse novo código – o alfabeto latino –, utilizando-se de seu conhecimento prévio da língua coreana para isso. Ademais, a curiosa reflexão metalingüística da aluna imprimiu no cartão virtual sua origem, com a autorização de quem sabe que pertence a um reduto lingüístico-cultural ou safe house (CANAGARAJAH, 2004) – a aula de apoio – onde, sob nenhuma condição, os alunos eram forçados a abandonar ou ignorar sua língua materna.

De maneira semelhante à sua colega, Soo Jin, 10, oferece hipóteses fonéticaspautadas na compreensão da LP em uso, como na hipo-segmentação dos marcadores conversacionais “tudobem” e “tabom”.

O anikao foi imprescindível para descrever os sentimentos mais profundos da aluna. O enunciado “xÐ_xÐ...porque eu vou corea~tchau...xÐ_xД nos surpreendeu, não somente pelo uso do anikao, mas porque a idéia em si não parecia verossímil – o retorno da aluna à Coréia no transcorrer do ano letivo, posto que chegara há poucos meses. Embora não tenha sido possível apurar o sentido preciso do anikao (xÐ_xÐ),fizemos um levantamento dos anikaos aproximados: (x_x) - “nocauteado ou morto” (ver Figura 4) e (xOx9) – “naaaaaaao”. É bastante provável, portanto, que a aluna

9 Como não estamos habituados ao letramento visual do anikao, por vezes, torna-se difícil compreender seu significado: o sinal gráfico ‘x’ representa os olhos, como se estivessem contorcidos de dor. O sinal gráfico ‘O’ representa uma boca bem aberta, como se alguém estivesse gritando.

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quisesse expressar surpresa/choque com a notícia repentina de que regressaria à Coréia. O tom de “revelação” do enunciado foi acentuado com as reticências que sucederam oprimeiro anikao, criando um efeito de hesitação ou suspense. O início do enunciado com a conjunção “porque” denotou uma “subordinação sintático-semântica” com o anikao anterior (“porque eu vou corea”). Justificada a razão do choque, acrescentounova pausa (~), talvez uma mais longa, antes da despedida “tchau”. As reticências no final do enunciado traduziram perplexidade, reforçada mais uma vez pelo anikao(xÐ_xÐ). Através do anikao, seus sentimentos foram descritos com uma precisão que jamais teria sido alcançada na língua estrangeira que ainda não domina, justificando, assim, seu uso tanto no início quanto no final do enunciado.

Figura 4. O anikao que representa a expressão “morto, cansado ou nocauteado” e um exemplo de animé correspondente. Adaptado de ‘A Guide do Anime Emoticons – and why they’re getting popular’

Após o inesperado anúncio e a decorrente atmosfera melancólica que se instaurou, a aluna exclama “mais voce e muito bom!” (“mas você é muito bom!”). No enunciado, “mas” não possui a função de uma conjunção adversativa, pois não há oposição sintática e semântica de estruturas paralelas como estabelece a gramática tradicional. Todavia, a ocorrência do “mas” na oralidade pode funcionar como “freio à continuação do pensar, ou do falar” (MORAES, 1987, p.113, apud URBANO, 2003, p.114). A aluna trouxe para seu texto este uso do “mas”, permitindo que o momento pesaroso de revelação da triste notícia fosse irrompido por uma postura positiva e otimista de despedida. Não conseguimos averiguar o sentido do anikao (^*^), contudo (^0^) representa uma risada com a boca aberta e (^_^), um sorriso (ver Figuras 5 e 6, respectivamente). Em circunstâncias semelhantes ao cartão virtual de sua colega – o desfecho – o sorriso pode ter sido a manifestação do embaraço em virtude das mesmas possíveis razões: a escrita “imperfeita” e/ou a “ousadia” de se valer da linguagem coloquial e do ‘internetês coreano’. Novamente, prevaleceu o envolvimento com a atividade e o objetivo maior de interagir com a professora através do cartão virtual.

Figura 5. O anikao que representa uma “risada de boca aberta” e um exemplo de animé. Extraído de ‘A Guide to Anime Emoticons – and why they’re getting popular’

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Figura 6. O anikao que representa o “sorriso” e um exemplo de animé. Adaptado de ‘A Guide to Anime Emoticons – and why they’re getting popular’

A figura do cartão virtual escolhida pela aluna é um tanto sugestiva, um anjo com olhos “orientais” e asas, retomando a idéia da partida. Ainda assim, não há dúvidas de que a ilustração do cartão virtual configurou um elemento coadjuvante nas produções das alunas Hea Jung, 10 e Soo Jin, 10, servindo apenas como elemento decorativo. Esse não será o caso do cartão virtual de Hyun Ae, 9.

Figura 7 – Cartão virtual de Hyun Ae, 9 anos

Hyun Ae, 9, era tímida e pouco interagia com as outras crianças, falantes de português ou não. Seu contato com a LP se restringia à exposição durante as aulas e a algumas horas de aula particular por semana, além do contato com as professoras. Mais uma vez, o insumo compreendido era limitado, dificultando a expansão do vocabulário. Ainda que a aluna não tivesse a mesma intimidade com o computador como as outras alunas, os resultados obtidos foram igualmente interessantes.

A aluna pronunciava corretamente “professora”, de modo que o uso do “f” em “frofessora” deve ser indício de outro fenômeno. Ao contrário da tradicional oposição sonora/surda que costuma ocorrer com a criança em fase de aquisição da escrita, principalmente quando sussurra a palavra consigo mesma (CAGLIARI, 2003), a troca da oclusiva bilabial surda [p] pela fricativa lábiodental surda [f] pode ser justificada pela mudança do ponto de articulação ao sussurrar a palavra, realizando-a como uma fricativa e não como uma oclusiva. Merece destaque a precisão do uso dos “ss”, que, supostamente, seria algo mais “complicado” do ponto de vista ortográfico e um “erro” mais recorrente, sugerindo que a aluna já teve contato anterior com a palavra. Outro

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dado ortográfico interessante é a grafia de “cachohinho”. A escolha de “h” para representar o “rr” ortográfico é perfeitamente pertinente. O som deste no português é a da fricativa glotal surda [h], caso de “cachorrinho”, bem como de “marra” e “carro”. A aluna provavelmente notara que o som [h] era representado pela letra “h”10 em diversos nomes coreanos, concluindo, portanto, que o som [h] de “cachorrinho” deveria obedecer ao mesmo procedimento ortográfico.

O enunciado “cachohinho fofinho ne” fez referência à figura, que não somente serviu de mote para sua produção escrita, mas também potencializou o significado desta, visto que, com seu repertório limitado, não seria possível fazer uma descrição com a mesma riqueza de detalhes que o recurso visual oferecia. O que ocorreu não foi a simples somatória da imagem com o texto, e sim, a multiplicação de sentidos tanto de um recurso quanto de outro.

O uso pragmático de “ne” (“né?”) da sentença anterior aproxima a aluna de sua interlocutora. Enquanto buscava seu apoio, já vislumbrava o enunciado seguinte: “eu tanbem fofinho”. A engenhosa tática criou um efeito cômico através da analogia –inusitada – de si mesma com um filhote de cachorro, designando o adjetivo “fofinho” para ambos. É impossível dizer que foram escolhas lexicais aleatórias que levaram a esse resultado.

A grafia de “tanbem” mostra que a aluna talvez desconhecesse a convenção ortográfica que estabelece “m” antes do “b”. Por outro lado, aponta para a observação atenta da aluna que nunca vira uma palavra terminada com “n” (“hífen”, próton, etc.), elegendo a letra “m” no final da palavra. Mesmo incipiente na LP, Hyun Ae, 9, foi plenamente capaz de empregar conhecimentos cognitivos, interacionais e lingüísticosque garantiram a criação de enunciados extremamente significativos para ela e sua interlocutora

Considerações Finais

Através da perspectiva maior do letramento ideológico, elaboramos uma proposta de letramento digital em que as alunas puderam aplicar estratégias comunicativas, cognitivas e lingüísticas, em oposição às repetitivas cópias desconexas da cartilha. É importante esclarecer que não estamos negando a importância dos exercícios mecânicos de escrita, que se mostraram benéficos até certo ponto – as crianças não apresentaram sérios problemas de segmentação das palavras, por exemplo. Porém, o perigo está em fazer a criança conceber a escrita como sendo apenas isto, desvinculada de práticas sociais ou contextos específicos.

A proposta foi concluída com êxito em razão de uma somatória de fatores. Contribuíram para a comunicação mais desinibida a proteção do meio eletrônico somada à relação que as alunas tinham com a interlocutora – pois sabiam que não seriam “condenadas” por eventuais “erros”. Ademais, foi imprescindível o trabalho com a escrita espontânea que vinha sendo desenvolvido com o grupo até então, desvencilhando-as gradualmente da condição de “alunas copiadoras” e permitindo que fizessem sentido da escrita ao atribuir uma função a ela, podendo, inclusive, fazer uso de artifícios criativos para suprir a falta de itens lexicais e sintáticos da LP.

10 Por influência da ortografia em inglês (CHOI, op.cit.).

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O gênero mensagem virtual legitimou o uso do internetês, linguagem que hibridiza as estruturas complexas da escrita e da oralidade, trazendo para a escrita características da fala e favorecendo uma escrita mais próxima à realidade das alunas, alicerçada no uso da LP em contexto informal – nesse sentido, muito próximo à escrita espontânea. As alunas digitalmente letradas desfrutaram plenamente de sua condiçãopara validar o internetês coreano com seus ícones e artifícios gráficos, subvertendo a formalidade escolar da escrita na língua-alvo. Essa tática está restrita aos que têm acesso à informação, os que não a possuem estarão privados desse tipo de recurso e, conseqüentemente, de seus benefícios (CASTELLS, 2003).

Através do meio virtual, pudemos observar como o limitado repertório lingüístico foi potencializado, resultando em produções escritas que jamais seriam obtidas através da escrita quirográfica convencional. Pudemos, também, acessar diversos espectros culturais que de modo algum teríamos acessado pelo ‘método da cartilha’: a questão do internetês coreano mediante a representação do sinal gráfico (~) e o uso dos anikaos, além de uma série de questões culturais inconscientes como a ênfase da expressividade concentrada na área dos olhos e a representação do sorriso como embaraço ou preenchimento de silêncio.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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